Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8056/22.9T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL PEIXTO PEREIRA
Descritores: CONSTRUÇÃO CIVIL
DEMOLIÇÃO
ACTIVIDADE PERIGOSA
PRESUNÇÃO DE CULPA
EMPREITEIRO
DONO DA OBRA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DIREITO DE REGRESSO
SEGURO OBRIGATÓRIO
SEGURO FACULTATIVO
ILEGITIMIDADE PASSIVA
CONFISSÃO
FACTOS CONCLUSIVOS
Nº do Documento: RP202311098056/22.9T8PRT.P1
Data do Acordão: 11/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I. A aceitação da responsabilidade por uma determinada situação jurídica não se confunde com a confissão dos factos que integram essa mesma situação. Enquanto aquela respeita à posição jurídica de uma das partes sobre os factos que podem constituir fundamento da ação, porventura prévia à própria ação, a confissão, seja ela judicial ou extrajudicial, incide diretamente sobre factos-fundamento (art.º 352º do Código Civil), como é o caso do pagamento ou das circunstâncias de um acidente/sinistro.
II. Logo, não é por via de um documento em que a parte declare a existência de culpa parcial no sinistro que o tribunal poderá dar como provados factos relativos à dinâmica, ocorrência ou causalidade daquele.
III. Sempre aquela declaração não constitui confissão do pedido da ação, a outra via (processual) pela qual uma confissão pode ser relevante e produzir o efeito da condenação (art.ºs 277º, al. d), 283º, nº 1, 284º e 290º, nº 2, do Código de Processo Civil.
IV. É matéria conclusiva toda aquela que não consiste na perceção de uma ocorrência da vida real, trate-se de um facto externo ou interno (facto psíquico), mas antes constitui um juízo acerca de certa realidade factual.
V. Dentro da matéria conclusiva devem distinguir-se os juízos de facto periciais dos juízos de facto comuns passíveis de serem emitidos por qualquer pessoa com base nos seus conhecimentos.
VI. Esta distinção justifica-se porque pode ser objeto de prova pericial a apreciação de factos, quando para tanto sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial (artigo 388º do Código Civil).
VII. Na medida em que é a própria lei substantiva a determinar que a prova pericial pode consistir na emissão de juízos de valor sobre certos factos, desta configuração substantiva da prova pericial há que retirar as necessárias consequências do ponto de vista processual, nomeadamente, no que tange a delimitação do objeto da prova que, em consonância, não pode sê-lo por outro meio.
VIII. A incidência da instrução sobre matéria que implica a emissão de juízos de valor, de opiniões ou apreciações, sendo matéria que pode ser objeto de prova pericial, leva a que possa extravasar do objeto legalmente possível da prova testemunhal, ainda quando a testemunha detenha conhecimentos técnicos que pudessem concretizar um juízo especializado.
IX. Não tendo sido produzida qualquer prova pericial e dada como não provada matéria conclusiva, reconduzível a um juízo de natureza técnica, com base em depoimentos testemunhais e prova documental junta aos autos, neste circunstancialismo, sempre tal matéria deve extirpar-se dos fundamentos de facto.
X. Salvo no caso de fenómenos extraordinários, como os terramotos ou chuvas torrenciais (não se esqueça que o sinistro ocorreu no verão), a ruína de um edifício ou obra, muro, numa proximidade temporal indesmentível com a realização de trabalhos de demolição no prédio vizinho, os quais envolveram o recurso/uso de maquinaria pesada, é um facto que indicia só por si a influência causal daqueles trabalhos no desmoronamento, não se justificando por isso que recaia sobre o interessado o ónus suplementar de demonstrar a forma como/pela qual ocorreu esse nexo causal.
XI. É antes o responsável pela demolição que deve genericamente demonstrar que não foi por via dos trabalhos que executou que ocorreu a ruína do edifício ou obra – nomeadamente pela prova da observância dos cuidados na prevenção do risco de ruína de muro confinante ou de defeitos de conservação – ou que os danos continuariam a verificar-se, ainda que não houvesse intervenção sua.
XII. Sempre que entre dois institutos que concedem o mesmo direito (e em que o concurso de normas, por isso, parece não ter relevância prática) mas um deles é menos exigente (leia-se, tem menos requisitos de aplicabilidade) a escolha da norma aplicável deve ter em conta a configuração da ação e a norma subsidiária (a menos exigente) só deve ser equacionada se, por falta de prova de todos os elementos normativos integradores, o direito não for logo concedido pela norma principal.
XIII. Ou seja, se o autor alega todos os pressupostos da obrigação de indemnizar (assim configurando a sua acção) e todos ficam provados, quando o juiz aplica o direito (a esses factos) não deve começar por indagar da norma aplicável aos casos em que nem todos se provam.
XIV. Precisamente a situação que ocorre mediante já a aplicação das regras da responsabilidade pelo risco ou de presunções de culpa, não obstante o demandante ter fundamentado a sua ação na responsabilidade pela culpa efetiva.
XV. Não sendo a atividade de construção civil, a se, uma atividade perigosa , a pertinência de uma obra de demolição/limpeza e rebaixamento da quota de um prédio poder integrar a previsão do nº 2, do artº 493º, do CC, é matéria a apreciar/integrar casuisticamente, maxime aferindo se, em razão da sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, envolve uma concreta maior probabilidade de causar danos do que a verificada nas restantes atividades de construção civil em geral.
XVI. Envolvendo a atividade de construção civil em causa a realização de escavações junto e/ou nas proximidades de prédio de construção antiga, mais sentido faz concluir-se que se está na presença de uma atividade cuja probabilidade de causar danos a terceiros é mais acrescida.
XVII. As técnicas construtivas adotadas, de envergadura e elevada «agressividade» em edificações próximas justificam a integração no nº2, primeira parte, do artº 493º, do CC, da atividade de construção civil pela Ré desenvolvida em prédio confinante com aquele onde sucedeu o dano ou prejuízo.
XVIII. Para se exonerar da sua responsabilidade pelos danos causados no prédio vizinho, o empreiteiro carece de alegar e demonstrar que foram por si adotadas todas as providências exigidas pelas circunstâncias a fim de prevenir os danos, não sendo suficiente a prova de terem sido cumpridos os comuns deveres de cuidado que o vinculavam.
XIX. O empreiteiro (ou subempreiteiro) que praticou culposamente ações ilícitas ou omitiu os cuidados exigíveis na execução dos trabalhos (nomeadamente, escavações) ou executa atividade perigosa e não demonstra o cumprimento da totalidade dos deveres de segurança no tráfego adequados à evitação do dano inscrito na esfera de perigosidade acrescida da atividade, torna-se responsável perante terceiros pelo ressarcimento dos danos causados
XX. Atento o disposto nos art.ºs 497º, nº 2, e 524º do CC, conclui-se que o proprietário/dono da obra, sobre o qual recai sempre (sem culpa) a obrigação de indemnizar os proprietários vizinhos (que sofreram danos resultantes de escavações para construção de edifício no prédio daquele), tem o direito de ser reembolsado pelo empreiteiro/subempreiteiro executante dos trabalhos da indemnização que pagou, fundando-se o reembolso no direito de regresso.
XXI. Atento o regime jurídico do contrato de seguro estabelecido no Dec. Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, se no seguro obrigatório está consagrada a possibilidade de ação direta do lesado contra a seguradora, no seguro facultativo o titular do direito face à seguradora será, por via regra, a título exclusivo, o tomador de seguro/segurado.
XXII. Os nos 2 e 3 do art. 140º da LCS concedem ao lesado o direito de demandar diretamente o segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado, mas apenas nas duas situações aí mencionadas.
XXIII. Não se verificando qualquer delas, a existência de contrato de seguro (facultativo) celebrado pela ré com a seguradora não tem a virtualidade de transmutar esta em titular da relação material controvertida, apenas lhe conferindo um interesse processual acessório/secundário no litígio em apreço.
XXIV. Donde a sua ilegitimidade passiva, como parte principal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 8056/22.9T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível do Porto - Juiz 8

Relatora: Isabel Peixoto Pereira
1º Adjunto: António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos
2º Adjunto: Leonel Serôdio
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Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:
I.
O autor, AA, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, peticionando a condenação da 1.ª e 2.ª Rés, respetivamente A... – Unipessoal, Lda. e Companhia de Seguros B..., S.A. a pagarem-lhe:
a) A quantia de 23.783,34€, a título de danos patrimoniais, à qual acrescem os juros de mora calculados à taxa legal em vigor desde o seu pagamento até à presente data que se fixam em 831,44€ e ainda nos vincendos até integral e efetivo pagamento;
b) A quantia de 5.000,00€ por danos não patrimoniais, aos quais acrescem juros de mora desde a citação até integral e efetivo pagamento.
Subsidiariamente, peticiona o A.:
- Seja decretado que o Autor ficou sub-rogado (sub-rogação legal), nos direitos do lesado, e, consequentemente, devem as Rés, solidariamente, ser condenadas a pagar-lhe a quantia de €23.783,34€, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da data da citação até integral e efetivo pagamento.
Mais devem ainda as Rés, e a título de sanção pecuniária compulsória, serem condenadas a pagar ao Autor a quantia de 500,00€ por cada dia de atraso no cumprimento da sentença.
Alegou para tanto, em síntese útil, que, no decorrer dos trabalhos de empreitada, nomeadamente de limpeza de terrenos e retirada de resíduos e entulhos, que contratou com a 1.ª R., o muro meeiro em alvenaria de pedra que suportava o pátio do prédio contíguo ao seu, com o n.º …, sofreu um desmoronamento parcial. Mais alegou que este desmoronamento ocorreu devido ao comportamento dos operários da 1.ª R. que procediam aos trabalhos contratados, os quais violaram as regras de ordem técnica a que estavam obrigados, sendo a 1.ª R. (empreiteira) responsável pelos atos dos seus funcionários e, por isso, responsável pelos danos patrimoniais e não patrimoniais reclamados.
Alegou ainda que a 2.ª R., por força do contrato de seguro celebrado com a empreiteira e ora 1ª Ré, é também responsável pela satisfação dos prejuízos causados ao Autor.
A alicerçar o pedido subsidiário, invoca o A. a figura da sub-rogação legal, alegando, em suma, que pagou as obras de reparação e reconstrução ordenadas pela Protecção Civil e que foram subsequentemente (e novamente) contratadas à 1.ª R. na sequência do referido desmoronamento parcial e, por isso, ficou sub-rogado nos direitos do lesado, tendo legitimidade e interesse em demandar as Rés para ser ressarcido dos pagamentos efetuados e ainda tem direito aos juros de mora à taxa legal e ao reembolso das despesas que houver feito, o que reclama ao abrigo do disposto nos termos dos arts. 592º e 593.º, n.º 1 do Código Civil.
Regularmente citadas, ambas as Rés contestaram, declinando, em suma, a responsabilidade que se lhe é imputada pelo A. e pugnando pela improcedência da acção e, em consequência, pela respectiva absolvição dos pedidos formulados.
Em particular, a 2ª Ré aduz a excepção da falta de legitimidade material do Autor e a falta de cobertura do dano peticionado pela apólice em apreço, uma vez que, tendo em conta o âmbito e coberturas cujo risco este contrato de seguro abarca, RC Extracontratual, todo e qualquer dano resultante para o próprio A. – como serão a metade dos danos reclamados para a reconstrução do muro; remoção dos escombros na sua propriedade e reparação das infraestruturas de águas residuais, elétricas e telecomunicações, entre outras e dos próprios danos não patrimoniais reclamados – NÃO TÊM COBERTURA na apólice de seguro aqui em análise, por o risco da responsabilidade civil contratual não ter sido contratado pela 1.ª R.
Sempre, também, do ponto de vista das exclusões: a 1.ª Ré incorreu em graves erros e omissões dos seus deveres no exercício da sua actividade, que a mesma não pode nem podia desconhecer, designadamente atendendo à forma como, alegadamente, foram realizados os trabalhos de limpeza e demolição das ruínas dos prédios. Ora, não tendo a 1.ª Ré implementado tais medidas de segurança, e/ou não tendo cumprido com a observação das regras de segurança e dever de cuidado, ao menos mediante dolo eventual, encontra-se B... desonerada de ver para si transferida qualquer obrigação que à sua segurada e aqui 1.ª Ré, venha a ser exigida, nos termos do art. 2.º das Condições Especiais da Apólice , Exclusões, alínea a).
Automaticamente afastada a possibilidade de a apólice de seguro poder vir a responder pelos alegados danos que o A. aqui reclama na qualidade do terceiro sub-rogado – o vizinho do seu imóvel que terá levado com escombros e terras e que terá visto a metade do seu muro parcialmente destruído, para além dos outros danos, nos termos da exclusão taxativamente constante do nº6, da Cláusula 2, EXCLUSÕES das C. Especiais da Apólice, que consagra que: ficam também excluídas da presente apólice “quaisquer danos causados em estruturas, terrenos e edifícios/frações vizinhos do local de execução dos trabalhos. Assim, também não se garante os danos em quaisquer bens, edifícios, instalações, estruturas ou terrenos devidas a vibrações ou remoção ou a enfraquecimento de fundações, suportes ou apoios ou ainda a alteração do nível freático, bem como danos corporais ou materiais resultantes desses factos ou dos estragos por eles causados. Vem invocada também a exclusão prevista no ponto 11., da Cláusula 2.ª das Exclusões, que determina que “Ficam excluídos deste contrato, os danos que ocorram ou se manifestem após a entrega dos trabalhos (…)”.
A final, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e, em consequência, absolvendo as Rés “A... – Unipessoal, Lda” e “Companhia de Seguros B..., S.A.” dos pedidos principal e subsidiário formulados pelo A..
Recorreu o Autor, que conclui do seguinte modo:
1- Com o presente recurso, pretende o Autor impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto e de direito.
2 - Entende o Recorrente que o Tribunal a quo, não fez uma análise crítica de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento em cumprimento do disposto no artigo 607º, n.º 4, do CPC, ignorando por completo prova documental junta quer pelo Autor e Réus.
3- O recorrente não se conforma com a douta sentença, por, na sua humilde opinião, a douta decisão enfermar de erros na apreciação e na análise da prova e, consequentemente, nas conclusões de facto e de direito daí derivadas que fizeram decair os fundamentos de direito dos factos invocados e alegados pelo Recorrente.
4- O recorrente considera incorretamente julgados os seguintes pontos 28, 29 e 32 dos factos provados e as alíneas d), e) e f) dos factos considerados não provados.
5-Tais pontos dos factos provados e as alíneas dos factos não provados, foram incorretamente julgados, pois, as provas produzidas em audiência de discussão e julgamento e a prova documental junta aos autos, impunham uma decisão diversa da recorrida.
6-A Meritíssima Juiz a quo, não fez uma análise crítica da prova documental e testemunhal, tendo existido erro na apreciação do seu valor probatório.
7- O ponto 28 da matéria de facto considerada como provada está em clara contradição com os meios de prova testemunhal e documental.
8- O depoimento da testemunha Arq. BB que se considera credível, isento e em conjugação com a comunicação junta como “doc. nº 2” com a petição inicial, não pode resultar qualquer hesitação no julgador quanto a este facto, tem de se concluir que o mesmo não é de molde a confirmar a conclusão a que se chegou na 1.ª instância e vertida na decisão ora em reapreciação, relativamente aos facto vertido no mencionado item da matéria de facto dada como provada.
9-Quer do depoimento da testemunha, quer do documento indicado, extrai-se unicamente que esta testemunha simplesmente procedeu à comunicação à entidade competente, e nessa indicou o início de trabalhos para a data de 31-05-2021, no local no mesmo indicado, onde se informava que a pessoa indicada pela execução da mesma seria o Eng. CC (sócio gerente da 1ª Ré).
10- Desta prova, extrai-se ainda que a concepção técnica do trabalho a executar era da exclusiva responsabilidade da empreiteira, que tinha indicado o seu engenheiro CC (sócio gerente), que depois em sede de audiência veio a provar-se que não era, como responsável pela orientação, execução e cumprimento de todas as regras construtivas aplicáveis.
11-No contrato de empreitada, o empreiteiro age com autonomia na execução da obra, sendo responsável pelos danos que dela sobrevierem, excepto se os mesmos forem devidos a defeitos do projecto ou do terreno (Ac. da R.P de 21 de Janeiro de 1977, BMJ, 265º, 280)”.
12-A empreitada é uma obrigação de resultado, mas o empreiteiro fica adstrito, para além da obtenção de certo resultado em conformidade com o convencionado, a observar as regras da arte e normas técnicas, em particular, as normas de cuidado e segurança.
13-Mais ficou provado que a concepção técnica do trabalho a executar era da exclusiva responsabilidade da empreiteira, que tinha indicado o seu engenheiro CC (sócio gerente), como responsável pela orientação, execução e cumprimento de todas as as regras construtivas aplicáveis, conforme facto provado como ponto 3 da sentença
14- Considera assim o Recorrente que o ponto 28. deve ser considerado «não provado», ou «provado apenas que a comunicação à entidade competente, foi realizado por departamento de arquitectura e engenharia contratado pelo A., designadamente pelo representante do A., Arq.º BB.
15-Ao assim não entender, a Mmª Juíza violou o disposto nº 3 do artigo 607° do CPC.
16-Quanto ao ponto 29 a Mma Juiz errou ao considerar que as obras foram concluídas e entregues em 01.06.2021, tendo por base o email junto com a contestação como doc. 2.
17- O depoimento da testemunha DD, testemunha da 1ª Ré e em conjugação com a comunicação junta como “Doc. nº 2” com a contestação da Ré seguradora, preenchido pelo sócio gerente da 1ª Ré, em 15 de junho de 2021, onde este perante a identificada testemunha, representante da 2ª Ré (seguradora), que procedeu á peritagem do sinistro, onde expressamente afirma “que no dia 5 de Junho, saímos da obra e a dia 7 o muro contigo desabou”.
18- Da prova produzida não pode resultar qualquer hesitação no julgador quanto a este facto, tem de se concluir que os mesmos não é de molde a confirmar a conclusão a que se chegou na 1.ª instância e vertida na decisão ora em reapreciação, relativamente aos facto vertido no mencionado item da matéria de facto dada como provada.
19- Ao assim não entender, a Mmª Juíza violou o disposto nº 3 do artigo 607° do CPC.
20- Andou mal a Mma Juiz a quo e considera o Recorrente que o ponto 29 deve ser considerado provado que os trabalhos foram concluídos e entregues em 05.06.2021.
21- Quanto ao ponto 32, a Mma Juiz fundamentou a prova do facto indicado, com base na consensualidade que se alcançou sobre esta matéria entre as partes, em cotejo com o depoimento prestado pelas testemunhas EE, pai do A., e o Arq.º BB, em concatenação crítica e conjugada com os documentos juntos aos autos e que confirmam os pagamentos (facturas e comprovativos do pagamento juntos com a P.I. como “Docs. nº 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22 e 23”. E com a notificação e comprovativo de pagamento juntos com a P.I. como “Docs. nºs 24º e 25” confirmam que o Autor procedeu em 07/01/2022 ao pagamento de 1.884,80€, (942,40€x2) à CM.../Protecção Civil, pela disponibilização de 13 grades até ao dia 02/08/2021...
