Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | MADEIRA PINTO | ||
| Descritores: | INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CADUCIDADE ABUSO DE DIREITO | ||
| Nº do Documento: | RP201805106554/15.0T8MAI.P1 | ||
| Data do Acordão: | 05/10/2018 | ||
| Votação: | MAIORIA COM 2 DEC VOT | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 133, FLS 72/81) | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Face aos factos essenciais articulados pelo autor na petição inicial, que constituem a causa de pedir e ao pedido formulado, enquanto direito que o autor pretende ver declarado pelo Tribunal- artºs 2º, nº 2, 3º, nº1 5º, nº1, 10º, nºs 1 e 2, al. c) e 552. Nº 1, al. d) e e), do NCPC – esta acção configura-se como declarativa de investigação da paternidade, intentada pelo autor, maior, com a maternidade já estabelecida e registada no respectivo Assento de nascimento, de acordo com o disposto no artº 1869º do Código Civil de 1966, na redacção do DL nº 496/77, de 25.11. II - É aplicável (com a devida adaptação) ex vi art.º 1873.º do mesmo diploma legal, o disposto no artº 1817.º do Código Civil, na redacção dada pelo artº 1º da Lei nº 14/2009, de 01.04, entrada em vigor no dia seguinte (artº 2º) que prescreve: “1 - A acção de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação”. III - Na presente acção o autor não invocou quaisquer factos, em sede de causa de pedir, integrantes das situações excepcionais previstas no nº 3 da referida norma legal. IV - Entendemos que o prazo fixado para o efeito pela Lei nº 14/2009, de 01.04, é um prazo razoável para o exercício do direito a ver reconhecido o direito à filiação biológica, enquanto vertente do direito à identidade e do direito a constituir família, constitucionalmente consagrados nos artº 26º, nº 1 e 36º, nº 1, da CRP de 1976, não havendo in casu lugar à aplicação de qualquer das previsões das alíneas do nº 3 do artº 1817.º, nº 1, do Código Civil, na redacção dada pelo artº 1º da Lei nº 14/2009, de 01.04, pelas razões expressas no douto Acórdão do Tribunal Constitucional nº 401/2011, de 22.09.2011, in DR, 2ª Série, de 03.11.2011. V - Mesmo que assim não fosse, ou seja a situação in casu não importasse caducidade do direito de acção do autor, cremos que se deve fazer intervir a figura do abuso do direito – art. 334º do Código Civil – para paralisar a pretensão exercida. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº 6554/15.0T8MAI.P1 Relator: Madeira Pinto Adjuntos: Carlos Portela José Manuel Araújo de Barros * Sumário:......................................................... ......................................................... ......................................................... * I- RELATÓRIO:B... intentou em 27.10.2015 a presente acção declarativa para investigação de paternidade, com processo comum, na Secção Cível da Instância Local da Maia, Comarca do Porto, contra C..., pedindo que seja declarado que o réu é o seu pai e que aquele seja condenado a reconhecê-lo como tal, com o respectivo averbamento desta paternidade no assento de nascimento. Alegou, em síntese que, nasceu em 18 de Outubro de 1965 e que, apesar de ter sido registado apenas como filho de D..., conforme assento de nascimento de 10.04.2008, que junta sob documento 1, também é filho do réu, em virtude de a mãe e o réu terem mantido relação de namoro e de intimidade iniciada em inícios de 1964 e até Agosto de 1965, conhecida dos amigos e conhecidos do autor, com relações sexuais de cópula completa, vindo a mãe a engravidar e a dar à luz o autor. Mais alegou que, durante os primeiros 120 dias dos 300 que antecederam o seu nascimento, a mãe só manteve relações sexuais de cópula completa com o réu. Regularmente citado o réu contestou onde, para além da excepção de incompetência material do tribunal, impugnou a factualidade invocada na petição, negando quer a paternidade do autor quer a existência de relações sexuais com a mãe dele e que não conhece o autor ou a sua mãe. Mais alega que é casado e pai de dois filhos, tendo completado 75 anos, padece de graves problemas de saúde e que ele e a sua esposa sentem angústia e aflição com a presente acção. Concluiu pela improcedência do pedido. Por despacho de 18.02.2016, de fls. 35/36, foi julgada procedente a excepção de incompetência material da Secção Cível, Instância Local da Maia e, mediante requerimento do autor de 19.02.2016, por despacho de 17.03.2016, os autos foram remetidos e distribuídos à 3ª Secção de Família e Menores da Instância Central de Matosinhos, Comarca do Porto. Prosseguiram os autos com a prolação de despacho que dispensou a audiência prévia, seguido de despacho saneador, com a fixação, como objecto do litígio, da paternidade do réu em relação ao autor e, como tema da prova, saber se o autor é filho biológico do réu. Não houve reclamação alguma. Apesar de judicialmente ordenada pelo despacho de 16.04.2016, a realização de perícia médico-legal mediante exames hematológicos nas pessoas do autor, da mãe e do réu, requerida pelo autor na petição inicial, este nunca compareceu nas várias datas designadas. Foi proferido despacho judicial em 18.10.2016, que designou data para a audiência de julgamento, sem a realização dos referidos exames por entender que o réu revelava processualmente que a ele não se queria sujeitar, sem prejuízo do contraditório em relação ao autor. Este, por requerimento de 28.10.2016, veio dizer nada ter a opor a esse entendimento judicial. Pelo despacho judicial de 05.12.2016 foi deferido o requerimento do réu de 22.11.2016 e oficiado à Conservatória do registo Civil de Gondomar para informar se no assento de nascimento do autor, com o nº ..../1965, consta o registo de acção de averiguação oficiosa da paternidade do autor. De fls 131 a 135 consta a certidão do assento de nascimento do autor e certidão da sentença de 14.07.1967, transitada em julgado em 01.08.1967, que declarou que o autor não é filho de E..., casado, e que naquele assento de nascimento figurava como seu pai legítimo, tendo sido averbado no respectivo assento de nascimento, em 25.08.1967, que, por aquela sentença, o autor foi declarado filho ilegítimo de pai incógnito. Em 20.04.2017 concluiu-se a audiência de julgamento, vindo depois a ser proferida sentença, em 08.05.2017, que julgou a acção procedente e: a) declarou que o autor B... é filho do réu C...; b) ordenou o averbamento desta paternidade, no assento de nascimento do autor; c) ordenou a comunicação à Conservatória do Registo Civil Competente, da decisão ora proferida, após trânsito, por meio de certidão. Na sentença recorrida foi considerado que resultaram provados os seguintes factos, com relevância para a decisão a proferir: 1– O autor nasceu a 18 de Outubro de 1965. 