Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12310/24.7T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA PINTO DA SILVA
Descritores: ARRESTO
DIREITO DE CRÉDITO
Nº do Documento: RP2025060412310/24.7T8PRT.P1
Data do Acordão: 06/04/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O arresto, enquanto procedimento cautelar especificado, depende, em conformidade com o disposto no art. 392.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, da verificação de duas circunstâncias:
- a probabilidade de existência do crédito;
- o justo receio de perda da garantia patrimonial.
II - Ainda que o Requerente pudesse, eventualmente, ser titular de um qualquer outro direito de crédito (aqui não alegado, fundado, por exemplo, numa eventual revogação da doação), não pode obter neste procedimento cautelar qualquer arresto de bens para garantir tal outro qualquer pretenso e indeterminado crédito, distinto do direito de crédito que alegou neste procedimento e fundado numa relação jurídica distinta da que aqui alegou, ainda que as partes dessa outra relação jurídica possam ser as mesmas. Tal traduzir-se-ia numa completa distorção e violação de princípios basilares do processo civil: proibição de decisões surpresa (art. 3.º do Cód. Proc. Civil), ónus de alegação e poderes de cognição do tribunal (art. 5.º do Cód. Proc. Civil), princípio da estabilidade da instância (arts. 260.º, 264.º e 265.º do Cód. Proc. Civil) e limites da decisão (art. 609.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº12310/24.7T8PRT.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Central Cível do Porto – Juiz 7

Recorrente: AA

Recorrida: BB

Relatora: Des. Teresa Pinto da Silva

1º Adjunto: Des. José Nuno Duarte

2º Adjunto: Des. Jorge Martins Ribeiro


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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da 5ª Secção, Cível, do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

Em 3 de junho de 2024, AA intentou providência cautelar especificada de arresto contra BB, requerendo o arresto da fração autónoma designada pelas letras AJ, de tipologia T3, com dois aparcamentos automóveis e arrecadação na 2ª cave, sita na Rua ..., ... Porto, descrita na Conservatória de Registo Predial do Porto sob o nº ...-AJ, da União de freguesias ... e ... e inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...-AJ, para segurança do alegado crédito do Requerente no valor de 449.310,12€.

Produzida a prova, por decisão de 12 de julho de 2024, veio a ser decretado o arresto requerido sobre o aludido imóvel, sem prévia audição da Requerida.

Por despacho de 15 de outubro de 2024 foi ordenada a notificação da Requerida BB, tendo esta, em 12 de novembro de 2024, deduzido oposição, pugnando pela revogação e consequente levantamento da providência de arresto que foi decretada.

Em 18 de dezembro de 2024, através de requerimento com a referência 41054832 do Citius, o Requerente AA veio requerer que se desse sem efeito a audiência de julgamento agendada para o dia 19 de dezembro de 2024, por via da extemporaneidade da oposição apresentada no dia 12 de novembro de 2024, e, nessa decorrência, seja a mesma desentranhada, devendo ser de novo notificada a Requerida, nos termos consignados no despacho datado de 15 de outubro de 2024, ou, em substituição, em morada nacional por si indicada para o efeito.

Alegou, para tanto e em síntese, que a carta registada com aviso de receção tendo em vista a notificação da Requerida, remetida em 15 de outubro de 2024, foi devolvida no dia 6 de dezembro de 2024, pelo que a notificação da Requerida ainda não ocorreu, nem começou a contagem do prazo que a Requerente dispõe para apresentar a sua oposição à presente providência cautelar, encontrando-se aquela objetivamente impedida de apresentar a sua defesa, pelo que deve ser declarada extemporânea e devidamente desentranhada dos autos a oposição que entretanto aquela juntou aos autos.

Nesse mesmo dia 18 de dezembro de 2024, o Tribunal, no conhecimento desse requerimento, proferiu o seguinte despacho:

«Requerimento do Requerente de 18/12/2024 (Refª 41054832):

1.Conforme resulta dos presentes autos, tendo sido decretada a decisão de arresto constante do presente procedimento, sem audição prévia da Requerida, foi determinado no final de tal decisão que “após efectivação do arresto, notifique a Requerida nos termos dos artºs 366º, nº6, 372º, nº1 e 293º, todos do CPC”.

2. Estatui o nº6 do artigo 366º do CPC que “quando o requerido não for ouvido e a providência vier a ser decretada, só após a sua realização é notificado da decisão que a ordenou, aplicando-se à notificação o preceituado quanto à citação.”

3. Tendo o arresto sido proferido em 12-07-2024, apenas se logrou a notificação pessoal da Requerida no dia 25/10/2024, por via postal com AR numa morada sita no Brasil, tendo a oposição sido deduzida em Juízo no dia 12-11-2024.

4. Daí que, salvo o devido respeito, não se vislumbra que a aludida oposição seja extemporânea.

É que nos termos do disposto no artigo 189º do CPC aplicável ex vi do artigo 366º, nº6, do mesmo Código, se o réu “intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.

Daí que, ainda que se considerasse haver falta de citação, a intervenção da requerida sem arguir qualquer falta de citação, apresentando a sua oposição sanou qualquer falta de citação que pudesse ter havido.

5. Sendo certo que se mostra junto aos autos o AR de citação assinado no Brasil, em nada relevando a devolução da carta, desconhecendo-se em que estado, nem o sucedido.

Para o que processualmente releva a Requerida veio opor-se, sanando assim qualquer falta de notificação que pudesse ter ocorrido, (cfr. artº189º, do CPC).


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Deste modo, inexistindo qualquer fundamento legal para tanto, indefiro o requerido pelo Requerente, mantendo-se a data designada para o dia de amanhã, pelas 09h30mn, para a realização das diligências de prova da Requerida oferecidas na sua Oposição.

Notifique, pela forma mais expedita, os Ilustres Mandatários de ambas as partes.»


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Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal, que se prolongou por seis sessões (19 de Dezembro de 2024, 6 de Janeiro de 2025, 15 de Janeiro de 2025, 3 de Fevereiro de 2025, 13 de Fevereiro de 2025 e 21 de Fevereiro de 2025).

Em 10 de março de 2025 foi proferida sentença, da qual consta o seguinte dispositivo:

«Termos em que pelo exposto, e sem necessidade de ulteriores considerações, revogo a providência de arresto anteriormente decretada da fração autónoma designada pelas letras AJ, de tipologia T3, com dois aparcamentos automóveis e arrecadação na 2ª cave, do prédio sito na Rua ..., ... Porto, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ...-AJ da União de freguesias ... e ... e inscrita na respectiva matriz urbana sob o artigo ...-AJ e em consequência ordeno o levantamento do arresto que tinha sido determinado e consequente cancelamento do respectivo registo lavrado pela apresentação nº1166 de 2024/07/22».


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Em 7 de abril de 2025, veio o Requerente interpor o recurso relativamente ao despacho judicial de dia 18.12.2024, Ref.ª Citius n.º466917019, e bem assim da sentença que ordenou o levantamento do arresto, para o que apresentou alegações com as seguintes

CONCLUSÕES:

(…)


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Na resposta às alegações, a Recorrida pugnou pela improcedência do recurso na sua totalidade, não tendo apresentado conclusões.

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Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

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Recebido o processo nesta Relação, emitiu-se despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


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Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões vertidas pela Recorrente nas suas alegações (arts. 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais prévias, destinando-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não à prolação de decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo Tribunal recorrido.

Mercê do exposto, da análise das conclusões vertidas pelo Recorrente nas suas alegações decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

1ª – Se o despacho recorrido proferido no dia 18.12.2024, Ref.ª Citius n.º 466917019 padece de nulidade em virtude da citação da Requerida ser nula

2ª Se foi validamente deduzida e procede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida quanto à matéria de facto dada como provada sob as alíneas H), I), J); N), O), Q), V), Z), JJ), AA), BB), EE), FF), HH), QQ), RR), SS), TT), UU), VV), XX), ZZ), AAA), HHH), III), UUU), bem como quanto aos factos dados como não provados sob os pontos: 1., 2., 3., 4., 7., 8., 9. e 12. e, em caso afirmativo,

3ª - Da repercussão dessa alteração da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso.

