Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00037603 | ||
| Relator: | FERNANDO BAPTISTA | ||
| Descritores: | CONTRATO-PROMESSA SINAL EXECUÇÃO ESPECÍFICA DIVÓRCIO TRANSMISSÃO DO CONTRATO TRADIÇÃO DA COISA | ||
| Nº do Documento: | RP200501200437000 | ||
| Data do Acordão: | 01/20/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | REVOGADA A SENTENÇA. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I- A execução específica do contrato promessa pode ter lugar, não só em caso de mora, mas também em situações de incumprimento definitivo, desde que o credor não tenha perdido o interesse na prestação. II- A existência de sinal constitui uma simples presunção iuris tantum, que, como tal, não se aplica sempre que as partes, não obstante a entrega de um sinal -- ou a estipulação de uma pena para o caso de não cumprimento--, queiram manter o direito à execução específica - isto é, sempre que as partes não pretendam atribuir ao sinal o sentido de arras penitenciais. III- A tradição da coisa (verdadeira antecipação dos efeitos do contrato prometido), tal como o pagamento da totalidade do preço, devem ser considerados como factores (ou forte expectativa), de estabilização do negócio e, como tal, elementos determinantes de admissão da execução específica, elidindo, assim a presunção contida no artº 830, nº2 do Cód. Civil. IV- Da mesma sorte que a morte do promitente vendedor não faz caducar o contrato promessa, pois os direitos e obrigações que resultam desse contrato, que não sejam exclusivamente pessoais, «transmitem-se aos sucessores” (artº 412º, nº1 CC), a dissolução do casamento por divórcio dos cônjuges igualmente não faz caducar os contratos promessa que (enquanto casados) validamente outorgaram. V- Assim, tal como em caso de morte do promitente vendedor podia o promitente comprador demandar os herdeiros do promitente vendedor e requerer contra eles, enquanto sujeitos passivos da obrigação assumida pelo autor da herança, a execução específica do contrato-promessa, da mesma forma assiste aos promitentes-compradores o direito de requerer contra os cônjuges divorciados/promitentes-vendedores a execução específica dos contratos promessa que estes outorgaram. VI- É que, decretado o divórcio - tal como em caso de ser decretada a separação judicial de pessoas e bens--, os ex-cônjuges/promitentes vendedores continuam vinculados aos contratos promessa que outorgaram. VII- E isto, independentemente de os bens objecto desses contratos promessa terem sido adjudicados apenas a um dos ex-cônjuges no inventário para separação de meações. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto I- RELATÓRIO: No .....º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos vieram B........................ e mulher C............................. e D........................... e mulher E.................., instaurar contra F....................... e sua ex-mulher G........................., acção declarativa de condenação sob a forma ordinária. Pedem: Que seja proferida Sentença que produza os efeitos negociais dos faltosos, ou seja, os efeito de declaração de venda dos RR. aos AA. de 4 lotes de terreno para construção que lhes havia sido prometido vender por contratos promessa escritos, que juntam, aos autos, adjudicando-lhes e transmitindo-se-lhes a respectiva propriedade desses 4 lotes-- que identificaram - (ou seja, seja efectivada a conhecida Execução Específica dos contratos, prevista e regulada no artº 830 do Código Civil). Alegam, em síntese: Que o réu marido, por si e munido de uma procuração passada pela sua ex-mulher (a ré) e que lhe dava poderes para, designadamente, proceder à venda dos supra aludidos lotes de terreno, prometeu vender aos autores os referidos 4 lotes de terreno para construção, melhor descritos na petição, sendo certo que, não obstante ter o réu já recebido integramente o preço acordado para a venda dos lotes, vem protelando a realização das respectivas escrituras públicas de compra e venda dos mesmos, alegando, o réu, do mais que, que a sua ex-mulher revogou a citada procuração que lhe permitia fazer as escrituras. Mais alegam os autores que toda a conduta dos réus - o réu F.......... até já ofereceu os lotes a terceiros-- conduz à conclusão de que os mesmos não pretendem outorgar as escrituras de venda dos lotes prometidos vender aos autores, cujo valor receberam na totalidade, tendo mesmo os autores entrado na posse efectiva dos lotes desde 1992. Estão, assim, os réus em mora, pois que até já foi largamente ultrapassado o prazo (de 60 dias) com que aos autores foi prometida a realização da escritura definitiva de compra e venda, e daí o direito que os Autores se arrogam de exigir a execução específica do contrato ao abrigo do estatuído no já referido artº 830º CC. Citados, vieram os réus contestar: A ré G.................... alegou, essencialmente, que os contratos promessa em causa foram celebrados apenas em nome do réu F.........., seu ex-marido, por já, então, se encontrar revogada a procuração que lhe fora outorgada pela contestante. Além disso, na partilha dos bens do casal, os lotes prometidos vender foram-lhe adjudicados, pelo que não é viável a respectiva execução específica. O réu F............ alegou, em síntese, que os aludidos contratos promessa são ineficazes, por terem sido substituídos por outros de conteúdo diferente. Replicaram os autores, reafirmando, no essencial, que a procuração se encontrava válida à data da celebração dos contratos promessa. Foi proferido despacho saneador, elaborada a relação dos factos assentes e a base instrutória. Teve lugar a audiência de julgamento, após a qual o tribunal proferiu decisão sobre a matéria de facto controvertida. Foi, finalmente, elaborada sentença julgando a acção improcedente, por não provada, com a consequente absolvição dos réus do pedido. Inconformados com esta sentença, vieram os autores recorrer, apresentando as respectivas alegações que rematam com as seguintes CONCLUSÕES: “I - A execução específica está adquirida como grande princípio para o cumprimento das obrigações, quando elas são possíveis, tendo carácter subsidiário e residual a reparação do dano e execução por equivalente. II - Um dos princípios do nosso direito das obrigações é o “pacto sunt servanda” e a irrenunciabilidade prévia ao direito de exigir o cumprimento das obrigações. III - No contrato-promessa já se admite como regra a possibilidade de as partes convencionarem o afastamento da execução específica. IV - Se o não fizeram de forma clara e inequívoca, que terá de ser provado pela parte que o invoca, o sinal traduz por regra uma vontade de sinal confirmatório em conformidade com o início do cumprimento do contrato expressamente desejado. V - A presunção que o sinal é a convenção contrária à possibilidade de execução específica é ilidível. VI - Fica afastada a presunção se o comportamento das partes aponta sempre no sentido de se realizar o contrato prometido. VII - Nomeadamente quando o sinal inicial é seguido do pagamento integral que só se faria no dia da escritura definitiva. VIII - Quando o promitente vendedor autoriza a entrada na posse efectiva dos bens prometidos vender. IX - E dá aos promitentes compradores todos os elementos pessoais e documentais dos bens a vender, com vista à realização da escritura, que apontavam se faria em breve. X - E quando permitem que os promitentes compradores fiquem na posse dos bens em causa mais de 7 anos, sem nunca exigir a restituição dos mesmos, ou manifestem por qualquer meio que a escritura nunca se fará. XI - Por outro lado, não existe incumprimento definitivo dos RR. mas simples mora e, o AA. mantêm o interesse no cumprimento do contrato. XII - O pagamento de sinal elevado, no caso, o pagamento integral dos bens, de valores elevados, como eram 9.000.000$00 e 7.000.000$00 em 1991/92, e a tradição da posse que perdura há mais de 13 anos, traduzem o propósito de tomar firme o contrato promessa e são indícios claros de admissão da execução específica, apesar da existência de sinal ou pagamento integral. XIII - Ficando assim ilidida a presunção do artº 830º nº 2 do C.C. tanto mais que os promitentes vendedores nunca pediram a resolução dos contratos. XIV - Só estará afastada a execução específica com a falta definitiva de cumprimento, como o caso de alienação do imóvel ou, perda do interesse do vendedor, que no caso não ocorreu. XV - Aliás, sendo os imóveis prometidos vender, terrenos com artigos urbanos, destinados a construção de habitação, sempre é possível a Execução específica. Termos em que, por erro de interpretação e aplicação do disposto nos artigos 442 nº 2 e 3º, 809 e 830 do C.C., deve a Sentença ora posta em crise ser revogada e substituída por outra que julgue a execução específica como totalmente procedente e em consequência prolacção de Sentença que produza os efeitos negociais dos faltosos adjudicando-se e transmitindo-se-lhes a propriedade dos 4 lotes que prometeram comprar e pagaram integralmente, com o que se fará a melhor e esperada JUSTIÇA” Contra-alegou a ré/apelada, G................., concluindo pela improcedência do recurso. Por outro lado, vem a citada recorrida proceder à ampliação do