2– Tendo apenas sido registado como filho de D..., sua mãe. 3– Não existiam entre o autor e o réu relações de parentesco ou de afinidade. 4– A mãe do autor e o réu conheceram-se em data não concretamente apurada do ano de 1964, tendo iniciado uma relação de intimidade. 5– Relacionamento esse que culminou em relações sexuais de cópula completa entre a mãe do autor e o réu. 6– Esta relação de índole amorosa foi vivida de forma regular e assídua entre aqueles até data não concretamente apurada, vindo a mãe do autor a ter conhecimento que o réu era casado. 7– Os amigos e conhecidos da mãe do autor tinham conhecimento da relação entre esta e o réu. 8– Durante os primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do autor, a sua mãe só manteve relações sexuais de cópula completa com o réu. 9– Em consequência dessas relações sexuais, a mãe do autor engravidou e posteriormente deu à luz o autor. 10– O réu nega a paternidade do autor. 11– Em inícios de 1964 o réu era casado desde 11.05.1958 e pai de dois filhos. 12– Em 1964 e 1965, a mãe do autor era casada com E.... 13– À data da propositura da acção, o réu tinha 75 anos de idade. * Não se provou que:1. Foi, concretamente, em Agosto de 1965 que a mãe do autor teve conhecimento que o réu era casado. 2. O réu ignora quem sejam, onde moram, e o que fazem o autor e a sua mãe D.... 3. O réu não é o pai do autor. 4. O réu nunca manteve relações sexuais fora do casamento, designadamente, com a mãe do autor. 5. Se a mãe do autor engravidou, tal facto não foi concretizado em consequência de relações sexuais com o réu mas antes com outro parceiro. 6. O réu, até à data, nunca tinha ouvido falar sobre a existência do autor ou da sua mãe. 7. O réu padece de graves problemas de saúde, designadamente, problemas cardíacos. 8. O réu tem sentido angústia e aflição com a presente acção, partilhada com a sua esposa. * Desta sentença foi interposto o presente recurso pelo réu onde apresenta as seguintes CONCLUSÕES:1-Desde logo põe-se uma questão prévia relativa à gravação efectuada em suporte digital, quanto ao depoimento da Testemunha F..., na sessão de audiência de 21/03/2017- Registo 00:00:01 a 00:34:47 é inaudível e imperceptível, razão pela qual o depoimento aí gravado se torna insusceptível de ser objecto de reapreciação pelo Tribunal de recurso e o ora recorrente se encontra limitado de dar cumprimento ao estabelecido no Art. 640.º e segs do C P Civil, no que respeita ao depoimento desta testemunha. II. É impossível a audição do referido depoimento, o que impede a sua valoração em sede de Recurso e comparação com o depoimento prestado pela 1ª. testemunha G.... III. A impercetibilidade do registo digital dos depoimentos da testemunha equivale à omissão de um acto que a Lei prescreve que tem influência no exame e na decisão da causa, impedindo, o cumprimento do disposto no art. 640.º e segs do C P Civil. IV. A imperceptibilidade do registo da prova, produz nulidade, face ao disposto no artigo Art. 195, n.º 1 do CPC. V. Em causa nos autos está uma investigação de paternidade, prevista no art. 1869º do Código Civil. VI. No decurso da acção a requerimento do Autor/ Recorrido foi ordenada a submissão pelo Réu a exames hematológicos a que este se recusou sendo a referida recusa “…em se submeter a exames hematológicos, considerada judicialmente injustificada, como neste caso, terá de ser penalizada com a inversão do ónus da prova em conformidade com o preceituado no art. 344°, n.º 2, do CC.” VII. “E, assim sendo, presumindo-se a paternidade do réu, transfere-se para este "iure constituendo", o ónus de demonstrar que não é o pai…” VIII. Nesta senda, o douto Tribunal recorrido concluiu pela procedência da acção, pela impossibilidade de fazer prova de um facto negativo que o Ora Recorrente, não consegue – aliás, ninguém consegue – fazer a prova impossível. IX. Ora finda a audiência, após a audição das testemunhas o Tribunal recorrido deu por provados os factos que a seguir se enunciam: (Já constam acima no relatório, pelo que não os vamos aqui repetir.) X. No entanto, em nosso entender, pela análise da Fundamentação de Facto referida na douta sentença (constante dos nºs. 2 a 9), deveria ter sido ser outra a Fundamentação de direito e consequente decisão. XI. Atenta a prova documental e testemunhal produzida no seu todo, exigir-se-ia, uma outra solução, pois que, no entender do ora Recorrente é abundante a prova produzida no sentido inverso. XII. Como corolário do exposto manifesta-se de elevada relevância com importância para decisão, o facto de ter sido dado por provado que “2- Tendo apenas sido registado como filho de D..., sua mãe”. XIII. Na realidade por certidão de fls. 133 dos autos, constata-se que o Autor/ Recorrido foi registado como filho legítimo de E... e D.... XIV. Pelo que tal facto deveria ter sido configurado como “não provado” XV. Assim sendo, por estar em contradição tal facto com a certidão de fls. 133, não poderia a Mma. Juíza do Tribunal recorrido ter considerado tal facto por provado devendo ter-se por “não provado”. XVI. Pelo que nesta parte, deve a douta Sentença ser sancionada com nulidade, nos termos da al. c), do nº 1, do art. 615º do CPC. XVII. À data do nascimento do recorrido, a mãe estava casada com E..., vivendo em comunhão de cama e mesa com este, sob o mesmo tecto, presumindo- se ser este o pai do Autor, pelo menos até 1/08/1967, diga-se pelo menos, desconhecendo-se se se divorciaram e quando. XVIII. A presunção é que o E... era o pai do Autor, pois era este que coabitava com a mãe do Autor. XIX. Por desconhecimento dos contornos em que a acção de impugnação de paternidade