Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA | ||
| Descritores: | CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS OBJETO DA PRESTAÇÃO PRAZO PARA O CUMPRIMENTO PERDA DE INTERESSE NA PRESTAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP202510096178/22.5T8VNG.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - O direito à resolução do contrato exige que o devedor tenha incorrido em incumprimento definitivo dos seus deveres de prestação. II - Se as partes não acordaram qualquer prazo para a prestação ser realizada, o devedor não incorre sequer em mora enquanto não for feita a fixação do prazo por uma das vias alternativas possíveis. III - A perda de confiança na outra parte não equivale à perda objectiva do interesse na prestação. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | RECURSO DE APELAÇÃO ECLI:PT:TRP:2025:6178.22.5T8VNG.P1 * SUMÁRIO:……………………………… ……………………………… ……………………………… ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I. Relatório: AA, contribuinte fiscal n.º ... e mulher BB, contribuinte fiscal n.º ..., residentes em ..., Vila Nova de Gaia, instauraram acção judicial contra CC, contribuinte fiscal n.º ..., residente em ..., Porto, e A..., Lda., NIPC ..., com sede na ..., Vila Nova de Gaia, pedindo a condenação dos réus a pagarem-lhe: - a título de danos patrimoniais, a quantia de 6.011,82€ (sendo € 3.675,00 da responsabilidade do 1.º réu e € 2.336,82 da responsabilidade do 2.º réu), e a título de danos não patrimoniais, solidariamente, a quantia de € 1.800,00, valores acrescidos de juros de mora desde a citação até integral pagamento. Para fundamentar o seu pedido alegaram, em súmula, que em 25 de Maio de 2018 celebraram um com o réu CC um contrato de prestação de serviços para a elaboração de um projecto de arquitectura para construção de uma habitação unifamiliar, mediante os honorários de € 3.305,00, que os autores acabaram por pagar na totalidade, sendo que nesse contrato estava ainda incluído a execução do projecto de especialidades cuja elaboração ficaria a cargo de colaboradores do 1.º réu, neste caso, a ré A..., Lda. e cujo preço ficaria a cargo dos autores. Sucede que o réu CC e a ré A..., Lda. não cumpriram as suas obrigações contratuais, cometendo erros grosseiros na elaboração, instrução e apresentação dos projectos que elaboraram em resultado dos quais estes não reúnem as condições básicas de conformidade com as normas legais/regras municipais aplicáveis ao tipo de construção visado. Os réus foram citados e apresentaram contestação comum, arguindo a ilegitimidade da ré sociedade por ter sido com outra entidade que foi celebrado o alegado contrato, e impugnando os factos alegados, defendendo a improcedência da acção por não ter havido incumprimento do contrato. No despacho saneador, a acção foi julgada improcedente no que respeita à ré sociedade A..., Lda. a qual foi absolvida dos pedidos formulados pelos autores Foi igualmente indeferido o pedido de intervenção principal provocada deduzido pelos autoras na sequência da invocação da ilegitimidade daquela ré. Os autores requereram e o tribunal admitiu a ampliação do pedido, no sentido de o réu CC ser condenado a pagar a totalidade dos €6.011,82 a título de danos patrimoniais e dos € 1.800,00 a título de danos não patrimoniais. Realizado julgamento foi proferida sentença, tendo a acção sido julgada improcedente e o réu absolvido dos pedidos. Do assim decidido, os autores interpuseram recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: A. […] B. Isto porque, salvo o devido respeito, desde logo, entendem os apelantes que a douta sentença ora recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia sobre questões que devia apreciar, nos termos do estatuído nos artigos 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, alínea d) e n.º 4 do C.P.C., porquanto se verifica que o Dign.º Tribunal a quo não apreciou todos os pedidos. C. Descurando, por completo, da ampliação do pedido, admitida nos termos do douto despacho de 01/06/2023, sob a Ref.ª 448725549, porquanto, não só não fez constar aquela circunstância do relatório/objecto do litígio, como também não se debruçou o Dign.º Tribunal sobre a factualidade atinente à não aprovação do projecto das especialidades, e consequências daquela, no termos do (in)cumprimento da relação contratual dos autos, entre o aqui autor e o réu, Arq.º CC. D. Trata-se, pois, de factualidade essencial – os projectos de especialidades, e razões da sua não aprovação -, relevante à decisão da causa, que, aliás, da discussão da causa resultou patente e/ou com suficiente consistência para ser tida por demonstrada, conforme veremos infra. E. E, dessa forma, sendo a douta sentença proferida completamente omissa nesta questão, é notório que, “in casu”, foi violado o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do C.P.C., por a sentença proferida não ter resolvido todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação. F. A não observância do exposto, constitui, assim, causa de nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) e n.º 4 do C.P.C., o que aqui expressamente se invoca, com todas as devidas e legais consequências daí derivantes. G. Pelas razões que a seguir se aduzirão, e sem prescindir de tudo quanto supra exposto no que respeita à nulidade da sentença recorrida, de maneira alguma podem os aqui apelantes conformarem-se com a decisão de facto proferida por este Dign.