Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11715/17.4T9PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: CRIME DE DIFAMAÇÃO
NATUREZA PARTICULAR
ACUSAÇÃO PARTICULAR
OMISSÃO DE NOTIFICAÇÃO
NULIDADE INSANÁVEL
Nº do Documento: RP2021051211715/17.4T9PRT.P1
Data do Acordão: 05/12/2021
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: JULGADO PROCEDENTE O RECURSO DO ASSISTENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo o assistente apresentado denúncia pelo crime de difamação, de natureza particular, e o Ministério Público, ao encerrar o inquérito e decidir o arquivamento dos autos, ter omitido o cumprimento integral do artigo 285º do Código de Processo Penal, incorreu em nulidade insanável de falta de promoção do processo quanto a tal ilícito criminal.
II – Tal omissão determina a invalidade do acto e despacho de arquivamento, o que afecta todos os actos subsequentes que assim devem ser anulados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec nº 11715/17.4T9PRT.P1
TRP 1ª Secção Criminal

Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto

No Proc. nº 11715/17.4T9PRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Instrução Criminal do Porto - Juiz 5 em que é arguida
B…

E assistente C…

Por despacho de 14/5/2020 o Mº JIC decidiu:
“Pelo exposto, e em conformidade com o disposto no art" 287" n°l al.b) e n°3 do C.P.P. decide-se rejeitar nessa parte o requerimento de abertura de instrução do assistente por inadmissibilidade legal.”

Recorre o assistente, o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões:
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Cumpre conhecer:
É do seguinte teor a decisão sumária reclamada (transcrição parcial e na parte relevante)
Foi do seguinte teor, a decisão recorrida:
«Requerimento de abertura de instrução de fls.381 e s.s.
Discordando do despacho de arquivamento veio o assistente, através do requerimento de abertura de instrução de fls.381 e s.s. requerer que seja a arguida B… pronunciada pela prática de dois crimes de falsificação de documento p.p. pelo art° 256° do Cod. Penal;
Pela prática de um crime de difamação p.p. pelo art° 180° do Cod. Penal:
Cumpre desde já rejeitar este requerimento de abertura de instrução no que diz respeito ao crime de difamação:
A instrução, fase judicial de natureza facultativa, estando em causa crime de natureza particular, não pode ser requerida pelo assistente como decorre do disciplinado pelo artigo 287° n°l alínea b) do CPP. É que a acusação do Ministério Público, nos crimes particulares, se tiver lugar, segue a do assistente, sendo por esta limitada substancialmente (artigo 285° n° 3 do CPP).
O assistente pode, pois, promover sempre o julgamento, formulando a sua acusação e que é independente da posição que o Ministério Público venha a adotar. Como anota Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III Volume, Verbo, 1994, pág. 133 “Contrariamente ao que sucede nos crimes públicos e semi-públicos em que o assistente se discordar da posição do MP e quiser formular acusação autónoma, substancialmente diversa da do MP, terá de a submeter a comprovação na fase de instrução, nos crimes particulares a acusação pública é condicionada no seu exercício e no seu conteúdo pela acusação particular (arts. 50.°, 51." e 285.°, n.° 3) pelo que qualquer divergência entre o assistente e o MP é nesta fase do processo juridicamente irrelevante". Daí que nenhuma omissão de pronúncia ocorreu por parte do M.P. no tocante ao crime de difamação, como alega o assistente, pois, cabia a este, tomar a iniciativa processual e não ao M.P. o que não fez.
No caso dos autos, foi denunciado o cometimento de alegado crime de difamação p.p. pelos arts" 180° n°l do Cod. Penal (com típica natureza particular - cfr. artigos 180.° e 188.°, n.° 1, ambos do CP -)
Foi requerida instrução pelo assistente visando imputar à arguida o cometimento do indicado crime.
Mostra-se vedado ao assistente requerer a abertura da instrução relativamente a crimes de natureza particular como o que está em causa.
Como dispõe o art° 287° n°l al.b) do C.P.P. que " A abertura de instrução, pode ser requerida, no prazo de 20 dias, pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Publico não tiver deduzido acusação".
Retira-se da leitura deste preceito legal que, o assistente pode requerer a instrução nos crimes de natureza pública e semi-pública, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação, ou, tendo o Ministério Público deduzido acusação, por factos que importem uma alteração substancial dos factos narrados na acusação do Ministério Público, (neste sentido, Acs. da R.P. de 07/01/04, proc.0210505 e de 20/12/2006, proc.0617070).