foi intentada e resolvida, não podemos afastar com alguma segurança o facto do pai averbado, ser na realidade o pai biológico do Recorrido e não o Recorrente. XX. Residualmente, era de jaez, apurar do depoimento das testemunhas arroladas que factos indiciassem de forma indiscutível o relacionamento da mãe do autor com o Recorrente que pudessem culminar em relações sexuais, e que, fruto das mesmas tivesse a mãe do Recorrido engravidado e dado à luz. XXI. Tendo como “pedra de toque” verificar a identidade do suposto pai biológico; que comportamentos sociais e de cortesia que factos indiciassem uma série de comportamentos mais íntimos e/ ou comprometedores; que pudessem levar a relações sexuais de cópula, de modo a que pudesse gerar um filho (nos 120 dos 300 dias antecedentes ao nascimento do Autor - 18/10/1965) factos provados 1; e 3 a 9). XXII. Assumiria especial relevância balizar esse período, o que adiante-se já, em nosso entender não foi conseguido. XXIII. Dos depoimentos das testemunhas que possam ilustrar tal realidade com interesse para a decisão da causa, não se podendo para já considerar o depoimento da Testemunha 2 – F..., pelos motivos supra descritos, procedeu-se à transcrição do depoimento gravado, sem deficiências, da Testemunha 1- G...- Sessão de 02/02/2017 – 00:00:01 a 00:18:59 - 00:05 XXIV. Das respostas dadas aos costumes, pode-se concluir que a diferença de idade entre a testemunha e o réu/ recorrente, é cerca de 8 anos, com grande influência na localização temporal dos factos. XXV. Dada a margem restrita de tempo alegada nos Pontos 1 e 3 a 9 dos factos provados, ou seja, nomeadamente, se durante os primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do autor (18/10/1965), a sua mãe só manteve relações sexuais de cópula completa com o réu. XXVI. No início da audiência, quando a Mma. Juíza pergunta à testemunha G... “se conhece o Réu que ali está”, pese embora o seu esforço a sua insistência, a testemunha não arrisca e demonstra, de forma titubeante, sérias dúvidas em conseguir identifica-lo, acabando por dizer que não o conhece, não o identificou. XXVII. Lembra-se de apenas de numa determinada fase do seu depoimento de um tal “H...” personagem esta que surge do nada (isto é nunca o Réu foi apelidado assim, por ninguém e nunca nos articulados). XXVIII. Testemunha 1- G...- Sessão de 02/02/2017 – 00:00:01 a 00:18:59- 00:51- XXIX. Testemunha 1- G...- Sessão de 02/02/2017 – 00:00:01 a 00:18:59 - 1:32- XXX. Em depoimento, a testemunha refere que quando conheceu a mãe do autor tinha 15 anos de modo que, e o Recorrente teria de ter, (já que é mais velho 8 anos do que a testemunha) 23 anos. XXXI. No entanto, o indivíduo a que se refere a testemunha efectivamente não era o Recorrente, já que foi aparentado por esta mesma testemunha como tendo “28 ou 27” anos. XXXII. É que se assim fosse, a hipotética relação amorosa teria de ter ocorrido de 1967 em diante, ora já o Recorrido era nascido. XXXIII. Em conclusão, a pessoa a que a testemunha se refere nunca poderia ter sido o aqui Recorrente o qual nascido em 1940, em 1963, tinha então 23 anos. XXXIV. Testemunha 1- G...- Sessão de 02/02/2017 – 00:00:01 a 00:18:59 - 3:34 XXXV. A este respeito no Assento de nascimento do Recorrido fls. 133, a sua mãe refere que tinha como profissão “doméstica” não constando qualquer profissão como vendedora ou outra qualquer, como se disse apenas refere doméstica. XXXVI. Testemunha 1- G...- Sessão de 02/02/2017 – 00:00:01 a 00:18:59 - 5: 11 XXXVII. Mais uma vez, como decorre do teor do depoimento da citada testemunha G..., é manifesto que a mesma nada sabe ou pouco sabe. Pior, nada viu, limitando-se a produzir um depoimento do genérico de “ouvir dizer ou constar-se” referindo-se ao excerto da transcrição supra “…fala-se de toda a gente às vezes até é mentira mas continua-se a falar…”. XXXVIII. Corroborando o exposto e na senda do seu depoimento às perguntas da Ilustre mandatária do Recorrente a testemunha G... diz o seguinte: XXXIX. Testemunha 1- G...- Sessão de 02/02/2017 – 00:00:01 a 00:18:59 - 11:56 XL. Testemunha 1- G...- Sessão de 02/02/2017 – 00:00:01 a 00:18:59 - 12:42. XLI. Mais uma vez questionada testemunha G... volta a ter imensas dúvidas sobre se o “H...”, não se querendo colocar em causa a sua existência, mas sim, se se referia à mesma pessoa do Recorrente, não tendo conseguindo lograr tal associação. XLII. Para além da manifesta incapacidade da testemunha de identificar o Recorrente volta-se a cair no mesmo, ou seja, ainda que hipoteticamente, se pudesse admitir que o recorrente possa ter namorado com a mãe do Recorrido, o que só por mera hipótese académica se admite, nunca poderia pelas leis da natureza, ser o pai do Autor. XLIII. Testemunha 1- G...- Sessão de 02/02/2017 – 00:00:01 a 00:18:59 - 14:01 XLIV. Testemunha 1- G...- Sessão de 02/02/2017 – 00:00:01 a 00:18:59 - 15:01 A testemunha não sabe se a mãe do Autor só saía com o pai biológico ou se saía com mais alguém. XLV. Testemunha 1- G...- Sessão de 02/02/2017 – 00:00:01 a 00:18:59 - 15:20 XLVI. Testemunha 1- G...- Sessão de 02/02/2017 – 00:00:01 a 00:18:59 - 16:13 XLVII. Do depoimento da testemunha, não refere quaisquer indícios (gestos, beijos, carícias, íntimos, mais ou menos duradouros, mais ou menos escondidos, de forma pública, vistos sair de um local reservado, estarem em comunhão duradoura de vida em condições análogas às dos cônjuges, o que se costuma designar por união de facto) entre a mãe e o pretenso pai, nos primeiros 120 dias dos 300 que antecederam o nascimento do filho. XLVIII. As “brincadeiras” que a mãe do Autor fazia eram normais com todos os que a rodeavam, até mesmo com a indicada testemunha. XLIX. A testemunha ouvida só por si, não consegue dar resposta, nem servir de esteio aos factos que foram dados como provados, e como consequência tais factos, 2 a 9 da Fundamentação deverão ser considerados por V. Exas. como “não provados”, com as demais consequências legais. Acresce que, L. A presente Acção foi instaurada na Instância Local, Secção Cível da Maia em 28/03/2016. LI. O Autor/ Recorrido nasceu a 18 de Outubro de 1965. LII. Quando deu entrada da petição em juízo tinha 49 anos. LIII. O Recorrente que nasceu em 1940, tinha 75 anos. LIV. O n.