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II – FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
Os factos provados com relevância para a decisão relativa ao recurso do despacho proferido no dia 18 de dezembro de 2024 constam já do relatório que antecede, resultando a sua prova dos autos, não se reproduzindo os mesmos por tal se revelar desnecessário.
Relativamente à sentença recorrida, é o seguinte o teor da decisão da matéria de facto dela constante:
Factos Provados:
A) A Requerida foi casada com o Requerente, tendo tal casamento sido dissolvido por divórcio por sentença datada de 24/04/2024 no âmbito do processo de divórcio sem consentimento que correu termos pela 2ª Vara de Família da Cidade do Rio de Janeiro, conforme se pode ver do averbamento constante da certidão de casamento que foi junta com a p.i..
B) Ainda antes de terem contraído casamento Requerida e Requerente já mantinham uma união de facto estável que começou com um namoro no ano de 2000, seguida de uma vivência conjunta da qual nasceu o único filho do casal, CC, no ano 2005, após o que decidiram contrair casamento sob o regime da separação de bens a 25/11/2010.
C) No pretérito dia 25 de novembro de 2010, o Requerente e a Requerida celebraram matrimónio, tendo fixado o regime de casamento sob o regime de separação total de bens.
D) Sendo a escolha do regime da separação de bens uma opção de ambos os cônjuges porquanto nenhum dos dois, à data do casamento, tinha mais de 60 anos de idade, nunca tinham sido casados anteriormente, nem tinham filhos de relações anteriores.
E) O Requerente sempre viveu do avultado património que herdou dos seus pais, ao contrário da Requerida que foi, durante 19 anos, funcionária de um dos bancos mais importantes do Brasil, o Banco 1....
F) O Requerente é 13 anos mais velho que a Requerida e sempre gostou de viajar, uma vez que, não exercendo atividade profissional remunerada e dedicando o seu tempo a gerir o património que herdou, tinha total disponibilidade para o fazer.
G) Ao contrário da Requerida que tinha atividade profissional remunerada e a quem prestar contas.
H) No ano de 2016, e quando a Requerida deixou de trabalhar para o Banco 1..., o Requerente viu nesse acontecimento uma oportunidade para fazer o que sempre sonhou: viajar durante longos períodos de tempo no seu catamarã acompanhado pela sua família composta pela Requerida e pelo filho de ambos CC, à data com 11 anos de idade.
I) Pelo que o Requerente convenceu a Requerida a não exercer, no futuro, qualquer atividade profissional remunerada, de forma a que tivesse total disponibilidade para viajar pelo mundo fora com o Requerente e o filho de ambos no seu catamarã.
J) Tendo o Requerente sempre assumido que durante a união havida com a Requerida, e desde que a mesma deixou de exercer atividade profissional remunerada para o acompanhar na sua grande aventura pelos mares, era ele o único e exclusivo garante da subsistência de todo o agregado familiar, assegurando todos os compromissos financeiros da Requerida, que não voltaria a trabalhar de forma a ter total disponibilidade para acompanhar o Requerente nas suas viagens pelo mundo em alto mar.
L) Cabendo ao Requerente o sustento financeiro da família, de forma exclusiva.
M) Assim, no ano de 2017, o Requerente, conjuntamente com a Requerida e o filho CC decidiriam partir numa viagem pelo mar, que passou pelos mares do Brasil e América do Norte.
N) Passados três anos, e já no ano de 2020, o Requerente decidiu finalizar a viagem e passar a residir em Portugal.
O) Foi o Requerente que decidiu fixar residência em Portugal, tendo inscrito o filho do casal num Colégio ... uma vez que o jovem, durante a viagem referida nos artigos anteriores, frequentou o ensino/escola via on line.
P) Em virtude do filho do Requerente e Requerida estudar na cidade do Porto, decidiram, o Requerente e a Requerida, deslocar-se para a cidade do Porto por forma a acompanhar o desenvolvimento escolar do seu filho.
Q) Com todas estas premissas Requerente e Requerida abriram uma conta bancária onde foram depositados capitais próprios de ambos.
R) Numa primeira fase, o Requerente abriu uma conta partilhada com a Requerida por forma a facilitar a entrada de capitais próprios (tanto do Requerente como da Requerida) em Portugal.
S) A Requerida tem nacionalidade brasileira.
T) O Requerente, bem como o filho CC já tinham dupla nacionalidade (Brasileira/Portuguesa) desde, respetivamente, 2010 e 2017, enquanto que a Requerida só a adquiriu no ano 2023.
U) Após terem tomado a decisão de ficar a residir na cidade do Porto, o Requerente e a Requerida decidiram adquirir um imóvel para habitação própria e permanente.
V) Tendo para tal o Requerente oferecido à Requerida a aquisição, de forma exclusiva, de um apartamento na cidade do Porto de forma a convencê-la a ficar a viver em Portugal e para que a Requerida tivesse alguma compensação patrimonial uma vez que já tinha deixado a sua carreira profissional para trás, situação que se iria manter no futuro uma vez que era vontade do Requerente manter a sua residência em Portugal, o que impossibilitava que a Requerida voltasse ao mercado de trabalho no Brasil onde era bem remunerada:
X). Fração autónoma designada pelas letras AJ, de tipologia T3, com dois aparcamentos automóveis e arrecadação na 2ª cave, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ... da União de freguesias ... e ..., e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ....
Z) Tendo o Requerente sempre referido à Requerida que a escritura de venda do imóvel seria efetuada, tão só e apenas no seu nome, com vista a compensá-la das escolhas que tinha feito, não pretendendo adquirir nenhum imóvel em seu nome, nem em regime de compropriedade com a Requerida.
AA) Mais concretamente, o Requerente transferiu e, como tal, doou à Requerida, da conta bancária conjunta existente no Banco 2... titulada por ambos, os seguintes valores:
a) a quantia de €51.500,00 a título de sinal e no momento da celebração do contrato promessa de compra e venda, titulada por cheque bancário datado de 09/03/2022, emitido a favor de DD, marido da promitente vendedora, conforme se pode ver do documento nº 4 junto com a pi;
b) a quantia de €77.250,00 a título de reforço de sinal, transferência efetuada a 19/04/2022 para uma conta titulada pela promitente vendedora, EE;
c) a quantia de €77.250,00 a título de reforço de sinal, titulada por cheque bancário datado de 13/07/2022 emitido a favor da promitente vendedora, EE, conforme se pode ver do documento nº5 junto com a pi, no valor global de €206.000,00.
BB) Tendo o Requerente, com as transferências bancárias de €206.000,00 efetuadas da conta conjunta do Requerente e da Requerida do Banco 2... para a conta bancária titulada exclusivamente pela Requerida do Banco 3..., lhe doado esse dinheiro, bem como pelo pagamento pelo Requerente dos diversos encargos e impostos associados à compra do mesmo imóvel, como também e após a realização da escritura, no pagamento pelo Requerente das prestações mensais relativas à amortização do crédito à habitação contraído pela Requerida junto do Banco 3... desde agosto de 2022 até Dezembro de 2023, no montante total de €21.685,27.
CC) Desde o momento da escritura, o Requerente por forma a honrar a sua palavra, assegurou o cumprimento das prestações e obrigações provenientes dos encargos com a habitação.
DD) Quantias essas que inicialmente eram transferidas para a conta titulada pelo Requerente e Requerida e posteriormente o Requerente transferia para a conta titulada apenas pela Requerida.
EE) Com efeito, posteriormente, no dia 15 de Julho de 2022, data da realização do documento particular autenticado de venda do imóvel descrito no artigo 11º da pi, o Banco 3... emitiu dois cheques bancários, o primeiro no valor de €216.117,03 a favor da vendedora e um segundo, no valor de €92.882,97, que foi entregue ao Banco 4... que tinha registado sobre o referido imóvel uma hipoteca que garantia o empréstimo à habitação contratualizado pela ali vendedora EE, na quantia global de €309.000,00 que corresponde ao valor do empréstimo bancário contratualizado pela Requerida com o Banco 3... para a aquisição do citado imóvel.
FF) Tendo o imóvel sido adquirido pelo valor global de €515.000,00 sendo:
a) €309.000,00 pago através de 2 cheques bancários emitidos pelo Banco 3... e que resultaram do empréstimo à habitação contratado pela Requerida com essa instituição bancária, e não com capitais próprios do Requerente e
b) €206.000,00 (= €51.000,00 + €77.250,00 + €77.250,90) valores que foram transferidos da conta bancária conjunta do Requerente e da Requerida para contas bancárias da promitente vendedora EE ou do seu marido e também resultaram da emissão dos cheques bancários em AA), a) e c).
GG) Foi uma exigência do Banco 3... que o Requerente figurasse como fiador no contrato de empréstimo.
HH) O Requerente nunca emprestou qualquer valor à Requerida para comprar o imóvel arrestado nos autos: o Requerente ofereceu/deu €206.000,00 em dinheiro à Requerida para que esta fizesse essa compra, pagou os diversos encargos e impostos associados à compra do mesmo imóvel (no montante de €29.121,09 de imposto municipal de transmissões e €4.120,00 de imposto de selo), como também e após a realização da escritura, o Requerente pagou as prestações mensais relativas à amortização do crédito à habitação contraído pela Requerida junto do Banco 3... desde agosto de 2022 até Dezembro de 2023, num valor total de €260.926,36.
II) Tendo havido a entrega material pelo Requerente à Requerida do dinheiro através de diversas transferências bancárias e pagamentos referidos atrás.
JJ) E que visou “compensar” a Requerida da opção de vida e das escolhas que a mesma tinha efetuado no passado: a decisão de não voltar a trabalhar no Brasil na banca de investimentos; a decisão de fazer uma viagem de 3 anos pelos oceanos e, depois, a decisão de ficar a residir em Portugal não regressando ao Brasil para junto da sua mãe e irmã como era, inicialmente, sua vontade.
LL) E com vista a um objetivo que foi a aquisição de um apartamento onde o casal dissolvido, conjuntamente com o seu filho, passou a residir.
MM) A Requerida, como não exercia qualquer atividade profissional há mais de 6 anos, nunca teria forma de devolver ao Requerente os valores descritos na petição inicial na ordem dos €400.000,00.
NN) O Requerente sabia perfeitamente que a Requerida era dependente financeiramente dele e não tinha rendimentos de trabalho há mais 6 anos quando efetuou as transferências bancárias e pagou os impostos/encargos da compra do imóvel no ano 2022.
OO) O Requerente sabia que a Requerida não tinha forma de lhe restituir as centenas de milhares de euros descritos na petição inicial.
PP) O Requerente não exigiu qualquer compromisso escrito por parte da Requerida que impusesse a obrigação de restituição de tais valores, bem como os prazos dessa mesma restituição.
QQ) A venda do catamarã “...” não foi motivada pela aquisição do imóvel mas sim porque tal embarcação não podia permanecer em Portugal sem pagar o IVA correspondente dado que a bandeira do barco era de Gibraltar e o Requerente tem nacionalidade portuguesa, não podendo ainda o Requerente permanecer com o catamarã na União Europeia por mais de 18 meses.
RR) A que acresciam custos de manutenção muito elevados para um uso que se resumia apenas a 3 meses por ano no Verão em Portugal.
SS) Vindo agora o Requerente alegar que as transferências bancárias efetuadas, o pagamento dos encargos e dos impostos devidos pela aquisição do imóvel, bem como o valor das prestações relativas ao crédito à habitação foram todos empréstimos efetuados sucessivamente à Requerida porque esta decidiu divorciar-se do Requerente, que sabe perfeitamente nunca terem existido quaisquer mútuos, antes sim, doações de dinheiro.
TT) O casamento do Requerente e da Requerida terminou em consequência do comportamento agressivo do Requerente que frequentemente encontrava-se alcoolizado, o que provocava desavenças frequentes mesmo em frente a amigos do casal.
UU) O que levaram ao afastamento da Requerida que era frequentemente humilhada pelo Requerente quer em frente aos seus amigos como dentro do domicílio conjugal.
VV) Em Setembro de 2023, a relação amorosa tornou-se irremediavelmente comprometida.
XX) Meses antes de ter intentado a ação de divórcio no Brasil a Requerida deu a conhecer ao Requerente a sua intenção de se divorciar, solicitando que contratasse um advogado para o efeito.
ZZ) Só que o tempo foi passando e o Requerente nunca contratou nenhum advogado nem manifestou interesse em resolver a dissolução do casamento.
AAA) Pelo que a Requerida cansada de esperar intentou ação de “divórcio litigioso” no Brasil tendo dado conhecimento desse facto ao Requerente no próprio dia.
BBB) Tendo a Requerida peticionado junto dos Tribunais Brasileiros.
CCC) No corrente ano de 2024 tem sido a Requerida que tem pago as prestações mensais relativas ao crédito à habitação contratualizado com o Banco 3....
DDD) Tendo o dinheiro que o Requerente deposita na conta da Requerida existente no Banco 3... sido parcialmente utilizado para pagar a energia, água, condomínio e outras despesas inerentes ao imóvel uma vez que é o Requerente que, desde Janeiro de 2024, reside no apartamento com o seu filho, mesmo contra a vontade da Requerida.
EEE) O Requerente, após ter passado o Natal e a passagem de ano de 23/24 no Brasil decidiu regressar a Portugal e manter-se a residir no apartamento do Porto, tendo trocado, inclusivamente, as fechaduras do imóvel, impossibilitando a Requerida de lá viver e, inclusivamente, recolher os seus objetos pessoais.
FFF) Em Abril de 2024, quando regressou do Brasil, a Requerida arrendou um apartamento na cidade do Porto a fim de se manter perto do seu filho, uma vez que estava impossibilitada de regressar ao apartamento que é sua propriedade em consequência do mesmo estar a ser habitado pelo Requerente e não pretender que o filho de ambos assista a agressões verbais do Requerente à Requerida.
GGG) Foi o Requerente interpelado pela Exma. Sra. FF, na qualidade de mandatária da Requerida, para se retirar do imóvel.
HHH) O Requerente, apesar de ter sido instado por carta registada com aviso de receção datada de 26 de agosto de 2024 e por si recebida a 05 de setembro de 2024 a deixar o imóvel no prazo de 60 dias a contar da receção da missiva, não o fez, não tendo nenhuma intenção de o fazer.
III) E, como retaliação pelo divórcio e pela manifestação da vontade da Requerida em que deixasse de residir no imóvel, o Requerente enviou à Requerida a missiva junta sob o documento nº 18, sendo que, até essa data, nunca o Requerente tinha referido/informado a Requerida que entendia que o dinheiro utilizado na aquisição do imóvel eram empréstimos efetuados a si.
JJJ) O Requerente através da sua ilustre mandatária remeteu à Requerida uma missiva através de correio registado com aviso de receção.
LLL) Peticionando que tais valores lhe fossem devolvidos no prazo de 10 dias após o seu recebimento, para a sua conta bancária.
MMM) A Requerida respondeu à missiva tendo referido que tais montantes foram “oferecidos” pelo Requerente.
NNN) Pelo que a Requerida respondeu à missiva enviada pela Ilustre mandatária deste, dando-lhe conhecimento que os valores entregues pelo Requerente titulavam doações manuais e não empréstimos.
OOO) Sendo sua intenção - com vista a cortar despesas desnecessárias -, residir no imóvel que é proprietária, de forma a acompanhar a vida do seu filho, mas sem ter que dividir tal espaço com o Requerente.
PPP) Não é, nem nunca foi vontade da Requerida vender o imóvel ocupado pelo Requerente onde também reside o filho do casal, que se encontra a estudar num Colégio ... no 12º ano e pretendendo ingressar na universidade neste ano.
QQQ) A Requerida negociou com a Banco 5... a portabilidade do empréstimo à habitação sem garantia do aval do Requerente e com uma redução significativa de juros, passando a pagar mensalmente €900,00 ao invés dos atuais €1.500,00 mensais que são pagos ao Banco 3....
RRR) A alteração do empréstimo foi aprovada em agosto de 2024 pela Banco 5....
SSS) Não tendo ocorrido, entretanto, porquanto foi decretado o arresto sobre o imóvel com a consequente anotação na certidão predial, o que obstaculizou essa operação bancária.
TTT) O Requerente encontra-se acometido dum problema grave de saúde do foro oncológico.
UUU) Inexiste qualquer direito de crédito do Requerente sobre a Requerida e muito menos no valor de €412.091,09.
VVV) O Requerente bem sabe que a Requerida é proprietária dum imóvel/apartamento na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, onde reside o pai da Requerida.
XXX) O requerente desconhece qualquer outro património em Portugal à Requerida.
ZZZ) A Requerida não vendeu, não pretende vender, não anunciou que quer vender o imóvel arrestado.
AAAA) Como também não efetuou qualquer manobra financeira de forma a ocultar o seu património.
BBBB) O Requerente desconhece o atual domicílio da Requerida.
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FACTOS NÃO PROVADOS
1. A Requerida pretendia adquirir um imóvel na cidade do Porto.
2. A Requerida solicitou ao Requerente adiantamentos monetários capazes de liquidar não só o valor da entrada inicial do imóvel, como também as prestações e encargos associados à compra do mesmo, até ao momento em que a sua estabilidade financeira permitisse aguentar com tais encargos.
3. O Requerente pela confiança que nutria pela Requerida, com a qual mantinha uma relação amorosa, comprometeu-se a adiantar tais quantias.
4. Adiantamentos que permitiram à Requerida adquirir o imóvel sito na Rua ..., ..., distrito e concelho do Porto, na União de freguesias ... e ....
5. O Requerente procedeu ao adiantamento dos seguintes valores:
- a quantia de 51.526,00€ a título de sinal - no momento da celebração do contrato de promessa de compra e venda - para o Primeiro Outorgante promitente vendedor DD;
- a quantia de 77. 276,00€, a título de reforço de sinal para a conta titulada pela Primeira Outorgante promitente vendedora EE.
6. No pretérito 15 de julho de 2022 – data da celebração do contrato de compra e venda do imóvel - o Requerente procedeu ao pagamento dos seguintes montantes:
a) 216 117,03€
b) 29.121,09€
c) 4.120,00€
7. O Requerente para conseguir satisfazer os valores necessários aos adiantamentos teve necessidade, para além das transferências pessoais efetuadas para a conta aberta aquando da chegada do “casal” a Portugal, de proceder à venda de um dos seus bens mais preciosos, a saber: Catamarã “...”.
8. As quantias liquidadas pelo Requerente, advieram das suas contas pessoais, bem como da venda do aludido Catamarã “...” (embarcação da propriedade do Requerente).
9. Tendo até ao presente transferido os seguintes montantes:
- €10.500,00 (dez mil e quinhentos euros) referente às prestações mensais referentes ao ano de 2022.
- €25.200,00 (vinte e cinco mil e duzentos euros) referentes às prestações mensais referentes ao ano de 2023.
- €12.600,00 (doze mil e seiscentos euros) referente às prestações mensais de janeiro a maio de 2024.
10. Para além dos adiantamentos efetuados, o Requerente constituiu-se fiador da Requerida no que ao crédito à habitação diz respeito, por forma a que a Requerida visse o aludido crédito aprovado.
11. Circunstância que o Requerente acedeu em face da relação de confiança e amorosa que nutria pela Requerida.
12. A Requerida transferiu da conta conjunta das partes para uma conta sua a quantia de € 22.850,00, apropriando-se da mesma.
13. Os montantes foram cedidos à Requerente em virtude de a mesma não ter capacidade económica para suportar todos os encargos adstritos à compra do imóvel,

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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1ª Se o despacho recorrido proferido no dia 18.12.2024, Ref.ª Citius n.º 466917019 padece de nulidade em virtude da citação da Requerida ser nula

Alega o Recorrente que o despacho judicial em causa é nulo, porquanto a “citação” da Recorrida não cumpriu os normativos legais para citação de pessoa singular em país estrangeiro, pelo que, ainda que a Recorrida tenha deduzido oposição à providência, a mesma não se pode considerar notificada para o efeito, devendo, nessa decorrência, serem declarados nulos e sem efeito todos os atos processuais daí em diante realizados, e, nessa natural decorrência, revogada a sentença recorrida.

