Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3429/22.0T8STS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PROENÇA
Descritores: INVENTÁRIO
MOVIMENTAÇÃO DE CONTA BANCÁRIA
CRÉDITO DA HERANÇA
Nº do Documento: RP202510143429/22.0T8STS-A.P1
Data do Acordão: 10/14/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: As quantias movimentadas a débito de contas bancárias tituladas pela inventariada e por terceiro, antes do óbito, e integradas no património de terceiro não fazem parte do acervo hereditário. Para que essas quantias constituam crédito da herança é necessária a alegação e prova, cujo ónus impende sobre o herdeiro que se sinta lesado, de que essas quantias pertenciam à inventariada e de que a subtracção ao património daquela foi ilícita.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 3429/22.0T8STS-A.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Sumário:
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Em inventário a que se procede por óbito de AA, requerido por BB veio o cabeça-de-casal CC, ambos com os sinais dos autos, apresentar relação de bens, relacionando quanto aos direitos de crédito como verba n.º 1 uma conta de depósitos à ordem n.º ... do Banco 1..., da qual a inventariada era titular, com o saldo de € 68.247,30.
O requerente veio apresentar oposição à relação de bens, alegando, em síntese: Desconhece a existência dos créditos relacionados como, verba n.º 1 da relação de bens, sendo que para prova desse alegado direito de crédito o cabeça-de-casal juntou um extracto bancário de 30/09/2010, referente à conta de depósitos à ordem n.º ... do Banco 1..., da qual a inventariada era titular e a ela dirigido, bem como uma carta que lhe foi dirigida pela A... - Grupo B..., contendo a informação que as apólices de seguro ali mencionadas, foram reembolsadas por transferência para aquela conta bancária, por vencimento em 07/03/2011, a favor da pessoa segura e, ainda, uma outra carta envia pelo Banco 1..., datada de 13/01/2021, contendo cópia do último extracto daquela conta bancária, referente ao período de 01/03/2016 a 09/03/2018, que tinha sido dirigida à inventariada. Por esses documentos, verifica-se que os valores ali referidos, foram movimentados e recebidos pela inventariada em vida, isto é, antes de 28 de Maio de 2018, data do seu falecimento.
O cabeça de casal pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação, dizendo que a inventariada, em virtude da sua dependência, estava impossibilitada de levantar os fundos da verba n.º 1. que foram levantados pela mãe dos interessados, DD, ficando na posse de tais valores.
Foram realizadas as diligências probatórias solicitadas pelas partes, tendo sido determinada a notificação do Banco 1... para indicar quem procedeu ao levantamento dos Fundos de Investimento Carteira de Títulos “...”, constituída no Banco 1..., com o n º ..., no valor 2.625,57€, e as Carteiras de Seguros Poupança “...”, constituídas no mesmo banco, com as apólices nº ..., ..., ..., ..., ... e ..., no valor total de € 57.361,77, e ainda os correspondentes juros semestrais do período entre Setembro de 2005 a Março de 2011, no valor de € 8.259,96, no valor de € 68.247,30. Tendo aquela entidade bancária prestado as informações solicitadas e juntado, por insistência do cabeça de casal, extracto de conta de depósitos à ordem n.º ... referente ao período referente ao período de 01 de Março a 29 de Abril de 2011; Cheque nº ..., emitido em 31 de Março de 2011, no montante de €8.807,84; Cheque nº ..., emitido em 1 de Abril de 20111, no montante de €14.531,75.
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Realizada uma audiência prévia, a Mma. Juíza proferiu despacho nos seguintes termos:
Quanto aos alegados Créditos
Invoca o cabeça de casal a existência de direitos de crédito constituído por Fundos de Investimento no valor global de €68.247,30, alegando que tais montantes estão na posse da mãe do requerente.
O requerente pugna pela exclusão destes valores, por inexistência à data da morte da inventariada, factualidade que o cabeça de casal aceitou, alegando, contudo, que tais valores tiveram que ser levantados por outras pessoas porque a inventariada nos últimos anos de vida esteve incapaz de fazer esses levantamentos.
A questão que se suscita é desde logo processual, isto é, se esta matéria -a alegada movimentação de contas da inventariada em vida e de acordo com as informações dadas pelo Banco, ocorridas em 2011, podem ser esgrimidas no âmbito do processo de inventário.
Diz o cabeça de casal que sim, como reafirmou em sede de audiência prévia, diz o requerente que não.
Vejamos.
A reclamação à relação de bens, como se sabe, destina-se a acusar a falta de bens que devam ser relacionados, a requerer a exclusão de bens indevidamente relacionados por não fazerem parte do acervo a dividir, e a arguir qualquer inexactidão na descrição dos bens que seja relevante para a partilha.