º 1 do artigo 1817.º, ex vi art.º 1873.º, na redacção emergente da Lei nº 14/2009, ambos do C. Civil, dispõe que a acção de investigação de paternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação. LV. O referido normativo estabelece assim um verdadeiro prazo de caducidade, o que constitui uma excepção peremptória de conhecimento oficioso (arts. 298.º, n.º 2, e 333.º, nº1 do C. Civil). LVI. Ora, quando o Autor instaurou a acção de investigação de paternidade já tinha atingido a maioridade (18 anos) há muito mais de 10 anos, mais concretamente em 1983, conforme doc. 1 da P. I. LVII. Da análise da petição inicial, não consta qualquer factualidade que, de forma objectiva, convoquem a aplicação dos nºs 2 e/ou 3 do art. 1817º do Código Civil LVIII. Como tal, à data da propositura da acção, o prazo previsto no n.º 1 do art. 1817.º, já procedia a excepção peremptória da caducidade do direito da acção. LIX. Como se referiu supra, o Recorrido na sua P. I. não alegou quaisquer factos que afastassem liminarmente a aplicação do n.º 1 do art. 1817º C.C. constituindo essa falta de elementos, verdadeira condição de viabilidade da acção. LX. Isto é, o Autor não alegou quaisquer das situações referidas nas diversas alíneas do nº 3 deste preceito, pelo que, há então que nos atermos ao prazo de 10 anos referido no seu nº 1. LXI. Assim, o direito do Autor propor a presente acção já havia caducado há mais de vinte e dois anos quando esta (acção) foi interposta, devendo tal excepção peremptória de caducidade proceder com as legais consequências, designadamente a absolvição do pedido (cfr. arts. 576º, nºs 1 e 3 do C.P.C.). LXII. Embora tal facto pudesse e devesse ter saltado aos olhos do julgador porque tal excepção de caducidade é do conhecimento oficioso (n.º 1 do art. 333º do C. C.) por estarem em causa direitos indisponíveis, onde claramente se estipulam prazos para o exercício dos direitos previstos na lei substantiva. LXIII. A caducidade pode ser legal ou convencional, consoante seja imposta por lei ou estipulada pelas partes (art. 330º nº 1 do CC). LXIV. Sendo imposta por lei, e nos casos que colidam com direitos indisponíveis, estando em questão direitos de personalidade, fica excluída da disponibilidade das partes (art. 81º do CC), impondo-se a apreciação oficiosa da caducidade, ao abrigo do n.º 1, do art. 333º do CC. LXV. Processualmente, e dado que o seu efeito é extintivo do direito, a caducidade tem a natureza de excepção peremptória, acarretando a absolvição do pedido art. 576º nº 3 do CPC. LXVI. De acordo com o art. 608º n.º 2 do CPC, “ O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, (...) salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento”. LXVII. No caso em questão, como se expendeu supra, à Mma. juíza do Tribunal recorrido não só lhe era permitido o conhecimento da excepção, como lhe era imposto por lei. LXVIII. Nestes termos a inobservância de tal comando é, como se sabe, sancionada com a nulidade da sentença (art. 615º n.º 1 al. d) CPC) o que desde já se invoca. LXIX. O objecto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art. 608º nº 2, ex vi do art. 663º nº 2 do CPC. LXX. A douta decisão recorrida viola, entre outros, as normas e os princípios jurídicos constantes dos artigos 1817º, nº 1, 1869º e 1873º (todos) do Código Civil, 493º, nº 3, 576º, nºs 1 e 3, e als. b) e d), nº 1, do artigo 615º als. c) e d) do Código Processo Civil e os artigos 1º, 2º, 13º, 18º, nº 2, 25º, 26º e 36º da Constituição da República Portuguesa. LXXI. Em suma foram violadas todas as normas enunciadas. Termos em que, devem ser: a) Considerados não provados os factos constantes da fundamentação da Sentença sob os nºs. 2 a 9, por estarem em manifesta contradição com o documento de fls. 133 dos autos, bem como com o depoimento da testemunha; b) Considerada nula ou, pelo menos, anulada, revogando a Decisão de que se recorre, substituindo-a por outra em que, com a observância dos termos legais, se considere procedente a invocada excepção de caducidade, absolvendo o Réu do pedido. * II-DO RECURSO:II.1-Considerações prévias: O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido e no recurso não se apreciam razões ou argumentos, antes questões- artºs 627º, nº1, 635º e 639º, nºs 1 e 2, CPC, na redacção da Lei nº 41/2013, de 26.06.2013, aplicável ao presente processo face ao disposto no artº 8º desta Lei. Os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu. Constituindo tais recursos meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não meios para obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido, por regra[1]. Citando o douto Acórdão desta Relação do Porto de 15-06-2011 (ANA PAULA AMORIM): “O recurso, como refere Professor Castro Mendes, consiste no pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer (Direito Processual Civil – Recursos, pag. 5). O recurso ordinário (que nos importa analisar para a situação presente) não é uma nova instância, mas uma mera fase (eventualmente) daquela em que a decisão foi proferida. O recurso é uma mera fase do mesmo processo e reporta-se à mesma relação jurídica processual ou instância (ob. cit,, pag. 24-25 e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil”, vol V, pag. 382, 383). A respeito do objecto do recurso têm surgido na doutrina duas posições: - o objecto do recurso é a questão sobre que incidiu a decisão recorrida; e - o objecto do recurso é a decisão recorrida, que se vai ver se foi aquela que “ex lege” devia ter sido proferida. O Professor Castro Mendes escreve a este respeito que: “o nosso sistema de recursos inclina-se para a segunda solução – o objecto do recurso é a decisão. Dentro desta orientação tem a nossa jurisprudência repetidamente afirmado que os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova. Na jurisprudência entre outros sobre esta questão, podem ler-se: os Ac. STJ 07.07.2009, Ac. STJ 20.05.2009, Ac. STJ 28.05.2009, Ac. STJ 11.11.2003 (www.dgsi.pt), merecendo-nos particular relevo o Ac. STJ 28.05.2009 onde se refere: “E, do específico ponto de vista da instância recursiva, tem-se por certo que, como é jurisprudência uniforme, sendo os recursos