Em causa está o despacho datado de 18 de dezembro de 2024, que apreciou um requerimento do Recorrente no qual esta pretendia o desentranhamento da oposição apresentada, por via da extemporaneidade, e de novo notificada a Requerida para o efeito, tendo o Tribunal a quo decidido nos seguintes termos:

“Requerimento do Requerente de 18/12/2024 (Refª 41054832):

1.Conforme resulta dos presentes autos, tendo sido decretada a decisão de arresto constante do presente procedimento, sem audição prévia da Requerida, foi determinado no final de tal decisão que “após efectivação do arresto, notifique a Requerida nos termos dos artºs 366º, nº6, 372º, nº1 e 293º, todos do CPC”.

2. Estatui o nº6 do artigo 366º do CPC que “quando o requerido não for ouvido e a providência vier a ser decretada, só após a sua realização é notificado da decisão que a ordenou, aplicando-se à notificação o preceituado quanto à citação.”

3. Tendo o arresto sido proferido em 12-07-2024, apenas se logrou a notificação pessoal da Requerida no dia 25/10/2024, por via postal com AR numa morada sita no Brasil, tendo a oposição sido deduzida em Juízo no dia 12-11-2024.

4. Daí que, salvo o devido respeito, não se vislumbra que a aludida oposição seja extemporânea.

É que nos termos do disposto no artigo 189º do CPC aplicável ex vi do artigo 366º, nº6, do mesmo Código, se o réu “intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.

Daí que, ainda que se considerasse haver falta de notificação (à qual são aplicáveis as regras da citação – cfr. artigo 366º, nº6, parte final do Código de Processo Civil), a intervenção da requerida sem arguir qualquer falta de citação, apresentando a sua oposição sanou qualquer falta de citação que pudesse ter havido.

5. Sendo certo que se mostra junto aos autos o AR de citação assinado no Brasil, em nada relevando a devolução da carta, desconhecendo-se em que estado, nem o sucedido.

Para o que processualmente releva a Requerida veio opor-se, sanando assim qualquer falta de notificação que pudesse ter ocorrido, (cfr. artº189º, do CPC).”

Bem decidiu o Tribunal a quo, carecendo de fundamento a pretensão do Recorrente.

Com efeito, decorre do disposto no artigo 189º, do Código de Processo Civil, que a nulidade da falta da citação deve ser arguida com a primeira intervenção no processo, em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada.

Como refere o Prof. A. dos Reis (Comentário, vol. 2º, pág. 446/447 e CPC Anot., I, 3ª ed., pág. 313), para a arguição da falta de citação não há prazo; enquanto o réu se mantiver em situação de revelia, ou melhor, enquanto se mantiver alheio ao processo, está sempre a tempo de arguir a falta da sua citação, só perdendo o direito de o fazer se intervier no processo e não reagir imediatamente contra ela.

Também Lebre de Freitas escreve que “ao intervir no processo o réu (ou o Ministério Público) tem, ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir iuris et de jure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se.(Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 2ª ed., pág. 357).

Pelo exposto, tem necessariamente que improceder nesta parte a pretensão do Recorrente, pois que qualquer eventual nulidade relativa à notificação da Requerida se deve ter por sanada a partir do momento em que apresentou a sua oposição.


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2ª Se foi validamente deduzida e procede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida quanto à matéria de facto dada como provada sob as alíneas H), I), J); N), O), Q), V), Z), JJ), AA), BB), EE), FF), HH), QQ), RR), SS), TT), UU), VV), XX), ZZ), AAA), HHH), III), UUU), bem como quanto aos factos dados como não provados sob os pontos: 1., 2., 3., 4., 7., 8., 9. e 12.

Pretende o Apelante a reapreciação da decisão da matéria de facto, por entender que foi feita uma incorreta apreciação da prova quanto à matéria considerada provada pela 1ª instância sob as alíneas H), I), J); N), O), Q), V), Z), JJ), AA), BB), EE), FF), HH), QQ), RR), SS), TT), UU), VV), XX), ZZ), AAA), HHH), III), UUU), bem como quanto aos factos dados como não provados sob os pontos: 1., 2., 3., 4., 7., 8., 9. e 12.

O Recorrente cumpriu os pressupostos de ordem formal para se proceder à reapreciação da decisão da matéria de facto, mais precisamente o ónus de impugnação a que alude o artigo 640º, do Código de Processo Civil, porquanto:

- Indicou claramente os concretos pontos de facto constantes da decisão que considera afetados por erro de julgamento.
- Fundamentou as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios.
- Discriminou as passagens da gravação em que funda o seu recurso, uma vez que os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tinham sido gravados, procedendo à transcrição dos excertos que considerou relevantes.

- Enunciou qual a decisão que, em seu entender, deveria ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Mostra-se, por conseguinte, cumprido por parte do Recorrente o ónus que sobre si impendia ao pretender a alteração da matéria de facto, previsto no artigo 640º, do Código de Processo Civil, e, consequentemente, preenchidos todos os pressupostos necessários para a Relação proceder à reapreciação da prova.
Cumpre salientar que essa reapreciação deve conter-se dentro dos seguintes parâmetros:
i) O Tribunal da Relação só tem de se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pela Recorrente (a menos que se venha a revelar necessária a pronúncia sobre facticidade não impugnada para que não haja contradições);
ii) Sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem de realizar um novo julgamento;
iii) Nesse novo julgamento, o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Dentro destes limites, o Tribunal da Relação está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pela Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto à imediação e oralidade.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do Código de Processo Civil), que está atribuído quer ao Tribunal da 1ª instância quer ao Tribunal de recurso, embora se reconheça que na formação da convicção do julgador podem intervir elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade permitem apreender. Recorrendo às palavras de CC Santos Abrantes Geraldes[1], diremos que “É inegável que a gravação dos depoimentos por registo áudio ou por meio que permita a fixação da imagem (vídeo) nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tando ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reações perante as objeções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de perceção das referidas reações que, porventura, influenciaram o juiz de 1ª instância.”
Por estas razões, está, em princípio, em melhor situação para apreciar os depoimentos prestados o julgador de primeira instância, uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos que não transparecem na gravação dos depoimentos, devendo, contudo, esclarecer, na decisão, os elementos considerados que entendeu de relevo.
Não obstante essas dificuldades com que o Tribunal da Relação se defronta, a verdade é que deverá modificar a decisão da matéria de facto se e quando, analisando devidamente todos os meios de prova, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, conseguir concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação por parte do Tribunal de 1ª Instância relativamente aos concretos pontos de facto impugnados pela Recorrente. De salientar que pode, também, dar-se o caso de, mesmo que o erro na apreciação da prova se não verifique, o Tribunal da Relação, usando da sua autonomia decisória, entender que deve introduzir as alterações solicitadas pelo Recorrente no compósito fáctico da causa, por diversa convicção sobre as provas, pois que o princípio da livre convicção de julgador vigora não só no julgamento de facto em 1ª instância, como também no julgamento de facto da Relação, não estando este Tribunal vinculado à livre convicção do julgador do Tribunal inferior.

Partindo destas premissas, passa-se a efetuar o julgamento da matéria de facto por parte deste Tribunal da Relação, para o que foram ouvidos os registos fonográficos indicados e analisada devidamente toda a prova documental junta aos autos.

* O Recorrente pretende que o facto provado sob a alínea H) passe para o elenco dos factos não provados.

Nessa alínea H) o Tribunal a quo deu como provado que “No ano de 2016, e quando a Requerida deixou de trabalhar para o Banco 1..., o Requerente viu nesse acontecimento uma oportunidade para fazer o que sempre sonhou: viajar durante longos períodos de tempo no seu catamarã acompanhado pela sua família composta pela Requerida e pelo filho de ambos CC, à data com 11 anos de idade”.

Entendemos que nesta alínea H) da matéria de facto provada não se mostra incluído qualquer facto relevante para a boa decisão da causa, não se descortinando qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o Recorrente pretende operar.
A reapreciação da prova não visa uma determinação da realidade dos factos, independentemente do relevo que possam ter na decisão a proferir, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, sob pena de se incorrer na prática de um ato inútil, que o legislador proíbe no artigo 130º do Código de Processo Civil.
Não sendo possível extrair qualquer consequência jurídica da reapreciação do facto impugnado constante da alínea H) da factualidade provada, com as alterações pretendidas pelo Recorrente, mostra-se inútil a sua reapreciação.
Por isso, este Tribunal de recurso abstém-se de apreciar a impugnação da matéria de facto em causa, segundo o pretendido pelo Apelante, atenta a manifesta irrelevância e indiferença de tal matéria para a decisão da causa.

* O Recorrente considera que os factos dados como provados sob as alíneas I) e J) terão de ser dados como não provados, invocando para tanto o depoimento prestado pela Requerida no dia 13 de fevereiro de 2025, minuto 01:11:54 a 01:13:31.

Recorde-se que sob as alínea I) e J) o Tribunal a quo deu como provado que:

I) Pelo que o Requerente convenceu a Requerida a não exercer, no futuro, qualquer atividade profissional remunerada, de forma a que tivesse total disponibilidade para viajar pelo mundo fora com o Requerente e o filho de ambos no seu catamarã.

J) Tendo o Requerente sempre assumido que durante a união havida com a Requerida, e desde que a mesma deixou de exercer atividade profissional remunerada para o acompanhar na sua grande aventura pelos mares, era ele o único e exclusivo garante da subsistência de todo o agregado familiar, assegurando todos os compromissos financeiros da Requerida, que não voltaria a trabalhar de forma a ter total disponibilidade para acompanhar o Requerente nas suas viagens pelo mundo em alto mar.

No que concerne a tal matéria, o Tribunal a quo, na motivação, consignou o seguinte:

“Quanto ao património e bens do Requerente, nas suas declarações de parte credíveis e convincentes a Requerida referiu que o Requerente sempre viveu da herança dele; que o Requerente tem milhões de euros; que para fazer a 2ª parte da viagem pelo mar em 2018 o Requerente comprou um catamarã em Lisboa por €260.000 pagos de uma única vez; que na altura da escritura da fracção autónoma em discussão nestes autos, o Requerente tinha em Portugal em conta cerca de €250.000 e tinha algumas obrigações financeiras de cerca de €300.000; que o Requerente vive dos rendimentos e dividendos de aplicações financeiras (“é o mais relevante”-sic); que ele tem bastante liquidez e consegue desfazer-se de aplicações financeiras rapidamente, tendo aplicações mensais, semestrais e anuais; que o património financeiro do Requerente está fora de Portugal; que em Portugal o Requerente não tem rendimentos (“o dinheiro de que ele vive vem do exterior”-sic); que durante a viagem de barco quem pagou todas as despesas foi o Requerente; que o Requerente tinha capacidade financeira, não tendo qualquer dificuldade em pagar as contas no final de cada mês e que enquanto o Requerente e a Requerida estiveram casados era o Requerente que suportava todas as despesas da família.

Também a testemunha GG referiu que o Requerente é da classe alta; que os rendimentos do Requerente provêm de uma herança que recebeu; que a testemunha não conhece nenhuma actividade profissional remunerada ao Requerente, que nunca precisou de trabalhar; que o Requerente tinha capacidade para garantir todas as despesas da Requerida; que o Requerente podia dar um apartamento de presente; que o Requerente tem um apartamento em ..., no Rio de Janeiro, que tem um valor de 3 milhões de reais; que o Requerente é uma pessoa milionária e que “tinha uma boa vida” (sic).

No mesmo sentido, a testemunha HH referiu que o Requerente fazia a remodelação dum barco por prazer e estilo de vida, e não por profissão; que o Requerente nunca escondeu que vem de uma família abastada e herdou bastante dinheiro, vivendo dos rendimentos que essa herança lhe dava; que foi devido à capacidade financeira do Requerente que a Requerida aceitou ir para o mar 3 anos porque o Requerente disse que cuidava dela; que a Requerida sabia que o Requerente podia cuidar dela; que todas as despesas da família eram pagas pelo Requerente; que no Brasil o Requerente e a Requerida moravam num apartamento em ..., que era do Requerente (“um apartamento maravilhoso”-sic); que tal apartamento vale cerca de 2 milhões de reais; que o Requerente viveu sempre do seu património; que o Requerente comprou um catamarã; que o Requerente nunca precisou de emprestar dinheiro à Requerida; que o Requerente e a Requerida tinham contas conjuntas; que o Requerente tinha aplicações financeiras; que a Requerida ajudou o Requerente a fazer aplicações financeiras do seu dinheiro e que o Requerente tem dinheiro suficiente para dar um apartamento à Requerida.

Quanto à actividade profissional e património da Requerida, nas suas declarações de parte credíveis e convincentes a Requerida referiu que desde conheceu o Requerente a Requerida sempre trabalhou; que a Requerida trabalhava na banca desde 2000; que a Requerida estava muito focada no seu percurso profissional, tendo-lhe o Requerente proposto em 2016 que a Requerida se demitisse do seu trabalho e que o Requerente se responsabilizava por todas as obrigações financeiras da Requerida e do filho de ambos; que a Requerida saiu por acordo do “Banco 1...” em Abril de 2016 podendo voltar a trabalhar passados 40 dias; que a Requerida deixou de trabalhar e em 2017 foram fazer a sonhada (pelo Requerente) viagem de barco; que a Requerida tem aplicações financeiras (acções em bolsa) no valor de cerca de €250.000; que em Portugal a Requerida só tem este apartamento; que no Brasil a Requerida tem o imóvel onde reside o seu pai e um apartamento em ... (bairro da zona sul do Rio de Janeiro), não se tratando de uma zona muito valorizada, valendo esse imóvel 800.000 reais aproximadamente; que desde 2016 a Requerida não exerce nenhuma actividade profissional remunerada e que enquanto o Requerente e a Requerida estiveram casados era o Requerente que suportava todas as despesas da família.