º Tribunal, pretendendo uma nova análise sobre a matéria fáctica que foi objecto de discussão em audiência de julgamento, ou seja, visam os apelantes “obter a reforma de sentença injusta, de sentença inquinada de vício substancial ou de erro de julgamento” (cf. Anselmo de Castro, Direito Processual Declarativo, 1981, 1.ª, pág. 60, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado). H. Isto porque, entendem os ora Apelantes que o Dign.º Tribunal “a quo” deixou de dar como provada factualidade que deveria ter merecido resposta positiva, como seja, a factualidade constante dos factos não provados, sob os números 4, 10, 12, 13, parte do 14 e parte do 16, e supra identificados, e, por isso, impugnam a decisão proferida sobre a matéria de facto, havendo que reapreciar a prova produzida nos autos. I. Assim, em obediência ao disposto no artigo 640.º do C.P.C., importa aqui salientar a este propósito as passagens dos depoimentos que se revelaram importantes para que a decisão sobre a matéria de facto apontada fosse apreciada e proferida de modo diferente, as quais supra se transcreveu e que aqui por razões de economia processual se dão por integralmente reproduzidas, designadamente, os depoimentos das testemunhas DD e EE. J. Do que, evidente é, que da prova produzida, e supra transcrita, conjugada com as regras da experiência comum, haveria o Dign.º Tribunal a quo de convergir em decisão contrária à tomada. K. Com efeito, as testemunhas supra identificadas, conforme se colhe dos excertos supra transcritos, foram claras em evidenciar que os atrasos no processo de licenciamento incumbido ao aqui réu, provocaram no autor, e mulher, forte desgaste psíquico; é evidente todo o stress, angústia e preocupação dos aqui apelantes, com a situação do licenciamento em causa, tanto que o autor marido teve mesmo necessidade de baixa médica, face à sua incapacidade para o exercício profissional, atenta a degradação da sua saúde psíquica. E, também a apelante mulher, teve depressão e foi medicada. L. Mais decorre que, por força da factualidade tida como provada, quanto ao procedimento de licenciamento em causa, os aqui autores viram-se obrigados a viver durante anos numa casa arrendada, com o inerente sacrifício financeiro que assim tal circunstância o representou. M. Isto para dizer que, não só pela prova testemunhal supra, mas, acima de tudo, decorre das regras da experiência comum que a factualidade aqui exposta, que deverá ser dada como provada, encontra correspondência no “normal acontecer”. N. Em razão do que, deverá ser alterada a decisão de facto, passando a constar dos factos provados tudo quanto consta dos pontos 4.º, 10.º, 12.º, 13.º, parte do 14.º e parte do 16.º dos factos não provados, como seja: - (4) O que determinou desgaste psíquico dos autores. - (10) O comportamento do réu levada à factualidade provada impôs aos autores a obrigatoriedade de permanecerem em habitação arrendada. - (12) Os autores sofreram elevado abalo emocional entre meados de 2018 e Julho de 2019. - (13) Os autores andavam constantemente preocupados como o desenrolar do referido processo camarário. - (14) Inquietados com os atrasos verificados, o que mais se agravava de cada vez que recebiam notificação de rejeição e/ou pedido de esclarecimentos por parte da CM.... - (16) O dia-a-dia dos autores tornava-se penoso, afectando o estado de saúde dos mesmos, que necessitaram de ajuda médica e medicamentosa para ultrapassar a situação. O. No modesto entender dos aqui Apelantes, e salvo melhor opinião, conclui-se que o Digníssimo Tribunal “a quo” não ponderou devidamente a matéria de facto que lhe foi apresentada, tendo, por isso, feito uma incorrecta valoração dos meios de prova que lhe foram apresentados, violando, pois, o espírito subjacente ao disposto nos artigos 362.º e seguintes do C.C. e, bem assim, nos artigos 410.º e 413.º do CPC. P. Razão pela qual, tendo por referência tudo quanto se disse supra, se entende que deverá ser feita uma correcção da matéria de facto, designadamente, quanto aos pontos supra identificados – na formulação infra -, sendo assim decisivo o respectivo controlo através desta sindicância, -, com o seu consequente reflexo da decisão de direito. Q. Ainda sem prescindir de tudo quanto supra exposto, a manter-se a decisão de facto proferida, sempre entendem ainda os aqui Apelantes que a decisão de direito enferma de erro de julgamento. R. Perante os factos apurados é inequívoco que entre os aqui apelantes e o réu se estabeleceu uma relação no âmbito de um contrato de prestação de serviços (artigo 1154.º do Código Civil), tratando-se, claro está, de uma obrigação de resultado, de acordo com as condições estipuladas entre as partes, nos termos do contrato junto aos autos, e transcrito supra na alínea C) dos factos provados. S. Neste caso, o resultado corresponde, no que respeita à análise do dito contrato, não só à aprovação pela entidade administrativa competente do projecto de arquitectura, mas, também, aos próprios projectos de especialidades e, tudo isto, claro está, dentro dos “timings” estabelecidos. T. Da factualidade provada, e supra transcrita, não haveria senão o Dign.º Tribunal ter concluído que a não obtenção do resultado a cargo do prestador de serviços (neste caso, do arquitecto, aqui réu), dentro do prazo a que se obrigou, não poderia deixar de configurar incumprimento do contrato sub judice. U. Assim, remetendo para tudo quanto se expendeu supra, e cujo teor aqui se dá por reproduzido, é inequívoco que, a contrario do entendimento plasmado na decisão aqui recorrida, o réu, o Arq.º CC, cometeu vários erros grosseiros, nomeadamente ao não anexar ao processo de licenciamento documentos tão imprescindíveis como a caderneta predial, ao não identificar correctamente o n.