âmbito do recurso, ao abrigo do disposto no artº684-A CPC, nos termos que assim conclui: Entende que a acção sempre teria de improceder por virtude de o réu, ex-marido da recorrida, ter feito por si, individualmente, os contratos-promessa quando os mesmos respeitam a bens comuns do casal; Quando a presente acção foi instaurada já os lotes eram propriedade exclusiva da recorrida, pois lhe haviam sido adjudicados em inventário judicial. Daqui que a acção sempre improcederia, já que o réu não podia intervir por si só na escritura de venda dos bens; A título subsidiário, sustenta a apelada que há falta de fundamentação da decisão de facto (nulidade da sentença), em violação do disposto no artº 653º-2, CPC, bem assim que há ontradições na matéria de facto. Sobre esta ampliação do âmbito do recurso não se pronunciaram os recorrentes. Foram colhidos os vistos. Cumpre apreciar e decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO. II.1. AS QUESTÕES: Tendo presente que: --O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil); -- Nos recursos se apreciam questões e não razões; -- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões a resolver são as seguintes: A - Na apelação dos autores: Se, dada a existência de sinal prestado nos (dois) contratos promessa dos autos - sinal esse que se presume ser a “convenção em contrário” à possibilidade de execução específica--, era (ainda) in casu possível a execução específica desses mesmos contratos e se os autores/apelantes afastaram a aludida presunção, prevista no artº 830º-2 Cód. Civil. B - Na “ampliação do âmbito do recurso”: - Se, tendo sido revogada a procuração que a ex-mulher do réu lhe passara, a acção tinha que improceder por o réu F............ não poder outorgar por si, individualmente, os contratos promessa, por respeitarem a bens comuns do casal; - Se a improcedência da acção sempre se impunha por à data da instauração da mesma os lotes serem propriedade exclusiva da recorrida por lhe haverem sido adjudicados em inventário judicial. - A título subsidiário, se há falta de fundamentação da decisão de facto (nulidade da sentença), bem assim contradições na matéria de facto. II.2. OS FACTOS: No tribunal recorrido deu-se como assente, a seguinte matéria de facto: 1º- O 1º Réu F............ e ex-mulher 2ª Ré, G......................., eram donos dum terreno rústico, sito no Lugar de ................, Freguesia de Leça de Balio, Concelho de Matosinhos, que se encontra inscrito na matriz rústica desta freguesia sob artigo 135 e descrito na respectiva Conservatória de Registo Predial de Matosinhos sob nº 00007/161184. 2º- Depois de devidamente licenciado, os Réus procederam ao loteamento de tal propriedade que foi aprovado pela Câmara Municipal de Matosinhos. 3º- O 1º Réu informou o 1º Autor, B.................., que os lotes já tinham sido avaliados, sendo que o lote nº 11 tinha o artigo urbano 3539, com área de 295 m2, da freguesia de Leça do Balio, inscrito na respectiva Conservatória de Registo Predial sob a descrição nº 00882/131191, o lote nº 15 tinha o artigo 3543, com área de 260 m2 e descrito na Conservatória de Registo Predial de Matosinhos sob o nº 00886/131191. 4º- Entregou-lhe os duplicados da avaliação dos lotes pela Repartição de Finanças, e avisou que a escritura se fazia em breve. 5º- Como tudo já estava pago, autorizou que os primeiros autores, B............... e esposa, entrassem na posse efectiva dos terrenos o que estes fizeram, mandando cortar-lhe as silvas, e vedá-lo com uma rede provisória. 6º- Avisou o 2º Autor, D....................., que a escritura se faria em breves dias e que se preparasse para pagar a respectiva SISA. 7º- Em 1992, os Autores são contactados pelo 1º Réu, informando-os que ia fazer a escritura de mais um lote e verificara que a 2º Ré, G............... lhe revogara a procuração que lhe permitia fazer as escrituras e lhe metera uma acção de divórcio. 8º- Contudo, sossegou-os dizendo que se não preocupassem, os terrenos eram dos Autores, e que tudo ia ser cumprido de acordo com os contratos assinados. 9º- Após algum tempo, o 1º Réu informou os Autores que o divórcio já fora feito e que se passaria à fase de partilha. 10º- Mais tarde, informou que não podia efectuar a escritura porque, entretanto, a 2ª Ré, G...................., sua ex-mulher havia recorrido da Sentença da partilha para o Tribunal da Relação do Porto. 11º- Dão-se por reproduzidas as certidões constantes de fls. 34 a 46 e fls. 91 a 128. 12º- A actividade principal do 1º Réu, F.........., era comprar prédios rústicos, loteá-los e depois vender os respectivos terrenos. 13º- Era dessa actividade, que o 1º Réu sustentava a 2ª Ré e lhes permitiu na constância do matrimónio adquirir um vasto património mobiliário e imobiliário. 14º- Era o 1º Réu que aparecia no contacto com pessoas, comandava as obras de loteamento, fazia os respectivos negócios, assinava as respectivas promessas de venda, por ele e na qualidade de procurador da 2ª Ré, sua mulher, exibindo para tal uma procuração que ela lhe outorgara com poderes para assinar contratos promessa e outorgar as respectivas escrituras de compra e venda. 15º- Por escrito particular, contrato de compra e venda, datado de 1 de Fevereiro de 1991, o 1º Réu prometeu vender ao 1º Autor, B................, pelo preço de Esc. 9.000.000$00, os lotes 11 e 15 do referido loteamento. 16º- Tendo recebido de imediato de sinal Esc. 1.000.000$00, sendo que a escritura seria marcada no prazo de 60 dias e paga a restante quantia em débito. 17º- Entretanto, o 1º Autor, B................., liquidou-lhe a totalidade do preço de venda dos referidos lotes, ou seja, mais Esc. 8.000.000$00, ficando tudo liquidado. 18º- Em 16/11/1990, por escrito particular, contrato promessa de compra e venda, o 1º Réu F.......... outorgando na mesma qualidade, prometeu vender ao 2º Autor, D..................., pela importância de Esc. 7.000.000$00, os lotes 16 e 17 do supra indicado loteamento. 19º- E recebeu de imediato de sinal a quantia de Esc. 1.500.000$00, prometendo que a escritura se fazia no prazo de 60 dias. 20º- E o 2º Autor, D.............., foi-lhe pagando o valor em falta, com mais Esc. 2.000.000$00 em 22/02/91, Esc. 3.200.000$00, em 23/09/91, acabando por liquidar o restante, Esc. 300.000$00, em 4/02/92. 21º- Tendo-lhe o 1º Réu entregue uma declaração em 1/2/92, declarando que tudo se encontrava pago. 22º- E informou o 2º Autor, D.............., que os lotes já tinham sido avaliados, entregando-lhe a respectiva notificação da Repartição de Finanças e que o lote nº 16 tinha o artigo urbano nº 3544 da freguesia de Leça do Balio, descrito na conservatória de Registo Predial sob descrição nº 00887/131191 e o lote n.' 17 o artigo 3545 da freguesia de Leça do Balio, descrito na Conservatória de Registo Predial de Matosinhos sob a descrição nº 00888/131191. 23º- Também avisou o 1º autor, D............, que a escritura se faria em breves dias e que se preparasse para pagar a respectiva Sisa. 24º- Como tudo estava pago, o réu marido autorizou que os segundos Autores entrassem na posse efectiva dos lotes prometidos vender, o que estes fizeram, cortando a vegetação e murando os lotes. 25º- Em 1998, o 2º Autor, D............., foi indemnizado pela "REN.S.A." (Rede Eléctrica Nacional), porquanto num dos lotes foi implantado um poste de condução de energia. 26º- O 1º Réu, era cabeça de casal e como a mulher e 2ª Ré sabia, os lotes 11, 15, 16 e 17 estavam pagos e vendidos aos Autores e, logo que terminasse o processo, lhes fariam as escrituras respectivas. 27º- Até lhes deu fotocópia da relação de bens que fizera no processo de inventário subsequente à partilha, onde na verba nº 10 aparecia os lotes dos Autores com a indicação que se encontravam vendidos e pagos, e que o dinheiro fora aplicado na compra dum andar para a filha e, que as escrituras só se não tinham feito ainda, porque a 2ª Ré lhe revogara a procuração. 28º- O valor recebido pela venda dos terrenos em causa, foi aplicado nas despesas normais e correntes dos Réus. 29º- Desde data não apurada de 1990, os réus não viviam juntos. 30º- A procuração supra aludida foi revogada. 31º- Ambos os Autores acordaram com o 1º Réu e pagarem-lhe os lotes de terreno a Esc. 8.000$00 o metro quadrado. 32º- Com data de 15/02/91, o 1º Réu elaborou o escrito de fls. 58, cujo teor se dá por reproduzido. 33º- Os Autores tiveram conhecimento da existência dos escritos, que assinaram a pedido do réu marido. 34º- A 2ª Ré tinha conhecimento da celebração, da identidade dos promitentes compradores e da existência de sinal recebido, quanto aos contratos de fls.10 e 15. 