Também a testemunha GG referiu que a sua irmã, aqui Requerida, trabalhava no Banco 1..., onde trabalhou durante 20 anos; que ela trabalhou sempre na parte administrativa e no final era diretora da parte corporativa, atendendo grandes empresas; que a Requerida recebia um excelente salário no “Banco 1...”, auferindo em 2017 entre 15.000 e 20.000 reais por mês; que a Requerida saiu do Banco 1... em 2017, por o banco a ter dispensado, mas que quando isso sucedeu a Requerida já tinha diversos convites e propostas de outros bancos; que em Portugal a sua irmã, aqui Requerida, não tinha capacidade financeira para adquirir um imóvel: “só com a ajuda dele” (sic); que a Requerida tem imóveis no Brasil, tendo um apartamento onde vive actualmente o pai da testemunha e da Requerida, a qual tem ainda no Brasil um imóvel em ... (zona sul do Rio de Janeiro), que não é uma zona tão valorizada como é a zona de ... e que actualmente a Requerida não está a trabalhar, mas tem poupanças.

No mesmo sentido, referiu a testemunha HH que a Requerida é formada em economia e exercia actividade remunerada; que a Requerida era gerente do Banco 1..., no Brasil e geria contas de empresas importantes, como a conta da A...; que a Requerida auferia “um salário bom” (sic); que a carreira da Requerida na Banca foi evoluindo; que a Requerida era uma pessoa muito bem sucedida; que a carreira da Requerida no Banco 1... terminou porque a Requerida foi numa viagem de barco que durou 3 anos; que a Requerida depois de ter deixado de trabalhar ela deixou de ter rendimentos; que a Requerida disse à testemunha que o Requerente lhe disse para ela não se preocupar porque ele cuidava de tudo; que o Requerente tinha dinheiro e disponibilidade para realizar o que dizia que “ele cuidaria dela”; que o Requerente é que cuidava da Requerida; que o Requerente oferecia jantares e almoços à Requerida; que “isso não era um problema para ele” (sic); que a testemunha nunca viu o Requerente cobrar nada à Requerida e que o Requerente e a Requerida tinham contas conjuntas.

Relativamente à viagem de barco, nas suas declarações de parte credíveis e convincentes a Requerida referiu que sempre foi um sonho do Requerente fazer uma viagem de barco; que a Requerida estava muito focada no seu percurso profissional, tendo-lhe o Requerente proposto em 2016 que a Requerida se demitisse do seu trabalho e que o Requerente se responsabilizava por todas as obrigações financeiras da Requerida e do filho de ambos; que a Requerida deixou de trabalhar e abandonou toda a sua vida profissional para estar com o Requerente e em 2017 foram fazer a sonhada (pelo Requerente) viagem de barco; que quando a Requerida aceitou fazer a viagem de barco já não trabalhava no “Banco 1...”; que a Requerida saiu por acordo do “Banco 1...” em Abril de 2016 podendo voltar a trabalhar passados 40 dias; que durante essa viagem quem pagou todas as despesas foi o Requerente; que para fazerem a 2ª parte da viagem pelo mar o Requerente comprou um catamarã em Lisboa por €260.000 pagos de uma única vez; que fizeram a viagem durante cerca de 3 anos e em 2020 foram residir para Portugal.

Da mesma forma, a testemunha HH referiu que a Requerida terminou a sua carreira no Banco 1... para fazer uma viagem de barco que durou 3 anos; que a decisão de saída do seu local de trabalho, foi uma decisão voluntária da Requerida para acompanhar o Requerente na viagem de barco; que “ela sabia que o seu marido podia cuidar dela”, (sic); que desde que a testemunha conheceu o casal o Requerente fazia a remodelação dum barco por prazer e estilo de vida, e não por profissão; que o Requerente tinha o sonho de realizar uma viagem no mar sem destino certo, sendo um sonho da vida dele; que o Requerente comprou um catamarã; que o Requerente era quem mexia com o barco, sendo quem exercia a actividade de velejador; que foi devido à capacidade financeira do Requerente que a Requerida aceitou ir para o mar 3 anos porque o Requerente disse que cuidava dela; que essa viagem começou em 2016/2017 depois do casal ter decidido fazer a viagem e eles estiveram a viajar pelo menos durante 3 anos em alto mar; que todas as despesas da família eram pagas pelo Requerente; que eles nunca disseram à testemunha qual era a duração dessa viagem de barco dizendo que seria “conforme as coisas fossem acontecendo” (sic); que não havia um prazo para a viagem pelo mar e que o Requerente, a Requerida e o filho de ambos apareceram em 2020 num barco em ..., onde se encontraram com a testemunha.

Também a testemunha GG referiu que o banco dispensou a Requerida, que esta já tinha propostas de trabalho noutros lugares, mas foi fazer essa viagem que o Requerente sonhava fazer; que a Autora decidiu fazer uma viagem de barco com a sua família (o Requerente e o filho de ambos, CC) pelo Oceano Atlântico durante cerca de 4 ou 5 anos (“por aí”-sic), tendo designadamente ido aos EUA; que para tanto o Requerente comprou um Catamarã, chamado “...”; que para fazer essa viagem a Requerida recusou várias propostas profissionais; que a Requerida fez um acordo com o Requerente mediante o qual este garantia todas as obrigações financeiras da família, incluindo da Requerida, garantindo todas as suas despesas e que o Requerente tinha capacidade para isso.”

Nesta parte da impugnação da matéria de facto provada sob as alíneas I) e J), entendemos que a pretensão do Recorrente claramente não pode proceder, atenta a acertada e devidamente fundamentada decisão do Tribunal a quo, não se vislumbrando qualquer fundamento para dar como não provada aquela factualidade, tendo em consideração o conjunto da prova produzida, em particular a totalidade das declarações de parte da Requerida a cuja audição procedemos, e devidamente descriminada na motivação pelo Tribunal a quo, cujo entendimento perfilhámos.

* Pretende o Recorrente que sejam dados como não provados os factos constantes das alíneas N), O) e Q) da factualidade provada e, a par e em simultâneo, pelas mesmas razões, que sejam dados como provados os factos constantes dos pontos 1., 2., 3. e 4. do elenco dos factos não provados.

Convém relembrar que nas aludidas alíneas o Tribunal a quo deu como provado que:

N) Passados três anos, e já no ano de 2020, o Requerente decidiu finalizar a viagem e passar a residir em Portugal.

O) Foi o Requerente que decidiu fixar residência em Portugal, tendo inscrito o filho do casal num Colégio ... uma vez que o jovem, durante a viagem referida nos artigos anteriores, frequentou o ensino/escola via on line.

Q) Com todas estas premissas Requerente e Requerida abriram uma conta bancária onde foram depositados capitais próprios de ambos.

E os pontos 1. a 4. dos factos não provados têm a seguinte redação:

1. A Requerida pretendia adquirir um imóvel na cidade do Porto.
2. A Requerida solicitou ao Requerente adiantamentos monetários capazes de liquidar não só o valor da entrada inicial do imóvel, como também as prestações e encargos associados à compra do mesmo, até ao momento em que a sua estabilidade financeira permitisse aguentar com tais encargos.
3. O Requerente pela confiança que nutria pela Requerida, com a qual mantinha uma relação amorosa, comprometeu-se a adiantar tais quantias.
4. Adiantamentos que permitiram à Requerida adquirir o imóvel sito na Rua ..., ..., distrito e concelho do Porto, na União de freguesias ... e ....

Para tanto, alega o Recorrente que existem nos autos elementos probatórios que contrariam aqueles factos dados como provados, porquanto a viagem em família foi terminada por via de dois fatores fulcrais: a COVID- 19 e o facto de o filho do Recorrente e Recorrida necessitar de mais interação social, a qual não era possível no meio do oceano, tendo sido o filho de ambos (CC) que escolheu a escola que queria frequentar, “obrigando” assim os pais a fixar residência no Porto, em Portugal, para além de, no que concerne à conta bancária dos intervenientes, resultar da prova documental patente nos autos que a mesma já se encontrava aberta desde 2018, circunstâncias que contrariam os aludidos factos dados como provados e que decorrem dos depoimentos da Recorrida, prestado no dia [13/02/2025, minuto: 00:42:45 a 00:43:53, 01:11:55 a 01:12:14], da testemunha HH, prestado no dia [19/12/2024, Minuto: 00:15:00 a 00:15:51, 00:15:52 a 00:16:29] e do Recorrente prestado no dia [11/07/2024, Minuto: 00:02:06 a 00:03:12, 00:05:04 a 00:05:11].

Relativamente à factualidade em causa, o Tribunal a quo motivou a sua convicção nos seguintes moldes:

“Relativamente à vinda do Requerente e da Requerida para viverem em Portugal, nas suas declarações de parte credíveis e convincentes a Requerida referiu que fizeram a viagem e em 2020 foram residir para Portugal porque o filho de ambos foi estudar para o colégio “B...[2]; que quem decidiu vir viver para Portugal foi o Requerente e a Requerida aceitou; que o Requerente tinha capacidade financeira, não tendo qualquer dificuldade em pagar as contas no final do mês; que inicialmente moravam num apartamento arrendado situado na Rua ...; que o apartamento foi comprado na Rua ... e passaram a viver lá e que enquanto o Requerente e a Requerida estiveram casados era o Requerente que suportava todas as despesas da família.

De igual forma, a testemunha GG referiu que depois da viagem o Requerente e a Requerida foram viver para o Porto por causa dos estudos do filho de ambos, CC; que o CC foi inscrito num colégio ... (“Escola ...”), tendo o casal fixado a residência em Portugal; que eles alugaram primeiramente um apartamento para escolherem com cuidado a sua futura residência; que o arrendamento não se prolongou durante muito tempo; que eles resolveram comprar o imóvel; que em Portugal a sua irmã, aqui Requerida, não tinha capacidade financeira: “só com a ajuda dele” (sic); que eles iam duas vezes por ano ao Brasil; que a Requerida adquiriu a nacionalidade portuguesa em 2021 e que o Requerente não tinha problemas em pagar os impostos em Portugal.

Também a testemunha HH referiu que o Requerente e a Requerida decidiram vir para Portugal, para o Porto devido ao filho de ambos; que o Requerente, a Requerida e o filho de ambos vieram para Portugal em 2020; que a Requerida estava muito cansada pois a vivência no barco dava muito trabalho e o filho de ambos, CC precisava de ir para a escola; que decidiram ir viver para o Porto; que o CC foi inscrito numa escola ... (Escola ...) e por isso foram para o Porto; que a testemunha queria que eles fossem viver para ... mas foram para o Porto por causa da escola do CC; que no Porto primeiro eles arrendaram casa e logo compraram uma casa e que era o Requerente que pagava tudo.

Quanto a esta factualidade, ouvidos os depoimentos invocados pelo Recorrente e analisada toda a prova e vista a decisão da matéria de facto supra, ficou-nos a convicção de não existir o erro de julgamento que o Recorrente aponta. Diferentemente, a matéria de facto foi, objetiva, livremente e bem decidida, sendo que cada elemento de prova de livre apreciação não pode ser considerado de modo estanque e individualizado, elegendo algumas passagens dos depoimentos e esquecendo outras, como faz o Recorrente. Há que proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura e este Tribunal, ao fazê-la, com base nas regras de experiência comum e na normalidade, não apurou motivos para divergir do juízo probatório do Tribunal a quo, não existindo elementos probatórios produzidos no processo que imponham ou justifiquem decisão diversa – como exige o nº1, do artigo 662.º, para que o Tribunal da Relação deva proceder à alteração da decisão da matéria de facto.

Por isso, esta parte da impugnação da matéria de facto não deve proceder, pois que nenhum reparo merece a convicção do Tribunal a quo, seja quanto a ter dado como provados os factos constantes das alíneas N), O) e Q) da factualidade provada, seja quanto a ter dado como não provados os factos constantes dos pontos 1., 2., 3. e 4. do elenco dos factos não provados.

* O Recorrente pretende que os factos provados constantes das alíneas V), Z) e JJ) sejam dados como não provados.

Naquelas alíneas, o Tribunal a quo deu como provado que:

V) Tendo para tal o Requerente oferecido à Requerida a aquisição, de forma exclusiva, de um apartamento na cidade do Porto de forma a convencê-la a ficar a viver em Portugal e para que a Requerida tivesse alguma compensação patrimonial uma vez que já tinha deixado a sua carreira profissional para trás, situação que se iria manter no futuro uma vez que era vontade do Requerente manter a sua residência em Portugal, o que impossibilitava que a Requerida voltasse ao mercado de trabalho no Brasil onde era bem remunerada:

Z) Tendo o Requerente sempre referido à Requerida que a escritura de venda do imóvel seria efetuada, tão só e apenas no seu nome, com vista a compensá-la das escolhas que tinha feito, não pretendendo adquirir nenhum imóvel em seu nome, nem em regime de compropriedade com a Requerida.

JJ) E que visou “compensar” a Requerida da opção de vida e das escolhas que a mesma tinha efetuado no passado: a decisão de não voltar a trabalhar no Brasil na banca de investimentos; a decisão de fazer uma viagem de 3 anos pelos oceanos e, depois, a decisão de ficar a residir em Portugal não regressando ao Brasil para junto da sua mãe e irmã como era, inicialmente, sua vontade.