22- O que se provou, conforme consta dos factos provados, (ponto 11 e relatório da Proteção Civil), foi por se verificar risco para a segurança de pessoas, que o Autor procedeu ás obras nas infraestruturas e no prédio do vizinho e reconstrução do muro meeiro, indicadas naquele relatório.
23-E foi com base nestes factos alegados na sua P.I., que o Autor alicerçou o seu pedido subsidiário, invocando a figura da sub-rogação legal, alegando, em suma, que pagou as obras de reparação e reconstrução ordenadas pela Protecção Civil e que foram subsequentemente (e novamente) contratadas à 1.ª R. na sequência do referido desmoronamento parcial e, por isso, ficou sub-rogado nos direitos do lesado, tendo legitimidade e interesse em demandar as Rés para ser ressarcido dos pagamentos efectuados e ainda tem direito aos juros de mora à taxa legal e ao reembolso das despesas que houver feito, o que reclama ao abrigo do disposto nos termos dos arts. 592º e 593.º, n.º 1 do Código Civil
24-Nada consta, ou se provou que as obras foram rececionadas pelo Autor e achadas conformes com o convencionado pelas partes.
25-As obras de reparação dos danos provocados pela derrocada, que atingiu o prédio vizinho, efetivamente foram efetuadas.
26- O Autor, rececionou do vizinho lesado, após a prolação da sentença, comunicação a exigir a reparação das obras, acompanhada de relatório do estado atual do imóvel após a derrocada de 7 de junho de 2021 e reparações efetuadas, bem como para identificar as patologias existentes e o respetivo comentário técnico.
27- O relatório, é um documento superveniente, do qual o Autor, desconhecia a sua existência e justificado está não ter sido possível juntar antes, conforme estabelecido no artigo 651º, n.º 1, do C. P. Civil.
28-Desse relatório técnico, ora junto, extrai-se que a 1ª Ré não executou os trabalhos de reposição, em conformidade com o previsto, e que não era o Autor que tinha de os rececionar, mas somente teria o encargo de os pagar, (porque sub rogado na posição do lesado) conforme alegado e peticionado, o que efetivamente veio a proceder conforme o acordado com a 1 ª Ré, pelo que tem de se concluir que a conclusão a que se chegou na 1.ª instância e vertida na decisão ora em reapreciação, relativamente ao facto vertido no mencionado item da matéria de facto dada como provada, deve ser alterado e considera o Recorrente que o ponto 32 deve ser considerado como não provado.
29- Do facto da alínea d) considerados não provados, está em contradição com o facto provado sob o ponto 1 da sentença e o mesmo deverá ser provado com base no contrato de empreitada de demolição, estando de acordo com o previsto na clausula 5º do mesmo.
30-Tendo por base esta prova documental, deverá então ser considerado como provado esta alínea d) dos factos.
31-É que dúvidas não restam, quer pelo contrato celebrado entre o Autor e 1ª Ré, quer pela lei aplicável, que o empreiteiro age com autonomia na execução da obra, sendo responsável pelos danos que dela sobrevierem, excepto se os mesmos forem devidos a defeitos do projecto ou do terreno (Ac. da R.P de 21 de Janeiro de 1977, BMJ, 265º, 280 )”.
32-Do facto da alínea e) considerados não provados, dos depoimentos das testemunhas Arq. BB e da testemunha, DD, que se consideram credíveis e isentos, foram claros ao afirmarem que nas obras de demolição estava a ser usada uma máquina giratória, e que a mesma poderia ser desadequada, atento a idade dos prédios onde decorria a obra e os prédios vizinhos, bem como das vibrações que provocou que fragilizaram o muro e em conjugação com a restante prova documental, nomeadamente com o relatório, ora junto nestas alegações como doc. 1, em que aborda a derrocada, as suas consequências e responsabilidades.
33- Não pode resultar qualquer hesitação no julgador quanto a este facto, tem de se concluir que o mesmo é de molde a confirmar que este facto deverá ser dado como provado.
34- Do facto da alínea f) considerados não provados, dos depoimentos da testemunhas Arq. BB e da testemunha, DD, foram claros, desinteressados e credíveis, ao afirmar a testemunha Arq. BB que viu duas giratórias no local, quando visitou a mesma, que viu fazer a raspagem do muro e que achou, pela sua experiencia de mais de 15 anos de profissão de arquiteto violento aquela forma de demolir, tendo alertado a pessoa, que considerava que era o técnico da 1ª Ré sobre tal facto, tendo sido informado por essa pessoa, que sabiam o que estavam a fazer.
35- Assim entende o Autor que foi feita prova bastante, ou seja que não restaram dúvidas da prova do facto elencado, pelo que esta alínea deste facto deve ser considerado como provado.
36- Não concorda o Autor, com a análise da apreciação da prova, considerada pela Mma Juiz quo, que considerou que no que tange relativamente à causa que originou a derrocada a mesma não ficou provada, por não ter sido produzida prova bastante que a atestasse, tendo ficado com dúvidas sobre quais as causas/causa da queda, entendendo que que fez uma incorrecta análise e apreciação da prova.
37- Não restam dúvidas sobre a relação de causalidade física entre a atuação do 1º Réu e o dano causados, traduzido na sua derrocada.
38-Da conjugação da comunicação junta como “Doc. nº 2” com a contestação da Ré seguradora, preenchido pelo sócio gerente da 1ª Ré, em 15 de junho de 2021, onde este perante a identificada testemunha, representante da 2ª Ré (seguradora), que procedeu á peritagem do sinistro, onde expressamente afirma “que no dia 5 de Junho, saímos da obra e a dia 7 o muro contigo desabou” e quanto á resposta desse formulário em que é perguntado: O interlocutor considera que o segurador tem culpa na produção dos danos reclamados. O sócio gerente da 1ª Ré, assinala com um (X) no quadriculado Sim, acrescentando entre parêntesis (parcialmente).
39-Segundo o disposto no artigo 358.º, n.º 2 do C.Civil, a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena.
40-A declaração confessória, como sucede no presente caso, traduz o reconhecimento de um facto que, prejudicando o declarante, beneficia a contraparte, constituindo, por isso, uma confissão extrajudicial dotada de força probatória plena, nos termos dos arts. 352º e 358º, nº 2, do CCivil.
41-A 1ª Ré, sempre assumiu expressamente e por escrito a exclusiva responsabilidade e culpa pelos danos.
42- Neste sentido, com as devidas adaptações, decidiu o Acórdão da Relação do Porto, de 09/09/2013, proferido no processo nº 1609/08.0TJPRT.P1, da 5.a Secção, nos termos do qual: I- Tendo a seguradora, em carta dirigida ao representante do lesado, assumido a culpa do condutor do veículo segurado e a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes do acidente tal declaração tem a natureza de confissão extrajudicial, revestindo força probatória plena, nos termos do n° 2, do artigo 358.° do Código Civil. II- Na situação descrita torna-se irrelevante o facto de a confissão ter sido assumida numa fase negocial e de as partes não terem chegado a acordo quanto ao montante da indemnização, não podendo tal confissão ser ignorada ou esquecida pelo tribunal, que deverá recusar a (inútil) discussão da culpa e passar diretamente à avaliação dos danos."
43- Da prova produzida não pode resultar qualquer hesitação no julgador quanto a este facto, tem de se concluir que o mesmo não é de molde a confirmar a conclusão a que se chegou na 1.ª instância e vertida na decisão ora em reapreciação, relativamente aos facto vertido no mencionado item da matéria de facto dada como não provada.
44-Ao assim não entender, a Mmª Juíza violou o disposto nº 3 do artigo 607° do CPC.
45- O Tribunal incorreu em erro de julgamento ao dar como não provados os factos descritos nos itens em referência, devendo, na sua óptica, os mesmos serem considerados como provados.
46-O Autor, conforme consta da douta sentença, alegou que, no decorrer dos trabalhos de empreitada, nomeadamente de limpeza de terrenos e retirada de resíduos e entulhos, que contratou com a 1.ª R., o muro meeiro em alvenaria de pedra que suportava o pátio do prédio contíguo ao seu, com o n.º …, sofreu um desmoronamento parcial e que tal desmoronamento ocorreu devido ao comportamento dos operários da 1.ª R. que procediam aos trabalhos contratados, os quais violaram as regras de ordem técnica a que estavam obrigados, sendo a 1.ª R. (empreiteira) responsável pelos actos dos seus funcionários e, por isso, responsável pelos danos patrimoniais e não patrimoniais reclamados e por força do contrato de seguro celebrado com a empreiteira e ora 1ª Ré, é também responsável pela satisfação dos prejuízos causados ao Autor a 2.ª R..
47- O Autor alicerçou o pedido subsidiário, invocando a figura da sub-rogação legal, alegando, em suma, que pagou as obras de reparação e reconstrução ordenadas pela Protecção Civil e que foram subsequentemente (e novamente) contratadas à 1.ª R. na sequência do referido desmoronamento parcial e, por isso, ficou sub-rogado nos direitos do lesado, tendo legitimidade e interesse em demandar as Rés para ser ressarcido dos pagamentos efectuados e ainda tem direito aos juros de mora à taxa legal e ao reembolso das despesas que houver feito, o que reclama ao abrigo do disposto nos termos dos arts. 592º e 593.º, n.º 1 do Código Civil.
48-O juiz não está obrigado a aceitar o enquadramento jurídico que as partes oferecem para os factos alegados e provados, sendo livre na aplicação do direito – artº 5º, nº 3 do CPC.
49- Em sede de responsabilidade contratual, a culpa do devedor presume-se, tendo ele o ónus de provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua, de acordo com o n.º 1 do art.º 799.º do C.C.
50- No contrato de empreitada, o empreiteiro age com autonomia na execução da obra, sendo responsável pelos danos que dela sobrevierem, excepto se os mesmos forem devidos a defeitos do projecto ou do terreno (Ac. da R.P de 21 de Janeiro de 1977, BMJ, 265º, 280)”.
51- A concepção técnica do trabalho a executar era da exclusiva responsabilidade da empreteira, que tinha indicado o seu engenheiro CC (sócio gerente), como responsável pela orientação, execução e cumprimento de todas as as regras construtivas aplicáveis, conforme facto provado como ponto 3 da sentença.
52- Ao assim não entender, a Mmª Juíza violou o disposto nº 3 do artigo 607° do CPC.
53- Não obstante seja controversa a espécie de responsabilidade civil em causa na presente ação, até porque a distinção não é fácil, por estarmos “perante duas espécies de responsabilidade civil que podem coexistir, sendo que o mesmo facto pode constituir, ao mesmo tempo, uma violação do contrato e um facto ilícito. Pode, além disso, existir um único dano, produzido por único facto, o qual, além de constituir violação de uma obrigação contratual, pode ser também lesivo do direito absoluto à vida ou à integridade física – ou, até ao património (cf. Pinto Monteiro, in "Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil", págs. 430 /431) – cf. ac. TRG 20.03.2018, proc. 304/17.3T8BRG.G1.
54- Em sede de responsabilidade contratual, a culpa do devedor presume-se, tendo ele o ónus de provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua, de acordo com o n.º 1 do art.º 799.º do C.C.
55- Da matéria factual apurada é possível, concluir que, no caso em apreço, a 1ª Ré, actuou de forma negligente e imprevidente e contra ou em desrespeito das mais elementares regras de arte, de técnica, de segurança e de cuidado que no caso se impunham e a que estava obrigado, e que se tivessem tomado teriam evitado o desmoronamento do prédio, em clara violação das normas do artigo 1º, 15º, 54º, 135º, 136º, 138º RGEU, sendo certo que, nos termos do disposto no artº 164º desse diploma, a negligência é sempre punida.
56-A 1.ª Ré, incorreu em graves erros e omissões dos seus deveres no exercício da sua actividade, que a mesma não pode nem podia desconhecer, designadamente, atendendo à forma como, foram realizados os trabalhos de limpeza e demolição das ruínas dos prédios urbanos com os números ... a ... na Rua ..., freguesia ..., na cidade do Porto, pela inobservância de elementares deveres de cuidado e segurança, e pela utilização de uma máquina giratória.
57- Não se pronunciou o Tribunal a quo, sobre a responsabilidade contratual, apesar de no enquadramento jurídico-factual, ter ficado aceite que foi celebrado um contrato de empreitada.
58-Esses factos foram alegados em sede de contestação pela 2ª Ré, nomeadamente na matéria vertida nos artigos 26º, 27º, 29º, 30º, 31º 38º, 39º, 40º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 47º, 48º e 49º e 58º da contestação.
59-A sentença ao deixar de se pronunciar sobre a responsabilidade contratual, e sobre a matéria dos artigos da contestação da Ré seguradora, incorreu a sentença na nulidade prevista na al. d) do nº 1 do artº 615º do C.P.C..
60-Na douta sentença, também ficou provado no ponto 17. que “No decorrer da [primeira] obra de limpeza e demolição, a 1ª Ré utilizou uma máquina giratória para executar os respectivos trabalhos”, conforme provado no ponto 1 do sentença, e decorrente do contrato de empreitada de demolição cabia em exclusivo á 1ª Ré a utilização dos meios materiais e humanos para a execução do trabalho.
61-Da conjugação destes factos, a Mma Juiz não retirou as devidas consequências jurídicas e aplicou o direito.-Cfr. Art. 5º do CPC
62-A jurisprudência vem considerando que a atividade desenvolvida na construção civil, como o emprego de uma retroescavadora, enquadra-se no conceito de actividades perigosas, pela sua própria natureza (art. 493, nº 2, do C.C.), por a utilização da mesma pode produzir estragos em todas as coisas (móveis ou imóveis), contíguas ou circundantes. entre outros o Ac. do STJ, proc. nº 03ª1577, de 03/06/2003, Ac. do TRP, proc. nº 0650306, de 20/03/2006 e Ac. TRC.15/3/94, disponíveis em www.dgsi.pt
63-De acordo com o disposto no artigo 493º, n.º 2 do mesmo Código, “Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de as prevenir.”.
64-Esta norma estabelece precisamente uma presunção de culpa por parte de quem exerce uma actividade perigosa e se se pode afirmar que nem toda a obra de construção civil pode considerar-se por si só uma actividade perigosa, a verdade é que a perigosidade a que se refere o artigo há-de ser apreciada em cada caso e em função das circunstâncias concretas do mesmo – Pires de Lima e Antunes Varela, citando Vaz Serra, Código Civil – Anotado, Volume I, página 495.
65-Esta obra de construção civil, implicou trabalhos de escavação, remoção de entulhos, utilização de máquina giratória, junto a prédios vizinhos, com bastantes anos de construção, pelo que terá de considerar-se, “pela natureza dos meios utilizados”, como o exercício de actividade perigosa, para efeitos do disposto no mencionado artigo incumbindo, por isso, à 1ª Ré fazer a prova de que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos.
66- Não tendo a mma Juiz a quo, apurado a responsabilidade nos termos do artigo 493º do CPC, incorreu na nulidade prevista na al. d) do nº 1 do artº 615º do C.P.C..
67-Não obstante a ação ter sido intentada com fundamento na culpa da 1º Ré, sempre o tribunal poderia, não se provando a culpa, decidir com base no risco, sem incorrer em excesso de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), 2ª parte, do C.P.C., pois quando o autor peticionou a condenação dos Réus num dos domínios em que vigora a responsabilidade objetiva, mesmo que invoque a culpa do demandado, ele quer presuntivamente, a menos que haja qualquer declaração em contrário, que o mesmo efeito seja judicialmente decretado à sombra da responsabilidade pelo risco, no caso de a culpa se não provar.
68-Tendo o Autor invocado a culpa da 1º Ré, e num caso em que excecionalmente vigore o princípio da responsabilidade objetiva, mesmo que não se faça prova da culpa do lesante/demandado, o tribunal deve averiguar se o pedido procede à sombra da responsabilidade pelo risco.
69-Sem prescindir do que vem de se dizer, e para o caso de se entender ter a 1ª Ré ilidido a culpa que sobre si impendia, importa atentar ao disposto nas normas do RJUE, determina que o seu infrator fique incurso em responsabilidade civil extracontratual pelos danos, nos termos da lei civil, conforme o disposto no nº 1, do art. 100-ºA do DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro.
70-As omissões respeitantes à actuação da 1.ª Ré, como empreiteira de tal obra, consubstanciam verdadeiros actos e omissões dolosas, pelo menos na modalidade de dolo eventual, como supra invocado.
71-Deveria a Mma Juiz, ter apreciado a culpa da 1º Ré, ao abrigo do artigo 493º do CPC, não competindo ao autor provar os elementos de facto atinentes à culpa da 1.ª Ré.
72- Não o tendo entendido, a sentença recorrida violou, entre outros, o disposto no artigo 493º, 799º e 800º do C C. 411.º, 414º, 526.º 615º, al, d) todos do CPC e o art.100-ºA do D.L. n.º 555/99, de 16 de Dezembro.
Reclama o recorrente que a sentença seja substituída por outra que condene as Rés nos termos sobreditos.

Contra-alegou apenas a 1º Ré, concluindo pela total improcedência do recurso.
Sempre o recorrente indica os concretos pontos da decisão que, alegadamente, se mostram incorrectamente julgados, mas erra de modo clamoroso na indicação dos concretos meios de prova que impunham urna decisão diversa da recorrida. Até porque, em bom rigor, nada impõe tal mudança. Ora, a fundamentação da resposta à matéria de facto foi elaborada de modo pleno, objectivo, circunstanciado e justificado. Nada, mas absolutamente nada, impõe uma decisão sobre a matéria de facto diversa da proferida. Muito menos os depoimentos invocados pelo demandante. Estando em causa, acima de tudo, se a convicção formada no Tribunal Recorrido tem suporte razoável naquilo que a gravação demonstra, é de concluir que os depoimentos prestados pelas testemunhas citadas na fundamentação das respostas dadas à matéria de facto é suporte bastante e pleno para a matéria dada como provada, que, por conseguinte, se deverá manter inalterada.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II.
Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), são de fato e de direito as questões a tratar. Assim:
A) Do errado julgamento da matéria de facto quanto aos pontos 18,29 e 32 dos factos provados e às alíneas d) a f) dos factos não provados, a implicar de jure, a um tempo,
B) A afirmação, em primeira linha, da responsabilidade contratual da 1ª Ré; sempre a afirmação da responsabilidade extracontratual desta, mediante a aplicação da presunção de culpa relacionada à prática de atividade perigosa e sempre a responsabilidade pelo risco.

A) Da impugnação da matéria de fato

O recurso pode ter como objeto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e a reapreciação da prova gravada (cfr. art. 638º, nº 7, e 640º do C.P.C.).
Reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detetar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento» (preâmbulo do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido.
Donde, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para delimitar o objeto do recuso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 228).
Consequentemente, dispõe o art. 640º, n 1 do C.P.C. que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Mais se estabelece que quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (art. 640º, nº 2, al. a) citado).