meios de impugnação das decisões judiciais, destinados à reapreciação ou reponderação das matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal a quo e não meios de renovação da causa através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada) ou formulação de pedidos diferentes (não antes formulados), ou seja, visando os recursos apenas a modificação das decisões relativas a questões apreciadas pelo tribunal recorrido (confirmando-as, revogando-as ou anulando-as) e não criar decisões sobre matéria nova, salvo em sede de matéria indisponível, a novidade de uma questão, relativamente à anteriormente proposta e apreciada pelo tribunal recorrido, tem inerente a consequência de encontrar vedada a respectiva apreciação pelo Tribunal ad quem (art. 676º CPC).” Ora, nas conclusões de recurso, o apelante invoca como questão prévia: II.2- A nulidade parcial da gravação da audiência quanto ao depoimento da testemunha F..., na sessão de audiência de 21/03/2017- Registo 00:00:01 a 00:34:47 por ser inaudível e imperceptível. Visando a documentação da prova por meio de gravação garantir os poderes de reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação, ou seja o segundo grau de jurisdição através do amplo recurso da decisão fáctica de primeira instância, como é óbvio só com a efectiva gravação dos elementos de prova pode ser sindicada a decisão da matéria de facto em causa. Atento o fim em vista, a falta de gravação é imputável, não ao recorrente, mas aos serviços judiciários que, dispondo de aparelhagem de registo fonográfico, devem garantir o seu bom funcionamento. Como vem sendo pacificamente entendido pela jurisprudência, a omissão e/ou a imperceptibilidade do registo dos depoimentos das testemunhas equivale à omissão de um acto que a lei prescreve e que tem influência no exame e na decisão da causa, na medida em que impede (ou, pelo menos, condiciona) o cumprimento do disposto no artº 640º do CPC. Produz, portanto, nulidade, face ao disposto no artº 195º, nº 1 do mesmo Diploma. Na versão do CPC anterior à introduzida pela Lei 41/13, de 26.06, entendia-se que aquela nulidade estava sujeita ao regime geral de arguição das nulidades previsto no então artº 205º (actual artº 199º). No actual NCPC, aplicável ao presente processo, o artº 155º, nº 4, veio dispor que a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias, a contar do momento em que a gravação é disponibilizada (sendo que a gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respectivo acto – nº 3 do mesmo preceito). Tal nulidade deve ser arguida perante o tribunal recorrido, não sendo admitida a arguição apenas nas alegações[2], como resulta do regime geral previsto no artº 199º: desde logo, é no tribunal recorrido que se pode verificar se há deficiência na gravação original e, caso haja e tenha de ser declarada a nulidade, a consequência será a repetição do depoimento, que também só pode ser feita perante o Tribunal recorrido. Pelo exposto, não se conhece da invocada nulidade processual por não se enquadrar no âmbito do recurso. * II.3: O apelante nas conclusões do recurso invoca as seguintes questões:- A nulidade da sentença; - Impugna a matéria de facto provada sob os números 2 e 3 a 9 dos factos provados da sentença, pretendendo que sejam considerados não provados; - A excepção de caducidade da presente acção. * II.3.1- Invoca a apelante a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia consistente na falta de conhecimento sobre a excepção peremptória de caducidade da presente acção, porquanto, sendo o tema em litígio questão que versa sobre direitos indisponíveis, vg o direito do autor a ver estabelecida a sua filiação biológica relativamente ao seu progenitor, o seu conhecimento se impunha à senhora juíza a quo na sentença.As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do artº 615º do CPC. Nos termos daquele preceito, é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia) … São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada[3]. Ora, a sentença conheceu das questões de que deveria conhecer (de direito), ou seja do pedido formulado pelo autor na petição inicial conforme resulta claro da sua leitura, considerando que o autor é filho biológico do réu, após a aplicação do direito aos factos e de acordo com a interpretação que a senhora juíza a quo nela motivou, obedecendo ao disposto no artº 607º, nº2, 3 e 4, NCPC. Não vinha excepcionada pelo réu na contestação a caducidade da acção que, se tivesse ocorrido, deveria ter sido expressamente conhecida logo no despacho saneador, nos termos do artº 595º, nº 1, al. b), NCPC. Entendemos, assim, que não ocorreu omissão de pronúncia do tribunal ad quo, nos termos do artº 615º, nº 1, al. d), 1ª parte, do CPC, posto que este cumpriu devidamente o preceito do artº 608º, nº 2, CPC, pelo que se indefere a arguida nulidade da sentença. Mas, mesmo que se entenda que, neste caso, ocorre essa nulidade da sentença, por ser questão de conhecimento oficioso do tribunal ad quo, o apelante levanta a questão em sede de conclusões deste recurso e sendo matéria de conhecimento oficioso, por força do artº 333º, nº 1, do Código Civil de 1961, este tribunal ad quem deve dela conhecer, nos termos dos artºs 637º, nº 2 e 608º, nº 2, este ex vi do artº 663º, nº 2, todos do NCPC e artºs 576º, nºs 1 e 3 e 579º do NCPC. * II.3- Impugnação da matéria de facto:Resulta das conclusões recursivas, que o apelante impugna a decisão da matéria de facto da sentença recorrida quanto aos factos provados sob os números 2 e 3 a 9, com indicação do sentido da alteração que pretende para factos não provados e a indicação dos meios de prova em concreto em que assenta essa pretendida alteração, nomeadamente a indicação das testemunhas cujos depoimentos foram gravados e a localização das passagens do registo gravado em que fundamente a sua impugnação da matéria de facto da sentença e transcrição dos respectivos excertos nas alegações. Foram cumpridos os ónus de impugnação da matéria de facto exigidos pelo artº 640º, nºs 1 e 2, al. a) NCPC. A matéria considerada provada na sentença sob os números 4 a 9 diz respeito à prova da filiação biológica do autor em relação ao réu, alegada como