Quando o Ministério Público não haja deduzido acusação, ao ofendido, constituído assistente, apenas resta a dedução de acusação alternativa, consubstanciada no requerimento de abertura de instrução. 0 que o assistente não pode, é requerer a instrução nos crimes de natureza particular -art- 287° n°l al.b), o que se compreende, já que nestes crimes lhe compete, em exclusivo deduzir acusação.
O momento decisivo da atuação do assistente, pode ser surpreendido na fase de acusação competindo-lhe especialmente, como consagra o art° 69° n°2 al.b) wdeduzir acusação independentemente do Ministério Público e, no caso de procedimento de natureza particular, ainda que aquele a não deduza", sendo certo que, no caso de crime particular, só a ele compete deduzir tal acusação –artº 285° n°l do C.P.P., pelo que não repugna dizer que, nos caso dos crimes de natureza particular é o assistente o titular da ação penal, como se deduz dos artº 48º e 50° ambos do C.P.P., sendo a acusação que o assistente formule independente da posição que o Ministério Público decida tomar" – artº 69° n°2 al.b) in fine (neste sentido José Pedro Fazenda Martins o assistente no novo Código de Processo Penal, Lusíada, Revista de Ciência e Cultura, Série I, n°l, 1991, pag. 141)
A instrução, não pode assim ter lugar e deve ser rejeitada quando requerida pelo assistente em relação a crimes de natureza particular, (neste sentido, Acs. S.T.J. de 09/04/03 e de 22/10/2003, Ac. R.C. 01/03/2006 e Ac.R.L. de 06/07/05 C.J. XXX T4 p.130).
Em conclusão, perante um despacho de arquivamento do M.P. e no que concerne ao crime de difamação, crime este de natureza particular, incumbindo ao assistente deduzir acusação particular, não lhe é admissível requerer a abertura de instrução.
Pelo exposto, e em conformidade com o disposto no artº 287º n°l al.b) e n°3 do C.P.P. decide-se rejeitar nessa parte o requerimento de abertura de instrução do assistente por inadmissibilidade legal.
Notifique».
***
Não se conformando com o despacho que, nos termos do disposto no art° 287°, n°l, al. b) e n.°2 e 3, do CPP, como dissemos, decidiu rejeitar o requerimento instrutório do assistente quanto ao crime de difamação, por inadmissibilidade legal de instrução, vem dele interpor recurso o assistente C…, alegando em síntese:
O assistente não foi notificado pelo Ministério Público nos termos e para os efeitos do artigo 285°,n°l do CPP, sendo que apresentou queixa em 7/09/2017 e nos demais termos dos complementos apresentados á queixa crime nos dias 10/11/2017 e 16/11/2018-contra a arguida Dra B…, pela prática dos crimes de usurpação de funções, falsificação de documentos e, pelo crime de difamação, o qual deu origem aos presentes autos;
O Ministério Público, no âmbito do processo de inquérito veio a proferir na data de 30/01/2020, despacho de arquivamento, alertando o Assistente para, querendo, requerer a intervenção hierárquica ou a abertura da instrução.
O Recorrente, enviou o requerimento de Abertura de Instrução, requerendo a pronúncia da Arguida pela prática, em concurso real e da forma consumada, de dois crimes de falsificação de documento e um crime de difamação p.p. pelos artigos 256° e 180° respectivamente, todos do Código Penal.
Conclui, entendendo que o despacho recorrido deve revogado e substituído por outro que considere o despacho proferido pelo Ministério Público nulo e de nenhum efeito, ordenando-se a baixa dos autos á primeira instância para proferimento de novo despacho onde o Ministério Público se pronuncie e notifique o Assistente, para querendo vir deduzir acusação particular quanto ao crime de difamação.
***
O MP em 1.ª Instância e o Sr. PGA junto desta Relação são de parecer que o recurso do assistente deve improceder.
Cumpre decidir.
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Vimos que neste despacho, foi rejeitado o requerimento de abertura de instrução quanto ao crime de difamação considerando que, estando em causa um crime de natureza particular, não pode ser requerida pelo assistente como decorre do disposto pelo artigo 287°,n°l, alínea b, do CPP e que a acusação do Ministério Público nos crimes particulares, se tiver lugar, segue a do assistente, sendo por esta limitada (artigo 285°,n°3 do CPP).