º do lote do terreno onde seria implantada a construção e ao ignorar por completo o Plano Director Municipal (PDM), no que diz respeito a alinhamentos muros de vedação e passeio e ao apresentar um projecto incompleto quanto a todos os seus elementos obrigatórios que desembocam numa clara e evidente violação contratual. V. Além de ser também este responsável pela apresentação de um projecto de especialidades que foi alvo de reprovação camarária, não reunindo s condições básicas de conformidade com as normas legais/regras municipais aplicáveis para o tipo de construção. W. Perante esta factualidade, a verdade é que volvidos mais de 12 (doze) meses desde a contratação sub judice, os referidos projectos encontravam-se sucessivamente feridos de erros/vícios que, de forma alguma, permitiam a sua aprovação e consequente início da obra. X. Face a todo este circunstancialismo, resulta à saciedade que o Réu não procedeu, pelo menos de forma definitiva, à resolução de todos os lapsos/erros que foram sendo detectados pelos serviços camarários nos projectos (ambos) da sua responsabilidade. Y. Por esse mesmo motivo, modestamente, consideraram os Autores que se encontrava definitivamente quebrada a relação de confiança para com o réu, constituindo, pois, fundamento de responsabilidade contratual por parte do aqui réu, pelo que, remeteram então a comunicação datada de 23.07.2019 – Cf. factos provados sob as alíneas DD a FF. Z. Na situação dos autos, é claro e evidente que os autores solicitaram, e a isso se obrigou o réu, um projecto de construção (arquitectura e especialidades) de uma moradia, em terreno de sua propriedade, fixando-se prazos para a elaboração desse projecto e a remuneração devida, que seria escalonada no tempo e de acordo com as fases ali enumeradas. AA. Ora, além dos prazos para a realização dos ditos projectos não terem sido devidamente cumpridos, mais sucedeu que os mesmos colidiam com as regras municipais/legais em vigor. BB. Sendo que, não obstante, confrontado o réu com a intenção de indeferimento da CM..., tendo o mesmo apresentado reformulação do projecto de arquitectura, certo é que, após aquela reformulação do projecto de arquitectura, foram elencadas novas divergências, desta feita, nas especialidades. CC. Perante esta factualidade, haverá que concluir que o aqui réu não agiu com a necessária diligência, esmero e observância dos ditames legais, seja, cumpriu defeituosamente o contrato, o que confere aos autores direito a exigir do réu os danos que sofreram em resultado do ilícito contratual - artigo 798º do Código Civil. DD. O incumprimento, se imputado ao devedor, responsabiliza-o pelos danos causados ao credor, nos termos dos artigos 798º, 801º e 804º do Código Civil, sendo sobre o devedor que recai o ónus da prova do cumprimento não imputável, face à presunção de culpa do nº 1 do artigo 799º do citado diploma legal. EE. No caso dos autos, como se disse e se reitera, estando o réu vinculado à elaboração de projectos (arquitectura/especialidade), com vista à sua aprovação pela Câmara Municipal ..., necessário seria que o réu tivesse diligenciado de molde a obter o resultado contratado – o que não sucedeu. FF. A inércia do réu perante as solicitações dos autores e da respectiva edilidade, sem que tenham ultimado os projectos em causa com êxito, desencadeia, pois, o direito dos autores à resolução do contrato, nos termos gerais decorrentes dos artigos 801º, nº 1, 804º, nº 2 e 808º, nº 1, todos do Código Civil. GG. A responsabilidade pela violação da aludida obrigação de resultado gera, então, a obrigação de indemnizar os danos causados ao credor. HH. Assim sendo, não se pode aceitar os termos da decisão tomada por este Dign.º Tribunal a quo. II. Indubitável que o réu não cumpriu com as obrigações assumidas no contrato de prestação de serviços, firmado com o aqui autor marido, causando-lhe com a sua actuação, ilícita e culposa, danos patrimoniais e não patrimoniais, JJ. Danos esses (patrimoniais) que, inquestionavelmente, corresponderão ao montante pago pelos aqui autores por todo o processo de legalização, consubstanciado nos projectos a cargo dos réus, a que foi atribuído o n.º ... – ... - ..., o qual, como vimos, totaliza a quantia de €6.011,82 (seis mil e onze euros e oitenta e dois cêntimos), correspondendo a: - €3.305,00 – pagos ao aqui Réu (em 5 tranches de €661,00/cada); - €370,00 – pagos à “B...”; - €2.336,82 – pagos ao aqui projectista. KK. Acrescido do montante devido a título de danos não patrimoniais, o qual, equitativamente, nos termos do n° 3 do artigo 566° do Código Civil, se há-de fixar em quantia não inferior a €1.800,00 (mil e oitocentos euros), LL. Isto porque, em consequência desta actuação do réu, além de se encontrarem os autores obrigados a permanecer em habitação que não própria, suportando todos os custos inerentes a essa factualidade, sofreram os aqui autores de elevado abalo emocional; andando constantemente preocupados como o desenrolar do referido processo camarário, inquietados com os atrasos verificados, o que mais se agravava de cada vez que recebiam notificação de rejeição e/ou pedido de esclarecimentos por parte da respectiva edilidade; necessitando de ajuda médica e medicamentosa para ultrapassar aquela debilidade. MM. Assim, por tudo o supra exposto, entende-se que a douta sentença merece, com o devido respeito, censura por errada aplicação do direito, pois que, salvo o devido respeito, mal andou o Dign.º Tribunal “a quo” ao ter proferido a decisão absolutória, nos termos em que o fez, isto é, ao não ter afastado a condenação “in totum” do aqui Réu, em clara violação dos artigos 800.