35º- Em finais de Março de 1992, os Autores foram informados pelo 1º Réu da revogação da procuração certificada a fls. 34 e seguintes, sendo nessa altura que o 1º Réu teve esse conhecimento. III. O DIRITO: Vejamos, então, das questões suscitadas pelos apelantes e, em sede de ampliação do âmbito do recurso, pela apelada. - Quanto à questão suscitada pelos apelantes: por um lado, se, dada a existência de sinal prestado nos (dois) contratos promessa dos autos, e porque tal sinal se presume ser a “convenção em contrário” à possibilidade de execução específica, era (ainda) possível a execução específica desses mesmos contratos; por outro lado, se, in casu, os autores/apelantes afastaram a aludida presunção - prevista no artº 830º-2 Cód. Civil (de que o sinal constituiu convenção contrária à possibilidade de execução específica dos contratos promessa). Como vimos, estamos perante contratos-promessa de lotes de terreno para construção, nos quais foi prestado sinal [Sinal é a coisa entregue por um dos contraentes ao outro, no momento da celebração do contrato ou em data posterior, como garantia do cumprimento (Abel Pereira Delgado, Do Contrato-Promessa, ed. do Jornal do Fundão, pág. 169. No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem caracter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor (artº 441º CC).= ] - aliás, em ambos os contratos foi já liquidada a totalidade do preço acordado. Pretendem os autores/apelados fazer valer a chamada execução específica que o Código Civil prevê no artº 830º, ou seja, que seja proferida Sentença que produza os efeitos negociais dos faltosos, o efeito de declaração de venda dos RR. aos AA. dos 4 lotes de terreno para construção que os primeiros haviam prometido vender aos segundos por contratos promessa escritos, adjudicando-lhes e transmitindo-se-lhes a respectiva propriedade desses mesmos lotes. A Mmª Juiz, entendendo ter havido sinal em ambos os contratos promessa - o que, efectivamente, corresponde à verdade--, que a sua existência deve ser vista como convenção contrária à possibilidade de execução específica de contratos, e porque, não obstante o sinal traduzir uma presunção ilidível dessa convenção em contrário, tal presunção não foi ilidida, a acção devia improceder, o que veio a acontecer. Quid juris? Diga-se, desde já, que é patente que da matéria de facto provada resulta estarmos perante uma situação, não de incumprimento definitivo do contrato, mas de simples mora (ut arts. 804º e 805º CC). É que, além do mais, foi estipulado nos contratos-promessa que a escritura definitiva seria marcada no prazo de 60 dias. E tal não correu por virtude de o réu F.............. ter vindo a protelando com evasivas a realização das escrituras. O que traduz, sem dúvida, uma situação de incumprimento por banda dos réus/devedores. DA EXECUÇÃO ESPECÍFICA DOS CONTRATOS-PROMESSA DE COMPRA E VENDA DOS LOTES. A MORA OU TAMBÉM O INCUMPRIMENTO DEFINITIVO COMO PRESSUPOSTO DA EXECUÇÃO ESPECÍFICA: Dispõe o art. 830, nº 1 (na redacção emergente do Dec.-Leri nº 379/86, de 11.11, aqui aplicável, dada a data da outorga dos contratos-promessa): “Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida”. Nas palavras de Calvão da Silva, “através da sentença constitutiva prevista no art. 830º, o credor obtém o que poderemos chamar cumprimento funcional da promessa, isto é, o resultado prático do cumprimento, independentemente e mesmo contra a vontade do promitente faltoso, em via imediata e sem ter de recorrer à sentença de condenação, nem, obviamente, ao processo executivo”, in Sinal e Contrato-Promessa, Coimbra, 1993, pág. 106. Naturalmente, que para que o credor possa recorrer à execução específica tem de haver incumprimento por parte do devedor. A questão está em saber se apenas se pode recorrer àquela em situação de mora ou também em situação de incumprimento definitivo. Tanto a maioria da doutrina como da jurisprudência vai no sentido de que este mecanismo apenas pode funcionar em situações de mora. Calvão da Silva afirma que: “A fim de «pôr ordem» onde parece reinar alguma confusão, importa reter que o pressuposto da chamada execução específica do contrato-promessa é a mora e não o incumprimento definitivo”, in ob. cit. pag. 105. Este autor é acompanhado por Almeida Costa (Contrato-Promessa, Uma síntese do regime actual, Separata da ROA, Ano 50, I, Lisboa, 1990). Antunes Varela defendeu já esta posição, que parece actualmente ter abandonado. No que respeita à jurisprudência, veja-se neste sentido: Ac. STJ, 15-02-90, Actualidade Jurídica, 1990, nº 7, sob o nº 1396: “Constitui um contra-senso pretender que, para a execução específica de contrato-promessa, seja necessária a prévia resolução do mesmo contrato”; Ac. RP, 11-06-92, CJ, 1992, III, pag. 308 e ss.: “O mecanismo de execução específica do art. 830º do Cód. Civil só se pode desencadear desde que haja mora no cumprimento”; Ac. RL, 24-03-92, CJ 1992, II, p. 146 e ss.: “Só a mora, e não o incumprimento definitivo, dá direito ao contraente não faltoso de requerer a execução específica do contrato, nos termos do art. 830º do Código Civil”; RE, 07-07-92, CJ, 1992, IV, p. 293 e ss.: “A execução específica só tem lugar no caso de simples mora”. Apesar deste ser o entendimento maioritário, somos de opinião que a execução específica pode também ter lugar em situações de incumprimento definitivo, desde que o credor não tenha perdido o interesse na prestação. Esta posição é também defendida por Januário Gomes que afirma “(…) a execução específica só fará sentido enquanto se mantiver o interesse do credor na realização da prestação. Ora, (…) o interesse do credor pode sobreviver, pode subsistir para além do incumprimento definitivo(…). Se o credor mantiver o interesse na prestação, não parece haver justificação plausível que obste ao recurso à execução específica já que o incumprimento definitivo não determina, por si só, a resolução do contrato”, in Em tema de Contrato-Promessa, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1990, pag. 17. Parece ser também esta a posição actual de Antunes Varela, o qual refere que: “Se o credor pode realmente obter o efeito pretendido para a interpelação admonitória fracassada, sem ameaçar o devedor interpelado com a resolução do contrato, quer isso dizer que a falta definitiva de cumprimento prevista no artigo 808º, nº 1, do Código Civil, não fecha de nenhum modo para o credor as portas da realização coactiva da prestação (nomeadamente da execução específica do contrato-promessa, a que se refere o art. 830º do mesmo Código), sempre que a prestação em falta, não obstante a contumácia do devedor, continue a ter interesse para o credor”, in RLJ, Ano 128, pag. 119, nota 1. Existe já alguma jurisprudência neste sentido: Ac. STJ, 03-10-95, Col. Jur. Acs. STJ, 1995, III, p. 45 e ss.: “O direito à execução específica pode ser exercido logo que há mora e também quando a obrigação se considera definitivamente não cumprida devido ao contraente faltoso não ter realizado a prestação no prazo para o efeito fixado pelo outro contraente, desde que ela seja física e legalmente possível e este continue a ter nela interesse”. Ora, no caso dos autos parece não restarem dúvidas de que a não outorga das escrituras públicas de compra e venda da fracção só aos réus é imputável. Efectivamente, os autores/apelantes tudo têm feito para que as escrituras definitivas de compra e venda dos lotes de terreno sejam efectuadas, só o não tendo feito devido às evasivas do réu F.............. e aos problemas emergentes da separação conjugal, a que os autores são, de todo, alheios. O certo é que, como vimos, se estipulou um prazo para a outorga das escrituras definitivas. E nada, mas nada mesmo, vem provado no sentido de que tal prazo não foi cumprido por acção dos autores. Face às provadas faltas dos réus - ao seu incumprimento--, ficaram os mesmos em mora. E dado que a prestação é “física e legalmente possível” e continua a ter interesse para os autores, em princípio não há razão para rejeitar a execução específica. MAS SERÁ QUE O SINAL PRESTADO (EM AMBOS OS CONTRATOS-PROMESSA) AFASTOU O RECURSO À EXECUÇÃO ESPECÍFICA? Vejamos. DA PRESUNÇÃO DE SINAL: Nos termos do nº 1 do art. 830º CC, a execução específica pode ter lugar na falta de convenção em contrário, ou seja, a regra geral da execução específica é supletiva, podendo as partes afastá-la por convenção expressa ou tácita. Convenção tácita que se verifica se existir sinal. Preceitua o nº 2 do art. 830º CC que: “Entende-se haver convenção em contrário, se existir sinal ou tiver sido fixada uma pena para o caso de não cumprimento da promessa”. Estamos face a uma presunção iuris tantum da lei, que considera o sinal como um sinal penitencial. Anote-se que - o que não é o caso sub judice - o direito à execução específica não pode ser afastado pelas partes “nas promessas a que se refere o nº 3 do artº 410º” do CC (nº 3 do artº 830º). À supra aludida presunção acresce a estabelecida no art. 441º CC, nos temos do qual presume-se, embora relativamente, que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço. Sendo uma presunção relativa, nos termos do nº 2 do art. 350º CC, pode se ilidida mediante prova em contrário. Ora, no caso dos autos os apelantes/promitentes compradores não só entregaram determinadas quantias aos promitentes vendedores logo aquando da outorga dos contratos promessa - quantias essas que nos termos do art. 441º CC se presumem constituir sinal -, como até já pagaram a totalidade do preço dos lotes. Nestes termos, vejamos se os autores/apelantes podiam recorrer à execução específica (art. 830º, nº 2 e 441º CC). Cremos que sim-- ao contrário do sentenciado. Não há dúvida que nas situações previstas no nº 3 do artº 830º, aquelas