Na verdade, atento o disposto nos art. 286°, n° 1, e 287°, n° 1, al. b), e n° 2, ambos do C.P.P. resulta que nos casos em que o procedimento não dependa de acusação particular o assistente pode requerer a abertura de instrução relativamente aos factos pelos quais o Ministério Público não tenha acusado, devendo o requerimento conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à não acusação, bem como as menções das alíneas b) e c) do n° 3 do art. 283° do CPP.
Porém, à queixa crime já apresentada, veio o denunciante em 16-11-2018 intentar queixa crime contra a denunciada por factos susceptíveis de integrarem a prática do crime de difamação p.p. pelo artigo 180° do Código Penal.
Ora, este ilícito criminal tem natureza particular, artigo 188°,n°l, al.a) do CPP, tendo o assistente legitimidade para acusar, não se verificando as excepções previstas nos artigos 184° e 187° do CPP.
Contudo, atento o disposto no artigo 48°, do CPP, compete ao MP promover o processo penal, com as restrições dos artigos 49° a 52° do mesmo diploma legal.
Assim, verifica-se que é a natureza do ilícito que delimita a promoção da acção penal.
Por isso, é aplicável á acusação particular, o disposto nos n.°s 3, 7 e 8 do artigo 283° do CPP (n.°3 do artigo 285° do CPP), podendo o Ministério Público nos cinco dias posteriores á apresentação da acusação particular, acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outras que não importem uma alteração substancial daqueles.
Estando em causa o crime de difamação p.p. pelo artigo 180° do CPP, está vedado ao assistente requerer a abertura de instrução relativamente a crimes de natureza particular, atento o disposto no artigo 287°,n°l, al.b, do CPP que refere que " A abertura de instrução, pode ser requerida , no prazo de 20 dias, pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação".
Por isso, o assistente só pode requerer a instrução nos crimes de natureza pública e semi-pública, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação, ou, tendo o Ministério Público deduzido acusação, por factos que importem uma alteração substancial dos factos narrados na acusação do Ministério Público.
Assim, quando o Ministério Público não tiver deduzido acusação, o ofendido, constituído assistente, não pode requerer abertura de instrução (art.º 287°,n°l, al.b), do CPP), mas sim, deduzir acusação (cfr. Ac. TRP de 27.06.2012,Proc. 853/11.7TAVFR.P1).
Por outro lado, analisado o teor de citadas denúncias, forçoso é concluir que em nenhuma delas o Assistente aludiu a factos passíveis de integrar crime de difamação que nunca mencionou, pelo que não houve qualquer omissão do MP, não se lhe podendo exigir o cumprimento do disposto no art. 285º nº 1 do CPP por alegado crime particular que não foi denunciado nem investigado com a recolha de indícios/prova específica no inquérito, para além de que cabia a este, tomar a iniciativa processual.
Concluindo, o assistente não pode requerer a instrução nos crimes de natureza particular -art- 287° n°l al.b), pois nestes crimes, compete-lhe, em exclusivo deduzir acusação, sendo aqui o assistente o titular da ação penal, como se deduz dos art" 48" e 50° ambos do C.P.P..
Por isso, a instrução, não pode ter lugar e deve ser rejeitada quando requerida pelo assistente em relação a crimes de natureza particular.
Assim, perante um crime de difamação, de natureza particular, compete ao assistente deduzir acusação particular, não lhe sendo admissível requerer a abertura de instrução.
Pelo exposto, nada a criticar à rejeição do requerimento de abertura de instrução do assistente por inadmissibilidade legal.
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Pelo exposto, julga-se manifestamente improcedente o recurso interposto pelo assistente C…, mantendo-se, consequentemente, a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente com taxa de justiça que se fixa em 3 Ucs.

Conhecendo:
São as seguintes as questões colocadas:
Nulidade insanável por omissão do cumprimento do artº 285º CPP quanto ao crime de difamação.
Omissão de pronuncia na decisão sumária sobre tal questão.
+
Como resulta da decisão sumária reclamada, ali se decidiu em conformidade com o despacho recorrido que estando em causa o crime de natureza particular / difamação, não era admissível a instrução.
Tal pressupõe no entendimento ali expresso que qualquer questão relacionada com tal crime, não poderia ser indicada / apreciada em sede de RAI, pelo que essa seria uma questão prejudicada, pela não admissão do RAI.