No o inventário mortis causa o acervo hereditário corresponde ao conjunto de bens da respectiva herança no momento da morte do de cujus, os sub-rogados no lugar deles, o preço dos alienados e os adquiridos com dinheiro e valores da herança -artigos 2024º e 2025º, nº1, do Código Civil.
A herança da inventariada deverá então corresponder ao conjunto das relações jurídicas patrimoniais de que ele era titular ao tempo da sua morte, sendo objecto da sucessão e transmitindo-se aos seus sucessores, pelo que a relação de bens a que se reportam os autos deverá integrar os bens de que o inventariado era titular à data da abertura da sucessão.
Ora, conforme está assente, a inventariada faleceu em 28 de Maio de 2018, sendo que o cabeça de casal pretender alargar este processo de inventário à discussão das movimentações na conta da inventariada de valores em aplicações financeiras ocorridas em 2011, ou seja cerca de sete nos antes da morte da inventariada, o que, efectivamente, não é possível.
Na verdade, e sem prejuízo da faculdade e a até do dever que tem, enquanto cabeça de casal, de recuperar bens ou direitos que estejam na posse de terceiros e que no seu entendimento pertencem à herança, a verdade é que este não é meio processual adequado a apreciar tais questões.
Não há dúvida que o processo de inventário destina-se a partilhar os bens, direitos e passivo que existem na data da morte da inventariada, o que não ocorre com o invocado direito de crédito relacionado pelo cabeça de casal e que de acordo com os elementos bancários se relacionam com o ano 2011.
Face ao exposto e, sem outras considerações, face à simplicidade da questão, no que toca a esta parte, julga-se procedente a reclamação à relação de bens, devendo o cabeça de casal eliminar tais direitos de crédito da relação de bens uma vez que, como o próprio admite, já não existiam na titularidade da inventariada à data da sua morte.
Inconformado, interpõe o cabeça de casal recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
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O recorrido apresentou contra alegações, sustentando a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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Sendo pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a resolver consiste em saber se deve o dinheiro existente na conta bancária referenciada ser descrito como pertencendo à herança.
Os factos - e o teor do despacho judicial recorrido - a considerar são os constantes do relatório supra, que aqui se considera reproduzido.
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A relação de bens destina-se a inventariação dos bens deixados pelo de cujus, para posterior partilha pelos interessados.
O artigo 2024.º CC define sucessão como o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das situações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam. E de acordo com o n.º 1 do artigo 2025.º CC que não constituem objecto de sucessão as relações jurídicas que não devam extinguir-se por morte do respectivo titular, em razão da sua natureza ou por força da lei, acrescentando o n.º 2 que podem, porém, extinguir-se por morte do titular e por vontade deste os direitos disponíveis. A data da abertura da sucessão, nos termos do art.º 2031.º, do Código Civil, coincide com a morte.
Como escreveu Lopes Cardoso, (Partilhas Judiciais, vol. I, pgs. 426-7), no acervo hereditário compreendem-se todos os bens, direitos e obrigações que não sejam considerados intransmissíveis por sua natureza, por força da lei ou por vontade do autor da sucessão. Incumbindo ao cabeça-de-casal relacionar, no processo de inventário, todos os elementos do activo e passivo da herança, em conformidade com o disposto nos artigos 1097.º. n.º 3, al. c), 1098.º e 1102.º. n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil (CPC).
As quantias movimentadas a débito de contas bancárias tituladas pela inventariada e por terceiro, em regime de solidariedade, antes do óbito, e integradas no património de terceiro não fazem parte do acervo hereditário. Para que essas quantias constituam crédito da herança é necessária a alegação e prova, cujo ónus impende sobre o herdeiro que se sinta lesado, de que essas quantias pertenciam à inventariada e de que a subtracção ao património daquela foi ilícita, como se entendeu no Acórdão desta Relação do Porto e secção de 25-03-2025 (Proc.º 238/21.7T8CPV-A.P1, Rel. Des. Márcia Portela). No mesmo sentido se decidiu no Acórdão da Relação de Guimarães de 06-10-2016 (Proc.º956/13.3TBBCL-A.G1, ambos in dgsi.pt).
Ora, o recorrente não provou que DD se tivesse apropriado ilicitamente dos valores depositados na conta em referência, ou que tal deva legalmente presumir-se.
Em face do exposto, improcede o recurso, devendo manter-se inalterada a douta decisão recorrida.

Decisão

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação julgar improcedente a apelação interposta e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo oa apelante.

Porto, 14/10/2025
João Proença
Pinto dos Santos
Alberto Taveira