No que concerne a tal matéria, o Tribunal a quo motivou a sua convicção nos seguintes termos:

“Quanto à compra da fracção autónoma em nome da Requerida, nas suas declarações de parte credíveis e convincentes a Requerida referiu que como não tinha nenhum trabalho no Porto e não conseguiu obter até porque não conhecia as pessoas, o Requerente sentiu-se na obrigação de “recompensar as minhas perdas de trabalho e patrimoniais” (sic) e disse à Requerida que “vamos comprar um apartamento para você” “e assim foi feito” (sic); que quem decidiu comprar o apartamento foi o Requerente; que viram muitos apartamentos mas aquele apartamento “foi amor à primeira vista” quando a Requerida o viu, sendo um apartamento bom; que o Requerente “comprou o imóvel para mim”, “falou para mim que me dava o apartamento” (sic); que o Requerente deu o apartamento à Requerida; que a decisão foi dele; que após a escritura o Requerente disse várias vezes que o apartamento era para a Requerida; que o apartamento foi comprado em 2022 na Rua ... e passaram a viver lá; que o apartamento custou €515.000; que o apartamento foi comprado parte em dinheiro, tendo sido dada uma entrada de €206.000 e a outra parte (€309.000) foi financiada por empréstimo bancário por planejamento financeiro e por uma questão de “alavancagem”, pois os valores líquidos de que o Requerente dispunha naquela altura não chegavam aos €515.000; que ainda foram pagos cerca de €33.000 de impostos pela compra do apartamento; que “foi o Requerente que pagou tudo” (sic); que na altura da escritura o Requerente tinha em Portugal em conta cerca de €250.000 e tinha algumas obrigações financeiras de cerca de €300.000; que o Requerente pagou aos vendedores €206.000,00 de sinal, tendo sido efectuado um empréstimo de €309.000 junto do Banco 3... quanto ao remanescente de preço, de que o Requerente ficou fiador; que a Requerida não tinha capacidade para fazer esse pagamento; que o Requerente deu à Requerida aquela quantia de €206.000 entregue aos vendedores para pagar parte do preço do apartamento, em três tranches: um sinal de €51.500 na altura da assinatura do contrato-promessa e depois dois reforços de sinal, cada um no montante de €77.250,00, que totalizou os €206.000; que quem suportou as despesas e as prestações ao banco do apartamento foi o Requerente até Dezembro de 2023 e que a Requerida nunca pediu dinheiro ao Requerente, não lhe tendo pedido €200.000 emprestados, não tendo o Requerente emprestado qualquer dinheiro à Requerida (“não existe contrato de empréstimo entre marido e mulher”-sic).

De igual forma, a testemunha GG referiu que a proprietária o imóvel é a Requerida; que o Requerente sempre disse que propiciou esse imóvel à Requerida; que o Requerente disse à Requerida que lhe queria dar um imóvel para a compensar de todas as inconveniências profissionais que a Requerida teve com a longa viagem que fizeram pelo mar, em que a Requerida abandonou a sua carreira; que a Requerida disse à testemunha que o apartamento foi-lhe dado como presente pelo Requerente, então seu marido; que o Requerente podia dar esse tipo de presentes; que “o apartamento como presente, como forma de estabelecerem residência em Portugal foi uma tentativa dele manter o casamento”, (sic); que esse apartamento foi parcialmente pago e houve um financiamento para pagar a parte restante do preço, que foi de algumas centenas de milhares de euros; que a prenda do Requerente para a Requerida foi o dinheiro com que aquele pagou parte do preço do apartamento; que a Requerida não tinha capacidade para conseguir um empréstimo bancário em Portugal; que foi o Requerente que pagou os impostos da compra do apartamento e pagou ao banco o empréstimo até 2024 e que o Requerente sabia que a Requerida não tinha esse dinheiro para lhe devolver.

Também, a testemunha HH referiu que é um apartamento muito bom e que a Requerida refere-se à casa como sendo dela; que a casa está em nome dela e que a testemunha não sabe porque é que o empréstimo para a compra da casa não ficou em nome do Requerente, uma vez que era que pagava a casa e as despesas da casa; que o Requerente não emprestou dinheiro à Requerida; que o Requerente nunca precisou de emprestar dinheiro à Requerida, nem fazia sentido; que o Requerente jamais emprestaria dinheiro à Requerida; que a Requerida jamais pagaria um empréstimo do próprio marido para comprar um apartamento que era para ela (“não faz sentido, não é ?”- sic); que uma parte do apartamento foi financiado pelo banco e outra parte foi paga em dinheiro aos vendedores; que o Requerente disse à Requerida que o apartamento era dela; que a testemunha entendeu que o apartamento foi um presente do Requerente para a Requerida, mas ele nunca falou que era um presente; que a Requerida merecia essa casa depois do que se passou no barco, tendo-lhe a testemunha dito “Ai que bom! Você merece”, (sic) e que se a Requerida quisesse comprar sozinha um apartamento em Portugal não conseguia.”

Por seu lado, o Recorrente sustenta que aqueles factos devem ser dados como não provados, atentas as declarações da Requerida, por um lado, e por manifesta incompatibilidade “com a prova testemunhal reproduzida” (sic. artigo 105 das alegações). No entanto, em termos de prova testemunhal, concretamente quanto a esses factos, não invoca nenhum depoimento e quanto às declarações da Requerida, analisadas as mesmas na sua integralidade, pode este Tribunal concluir que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne a esta matéria, se mostra conforme com a prova produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que assim se mantém.

* O Recorrente pretende também que se dê como não provados os factos que foram dados como provados sob as alíneas AA), BB), EE), FF), HH), SS[3]) e UUU)[4], e que se dê como provado o facto 9. do elenco dos factos não provados.

Em concreto, está em causa a seguinte factualidade:

AA) Mais concretamente, o Requerente transferiu e, como tal, doou à Requerida, da conta bancária conjunta existente no Banco 2... titulada por ambos, os seguintes valores:

a) a quantia de €51.500,00 a título de sinal e no momento da celebração do contrato promessa de compra e venda, titulada por cheque bancário datado de 09/03/2022 emitido a favor de DD, marido da promitente vendedora, conforme se pode ver do documento nº 4 junto com a pi;

b) a quantia de €77.250,00 a título de reforço de sinal, transferência efetuada a 19/04/2022 para uma conta titulada pela promitente vendedora, EE;

c) a quantia de €77.250,00 a título de reforço de sinal, titulada por cheque bancário datado de 13/07/2022 emitido a favor da promitente vendedora, EE, conforme se pode ver do documento nº5 junto com a pi, no valor global de €206.000,00.

BB) Tendo o Requerente, com as transferências bancárias de €206.000,00 efetuadas da conta conjunta do Requerente e da Requerida do Banco 2... para a conta bancária titulada exclusivamente pela Requerida do Banco 3..., lhe doado esse dinheiro, bem como pelo pagamento pelo Requerente dos diversos encargos e impostos associados à compra do mesmo imóvel, como também e após a realização da escritura, no pagamento pelo Requerente das prestações mensais relativas à amortização do crédito à habitação contraído pela Requerida junto do Banco 3... desde agosto de 2022 até Dezembro de 2023, no montante total de €21.685,27.

EE) Com efeito, posteriormente, no dia 15 de Julho de 2022, data da realização do documento particular autenticado de venda do imóvel descrito no artigo 11º da pi, o Banco 3... emitiu dois cheques bancários, o primeiro no valor de €216.117,03 a favor da vendedora e um segundo, no valor de €92.882,97 que foi entregue ao Banco 4... que tinha registado sobre o referido imóvel uma hipoteca que garantia o empréstimo à habitação contratualizado pela ali vendedora EE, na quantia global de €309.000,00 que corresponde ao valor do empréstimo bancário contratualizado pela Requerida com o Banco 3... para a aquisição do citado imóvel.

FF) Tendo o imóvel sido adquirido pelo valor global de €515.000,00 sendo:

a) €309.000,00 pago através de 2 cheques bancários emitidos pelo Banco 3... e que resultaram do empréstimo à habitação contratado pela Requerida com essa instituição bancária, e não com capitais próprios do Requerente e

b) €206.000,00 (= €51.000,00 + €77.250,00 + €77.250,90) valores que foram transferidos da conta bancária conjunta do Requerente e da Requerida para contas bancárias da promitente vendedora EE ou do seu marido e também resultaram da emissão dos cheques bancários em AA), a) e c).

HH) O Requerente nunca emprestou qualquer valor à Requerida para comprar o imóvel arrestado nos autos: o Requerente ofereceu/deu €206.000,00 em dinheiro à Requerida para que esta fizesse essa compra, pagou os diversos encargos e impostos associados à compra do mesmo imóvel (no montante de €29.121,09 de imposto municipal de transmissões e €4.120,00 de imposto de selo), como também e após a realização da escritura, o Requerente pagou as prestações mensais relativas à amortização do crédito à habitação contraído pela Requerida junto do Banco 3... desde agosto de 2022 até Dezembro de 2023, num valor total de €260.926,36.

SS) Vindo agora o Requerente alegar que as transferências bancárias efetuadas, o pagamento dos encargos e dos impostos devidos pela aquisição do imóvel, bem como o valor das prestações relativas ao crédito à habitação foram todos empréstimos efetuados sucessivamente à Requerida porque esta decidiu divorciar-se do Requerente, que sabe perfeitamente nunca terem existido quaisquer mútuos, antes sim, doações de dinheiro.