causa de pedir na petição inicial, quanto aos seus dois pressupostos: a prática de relações sexuais entre a mãe do autor e o réu no período legal da concepção do autor e a exclusividade dessas relações, considerando a doutrina e a jurisprudência generalizada de que essa prova pode ser feita por exames hematológicos e mais recentemente por exames de ADN[4]. Sobre tal matéria entendemos que, face ao que se vai decidir sobre a excepção de caducidade desta acção, é inútil a pronúncia deste tribunal de recurso pelo que dessa parte da impugnação de matéria de facto não nos vamos pronunciar. Mas, a matéria de facto dada como provada sob o número 2 da sentença encontra-se mal julgada e deve ser alterada por esta Relação, nos termos do artº 662º, nº 1, NCPC, porque viola prova legal e não está sujeita ao princípio da livre apreciação da senhora juíza a quo- artº 607º, nº 5, NCPC. Com efeito, diz o artº 662º, nº 1 do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Tem de se continuar a entender que as três situações enunciadas no nº 1 do anterior artº 712º do CPC cabem na previsão da norma genérica do actual artº 662º, nº 1 do CPC. Assim, quando a decisão da matéria de facto assente em meios de prova não vinculada, ou seja, sujeitos a livre apreciação, tais como, documentos sem valor probatório pleno, relatórios periciais, declarações da parte não confessórias ou depoimentos testemunhais, os poderes da Relação quanto à alteração da matéria de facto estão dependentes da iniciativa da parte interessada, que, nas conclusões do recurso, tem de impugnar a decisão da matéria de facto e cumprir os ónus previstos no artº 640º do NCPC. Já pode alterar oficiosamente a matéria de facto quando ela assenta em confissão expressa ou ficta (nos articulados) ou documento autêntico ou autenticado. Ora, interessa para a decisão da questão de Direito alterar o facto dado por provado na sentença sob o número “2- Tendo apenas sido registado como filho de D..., sua mãe” e impugnado pelo apelante. Na verdade, conforme a certidão de narrativa completa do assento de nascimento do autor de fls. 132-133 dos autos, constata-se que, por declaração da mãe, o autor foi registado como filho de E..., casado e de D..., casada, residentes ele na cidade do Porto e ela na Rua ..., nº .., .... Também dessa certidão e da certidão judicial de fls. 134 consta que, por sentença de 14.07.1967, transitada em julgado em 01.08.1967, em acção de impugnação da paternidade registada, foi declarado que o ora autor não era filho daquele E...[5]. De acordo com o princípio da aquisição processual, consagrado pelo art. 413º do NCPC, este Tribunal da Relação deve tomar em consideração todos os dados de facto relevantes emergentes do alegado e do material probatório produzido. Assim sendo, por estarem provados por documentos autênticos- artºs 363º, nºs 1 e 2, 369º, nº1, 370º, nº 1 e 371º, nº1, todos do Código Civil de 1966- impõe-se a alteração da matéria de facto, dando-se com provados os seguintes factos: -Por declaração da mãe, o autor foi registado como filho de E..., casado e de D..., casada, residentes ele na cidade do Porto e ela na Rua ..., nº .., ..., pelo Assento de nascimento nº ..../1965, lavrado em 29.10.1965, na Conservatória do Registo Civil de Gondomar. -Por sentença de 14.07.1967, transitada em julgado em 01.08.1967, em acção de impugnação da paternidade registada, foi declarado que o ora autor não era filho daquele E... e averbado tal facto no assento de nascimento em 25.08.1967. Em conformidade, elimina-se dos factos provados o número 2 da sentença. Quanto aos factos impugnados pelo apelante e dados como provados sob os números 4 a 9 entendemos que, face ao que se vai decidir sobre a excepção de caducidade desta acção, é inútil a pronúncia deste tribunal de recurso. * II.4- Caducidade da acção:Face aos factos essenciais articulados pelo autor na petição inicial, que constituem a causa de pedir e ao pedido formulado, enquanto direito que o autor pretende ver declarado pelo Tribunal- artºs 2º, nº 2, 3º, nº1 5º, nº1, 10º, nºs 1 e 2, al. c) e 552. Nº 1, al. d) e e), do NCPC – esta acção configura-se como declarativa de investigação da paternidade, intentada pelo autor, maior, com a maternidade já estabelecida e registada no respectivo Assento de nascimento, de acordo com o disposto no artº 1869º do Código Civil de 1966, na redacção do DL nº 496/77, de 25.11. É aplicável (com a devida adaptação) ex vi art.º 1873.º do mesmo diploma legal, o disposto no artº 1817.º do Código Civil, na redacção dada pelo artº 1º da Lei nº 14/2009, de 01.04, entrada em vigor no dia seguinte (artº 2º) que prescreve: “1 - A acção de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação. 2 - Se não for possível estabelecer a maternidade em consequência do disposto no artigo 1815.º, a acção pode ser proposta nos três anos seguintes à retificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório. 3 - A acção pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos: a) Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante; b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe; c) Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação. 4 - No caso referido na alínea b) do número anterior, incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da acção”. Como bem refere o douto e recente Acórdão desta Relação do Porto de 21.02.2018 (Relator Carlos Querido): “A questão da caducidade da acção de investigação da paternidade revela-se particularmente sensível, como tem sido acentuado pela jurisprudência constitucional, pelo facto de convocar valores que justificam respostas diversas, no sentido da maior brevidade, ou no sentido do maior alongamento dos prazos. Militam a favor do alongamento dos prazos (ou mesmo da imprescritibilidade da ação), a afirmação do direito ao reconhecimento das origens, decorrente do direito à identidade pessoal; por outro lado, haverá que ter em conta a segurança quanto às relações de filiação e de parentesco; finalmente, um outro fator relevante traduz-se na intenção de fomentar o estabelecimento da filiação o mais cedo possível, de forma a que os progenitores garantam o apoio e sustento dos filhos na idade em que o mesmo se revela mais premente. Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2.02.2017 (processo n.º 200/11.8TBFVN.C2.S1, acessível no site da DGSI), a Lei n.º 14/2009, de 01/04, surgiu depois de o Tribunal Constitucional ter declarado a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, na medida em que previa para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 16.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (cfr. acórdão n.º 23/2006, de 10 de Janeiro, publicado no D.R., I Série-A, de 08-02-2006). Tal declaração suscitou dúvidas, na doutrina e na jurisprudência, no que concerne aos seus efeitos, nomeadamente quanto a saber se a partir daí, as ações de investigação de paternidade continuavam a estar dependentes de algum prazo para a sua propositura ou se, ao invés, tinha deixado de existir qualquer prazo para esse efeito, tendo sido precisamente a essas dúvidas que o legislador visou dar resposta. A reforma legislativa introduzida pela citada Lei n.º 14/2009 não se limitou a alongar a duração dos prazos de caducidade anteriormente estabelecidos no artigo 1817.º do Código Civil, tendo ido mais longe, pondo termo ao funcionamento autónomo de um prazo de caducidade “cego” que corria inexorável e ininterruptamente, independentemente de poder existir qualquer justificação ou fundamento para o exercício do direito. Em resultado de tal intervenção do legislador, não obstante o n.º 1 do artigo 1817.º do Código manter que esta ação só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos 10 anos posteriores a sua maioridade ou emancipação, o n.º 3 estabelece que a ação ainda pode ser proposta nos três anos posteriores a ocorrência de algum dos factos aí enunciados. Tal prazo de três anos conta-se para além do prazo fixado no n.º 1, do artigo 1817.º do Código Civil, não caducando o direito de proposição da ação antes de esgotados todos eles. Isto é, mesmo que já tenham decorrido dez anos a partir da maioridade ou emancipação, a ação é ainda exercitável dentro do prazo fixado no n.º 3; e inversamente, a ultrapassagem deste prazo não obsta à instauração da ação, se ainda não tiver decorrido o prazo geral contado a partir da maioridade ou emancipação”. Ora, na presente acção (ao contrário da situação em causa no aludido acórdão) o autor não invocou quaisquer factos, em sede de causa de pedir, integrantes das situações excepcionais previstas no nº 3 da referida norma legal. A presente acção foi instaurada em 27/10/2015 (fls 13). O Autor nasceu a 18 de Outubro de 1965, tendo na data da entrada da petição em juízo 50 anos de idade e o Réu tinha 75 anos. Quando o Autor instaurou esta acção de investigação de paternidade já tinham passado mais de dez anos após ter atingido a maioridade[6], mais precisamente 32 anos. Assim, o direito de acção do autor há muito que havia caducado. Esta excepção peremptória de caducidade pode ser agora conhecida por este tribunal ad quem pelos fundamentos supra expostos e com a consequência da absolvição do pedido (cfr. arts. 576º, nºs 1 e 3 e 579º do C.P.C. e artº 333º do Código Civil). É certo que no despacho saneador de fls 45 e 46, notificado aos mandatários das partes por carta registada de 21.04.2016, a senhora juíza “a quo”, declarou (além do mais) que “não há outras excepções e questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causa”. Mas, tal declaração genérica não conheceu expressamente da excepção peremptória de caducidade da presente acção e que levaria, se procedente, à absolvição do réu do pedido. Não há caso julgado material sobre a questão- artº 621º e 628º NCPC- e não há caso julgado formal, nos termos do artº 620º NCPC, porquanto nada decidiu sobre qualquer questão do foro interno processual. Finalmente, não deixemos de apontar que embora a questão da eventual inconstitucionalidade da norma do artº 1817.º, nº 1, do Código Civil, na redacção dada pelo artº 1º da Lei nº 14/2009, de 01.04, quanto ao referido prazo de caducidade da acção de dez anos após a maioridade do autor, não venha colocada pelas partes nos autos, por nós entendemos que o prazo fixado para o efeito pela Lei nº 14/2009, de 01.04, é um prazo razoável para o exercício do direito a ver reconhecido o direito à filiação biológica, enquanto vertente do direito à identidade e do direito a constituir família, constitucionalmente consagrados nos artº 26º, nº 1 e 36º, nº 1, da CRP de 1976, não havendo in casu lugar à aplicação de qualquer das previsões das alíneas do nº 3 do artº 1817.º, nº 1, do Código Civil, na redacção dada pelo artº 1º da Lei nº 14/2009, de 01.04, pelas razões expressas no douto Acórdão do Tribunal Constitucional nº 401/2011, de 22.09.2011, in DR, 2ª Série, de 03.11.2011[7]. Mesmo que assim não fosse, ou seja a situação in casu não importasse caducidade do direito de acção do autor, cremos que se deve fazer intervir a figura do abuso do direito – art. 334º do Código Civil – para paralisar a pretensão exercida. Dispõe o citado normativo: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.” O instituto do abuso do direito relaciona-se com situações em que a invocação ou o exercício de um direito que, na normalidade das situações seria justo, na concreta situação da relação jurídica se revela iníquo e fere o sentido de justiça. Como ensina Fernando Cunha e Sá, in “Abuso do Direito” – pág. 640: “O abuso prescinde quer da causação de danos (pode haver um acto abusivo não danoso) quer, quando os haja, qualquer elemento subjectivo, na forma de dolo ou de mera culpa; ora sendo assim, a exigência de culpa requisito da responsabilidade civil por actos abusivos, depende da possibilidade de emitir um juízo de reprovação sobre a conduta do agente, pois nisso mesmo é que consiste a culpa. Dito por outras palavras, depende da existência de um dever que impenda sobre o titular do direito subjectivo ou da diversa prerrogativa jurídica e que este tenha violado voluntariamente.” A parte que abusa do direito, actua a coberto de um poder legal, formal, visando resultados que, clamorosamente, violam os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes, ou pelo fim económico ou social do direito. O princípio do abuso do direito constitui, pois, um dos