que se acham enunciadas no artº 410º, nº3 do CC, o sinal tem a natureza confirmatório-penal, deixando de consubstanciar cláusula excluidora da execução forçada da obrigação de contratar. Mas será que na situação sub judice o sinal prestado pelos apelantes configura tal cláusula a excluir a execução forçada da obrigação de contratar (a execução específica)? Em regra, como resulta da lei, no contrato-promessa o sinal abandona, no seu regime regra, o recorte confirmatório-penal, que é, e deve ser, o seu, para, por força da presunção do nº 2 do artº 830º, adquirir natureza penitencial [Mota Pinto, Direito das Obrigações, Sumários das lições ao 3º Ano Jurídico de 1971-1972, a pág. 72, escreve que o sinal “é uma espécie de compra do direito ao arrependimento”]. Digamos que o sinal passa a ter aqui o sentido de preço do arrependimento de qualquer dos contraentes: o contraente que não queira cumprir fica somente sujeito à sanção de perder o sinal prestado ou de entregar o dobro do sinal recebido, não restando à contraparte qualquer outra alternativa de reacção, afastada que está a execução específica. Ana Coimbra [O Sinal. Conceito e regime no ordenamento jurídico actual, texto policopiado, Lisboa, Outubro de 1988, a págs. 68-69], ao analisar a hipótese de o sinal, por disposição legal presuntiva, ter natureza penitencial, qualifica-a de “especial, porque cingida ao contrato-promessa” e de “substanciamente excepcional porque de sentido oposto à consequência de ordem geral”, pois “resulta claramente que o sinal não obsta, em regra, à execução específica, por uma parte do teor de disposição legal respeitante ao sinal em geral (artº 442º-1 e 2, 1ªparte), por outra, da sede legal da execução específica dos contratos (arts. 827º e seguintes), cujo silêncio sobre a existência ou não de sinal tem de considerar-se eloquente”; a estes adita a autora “o argumento de analogia retirado do artº 811º, nº2”: proibindo-se aí “que o credor exija cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal”, Ana Coimbra afirma que esta proibição torna “legítimo - até obrigatório - concluir a permissão da exigência alternativa”. Como referem os apelantes, também a Calvão da Silva-- um dos artífices do D.L. 379/86, in “Sinal e Contrato Promessa” Coimbra 1988, pág. 100--, não parece ser o melhor entendimento o de que a existência de sinal faz presumir convenção contrária à execução específica. “Em primeiro lugar, porque um direito de arrependimento, “jus poenitendi ou Reurecht”, não se coaduna com os princípios fundamentais do nosso direito das obrigações, como são o pacta sunt servanda e a irrenunciabilidade prévia ao direito de exigir o cumprimento das obrigações (artº 809)”. Em segundo lugar, porque no contrato-promessa já se admite como regra a possibilidade de as partes convencionarem a exclusão da execução específica, num claro desvio ao regime geral do artº 809. Consequentemente, se os promitentes querem reservar o “droit de repentir” ou o direito de recesso, que manifestem vontade inequívoca nesse sentido. Não o fazendo, não se nos afigura boa regra ver no sinal uma presunção de “ius poenitendi” direito que, sendo de si “excepcional” e “anormal” no nosso sistema jurídico, só por prova da sua estipulação inequívoca, a fazer pela parte que o invoca, devia poder existir. Assim, quando o sinal tenha sido constituído ainda a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço traduzirá por regra uma vontade de sinal confirmatório em conformidade com o início do cumprimento do contrato expressamente querido.” A fls. 101, acrescenta: “Primeiro, a execução específica está adquirida como grande princípio, do mesmo modo que o cumprimento é princípio primário, natural e lógico, reconhecendo-se carácter subsidiário e residual à reparação do dano e execução por equivalente, Segundo, reivindica-se a extensão do artº 830º; a aplicação do seu perímetro, de sorte que a execução específica, se aplique a outras situações e efective a obrigação de emitir uma declaração de vontade fora do domínio do contrato promessa. Terceiro, está adquirida por toda a parte a regra do sinal confirmatório”. Veja-se, a este propósito, o Ac. do STJ citado nas alegações, a fls. 574 (recurso nº 085985), a referir que, face ao estabelecido no nº 1 do artº 830 do C.C. com redacção introduzida pelo D.L. 336/80, o contrato promessa de compra e venda de prédios rústicos ou urbanos para habitação ou de fracção autónoma, cujo incumprimento foi invocado como causa de pedir, pode ser objecto de execução específica, ainda que tivesse existido sinal. In casu, efectivamente, o que os autores compraram foi lotes inscritos na matriz urbana, prédios urbanos, que tinham como fim a construção de habitação. Não vemos, assim, razão para afastar a execução específica dos contratos-promessa. Uma coisa, porém, é certa: sendo certo que se estabelece no nº 2 do artº 830º CC a presunção de que o sinal constitui “convenção em contrário” da possibilidade de recurso à execução específica, e estando-se em face de presunção iuris tantum [Que a regra interpretativa da vontade das partes, recebida no nº 2 do artº 830º, consagra uma simples presunção iuris tantum, logo ilidível, nos termos do artº 350º, nº2 do CC, dizem-no, entre muitos outros, Mário Júlio Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª ed., pág. 332 e Antunes Varela e Henrique Mesquita, RLJ, Ano 126º, p. 310], obviamente que sempre era possível aos Autores/outorgantes fazer a prova de que, não obstante a existência do sinal, não pretenderam afastar a aludida exigência alternativa (execução específica do contrato-promessa), ut artº 350º, nº2, CC. Dito de outra forma: a existência de sinal constitui uma simples presunção iuris tantum, que, como tal, não se aplica sempre que as partes, não obstante a entrega de um sinal-- ou a estipulação de uma pena para o caso de não cumprimento--, queiram manter o direito à execução específica - isto é, sempre que as partes não pretendam atribuir ao sinal o sentido de arras penitenciais [Sobre as duas funções que o sinal pode desempenhar - função meramente confirmatória do contrato (arras confirmatórias) ou função penitencial (arras penitenciais), vide, por todos, Vaz Serra, Resolução do contrato, no Bol. M. J., nº 68º, págs. 258 e segs.]. DO AFASTAMENTO DA PRESUNÇÃO DE SINAL Pergunta-se, então, se, face à matéria de facto provada, é legítimo concluir que foi ilidida (pelos autores apelantes - a quem tal interessa, ut artsº 342º e 344º, do CC) a aludida presunção. Ou seja, será que dos factos provados se pode concluir que jamais foi intenção das partes, ao estipular o sinal, afastar a execução específica dos contratos-promessa? Parece-nos claramente que sim. Efectivamente, todos os factos apontam no sentido de que sempre foi intenção das partes - designadamente, e de forma especial, dos réus - o cumprimento efectivo das promessas de compra e venda dos lotes de terreno (para construção). Aliás, só assim se compreende que, por um lado, tenham os autores liquidado a totalidade do preço, e, por outro, que (já há vários anos) tenha havido tradição para os promitentes-compradores dos terrenos prometidos vender, os quais por estes foram cultivados, vedados, tendo mesmo sido o Autor D..................... a receber a indemnização devida pela instalação no lote de um poste de condução de energia eléctrica. Mas há mais: O preço integral dos lotes foi pago há cerca de 8 a 9 antes da instauração da presente acção. E só com a contestação é que vêm os réus insurgir-se contra a execução específica dos contratos! É evidente que as escrituras definitivas só não tiveram lugar porque os réus se desentenderam e encetaram um processo de divórcio, com a subsequente separação do património conjugal, do qual faziam parte os lotes ora em questão. Até então nenhum dos réus se preocupou em não cumprir os contratos, não tendo, durante esses muitos anos, havido indício de que fosse vontade de qualquer das partes incumprir os contratos promessa. Portanto, razão assiste aos apelantes quando, nas suas alegações, referem que “tudo é indício ou mais, certeza, que todos iam honrar as promessas, o que só não aconteceu por desinteligência entre os 1º e 2ª RR., ao qual os AA são alheios”. Saliente-se, a respeito da exclusão da execução específica, que em Itália a doutrina entende-- e bem, a nosso ver-- que a “exclusão, para que o juiz a possa ter em consideração, deve resultar expressis verbis ou, de qualquer modo, da inequívoca vontade das partes emergente claramente do título. Não seria suficiente, para tal fim, uma mera referência das partes à responsabilidade por danos, nem a inserção no título de uma cláusula penal” [Francesco D. Busnelli, Della Tutela dei Diritti, in Commentario del Codice Civile della UTET, Libro VI, Tomo quarto (artº 2900-2969), Torino, sem data, a pág. 361]. Sobre a exclusão convencional da execução específica, pode ver-se Almeida Costa, in RLJ, Ano 117, nº 3718, a pág. 22. Criticando a solução legal da presunção repristinada pelo nº 2 do artº 830º CC, na sua nova redacção, vemos, além de J. Calvão da Silva - “Cumprimento e sanção pecuniária compulsória”, a pág. 320; idem, “Sinal e contrato-promessa”, a págs. 