UUU) Inexiste qualquer direito de crédito do Requerente sobre a Requerida e muito menos no valor de €412.091,09.
9. (Facto não provado) Tendo até ao presente transferido os seguintes montantes:
- €10.500,00 (dez mil e quinhentos euros) referente às prestações mensais referentes ao ano de 2022.
- €25.200,00 (vinte e cinco mil e duzentos euros) referentes às prestações mensais referentes ao ano de 2023.
- €12.600,00 (dose mil e seiscentos euros) referente as prestações mensais de janeiro a maio de 2024.
Para sustentar a impugnação da decisão quanto a esta factualidade, alega o Recorrente o que por ele foi referido nas suas declarações, a respeito de já por duas vezes ter emprestado dinheiro à Requerida, e as declarações por esta prestadas quanto ao facto de ela ter pago um crédito de habitação do seu pai, na sequência do que passou a ser proprietário do apartamento onde ele reside, e ainda a prova documental do dinheiro que o Requerente transferiu para a conta conjunta, diferentemente da Requerida, que em momento algum fez qualquer tipo de prova de que tenha depositado alguma quantia monetária na aludida conta.
Esta factualidade está intimamente relacionada com a factualidade provada V), Z) e JJ) cuja impugnação julgamos improcedente, sendo a fundamentação do Tribunal a quo a mesma que foi indicada na apreciação daquela factualidade, remetendo-se, por conseguinte, para as considerações ali tecidas. Acresce que o Recorrente pretende, através desta impugnação, contrariar o juízo crítico que o Tribunal de 1ª Instância efetuou ao dar credibilidade às declarações da Requerida, conjugadas com a demais prova testemunhal, em detrimento das declarações de parte do Recorrente, o que não logrou, no entanto, fazer. Como se pode ler na de motivação do Tribunal de 1ª instância, “As declarações de parte credíveis e convincentes da Autora BB, conjugadas com os depoimentos credíveis e convincentes, porque prestados de uma forma clara e consistente, das testemunhas HH e GG mereceram mais credibilidade, por se terem revelado mais convincentes e credíveis que as declarações de parte do Requerente AA, que se encontram gravadas nos presentes autos, e que tinham sido prestadas em 11 de Julho de 2024, as quais não mereceram qualquer credibilidade ao presente tribunal relativamente a que as entregas de dinheiro do pagamento do preço da fracção autónoma aqui arrestada efectuadas pelo Requerente tenham sido um empréstimo concedido por aquele à Requerida, numa altura em que ainda estavam casados e nem sequer se falava em divórcio, para além de em todas as suas declarações de parte o Requerente ter omitido toda a situação de união de facto e conjugal de cerca de 20 anos que antecedeu os factos em discussão nos presentes autos e bem assim a situação pessoal e patrimonial actual da Requerida, em que a mesma ficou após o divórcio, sendo manifesto o ressentimento demonstrado pelo Requerente quanto a esta.
O depoimento da testemunha BB, irmão do Requerente, revelou-se de pouca ou nenhuma relevância, em face da falta de razão de ciência demonstrada e da falta de conhecimento efectivo da factualidade em discussão nos presentes autos.
Por isso, o presente tribunal optou por valorar as aludidas declarações de parte credíveis e convincentes da Autora BB, conjugadas com os depoimentos credíveis e convincentes, porque prestados de uma forma clara e consistente, das testemunhas HH e GG em detrimento das declarações de parte do Requerente AA e do depoimento da testemunha BB.”
Ora, tendo-se procedido a nova análise da prova, ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum, os meios de prova produzidos, também quanto a estes pontos concluímos que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne a esta matéria de facto, se mostra conforme com a prova produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, nem se descortinando, à luz dos meios de prova invocados, qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida, improcedendo nesta parte a apelação.
* O Recorrente impugnou ainda o facto dado como provado sob a alínea LL), alegando, para tanto e em síntese, que à data da aquisição da imóvel em causa nos autos o Requerente e a Requerida eram casados e à luz do direito nacional ainda são casados, visto que não foi realizada qualquer transcrição do divórcio outorgado no Brasil para o ordenamento jurídico português.
Convém ter presente que nessa alínea LL) o Tribunal a quo deu como provado o seguinte: “E com vista a um objetivo que foi a aquisição de um apartamento onde o casal dissolvido, conjuntamente com o seu filho, passou a residir.”
No entanto, enquanto no artigo 131º das alegações o Recorrente pretende que aquele facto passe a ter a seguinte redação: “E com vista a um objetivo que foi a aquisição de um apartamento pela Requerida / Recorrida onde o casal, conjuntamente com o seu filho, passasse a residir”, já nas conclusões de recurso, mais concretamente em CCC, o Recorrente sustenta que pura e simplesmente tal facto deve ser dado como não provado. Não obstante esta discrepância quanto ao resultado que, de facto, o Recorrente pretende com aquela impugnação, entendemos que, perante os documentos juntos aos autos, designadamente o assento de casamento do Requerente e da Requerida, do ano de 2012, do Consulado Geral de Portugal no Rio de Janeiro, no qual não se encontra averbado o divórcio, não tendo, por conseguinte, sido demonstrada nos autos a existência de sentença proferida em Portugal de revisão da sentença de divórcio que o Recorrente juntou com o articulado inicial como documento 15, haverá que alterar a redação do facto LL), que passará a ser a seguinte: “E com vista a um objetivo que foi a aquisição de um apartamento onde o casal, conjuntamente com o seu filho, passou a residir.”
* Pretende o Recorrente que os factos dados como provados sob as alíneas MM), NN), OO), CCC); FFF); QQQ); RRR); e SSS), sejam dados como não provados.
Em concreto, naquelas alíneas o Tribunal a quo deu como provado o seguinte:
MM) A Requerida, como não exercia qualquer atividade profissional há mais de 6 anos, nunca teria forma de devolver ao Requerente os valores descritos na petição inicial na ordem dos €400.000,00.
NN) O Requerente sabia perfeitamente que a Requerida era dependente financeiramente dele e não tinha rendimentos de trabalho há mais 6 anos quando efetuou as transferências bancárias e pagou os impostos/encargos da compra do imóvel no ano 2022.
OO) O Requerente sabia que a Requerida não tinha forma de lhe restituir as centenas de milhares de euros descritos na petição inicial.
CCC) No corrente ano de 2024 tem sido a Requerida que tem pago as prestações mensais relativas ao crédito à habitação contratualizado com o Banco 3....
FFF) Em Abril de 2024, quando regressou do Brasil, a Requerida arrendou um apartamento na cidade do Porto a fim de se manter perto do seu filho, uma vez que estava impossibilitada de regressar ao apartamento que é sua propriedade em consequência do mesmo estar a ser habitado pelo Requerente e não pretender que o filho de ambos assista a agressões verbais do Requerente à Requerida.
QQQ) A Requerida negociou com a Banco 5... a portabilidade do empréstimo à habitação sem garantia do aval do Requerente e com uma redução significativa de juros, passando a pagar mensalmente €900,00 ao invés dos atuais €1.500,00 mensais que são pagos ao Banco 3....
RRR) A alteração do empréstimo foi aprovada em agosto de 2024 pela Banco 5....
SSS) Não tendo ocorrido, entretanto, porquanto foi decretado o arresto sobre o imóvel com a consequente anotação na certidão predial, o que obstaculizou essa operação bancária.
O Tribunal a quo motivou a sua convicção relativamente a esta factualidade nos seguintes termos: “Depois do divórcio, nas suas declarações de parte credíveis e convincentes a Requerida referiu que desde 2024 até hoje o Requerente vive no apartamento da Requerida da Rua ..., no Porto; que todos os meses o Requerente coloca dinheiro na conta da Requerida para pagar as despesas de condomínio, de energia, de água, do seguro do apartamento onde o Requerente está neste momento, com excepção do dinheiro para pagamento da prestação ao banco, que o Requerente sabe que a Requerida pretende voltar a Portugal e ir viver para o seu apartamento da Rua ..., no Porto, para estar perto e para dar apoio ao filho, que actualmente tem 19 anos de idade, tendo-o a Requerida apoiado na sua decisão de ingressar numa universidade em Portugal; que a Requerida também pretendia exercer uma actividade remunerada em Portugal; que a Requerida já interpelou o Requerente para deixar de lá viver mas não obteve nenhuma resposta; que o Requerente não vai sair a bem; que de Abril a Novembro de 2024 a Requerida esteve a viver num apartamento arrendado no Porto, para estar perto do seu filho e lhe dar apoio; que a Requerida contratualizou com a Banco 5... a portabilidade do empréstimo da sua casa no montante de €200.000 para esse banco que a levaria a poupar cerca de €600 por mês na prestação da casa, para além da Banco 5... não exigir a fiança do Requerente, tendo a Requerida de fazer uma amortização prévia de €50.000; que a única garantia do empréstimo seria a hipoteca do imóvel; que a Requerida não conseguiu essa portabilidade do empréstimo para a Banco 5... por causa do Requerente; que em 2024 e em 2025 a Requerida recebeu do Requerente €2.100,00 mensais para pagar as despesas do apartamento, o qual não dá uma despesa mensal de €2.100,00, guardando a Requerente os €1.500 depositados a mais; que o apartamento tem de despesa mensal de condomínio de €315,00, de despesa de energia de €150 mensal, despesa de água de €40 por mês, despesa com o seguro de €100 mensais, tendo cerca de €700 mensais de despesas; que a partir de 2024 a autora passou a assumir o pagamento das prestações mensais da fracção autónoma; que através de uma Advogada a Requerida enviou duas cartas ao Requerente a pedir a devolução do imóvel; que a Requerida recebeu uma carta a dizer que devia dinheiro ao Requerente, tendo-lhe a Requerida respondido a dizer que não lhe devia nada; que a reacção do Requerente à separação foi sempre muito agressiva; que o Requerente ficou bastante doente, estando a fazer tratamento de câncer, pois tem uma doença do foro oncológico; que o filho de ambos está a residir em Portugal frequentando o 12º ano; que a vontade da Requerida é o filho ficar em Portugal e que desde Novembro de 2024 que a Requerida não tem residência em Portugal.
No mesmo sentido, a testemunha GG referiu que em 2024 a Requerida tinha um apartamento alugado no Porto; que é a sua irmã, aqui Requerida que paga a prestação mensal e as contas do apartamento através de recursos que ela tem; que em 2024 a Requerida estava a pagar duas casas: o seu apartamento e a renda do imóvel arrendado que habitava no Porto; que actualmente a Requerida não está a trabalhar; que a testemunha não tem conhecimento que o Requerente pague o imóvel; que a Requerida conseguiu um financiamento num outro banco para ter uma redução da prestação mensal do empréstimo; que a Requerida voltou ao Brasil em 2024, onde vive actualmente e não tem visitado o filho; que a intenção da Requerida é voltar a viver em Portugal em breve no seu apartamento do Porto e exercer uma actividade profissional em Portugal; que o Requerente está a viver na fracção da Requerida; que depois do divórcio o Requerente quis o apartamento de volta e que o Requerente não está bem de saúde, tendo um problema muito recente de um câncer, tendo já sido operado em Portugal.
Também, a testemunha HH referiu que o Requerente trocou as fechaduras todas da casa da Requerida; que o Requerente está na casa da Requerida; que a Requerida não pode estar em casa dela; que a Requerida chegou a alugar um estúdio para ficar no Porto junto do filho; que nessa altura (em 2024) a Requerida estava a residir no Porto num estúdio alugado e a pagar duas casas; que a Requerida disse à testemunha que através de uma Advogada tentou que o Requerido saísse da sua casa, mas não conseguiu, tendo-se o Requerente negado a sair do apartamento; que o Requerente se meteu na casa da Requerida onde permanece até aos dias de hoje; que a testemunha soube que o Requerente tem diagnosticado um problema de saúde do foro oncológico e que esse problema é recente, desde há 2 meses; que neste momento, a Requerida está no Brasil e que a Requerida sempre quis estar próxima do filho, sendo seu filho único.”
Para impugnar a decisão do Tribunal de 1ª instância quanto a ter dado como provados os factos constantes das alíneas MM), NN) e OO), o Recorrente invocou as declarações do Recorrente e da Recorrida. No entanto, analisadas as mesmas, diferentemente do sustentado pelo Recorrente, ponderando de uma forma conjunta e conjugada os meios de prova produzidos, e concordando com o Tribunal a quo na relevância e credibilidade que foi dada às declarações da Requerida em detrimento das declarações prestadas pelo Requerente, pelos motivos já acima referidos, entendemos que não existiu o erro de julgamento que o Recorrente aponta, não havendo elementos no processo que levem este Tribunal a divergir do juízo probatório do Tribunal a quo quanto à factualidade dada como provada sob alíneas MM), NN) e OO).
Relativamente ao facto dado como provado sob a alínea CCC, alega o Recorrente que estamos perante factualidade que tem necessariamente de assentar em prova documental, que não se mostra junta aos autos, não podendo ser dado como provado tal facto pela mera acreditação e valoração do depoimento da Requerida, como fez o Tribunal a quo.
Nesta parte, consideramos que assiste razão ao Recorrente, pelo que se decide eliminar da factualidade dada como provada a constante da alínea CCC) (qual seja, no corrente ano de 2024 tem sido a Requerida que tem pago as prestações mensais relativas ao crédito à habitação contratualizado com o Banco 3...), passando a mesma para o elenco dos factos não provados.
No que concerne à factualidade dada como provada sob a alínea FFF), sustenta o Recorrente que não poderia o Tribunal dar como provado o arrendamento por parte da Requerida de um apartamento que aquela diz ter utilizado no ano de 2024 sem que se mostre junto aos autos qualquer contrato de arrendamento ou até comprovativo de pagamento de renda. Nesta parte da impugnação da decisão da matéria de facto entendemos que assiste razão ao Recorrente, e, consequentemente, decide-se eliminar da factualidade dada como provada na alínea FFF) (qual seja, em Abril de 2024, quando regressou do Brasil, a Requerida arrendou um apartamento na cidade do Porto a fim de se manter perto do seu filho, uma vez que estava impossibilitada de regressar ao apartamento que é sua propriedade em consequência do mesmo estar a ser habitado pelo Requerente e não pretender que o filho de ambos assista a agressões verbais do Requerente à Requerida), passando a mesma para o elenco dos factos não provados.
Relativamente à factualidade constante das alíneas QQQ), RRR) e SSS), entende o Recorrente que a mesma tem necessariamente que ser dada como não provada, face à ausência de qualquer prova documental que suporte aquela factualidade. Nesta parte, entendemos que deve proceder a pretensão do Recorrente, uma vez que da documentação junta pela Requerida com a oposição, apenas é possível concluir que se trata de uma simulação de Crédito Habitação Caixa, constando das observações daquela simulação que a mesma é meramente indicativa e não constitui garantia de concessão de crédito, pelo que se decide eliminar da factualidade dada como provada a constante das alíneas QQQ), RRR) e SSS), passando a mesma para o elenco dos factos não provados.
* Pretende ainda o Recorrente que os factos dados como provados sob as alíneas QQ) e RR) sejam dados como não provados, e, por consequência, que sejam dados como provados os factos constantes dos pontos 7. e 8 do elenco dos factos não provados.
Em causa estão, mais concretamente, os seguintes factos:
QQ) A venda do catamarã “...” não foi motivada pela aquisição do imóvel mas sim porque tal embarcação não podia permanecer em Portugal sem pagar o IVA correspondente dado que a bandeira do barco era de Gibraltar e o Requerente tem nacionalidade portuguesa, não podendo ainda o Requerente permanecer com o catamarã na União Europeia por mais de 18 meses.
RR) A que acresciam custos de manutenção muito elevados para um uso que se resumia apenas a 3 meses por ano no Verão em Portugal.
7. O Requerente para conseguir satisfazer os valores necessários aos adiantamentos teve necessidade, para além das transferências pessoais efetuadas para a conta aberta aquando da chegada do “casal” a Portugal, de proceder à venda de um dos seus bens mais preciosos, a saber: Catamarã “...”.
8. As quantias liquidadas pelo Requerente, advieram das suas contas pessoais, bem como da venda do aludido Catamarã “...” (embarcação da propriedade do Requerente).
Quanto a estas alíneas, entendemos que nas mesmas não se mostra incluído qualquer facto relevante para a boa decisão da causa, não se descortinando qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o Recorrente pretende operar no elenco dos factos provados, pelo que, não sendo possível extrair qualquer consequência jurídica da reapreciação dessas factos impugnados mostra-se inútil a sua reapreciação.
Por isso, este Tribunal de recurso abstém-se de apreciar a impugnação da matéria de facto provada em causa, segundo o pretendido pelo Apelante, atenta a manifesta irrelevância e indiferença de tal matéria para a decisão da causa.
* O Recorrente pugna ainda para que sejam dados como não provados os factos que o Tribunal a quo deu como provados sob as alíneas TT), UU), VV); XX) e AAA), atenta a existência de prova diversa, que alicerça no depoimento da testemunha II.
Está em causa a seguinte factualidade:
TT) O casamento do Requerente e da Requerida terminou em consequência do comportamento agressivo do Requerente que frequentemente encontrava-se alcoolizado, o que provocava desavenças frequentes mesmo em frente a amigos do casal.
UU) O que levaram ao afastamento da Requerida que era frequentemente humilhada pelo Requerente quer em frente aos seus amigos como dentro do domicílio conjugal.
VV) Em Setembro de 2023, a relação amorosa tornou-se irremediavelmente comprometida.
XX) Meses antes de ter intentado a ação de divórcio no Brasil a Requerida deu a conhecer ao Requerente a sua intenção de se divorciar, solicitando que contratasse um advogado para o efeito.
AAA) Pelo que a Requerida cansada de esperar intentou ação de “divórcio litigioso” no Brasil tendo dado conhecimento desse facto ao Requerente no próprio dia.
Quanto a estas alíneas, entendemos que nas mesmas não se mostra incluído qualquer facto relevante para a boa decisão da causa, pelo que, não sendo possível extrair qualquer consequência jurídica da reapreciação dessas factos impugnados mostra-se inútil a sua reapreciação.
Por isso, este Tribunal de recurso abstém-se de apreciar a impugnação da matéria de facto provada em causa, segundo o pretendido pelo Apelante, atenta a manifesta irrelevância e indiferença de tal matéria para a decisão da causa.
* Pretende também o Recorrente que os factos provados sob as alíneas HHH) e III) sejam dados como não provados, porquanto resulta dos autos que o Recorrente, através da sua Ilustre Mandatária, respondeu à missiva da Recorrida, pelo que não poderia o Tribunal a quo dar como provado que o Recorrente, interpelado para abandonar a habitação, nada fez ou disse.
Importa ter presente que nas referidas alíneas o Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade:
HHH) O Requerente, apesar de ter sido instado por carta registada com aviso de receção datada de 26 de agosto de 2024 e por si recebida a 05 de setembro de 2024 a deixar o imóvel no prazo de 60 dias a contar da receção da missiva, não o fez, não tendo nenhuma intenção de o fazer.
III) E, como retaliação pelo divórcio e pela manifestação da vontade da Requerida em que deixasse de residir no imóvel, o Requerente enviou à Requerida a missiva junta sob o documento nº 18, sendo que, até essa data, nunca o Requerente tinha referido/informado a Requerida que entendia que o dinheiro utilizado na aquisição do imóvel eram empréstimos efetuados a si.
Ou seja, resulta claro do teor destas alíneas que, diversamente do que alega o Recorrente no artigo 201º das suas alegações, em lado algum o Tribunal a quo deu como provado que o Requerente, interpelado para abandonar a habitação, nada fez ou disse.
Carece, por conseguinte, de sentido nesta parte a impugnação do Recorrente quanto à alínea HHH), que assim improcede.
Mais alega o Recorrente que inexiste prova para o Tribunal ter considerado que a interpelação formal efetuada no dia 22 de abril de 2024 (missiva junta sob o documento nº 18), nada mais foi do que uma vingança ou retaliação pelo divórcio. No entanto, saber a motivação da interpelação efetuada através da missiva junta pelo Recorrente sob o documento nº 18 e, em concreto, se foi uma retaliação pelo divórcio, não é relevante para a boa decisão da causa, pelo que, não sendo possível extrair qualquer consequência jurídica da reapreciação desse facto impugnado mostra-se inútil a sua reapreciação.
* Por último, entende o Recorrente que o Tribunal a quo deu como não provado, sob o ponto 12, que “A Requerida transferiu da conta conjunta das partes para uma conta sua a quantia de € 22.850,00, apropriando-se da mesma”, quanto o deveria ter dado como provado, desde logo face aos extratos bancários que demonstram a retirada do dinheiro.
Nesta parte deve proceder parcialmente a impugnação apresentada, face ao documento 16 junta com o articulado inicial e à confissão da própria Requerida que, no artigo 73º da oposição que deduziu ali alegou o seguinte:
“73. É um facto que a conta conjunta existente no Banco 2... onde se encontravam depositados capitais de ambos os cônjuges tinha um saldo de €46.107,73 em 31/01/2024 (sendo € 26.107,73 em fundos de investimentos e €20.000,00 no valor mobiliário Mill CAB 3), tendo a Requerida transferido a quantia de €22.750,00: mas tal só sucedeu após o Requerente ter transferido €19.900,00 para uma conta titulada apenas por si, tendo ficado saldo no fundo de investimento o valor de €2.937,82 de forma a que a divisão do dinheiro fosse equitativa.”
Pelo exposto, decide-se eliminar o facto não provado em 12. e aditar uma nova alínea ao elenco dos factos provados, que será a VVV) e que terá a seguinte redação: “A Requerida, em 26 de fevereiro de 2024, transferiu da conta conjunta das partes para uma conta sua a quantia de € 22.850,00.”