º, 801.º, 804.º, 808.º e 566.º, todos do Código Civil. NN. Termos em que, deverá ser revogada a decisão aqui recorrida, sendo substituída por outra julgando a acção totalmente procedente, que condene o aqui réu, ora apelado, nos termos do peticionado. Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, por via disso, revogada a douta sentença recorrida, sendo substituída por outra que julgue a acção totalmente procedente, com a consequente condenação do réu no pedido contra o mesmo aduzido, com o que V. Exas. julgarão, como sempre, com inteira e sã justiça! No prazo legal não foi apresentada resposta a estas alegações. Após os vistos legais, cumpre decidir. II. Questões a decidir: As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões: i. Se a decisão recorrida é nula. ii. Se deve ser conhecida a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e/ou determinada a ampliação da matéria de facto. iii. Se estavam reunidos os pressupostos do direito à resolução do contrato por incumprimento do réu, designadamente se o réu se encontrava em incumprimento definitivo em relação aos deveres de prestação relativos ao processo administrativo de licenciamento da construção. III. Nulidades da decisão recorrida: Os recorrentes sustentam que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia. Alicerçam esse vício na circunstância de terem sido alegados factos atinentes aos projectos das especialidade que são essenciais para a boa decisão da causa e o tribunal a quo não os apreciou, deixando assim de resolver todas as questões que foram submetidas à sua apreciação. Salvo melhor opinião, não têm razão. O artigo 615.º do Código de Processo Civil qualifica como causas de nulidade da sentença, além de outras, as seguintes situações: a) falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar. O artigo 607.º do mesmo diploma, relativo ao conteúdo da sentença, estabelece que: i) a sentença contém os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final; ii) na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, e toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito. Esta norma está em consonância com o disposto no artigo 154.º segundo o qual as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas, não podendo a fundamentação consistir na simples adesão aos fundamentos alegados por uma das partes. Em função destas disposições deve distinguir-se entre falta de fundamentação de facto da sentença e insuficiência da matéria de facto constante da sentença. A primeira situação gera a nulidade da sentença, com as consequências inerentes a esse vício e ao modo de o sanar. A segunda situação não inquina a sentença e gera apenas a necessidade de proceder à ampliação da matéria de facto por determinação da Relação quando a parte logre convencê-la dessa necessidade. As questões de que o tribunal tem de conhecer são as questões jurídicas, ou seja, os assuntos de natureza jurídica suscitados pelo modo como o autor configurou a acção e o réu a sua defesa. As questões não se confundem com os argumentos que são os raciocínios intelectuais que conduzem à escolha da solução para aquelas. Para alcançar essa solução, o tribunal necessita primeiramente de apresentar os fundamentos da decisão, que são os fundamentos de facto e os fundamentos de direito: aqueles são os dados de facto que constituem o caso jurídico sob julgamento; estes são as normas legais e os institutos jurídicos em cuja previsão se integra o caso. Desta distinção retira-se que a falta de pronúncia do tribunal sobre um facto alegado, no sentido de o julgar provado ou não provado, não é uma omissão de pronúncia no sentido em que este vício determina a nulidade da sentença, ou seja, a falta de pronúncia sobre uma «questão». O tribunal pode não se pronunciar sobre um facto e mesmo assim pronunciar-se todas as questões suscitadas pelas partes e/ou que são do seu conhecimento oficioso, caso em que a sentença que vier a proferir não enferma dessa nulidade. Acresce que o tribunal não tem de julgar a totalidade dos factos alegados; só tem de julgar os factos que são indispensáveis para a boa decisão da causa, ou seja, todos os factos necessários para apreciar a causa de pedir apresentado pelo autor e as excepções opostas pelo réu. Portanto, se o tribunal não julgar, provado ou não provado, um facto que se mostre indispensável para essa finalidade, o vício com que nos deparamos é o da insuficiência da matéria de facto, ou, se quisermos, da fundamentação de facto. Este vício não determina a nulidade da sentença, determina quando muito, se o tribunal de recurso assim o entender, a necessidade de determinar a ampliação da matéria de facto, observando-se o disposto nas alíneas c) dos n.ºs 2 e 3 do artigo 662.º do Código de Processo Civil: sendo indispensável a ampliação da matéria de facto, a decisão proferida na 1.ª instância é anulada e repete-se o julgamento mas apenas na parte respeitante à ampliação, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, para evitar contradições. A anulação da decisão não é efeito de a decisão ser nula, a anulação é a consequência processual da necessidade de ser proferida uma nova depois de os novos factos serem decididos e acrescentados (na medida em que forem julgados provados) à respectiva fundamentação de facto. Por conseguinte, a sentença recorrida não é nula por omissão de pronúncia. Oportunamente veremos se é necessário determinar a ampliação da matéria de facto. IV. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto: O recorrente impugnou a decisão sobre a matéria de facto, defendendo que sejam julgados provados ainda os seguintes factos que foram julgados não provados: (4) O que determinou desgaste psíquico dos autores. (10) O comportamento do réu levada à factualidade provada impôs aos autores a obrigatoriedade de permanecerem em habitação arrendada. (12) Os autores sofreram elevado abalo emocional entre meados de 2018 e Julho de 2019. (13) Os autores andavam constantemente preocupados como o desenrolar do referido processo camarário. (14) Inquietados com os atrasos verificados, o que mais se agravava de cada vez que recebiam notificação de rejeição e/ou pedido de esclarecimentos por parte da CM.... (16) O dia-a-dia dos autores tornava-se penoso, afectando o estado de saúde dos mesmos, que necessitaram de ajuda médica e medicamentosa para ultrapassar a situação. Pelas razões que abaixo serão explicadas, a apreciação desta impugnação é inútil, porquanto o desfecho jurídico do caso não dependente minimamente destes factos, os quais são totalmente irrelevantes para impedir o conhecimento do mérito e/ou interferir com a solução de direito impostas pelos factos provados cuja decisão não foi impugnada. Ora, a reapreciação da decisão matéria de facto é, como sabemos, um meio para o recorrente conseguir reverter a seu favor uma decisão jurídica fundada numa certa realidade de facto mas que o recorrente pretenda que seja outra. Não sendo possível que a alteração da decisão da matéria de facto possa ter alguma influência sobre a decisão da matéria de direito, em sentido favorável ao recorrente, deixa de ter justificação a impugnação deduzida, traduzindo-se antes na prática de um acto inútil, por isso ilícito. Nesses termos não se conhecerá desta impugnação. V. Fundamentação de facto: Encontram-se julgados provados em definitivo os seguintes factos: A. No dia 4 de Maio de 2018, o autor adquiriu um terreno destinado a construção, sito no lugar ..., na Rua ..., da freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo .... B. Este prédio encontra-se registado com aquisição a favor de AA “casado no regime da comunhão de adquiridos com BB”. C. Por escrito com a epígrafe “Contrato de Prestação de Serviços”, datado de 25 de Maio de 2018, assinado pelo punho dos outorgantes, consta: Primeiro, AA (…) adiante designado como primeiro Outorgante; Segundo, CC (…) adiante designado como segundo Outorgante” foi estipulado: “1. Objectivos do contrato. Constitui objecto do presente contrato a elaboração pelo Segundo Outorgante do projecto de Arquitectura para, habitação unifamiliar, em tudo o que não estiver alterado pelo disposto nas cláusulas que se seguem. Nota- Poderão considerar-se também partes integrantes do contrato com ressalva idêntica à atrás referida, todos os documentos que conduzam ao acordo que consubstancia a vontade negocial. 2. Âmbito do contrato. Os estudos abrangerão o projecto de arquitectura a) Programa Base; b) Estudo Prévio; c) Projecto Base; d) Execução de Caderno de obra; e) Assistência técnica à obra. 3. Coordenação. Desempenhará e assumirá as funções de coordenador de todos os estudos, a elaborar e a entregar pelo segundo outorgante, o Arq. CC que nessa qualidade se responsabilizará pela actuação de toda a equipa, assim como individualmente por cada elemento que a compõe. 4. Fases. A prestação de serviços pelo segundo outorgante obedecerá às seguintes fases: f) Programa Base, g) Estudo Prévio, h) Projecto Base, i) Execução de Caderno de obra, j) Assistência técnica à obra. 5. Prazos. Para a elaboração das fases enumeradas na cláusula anterior são estabelecidos os seguintes prazos: k) Programa base a executar no prazo de 10 dias, após a verificação da eficácia do presente contrato; l) Estudo prévio a executar no prazo de 15 dias, após a comunicação da aprovação da fase anterior; m) Projecto base a executar no prazo de 20 dias, após a aprovação da fase anterior; n) Caderno de obra a executar no prazo de 30 dias. 6. Honorários e Remunerações. 6.1 Pela prestação dos serviços objecto do presente contrato calculada em função do custo previsível das obras a que o objecto da prestação de serviços se refere nos termos da Portaria MOP 7.2,72 e sucessivas actualizações, pagará o Primeiro Outorgante a título de honorários a importância de €3.306 (três mil trezentos e cinco euros). 6.2 Dos honorários previstos acrescerá a importância destinada à satisfação pelo Segundo Outorgante da liquidação e pagamento do IVA, conforme legislação em vigor. 7. Formas de pagamento. 7.1. O pagamento dos honorários fixados na cláusula anterior: o) Primeira prestação, correspondente ao acto da assinatura do presente contrato na importância de 661€; p) Segunda prestação, correspondente à apresentação do Programa base, 661€; q) Terceira prestação, correspondente à apresentação do Estudo Prévio, 661€; r) Quarta prestação, correspondente à apresentação do Projecto Base 661€; s) Quinta prestação, correspondente ao Caderno de obra; 661€ t) Sexta prestação, correspondente à assistência Técnica à obra (por visita) 0€. 