A jurisprudência vem afirmando as seguintes orientações, com relevo para a situação versada:
a) os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (neste sentido, Ac. do STJ, de 28.04.2014, Abrantes Geraldes, Processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1);
b) dever-se-á usar de maior rigor no apreciação cumprimento do ónus previsto no nº 1 do art. 640º (primário ou fundamental, de delimitação do objeto do recuso e de fundamentação concludente do mesmo, mantido inalterado), face ao ónus previsto no seu nº 2 (secundário, destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exata das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1). E, assim, o ónus de indicação exata das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicção com exatidão das passagens da gravação onde se funda o recurso só será idónea a fundamentar a rejeição liminar do mesmo se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (neste sentido, Ac. do STJ, de 26.05.2015, Hélder Roque, Processo nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, Ac. STJ de 22.09.2015, Pinto de Almeida, Processo nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1, e Ac. do STJ, de 19.01.2016, Sebastião Póvoas, Processo nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, onde se lê que o ónus em causa estará cumprido desde que o recorrente se reporte à fixação electrónica/digital e transcreva os excertos que entenda relevantes, de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório). Pelo que cumpre o ónus do art. 640º, nº 2 do C.P.C. quando não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento…
O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, assenta em três regras: a pronúncia cinge-se à matéria de facto impugnada pelo Recorrente; quanto a essa impõe-se um novo julgamento; no qual a convicção do tribunal de recurso é formada de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
De todo o modo, também vem sendo entendido que o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.
«Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609).
Tem a jurisprudência decidido também que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.
Assim é que, se a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto intende modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados, tendo por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, essa tarefa é-o na medida em que o enquadramento jurídico dos factos tidos por provados conduza a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, como os anteriores acessível na base de dados da dgsi).
Donde, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, no mesmo lugar). E, assim, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10, na mesma base de dados).
Nas conclusões das alegações de recurso apresentadas vem perfeitamente caraterizada a indicação dos concretos pontos de facto cuja decisão o tribunal ad quem deve reapreciar, como bem assim a indicação do sentido da decisão a proferir sobre eles e ademais invocados os meios de prova que determinam aquisição probatória distinta. Por isso, nas conclusões das alegações de recurso o recorrente cumpriu cabalmente os requisitos obrigatórios que condicionam a possibilidade de apreciação da matéria de facto, da qual, assim, pois, se conhecerá.
Na sentença recorrida houveram-se por provados os seguintes factos, com relevância para a decisão a proferir:
1. Em 20 de Maio de 2021 o Autor celebrou com a 1ª Ré um contrato que as partes denominaram de “Contrato de empreitada de demolição” tendo o seguinte objecto (cláusula 1.ª):
“1.º O presente contrato tem por objecto a execução de uma empreitada relativa à demolição integral de um imóvel, e consequente limpeza, desembaraço e remoção de todos resíduos daí resultantes e depósito em aterro licenciado, deixando o local da obra livre de quaisquer entulhos e/ou materiais sobrantes;
b) Constitui, ainda, parte da empreitada, o rebaixamento da cota, do terreno depois de limpo, correspondente a 50 centímetros numa área de 186 metros quadrados, no imóvel sito na Rua ..., ..., na cidade do Porto;
c) O valor total da empreitada será de € 12.080,00 (doze mil e oitenta euros), acrescido do IVA à taxa legal de 6% conforme previsto na verba 2.23 da lista I anexa ao CIVA.”.
2. Foi estipulado ainda que a 1.ª deveria dar início aos trabalhos, com entrada em obra a 31 de Maio de 2021, mais estipulando que o prazo de conclusão inicial previsto para a sua execução era de 3 semanas (21 dias), salvo se ocorressem quaisquer factores externos, anómalos e alheios à vontade das partes, caso em que poderia ser prorrogado (cláusula 4.ª do contrato).
3. O Autor comunicou o início dos trabalhos aos serviços competentes, tendo sido submetido electronicamente através do Portal do Munícipe da Câmara Municipal ... em 24-05-2021 e foi registado com o n.º único de documento NUD/.../.../CM....
4. A 1ª Ré deu inicio aos trabalhos de empreitada ainda no mês de Maio de 2021, nomeadamente procedendo à limpeza dos terrenos e retirada dos resíduos e entulhos.
5. Em 07/06/2021, a hora não concretamente apurada mas aproximadamente pelas 22:30 horas, o muro meeiro em alvenaria de pedra que suportava o pátio do prédio contíguo ao do A., com o n.º …, sofreu um desmoronamento parcial.
6. Em consequência da ocorrência do desmoronamento ficaram as infra-estruturas de águas residuais, eléctricas, telecomunicações, entre outras, danificadas.
7. O remanescente desse muro, apresentava-se em risco de queda.
8. O muro de suporte, do prédio n.º ... que confronta com a via pública, apresentava alguma deformação/inclinação, com algum perigo de tombamento.
9. A ocorrência do desmoronamento do muro de suporte e os danos daí resultantes, foram comunicados à Protecção Civil, no dia 07/06/2021, através de alerta do Batalhão de Sapadores Bombeiros, a qual esteve presente no local naquele dia.
10. O Autor teve conhecimento de tal facto por intermédio do seu representante legal em Portugal, Arquitecto BB, que enviou tal informação ao A. através da plataforma de comunicação à distância “WhatsApp”.
11. Na sequência do desmoronamento, o Departamento Municipal de Protecção Civil enviou no dia 8 de Junho de 2021 o seguinte email ao representante legal do A. em Portugal, Arquitecto BB:
“Subject: Mitigação de riscos – Rua ... – documento NUD/.../.../CM...
Excelentíssimo Sr. Arq.º BB,
Na qualidade de representante do proprietário do prédio sito à Rua ..., com o n.º ..., ..., e tendo em conta a reunião no local no dia 08/06/2021 serve o presente email a informar que face à ocorrência de desmoronamento de muro de suporte confrontante com o n.º ... ocorrida no dia 07/06/2021 verificou-se risco para a segurança de pessoas.
Nas visitas aos locais nos dias 07 e 98 para avaliação das condições de segurança, verificou-se:
- Foram efectuados trabalhos de demolição no prédio em referência recentemente.
- A parede meeira confrontante com o n.º … encontra-se pontualmente fragilizada derivado da remoção de blocos graníticos que compunham os cunhais com as paredes transversais e encontra-se exposta às intempéries.
- Desmoronamento de muro de suporte em alvenaria de pedra que suportava o pátio do prédio contíguo com o n.º ….
- Remanescente do muro em risco de queda e infraestruturas danificadas derivado do desmoronamento.
- Deformação de muro do prédio n.º ... que que confronta com a via pública.
Os factos referidos representam grave perigo para pessoas e bens, pelo que o proprietário do prédio em referência deverá iniciar de imediato as seguintes medidas para salvaguarda da segurança de pessoas e bens:
- Consolidação da parede meeira e devida e impermeabilização.
- Remoção de escombros resultantes do desmoronamento.
- Desmonte do remanescente do muro em risco de desmoronamento.
- Execução de muro de suporte, de modo a garantir a segurança do prédio contíguo como n.º ….
- Reparação das infraestrutas afectadas pelo desmoronamento do muro (águas residuais, eléctricas, telecomunicações, etc).
- Execução de outras medidas julgadas necessárias para garantir a segurança dos prédios.
No dia 07/06/2021 foi estabelecido um perímetro de segurança de modo a salvaguardar a segurança de pessoas com recurso a 13 grades.
As medidas devem ser concluídas num prazo de 10 dias úteis.”.
12. Posteriormente, em 21/06/2021, o Departamento Municipal de Protecção Civil, mediante despacho e relatório final, confirmou a necessidade de elaboração das obras no prazo estabelecido por esta.
13. O Autor solicitou orçamento à 1ª Ré e contratou a mesma para a realização das obras determinadas pelo Departamento Municipal de Protecção Civil para reconstrução e reparação dos danos.
14. A reconstrução integral da parede meeira e respectivo tratamento de impermeabilização, remoção de escombros resultantes do desmoronamento, desmonte do remanescente do muro de suporte em risco de desmoronamento, execução de muro de suporte, de modo a garantir a segurança do prédio contíguo com o n.º … e a estabilização do muro face à via pública, a construção do chão do pátio, aplicação de cerâmica para o exterior e respectiva pintura, a reparação das infra-estruturas afectadas pelo desmoronamento do muro (águas residuais, eléctricas, telecomunicações, etc.) e a execução de outras medidas julgadas necessárias pelo Departamento Municipal da Protecção Civil foram posteriormente concretizadas por técnico habilitado, que consistiam na impermeabilização da parede da cota superior (tela pitonada).
15. As obras foram divididas por vários orçamentos e no valor de 12.350,00€, acrescido de IVA, 1.750,00€, acrescido de IVA e 5.633,40€ com IVA incluído, em 11 de Junho e 15 de Junho, correspondentes aos orçamentos de 11/06 (enviado por email) e nº 2021/5 de 15/06.
16. Posteriormente, em 25/07, (enviado por mail) foi apresentado novo orçamento a acrescer para a reconstrução e reparação dos danos e trabalhos ainda necessários efectuar, no valor de 6.440,00€, acrescido de IVA.
17. No decorrer da [primeira] obra de limpeza e demolição, a 1ª Ré utilizou uma máquina giratória para executar os respectivos trabalhos.
18. O Autor pagou à 1ª Ré as obras de reconstrução e de reparação dos danos decorrentes da derrocada nos prédios e nas infra-estruturas e pagou a disponibilização de grades pela CM.../Protecção Civil.
19. Com as obras de reconstrução e de reparação necessárias à reposição da situação anterior (consolidação da parede meeira e respectivo tratamento de impermeabilização e remoção de escombros resultantes do desmoronamento e nas infra-estruturas-águas residuais, eléctricas, telecomunicações, etc.), despendeu o autor a quantia de 21.898,54€, tendo procedido, após recepção das facturas, ao seu pagamento nos seguintes valores e datas:
-facturas nºs 41 e 42, ambas emitida em 14/06/2021, no valor de 3.927,30€ e 1.855,00€, cujo pagamento foi efectuado mediante transferência bancária em 24/06/2021.
-factura nº 48, emitida em 07/07/2021, no valor de 6.545,00€, cujo pagamento foi efectuado mediante transferência bancária no próprio dia.
- factura nº 52, emitida em 25/07/2021, no valor de 2.618,20€, cujo pagamento foi efectuado mediante transferência bancária em 26/07/2021.
- factura nº 56, emitida em 27/07/2021, no valor de 2.047,92€, cujo pagamento foi efectuado mediante transferência bancária no próprio dia.
- factura nº 57, emitida em 01/08/2021, no valor de 3.413,20€, cujo pagamento foi efectuado mediante transferência bancária em 02/08/2021.
- factura nº 67, emitida em 10/08/2021, no valor de 1.491,42€, cujo pagamento foi efectuado mediante transferência bancária em 12/08/2021.
20. O Autor procedeu em 07/01/2022 ao pagamento de 1.884,80€, (942,40€x2) à CM.../Protecção Civil, pela disponibilização de 13 grades até ao dia 02/08/2021.
21. O Autor, é médico Ginecologista-Obstetra, exercendo a sua profissão em Hospital, em ..., Alemanha.
22. Os acontecimentos decorrentes da derrocada causaram ao Autor um mal-estar psicológico pois andava nervoso, sem paciência, pouco tolerante e irritava-se facilmente.
23. O A. esteve durante uma semana de baixa psicológica.
24. O Autor sentiu desgosto pelos acontecimentos decorrentes da derrocada;
25. ... Passou muitas horas em conversas telefónicas e escritas, incluindo com o gerente da 1ª Ré e com a Protecção Civil;
26. ... E sentiu receio de não conseguir cumprir com o prazo estabelecido pela Protecção Civil para a mitigação dos danos.
Mais se provou que:
27. À data do desmoronamento parcial referido, a 1º Ré tinha transferido para a 2º Ré o risco inerente à sua actividade, através de contrato de seguro celebrado com a seguradora “B...”, celebrado em 8 de Dezembro de 2020 e titulado pela Apólice nº ..., em vigor desde as 00:00 horas de 09/12/2020 até às 00:00 horas de 09/12/2021.
Provou-se ainda que:
28. Todos os contactos com a 1.º R., nomeadamente especificações, acompanhamento técnico, instruções, licenciamento e comunicações às entidades competentes, foram realizados por departamento de arquitectura e engenharia contratado pelo A., designadamente pelo representante do A., Arq.º BB, que acompanhou todo o processo desde o início e ao longo do decurso dos trabalhos.
29. Os trabalhos de demolição contratados pelo A. à 1.ª R. foram concluídos e entregues em 01.06.2021.
30. Foi comunicado à 1.ª R. estar em curso processo de construção, pelo que o seu trabalho estaria concluído. ...
31. Analisados todos os orçamentos que pediu e recebeu, o A. decidiu adjudicar a realização dos trabalhos para reconstrução e reparação dos danos decorrentes da derrocada à 1.ª R.;
32. ... Que os executou em conformidade com o previsto, que foram recepcionados pelo A., achados conformes com o convencionado entre as partes e pagos, sendo para efeito emitidas as respectivas farturas e os competentes recibos.
33. Foi solicitado pelo A. à 1.ª R. que esta realizasse a competente participação à sua Companhia Seguradora, ao abrigo da apólice de seguro de responsabilidade civil de actividade, o que a 1.ª R. fez junto da 2.ª R..
34. A 2.ª R. procedeu à abertura do processo de sinistro, procedeu às peritagens e declinou qualquer responsabilidade.
Por sua vez, com relevância para a decisão a proferir, ali se consignou que não resultaram provados os seguintes factos:
a) Que a 1ª Ré deu início aos trabalhos de empreitada no dia 31 de Maio de 2021 tendo-se apenas provado a este respeito o vertido nos pontos 2 e 4 da matéria de facto provada.
b) Que o desmoronamento parcial do muro meeiro em alvenaria de pedra, que suportava o pátio do prédio contíguo ao do A., com o n.º …, ocorrido no dia 7 de Junho de 2021, sucedeu quando ainda decorriam os trabalhos de demolição, limpeza e remoção dos resíduos que foram levados a efeito pela 1ª Ré nos prédios do Autor.
c) Que foi por a 1ª Ré não ter disponibilidade financeira para pagar os danos causados que o A. resolveu solicitar orçamento e contratou a mesma para a realização das obras de reconstrução e reparação dos danos.
d) Que no decorrer da obra de limpeza e demolição, a 1ª Ré, entendeu colocar a máquina giratória a que se alude no ponto 17 da matéria de facto para optimizar e acelerar os trabalhos, para assim cumprir com os prazos de execução da obra, prevista na clausula 4º, nº1 do contrato de empreitada.
e) Que esse equipamento (máquina giratória) era desadequado para a execução do trabalhos de limpeza e demolição contratados pelo A..
f) Que os operários da 1ª Ré, por descuido e com recurso à máquina giratória, removeram os blocos graníticos que compunham os cunhais com as paredes transversais da parede meeira sem se aperceberem que tais blocos eram um dos suportes do prédio urbano do prédio vizinho, que confronta com o prédio do Autor.
g) Que, em virtude da derrocada, e da necessidade de efectuar as obras exigidas pela Protecção Civil, o A. perdeu direitos de construção.
h) Que em virtude da derrocada, o Autor teve de cancelar as suas férias agendadas para Julho desse ano, não tendo desse modo oportunidade de recuperar psicologicamente após ano intenso de trabalho, o que o deixou ainda mais triste e angustiado.
i) Que foram alertados os representantes do A. que, do muro meeiro do prédio contiguo, surgia água, sendo necessário proceder a isolamento e construção de muro de suporte.
j) Que, no decurso da realização dos trabalhos de reconstrução, foi verificado que a causa da derrocada parcial do muro, foi consequência, da ausência de canalização e caixas de recepção de águas pluviais do prédio contiguo, o que foi comunicado ao A..
Para fundamentar a convicção do tribunal, consignou-se na decisão, com relevo/interesse para a aquisição ou falta de prova dos factos que vêm postos em causa no recurso, que esta: «assentou na análise crítica e conjugada de todos os documentos juntos aos autos, dos depoimentos prestados pelas várias testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, assim como nas declarações de parte produzidas em sede de audiência final, mediante o seu confronto e apreciação concatenada e crítica, e atendendo às regras de experiência comum, habitualidade e normal suceder, bem como às regras de repartição do ónus da prova.
Toda a prova foi apreciada segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, não se confundindo esta apreciação com uma apreciação arbitrária, nem com uma simples impressão no espírito do julgador, antes obedecendo a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
(…) Por sua vez, para a demonstração da factualidade atinente à derrocada parcial do muro meeiro em alvenaria de pedra que suportava o pátio do prédio contíguo ao do A., com o n.º …, designadamente a sua ocorrência no dia 7 de Julho de 2021, momento temporal em que, diversamente do alegado pelo A. na petição inicial a sustentar (causa de pedir) os pedidos que formulou contra as Rés, as obras de demolição e limpeza do imóvel já haviam sido concluídas pela 1.º R., interessaram desde logo e em especial os depoimentos das testemunhas FF e GG, ambos engenheiros de formação e a prestar serviço no Departamento Municipal de Protecção Civil da Câmara Municipal ..., e que estiveram no local logo após ter sido reportada a derrocada pelo Batalhão de Sapadores Bombeiros, os quais, de forma reciprocamente concordante e em consonância com a prova documental junta com a petição inicial (email de 8 de Junho de 2021, cujo teor foi transcrito no “facto provado” n.º 11; e despacho e relatório final do Departamento Municipal de Protecção Civil que se aludem no “facto provado” n.º 12), confirmaram o desmoronamento parcial desse muro e, bem assim, o risco de queda que oferecia o remanescente, mais esclarecendo sobre a necessidade de serem realizadas as obras que vieram a ser determinadas e notificado o A., na qualidade de dono do prédio, para realizar no local a fim de mitigar / prevenir o perigo para a segurança de pessoas e bens que resultou da derrocada.
De sublinhar a maior equidistância que estas duas testemunhas, por comparação às demais testemunhas inquiridas na audiência final, evidenciaram em relação às partes dos presentes autos, que nem sequer conhecem, com o que inelutavelmente os respectivos depoimentos mereceram reforçada credibilidade.
(…) Relativamente à data da conclusão dos [primeiros] trabalhos (“facto provado” n.º 29) de demolição contratados à 1.ª R., e sua entrega em 1 de Junho de 2021, isto é, seis dias antes da derrocada parcial do muro (ocorrida posteriormente no dia 7 de Junho de 2021), interessou o email junto com a contestação como “Doc. 2” (do qual se antevê terem esses trabalhos de demolição e limpeza sido concluídos na data de 1 de Junho de 2021) em cotejo crítico e concatenado com a inquirição dos operários da 1.ª R. que executaram no local tais trabalhos (HH e II) e das acima identificadas testemunhas do Departamento Municipal de Protecção Civil da Câmara Municipal ... (FF e GG) que atestaram, mais uma vez concordantemente, não estarem a decorrer os trabalhos de demolição e limpeza.