*

Em função do supra decidido o elenco dos factos provados e não provados passa a ser o seguinte:

FACTOS PROVADOS

A) A Requerida foi casada com o Requerente, tendo tal casamento sido dissolvido por divórcio por sentença datada de 24/04/2024 no âmbito do processo de divórcio sem consentimento que correu termos pela 2ª Vara de Família da Cidade do Rio de Janeiro, conforme se pode ver do averbamento constante da certidão de casamento que foi junta com a p.i..

B) Ainda antes de terem contraído casamento Requerida e Requerente já mantinham uma união de facto estável que começou com um namoro no ano de 2000, seguida de uma vivência conjunta da qual nasceu o único filho do casal, CC, no ano 2005, após o que decidiram contrair casamento sob o regime da separação de bens a 25/11/2010.C) No pretérito dia 25 de novembro de 2010, o Requerente e a Requerida celebraram matrimónio, tendo fixado o regime de casamento sob o regime de separação total de bens.

D) Sendo a escolha do regime da separação de bens uma opção de ambos os cônjuges porquanto nenhum dos dois, à data do casamento, tinha mais de 60 anos de idade, nunca tinham sido casados anteriormente, nem tinham filhos de relações anteriores.
E) O Requerente sempre viveu do avultado património que herdou dos seus pais, ao contrário da Requerida que foi, durante 19 anos, funcionária de um dos bancos mais importantes do Brasil, o Banco 1....
F) O Requerente é 13 anos mais velho que a Requerida e sempre gostou de viajar, uma vez que, não exercendo atividade profissional remunerada e dedicando o seu tempo a gerir o património que herdou, tinha total disponibilidade para o fazer,
G) Ao contrário da Requerida que tinha atividade profissional remunerada e a quem prestar contas.
H) No ano de 2016, e quando a Requerida deixou de trabalhar para o Banco 1..., o Requerente viu nesse acontecimento uma oportunidade para fazer o que sempre sonhou: viajar durante longos períodos de tempo no seu catamarã acompanhado pela sua família composta pela Requerida e pelo filho de ambos CC, à data com 11 anos de idade.
I) Pelo que o Requerente convenceu a Requerida a não exercer, no futuro, qualquer atividade profissional remunerada, de forma a que tivesse total disponibilidade para viajar pelo mundo fora com o Requerente e o filho de ambos no seu catamarã.
J) Tendo o Requerente sempre assumido que durante a união havida com a Requerida, e desde que a mesma deixou de exercer atividade profissional remunerada para o acompanhar na sua grande aventura pelos mares, era ele o único e exclusivo garante da subsistência de todo o agregado familiar, assegurando todos os compromissos financeiros da Requerida, que não voltaria a trabalhar de forma a ter total disponibilidade para acompanhar o Requerente nas suas viagens pelo mundo em alto mar.
L) Cabendo ao Requerente o sustento financeiro da família, de forma exclusiva.
M) Assim, no ano de 2017, o Requerente, conjuntamente com a Requerida e o filho CC decidiriam partir numa viagem pelo mar, que passou pelos mares do Brasil e América do Norte.
N) Passados três anos, e já no ano de 2020, o Requerente decidiu finalizar a viagem e passar a residir em Portugal.
O) Foi o Requerente que decidiu fixar residência em Portugal, tendo inscrito o filho do casal num Colégio ... uma vez que o jovem, durante a viagem referida nos artigos anteriores, frequentou o ensino/escola via on line.
P) Em virtude do filho do Requerente e Requerida estudar na cidade do Porto, decidiram, o Requerente e a Requerida, deslocar-se para a cidade do Porto por forma a acompanhar o desenvolvimento escolar do seu filho.
Q) Com todas estas premissas Requerente e Requerida abriram uma conta bancária onde foram depositados capitais próprios de ambos.
R) Numa primeira fase, o Requerente abriu uma conta partilhada com a Requerida por forma a facilitar a entrada de capitais próprios (tanto do Requerente como da Requerida) em Portugal.
S) A Requerida tem nacionalidade brasileira.
T) O Requerente, bem como o filho CC já tinham dupla nacionalidade (Brasileira/Portuguesa) desde, respetivamente, 2010 e 2017, enquanto que a Requerida só a adquiriu no ano 2023.
U) Após terem tomado a decisão de ficar a residir na cidade do Porto, o Requerente e a Requerida decidiram adquirir um imóvel para habitação própria e permanente.
V) Tendo para tal o Requerente oferecido à Requerida a aquisição, de forma exclusiva, de um apartamento na cidade do Porto de forma a convencê-la a ficar a viver em Portugal e para que a Requerida tivesse alguma compensação patrimonial uma vez que já tinha deixado a sua carreira profissional para trás, situação que se iria manter no futuro uma vez que era vontade do Requerente manter a sua residência em Portugal, o que impossibilitava que a Requerida voltasse ao mercado de trabalho no Brasil onde era bem remunerada:
X) Fração autónoma designada pelas letras AJ, de tipologia T3, com dois aparcamentos automóveis e arrecadação na 2ª cave, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ... da União de freguesias ... e ..., e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ....
Z) Tendo o Requerente sempre referido à Requerida que a escritura de venda do imóvel seria efetuada, tão só e apenas no seu nome, com vista a compensá-la das escolhas que tinha feito, não pretendendo adquirir nenhum imóvel em seu nome, nem em regime de compropriedade com a Requerida.
AA) Mais concretamente, o Requerente transferiu e, como tal, doou à Requerida, da conta bancária conjunta existente no Banco 2... titulada por ambos, os seguintes valores:
a) a quantia de €51.500,00 a título de sinal e no momento da celebração do contrato promessa de compra e venda, titulada por cheque bancário datado de 09/03/2022 emitido a favor de DD, marido da promitente vendedora, conforme se pode ver do documento nº 4 junto com a pi;
b) a quantia de €77.250,00 a título de reforço de sinal, transferência efetuada a 19/04/2022 para uma conta titulada pela promitente vendedora, EE;
c) a quantia de €77.250,00 a título de reforço de sinal, titulada por cheque bancário datado de 13/07/2022 emitido a favor da promitente vendedora, EE, conforme se pode ver do documento nº5 junto com a pi, no valor global de €206.000,00.
BB) Tendo o Requerente, com as transferências bancárias de €206.000,00 efetuadas da conta conjunta do Requerente e da Requerida do Banco 2... para a conta bancária titulada exclusivamente pela Requerida do Banco 3..., lhe doado esse dinheiro, bem como pelo pagamento pelo Requerente dos diversos encargos e impostos associados à compra do mesmo imóvel, como também e após a realização da escritura, no pagamento pelo Requerente das prestações mensais relativas à amortização do crédito à habitação contraído pela Requerida junto do Banco 3... desde agosto de 2022 até Dezembro de 2023, no montante total de €21.685,27.
CC) Desde o momento da escritura, o Requerente por forma a honrar a sua palavra, assegurou o cumprimento das prestações e obrigações provenientes dos encargos com a habitação.
DD) Quantias essas que inicialmente eram transferidas para a conta titulada pelo Requerente e Requerida e posteriormente o Requerente transferia para a conta titulada apenas pela Requerida.
EE) Com efeito, posteriormente, no dia 15 de Julho de 2022, data da realização do documento particular autenticado de venda do imóvel descrito no artigo 11º da pi, o Banco 3... emitiu dois cheques bancários, o primeiro no valor de €216.117,03 a favor da vendedora e um segundo, no valor de €92.882,97 que foi entregue ao Banco 4... que tinha registado sobre o referido imóvel uma hipoteca que garantia o empréstimo à habitação contratualizado pela ali vendedora EE, na quantia global de €309.000,00 que corresponde ao valor do empréstimo bancário contratualizado pela Requerida com o Banco 3... para a aquisição do citado imóvel.
FF) Tendo o imóvel sido adquirido pelo valor global de €515.000,00 sendo:
a) €309.000,00 pago através de 2 cheques bancários emitidos pelo Banco 3... e que resultaram do empréstimo à habitação contratado pela Requerida com essa instituição bancária, e não com capitais próprios do Requerente e
b) €206.000,00 (= €51.000,00 + €77.250,00 + €77.250,90) valores que foram transferidos da conta bancária conjunta do Requerente e da Requerida para contas bancárias da promitente vendedora EE ou do seu marido e também resultaram da emissão dos cheques bancários em AA), a) e c).
GG) Foi uma exigência do Banco 3... que o Requerente figurasse como fiador no contrato de empréstimo.
HH) O Requerente nunca emprestou qualquer valor à Requerida para comprar o imóvel arrestado nos autos: o Requerente ofereceu/deu €206.000,00 em dinheiro à Requerida para que esta fizesse essa compra, pagou os diversos encargos e impostos associados à compra do mesmo imóvel (no montante de €29.121,09 de imposto municipal de transmissões e €4.120,00 de imposto de selo), como também e após a realização da escritura, o Requerente pagou as prestações mensais relativas à amortização do crédito à habitação contraído pela Requerida junto do Banco 3... desde agosto de 2022 até Dezembro de 2023, num valor total de €260.926,36.
II) Tendo havido a entrega material pelo Requerente à Requerida do dinheiro através de diversas transferências bancárias e pagamentos referidos atrás.
JJ) E que visou “compensar” a Requerida da opção de vida e das escolhas que a mesma tinha efetuado no passado: a decisão de não voltar a trabalhar no Brasil na banca de investimentos; a decisão de fazer uma viagem de 3 anos pelos oceanos e, depois, a decisão de ficar a residir em Portugal não regressando ao Brasil para junto da sua mãe e irmã como era, inicialmente, sua vontade.
LL) E com vista a um objetivo que foi a aquisição de um apartamento onde o casal, conjuntamente com o seu filho, passou a residir.
MM) A Requerida, como não exercia qualquer atividade profissional há mais de 6 anos, nunca teria forma de devolver ao Requerente os valores descritos na petição inicial na ordem dos €400.000,00.
NN) O Requerente sabia perfeitamente que a Requerida era dependente financeiramente dele e não tinha rendimentos de trabalho há mais 6 anos quando efetuou as transferências bancárias e pagou os impostos/encargos da compra do imóvel no ano 2022.
OO) O Requerente sabia que a Requerida não tinha forma de lhe restituir as centenas de milhares de euros descritos na petição inicial.
PP) O Requerente não exigiu qualquer compromisso escrito por parte da Requerida que impusesse a obrigação de restituição de tais valores, bem como os prazos dessa mesma restituição.
QQ) A venda do catamarã “...” não foi motivada pela aquisição do imóvel mas sim porque tal embarcação não podia permanecer em Portugal sem pagar o IVA correspondente dado que a bandeira do barco era de Gibraltar e o Requerente tem nacionalidade portuguesa, não podendo ainda o Requerente permanecer com o catamarã na União Europeia por mais de 18 meses.
RR) A que acresciam custos de manutenção muito elevados para um uso que se resumia apenas a 3 meses por ano no Verão em Portugal.
SS) Vindo agora o Requerente alegar que as transferências bancárias efetuadas, o pagamento dos encargos e dos impostos devidos pela aquisição do imóvel, bem como o valor das prestações relativas ao crédito à habitação foram todos empréstimos efetuados sucessivamente à Requerida porque esta decidiu divorciar-se do Requerente, que sabe perfeitamente nunca terem existido quaisquer mútuos, antes sim, doações de dinheiro.
TT) O casamento do Requerente e da Requerida terminou em consequência do comportamento agressivo do Requerente que frequentemente encontrava-se alcoolizado, o que provocava desavenças frequentes mesmo em frente a amigos do casal.
UU) O que levaram ao afastamento da Requerida que era frequentemente humilhada pelo Requerente quer em frente aos seus amigos como dentro do domicílio conjugal.
VV) Em Setembro de 2023, a relação amorosa tornou-se irremediavelmente comprometida.
XX) Meses antes de ter intentado a ação de divórcio no Brasil a Requerida deu a conhecer ao Requerente a sua intenção de se divorciar, solicitando que contratasse um advogado para o efeito.
ZZ) Só que o tempo foi passando e o Requerente nunca contratou nenhum advogado nem manifestou interesse em resolver a dissolução do casamento.
AAA) Pelo que a Requerida cansada de esperar intentou ação de “divórcio litigioso” no Brasil tendo dado conhecimento desse facto ao Requerente no próprio dia.
BBB) Tendo a Requerida peticionado junto dos Tribunais Brasileiros.
CCC) Tendo o dinheiro que o Requerente deposita na conta da Requerida existente no Banco 3... sido parcialmente utilizado para pagar a energia, água, condomínio e outras despesas inerentes ao imóvel uma vez que é o Requerente que, desde Janeiro de 2024, reside no apartamento com o seu filho, mesmo contra a vontade da Requerida.
DDD) O Requerente, após ter passado o Natal e a passagem de ano de 23/24 no Brasil decidiu regressar a Portugal e manter-se a residir no apartamento do Porto, tendo trocado, inclusivamente, as fechaduras do imóvel, impossibilitando a Requerida de lá viver e, inclusivamente, recolher os seus objetos pessoais.
EEE) Foi o Requerente interpelado pela Exma. Sra. FF, na qualidade de mandatária da Requerida, para se retirar do imóvel.
FFF) O Requerente, apesar de ter sido instado por carta registada com aviso de receção datada de 26 de agosto de 2024 e por si recebida a 05 de setembro de 2024 a deixar o imóvel no prazo de 60 dias a contar da receção da missiva, não o fez, não tendo nenhuma intenção de o fazer.
GGG) E, como retaliação pelo divórcio e pela manifestação da vontade da Requerida em que deixasse de residir no imóvel, o Requerente enviou à Requerida a missiva junta sob o documento nº 18, sendo que, até essa data, nunca o Requerente tinha referido/informado a Requerida que entendia que o dinheiro utilizado na aquisição do imóvel eram empréstimos efetuados a si.
HHH) O Requerente através da sua ilustre mandatária remeteu à Requerida uma missiva através de correio registado com aviso de receção.
III) Peticionando que tais valores lhe fossem devolvidos no prazo de 10 dias após o seu recebimento, para a sua conta bancária.
JJJ) A Requerida respondeu à missiva tendo referido que tais montantes foram “oferecidos” pelo Requerente.
LLL) Pelo que a Requerida respondeu à missiva enviada pela Ilustre mandatária deste, dando-lhe conhecimento que os valores entregues pelo Requerente titulavam doações manuais e não empréstimos.
MMM) Sendo sua intenção- com vista a cortar despesas desnecessárias-, residir no imóvel que é proprietária, de forma a acompanhar a vida do seu filho, mas sem ter que dividir tal espaço com o Requerente.
NNN) Não é, nem nunca foi vontade da Requerida vender o imóvel ocupado pelo Requerente onde também reside o filho do casal, que se encontra a estudar num Colégio ... no 12º ano e pretendendo ingressar na universidade neste ano.
OOO) O Requerente encontra-se acometido dum problema grave de saúde do foro oncológico.
PPP) Inexiste qualquer direito de crédito do Requerente sobre a Requerida e muito menos no valor de €412.091,09.
QQQ) O Requerente bem sabe que a Requerida é proprietária dum imóvel/apartamento na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, onde reside o pai da Requerida.
RRR) O Requerente desconhece qualquer outro património em Portugal à Requerida.
SSS) A Requerida não vendeu, não pretende vender, não anunciou que quer vender o imóvel arrestado.
TTT) Como também não efetuou qualquer manobra financeira de forma a ocultar o seu património.
UUU) O Requerente desconhece o atual domicílio da Requerida.
VVV) A Requerida, em 26 de fevereiro de 2024, transferiu da conta conjunta das partes para uma conta sua a quantia de € 22.850,00.