99-102--, Pinto Monteiro, “Cláusula Penal e indemnização”, a págs. 181-182. Congratulando-se com ela, vemos A. Varela, Sobre o contrato-promessa, a págs. 158-160. A respeito da tradição da coisa, considerada generalizadamente como um factor de estabilização do negócio, temos por certo que esse simples facto é um elemento determinante da elisão da presunção contida no artº 830º. Vimos que a presunção repristinada pelo artº 830º, nº2, é - como já antes acontecia - uma presunção iuris tantum. Ora, é nosso entendimento que a aludida tradição da coisa prometida vender constituiu, in casu, por si só, uma elisão da aludida presunção. Efectivamente, se, como escreve, v.g., Antunes Varela, tal antecipação dos efeitos do contrato prometido constitui uma “forte expectativa de estabilização do negócio” [Das Obrigações em Geral, Vol. I, 5ª ed., págs. 312-313], então por si só bastante para significar que os contraentes jamais pretenderam com a prestação do sinal salvaguardar a possibilidade de um lícito e discricionário arrependimento, isto é, para demonstrar que o sinal não tem o sentido convencional de exclusão da execução forçada [No sentido de que “a existência de traditio, em certas promessas sinalizadas, é um indício evidente de afastamento da presunção estabelecida no nº 2 do arº 830º”, J. C. Brandão Proença, Do incumprimento do contrato-prpomessa bilateral..., a págs. 29 e 53]. Cremos, de facto, que, tendo havido entrega da coisa - a que acresce o pagamento da totalidade de preço (cremos que bastaria, aliás, o pagamento duma parte substancial)--, tal significa ter havido a manifestação de uma vontade firme de contratar, o que é suficiente para se ter por elidida a presunção do carácter precário das promessas. Mas se isto não bastasse, sempre tal elisão se tinha necessariamente que ter por feita face ao conjunto de circunstâncias e indícios, retratados na factualidade provada, resultantes do comportamento das partes (maxime dos réus) aquando da outorga dos contratos promessa e sucessivamente à sua conclusão. De salientar também o entendimento de Brandão Proença [Do incumprimento do contrato-promessa bilateral, págs. 54-55], que sustenta “uma extensão teleológica” do preceito (e também da sua segunda parte), quanto mais não seja recorrendo ao argumento a pari”, por forma a abranger as “promessas (maxime de alienação de prédios rústicos ou de arrendamentos de prédios urbanos) que correspondem a interesses definitivos e são, frequentemente, acompanhadas de cláusulas de tradição ou do pagamento quase total do preço (da alienação)”. A respeito da tradição da coisa como indício de admissão da execução específica, já esta Relação se pronunciou, como bem salientam os apelantes. Assim, pode ver-se, v.g., o Ac. de 14.05.1998, sumariado no Bol. M.J nº 477º, a pág. 564, nos seguintes termos: “I - A execução específica, tendo como pressuposto a não realização da prestação no vencimento da obrigação por causa imputada ao demandando e a subsistência do interesse do demandante são compatíveis com a mora. II - O pagamento de sinal de elevado montante e a tradição da posse traduzem propósito de tomar firme o contrato promessa, constituindo indícios sintomáticos de admissão da execução específica, apesar da existência de sinal, ilidindo assim, a presunção do artº 830 nº 2 do Código Civil.” - o negrito é da nossa autoria. Ora, no caso presente não foi apenas pago sinal de “elevado montante”, mas pagou-se mesmo a totalidade do preço - assaz elevada, aliás. O que, conjugado com os demais factos provados, já supra referidos e salientados, conduz a um claro afastamento daquela presunção, pois denotam, sem dúvida para nós, salvo sempre o devido respeito, que a vontade das partes era honrar as promessas feitas, cumprindo os contratos (livremente) celebrados - pacta sunt servanda--, com a outorga das escrituras definitivas de compra e venda dos lotes de terreno (para construção). Temos, assim, como seguro que os autores Autores/apelantes elidiram a presunção de que com a entrega de sinal quiseram as partes afastar o direito à execução específica dos contratos-promessa. DA BOA FÉ CONTRATUAL: Mas a igual resultado chegaríamos por aplicação do princípio da boa fé contratual. Efectivamente, temos como seguro que neste domínio não pode deixar de ser feito um apelo à boa fé - desde logo, aliás, se atendermos que, em regra, há uma debilidade negocial na posição do promitente comprador, a sugerir a protecção da sua posição. É mais que evidente resultar claro dos factos provados que, pelo menos até ao desentendimento dos réus, as partes sempre quiseram cumprir os contratos-promessa. E mais vidente é, ainda, que os autores só procederam à entrega aos réus dos montantes totais acordados como preço dos lotes e os passaram a possuir, cultivando os lotes, vedando-os, etc., porque estavam absolutamente crentes que os contratos seriam respeitados, com a celebração das competentes escrituras definitivas. Outra coisa não parece resultar dos factos provados - não vemos que o contrário possa ter passado pela cabeça de quem quer que fosse nas específicas circunstâncias relatadas na factualidade dada como provada. Confiou-se, assim, em especial os autores, na bondade ou boa intenção recíproca. Isto é, agiram de boa fé. E, como é sabido, a boa fé está presente tanto na preparação como na formação do contrato (artº 227º do Cód. Civil ), como, também, no cumprimento das obrigações e no exercício do direito correspondente (artº 667º do mesmo Código). É um princípio que constitui uma trave mestra, certa e segura da nossa ordem jurídica, vivificando-a por forma a dar solução a toda a gama de problemas de cooperação social que ela visa resolver no campo obrigacional - princípio, é certo, que deve ser observado com as restrições apontadas por Salvatore Romano, “Enciclopédia Del Diritto”, Milão, 1959,-“Buona Fede”, págs. 667 e segs. Ver, ainda, A Boa Fé nos Contratos, de Armando Torres Paulo, pág. 124 e A Boa Fé no Direito Comercial, in Temas de Direito Comercial, Conferência no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, págs. 177 e segs.; Baptista Machado, Obras Dispersas, Vol. I. Assim sendo, atentos os factos provados, afastar aos autores a possibilidade de execução específica dos contratos promessa, seria uma clara afronta à boa fé que, quer na celebração dos contratos, quer nas diligênncias subsequentes, seguramente esteve presente nas suas mentes e condutas. Assiste, como tal, aos autores/apelantes o direito à execução específica dos contratos-promessa sub judice. Como tal, procedem, nesta medida, as conclusões das alegações da apelação. ****** - Quanto às questões suscitadas pela apelada, na “ampliação do âmbito do recurso”, quais sejam: - Se, tendo sido revogada a procuração que a ex-mulher do réu lhe passara, a acção tinha que improceder por o réu F.......... não poder outorgar por si, individualmente, os contratos promessa, já que respeitavam a bens comuns do casal; - Se a improcedência da acção sempre se impunha, uma vez que quando a acção foi instaurada já os lotes eram propriedade exclusiva da recorrida por lhe haverem sido adjudicados em inventário judicial; - Se há falta de fundamentação da decisão de facto (nulidade da sentença), bem assim contradições na matéria de facto, dir-se-á o seguinte: Obviamente que, face ao desfecho do recurso dos autores, tem a apelada interesse em que sejam apreciadas as aludidas questões que, portanto, a título subsidiário, suscitou. Vejamos, pois. - Quanto à falta de fundamentação da decisão de facto: Não tem razão a apelada. Preceitua o artº 653º, nº2, do CPC, sobre o julgamento da matéria de facto, que: «...........; a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador» Esta redacção resultou da alteração introduzida pelo D.L. 139/95 de 15/02. obrigando agora o tribunal a fundamentar tanto as respostas positivas como as negativas, como ainda a especificar os fundamentos decisivos para a decisão. Sobre esta questão da fundamentação, muito se tem escrito, em especial na doutrina. Assim, Pessoa Vaz, Dir. Proc. Civil - Do Antigo ao Novo Código, 1998, pág. 211, retirada da anotação 14 ao art. 158º do CPC, em CPC Anotado de Abílio Neto, 16ª Edição, refere que o dever de fundamentação de decisões constituirá um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, sendo mesmo um contributo importante para o exercício desse poder, que é o dever de dizer o direito no caso concreto, e é, então, uma garantia do respeito pelos tribunais dos princípios da legalidade, independência dos juizes e da imparcialidade das suas decisões. Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo civil, vol. II, pág. 228, escreveu que “O cumprimento da determinação legal em vigor constitui tarefa cuja execução se não revela fácil, uma vez que na formação da convicção dos juizes que integram o tribunal não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis. Os juizes não estão imunes à intervenção de factores de difícil percepção, situados na zona do inconsciente ou do subconsciente". Acrescenta ainda Abranches Geraldes (ob. citada, pág. 240), que “... determinando a norma jurídica que o juiz faça uma análise crítica das provas produzidas (expressão que já estava prevista, no que concerne à sentença, no art. 659º nº 3) e que especifique os fundamentos decisivos para a sua convicção, deve ser posto definitivamente de parte o método (ou o "expediente") frequentemente utilizado de apresentar como fundamentação, os simples meios de prova, v. g. "os depoimentos prestados pelas testemunhas e a inspecção ao local". Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, págs. 348, diz, por sua vez, que “o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão, fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente” O Cons. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC. vol. III, ed. de 2001, em anotação ao artigo 653º, diz que “... na fase das respostas, o que deve e pode exigir-se do julgador é a explicação das razões que objectivamente o determinaram a ter ou não por averiguado determinado facto”. Também a Lei Fundamental consagra no art. 205º, nº 1, que "As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei". A ratio do mencionado imperativo constitucional- o dever de fundamentar a convicção do tribunal - radica, em suma, no facto de permitir aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador, e das razões que levaram a que determinada prova tenha convencido o tribunal, bem como assegurando a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova. Aplicando os princípios e normativos supra enunciados ao caso subjudice, verifica-se (cfr. fls. 842 a 849) que o Tribunal "a quo" procedeu a uma correcta e quase exaustiva explicitação dos diversos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, quanto aos factos provados (e não provados), bem como à valoração desses mesmos meios de prova, explicando a relevância e a razão da credibilidade que mereceram por parte do julgador, de acordo com as regras da experiência comum, e a lógica do homem médio, e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova inserto no 655º, do CPC. Daqui que se possa dizer que a motivação expressa pelo Tribunal "a quo" é suficiente para habilitar os sujeitos processuais, bem como o Tribunal de recurso, a concluir que o julgador seguiu um processo lógico e racional na formação da sua convicção, desta não resultando uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou claramente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova. Repare-se que até em matéria penal - em princípio mais exigente, atendendo aos valores e/ou interesses em causa - a necessidade de fundamentação (cfr. artº 374º, n2, do CPP) não tem uma exigência superior à vertida no despacho a fundamentar a decisão da matéria de facto. Efectivamente, tal como decidiu o Ac. do STJ de 09/01/97, in CJ Acs. do STJ, V, Tomo 1, 172, “O art. 374º, nº 2, do CPP não exige a explicitação e valoração de cada meio de prova perante cada facto, mas tão-só uma exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção, não impondo a lei a menção das interferências indutivas levadas a cabo pelo tribunal ou dos critérios de valoração das provas e contraprovas”. No Ac. STJ de 24.06.99, in Proc. nº 457/99, da 3ª Secção, escreveu-se que o exame crítico da prova “consiste tão somente na indicação das razões que levaram a que determinada prova tenha convencido o Tribunal”. Tais razões cremos estarem suficientemente explanadas na fundamentação da decisão recorrida. Parece-nos que no caso sub judice, no fundo, o que a apelada faz é decorrer a invocada falta de fundamentação e de exame crítico de uma diferente apreciação da prova produzida em audiência, impugnando dessa forma a convicção assim adquirida e pondo em causa a regra da livre apreciação da prova que o artº 655º do CPC prevê. Só que isso é coisa bem diferente da que neste ponto apreciamos, reconduzindo-nos à questão (não sindicável, dada a ausência de gravação da prova) da errónea apreciação da prova. Não se ve, assim, qualquer falta de apreciação crítica das provas ou incumprimento do dever legal de fundamentação, não havendo, como tal, qualquer violação do estatuído nos normativos do CPC (maxime 653º, nº2, 655º e 712º, nº5) e da CRP. Diga-se, aliás, que nunca procederia a suscitada questão da falta de fundamentação uma vez que não vem, sequer, requerido o reenvio dos autos à 1ª instância para ser corrigido o apontado vício (cfr. artº 712º, nº5, CPC). E, lendo as respostas à matéria de facto, não vemos qualquer contradição nas mesmas. Improcede, assim, esta questão. - Quanto à outra questão suscitada: se, tendo sido revogada a procuração que a ex-mulher do réu lhe passara, a acção tinha que improceder por o réu F............. não poder outorgar por si, individualmente, os contratos promessa por respeitarem a bens comuns do casal. È manifesta a falta de razão da apelada. E é-o pela simples razão - que a apelada reconhece (cfr. fls. 586) - de que, se é certo que a procuração passada pela apelada a seu ex-marido, o 1º réu, foi revogada (ponto 30º da relação dos factos provado), provado ficou, também, que o 1º réu só em finais de Março de 1992 teve conhecimento dessa mesma revogação (cfr. ponto 35º da mesma relação dos factos provados- fls. 539). O que significa à data da outorga dos contratos promessa não havia revogação eficaz para os efeitos pretendidos pela apelada. Assim sendo, as consequências vêm bem plasmadas na sentença recorrida, quando se escreveu que “... contrariamente ao que afirma a ré, a procuração utilizada pelo réu para outorgar, em nome dela, os aludidos contratos promessa se encontrava em vigor”. Por outro lado, não se pode olvidar que, estipulando o nº 3 do artº 265º CC que “se a procuração tiver sido conferida também no interesse do procurador [ ... ] não pode ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa”, e sendo certo que a aludida procuração visava a celebração de contratos de que ambos os réus beneficiavam (cfr. pontos 12º, 13º e 28º da relação de factos provados), o 1º réu (F.........) tinha interesse obvio na celebração dos contratos a que a procuração se destinava. Eram idênticos os interesses entre o representante e a representada, o que afasta, naturalmente, a livre revogabilidade da referida procuração. O mesmo é dizer que a dita “revogação” da procuração, porque feita sem a anuência do réu F.........., não produziu efeitos. Daqui - como se escreveu na sentença recorrida -- “a afirmação de que ambos os contratos promessa celebrados com os autores o tenham sido em nome de ambos os réus”. Daqui que ambos sejam responsáveis pelas consequências deles emergentes. Assim se conclui pela falta de acerto da conclusão que a apelada extrai: de que a acção tinha que improceder uma vez que o réu F......... não podia outorgar por si, individualmente, os contratos promessa por respeitarem a bens comuns do casal. Improce, assim , esta questão. - Quanto à última questão suscitada: a improcedência da acção sempre se impunha, uma vez que quando a acção foi instaurada já os lotes eram propriedade exclusiva da recorrida por lhe haverem sido adjudicados em inventário judicial (assim não sendo possível a execução específica dos contratos promessa). Uma nota prévia se impõe. Como resulta do artº 684º-A, nº1, CPC, para que este tribunal de recurso possa conhecer da questão ora referida, é necessário que a mesma tenha sido um dos “fundamentos [...] da defesa” “em que a parte vencedora decaiu”. Antes de mais, não vemos como pode a apelada ter decaído no que tange à questão ora suscitada, uma vez que na sentença recorrida nem, sequer, foi apreciada tal questão, por não suscitada..., sequer. Compulsada a contestação, em conjugação com a sentença recorrida, não nos parece que a questão ora suscitada pela apelada se enquadre naquele pressuposto legal. Se é certo que nessa peça processual a apelada invocou, como fundamento (de excepção) para a improcedência da acção, a questão da revogação da procuração (cfr. arts. 1º a 5º), certo é, também, que não alegou como fundamento (igualmente de excepção) o facto que ora suscita: impossibilidade da execução específica visto que à data da acção os lotes eram propriedade sua por virtude da adjudicação havida em inventário judicial. O que já tanto bastaria para fazer cair por terra a presente pretensão da apelada - parece ser motivo bastante para nem, sequer, se conhecer da questão que suscita. No entanto, para o caso de se entender resultar do alegado no artº 6º, 1ª parte, da sua contestação que a apelada suscitou esta questão como “fundamento da ... defesa”, sempre se dirá o seguinte: É certo que no inventário subsequente ao divórcio dos réus os aludidos lotes foram adjudicados à ré. Mas não cremos que isso por si só seja impedimento à execução específica dos contratos promessa-- por cujo cumprimento ambos se responsabilizaram, dada a validade da procuração outorgada pela ré ao réu, então seu marido. Como foram demandados ambos os promitentes vendedores - que entretanto se divorciaram--, não vemos motivos para que a execução específica não possa ter lugar. Diz a apelada que por virtude da adjudicação que dos bens lhe foi feita, não é possível ao réu, “por si só intervir na escritura de venda de bens que já nem sequer eram comuns, mas só da requerida”. Mas o que se pretende é apenas suprir