Omissão de pronuncia só existe quando ela é obrigatória, pelo que em face daquele entendimento não era possível conhecer da questão suscitada: não cumprimento pelo MP do disposto no artº 285º1 CPP.

No que respeita à questão recorrida.

Resulta dos autos que o assistente/ recorrente apresentou o RAI, com vista a que a arguida fosse pronunciada pelos crimes de falsificação e ainda pelo crime de difamação, alegando que o MP omitira pronuncia sobre este crime (cfr. fls 385, 408)
É certo que estando em causa um crime de natureza particular, o assistente não pode requer a abertura da instrução, pois lhe compete a ele deduzir acusação (artº 287º1 b) CPP)
Mas para tanto e quanto a esta espécie de crimes, determina o artº 285º1 e 2 CPP que: “1 - Findo o inquérito, quando o procedimento depender de acusação particular, o Ministério Público notifica o assistente para que este deduza em 10 dias, querendo, acusação particular.
2 - O Ministério Público indica, na notificação prevista no número anterior, se foram recolhidos indícios suficientes da verificação do crime e de quem foram os seus agentes.” donde o Mº Pº está legalmente obrigado, como promotor da acção penal e “dono” do inquérito, no despacho de encerramento do inquérito que dirige, a pronunciar-se sobre os índicos existentes e a notificar o assistente para acusar quando está em causa um crime de natureza particular (cfr. artºs 48º 50º e 52º CPP)
Visto o despacho de encerramento do inquérito proferido a 30/1/2020 pelo MºPº de arquivamento o mesmo pronuncia-se apenas quanto ao crime de usurpação de funções e de falsificação e nada refere quanto ao crime de difamação nem manda notificar o assistente nos termos e para os efeitos do artº 285º CPP.
Ora a fls. 243 datada de 16/11/2018 o assistente apresenta queixa por crime de difamação contra a arguida e apresenta prova juntamente com ela. Assim comprova-se a existência de queixa por tal espécie de crime de difamação, pelo que o MºPº sobre tal crime tinha o dever legal de se pronunciar nos termos do artº 285º CPP.
Não o fez.
Qual a consequência processual?
Tal omissão na sua dupla vertente (falta de notificação do assistente para acusar e falta de pronuncia sobre indícios), tem sido entendida de modo diverso: para uns nulidade insanável prevista no artº 119º 1 c) CP e para outros nulidade dependente de arguição do artº 120º 2d) CPP por não haver sido praticado acto legalmente obrigatório, sujeita á arguição do artº 120º 3 c) CPP.
Assim:
Ac. TRP de 27/06/2012 www.dgsi.pt “I. Nos crimes particulares, o MP só ordena a notificação prevista no art.º 285º do CPP se não arquivar o inquérito por falta de pressupostos processuais, ou na sequência do conhecimento de questões prévias ou incidentais que impedem o conhecimento do mérito. II. A falta de notificação ao assistente para deduzir para deduzir acusação particular configura a nulidade sanável referida na alínea d) do n.º 2 do art.º 120º do CPP.”
Ac. TRC de 22/04/2015 www.dgsi.pt “I - Nos crimes públicos e semi-públicos, o MP deve acusar em primeiro lugar, podendo o assistente deduzir a sua acusação nos termos do artigo 284.º do CPP; nos crimes particulares, o assistente é que deve acusar primeiro, devendo o MP usar da faculdade do disposto no artigo 285.º, n.º 4, do CPP. II - Se nos crimes públicos e nos crimes semi-públicos a falta de acusação pelo MP corresponde a uma falta de promoção processual, logo, constitui a nulidade do artigo 119.º, alínea b), do CPP, também a falta de promoção do MP com vista á dedução de acusação particular pelo assistente, tem de conduzir ao mesmo vício e resultado”
Ac. TRP de 23/04/2014 www.dgsi.pt. “A falta de promoção de processo por crime particular integra a nulidade insanável prevista na alínea b) do artigo 119º do Código de Processo Penal, tornando inválido o acto em que se verificou, acarretando a invalidade do próprio despacho de arquivamento e de tudo o que foi praticado posteriormente ao arquivamento, designadamente as notificações efectuadas, toda a instrução e o próprio despacho de não pronúncia”.