Em suma, a factualidade provada resultou da prova assim produzida e valorada, de todos os documentos juntos, acima elencados, do acordo mínimo que se pode alcançar do cotejo dos articulados das partes, em concatenação crítica e conjugada com os depoimentos e declarações prestados pelas partes e testemunhas inquiridas nos moldes expostos.
No que tange à matéria fáctica não provada, a mesma ficou a dever-se (…), quanto aos demais factos não provados, por não ter sido produzida prova bastante que a atestasse (“factos não provados” levado às alíneas a), d). e), f), h), i) e j)).
Tal sucedeu relativamente à causa que originou a derrocada.
Quanto a esta materialidade, o A. imputou a causa da derrocada parcial do muro ao comportamento negligente e violador das regras de ordem técnica a que estavam obrigados os operários da 1.ª R., sustentando que, por isso, os mesmos praticaram facto ilícito e culposo, recaindo sobre a 1.ª R. a responsabilidade por indemnizar o A. (pelos actos praticados pelos seus funcionários).
Por sua vez, a 1.ª R. sustenta que o desmoronamento parcial do muro foi provocado pela ausência de canalização e caixas de recepção de águas pluviais do prédio contiguo, sustentado ainda que os representantes do A. foram por si alertados que, do muro meeiro do prédio contíguo, surgia água, sendo necessário proceder a isolamento e construção de muro de suporte.
Ora, nenhuma destas teses resultou comprovada, não tendo resultado apurada a concreta causa ou causas da derrocada parcial do muro. Na verdade, as várias hipóteses levantadas – seja pelas partes seja pelas testemunhas inquiridas na audiência de julgamento - sendo possíveis, não configuram, porém, mais que meras suposições e hipóteses prováveis que, por isso mesmo, não resultaram suficientemente atestadas em termos probatórios de molde a poderem ser tidas por demonstradas (ao nível dos “factos provados”).
No mais, nenhum elemento probatório adveio ao conhecimento do Tribunal que permitisse afirmar qualquer das hipóteses sustentadas por cada uma das partes ou tidas por verosímeis pelas testemunhas inquiridas como certa e verdadeira.
Assim, relativamente a cada uma das versões distintamente sustentadas pelo A. e pelas RR., foram as mesmas levadas à matéria de facto não provada, sendo que a parte a quem competia o respectivo onus probandi não logrou produzir prova bastante, tendente à demonstração das concretas afirmações de facto aí vertidas.
Daí que, na ausência de outros subsídios probatórios, e atentas as implicações neste domínio do princípio estabelecido no art. 414.º do Cód. Proc. Civil, propendeu-se no sentido de dar como não demonstrada a aludida matéria de facto.»
Vejamos.
1. Desde logo, quanto aos factos havidos por provados e postos em causa.
Já se adiantou que não releva a impugnação de matéria de facto que se quede irrelevante ou inócua.
É o que sucede desde logo com o facto sob 32 dos provados, posto em causa no recurso.
Com efeito, sem o significado ou relevância jurídica que o recorrente antecipa, o teor do reclamado artigo 32 dos factos provados, não convoca ou exige uma reapreciação da prova produzida a tal propósito, já que a questão se resolve direta e imediatamente mediante a interpretação do facto, reconduzindo-o ao que efetivamente diz. Assim que o que foi achado em conformidade não foi própria e exactamente qualidade dos trabalhos, ainda quando aparentemente sem vícios, mas a adequação destes ao contratado, isto é, que foram realizados os trabalhos previstos/adjudicados, os exigidos pela autoridade administrativa e pagos.
Nessa parte, pois, prejudicado o recurso, por inútil.
Quanto ao demais.
Se a prova reclamasse a certeza absoluta a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça (cf. Prof. Antunes Varela na RLJ 116/339). Importa considerar que a formação da convicção do juiz e a criação do espírito no julgador de que determinado facto ocorreu e de determinado modo, “se deve fundar numa certeza relativa, histórico-empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida. Neste sentido Manuel Tomé Soares Gomes, Um Olhar sobre a Prova em Demanda da Verdade no processo Civil, Revista do CEJ, Dossier temático Prova, Ciência e Justiça - Estudos Apontamentos, Vida do CEJ, Número 3º, 2º Semestre, 2005, pp. 158 e 159. Ensina ainda o prof. Castro Mendes “a convicção humana é uma convicção de probabilidade”; de evidence and inference, i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente”.
No nosso sistema processual, com algumas excepções, vigora o sistema da livre apreciação da prova, no que concerne à valoração da prova e à formação da convicção necessária para suportar uma decisão judicial; o qual se caracteriza em duas linhas de força complementares: o tribunal não só aprecia livremente os meios de prova, i.é, o que o meio prova, como é livre na atribuição do grau do valor probatório de cada meio de prova produzido, hoc sensu, a “quantidade” de prova produzida por aquele meio. Em cada caso, pois, o tribunal é livre para considerar suficiente a prova testemunhal ou por declarações produzida ou para considerar que a mesma é afinal insuficiente e exigir outro meio de prova de maior capacidade para convencer o juiz da probabilidade do facto em discussão, hoc sensu, de maior valor probatório.
O que se não confunde com o standard ou padrão de prova exigível, que se prende já com o problema do ónus da prova ou, em contraponto, da determinação do conceito dúvida relevante para operar a consequência desse ónus.
Quanto a este, vistos os artigos 346º do CC e 516º do CPC, a prova de um facto em juízo é, por princípio, a demonstração de um alto grau de probabilidade (que não de mera possibilidade) de o mesmo corresponder à realidade material dos acontecimentos (dita verdade ontológica).
Por princípio, a prova alcança a medida bastante quando os meios de prova conseguem criar na convicção do juiz (meio da apreensão e não critério desta) a ideia de que o facto em discussão, mais do que ser possível e verosímil, possui um alto grau de probabilidade e, sobretudo, um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de ser verdadeiro o facto inverso.
Esta é, de todo o modo, uma regra susceptível de adequação prática, a definir, caso a caso, a partir agora de fatores como:
- o da acessibilidade dos meios de prova (a natureza pública ou privada dos factos e as circunstâncias do caso, v.e, as partes serem as pessoas normalmente envolvidas nos factos, haver outras testemunhas destes para além das arroladas),
- da sua facilidade ou onerosidade,
- do posicionamento das partes em relação aos factos com expressão nos articulados,
- do relevo do facto na economia da acção;
tudo em termos de elevar ou diminuir a exigência probatória.
Quanto agora à prova testemunhal ou por declarações de parte, estando em causa um sistema de livre apreciação de prova, num sistema que, por um lado, admite mesmo a relevância probatória das declarações de parte, cabe repudiar um pré-juízo de desconfiança e de desvalorização das declarações de pessoas direta e proximamente relacionadas com a parte, ainda quando seja inferível um interesse próprio na decisão do conflito.
Em primeiro lugar, a prova testemunhal (sendo outrossim evidente o relacionamento particular e dependente do arquiteto contratado pelo Autor e dos funcionários da Ré), a prova pericial e a prova por inspecção estão também sujeitas à livre apreciação do tribunal (Arts. 389, 391 e 396 do Código Civil), sem que se questione que o juiz possa considerar um facto provado só com base numa dessas provas singulares, no limite, só com base num depoimento.
Em segundo lugar, desde há muito que se enfatiza que o interesse da testemunha na causa não é fundamento de inabilidade, devendo apenas ser ponderado como um dos fatores a ter em conta na valoração do testemunho. Assim, «Nada impede assim que o juiz forme a sua convicção com base no depoimento de uma testemunha interessada (até inclusivamente com base nesse depoimento) desde que, ponderando o mesmo com a sua experiência e bom senso, conclua pela credibilidade da testemunha.» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.3.2012, Deolinda Varão, 6584/09). Ou seja, o interesse da parte (que presta declarações) na sorte do litígio não é uma realidade substancialmente distinta da testemunha interessada: a novidade é relativa e não absoluta, a diferença é de grau apenas.
Outrossim o julgador tem que valorar, em primeiro lugar, a declaração de parte ou de testemunha e, só depois, a pessoa da parte ou o interesse da testemunha porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e depois a declaração) implica prejulgar as declarações e incorrer no viés confirmatório. A credibilidade das declarações tem de ser aferida em concreto e não em observância de máximas abstractas pré-constituídas, sob pena de esvaziarmos a utilidade e potencialidade do meio de prova e de nos atermos, novamente, a raciocínios típicos da prova legal de que foi exemplo o brocardo testis unis, testis nullus. Sobre a questão, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, Almedina 2013, p. 42 e ss.
Em conclusão, não se afirma a irrelevância da prova integrada por declarações de parte ou de testemunhas profissional ou existencialmente relacionadas com as partes, por maioria de razão num sistema que reconhece agora a eficiência probatória das declarações de parte mesmas… Desde há muito que se enfatiza que o interesse da testemunha na causa não é fundamento de inabilidade, devendo apenas ser ponderado como um dos factores a ter em conta na valoração do testemunho. A credibilidade das declarações tem de ser aferida em concreto e não em observância de máximas abstractas pré-constituídas.
Ora, ouvida a totalidade da prova gravada, temos para nós que o tribunal “excedeu” as aquisições probatórias a partir das declarações conjugadas do depoimento de parte do legal representante da Ré e das declarações de quase-parte da testemunha Arquiteto BB, no que interessa aos factos sob 28 e 32 da matéria assente.
Na verdade, se está perfeitamente documentada a intervenção daquele Arquiteto na comunicação do início das obras à edilidade e que a contratação mesma o foi por ele e que acompanhou a execução, nessa parte coincidindo os depoimentos aludidos, não resulta já, sequer das declarações de parte do legal representante da Ré, que tenha havido quaisquer especificações, acompanhamento técnico ou instruções na execução das demolições propriamente ditas, pelo departamento de arquitetura e engenharia contratado pelo A., designadamente pelo representante do A., Arq.º BB.
Nessa parte terá o tribunal dito mais que o querido e, manifestamente, mais que o que resultou das declarações em audiência, pelos diretamente intervenientes, arquiteto, mandatário do A e legal representante da Ré. Confirmada a presença do Arquiteto em obra e a não oposição ao uso da maquinaria em actuação (nessa parte de forma contraditória entre os depoimentos), presenciada, não resultou minimamente ter sido da lavra daquele arquiteto a decisão sobre o modo de proceder às demolições e uso da maquinaria, verificações de segurança e/ou previsão/antecipação de danos no muro do prédio vizinho. De resto, tal intervenção não resulta minimamente caraterizada dos termos do contrato de empreitada outorgado e está mesmo em oposição ao que é típico ou normal em contratos como o apreciando, em que a aptidão técnica é “mais” do domínio das legis artis do empreiteiro. É que não está também em causa uma limpeza e demolição de edificado a aproveitar, caso em que “justificado” um planeamento relacionado a projeto de arquitetura, antes um puro e simples “limpar/desocupar/libertar” da área do prédio.
Nessa medida, tem-se por justificada uma alteração dos termos do facto apreciando, que não a pura e simples falta de aquisição da sua totalidade, como pedida, por não estar também em correspondência com a prova produzida.
Assim, decide-se alterar a redação do facto provado sob 28 dos factos assentes, dele passando a constar:
28. Todos os contactos com a 1.º R., nomeadamente especificações quanto ao objeto/objetivo da obra, acompanhamento, licenciamento e comunicações às entidades competentes, foram realizados por departamento de arquitetura e engenharia contratado pelo A., designadamente pelo representante do A., Arq.º BB, que acompanhou a execução dos trabalhos desde o início e ao longo do decurso dos trabalhos.
Tem-se como não provado o segmento nos termos do qual o acompanhamento técnico e instruções quanto à execução dos trabalhos de demolição foram realizados por departamento de arquitetura e engenharia contratado pelo A., designadamente pelo representante do A., Arq.º BB, que dirigiu os trabalhos de execução da demolição.
A apreciação da impugnação do facto sob 29, porquanto decisivamente relacionada também, ainda que não exclusivamente, com o teor e força probatória do documento junto como “Doc. nº 2” com a contestação da Ré seguradora, preenchido pelo sócio gerente da 1ª Ré, em 15 de junho de 2021, onde este perante quem procedeu à peritagem do sinistro, por conta da 2ª Ré, expressamente declarou: “que no dia 5 de Junho, saímos da obra e a dia 7 o muro contigo desabou” e quanto à resposta desse formulário em que é perguntado: O interlocutor considera que o segurador tem culpa na produção dos danos reclamados. O sócio gerente da 1ª Ré, assinala com um (X) no quadriculado Sim, acrescentando entre parêntesis (parcialmente).
Desde logo, na fundamentação de facto da sentença a M.ma Juiz sustenta a aquisição da data da conclusão das obras de demolição no teor da comunicação junta sob documento n.º 2 com a contestação da 1ª Ré, sem atender à contradição entre esta e a declaração inserta naquele outro documento e por legal representante da mesma Ré. De resto, a alusão à força reforçada do depoimento dos fiscais da edilidade perde qualquer relevo quando se atente que os mesmos apenas puderam atestar que na data da deslocação/verificação já as obras não estavam a decorrer, não também, como é natural/óbvio, qual a data em que as mesmas terminaram.
Contraditórios já os depoimentos dos funcionários da Ré e do Arquiteto contratado pelo A. quanto àquela data, tudo em termos de não se justificar minimamente o relevo decisivo atribuído àquela comunicação sob documento nº 2, no confronto agora com a demais prova que desdiz ou contraria a mesma.
Nessa parte, assim, independentemente da força probatória daquela declaração sob doc. 2 com a contestação da Seguradora, da qual se cuidará em sede de conhecimento da impugnação dos factos não provados, tem-se por injustificada a aquisição da data constante do facto sob 29, nessa parte procedendo a impugnação pelo recorrente.
Quanto à pretendida “confissão” da culpa ou responsabilidade no evento participado à 2ª Ré e seu relevo probatório:
Com base na definição que nos é dada de documento autêntico pelo art.º 363º, nº 2, do Código Civil, devem ter-se por particulares todos os documentos que não são autênticos, ou seja, todos os que não cabem na definição de documentos autênticos que aquela norma fornece. São, assim, particulares os documentos que provêm de simples particulares ou seja, de pessoas que não exercem atividade pública ou, se a exercem, não foi no uso dessa faculdade que elaboraram os documentos.
Contrariamente aos documentos autênticos que provam a sua autenticidade, ou seja, provam por si que emanam da entidade documentadora respetiva (acta probant se ipse), em regra, os documentos particulares não provam por si mesmos a sua autenticidade ou veracidade; é nisto que reside o traço fundamental que distingue uns dos outros. A parte contrária, ao não impugnar o documento particular, assume uma atitude passiva que conduz ao reconhecimento da autenticidade do documento, no sentido de que a letra e a assinatura ou só a assinatura se consideram verdadeiras (art.º 374º, nº 1 do Código Civil). Esta é a sua força probatória formal.
Quanto à sua força probatória material, uma vez reconhecida a proveniência do documento e o seu autor, temos que as declarações nele constantes se consideram provadas na medida em que forem contrárias aos interesses do declarante (n.º s 1 e 2 do art.º 376º do Código Civil). Segundo aquele nº 2 “os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão”.
Como refere Vaz Serra, RLJ Ano 110, pág. 85, “a regra do nº 2 do art. 376º constitui uma presunção fundada na regra de experiência de quem afirma factos contrários aos seus interesses o faz por saber que são verdadeiros; essa regra não tem, contudo, valor absoluto, pois pode acontecer que alguém afirme factos contrários aos seus interesses apesar de eles não serem verdadeiros e que essa afirmação seja divergente da sua vontade por que se ache inquinada de algum vício de consentimento: o facto declarado no documento considera-se verdadeiro embora o não seja, por aplicação das regras da confissão podendo, porém, o declarante, de acordo com as regras desta, valer-se dos respetivos meios de impugnação. Pode, por isso, provar o declarante que a sua declaração não correspondeu à sua vontade ou que foi afetada por algum vício de consentimento… (cf. art.º 359º).
Quer isto significar que os documentos particulares assinados pelo seu autor, se não existir a impugnação a que aludem os artigos 374º e 375º, fazem prova plena em relação às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo, porém, da arguição e prova da sua falsidade.
Como ensina Vaz Serra, Provas – Direito Probatório Material, in BMJ 111/16, “a força probatória plena, atribuída pela lei à confissão judicial e a certas confissões extrajudiciais, é independente da intenção do confitente e funda-se na regra de experiência de que quem conhece um facto a si desfavorável e favorável à parte contrária fá-lo porque sabe ser ele verdadeiro”. No mesmo sentido, Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, pág.s 160 e 187.
Tal confissão extrajudicial é dotada de força probatória plena, nos termos conjugados do art.º 352º com o art.º 358º, nº 2, do Código Civil. Quer isto dizer que um documento, ainda que não faça prova da realidade do pagamento de um preço, por exemplo, fá-la da declaração de confissão desse pagamento, comprovando-se, por esta via confessória, nos termos do citado nº 2 do art.º 358º, a realidade de tal pagamento (por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.6.1999, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. II, pág. 136 e seg.s)
Nos casos em que a confissão faz prova plena, o confitente não pode, em princípio, invalidá-la, e o adversário não carece de fazer outra prova do facto confessado, ficando o juiz vinculado à confissão. Como refere Vaz Serra, Idem, pág. 17, ela é uma prova pleníssima, visto não admitir, em regra, prova do contrário, sendo, por este motivo, declarada regina probationum, probatio probatissima ou omnium probationum maxima.
Ainda que com força de prova plena, a confissão, seja ela judicial ou extrajudicial, pode ser declarada nula ou anulada nos termos gerais, por falta ou vícios da vontade, designadamente por erro, nos termos do art.º 359º do Código Civil. Significa isso que “a confissão poderá ser atacada se, além de não corresponder à verdade, proceder de erro ou de outro vício do consentimento do confitente”, ou seja, “para que a confissão possa ser impugnada, há-de alegar-se e provar-se que, além do facto confessado não corresponder à realidade, o confitente errou acerca dele ou que foi vítima de outra causa de falta ou de vício da vontade (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 552 e 564).Segundo o art.º 347º daquele mesmo código, recai sobre o confitente o ónus de prova da inveracidade da declaração confessória, defrontando-se, no entanto, com as limitações ao nível do direito probatório material no que concerne à apresentação de prova testemunhal ou ao uso de presunções judiciais (art.ºs 393°, n° 2 e 351° do Código Civil).
Assim, o confitente é admitido a destruir a força da confissão do facto desfavorável mediante a prova de que, na realidade, tal facto não ocorreu; que o certo é outro facto contrário ao da afirmação que consciente e voluntariamente produziu no documento.
Desde logo, a declaração em causa não o foi à parte contrária no processo. Sempre, para que haja confissão, a mesma tem que incidir sobre um facto desvantajoso ao confitente e vantajoso à contraparte, sendo realizada de modo claro e manifesto, ou seja, sem quaisquer reservas e revelando-se coerente.