expedientes técnicos ditados pela consciência jurídica para obtemperar, em algumas dessas situações particularmente clamorosas, aos efeitos da rígida estrutura das normas legais, e reconduz-se à prática de um acto ilegítimo desde que se ultrapassem os limites que ao direito subjectivo são impostos e descritos no artigo 334º do CCivil. Citando o douto Acórdão do STJ, de 3.11.2015 (Ana Paula Boularout): ”A modalidade do abuso de direito de que poderíamos curar no caso dos autos seria a do desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, já que as outras têm um alcance diferente da situação aqui em tela, maxime, a do venire contra factum proprium, «(…) O elemento literal exprime um âmbito unificado por parte da previsão – o exercício do direito e o seu excesso manifesto perante certos limites – por uma qualificação – em epígrafe – o abuso – e pela estatuição – a ilegitimidade ou, melhor dizendo, a proibição; reparte-o, porém, por três áreas atinentes á previsão: em causa ficam limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico dos direitos. Do enunciado, por dedução, retira-se que a boa fé e os bons costumes impõem, ou podem impor, limites ao exercício dos direitos e que estes têm, ou podem ter, um fim social e económico o qual, por seu turno, limita também, ou pode limitar, o seu exercício. Este último limite é específico – cada direito tem, ou pode ter o seu fim social e económico; os dois primeiros são gerais: a boa fé e os bons costumes não emergem, na fórmula legal, de cada direito em si. O artigo 334º prevê a boa fé objectiva: não versa factores atinentes, directamente, ao sujeito, mas antes elementos que, enquadrando o seu comportamento, se lhe contrapõem. Nessa qualidade, concorre com outros elementos normativos, na previsão legal dos actos abusivos: o sujeito exerce um direito – move-se dentro de uma permissão normativa de aproveitamento específico – o que, já por si, implica a incidência de realidades normativas e deve além disso observar limites impostos pelos três factores acima isolados, dos quais um, a boa fé. O sentido desta implica a determinação do conjunto. II O falar em abuso de direito pressupõe adquirida a noção de Direito subjectivo. A versão apresentada – o direito subjectivo é uma permissão normativa de aproveitamento específico (…)», apud Menezes Cordeiro, da Boa Fé No Direito Civil, 1997, 661/662. Esta ideia de desequilíbrio no exercício das posições jurídicas, pode conduzir a uma situação de actuação aparentemente regular, por banda do sujeito, mas que será susceptível de desencadear resultados totalmente contrários e/ou alheios àqueles que o sistema poderia admitir na sequência de tal exercício. A problemática aqui gizada faz apelo ora ao princípio da confiança, ora ao princípio da materialidade subjacente, e, enquanto o primeiro cobre as actuações anormais e inopinadas, que se tornam prejudiciais por apanharem desprevenidas as pessoas que não contavam, justificadamente, com a mesma, o segundo refere-se a actuações de puro desequilíbrio objectivo, cfr Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, parte Geral, Tomo I, 1999, 211/213”. Ora, tendo a presente acção sido instaurada em 27/10/2015 (fls 13), em plena vigência da norma do artº 1817.º, nº 1, do Código Civil, na redacção dada pelo artº 1º da Lei nº 14/2009, de 01.04, tendo o autor na data da entrada da petição em juízo 50 anos de idade ou seja quando já tinham passado 32 anos após ter atingido a maioridade e o Réu 75 anos e tendo o autor alegado que era do seu conhecimento ser filho do réu e que este manteve uma relação de namoro com a sua mãe entre início de 1964 e Agosto de 1965, sendo o réu já casado nessa altura e com dois filhos do casamento e a mãe do autor casada com outro homem, não se descortina um real direito de filiação biológica que o autor agora e só agora pretenda tutelar, embora também não resulte dos autos que o autor vise apenas o reconhecimento de direitos sucessórios relativamente ao réu. À luz do atrás exposto, entendemos que a tutela do direito do autor à filiação biológica, nestas circunstâncias, se nos afigura ilegítima em virtude de se revelar violadora das regras da boa fé e dos bons costumes[8]. * III- Decisão:Nestes termos, ACORDAM os juízes nesta Relação em julgar procedente a apelação pelo que declaram a caducidade da presente acção e declaram haver abuso de direito no exercício da acção, pelo que absolvem o réu do pedido, assim se revogando a sentença recorrida. Custas em ambas as instâncias pelo autor. Porto, 10-05-2018 Madeira Pinto Carlos Portela (Junto Declaração de voto) José Manuel Araújo de Barros (acompanho a declaração de voto) _____________ Declaração de voto: Voto a favor da decisão proferida no acórdão, tendo por base o segmento da mesma na qual se funda a revogação da sentença recorrida e a absolvição do Réu na figura do abuso de direito. Já quanto à procedência da excepção peremptória da caducidade do direito à acção por parte do Autor, mantenho a posição que venho assumindo em vários acórdãos, nomeadamente no acórdão desta Relação datado de 9 de Outubro de 2014 e proferido no processo nº956/10.5TBSTS-D.P1, cujos fundamentos aqui dou por reproduzidos. Carlos Portela ____________ [1] Ver Recursos no Novo Código de Processo Civil, Consº Abrantes Geraldes, Almedina 2013, pág 25 e outros autores ali referidos na nota 22. [2] Neste sentido, ver Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 130 [3] Abílio Neto, CPC Anotado, 22ª ed., pág. 948. [4] Assento do STJ de 21.06.1983, Lopes do rego, em Revista do Ministério Público, 58º, p. 166, Acórdãos STJ de 18.06.1996, BMJ, 458, p.323 e de 26.09.1996, BMJ, 459, p. 548. [5] O autor juntou com a pi, sob documento 1, cópia do seu assento de nascimento de nascimento, já com o nº 10538 de 10.04.2008, em versão informatizada do referido assento primitivo. [6] Aos dezoito anos- artº 130º do Código Civil. [7] No sentido da constitucionalidade da norma, vide Acórdão do TRP de 11.10.2016 (Estelita Mendonça), www.dgsi.pt. [8] Cristina M. A. Dias, «Investigação da paternidade e abuso do direito. Das consequências jurídicas do reconhecimento da paternidade», in Cadernos de Direito Privado, n.º 45. |