a declaração negocial dos faltosos, a qual ocorrerá por virtude da decisão judicial. E esta, como melhor se explicará, pode ocorrer, independentemente de, posteriormente aos contratos promessa validamente celebrados por ambos os cônjuges-- portanto a ambos vinculando, terem os bens objecto dos contratos cabido apenas a um dos (ex) cônjuges. A questão a decidir consiste, então, em saber se é possível a execução específica dos contratos promessa de compra e venda dos lotes adjudicados a um dos cônjuges em partilha subsequente ao divórcio, tendo os aludidos contratos promessa sido outorgados por ambos os cônjuges na vigência do matrimónio (veja-se a procuração emitida por um deles ao outro para tal efeito). Adiantamos, desde já, que a nossa resposta é positiva. Está, efectivamente, documentado nos autos que os lotes objecto dos supra referidos contratos promessa foram, no inventário para separação de meações requerido pela apelada G.............., adjudicados à requerente (cfr. fls. certidão de fls. 101 a 122 - em especial fls. 106 e 119). Pretendem, agora, os autores-- promitentes compradores desses lotes, que constituíam a verba nº 30 da relação de bens apresentada no inventário (fls. 106) - a execução específica dos contratos promessa. Vejamos, então, se tal é possível. Como é sabido, a execução específica é uma providência judicial que se destina a obter o cumprimento coercivo da obrigação de realizar determinado negócio jurídico, nos exactos termos em que foi convencionada ou em que a lei a impõe. Daí a designação de execução específica, por contraposição à execução por equivalente, que apenas proporciona ao credor a indemnização dos danos que o não cumprimento lhe causou. Daqui logo se deduz que caso o devedor não esteja em condições de cumprir a obrigação de alienar, porque se torna necessário o consentimento de outrem para a válida realização do contrato translativo prometido, é claro que o tribunal não pode decretar coercivamente o cumprimento, proferindo, nos termos do nº 1 do artº 830º do CC, uma «sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso”. Aplicando a conclusão acabada de tecer aos autos, diremos que, caso o contratos promessa dos lotes tivessem sido outorgados apenas por um dos cônjuges - tendo, como têm, por objecto um dos negócios referidos no artº 1682º-A do CC--, não seria possível, em princípio, a execução específica [Deve considerar-se inaplicável à promessa de venda de bens imóveis o disposto no art. 1682-A, nº1, do C.C. Assim, embora falte a um dos cônjuges legitimidade para a venda de bens imóveis, sem o consentimento do outro, é-lhe lícito realizar a respectiva promessa de venda (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª ed., pág. 337; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª ed, pág. 326; Galvão Teles, Direito das Obrigações, 6ª ed., pág. 109; Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, Vol. I, 2ª ed, pág. 389; Ac. S.T.J. de 26-10-98, Bol.390-404). É que o promitente não aliena e apenas se vincula a uma alienação possível objectivamente, quer dizer, em si mesma. O promitente responde se não cumprir, ainda que o facto se deva pura e simplesmente à recusa de consentimento do outro cônjuge], pois assim não sendo, sujeitar-se-ia o outro cônjuge a suportar os efeitos do negócio prometido. A não ser que a situação factual pudesse dispensar o consentimento do outro cônjuge (ver, entre outros, Sub Judice, Causas, nº 4, Outubro/Dezembro de 1996, a pág.s 105 ss). O mesmo valendo para o caso de promessa de venda de coisa comum ou de parte especificada dela, feita por um comproprietário sem o consentimento dos demais (ver artº 1408º CC). No caso presente o que acontece é que, por virtude da aludida procuração, os contratos promessa foram outorgados por ambos os cônjuges/réus. Acontece, porém, que a presente acção para execução específica dos contratos promessa foi instaurada após o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha havida no processo de inventário para separação das meações dos cônjuges. E, por força da adjudicação de bens ocorrida no inventário para separação das meações, quando os autores vêm requerer a execução específica dos contratos promessa dos lotes - estes celebrados na constância do matrimónio e, como dissemos, por ambos os cônjuges (a ambos vinculando, dada a validade da procuração à data dos mesmos, ut artº 265º, nº2, do CC)--, já esses prédios eram propriedade exclusiva de apenas um dos cônjuges. Não vemos, porém, que isso seja empecilho para a execução específica dos contratos promessa - até porque não se pode esquecer que, por acaso, os bens foram adjudicados a quem (também) se vinculou ao cumprimento de tal obrigação por via dos ditos contratos promessa. Continuemos. Com a dissolução do casamento, cessaram imediatamente as relações patrimoniais a que aquele dera lugar (artº 1688º CC), recebendo, então, os cônjuges - ou os seus herdeiros, em caso de morte de um dos cônjuges - os seus bens e a sua meação no património comum (artº 1689º, nº1 CC). Então deixa, v.g., de aplicar-se o estatuído no artº 1682º-A CC. A obrigação de realizar os contratos prometidos deixa, então, de estar sujeita aos preceitos que disciplinam as relações entre os cônjuges, passando a aplicar-se-lhes, pura e simplesmente, as regras respeitantes ao contrato promessa (arts. 410º e segs. e artº 830º, CC). Assim também, no caso de promessa de venda de coisa comum ou de parte especificada dela, feita apenas por um dos comproprietários, e no caso de promessa de venda de coisa alheia, a execução específica tornar-se-ia possível se o promitente-vendedor adquirisse, respectivamente, as quotas dos demais consortes ou a propriedade da coisa que se obrigou a alienar. Portanto, tendo-se qualquer dos (à data) cônjuges/réus obrigado a vender os lotes aos autores, não é pelo facto de, com o divórcio, terem cessado as relações patrimoniais entre eles que as promessas não tenham que ser cumpridas, permitindo-se aos autores/promitentes compradores efectivar a execução específica dos contratos promessa - assente, como vimos, que o facto de ter havido prestação de sinal não afastou tal execução específica. Não há dúvida que os contratos promessa, mesmo que fossem apenas subscritos por um dos cônjuges, era válido, já que a vinculação assumida pelo cônjuge era meramente obrigacional. Efectivamente, o "contrato-promessa" ou "contrato-promessa de contratar" ou de celebrar certo contrato é um contrato diferente do contrato que se promete fazer. Quer, no entanto, o contrato-promessa se entenda como "preliminar" ou "preparativo" do contrato que se quer celebrar ("Noções Fundamentais de Direito Civil, I/476, de A. Varela e Vaz Serra in RLJ n. 102 página 191), quer como um "verdadeiro contrato" - como realmente é, com vida e objectivo bem definidos -, quer já como uma primeira fase do contrato a celebrar - esta a ideia de Frederico de Castro (Da promessa de contrato, no Anuário de Derecho Civil, 1950, página 1172 e seguintes), ao considerar o contrato-promessa já como uma primeira fase do próprio contrato prometido -, não há dúvida que o contrato-promessa, enquanto diferente do contrato prometido, tende para um mesmo resultado final. O contrato-promessa ou contrato-promessa de contratar é um contrato, cujo objectivo é uma prestação de facto, de natureza obrigacional. Não equivale ao contrato prometido, é certo. Mas garante-o muitas vezes, não só pelas sanções estabelecidas para o contraente faltoso (artigo 442-2 do Código Civil), como também por em alguns casos - como ocorre no caso sub judice-- se poder obter a execução do mesmo nos termos do disposto no artigo 830-1 do Código Civil, cujo preceito é aplicável aos contratos-promessa em geral (Vasco Xavier, in Revista de Direito e Estudos Sociais, XXVII, página 21 e A. Varela in Das Obrigações em Geral, 2 edição, I/248) [Face ao disposto no artº 410º, nº 1 do CCivil, pelo contrato-promessa as partes tão só se obrigam a celebrar certo contrato e, consequentemente, por ele não se transmite ou adquire qualquer direito sobre o bem que possa vir a ser objecto do contrato (definitivo) prometido; na realidade, como afirma Inocêncio Galvão Teles (Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Actualizado, 4ª ed., pág. 209 e ss.) «… O contrato-promessa não produz os efeitos do contrato definitivo; apenas adstringe a celebrá-lo. Pela venda de coisa certa e determinada transfere-se a propriedade, ao passo que a promessa de venda não tem essa consequência. …», e, de igual forma, explicita Calvão da Silva (Sinal e Contrato-promessa, 8ª ed. Revista e Aumentada, pág. 17), «… mediante contrato-promessa, os contraentes preparam e garantem o contrato definitivo, o contrato final, que não podem ou não querem firmar de momento, por exemplo, por falta de dinheiro, …», e mais adiante «…o contrato-promessa é um verdadeiro contrato, distinto do negócio subsequente, em qualquer caso um contrato preliminar ou preparatório do negócio definitivo, um contrato de segurança ou de garantia do negócio prometido.» (sublinhado nosso). Daí que, atenta a mera natureza obrigacional do contrato-promessa, o promitente-comprador não adquire qualquer direito