7.2 O Segundo Outorgante reserva-se o direito de não executar a fase seguinte enquanto não estiver liquidada a anterior. Condições Gerais. Os Outorgantes declaram ser do seu conhecimento e aceitação as "Condições Gerais de Contratação" constantes de documento-tipo da AAP que é considerado como anexo ao presente contrato, nomeadamente no referente a Regulamentação aplicável Subcontratação de serviços Âmbito de intervenção do Primeiro Outorgante e do Segundo Outorgante Âmbito de intervenção da AAP Prorrogação de prazos Apresentação e Forma de pagamentos Revisão de honorários Suspensão e Rescisão do Contrato Indemnizações Penalidades Responsabilidade Aditamentos Deslocações e ajudas de custo Direito de Autor Conflitos Cláusula compromissória”. D. Em anexo ao documento intitulado de “Contrato de Prestação de Serviços” consta ainda um outro, intitulado de “orçamento de projecto de arquitectura”, ao qual foi aposta a data de 7 de Novembro de 2016, apresentado pelo réu ao autor em vista do projecto de arquitectura para construção da habitação unifamiliar. E. Consta deste “orçamento”, entre o mais, que “todas as fases referidas aqui só serão executadas mediante a solicitação do requerente e após a aprovação da fase anterior” e, “de referir que para licenciamento camarário é necessário todas as fases até aos projectos específicos”. F. Por mensagem datada de 23/10/2018 pessoa com o nome de FF enviou ao réu CC uma mensagem de correio electrónico, com os dizeres: Boa noite, Arq. CC, Conforme combinado, reenvio em anexo o email infra com o Orçamento para a obra do Sr. AA, em .... G. Em anexo a esta mensagem foi junto um orçamento, tendo por destinatário “CC, Arqº”. H. Por mensagem datada de 25/02/2019, pessoa com o nome de FF enviou ao réu CC uma mensagem de correio electrónico, com os dizeres: Boa tarde, Arq. CC Envio link do ... para efectuar download dos ficheiros dos Projectos de especialidades, de forma a serem colocados no ... da B.... Em anexo envio também as facturas em nome do Cliente, referentes ao pagamento dos valores da certificação do Gás e Térmica - A Factura da ADENE irá por correio para a morada do cliente. Resumidamente falta liquidar os restantes 60% do Valor 2250.00€ = 1350.00€ + 49.82€ (Taxa ADENE) + 37.00€ (factura do Gás) = Total 1436.82 € pelo que agradeço a sua atenção junto do cliente, para que assim que possível efectue o pagamento. I. Os autores pagaram ao réu, em numerário, cinco prestações de €661,00, a 1.ª a 11/06/2018, a 2.ª a 03/07/2018, a 3.ª a 31/07/2018, a 4.ª 24/09/2018, e a 5.ª a 08/11/2018. J. A execução do projecto de especialidades, no âmbito da 4.ª fase, ficaria a cargo de colaborador escolhido pelo réu, FF, sócio e gerente da sociedade que depois constituiu, a 1.7.2019, a A..., Lda. K. O projecto de especialidades incluía os vários projectos de estabilidade, infra-estruturas hidráulicas (abastecimento, saneamento e pluviais), térmica, acústica, gás, ITED e ficha electrotécnica. L. A elaboração deste projecto de especialidades importava o pagamento do preço de €2.250,00 a ser liquidado pelos autores a FF em duas tranches: a primeira de 40%, no acto de adjudicação, e a segunda de 60%, no acto da entrega das especialidades e termos de responsabilidade para as entidades licenciadoras. M. No dia 25 de Outubro de 2018, os autores deram ordem bancária para transferência da primeira parcela, no montante de €900,00. N. E no dia 26 de Fevereiro de 2019 deram ordem bancária para transferência da segunda parcela, no montante de €1.350,00, acrescido da taxa ADENE, no valor de €49,82, e da factura do gás, no valor de €37,00, no total de €1.436,82. O. No dia 26.9.2018, o réu submeteu electronicamente o formulário destinado à apresentação do projecto de arquitectura à apreciação da Câmara Municipal ..., designadamente à B..., EM. P. O que pressupôs o pagamento da taxa de apreciação, no valor de €170,00, que foi liquidada pelos autores ainda no mesmo dia 26. Q. Posteriormente, no dia 2.10.2018, o autor autorizou ao réu CC, mediante assinatura digital de formulário “modelo”, a prática de todos os actos necessários à conclusão do processo administrativo. R. Já com a autorização, o réu procedeu à junção de novos elementos junto da B.../CM..., tendo sido necessário o pagamento de nova taxa, no valor de €10,00. S. No mês seguinte, a 7 de Novembro de 2018, os autores liquidaram uma taxa junto da B.../CM..., a pedido do réu, no valor de €10,00. T. A 13 de Dezembro de 2018, o réu contactou o autor para que este último liquidasse mais uma taxa no valor de €170,00, o que o autor fez. U. No dia 14 de Dezembro de 2018 foram os autores notificados da confirmação por parte da Câmara Municipal ... de que estavam reunidas as condições necessárias à apreciação do pedido efectuado a 26 de Setembro de 2018, com a atribuição do n.º de processo ... – ... – .... V. Em data não apurada, os autores foram notificados pelos serviços da B... para aperfeiçoamento do requerimento. W. Em resposta, o réu apresentou novo requerimento na B... a 28.2.2019. X. Tendo solicitado aos autores o pagamento de nova taxa no valor de €10,00. Y. Em Março de 2019 os serviços camarários solicitaram pareceres junto de 3 entidades externas, designadamente a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN), a APA – ARH Norte e a Junta de Freguesia .... Z. O que o réu, a 3 de Abril de 2019, informou os autores, na sequência de pedido, apresentado por estes, de informação do estado do processo. AA. A 3 de Julho de 2019, a Directora Municipal de Urbanismo e Ambiente da Câmara Municipal ... (CM...) comunicou que, por despacho do Vice-Presidente, o projecto de arquitectura não reunia condições de aprovação porque: a) A CCDR-N emitiu parecer negativo por não estar correctamente identificada a área de implantação da construção pretendida licenciar. b) O projecto estava em desconformidade com o Regulamento do PDM, designadamente quanto aos alinhamentos do muro e passeios, e quanto à altura das vedações não confinantes com a via pública, c) Faltava ainda no projecto a planta de cedências, com explícita identificação das áreas de terreno a