De todo o modo, a aceitação da responsabilidade por uma determinada situação jurídica não se confunde com a confissão dos factos que integram essa mesma situação. Enquanto aquela respeita à posição jurídica de uma das partes sobre os factos que podem constituir fundamento da ação, porventura prévia à própria ação, a confissão, seja ela judicial ou extrajudicial, incide diretamente sobre factos-fundamento (art.º 352º do Código Civil), como é o caso do pagamento, acima exemplificado, ou das circunstâncias de um acidente/sinistro.
Logo, não é por via daquele documento que o tribunal poderá dar como provados aqueles factos que a 1ª instância considerou indemonstrados sob as alíneas versadas no recurso.
Sempre aquela declaração não constitui confissão do pedido da ação, a outra via (processual) pela qual uma confissão pode ser relevante e produzir o efeito da condenação (art.ºs 277º, al. d), 283º, nº 1, 284º e 290º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Por tudo o que o documento chamado à colação não pode ter aqui valor de confissão das circunstâncias do sinistro.
Nesta sede, sendo que noutro local (o da discussão do aspeto jurídico da causa) importará voltar à apreciação do significado ou relevância daquela declaração, a declaração não se constitui com eficácia probatória plena dos factos nos quais o Autor alicerçava a responsabilidade/culpa da Ré empreiteira.
Sem prejuízo, não deixa de se constituir como um elemento probatório a ter em conta, nos termos gerais da liberdade de apreciação da prova.
Assim o fizemos, como antecede, quanto à infirmação da data de conclusão dos trabalhos, como declarada no documento sob 2 da contestação daquela Ré…
2. Quanto agora aos factos não provados sob as alíneas d), e) e f).
Não colhe a argumentada contradição entre aquele sob d) e a demonstrada utilização da máquina… Novamente, um problema de interpretação. O que ali se tem por não provado não é, evidentemente, a utilização da máquina, como adquirida, mas a razão aventada, a da diminuição do tempo de trabalho ou mesmo do custo deste, mediante a necessidade de intervenção de mais trabalhadores…E, nessa parte, reitera-se, ouvida a totalidade da prova, não se antolhem razões para ter como provado o facto respectivo, por falta de confirmação/corroboração direta ou indiciária.
Encerrando uma conclusão, desde logo, o facto sob e), o mesmo não é suscetível de aquisição probatória.
A distinção entre a matéria de direito e a matéria de facto não é em muitos casos uma tarefa fácil, tanto mais que a linguagem comum vai assimilando alguns termos jurídicos, como que os factualizando, assim permitindo a sua referenciação em sede probatória. Esta possível inclusão de conceitos jurídicos em sede de decisão da matéria de facto quando sejam do conhecimento comum das pessoas, sempre dependerá de não serem objeto de controvérsia entre as partes (veja-se a exposição exemplar desta problemática in Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, Almedina 1982, Artur Anselmo de Castro, páginas 268 a 270).No entanto, fora desta zona cinzenta de absorção da concetologia jurídica pela linguagem comum, a distinção permanece com suficiente clareza e operacionalidade.
No caso em análise, já se adiantou que o facto da alínea e) integra matéria conclusiva. Na nossa perspetiva, é matéria conclusiva toda aquela que não consiste na perceção de uma ocorrência da vida real, trate-se de um facto externo ou interno (facto psíquico), mas antes constitui um juízo acerca de certa realidade factual. Dentro desta matéria conclusiva, devem em nosso entender, distinguir-se os juízos de facto periciais [Incluir-se-ão nestes os factos hipotéticos ou conjeturais que não careçam de conhecimentos especiais para serem emitidos, como sucede relativamente à vontade hipotética ou conjetural das partes (artigos 292º, parte final, 293º, parte final e 2202º, parte final, todos do Código Civil], dos juízos de facto comuns passíveis de serem emitidos por qualquer pessoa com base nos seus conhecimentos.
Esta distinção justifica-se, em nosso entender, porque pode ser objeto de prova pericial a apreciação de factos, quando para tanto sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspecção judicial (artigo 388º do Código Civil). Neste sentido veja-se, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Coimbra Editora 1985, página 409, nota 1. Não se objete contra esta afirmação que os juízos de valor não são passíveis de prova, sendo apenas fundados ou infundados, como afirma Michele Taruffo in La Prueba de los Hechos, Editorial Trotta, cuarta edición, páginas 118 e 129, pois é a própria lei substantiva que inclui na matéria da instrução a apreciação de factos em sede de prova pericial. Assim, incluindo-se estes juízos periciais de facto na matéria passível de instrução, esta destinar-se-á a determinar se são fundados ou não, não sendo de excluir que possa incidir sobre juízos periciais de facto contraditórios, destinando-se a instrução, entre outras finalidades, precisamente à determinação do juízo que se reputa fundado ou mais fundado. Assim, é a própria lei substantiva a determinar que a prova pericial pode consistir na emissão de juízos de valor sobre certos factos. Desta configuração substantiva da prova pericial há que, salvo melhor opinião, retirar as necessárias consequências do ponto de vista processual, nomeadamente, no que tange a delimitação do objeto da prova que, em consonância, no que respeita a prova pericial, não se poderá restringir aos “factos relevantes para o exame e decisão da causa” ou “aos temas de prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova” (410º do CPC), devendo também abarcar a apreciação de factos por peritos, dada a vocação instrumental do direito adjectivo. A não se proceder assim, não se perceberia qual a utilidade probatória da emissão de juízos de valor pelos peritos.
De facto, a desadequação para a execução de um trabalho de determinado equipamento constitui uma valoração de condutas variadas. Trata-se de conclusão que se pode extrair em resultado da prova de uma multiplicidade de factos, como sejam o estado de conservação do muro meeiro, a existência ou não de pedras graníticas que se constituíam como cunhais com as paredes transversais da parede meeira ou a (in)existência de sapatas ou fundações de suporte daquele, a proximidade da atividade da máquina ao muro, o seu peso, etc… Porém, sendo matéria conclusiva, não está de todo excluída a produção de prova pericial para determinação da causa da derrocada.
No entanto, no caso dos autos, não foi produzida qualquer prova pericial e essa matéria conclusiva foi dada como não provada com base em depoimentos testemunhais e prova documental junta aos autos.
Neste circunstancialismo, sempre tal matéria deve extirpar-se dos fundamentos de facto, já que, como resulta do Código de Processo Civil, a testemunha é inquirida sobre factos. Já o Professor Alberto dos Reis in Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, Reimpressão, Coimbra Editora 1987, página 327, escrevia: “A nossa lei assenta no pressuposto de que a função da testemunha é única e simplesmente narrar factos. O art. 641.º determina que a testemunha será interrogada sobre os factos incluídos no questionário, articulados pela parte que a ofereceu, e deporá com precisão, indicando a razão de ciência e quaisquer circunstâncias que possam justificar o conhecimento dos factos. Portanto a testemunha é chamada para narrar ao tribunal os factos de que tem conhecimento e para indicar a fonte desse conhecimento. Mais nada.
Sei muito bem que, a cada passo, se vai além desta linha: é frequente formularem-se à testemunha perguntas tendentes a obter dela o juízo ou a opinião que formou sobre os factos observados. Mas temos como certo que em tais casos se ultrapassa o limite da prova testemunhal.”
A incidência da instrução sobre matéria que implica a emissão de juízos de valor, de opiniões ou apreciações, sendo matéria que pode ser objeto de prova pericial, leva a que possa extravasar do objeto legalmente possível da prova testemunhal, ainda quando a testemunha detenha conhecimentos técnicos que pudessem concretizar um juízo especializado.
Na nossa perspectiva, não é por acaso que o depoimento testemunhal deve incidir sobre factos concretos e não deve consistir na emissão de juízos de valor, opiniões ou apreciações. É que a emissão de juízos de valor e de apreciações sobre os factos, ressalvados os casos que requeiram conhecimentos especiais, objeto da prova pericial, cai na esfera própria do julgador, na apreciação e valoração da matéria de facto provada. Admitir uma testemunha a emitir juízos de valor ou apreciações sobre certos factos, traduz-se numa usurpação da função própria do julgador por parte da testemunha, impedindo aquele de aceder às razões pelas quais é emitido certo juízo…
Donde, a alínea e) é antes a eliminar.
Sempre a totalidade da prova não trouxe a afirmação de ser vedada ou desaconselhada às condições existentes o uso da maquinaria em causa. Com efeito, as declarações do Arquiteto do gabinete ao qual o A. cometeu o encargo de diligenciar pela realização da obra de demolição não são suficientes a justificar a prova daquela realidade. Não apenas e nem só pela natureza meramente suspeitosa ou hipotética da causa do desabamento do muro, sem que se estribasse na verificação mesma e anterior ao sinistro da existência de pedras graníticas que se constituíam como cunhais com as paredes transversais da parede meeira[1], como pela contradição a propósito da chamada de atenção quanto ao uso da maquinaria, em função do depoimento do representante e trabalhadores da Ré, mas, decisivamente, pela descredibilização objetiva emergente da manutenção/continuação de uma tal atuação, contra uma convicção de que em causa a segurança do muro do prédio vizinho. Sempre, quando os factos têm intervenção humana ou são resultado dessa actuação, perscrutar a realidade desse facto é, antes de mais, averiguar a razão que subjaz a essa actuação, que lhe dá origem e a orienta e, sobretudo, apurar se a mesma é compatível com o quadro de actuação que qualquer outra pessoa nas mesmas circunstâncias teria. Por isso que um dos elementos decisivos para a formação da convicção do julgador é a verosimilhança dos factos sobre os quais recai a controvérsia, i.é., a pertinência lógica dos mesmos ao domínio dos acontecimentos humanos que, por definição, possuem motivações apreensíveis, são orientados para um fim compreensível e delineados por processos intelectualmente aptos e estão de acordo com o que as regras da experiência nos ensinam ser expectável, corresponder ao devir normal. Comportamentos privados de racionalidade, opostos ou diferentes da actuação que o comum dos cidadãos teria, cuja lógica ou motivação não é sequer percetível ou se mostra destituída de coerência, são estranhos e como tal, ainda que possíveis, são pouco prováveis, indiciando que ou o comportamento não foi realmente aquele que é afirmado ou que o seu objetivo é diferente daquele que se pretende. Ora, não é conforme às regras da normalidade do comportamento humano que, temendo alguém, fundadamente, a concretização de danos pela conduta de outrem, que previsivelmente se repercutirão, mesmo que indiretamente, na sua esfera de interesses, se baste (tanto mais que não em causa um absoluto leigo em matéria de construção civil, mas um profissional altamente qualificado) com uma genérica e vaga “chamada de atenção”. O depoimento apreciando traduz uma notória pós-compreensão do acontecido, a qual não se tem por suficiente à prova também do facto sob f).
Contudo, se não é possível ter por adquirida a causa específica da queda do muro, nos termos que vêm de referir-se, a totalidade da prova produzida justifica, sem esforço, a demonstração da conexão entre os trabalhos de demolição realizados pela 1ª Ré e a queda do muro confinante, em termos de se justificar uma ampliação ou aditamento aos factos provados que, reconheça-se, terá influência decisiva no êxito da pretensão.
O art. 662º do CPC constitui a norma central de atribuição de autonomia decisória à Relação em sede de reapreciação da matéria de facto, vertida numa convicção própria mediante análise dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se encontrem disponíveis no processo.
Tal competência ou poder-dever está prevista na prescrição-matriz da competência de reavaliação factual do n.º 1, sem dependência de instigação pelas partes em sede de recurso para esse efeito:
«A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»
Na determinação do campo da possibilidade assim estabelecida, mais cabe atentar no n.º 2 do art. 662º, 2, do CPC, e, decisivamente nas alíneas a) e b), o qual estabelece verdadeiros poderes-deveres funcionais (a lei diz «deve ainda, mesmo que oficiosamente»), claramente ordenados a possibilitar à Relação a resolução de dúvidas que se afiguram percetíveis quanto ao apuramento da verdade de certos e determinados factos alegados pelas partes, criando, dessa forma, condições de igualdade com a 1.ª instância na observação direta da fonte de prova ou no acesso a novos meios de prova[2]. Ali se estabelece ser-lhe lícito e exigido até realizar verdadeira e autónoma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados e formar a sua própria convicção, em resultado, se for o caso, das provas que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa. Para isso, tais poderes-deveres não dependem de iniciativa das partes (nem são direito potestativo que lhes assista)[3], são (ou podem-devem ser) exercidos oficiosamente e aspiram à formulação de um resultado judicativo próprio, destinado a “superar dúvidas fundadas sobre o alcance da prova já realizada”[4]. Estamos verdadeiramente perante deveres processuais de carácter vinculado, impostos para “proceder a um (verdadeiro) novo julgamento da matéria de facto, em ordem à formação da sua própria convicção, designadamente verificando se a convicção expressa pelo tribunal a quo possuía razoáveis tradução e suporte no material fáctico emergente da gravação da prova (em conjugação com os mais elementos probatórios constantes do processo)”.[5]
Por isso que, a partir da definição dos poderes naquelas situações particulares de modificabilidade da decisão de fato pela Relação é possível sustentar que (também) o poder previsto no n.º 1 deve ser exercitado oficiosamente sempre que, objetivamente, a ampliação a fazer importa a afirmação probatória de factos essenciais alegados como causa de pedir ou de defender, mesmo quando conferem um possível enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal de 1.ª instância, crucial para a correta decisão de mérito da causa, desde logo por imposição do art. 411º do CPC, sob pena da sua violação[6].

Em conclusão: o art. 662º do CPC, consagrando o duplo grau de jurisdição no âmbito da motivação e do julgamento da matéria de facto, estabiliza os poderes da Relação enquanto verdadeiro tribunal de instância, proporcionando a reapreciação do juízo decisório da 1.ª instância para um efetivo e próprio apuramento da verdade material e subsequente decisão de mérito. Por isso a doutrina tem acentuado que, nesse segundo grau de jurisdição, se opera um verdadeiro recurso de reponderação ou de reexame, sempre que do processo constem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão da matéria de facto em causa (em especial os depoimentos gravados), que conduzirá a uma decisão de substituição, uma vez decidido que o novo julgamento feito modifica ou altera ou adita a decisão recorrida. Assim, por todos, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.9.2013, CDP n.º 44, 2013, págs. 33-34, ID., “Dupla conforme e vícios na formação do acórdão da Relação”, de 1/4/2015, in https://blogippc.blogspot.com/2015/04/dupla-conforme-e-vicios-na-formacao-do.html;
Sempre – e este é o ponto – com a mesma amplitude de poderes de julgamento que se atribui à 1.ª instância (é perfeitamente elucidativa a aludida remissão feita pelo art. 663º, 2, para o art. 607º, que abrange os seus n.os 4 e 5) e, destarte, sem qualquer subalternização – inerente a uma alegada relação hierárquica entre instâncias de supra e infra-ordenação no julgamento – da 2.ª instância ao decidido pela 1.ª instância quanto ao controlo sobre uma decisão relativa ao julgamento de uma determinada matéria de facto, precipitado numa convicção verdadeira e justificada, dialeticamente construída e, acima de tudo, independente da convicção de 1.ª instância.
De resto, não há qualquer extrapolação da causa de pedir convocada, posto que esta se reconduzia a uma conduta culposa e causal do desmoronamento.
Ora,
As presunções judiciais, consagradas no artigo 349º do Código Civil e ali definidas como “ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”, conforme ensinam os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, denominam-se também como “simples ou de experiência, quando assentam no simples raciocínio de quem julga” e inspiram-se “nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana”.
As razões que levaram o legislador a eleger este meio probatório encontram-se bem sintetizadas no já longínquo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.10.2006, na base de dados da dgsi: «as presunções judiciais ou naturais têm por base as lições da experiência ou as regras da vida (quod plerumque accidit), deduzindo o juiz, no seu prudente arbítrio, de certo facto conhecido um facto desconhecido, porque a sua experiência da vida lhe ensina que aquele é normalmente indício deste».
Tais provas, por força da sua natureza indirecta ou mediata, devem ser usadas com particular cautela, a fim de evitar erros judiciários, exigindo a sua utilização segura e racional: i) em primeiro lugar e em regra, uma pluralidade de elementos indiciários, salvo quando o relevo probatório da prova indirecta seja de tal forma forte que torne desnecessário qualquer outro elemento corroborador; ii) em segundo lugar, que tais elementos sejam concordantes; iii) em terceiro lugar, que os indícios decorrentes das regras da experiência comum sejam inequívocos, afastando toda a dúvida razoável.
É o que sucede no caso.
Salvo no caso de fenómenos extraordinários, como os terramotos ou chuvas torrenciais (não se esqueça que o sinistro ocorreu no verão), a ruína de um edifício ou obra, muro, numa proximidade temporal indesmentível com a realização de trabalhos de demolição no prédio vizinho, os quais envolveram o recurso/uso de maquinaria pesada, nos termos proficientemente demonstrados, é um facto que indicia só por si a influência causal daqueles trabalhos no desmoronamento, não se justificando por isso que recaia sobre o interessado o ónus suplementar de demonstrar a forma como/pela qual ocorreu esse nexo causal. É antes o responsável pela demolição que deve genericamente demonstrar que não foi por via dos trabalhos que executou que ocorreu a ruína do edifício ou obra – nomeadamente pela prova da observância dos cuidados na prevenção do risco de ruína de muro confinante ou de defeitos de conservação – ou que os danos continuariam a verificar-se, ainda que não houvesse intervenção sua.
É que não colhe a dúvida a que se reconduz a sentença recorrida, em razão da alusão testemunhal, sempre havida por insuficiente também à afirmação do nexo causal respetivo, por força já da natureza interessada da prova a esse propósito e da falta de corroboração isenta, relacionada com a ausência de canalização e caixas de recepção de águas pluviais do prédio contíguo… Como quer que seja, tal falta, a existir, nunca tinha determinado qualquer abaulamento, risco de queda ou desmoronamento, sendo manifesto configurar-se como um “problema” necessariamente anterior às demolições que durante anos a fio não teve qualquer consequência… Com o que, manifestamente, foi uma alteração das condições estruturais do muro, por via da intervenção/obras no prédio vizinho, o do Autor, a causa próxima e real do desmoronamento, ainda quando não possa ter-se por adquirido que houve uma afetação direta das fundações ou de elementos estruturais daquele pela 1ª Ré. Há aqui uma prova de primeira aparência, possibilitada pela consideração da proximidade temporal aos trabalhos, pela natureza destes, mediante a intervenção de maquinaria pesada, no confronto agora com a consideração de um muro sem quaisquer sinais de problemas estruturais até àquela ocasião e durante largo período de tempo, mormente longos invernos e chuvas torrenciais…Na ausência já de um qualquer factor de descredibilização/ou de concausalidade desta inferência naturalística, diretamente referida a uma alta probabilidade de movimentos de terras e quedas e movimentação de pedras serem passíveis de tolher o equilíbrio estrutural de um muro confinante, as regras da experiência comum a partir destes dados objetivos: intervenção ou movimentação significativa e com recurso a forças não despiciendas em ocasião temporal muito próxima, seguida de desmoronamento de muro confinante, na ausência agora de outro facto apto a produzir aquele resultado permitem ter por adquirido o seguinte facto, que se adita, por coerência sistemática sob 5`: O desmoronamento parcial do muro meeiro em alvenaria de pedra, que suportava o pátio do prédio contíguo ao do A., com o n.º …, ocorrido no dia 7 de Junho de 2021, sucedeu em consequência dos trabalhos de demolição, limpeza e remoção dos resíduos que foram levados a efeito pela 1ª Ré nos prédios do Autor, isto é, pelas alterações estruturais que aqueles provocaram naquele muro.