real (ou, sequer, direito real de aquisição) sobre o bem objecto do contrato, sendo até que o promitente-vendedor pode, até, vir a não cumprir o contrato-promessa ou a transmitir o objecto do contrato (definitivo) prometido a terceiro, não só não cumprindo como até impedindo a possível execução específica ]. Ora, não obstante a distinção a fazer entre contrato-promessa e contrato prometido, cremos nada obstar à execução específica dos ajuizados contratos promessa. Efectivamente, da mesma sorte que a morte do promitente vendedor não faz caducar o contrato promessa, pois os direitos e obrigações que resultam desse contrato, que não sejam exclusivamente pessoais, «transmitem-se aos sucessores” (artº 412º, nº1 CC), sendo certo que a obrigação assumida pelos réus de vender aos autores os lotes e correspondente direito de receber o preço convencionado-- que já receberam na totalidade! - não reveste carácter pessoal, antes assim se transmitindo por via sucessória), a dissolução do casamento por divórcio dos cônjuges igualmente não faz caducar os contratos promessa que (enquanto casados) validamente outorgaram. Assim sendo, tal como em caso de morte do promitente vendedor podia o promitente comprador demandar os herdeiros do promitente vendedor e requerer contra eles, enquanto sujeitos passivos da obrigação assumida pelo autor da herança, a execução específica do contrato-promessa, da mesma forma assiste aos autores o direito de requerer contra os réus (felizmente, ainda vivos) a execução específica dos contratos promessa que (ambos, aliás, e livremente) outorgaram. A obrigação assumida pelos ex-cônjuges - de realização dos contratos de compra e venda dos lotes - mantém-se após a dissolução do casamento. No fundo, é exactamente a mesma. Pelo que podem os autores - tal como o podiam antes do divórcio-- exigir o cumprimento das obrigações validamente assumidas. Decretado o divórcio - tal como em caso de ser decretada a separação judicial de pessoas e bens (esta não dissolve o casamento, mas produz os efeitos que produziria a dissolução, ut artº 1795º-A, fine, CC)--, os promitentes vendedores (ora réus) continuam vinculados aos contratos promessa e, se os não cumprirem, nada vemos que possa impedir o recurso à execução específica. A única diferença entre o caso de morte do promitente vendedor e a dissolução do casamento é apenas - como já resulta do acima exposto-- que no primeiro caso a acção tinha que ser instaurada contra os herdeiros do promitente-vendedor falecido (herdeiros do devedor originário) e no segundo caso a execução específica é pedida em acção instaurada directamente contra o promitente-- ou promitentes -- vendedor (es), ainda vivo(s). Nesta senda, já se escreveu no Ac. junto a fls. 384, citando Lopes Cardoso [Partilhas Judiciais, I, 4ª ed., pág. 431 e nota 1242], que “[.....]. Tratando-se, porém, de promessa de compra e venda passível de execução específica (Cód. Civil, artº 830º), deverá o cabeça-de-casal relacionar o objecto dela com expressa declaração deste circunstancialismo para oportunamente se possibilitar a respectiva execução independentemente de recurso aos meios judiciais”. O que reforça, portanto, a ideia, aqui sufragada, da possibilidade de recurso à execução específica por banda dos Autores/apelantes. Uma última nota: Não se diga que, tendo os bens sido adjudicados à ré mulher no dito inventário, a efectivação da venda aos autores, que a execução específica traduz, poderia consubstanciar uma redução da meação que naqueles autos recebeu. Antes de mais, cumpre dizer que mesmo que assim fosse, sempre teríamos uma situação para a qual, afinal, a ré mulher em muito (também) contribuiu. É que se provou (nºs 26 e 27º e 34º da relação dos factos provados) que: a ré mulher sabia que os lotes (11,15,16 e 17) “estavam pagos e vendidos aos Autores”; “na verba nº 10” da relação de bens que o 1º réu fizera no processo de inventário subsequente à partilha “aparecia os lotes dos Autores com a indicação que se encontravam vendidos e pagos, e que o dinheiro fora aplicado na compra dum andar para a filha”; “a 2ª ré tinha conhecimento da celebração, da identidade dos promitentes compradores e da existência de sinal recebido, quanto aos contratos de fls. 10 e 15”. Assim sendo, mais não devia fazer a ré mulher do que agir com prudência, acautelando, na partilha, a sua situação. No entanto, mesmo que o valor dos lotes fosse levado em conta na meação atribuída à ré mulher nas partilhas do património conjugal, o certo é que não vemos que a execução específica dos contratos promessa pudesse prejudicar de forma irremediável a ré mulher, já que sempre, então, lhe assistiria o direito de reclamar do outro ex-cônjuge (o 1º réu) o valor da metade dos lotes que, por essa via, sairia da meação daquela, sob pena de assistirmos a um enriquecimento ilegítimo do 1º réu. Aliás, sempre se pode acrescentar que, a não ser permitida a execução específica só pelo facto de os bens terem sido adjudicados a um dos cônjuges - no caso, recorde-se, ambos se obrigaram ao cumprimento das obrigações assumidas nos contratos promessa--, ou seja-- como pretende a apelada--, não sendo possível a execução específica pelo simples facto de os bens, à data da acção, já não pertencerem ao 1º cônjuge (que, como tal, não podia fazer a sua venda), isso não só traduziria uma injusta violência para com os promitentes compradores, como abriria a porta ao incumprimento de qualquer contrato promessa feito na constância do casamento: bastava que os cônjuges (quiçá ficticiamente) se divorciassem e adjudicassem apenas a um deles os bens objecto dos contratos promessa anteriormente celebrados. Ficariam completamente desprotegidos os promitentes compradores. O que, de forma alguma, se pode aceitar, e não está, como vimos, sustentado na letra (nem no espírito) na lei. Quod erat demonstrandum! Tudo simples, portanto, salvo sempre o devido respeito por diferente opinião. Daqui que também não assista razão à apelada nesta questão que, em sede de “ampliação do âmbito do recurso”, suscita. CONCLUINDO: - A execução específica do contrato promessa pode ter lugar, não só em caso de mora, mas também em situações de incumprimento definitivo, desde que o credor não tenha perdido o interesse na prestação. - A existência de sinal constitui uma simples presunção iuris tantum, que, como tal, não se aplica sempre que as partes, não obstante a entrega de um sinal -- ou a estipulação de uma pena para o caso de não cumprimento--, queiram manter o direito à execução específica - isto é, sempre que as partes não pretendam atribuir ao sinal o sentido de arras penitenciais. - A tradição da coisa (verdadeira antecipação dos efeitos do contrato prometido), tal como o pagamento da totalidade do preço, devem ser considerados como factores (ou forte expectativa), de estabilização do negócio e, como tal, elementos determinantes de admissão da execução específica, elidindo, assim a presunção contida no artº 830, nº2 do Cód. Civil. - Da mesma sorte que a morte do promitente vendedor não faz caducar o contrato promessa, pois os direitos e obrigações que resultam desse contrato, que não sejam exclusivamente pessoais, «transmitem-se aos sucessores” (artº 412º, nº1 CC), a dissolução do casamento por divórcio dos cônjuges igualmente não faz caducar os contratos promessa que (enquanto casados) validamente outorgaram. - Assim, tal como em caso de morte do promitente vendedor podia o promitente comprador demandar os herdeiros do promitente vendedor e requerer contra eles, enquanto sujeitos passivos da obrigação assumida pelo autor da herança, a execução específica do contrato-promessa, da mesma forma assiste aos promitentes-compradores o direito de requerer contra os cônjuges divorciados/promitentes-vendedores a execução específica dos contratos promessa que estes outorgaram. - É que, decretado o divórcio - tal como em caso de ser decretada a separação judicial de pessoas e bens--, os ex-cônjuges/promitentes vendedores continuam vinculados aos contratos promessa que outorgaram. - E isto, independentemente de os bens objecto desses contratos promessa terem sido adjudicados apenas a um dos ex-cônjuges no inventário para separação de meações. IV. DECISÃO: Termos em que acordam os Juizes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação, revogar a sentença recorrida, e julgar a acção procedente, por provada, em função do que declaram efectivada, por vontade destes, a compra pelos Autores B.................... e mulher C........................ e a venda pelos réus F................. e G..................... dos lotes 11 e 15, melhor identificados na petição inicial (fls. 8), bem assim a compra pelos Autores D........................ e mulher E.................... e a venda pelos mesmos réus F..................... e G......................... dos lotes 16 e 17, igualmente melhor identificados na petição inicial (fls. 8), cujo respectivo direito de propriedade é, por este modo, transferido para a esfera patrimonial dos Autores. Custas em ambas as instâncias a cargo dos réus/apelados. Porto, 20 de Janeiro de 2005 Fernando Baptista Oliveira José Manuel carvalho Ferraz Nuno Ângelo Raínho Ataíde das Neves |