Ac. TRP 18/12/2018 www.dgsi.pt “II – Constitui a mesma nulidade insanável a falta de notificação à assistente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 285º, nº 1, do Código de Processo Penal, no que ao crime de natureza particular se refere. III – Daí decorre a invalidade do próprio despacho e de todos os subsequentes, ao abrigo do disposto no artigo 122 do Código de Processo Penal, ali se incluindo o despacho que rejeitou o RAI, o que inviabiliza a apreciação do recurso sobre o mesmo interposto.”
Temos para nós que o vicio de que padece o inquérito é efectivamente o de falta de promoção pelo Mº Pº do seu desenvolvimento normal e legal, impeditivo do seu desenrolar, pois que a ordem dos actos processuais é obrigatória e imperativa ( cfr. quanto a esta imperatividade o Ac F.J nº 1/2000: “Integra a nulidade insanável da alínea b) do artigo 119.º do Código de Processo Penal a adesão posterior do Ministério Público à acusação deduzida pelo assistente relativa a crimes de natureza pública ou semipública e fora do caso previsto no artigo 284.º, n.º 1, do mesmo diploma legal”) e o seu não cumprimento impede o seu prosseguimento, pois tal como se expressa no ac TRL de 7/4/2010 www.dgsi.pt “A subsequente adesão do MP à acusação do assistente não supre a nulidade decorrente da omissão inicial da acusação pública, tal como a acusação do Ministério Público em crime particular não sana a inexistência da acusação que deve ser formulada pelo assistente.”, o que tudo determina, como se conclui no mesmo acórdão que “V. Assim sendo, está verificada a nulidade insanável da falta de promoção do processo pelo Ministério Público (artº 119º, al.b) do CPP) e, por via dela, a invalidade do despacho de arquivamento do inquérito e, bem assim, de todo o processado subsequente, voltando o processo à primeira instância para sanação do vício cometido”
Entender de outro modo, e não permitindo dessa maneira que o cidadão que se sinta ofendido possa exercer o seu direito de acesso aos tribunais para defender o que acha ser o seu direito, por o Mº Pº ter omitido acto essencial, - e que apenas ele pode praticar -, ao prosseguimento do seu processo, ofenderia o principio constitucional expresso no artº 20º 1, que dispõe que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos,…” eventualmente potenciadora de uma denegação de Justiça.
Os efeitos da nulidade são os decorrentes do artº 122º CPP, tornando inválido o acto em que se verificarem e todos os que dele dependerem e aquelas puderem afectar. A declaração de nulidade determina ainda os actos inválidos e ordena, se possível, a sua repetição.

Concluindo:
Tendo o assistente apresentado denuncia por crime particular, e o Mº Pº ao encerrar o inquérito e decidido o arquivamento dos autos, omitido o cumprimento integral do artº 285º CPP, incorreu em nulidade insanável de falta de promoção do processo quanto a tal ilícito criminal. Tal omissão determina a invalidade do acto e despacho de arquivamento, o que afecta todos os actos subsequentes que assim devem ser anulados.

Assim há que declarar nulo o despacho de arquivamento e todos os subsequentes, incluindo o despacho sob recurso e determinar a repetição do despacho de encerramento do inquérito em ordem além do mais a que se seja cumprido o disposto no artº 285º CPP omitido, que impediu o assistente de acusar pelo crime particular denunciado.
Procede assim o recurso.
+
Pelo exposto o Tribunal da Relação do Porto decide
Julgar procedente o recurso interposto pelo assistente e em consequência:
Declara a nulidade insanável do artº 119º 1 b) CPP por omissão de cumprimento do disposto no artº 285º 1 e 2 CPP, e anula o despacho final do inquérito de arquivamento e todos os demais subsequentes incluindo o despacho recorrido, e
Determina a prolação de despacho final de encerramento do inquérito com observância do disposto no artº 285º CPP omitido, seguindo-se os termos subsequentes;
Sem custas.
Notifique.
Dn
+
Porto, 12/5/2021
José Carreto (relator por vencimento)
Donas Botto [(Vencido com declaração de voto anexa)
Declaração de Voto:
Entendo que o recurso do Assistente devia improceder, por dois fundamentos distintos, ou seja, pela inexistência de factos alegados/investigados que consubstanciem o crime de difamação, razão pela qual o MP não tinha que cumprir o n.º 1 do art.º 285.º do CPP, quer ainda pela inexistência da invocada nulidade do art.º 119.º al. b) do CPP.
Senão vejamos.
O Assistente veio interpor recurso do despacho que, nos termos do disposto no art° 287°, n°l, al. b) e n.°2 e 3, do CPP, decidiu rejeitar-lhe o requerimento instrutório quanto ao crime de difamação, por inadmissibilidade legal de instrução.