integrar no domínio privado e no domínio público e, bem assim, a definição no projecto de arquitectura da área destinada à instalação do receptáculo postal. BB. Informa nessa comunicação a CM... que deverão ser apresentadas alegações ou a reformulação do projecto de arquitectura em 30 dias. CC. Interpelado para o teor do despacho da CM... de 3.7.2019, o réu, não obstante assumir o erro perante os autores, informou que em consequência da incorrecção do projecto em causa, o pedido de licenciamento atrasaria mais um mês. DD. Os autores, por carta datada de 23.7.2019, enviada sob registo de 25.7.2019, recebida pelo réu, solicitaram ao réu a devolução de todos os valores que lhe tinham sido até então pagos, no valor global de €5.855,00, alegando que os projectos não se demonstravam sequer conformes e aptos a serem deferidos pelos serviços camarários, nomeadamente por o projecto “(…) sofrer de diversas lacunas e deficiências, as quais se demonstram absolutamente insupríveis (…). EE. Nessa carta, os autores afirmam ao réu que, repetidamente, o processo de licenciamento estava a ser atrasado por sua exclusiva culpa, por erros unicamente a si imputáveis. FF. E que os autores se encontravam a viver num imóvel arrendado a aguardar a conclusão da obra para aí instalarem a sua casa de morada de família. GG. Confrontado com a intenção de indeferimento da CM... de 03.07.2019, o réu apresentou à CM... (B...), a 30.7.2019, reformulação do projecto de arquitectura tendo nessa data pago, pelo pedido de alteração ao projecto inicial, taxa no valor de €75,00. HH. No dia 30 de Outubro de 2019 o autor recebeu uma missiva das C... – Empresa Municipal, S.A., sob o assunto: “Projecto das redes prediais de abastecimento de água e de drenagem das águas residuais domésticas e pluviais”, dando conta de que “o projecto não se encontra aprovado, devendo ser dada satisfação às indicações constantes do ponto 7.4”. II. Os autores contrataram outro arquitecto para o processo de licenciamento da construção. VI. Matéria de Direito: Os autores instauraram a presente acção contra o réu, alegando que celebraram com este um contrato e que o réu não cumpriu as obrigações contratuais que assumiu, reclamando a devolução dos valores que pagaram a título de remuneração dos serviços estipulada no contrato, dos valores de taxas camarárias que suportaram com vista à execução do contrato, e ainda de uma indemnização pelos danos que o incumprimento do contrato pelo réu lhes causou. O documento que contém a redução a escrito do contrato celebrado menciona que se trata de um contrato mediante o qual, a título oneroso, o réu se obrigou perante os autores «a elabora[r] [um] projecto de Arquitectura para habitação unifamiliar» (cláusula 1 do contrato). De acordo com o texto do referido documento, o objecto do contrato é este e apenas este, a elaboração de um projecto de arquitectura para habitação unifamiliar. Não é, porém, difícil que o texto do documento possui uma redacção pobre, sofrível, pouco explícita e não passar do aproveitamento de uma espécie de minuta que dificulta a apreensão do que foi mesmo que as partes acordaram. Refira-se, aliás, e para acentuar essa perplexidade que o texto do contrato remete para umas «condições gerais» sobre diversíssimos aspectos que alegadamente seriam um «anexo» ao contrato mas que não só não estão juntas, como nenhuma das partes explicou o que são ou … o que estabelecem. Na cláusula 2, sob a epígrafe «âmbito do contrato» é afirmado que «os estudos abrangerão o projecto de arquitectura», seguindo-se cinco alíneas com a seguinte redacção: a) Programa Base; b) Estudo Prévio; c) Projecto Base; d) Execução de Caderno de obra; e) Assistência técnica à obra. Também a cláusula 4 menciona que a prestação de serviços do réu «obedecerá às seguintes fases: f) Programa Base, g) Estudo Prévio, h) Projecto Base, i) Execução de Caderno de obra, j) Assistência técnica à obra.» Aparentemente, vendo o «orçamento» que antecede o texto do «contrato» mas que consta do mesmo documento, essas «fases do projecto» são as seguintes: Programa base - recolha de toda a informação relativa às necessidades do requerente no que respeita ao projecto e esclarecimento dos aspectos consequentes a todas as opções que sejam referidas. Estudo prévio - aproximação tridimensional aos critérios gerais aprovados no programa base. Análise das necessidades das infra-estruturas e critérios propostos para conservação ou demolição de construções. Projecto base - representação tridimensional, gráfica e escrita dos elementos aprovados no estudo prévio para posterior apresentação nas entidades públicas nas quais é sujeito a apreciação. Caderno de obra - elementos gráficos e escritos suficientes à execução da obra projectada e aprovada nos parágrafos anteriores. A ser assim, o objecto do contrato é, nas suas próprias palavras, «a elaboração de um projecto de arquitectura para construção de uma moradia unifamiliar», o que compreendia quatro fases distintas, desde a recolha de informação sobre o que os autores desejavam para a moradia (programa base), a elaboração de um esboço tridimensional com as ideias gerais do projecto (o estudo prévio), a execução das peças do próprio projecto (o projecto base) e a execução das peças e desenhos de pormenor de apoio à construção da moradia (o caderno de obra). As fases de algo são etapas em que se desdobra esse algo, não são mais que o algo. Por outro lado, ainda que a elaboração de um projecto de arquitectura por técnico devidamente habilitado, bem como a elaboração de outros projectos das várias especialidades