*
FACTOS NÃO PROVADOS
1. A Requerida pretendia adquirir um imóvel na cidade do Porto.
2. A Requerida solicitou ao Requerente adiantamentos monetários capazes de liquidar não só o valor da entrada inicial do imóvel, como também as prestações e encargos associados à compra do mesmo, até ao momento em que a sua estabilidade financeira permitisse aguentar com tais encargos.
3. O Requerente pela confiança que nutria pela Requerida, com a qual mantinha uma relação amorosa, comprometeu-se a adiantar tais quantias.
4. Adiantamentos que permitiram à Requerida adquirir o imóvel sito na Rua ..., ..., distrito e concelho do Porto, na União de freguesias ... e ....
5. O Requerente procedeu ao adiantamento dos seguintes valores:
- a quantia de 51.526,00€ a título de sinal - no momento da celebração do contrato de promessa de compra e venda - para o Primeiro Outorgante promitente vendedor DD;
- a quantia de 77. 276,00€, a título de reforço de sinal para a conta titulada pela Primeira Outorgante promitente vendedora EE.
6. No pretérito 15 de julho de 2022 – data da celebração do contrato de compra e venda do imóvel - o Requerente procedeu ao pagamento dos seguintes montantes:
a) 216 117,03€
b) 29.121,09€
c) 4.120,00€
7. O Requerente para conseguir satisfazer os valores necessários aos adiantamentos teve necessidade, para além das transferências pessoais efetuadas para a conta aberta aquando da chegada do “casal” a Portugal, de proceder à venda de um dos seus bens mais preciosos, a saber: Catamarã “...”.
8. As quantias liquidadas pelo Requerente, advieram das suas contas pessoais, bem como da venda do aludido Catamarã “...” (embarcação da propriedade do Requerente).
9. Tendo até ao presente transferido os seguintes montantes:
- €10.500,00 (dez mil e quinhentos euros) referente às prestações mensais referentes ao ano de 2022.
- €25.200,00 (vinte e cinco mil e duzentos euros) referentes às prestações mensais referentes ao ano de 2023.
- €12.600,00 (dose mil e seiscentos euros) referente as prestações mensais de janeiro a maio de 2024.
10. Para além dos adiantamentos efetuados, o Requerente constituiu-se fiador da Requerida no que ao crédito à habitação diz respeito, por forma a que a Requerida visse o aludido crédito aprovado.
11. Circunstância que o Requerente acedeu em face da relação de confiança e amorosa que nutria pela Requerida.
12. Os montantes foram cedidos à Requerente em virtude de a mesma não ter capacidade económica para suportar todos os encargos adstritos à compra do imóvel.
*

3ª Da repercussão da alteração da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso

Balizado o objeto do recurso pelas conclusões da alegação do Requerente, ora apelante, a questão que agora se coloca é a de saber se, em face dos factos havidos por indiciariamente provados, se justifica que seja decretado o arresto requerido.

A decisão recorrida considerou que seria de proceder ao levantamento do arresto decretado por não ter resultado provada a existência de qualquer crédito do Requerente sobre a Requerida, muito menos o crédito invocado no requerimento inicial, nem se ter demonstrado o requisito do justificado receio do credor de perder a garantia patrimonial do seu crédito.

De facto, o arresto, enquanto procedimento cautelar especificado, depende, em conformidade com o disposto no art. 392.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, da verificação de duas circunstâncias:

- a probabilidade de existência do crédito;

- o justo receio de perda da garantia patrimonial.

No que concerne à probabilidade de existência do crédito, exige-se que exista um "fumus boni iuris", ou seja, que se possa afirmar como provável o direito de crédito cuja efetividade se pretende acautelar através do arresto requerido.

Quanto a esse requisito – probabilidade de existência do crédito –, o Requerente invocou ser titular de um crédito de €412.091,09 sobre a Requerida, com quem casou em 25 de novembro de 2010, crédito esse proveniente de adiantamentos que aceitou efetuar à Requerida para pagamento da entrada inicial de aquisição de um imóvel no Porto - que aquela quis adquirir mas não dispondo de capitais próprios para o efeito – bem como das prestações e encargos associados à compra do mesmo, adiantamentos que aceitou fazer até ao momento em que a estabilidade financeira da Requerida lhe permitisse aguentar tais encargos. Ou seja, numa palavra, o Requerente veio alegar que é credor da Requerida por ter celebrado com esta um contrato de mútuo.

Sucede que da factualidade apurada não resulta indiciariamente provado o contrato de mutuo invocado pelo Requerente, o que se indicia é antes a existência de uma doação, ou seja, o que emerge dos factos provados indicia a existência de uma relação jurídica distinta, que não suporta a afirmação do direito de crédito de €412.091,09 alegado.

Ainda que o Requerente pudesse, eventualmente, ser titular de um qualquer outro direito de crédito (aqui não alegado, fundado, por exemplo, numa eventual revogação da doação), não pode obviamente obter neste procedimento cautelar qualquer arresto de bens para garantir tal outro qualquer pretenso e indeterminado crédito, distinto do direito de crédito que alegou neste procedimento e fundado numa relação jurídica distinta da que aqui alegou, ainda que as partes dessa outra relação jurídica possam ser as mesmas. Tal traduzir-se-ia numa completa distorção e violação de princípios basilares do processo civil: proibição de decisões surpresa (art. 3.º do Cód. Proc. Civil), ónus de alegação e poderes de cognição do tribunal (art. 5.º do Cód. Proc. Civil), princípio da estabilidade da instância (arts. 260.º, 264.º e 265.º do Cód. Proc. Civil), limites da instrução e da decisão (arts. 411.º e 609.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil).

Importa ainda referir que, sob a conclusão OOOOO), o Recorrente vem alegar que caso não se considere que a sua vontade se traduziu numa declaração jurídica de mútuo, “sempre consigna o artigo 1765º do Código Civil que as doações entre casados podem ser revogadas a todo o tempo, o que significará, perante a declaração de vontade emanada pelo Recorrente, que sobre a Recorrida existirá um direito de crédito”.

Ora, esta questão é um questão nova, não tendo sido suscitada pelo Recorrente em primeira instância e, nessa medida, não poderá este Tribunal conhecer da mesma.

Como escreve a este propósito Abrantes Geraldes[5] “A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas”.

A única exceção a esta regra, como bem se compreende, são as questões de conhecimento oficioso, das quais o Tribunal tem a obrigação de conhecer, mesmo perante o silêncio das partes.

Não sendo uma situação de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal conhecer da questão da revogação da doação ora invocada em sede de recurso pelo Recorrente.

Por conseguinte, não se verificando o primeiro requisito para ser decretado o arresto – provável existência do crédito – fica prejudicada a apreciação do segundo, por se tratarem de requisitos cumulativos, sendo certo que mesma em relação à não verificação desse segundo requisito não vislumbramos motivo para divergir da posição do Tribunal a quo.

Impõe-se, pois, negar provimento ao presente recurso, com a consequente manutenção da sentença recorrida.

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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527º do Código de Processo Civil, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.

Como a apelação foi julgada improcedente, mercê do princípio da causalidade, as custas serão da responsabilidade do Recorrente.

*
Síntese conclusiva (da exclusiva responsabilidade da Relatora – artigo 663º, nº7, do Código de Processo Civil):
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………………………………
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes subscritores deste acórdão da 5ª Secção, Cível, do Tribunal da Relação do Porto, em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida, sem prejuízo do decidido quanto à alteração da matéria de facto provada e não provada.
Custas pelo Recorrente.
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Porto, 4 de junho de 2025
Os Juízes Desembargadores
Teresa Pinto da Silva
José Nuno Duarte
Jorge Martins Ribeiro
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[1] Cf. Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Coimbra, Almedina, 2022, p. 348.
[2] Afigura-se-nos existir um lapso de escrita na decisão recorrida, querendo referir-se a B....
[3] Embora a impugnação da factualidade provada sob as alíneas AA), BB), EE), FF), HH) seja efetuada pelo Recorrente nos artigos 106 a 105 e a provada sob a alínea SS) nos artigos 187 e seguintes, optámos desde já por conhecer da impugnação da factualidade desta alínea SS) neste momento, porquanto se mostra relacionada com a factualidade que o Tribunal a quo deu como provada naquelas alíneas AA), BB), EE), FF) e HH).
[4] Embora a impugnação da factualidade provada sob a alínea UUU) e do facto 9. do elenco dos não provados seja efetuada nos artigos 220 a 228 das alegações, optámos desde já por conhecer dessa impugnação neste momento, porquanto se mostra relacionada com a factualidade que o Tribunal a quo deu como provada nas alíneas AA), BB), EE), FF) e HH).
[5] Cfr. Dos Recursos em Processo Civil, 7ª edição, 2022, pág. 139.