Alega ainda que não foi notificado pelo Ministério Público nos termos e para os efeitos do artigo 285°,n°l do CPP, sendo que apresentou queixa em 7/09/2017 e nos demais termos dos complementos apresentados á mesma queixa crime, nos dias 10/11/2017 e 16/11/2018, contra a arguida Dra B…, pela prática dos crimes de usurpação de funções, falsificação de documentos e, pelo crime de difamação, o qual deu origem aos presentes autos.
No âmbito deste inquérito, o MP veio a proferir a 30/01/2020, despacho de arquivamento, alertando o Assistente para, querendo, requerer a intervenção hierárquica ou a abertura da instrução.
Consequentemente, o Recorrente veio requerer a Abertura de Instrução, pedindo a pronúncia da Arguida pela prática, em concurso real e da forma consumada, de dois crimes de falsificação de documento e um crime de difamação p.p. pelos artigos 256° e 180° respectivamente, todos do Código Penal.
Porém, o requerimento de abertura de instrução veio a ser rejeitado, como não podia deixar de ser, quanto ao crime de difamação, por estar em causa um crime de natureza particular, e não poder ser requerida pelo assistente, a abertura de instrução, como decorre do disposto pelo artigo 287°,n°l, alínea b, do CPP.
Na verdade, estando em causa o crime de difamação p.p. pelo artigo 180° do CPP, está vedado ao assistente requerer a abertura de instrução relativamente a crimes de natureza particular, atento o disposto no artigo 287°,n°l, al.b), do CPP que refere que "A abertura de instrução, pode ser requerida, no prazo de 20 dias, pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação".
Assim, quando o Ministério Público não tiver deduzido acusação, o ofendido, constituído assistente, não pode requerer abertura de instrução (art.º 287°,n° l, al. b), do CPP), mas sim, deduzir acusação (cfr. Ac. TRP de 27.06.2012, Proc. 853/11.7TAVFR.P1).
Por esta razão, parece-nos manifesto que o Sr. JIC não poderia ter deixado de rejeitar o Requerimento Instrutório naquela parte que alegadamente poderia consubstanciar um crime particular.
Por sua vez, também não podia o MP ordenar o cumprimento do n.º 1 do art.º 285.º do CPP, uma vez que nas queixas apresentadas, em momento algum o recorrente refere ou alega a existência de factos que consubstanciem o alegado crime de difamação, ou seja, em nenhuma delas o Assistente aludiu a factos passíveis de integrar esse crime particular de difamação, que não foi denunciado nem investigado com a recolha de indícios/prova específica no inquérito.
É certo que o recorrente alega que no dia 16/11/2018 entregou nos autos, um complemento à queixa-crime inicialmente apresentada, onde consta, do ponto 15 de tal aditamento/complemento, que: "A citada afirmação da Arguida vertida na letra da Contestação no âmbito do processo judicial (Processo n° 12997/18.0T8PRT) corresponde à prática de um crime de DIFAMAÇÃO punidos criminalmente nos termos da Lei em concurso real com os crimes já denunciados com a participação criminal entregue nos V. Serviços no passado dia 07/09/2017, bem como através dos complementos apresentados posteriormente".
Porém, repetimos, o recorrente não alegou um único facto susceptível de consubstanciar tal crime, limitando-se a mencionar o crime de difamação, pelo que o MP não poderia concluir que havia factos a depender de acusação particular, e consequentemente, a necessitar de dar cumprimento ao n.º 1 do art.º 285.º do CPP, pois nunca o assistente os mencionou, razão pela qual entendo, não pode haver omissão do MP no cumprimento desse preceito legal.
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Contudo, e este é o segundo fundamento para a improcedência do recurso do assistente, mesmo que se entendesse que houve a tal omissão de notificação do MP ao Assistente pelo crime de difamação, nunca a mesma consubstanciaria a invocada nulidade insanável da al. b) do art.º 119.º do CPP.
Na verdade, de acordo com a al. b) do citado artº 119º do CPP, constitui nulidade insanável que deve ser oficiosamente declarada, “A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artº 48º…”.
Estabelece este último preceito legal que “O Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal, com as restrições constantes dos artigos 49º a 52º”.