É, assim, a seguinte a matéria a considerar para a decisão:
1. Em 20 de Maio de 2021 o Autor celebrou com a 1ª Ré um contrato que as partes denominaram de “Contrato de empreitada de demolição” tendo o seguinte objecto (cláusula 1.ª):
“1.º O presente contrato tem por objecto a execução de uma empreitada relativa à demolição integral de um imóvel, e consequente limpeza, desembaraço e remoção de todos resíduos daí resultantes e depósito em aterro licenciado, deixando o local da obra livre de quaisquer entulhos e/ou materiais sobrantes;
b) Constitui, ainda, parte da empreitada, o rebaixamento da cota, do terreno depois de limpo, correspondente a 50 centímetros numa área de 186 metros quadrados, no imóvel sito na Rua ..., ..., na cidade do Porto;
c) O valor total da empreitada será de € 12.080,00 (doze mil e oitenta euros), acrescido do IVA à taxa legal de 6% conforme previsto na verba 2.23 da lista I anexa ao CIVA.”.
2. Foi estipulado ainda que a 1.ª deveria dar início aos trabalhos, com entrada em obra a 31 de Maio de 2021, mais estipulando que o prazo de conclusão inicial previsto para a sua execução era de 3 semanas (21 dias), salvo se ocorressem quaisquer factores externos, anómalos e alheios à vontade das partes, caso em que poderia ser prorrogado (cláusula 4.ª do contrato).
3. O Autor comunicou o início dos trabalhos aos serviços competentes, tendo sido submetido electronicamente através do Portal do Munícipe da Câmara Municipal ... em 24-05-2021 e foi registado com o n.º único de documento NUD/.../.../CM....
4. A 1ª Ré deu início aos trabalhos de empreitada ainda no mês de Maio de 2021, nomeadamente procedendo à limpeza dos terrenos e retirada dos resíduos e entulhos.
5. Em 07/06/2021, a hora não concretamente apurada mas aproximadamente pelas 22:30 horas, o muro meeiro em alvenaria de pedra que suportava o pátio do prédio contíguo ao do A., com o n.º …, sofreu um desmoronamento parcial.
5`. O desmoronamento parcial do muro meeiro em alvenaria de pedra, que suportava o pátio do prédio contíguo ao do A., com o n.º …, ocorrido no dia 7 de Junho de 2021, sucedeu em consequência dos trabalhos de demolição, limpeza e remoção dos resíduos que foram levados a efeito pela 1ª Ré nos prédios do Autor, isto é, pelas alterações estruturais que aqueles provocaram naquele muro.
6. Em consequência da ocorrência do desmoronamento ficaram as infra-estruturas de águas residuais, eléctricas, telecomunicações, entre outras, danificadas.
7. O remanescente desse muro, apresentava-se em risco de queda.
8. O muro de suporte, do prédio n.º ... que confronta com a via pública, apresentava alguma deformação/inclinação, com algum perigo de tombamento.
9. A ocorrência do desmoronamento do muro de suporte e os danos daí resultantes, foram comunicados à Protecção Civil, no dia 07/06/2021, através de alerta do Batalhão de Sapadores Bombeiros, a qual esteve presente no local naquele dia.
10. O Autor teve conhecimento de tal facto por intermédio do seu representante legal em Portugal, Arquitecto BB, que enviou tal informação ao A. através da plataforma de comunicação à distância “WhatsApp”.
11. Na sequência do desmoronamento, o Departamento Municipal de Protecção Civil enviou no dia 8 de Junho de 2021 o seguinte email ao representante legal do A. em Portugal, Arquitecto BB:
“Subject: Mitigação de riscos – Rua ... – documento NUD/.../.../CM...
Excelentíssimo Sr. Arq.º BB,
Na qualidade de representante do proprietário do prédio sito à Rua ..., com o n.º ..., ..., e tendo em conta a reunião no local no dia 08/06/2021 serve o presente email a informar que face à ocorrência de desmoronamento de muro de suporte confrontante com o n.º ... ocorrida no dia 07/06/2021 verificou-se risco para a segurança de pessoas.
Nas visitas aos locais nos dias 07 e 98 para avaliação das condições de segurança, verificou-se:
- Foram efectuados trabalhos de demolição no prédio em referência recentemente.
- A parede meeira confrontante com o n.º … encontra-se pontualmente fragilizada derivado da remoção de blocos graníticos que compunham os cunhais com as paredes transversais e encontra-se exposta às intempéries.
- Desmoronamento de muro de suporte em alvenaria de pedra que suportava o pátio do prédio contíguo com o n.º ….
- Remanescente do muro em risco de queda e infraestruturas danificadas derivado do desmoronamento.
- Deformação de muro do prédio n.º ... que que confronta com a via pública.
Os factos referidos representam grave perigo para pessoas e bens, pelo que o proprietário do prédio em referência deverá iniciar de imediato as seguintes medidas para salvaguarda da segurança de pessoas e bens:
- Consolidação da parede meeira e devida e impermeabilização.
- Remoção de escombros resultantes do desmoronamento.
- Desmonte do remanescente do muro em risco de desmoronamento.
- Execução de muro de suporte, de modo a garantir a segurança do prédio contíguo como n.º ….
- Reparação das infraestrutas afectadas pelo desmoronamento do muro (águas residuais, eléctricas, telecomunicações, etc).
- Execução de outras medidas julgadas necessárias para garantir a segurança dos prédios.
No dia 07/06/2021 foi estabelecido um perímetro de segurança de modo a salvaguardar a segurança de pessoas com recurso a 13 grades.
As medidas devem ser concluídas num prazo de 10 dias úteis.”.
12. Posteriormente, em 21/06/2021, o Departamento Municipal de Protecção Civil, mediante despacho e relatório final, confirmou a necessidade de elaboração das obras no prazo estabelecido por esta.
13. O Autor solicitou orçamento à 1ª Ré e contratou a mesma para a realização das obras determinadas pelo Departamento Municipal de Protecção Civil para reconstrução e reparação dos danos.
14. A reconstrução integral da parede meeira e respectivo tratamento de impermeabilização, remoção de escombros resultantes do desmoronamento, desmonte do remanescente do muro de suporte em risco de desmoronamento, execução de muro de suporte, de modo a garantir a segurança do prédio contíguo com o n.º … e a estabilização do muro face à via pública, a construção do chão do pátio, aplicação de cerâmica para o exterior e respectiva pintura, a reparação das infra-estruturas afectadas pelo desmoronamento do muro (águas residuais, eléctricas, telecomunicações, etc.) e a execução de outras medidas julgadas necessárias pelo Departamento Municipal da Protecção Civil foram posteriormente concretizadas por técnico habilitado, que consistiam na impermeabilização da parede da cota superior (tela pitonada).
15. As obras foram divididas por vários orçamentos e no valor de 12.350,00€, acrescido de IVA, 1.750,00€, acrescido de IVA e 5.633,40€ com IVA incluído, em 11 de Junho e 15 de Junho, correspondentes aos orçamentos de 11/06 (enviado por email) e nº 2021/5 de 15/06.
16. Posteriormente, em 25/07, (enviado por mail) foi apresentado novo orçamento a acrescer para a reconstrução e reparação dos danos e trabalhos ainda necessários efectuar, no valor de 6.440,00€, acrescido de IVA.
17. No decorrer da [primeira] obra de limpeza e demolição, a 1ª Ré utilizou uma máquina giratória para executar os respectivos trabalhos.
18. O Autor pagou à 1ª Ré as obras de reconstrução e de reparação dos danos decorrentes da derrocada nos prédios e nas infra-estruturas e pagou a disponibilização de grades pela CM.../Protecção Civil.
19. Com as obras de reconstrução e de reparação necessárias à reposição da situação anterior (consolidação da parede meeira e respectivo tratamento de impermeabilização e remoção de escombros resultantes do desmoronamento e nas infra-estruturas-águas residuais, eléctricas, telecomunicações, etc.), despendeu o autor a quantia de 21.898,54€, tendo procedido, após recepção das facturas, ao seu pagamento nos seguintes valores e datas:
-facturas nºs 41 e 42, ambas emitida em 14/06/2021, no valor de 3.927,30€ e 1.855,00€, cujo pagamento foi efectuado mediante transferência bancária em 24/06/2021.
-factura nº 48, emitida em 07/07/2021, no valor de 6.545,00€, cujo pagamento foi efectuado mediante transferência bancária no próprio dia.
- factura nº 52, emitida em 25/07/2021, no valor de 2.618,20€, cujo pagamento foi efectuado mediante transferência bancária em 26/07/2021.
- factura nº 56, emitida em 27/07/2021, no valor de 2.047,92€, cujo pagamento foi efectuado mediante transferência bancária no próprio dia.
- factura nº 57, emitida em 01/08/2021, no valor de 3.413,20€, cujo pagamento foi efectuado mediante transferência bancária em 02/08/2021.
- factura nº 67, emitida em 10/08/2021, no valor de 1.491,42€, cujo pagamento foi efectuado mediante transferência bancária em 12/08/2021.
20. O Autor procedeu em 07/01/2022 ao pagamento de 1.884,80€, (942,40€x2) à CM.../Protecção Civil, pela disponibilização de 13 grades até ao dia 02/08/2021.
21. O Autor, é médico Ginecologista-Obstetra, exercendo a sua profissão em Hospital, em ..., Alemanha.
22. Os acontecimentos decorrentes da derrocada causaram ao Autor um mal-estar psicológico pois andava nervoso, sem paciência, pouco tolerante e irritava-se facilmente.
23. O A. esteve durante uma semana de baixa psicológica.
24. O Autor sentiu desgosto pelos acontecimentos decorrentes da derrocada;
25. ... Passou muitas horas em conversas telefónicas e escritas, incluindo com o gerente da 1ª Ré e com a Protecção Civil;
26. ... E sentiu receio de não conseguir cumprir com o prazo estabelecido pela Protecção Civil para a mitigação dos danos.
Mais se provou que:
27. À data do desmoronamento parcial referido, a 1º Ré tinha transferido para a 2º Ré o risco inerente à sua actividade, através de contrato de seguro celebrado com a seguradora “B...”, celebrado em 8 de Dezembro de 2020 e titulado pela Apólice nº ..., em vigor desde as 00:00 horas de 09/12/2020 até às 00:00 horas de 09/12/2021.
Provou-se ainda que:
28. Todos os contactos com a 1.º R., nomeadamente especificações quanto ao objeto/objetivo da obra, acompanhamento, licenciamento e comunicações às entidades competentes, foram realizados por departamento de arquitetura e engenharia contratado pelo A., designadamente pelo representante do A., Arq.º BB, que acompanhou a execução dos trabalhos desde o início e ao longo do decurso dos trabalhos.
30. Foi comunicado à 1.ª R. estar em curso processo de construção, pelo que o seu trabalho estaria concluído.
31. Analisados todos os orçamentos que pediu e recebeu, o A. decidiu adjudicar a realização dos trabalhos para reconstrução e reparação dos danos decorrentes da derrocada à 1.ª R.;
32. ... Que os executou em conformidade com o previsto, que foram recepcionados pelo A., achados conformes com o convencionado entre as partes e pagos, sendo para efeito emitidas as respectivas farturas e os competentes recibos.
33. Foi solicitado pelo A. à 1.ª R. que esta realizasse a competente participação à sua Companhia Seguradora, ao abrigo da apólice de seguro de responsabilidade civil de actividade, o que a 1.ª R. fez junto da 2.ª R..
34. A 2.ª R. procedeu à abertura do processo de sinistro, procedeu às peritagens e declinou qualquer responsabilidade.
B)
Cabe agora, atenta a alteração da matéria de facto, decidir do fundo da questão.
Nesta sede, tem-se por irrelevante a declaração corporizada no documento sob o número 2 com a contestação da Ré seguradora, não obstante dele conste uma declaração pelo legal representante da Ré empreiteira de que há culpa da Ré (parcial) no sinistro participado.
E isto porque entendemos que as partes não podem dispor dos fundamentos de direito material da decisão, os quais têm de ser observados na sentença, o que não é posto em causa pela admissão dos negócios de auto-composição do litígio. É que, escreve Lebre de Freitas (Introdução ao Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1997, ps. 118 – 119), «a desistência do pedido, a confissão do pedido e a transacção constituem negócios jurídicos de direito material e por isso a sentença que as homologa tem eficácia de caso julgado material». O acordo ou o reconhecimento que verse sobre uma questões jurídicas prejudiciais – assim denominadas as relativas a relações jurídicas distintas da deduzida em juízo pelo autor, mas de cuja existência ou inexistência dependa logicamente o teor da decisão do pedido, sobre as quais não ocorre decisão, mas simples cognitio (J. C. Barbosa Moreira, Os Limites Objectivos da Coisa Julgada no Sistema do Novo Código de Processo Civil, em Temas de Direito Processual Civil, São Paulo, Saraiva, ps. 90 - 91 e 95) –, não tem o mesmo alcance de ato de direito substantivo nem, consequentemente, a mesma virtualidade de formação de caso julgado material, tanto assim que não há, no nosso ordenamento, disposição alguma de onde se retire a possibilidade de as partes disporem da solução jurídica do caso ou de parte dele. Pelo contrário, o art. 2.º/1 do DL n.º 211/91, de 14.06, que consagrou o denominado (e inaplicado) processo civil simplificado, ao admitir a petição conjunta em que as partes acordem, total ou parcialmente, sobre os factos da causa, limita-se, quanto às questões de direito, a permitir que as partes sobre elas tomem posição (conjunta ou em oposição), o que não põe em causa o princípio jura novit curia, consagrado no art. 664 do Código de Processo Civil. Em contrário, costuma argumentar-se com a supressão de parte do litígio que o acordo ou o reconhecimento implica e que a decisão jurídica da causa só interessa na medida em que há litígio entre as partes; o acordo sobre uma situação jurídica prejudicial suprime, quanto a ela, o litígio, subtraindo-a ao juízo do tribunal. É exemplo deste entendimento o Ac. do STJ de 17.06.1998, CJ (STJ), ano VI, t. 2, ps. 129 e ss..
Também se refuta a posição adotada no Ac. RE de 29.04.2021, proferido no processo nº2340/20.3T8STR.E1. Já acima, em sede probatória, como é mister, se contraditou ademais a força probatória da mesma declaração, como confissão. A um tempo, não foi feita à contraparte, outrossim ausente, o que é imprescindível, uma clara e inequívoca assunção da responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do sinistro. Sempre a confissão, como instituto probatório, o é de factos, que não de conclusões ou fundamentos jurídicos.
Mais adequada nos parece a posição jurisprudencial nos termos da qual a prova do facto da assunção da responsabilidade (ou de algum dos seus pressupostos) é suscetível de tornar a discussão judicial dos factos subjacentes à mesma um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, conforme, aliás, o sufragado no Ac. RP de 19.11.2020, proferido no processo nº5748/18.0T8MAI.P1, relatado por Filipe Caroço (que sumariou «Abusa do direito de ação, no exercício da sua defesa, a R. seguradora que, tendo assumido inequivocamente a responsabilidade pelo acidente e a obrigação de reparar os danos dele emergentes em momento prévio à instauração da ação pelos lesados, recusa depois essa responsabilidade, sem explicação reconhecida e aceite, conduzindo os lesados à necessidade de instaurar aquela acção judicial, nela passando a discutir as circunstâncias em que o acidente ocorreu e os pressupostos da responsabilidade civil, designadamente a culpa do seu segurado, concluindo pela sua absolvição.»).
Na situação decidenda, contudo, não se julga caraterizada suficientemente uma tal hipótese. Na verdade, não está em causa, como se anotou já, um reconhecimento perante o lesado da responsabilidade pelo sinistro/ocorrência, antes uma participação no âmbito de um seguro “próprio”, sendo outrossim que a declaração não corporiza qualquer afirmação de ciência ou vontade quanto à emergência de uma obrigação de indemnizar o lesado.
Nessa medida, cabe aferir da verificação dos pressupostos da convocada responsabilidade.
O problema colocado pela argumentação recursiva, prendendo-se com o chamado concurso de normas, traduz-se, nesta oportunidade, num falso concurso (de normas), mesmo que não seja um falso problema (no contexto do recurso, desde logo). Efetivamente, como salienta a doutrina, perante normas com o mesmo conteúdo, diríamos, perante normas que concedem o mesmo direito ao pretendente[7], e mesmo que a pretensão se apresente multiplamente fundamentada[8], será indiferente a opção do tribunal, órgão que escolhe o Direito aplicável (a norma), porquanto, nessa escolha, não está vinculado às partes.
De todo o modo, a eventual indiferença do resultado não cauciona uma completa indiferença de metodologia, melhor dito, de método[9], sob pena de o intérprete percorrer um alargado – e desnecessário – conjunto de normas. Alargado porque, como é claro, diversas normas podem ser aplicadas a cada caso, todas elas atribuindo o mesmo direito; desnecessário, porque uma basta à pretensão. A questão relevante será, então, a do percurso integrativo dos factos, e esse percurso não pode alhear-se da formulação da pretensão. Diríamos que se qualquer norma é, em potência, atributiva do direito peticionado, uma delas pode estar mais conforme com a pretensão formulada. E neste sentido, sentido que adequa a substância ao processo, a questão não é – ou não é principalmente – a prevalência da norma especial sobre a norma geral, mas da pretensão principal sobre a subsidiária (expressamente invocada ou pressuposta). A norma agora convocada pelo recorrente revela-se específica ou especial em relação ao artigo 483.º aplicado pelo Tribunal de 1ª instância. A aparente indiferença na escolha do direito (norma) deve ser corrigida com a pretensão formulada, prevalecendo, se bastante, a que decorre desta última.
O caso em apreço melhor esclarece a nossa ideia: o autor, na sua p.i., invocou o artigo 483.º e aduziu os factos que preenchem todos os elementos (requisitos) da responsabilidade civil por factos ilícitos; e assim prosseguiu o processo, saneado de acordo com todas as soluções plausíveis de direito. Feito o julgamento e fixados os factos, constatou-se que nem todos os requisitos da responsabilidade civil alegados (com factos) na p.i. ficaram demonstrados. Perante essa realidade, o recorrente vem convocar já uma norma que beneficiaria o autor: presumindo a ilicitude e a culpa.
Só que, vista agora a alteração da matéria de facto, nos termos supra, desnecessário o pretendido percurso metodológico [dirigido a uma pretensão hoc sensu, subsidiária, rectius, dirigida a uma concausa jurídica de pedir] quando suficiente a totalidade dos factos provados (e alegados) pelo A. para aplicação do instituto da responsabilidade aquiliana.