Por sua vez, o nº1 do artigo 50º, do mesmo diploma legal, diz que “Quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação”, acrescentando o nº 2 que “O Ministério Público procede oficiosamente a quaisquer diligências que julgue indispensáveis à descoberta da verdade… participa em todos os actos processuais em que intervier a acusação particular, acusa conjuntamente com esta e recorre autonomamente das decisões judiciais”.
Assim, o Ministério Público detém a titularidade da acção penal, com as excepções taxativamente previstas na lei, onde se estabelecem restrições à promoção do processo penal por parte do MP, como é o caso nos crimes particulares em que a lei faz depender o procedimento criminal de acusação particular.
Porém, a referida omissão não coincide com a falta de promoção do processo e, consequentemente, com a nulidade insanável prevista no artº 119, al. b), do CPP, pois tal corresponde a falta de acusação do MP em relação a crimes públicos e semi-publicos (cfr. anotação 4 ao art.º 119.º do CPPP, por Pinto de Albuquerque, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II,1999, pág. 76, e nota 5 ao art.º 119.º do CPP Comentado, por Henrique Gaspar).
Também Maia Costa, no mesmo CPPC, Almedina, 2014, pág.997/998, embora a propósito da falta de tomada de posição do MP, refere:A omissão de tomada de posição do Ministério Público constitui nulidade sanável, nos termos do artigo 120º,nº2,al.d) e não nulidade insanável do art.119º,nº1,b), pois essa omissão não constitui falta de promoção do processo, uma vez que, no procedimento por crimes particulares, a promoção cabe ao assistente”.
Ainda Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao artigo 285º, do CPP, in CCPP, pág. 749, segue o mesmo entendimento de que a falta de pronúncia configura a nulidade sanável prevista no artigo 120º, nº2, b), traduzida no facto “de não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios”.
Na verdade, em matéria de nulidades processuais penais, como é sabido, vigora o princípio da legalidade, de acordo com o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei (cfr. art.°118.°, n.°1, do Código de Processo Penal), sendo que, nos casos em que a lei não comine a nulidade, o ato ilegal é irregular (cfr. art.° 118°, n° 2, do Código de Processo Penal).
Ora, decorre da conjugação destes preceitos que “a «violação ou inobservância» das «disposições da lei do processo penal» só determinará a invalidade do acto quando a consequência for expressamente cominada na lei. O princípio da legalidade do processo e dos actos desdobra-se, deste modo, em matéria de nulidade ou invalidade, na consequência que se afirma na expressão de um numerus clausus dos fundamentos da invalidade; a nulidade do acto não resulta da simples violação ou inobservância de disposições legais, mas tem que estar expressamente prevista como consequência da violação ou inobservância das condições ou pressupostos que a lei expressamente referir.
A violação ou inobservância das condições ou pressupostos do acto, que não constitua nulidade, determina apenas a «irregularidade» do acto.” (Henriques Gaspar, in Código de Processo Penal Comentado (2014), anotação ao artigo 119º, pág. 383).
Ora, se percorrermos o Código de Processo Penal, não descortinamos qualquer normativo que comine com o vício da nulidade insanável, tal omissão.
Por isso, a omissão da notificação ao Assistente para dedução de acusação particular, nos termos do disposto no artigo 285° do CPP, não está prevista como nulidade insanável, nem no artigo 119° do CPP., nem em outra disposição legal.
O que se poderia verificar nos presentes autos, quando muito, era apenas a omissão pelo Ministério Público da prática de um acto legalmente obrigatório, exigido pelo artigo 285°,n°l do CPP, o que constituiria uma nulidade sanável, dependente de arguição, nos termos do disposto na alínea d), do n.°2 do artigo 120° do CPP.
Assim, a falta de notificação do MP ao assistente para deduzir acusação particular, no caso dos autos, apenas poderia constituir uma nulidade sanável prevista no art.º 120.º n.º 2 al. d) por se tratar de acto legalmente obrigatório (neste sentido, Germano Marques da Silva, in Curso PP, tomo III, pág. 104 e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário…, anotação 6, al. f) ao art.º 120.º do CPP).
Contudo, tal nulidade deveria ter sido arguida pelo Assistente até 5 dias após a notificação do despacho que encerrou o inquérito, ou, no requerimento de abertura de instrução.
Não tendo sido arguida, tal nulidade ficou sanada.
Assim, entendo que, quer por um ou outro dos invocados fundamentos, o recurso teria sempre de improceder.]
Francisco Marcolino de Jesus (Presidente de Secção)