Em suma, o que defendemos é que, invocados os factos que preenchem a norma geral, a aplicação da norma subsidiária só se justifica se, e quando, nem todos eles ficam provados. No exemplo dos autos, não obstante o alegado na p.i., podia não se ter por prescindível a culpa ou indemonstrada a ilicitude e, mesmo assim, justamente porque existe – entre outras – a norma que faz presumir a culpa do empreiteiro na execução viciosa do contrato, ser necessário afrontar a verificação de responsabilidade contratual. Nesta perceção, chamamos subsidiária à norma que exige menos no contexto da pretensão formulada pelo autor: a questão deixa de ser – apenas – a da livre escolha do direito, mas a ponderação da pretensão concreta. É verdade que o Juiz não está sujeito ao direito alegado (artigo 664.º do CPC), mas o direito precisa dos factos e, no momento da decisão, estando da posse da matéria assente, o raciocínio decisório, se bastante à pretensão, deve ser aquele que vem sendo debatido pelas partes: daí a relevância do alegado na petição e que, necessariamente, foi objeto de contraditório[10]. É também certo que o juiz pode entender ser de aplicar uma norma diferente da indicada (ou pressuposta), mas, em rigor, já para essa hipótese o processo devia ter sido encaminhado (era uma das soluções plausíveis de direito), e quando assim é, necessariamente está em causa a aplicação subsidiária e não, como aqui sucede, a aplicação da norma pressuposta e totalmente provada em sede de facto.
Em conclusão, diríamos que num caso como o presente, e sempre que entre duas normas que concedem o mesmo direito (e em que o concurso de normas, por isso, parece não ter relevância prática) mas uma delas é menos exigente (leia-se, tem menos requisitos de aplicabilidade) a escolha da norma aplicável deve ter em conta a configuração da acção e a norma subsidiária (a menos exigente) só deve ser equacionada se, por falta de prova de todos os elementos normativos integradores, o direito não for logo concedido pela norma principal.
Ou seja, se o autor alega todos os pressupostos da obrigação de indemnizar (assim configurando a sua acção) e todos ficam provados, quando o juiz aplica o direito (a esses factos) não deve começar por indagar da norma aplicável aos casos em que nem todos se provam.
Precisamente a situação que ocorre na situação decidenda, mediante já a aplicação das regras da responsabilidade por culpa presumida, não obstante o demandante ter fundamentado a sua ação na responsabilidade pela culpa efetiva. Sobre uma hipótese sobreponível, não provada a culpa, o juiz (sendo os factos principais os mesmos – cf. Mariana França Gouveia, A Causa…, cit., págs. 391) condena pelo risco e não faz o caminho (método) contrário.
Todas as considerações anteriores, que logo reconhecemos poderem padecer de algum desinteresse prático, permitem, no entanto, vincar, precisamente nesta apelação, que nos manteremos no domínio da primariamente convocada responsabilidade civil extracontratual…
A qual, paradoxalmente, nos determinará a conhecer da pretensão subsidiária, já que, adiante-se, o Autor não é o lesado direto, o titular do direito subjetivo lesado, antes se sub-rogou a este por ter assumido/indemnizado o dano.
É que também não estará em causa a responsabilidade delitual por facto de terceiro numa eventual relação de comissão, atenta, desde logo, a natureza do contrato de empreitada, a natureza não subordinada do empreiteiro[11].
Voltaremos à questão.
Quanto à obrigação de indemnizar (responsabilidade civil):
A responsabilidade que aqui tratamos é a extracontratual ou aquiliana (artigos 483.º a 510.º), distinguível[12] da contratual (incumprimento das obrigações e mora do devedor – artigos 798.º a 812.º) mas com esta podendo comungar da obrigação de indemnizar (artigos 562.º a 572.º).
A responsabilidade civil tem origem remota, e há muito se encontra consagrada no sistema jurídico português[13]. O seu elemento consensual, a sua razão de ser, a sua condição indefetível, além da sua medida, é o dano: alguém é civilmente responsável porque é responsável, de acordo com o Direito (já que lesou um direito subjetivo alheio ou um interesse juridicamente protegido), a reparar ou compensar um dano.
Dentro da responsabilidade civil, o Código Civil de 1966 começa por autonomizar a “responsabilidade por factos ilícitos”, dizendo que é excecional a obrigação de indemnizar independente de culpa (483.º, n.º 2) e estabelecendo o seguinte princípio geral (483.º, n.º1): “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. O que se diz, podendo ser dito de muitas maneiras, é, na parte que ora importa, que a pessoa (singular ou coletiva) que, intencionalmente ou apenas por descuido – falta de cuidado – violar, contra a lei, o direito de outra, tem que reparar (indemnizar) todos os danos daí resultantes para esta.
Nesta responsabilidade (por factos ilícitos ou, mais pormenorizadamente, ilícitos e culposos) é possível encontrar diferentes sistematizações a distinguir os seus pressupostos. Numa orientação mais clássica (Antunes Varela e Almeida e Costa[14]) fala-se de facto voluntário do lesante; ilicitude (violação do direito de outrem); nexo de imputação do facto ao lesante (subdividida em imputabilidade e culpa, esta nexo psicológico que liga o facto à vontade do agente); dano e nexo de causalidade entre facto e dano[15]. Pessoa Jorge fala de ato ilícito, prejuízo reparável e ausência de causas de isenção de responsabilidade[16] e Menezes Cordeiro acaba por aglomerá-los (apenas) em dano e imputação[17], posição esta última que tem a virtualidade de evidenciar a unicidade do instituto, a partir da já referida centralidade do dano.
Donde, ocorrido o dano, do que se trata é de saber se quem o sofre há-se suportá-lo ou se há alguém responsável pelo dano; havê-lo-á, quando alguém haja praticado uma acção causadora do dano e ilícito-culposa, sem prejuízo agora das presunções que beneficiam determinado lesado, da responsabilidade objetiva ou sem culpa e da responsabilidade por factos lícitos. Quando o dano é imputado a alguém, naquelas situações, responde por ele perante o lesado.
Importa agora, apreciando os factos, apurar da afirmação da emergência daquela responsabilidade civil da 1ª Ré pela reparação do dano. E, revistos os factos, a resposta é muito clara e no sentido que o recorrente provou tudo quanto era necessário para a imputação ilícita do dano sofrido (anote-se pelo proprietário do prédio vizinho) à atividade praticada pela Ré.
Com efeito, sem cuidar agora do quantum dos danos ou das outras questões que este recurso implica, ficou apurado que em consequência da atividade de demolição e limpeza de um imóvel pela 1ª Ré no exercício da sua atividade industrial ocorreu o desmoronamento de um muro de um prédio vizinho àquele no qual era realizada a atividade, com recurso a maquinaria pesada.
Houve danos na propriedade (no direito de) de terceiro; danos causados por deslocação de terras, por desmoronamento do muro de sustentação. Dano, direito de propriedade/ilicitude, facto e causalidade. E culpa presumida…
É que, neste caso concreto, a obra de demolições e rebaixamento de quota próxima a prédios muito antigos, reveste-se de um risco acrescido e obriga a especiais cautelas. São trabalhos que podem pôr em causa a estabilidade, suporte ou fundação ou estrutura de prédios contíguos e que neste caso em apreço reveste-se de especial perigosidade e obriga a especiais cuidados.
Nestas circunstâncias, o uso de máquinas giratórias nas demolições e rebaixamento da quota, pelo seu potencial de movimentação de terras e afetação das fundações dos prédios vizinhos constitui atividade de especial perigosidade, presumindo-se a culpa da 1ª R. pela sua realização.
E esta culpa não está ilidida.
Aqui se convoca o disposto no artº 493º, nº2, do CC, normativo este que, sob a epígrafe de “Danos causados por coisas, animais ou atividades” reza que “Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”, ou seja, consagra, desde que provada fattispecie subsumível à sua previsão, uma presunção da ilicitude[18] e da culpa.
Certo que a atividade de construção civil consubstancia, prima facie, e em abstrato, uma actividade em si mesma, não perigosa, pode em todo o caso e em casos concretos acarretar/envolver sérios riscos/danos, ou seja, pode então configurar uma actividade perigosa, tudo dependendo em última análise das respetivas características[19], impondo-se portanto que o lesado que da presunção do artº 493º,nº2, do CC, pretende lançar mão, que as alegue - para as poder provar - no respetivo articulado.
Temos para nós que os trabalhos executados no prédio do A. justificam a respetiva subsunção ao nº2, do artº 493º, do CC.
Não existindo - como é consabido - definição legal de atividade perigosa[20] o conceito de perigosidade configura matéria a apreciar/integrar casuisticamente, em razão da sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, caso em que a aptidão para produzir danos é exponencialmente acrescida.
Na feliz síntese de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 8.ª edição, Almedina, Coimbra, 2000, pág. 529, importa apurar se, a actividade, mercê de qualquer das duas razões referidas (da sua natureza ou da natureza dos meios utilizados), “tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes atividades em geral”.
In casu, sabemos que foram realizados trabalhos de demolições e limpeza e rebaixamento de quota do prédio depois de limpo, mediante uso de máquina giratória, num prédio em zona urbana de construção antiga (como se infere da localização, de resto), diretamente encostado muro de contenção de pátio de prédio confinante.
Ora, em razão da factualidade acabada de chamar à atenção, temos para nós ser de reconduzir a referida atividade na 1ª parte do nº2 , do artº 493º, do CC. Envolvendo a atividade de construção civil em causa a realização de escavações junto e/ou nas proximidades de prédio de construção antiga, mais sentido faz concluir-se que se está na presença de uma actividade cuja probabilidade de causar danos a terceiros é mais acrescida.
As técnicas construtivas adotadas, de envergadura e elevada «agressividade» em edificações próximas justificam a integração no nº2, primeira parte, do artº 493º, do CC, da atividade de construção civil pela Ré desenvolvida em prédio confinante com aquele onde sucedeu o dano ou prejuízo.
Em razão do local da obra de construção pela Ré executada e do respetivo e específico circunstancialismo envolvente, justificado se mostra o entendimento de que in casu assiste ao lesado a presunção do nº2, do artº 496º, do CC.
Concluímos, na senda do Acórdão do S.T.J. de 2-6-2009, Proc. nº 1583/1999.S1, que, embora a actividade de “construção civil e as obras de escavações ou desaterros que a integram, abstratamente consideradas, ou seja, só por si e abstraindo dos meios utilizados, não constituem atividade que revista perigo especial para terceiros, não sendo, consequentemente, de qualificar como atividade perigosa, no caso concreto os meios utilizados na execução da obra, na sua relação com o prédio vizinho e o edifício nele implantado a probabilidade de criação dos danos, que efetivamente se verificaram, era manifesta.”
Sempre “o empreiteiro é responsável, não só pela violação dos deveres emergentes do contrato de empreitada, mas também por, no exercício dessa sua actividade, desrespeitar ilicitamente e com culpa direitos de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios (art. 483.º, n.º 1 Código Civil)”. Ou seja, se “a violação de deveres emergentes do negócio jurídico faz incorrer o empreiteiro em responsabilidade contratual”, já o desrespeito, no exercício da sua actividade de empreiteiro, dos direitos de outrem (p. ex., direitos dos proprietários de prédios vizinhos daquele onde se executa a obra), “dá origem à responsabilidade extracontratual”, sendo que, tanto a responsabilidade contratual como a aquiliana fazem parte de um todo: a responsabilidade civil, cuja consequência consiste, normalmente, no dever de indemnizar, ou seja, colocar o lesado sem dano (in + damno)[21]. Ora, se é inquestionável que “Em qualquer dos casos, o empreiteiro só é responsável se tiver culpa”, presumindo-se a culpa do empreiteiro em caso de violação do contrato de empreitada (cfr. artº 799º, do CC) e, incumbindo já ao lesado a respectiva prova em sede de responsabilidade aquiliana (cfr. artº 487º.nº1,do CC ), a verdade é que é de presumir igualmente a culpa do empreiteiro no caso de danos causados por obras no âmbito de uma atividade perigosa (cfr. artº 493º,nº2, do CC)[22].
Tudo visto e ponderado, em face do acabado de expor, e porque é igualmente a factualidade assente de todo irrelevante e não demonstrativa de que os danos causados no prédio vizinho foram o resultado da ocorrência de facto fortuito ou de força maior, maxime em razão da interferência de um acontecimento natural, forçados somos a concluir pela responsabilidade da Ré empreiteira pelos danos causados no prédio vizinho do do A.
É que não resultou também provada factualidade idónea nos termos e para efeitos da 2ª parte do artº 493º, nº2, do CC, designadamente que a Ré tenha cumprido os deveres gerais no tráfego de controlo do perigo acrescido em função das circunstâncias concretas da atividade realizada.
Ora, nesta matéria, é o nº2, do artº 493º, do CC, bastante claro em dizer que, sendo causados danos a outrem no exercício de uma actividade perigosa, obrigado está o causador dos danos a repará-los, “exceto se demonstrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.
Como adverte Rui de Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade civil por violação de deveres de tráfego, 2015, Almedina, pág. 501, «a prova liberatória imposta ao exercente de atividades perigosas requer a demonstração de que foram adotadas todas as providências exigidas pelas circunstâncias a fim de prevenir os danos, não se satisfazendo literalmente com a prova de terem sido cumpridos os comuns deveres de cuidado que vinculavam o exercente.»
Por outra banda, afasta igualmente o nº2, do artº 493º, do CC, ainda que de forma indirecta, “mas concludentemente, a possibilidade de o responsável se eximir à obrigação de indemnizar, com a alegação de que os danos se teriam verificado por uma outra causa, mesmo que tivesse ele adotado todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar”[23]
Tal como anota Meneses Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, Almedina, pág. 309, tudo aponta para que a responsabilização do nº2, do artº 493º, do CC, se mostre «estabelecida a um nível mais objetivo do que o que resulta das disposições anteriores, uma vez que, além de não se prever a ilisão da responsabilidade com a demonstração da relevância negativa da causa virtual, parece-se exigir ainda a demonstração de um grau de diligência superior à das disposições anteriores, uma vez que, em lugar da simples prova da ausência de culpa ( apreciada nos termos do art.º 487º, nº 2 ), o legislador exige a demonstração de que o agente “empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir” os danos, o que parece apontar para um critério mais rigoroso de apreciação da culpa, ou seja, para um critério da culpa levíssima”.
Tal equivale a dizer, como no Acórdão do S.T.J. de 13-3-2007, que a presunção de culpa do agente, nos casos do nº2, do artº 493º, do CC, é ilidida pela demonstração de que atuou ele, «não apenas como teria atuado o bom pai de família pressuposto no art.º 487º, nº 1 – uma pessoa medianamente cautelosa, atenta, informada e sagaz – mas, mais do que isso, empregando todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de evitar os danos. Por isso se diz que o caso previsto neste art.º 493º, nº 2, representa uma responsabilidade subjetiva agravada ou objetiva atenuada – uma solução intermédia entre uma e outra – de modo tal que o lesante, insiste-se, só fica exonerado quando tenha adotado todos os procedimentos idóneos, segundo o estado da ciência e da técnica ao tempo em que atua, para evitar a eclosão dos danos»
Isto dito, porque não é a factualidade assente, longe disso, suficientemente reveladora de que a 1ª R. em sede de execução dos trabalhos que lhe foram adjudicados, empregou todas os cuidados e providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de evitar os danos que foram causados no prédio vizinho, maxime segundo o estado da ciência e da técnica ao tempo, nada sustenta a exoneração da responsabilidade da 1ª Ré.
Tudo para concluir, pois, sabido que constituem pressupostos do dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos: a) existência de um facto voluntário do agente; b) a ilicitude desse facto; c) a existência de um nexo de imputação do facto ao lesante; d) que da violação do direito subjetivo ou da lei resulte um dano, e que , haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pelo lesado, de forma a poder concluir-se que este resulta daquele; e, resultando da factualidade assente todos os supra referidos pressupostos, não tendo a ré demonstrado factos suscetíveis de afastar a presunção de dois deles [a da ilicitude e da culpa, havendo ainda quem defenda que o artº 493º do CC consagra uma presunção de culpa, de causalidade e de ilicitude[24]], temos assim encontrado o fundamento para a responsabilidade da 1ª Ré.
Quanto ao dano, o mesmo corresponde ao valor despendido para a reconstituição da situação danosa provocada, reconduzindo-se ao valor do pedido, nessa parte, atentos os factos provados sob 19. e 20.
Ora, assiste ao autor (dono da obra) o direito de regresso pela indemnização paga ao dono de prédio vizinho como reparação por danos causados com os trabalhos de demolição e rebaixamento de quota realizados pela Ré empreiteira em imóvel que lhe pertence. Perfilhamos a orientação dominante da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Assim, nos já longínquos Acórdãos de 10/01/2006, de 27/05/2004, que seguiremos de muito perto, de 12.6.03 (Revª 03B1813) e 18.3.04 (Revª 04B658, ambos relatados pelo Cº Salvador da Costa, e ainda o de 1.7.03 (Revª 03A1750), relatado pelo Cº Azevedo Ramos, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
Trata-se de doutrina que pode sintetizar-se assim:
a) A expressão "seu autor" a que se refere o nº 2 do art.º 1348º do CC significa o proprietário do prédio em que as obras foram feitas; e o dever de indemnizar consagrado neste preceito representa um caso excecional de responsabilidade civil extracontratual, resultante do exercício de uma atividade lícita, em que se prescinde da culpa;
b) O empreiteiro (ou subempreiteiro) que praticou culposamente ações ilícitas ou omitiu os cuidados exigíveis na execução dos trabalhos (nomeadamente, escavações) ou executa atividade perigosa e não demonstra o cumprimento da totalidade dos deveres de segurança no tráfego adequados à evitação do dano inscrito na esfera de perigosidade acrescida da atividade, torna-se responsável perante terceiros pelo ressarcimento dos danos causados; trata-se de responsabilidade fundada na culpa - art.º 483 do CC;
c) A responsabilidade do proprietário/dono da obra é solidária com a do empreiteiro/subempreiteiro - art.º 497º nº 1, do CC.
Perante isto, e atento o disposto nos art.ºs 497º, nº 2, e 524º do CC, conclui-se que o proprietário/dono da obra, sobre o qual recai sempre (sem culpa) a obrigação de indemnizar os proprietários vizinhos (que sofreram danos resultantes de escavações para construção de edifício no prédio daquele), tem o direito de ser reembolsado pelo empreiteiro/subempreiteiro executante dos trabalhos da indemnização que pagou, fundando-se o reembolso no direito de regresso. Neste sentido ainda o acórdão do STJ de 9.12.04, na mesma base de dados.
Quanto agora aos danos não patrimoniais diretamente padecidos pelo Autor, conforme 22 a 24 dos factos assentes, a questão não reveste a mesma evidência.
Certo que configurada a afetação de direitos de personalidade, a um tempo, não caracterizado o cumprimento defeituoso do contrato que faria emergir a presunção de culpa do empreiteiro na causação dos danos, nem cabível o dano em apreço na esfera dos riscos aumentados pela atividade exercida pela empreiteira, com o que não convocável quanto àqueles a presunção de culpa, causalidade e ilicitude do art. 493º do CC, quanto a esta afetação padecida pelo dono da obra… Esta é antes consequência da sua (do dono da obra) responsabilidade própria pela obra, nos termos e para os efeitos do art. 1348º do CC, como antecedentemente explicado; com o que excluída a causalidade jurídica que importa à afirmação da responsabilidade da empreiteira por tais danos.
Nessa parte, havendo-se por indemonstrada a imputação (na tríplice dimensão de causalidade e culpa; não se afirmando outrossim a respetiva presunção ou uma hipótese de responsabilidade objetiva da empreiteira), não estando verificada a totalidade dos pressupostos da obrigação de indemnização, não há fundamento para a atribuição da indemnização, o que se decide.
Caberia agora afrontar a procedência da pretensão quanto à co-Ré seguradora, sendo certo que, visto o facto sob 27. dos provados, os termos do contrato a atender são aqueles do clausulado junto sob documento nº 1 com a contestação da 2ª Ré.
De entre os seguros de danos assume especial destaque o seguro de responsabilidade civil, que, pese embora a utilização do singular, abrange diversas situações, podendo, por isso, falar-se em seguros de responsabilidade civil. Por via do seguro de responsabilidade civil, nas suas várias modalidades, tem-se em vista que o risco relacionado com situações jurídicas qualificadas como «responsabilidade civil» seja minimizado, mais concretamente, que a obrigação de pagamento de indemnização devida por aplicação das regras da responsabilidade civil seja transferida do lesante para um segurador. Para além desta diretriz comum, há que atender a especificidades de diferentes modalidades de seguro de responsabilidade civil.
Em qualquer seguro qualificável como «seguro de responsabilidade civil» numa das suas modalidades, há que atender à sua finalidade e ao regime jurídico comum, mormente constante da Lei do Contrato de Seguro (arts. 137.ºa 148.º). Sempre ao contratado.
Desde logo, convocando a Ré Seguradora a ilegitimidade material do Autor, nos termos e com os fundamentos que aí melhor constam, o que resulta já é antes a ilegitimidade passiva da Ré, como parte principal, a determinar a respetiva absolvição da instância.
Quanto a esta questão, de conhecimento oficioso, não faz caso julgado a afirmação tabelar no saneador da regularidade da instância ou da inexistência de exceções dilatórias, como é jurisprudência e doutrina unânimes. Outrossim desnecessário cumprir o contraditório nesta sede quanto à questão.
Na verdade, como é sabido, o princípio do contraditório é um dos princípios basilares que enformam o processo civil, e, na estrita perspetiva das partes, quiçá o mais relevante. Na verdade, “o processo civil reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera pars)… - esta estruturação dialéctica ou polémica do processo tira partido do contraste de interesses dos pleiteantes, ou até só do contraste das suas opiniões…para o esclarecimento da verdade”, Manuel de Andrade, Noções Elementares, 1979, pág.379 -.
Não obstante importa notar que este princípio, tal como todos os outros, não é de perspetivação e aplicação inelutável e absoluta. Podendo congeminar-se casos em que ele pode ser mitigado ou mesmo postergado, vg. em situações de atendível urgência ou, no próprio dizer da lei, de manifesta desnecessidade.
Por outro lado certo é que os advogados que patrocinam as partes devem conhecer o direito, e, consequentemente, uma vez na posse dos factos, devem, de igual modo, prever todas as qualificações jurídicas de que os mesmos são suscetíveis.
Verifica-se, assim, que o cumprimento do princípio do contraditório não se reporta, pelo menos essencial ou determinantemente, às normas que o juiz entende aplicar, nem à interpretação que delas venha a fazer, mas antes aos factos invocados e às posições assumidas pelas partes.
Na estruturação de um processo justo o tribunal deve prevenir e, na medida do possível, obviar a que os pleiteantes sejam surpreendidos com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração.
Trata-se de emanações dos princípios de cooperação, boa-fé processual e colaboração entre as partes e entre estas e o tribunal.
O artigo 3.º, n.º 3 do Código Processo Civil exige do juiz uma diligência aturada de observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo o princípio do contraditório, salvo os casos em que ressalte uma manifesta desnecessidade.
A decisão-surpresa a que se reporta o artigo 3º, nº 3 do CPC, não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito nem com a expectativa que elas possam ter acalentado quanto à decisão quer de facto quer de direito.
A lei, ao referir-se à decisão-surpresa, não quis excluir delas as decisões que juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas. O que importa é que os termos da decisão, rectius os seus fundamentos, estejam ínsitos ou relacionados com o pedido formulado e se situem dentro do geral e abstratamente permitido pela lei e que de antemão possa e deva ser conhecido ou perspetivado como sendo possível. Ou seja, estaremos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, ou, no mínimo e concedendo, quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente daquele em que a parte o havia feito.
Desde logo, a solução seguida não se desvincula da posição sufragada pelas pelas partes, na sua substancialidade ou na sua adjetividade, ainda quando distinto o enquadramento da reclamada absolvição da Ré ou improcedência da pretensão.
É que cabe aqui ter presente o regime jurídico do contrato de seguro estabelecido no Dec. Lei nº 72/2008, de 16 de Abril.
O seguro de responsabilidade civil, no âmbito do citado regime jurídico, é classificado em:
a) seguro facultativo – quando a sua celebração deriva exclusivamente da autonomia das partes e a que são aplicáveis as disposições relativas ao regime comum do seguro de responsabilidade civil (arts. 137º a 145º); deve também considerar-se seguro facultativo o que exceda, e na medida em que o faça, o seguro obrigatório;
b) seguro obrigatório – quando resulta de obrigatoriedade prevista em disposição legal ou regulamentar, a que se aplicam, para além dos regimes das espécies contratuais que dele disponham, os arts. 146º a 148º.
Nos termos do disposto nos arts. 137º e 138.º do citado diploma legal, «[n]o seguro de responsabilidade civil, o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros», garantindo «a obrigação de indemnizar, nos termos acordados, até ao montante do capital seguro por sinistro».
No seguro obrigatório mostra-se expressamente consagrada a possibilidade de ação direta do lesado contra a seguradora, estatuindo o art. 146º que o «lesado tem o direito de exigir o pagamento da indemnização diretamente ao segurador».
Mas já quanto a seguro de responsabilidade civil facultativo releva o estatuído no art. 140º, sob a epígrafe “Defesa jurídica”, nos termos do qual:
«1 - O segurador de responsabilidade civil pode intervir em qualquer processo judicial ou administrativo em que se discuta a obrigação de indemnizar cujo risco ele tenha assumido, suportando os custos daí decorrentes.
2 - O contrato de seguro pode prever o direito de o lesado demandar diretamente o segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado.
3 - O direito de o lesado demandar diretamente o segurador verifica-se ainda quando o segurado o tenha informado da existência de um contrato de seguro com o consequente início de negociações diretas entre o lesado e o segurador. (…)»
À luz do citado regime, se no seguro obrigatório está consagrada a possibilidade de ação direta do lesado contra a seguradora, no seguro facultativo o titular do direito face à seguradora será, por via regra, a título exclusivo, o tomador de seguro/segurado.
Quanto aos demais seguros de responsabilidade civil, os nos 2 e 3 do art. 140º da LCS concedem, de facto, ao lesado o direito de demandar diretamente o segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado, mas apenas nas duas situações aí mencionadas, a saber:
i) - quando tal se encontre expressamente previsto no contrato de seguro;
ii) - quando o segurado tenha informado o lesado da existência de um contrato de seguro com o consequente início de negociações diretas entre o lesado e o segurador.
De referir que, certamente ciente da polémica jurisprudencial e doutrinária até aí existente, o legislador fez questão de explicitar a sua posição sobre o tema, fazendo constar do Preâmbulo de tal diploma legal o seguinte: «No seguro de responsabilidade civil voluntário, em determinadas situações, o lesado pode demandar diretamente o segurador, sendo esse direito reconhecido ao lesado nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil. Por isso, a possibilidade de o lesado demandar diretamente o segurador depende de se tratar de seguro de responsabilidade civil obrigatório ou facultativo. No primeiro caso, a regra é a de se atribuir esse direito ao lesado, pois a obrigatoriedade do seguro é estabelecida nas leis com a finalidade de proteger o lesado. No seguro facultativo, preserva-se o princípio da relatividade dos contratos, dispondo que o terceiro lesado não pode, por via de regra, exigir a indemnização ao segurador».
A esta luz, cremos ser perfeitamente pacífico o entendimento jurisprudencial[25] e doutrinário[26] no sentido de que nos contratos de seguro de caráter facultativo, a seguradora só possui legitimidade para ser demandada como parte principal no processo nas concretas situações, excecionais, consagradas nos nos 2 e 3 do art. 140º da LCS, ou seja, quando o contrato de seguro previr o direito de o lesado demandar diretamente o segurador ou quando o segurado tenha informado o lesado da existência de um contrato de seguro e se tenham iniciado as negociações diretas entre ele, lesado, e o segurador; nas restantes situações em que este seja demandado, ocorrerá ilegitimidade passiva do segurador, pois que não é parte na relação material controvertida [mas apenas sujeito passivo de uma relação jurídica (contrato de seguro) conexa com aquela)].
Assim, revertendo este entendimento para o caso vertente, na medida em que não resulta dos autos – tal não foi alegado, nem se mostra documentalmente provado! –, que no concreto contrato de seguro (facultativo) em análise, tenha sido expressamente prevista a atribuição ao lesado do direito de exigir diretamente à Seguradora a prestação contratual, de acordo com o nº 2 do art. 140º da L.C.S., ou seja, que a constitua como garante direta da sua responsabilidade perante lesados, e bem assim porque não se configura a situação prevista no nº 3 do mesmo normativo [o início de negociações diretas entre o alegado lesado (Autor) e a Seguradora], importa concluir, inapelavelmente, pela impossibilidade de a Seguradora assumir o estatuto de parte principal na lide [numa situação de litisconsórcio voluntário passivo].
Dito de outra forma: a existência de contrato de seguro (facultativo) celebrado pela ré com a seguradora não tem a virtualidade de transmutar esta em titular da relação material controvertida, apenas lhe conferindo um interesse processual acessório/secundário no litígio em apreço[27].
Consequentemente, a Seguradora poderia ser admitida a intervir na causa, mas apenas como parte acessória, auxiliando o Réu/lesante na sua defesa[28].
Acontece que essa concreta modalidade de “intervenção de terceiros” não foi nunca suscitada nos autos, nem sequer em via recursiva.
Nestes termos e sem necessidade de maiores considerações, cabe absolver a 2ª Ré da instância.[29]

III.
Tudo visto,
I. Julga-se verificada a exceção dilatória da ilegitimidade passiva principal da Ré seguradora, absolvendo-se a mesma da instância.
II. concede-se parcial provimento à apelação e, em consequência:
A)
1. decide-se alterar a redação do facto provado sob 28 dos factos assentes, dele passando a constar: Todos os contactos com a 1.º R., nomeadamente especificações quanto ao objeto/objetivo da obra, acompanhamento, licenciamento e comunicações às entidades competentes, foram realizados por departamento de arquitetura e engenharia contratado pelo A., designadamente pelo representante do A., Arq.º BB, que acompanhou a execução dos trabalhos desde o início e ao longo do decurso dos trabalhos;
2. Decide-se da eliminação do facto sob e) dos não provados;
3. Decide-se da ampliação da matéria de facto, aditando-se, sob 5`. Aos fatos provados o seguinte: O desmoronamento parcial do muro meeiro em alvenaria de pedra, que suportava o pátio do prédio contíguo ao do A., com o n.º …, ocorrido no dia 7 de Junho de 2021, sucedeu em consequência dos trabalhos de demolição, limpeza e remoção dos resíduos que foram levados a efeito pela 1ª Ré nos prédios do Autor, isto é, pelas alterações estruturais que aqueles provocaram naquele muro.
B) Decide-se julgar a ação parcialmente procedente, por provada, condenando a Ré A... – Unipessoal, Lda. a satisfazer ao Autor, por via do direito de regresso que a este assiste, a quantia de €23.783,34€, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da data da citação até integral e efetivo pagamento.
Custas, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento, não pagando quaisquer custas a 2ª Ré.
Notifique.
Porto, 09 de Novembro de 2023
Isabel Peixoto Pereira
António Paulo Vasconcelos
Leonel Serôdio
_______________
[1] De resto, contraditória nos seus termos a afirmação pelo Autor de um acompanhamento “administrativo” pelo seu Arquiteto, deixando a execução nas mãos do empreiteiro, que foi o que mais emergiu caracterizado da prova produzida, como exposto, simultânea à verificação por ele da desadequação dos trabalhos de demolição, como melhor resultará infra.
[2] José Lebre de Freitas/Armando Ribeiro Mendes/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º, Artigos 627.º a 877.º, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, sub art. 662º, págs. 170-171, 174-175.
[3] Por todos, v. Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 640º, pág. 166, sub art. 662º, págs. 294-295, Francisco Ferreira de Almeida, Direito processual civil, Volume II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, págs. 536-537.
[4] Abrantes Geraldes, Recursos… cit., sub art. 662º, pág. 298.
[5] FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume II cit., pág. 537, completando: “Foi, assim, arredada a conceção segundo a qual a atividade cognitiva da Relação se deveria confinar, tão-somente, a um mero controlo formal da motivação/fundamentação efetuada em 1ª instância”.
[6] V. Ac. do STJ de 5/7/2022, processo n.º 400/180.0T8PVZ.P1.S1, na base de dados da dgsi.
[7] As várias estipulações normativas têm que definir consequências distintas, já que “se assim não fosse, o concurso de normas jamais assumiria qualquer relevância prática” – Miguel Teixeira de Sousa, O Concurso de Títulos de Aquisição da Prestação, Almedina, 1998, págs. 16 e também, com interesse na definição da causa de pedir, nos seus efeitos no concurso e sobre a relevância deste, págs. 162 e 163 e págs. 223 a 225 e 240 a 244.
[8] Cf. Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, Almedina, 1994, págs. 284 e ss., em especial, pág. 287.
[9] Sobre a diferença, A. Castanheira Neves, Metodologia Jurídica – Problemas fundamentais, Coimbra Editora / Universidade de Coimbra, 1993, págs. 9 e 10.
[10] Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, Almedina, 2004, págs. 382 e ss., em especial, págs. 389 e 391.
[11] O afastamento da empreitada enquanto relação de comissão parece-nos unânime na doutrina, tal como na jurisprudência, nomeadamente na do Supremo. Antunes Varela afirma a necessidade da existência de subordinação e o único autor que se afasta desse entendimento (Menezes Leitão) continua a afastar a empreitada, atenta a autonomia do empreiteiro e a inexistência de uma delegação pelo “comitente” – Cf. Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil Delitual por Facto de Terceiro, Coimbra Editora, 2009, págs. 264 e ss. E, em especial, págs. 267, 268 e 271.
[12] Pela generalidade dos autores, ainda que venha sendo assumida dogmaticamente como disciplina autónoma, e abrangendo as duas realidades – Cf. Manuel Carneiro da Frada, Direito Civil Responsabilidade Civil – O método do caso, Almedina, 2010 (reimpressão), págs. 37 e ss. Sobre a “tese da unidade” das duas responsabilidades, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Tomo III, Almedina, 2010, págs. 387 e ss.
[13] Sobre a sua evolução e consagração atual, entre outros, António Menezes Cordeiro, Tratado…, cit, págs. 291 a 381 e Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Anónimas, Lex, 1997, págs. 399 a 457; E. Santos Júnior, Da Responsabilidade Civil de Terceiro por Lesão do Direito de Crédito, Almedina, 2003, págs. 179 a 202 e Adelaide Menezes Leitão, Normas de Protecção e Danos Puramente Patrimoniais, Almedina, 2009, págs. 225 a 258.
[14] Respetivamente, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 8.ª edição, Almedina, 1994, págs. 532 e ss. E Direito das Obrigações, 8.ª edição, Almedina, 2000, págs. 500 e ss.
[15] Jorge Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, Vol. I, Almedina, pág. 413, enumera também cinco pressupostos (um facto voluntário; a ilicitude, a culpa; o dano; o nexo de causalidade entre o facto e o dano), antecipados com este esclarecimento: “para que tenha lugar a responsabilidade civil por factos ilícitos são necessários vários pressupostos. Di-los, de resto, com suficiente clareza, o artigo 483.º. depressa se vê, na verdade, à face dele, que incorre em responsabilidade, e portanto numa obrigação de indemnizar, quem pratica um facto voluntário (é a “Handlung” dos alemães), que traduza ou incorpore um juízo de desvalor objectivo da ordem jurídica (“Rechtswidrigkeit”), sendo o seu agente censurável (“Verschuldengrundsatz”), ponto é que tenham ocorrido danos que se ligam causalmente àquele facto.
[16] Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, p.55.
[17] E na imputação encontram-se os pressupostos que habitualmente se classificam como ilicitude, culpa e causalidade (Direito das Obrigações, Vol. II, Lisboa, 1990 (reimpressão) pág. 291.
[18] Cfr. Ac. do STJ de 13-3-2007, Proc. nº 07A96, in www.dgsi.pt, assim como todos os demais que se referenciarão nesta decisão sem outra/distinta indicação de proveniência.
[19] Cfr. Acórdão do S.T.J. de 13-11-2012, Processo nº 777/05.7TBTVD.L1.S1.
[20] Cfr. Acórdão do S.T.J. de 28-10-2014, Proc. nº 1593/07.7TBPVZ.P1.S1.
[21] Cfr. Prof João de Matos Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, pag.488 e segs.
[22] Cfr. Pedro Romano Martinez, Contrato de Empreitada, Almedina, 1994, pág. 179 e segs.
[23] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, Vol. I, pág. 431.
[24] Vide v.g. Henrique Sousa Antunes, in Responsabilidade civil dos Obrigados à Vigilância de Pessoa Naturalmente Incapaz, UCP, págs. 270 e segs, e Ana Maria Taveira da Fonseca, in Responsabilidade civil pelos danos causados pela ruína de edifícios e outras obras, Novas Tendências da Responsabilidade Civil, Coimbra, Almedina, 2007, pág. 126 e segs.
[25] Cf., inter alia, o acórdão do TRG de 19.10.2017, proferido no proc. nº 6101/15.3T8BRG.G1, e o acórdão do TRP de 15-12-2021, proferido no proc. nº 635/20.5T8PVZ-B.P1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[26] Cf. Pedro Romano Martinez, Leonor Cunha Torres, Arnaldo da Costa Oliveira, Maria Eduarda Ribeiro, José Pereira Morgado, José Vasques, José Alves de Brito, Lei do Contrato de Seguro – Anotada, Almedina, 4ª ed.., em anotação ao artigo em referência.
[27] Neste sentido vide o acórdão do TRP de 12-07-2017, proferido no proc. nº 1599/17.8T8PRT-A.P1, acessível em www.dgsi.pt/jtrp.
[28] Assim também no acórdão do TRG de 21.05.2020, proferido no proc. nº 2075/19.0T8VCT-A.G1, acessível em www.dgsi.pt/trg.
[29] Sempre se afigura improcedente a pretensão, na medida do âmbito contratualizado e da exclusão sob o nº 6 do art. 2º das condições gerais dos danos em apreço.