que a construção do imóvel envolve por outros técnicos igualmente habilitados na área respectiva, seja indispensável para obter a licença camarária para a execução da construção que possibilitará iniciar a construção do que foi projectado e licenciado, a produção desses projectos não se confunde com o processo administrativo do licenciamento a decorrer junto da Câmara Municipal. Da mesma forma, a legitimidade para instaurar este processo não cabe aos autores daqueles projectos, cabe ao dono do terreno onde se quer construir, razão pela qual mesmo quando o não é feito directamente pelo proprietário do terreno ou pelo promotor da obra, mas sim por um técnico legalmente habilitado, como um arquitecto ou engenheiro, estes actuam em nome daqueles munidos da competente procuração. Quando é um arquitecto que, em nome do proprietário do terreno ou do promotor da obra, apresenta o pedido de licenciamento, acompanha-o, responde às solicitações da entidade administrativa e satisfaz as respectivas exigências, v.g. fornecendo novos documentos, novos projectos ou alterações aos projectos anteriores, é necessária a apresentação de uma procuração que lhe permita praticar esses actos em nome de outrem. Mas é ainda necessário que entre o «requerente» do licenciamento (o proprietário do terreno ou o promotor da obra) e o arquitecto tenha sido estabelecida uma relação contratual nos termos da qual este se tenham vinculado perante aquele a prestar-lhe esse serviço ou, de outro modo, que o contrato de prestação de serviços celebrado por ambos compreenda não apenas a «elaboração de um projecto de arquitectura», mas ainda a «apresentação, acompanhamento e instrução do pedido de licença camarária para a execução da construção projectada». Estes dois serviços, ainda que andem muitas vezes associados (tudo depende da organização e da decisão do promotor), são perfeitamente distintos. Um é próprio da actividade do arquitecto (a autoria intelectual de uma obra e a produção dos desenhos que evidenciem a obra concebida e as respectivas características de forma a que um construtor a consiga executar), o outro já não, tanto que pode igualmente ser executado por um engenheiro, pelo próprio dono do terreno ou pelo promotor. Ora, como vimos, o texto do contrato que os autores assinaram e com base no qual instauraram a presente acção não possui qualquer referência a este outro serviço, não menciona em lado algum que o réu se tenha vinculado também a apresentar na Câmara Municipal, em nome dos autores, o pedido de licenciamento da construção para a qual iria elaborar o projecto de arquitectura e, depois, a instruir e acompanhar o processo de licenciamento e nele realizar todas as diligências necessárias à obtenção da licença de construção e emissão do competente alvará. Apenas no intitulado «orçamento» que, como referimos, embora conste do mesmo suporte de papel vem antes e separadamente do que depois surge sob o título «contrato de prestação de serviços», aparecem as seguintes referências: «Projectos específicos - projectos acessórios de engenharia», depois «Projectos específicos (valor estimado dos nossos colaboradores e a liquidar directamente) 2204 €» e ainda sob a epígrafe «Nota» a menção «De referir que para licenciamento camarário é necessário todas as fases até aos projectos específicos». Estas alusões aos projectos das especialidades, ainda por cima com a indicação expressa de que o respectivo custo deve ser pago directamente pelos autores aos respectivos projectistas que são distintos do réu (mas designados “nossos colaboradores”), também não se confunde minimamente com o serviço da apresentação, instrução e acompanhamento do processo administrativo de licenciamento camarário. E a «nota» é em si mesma uma mera informação, de modo algum a assunção dum qualquer dever de prestação. Os autores alegaram ter celebrado o contrato e que o mesmo compreendia, para além do projecto de arquitectura, os projectos das especialidades. Sem terem tido o cuidado de alegar que o contrato tivesse ainda por objecto a apresentação, instrução e acompanhamento do pedido de licenciamento da construção, os autores alegam de seguida que «no dia 26 de Setembro de 2018, depois de largamente ultrapassados os prazos contratualmente estabelecidos … o réu CC submeteu electronicamente o competente formulário destinado à apresentação do projecto de arquitectura à apreciação da Câmara Municipal ...». Ora esta alegação desconsidera o texto do contrato porque não existe neste qualquer cláusula que estabeleça o dever de prestação do réu de realização daqueles actos (rectius, de realizar o que quer que seja para além da elaboração dos projectos, nas várias fases em que isso é decomposto), e, por conseguinte, também não existe nele qualquer cláusula que fixe prazos para a realização desse dever de prestação; os únicos prazos fixados e que os autores citam são os que constam do ponto 5 e respeitam aos projectos, não ao processo administrativo de licenciamento da construção. E é por esse motivo que a pretensão dos autores não pode deixar de improceder. Ambas as partes aceita que depois do contrato, foi efectivamente o réu que apresentou o pedido de licenciamento da construção visada pelo projecto de arquitectura que se comprometera contratualmente perante os autores a elaborar, e que para esse efeito os autores outorgaram documento que entregaram na entidade administrativa «autorizando-o» a, no âmbito desse processo, a «fazer consultas presenciais e online do processo, assinar requerimentos diversos, nomeadamente relativos a pedidos de emissão de alvarás, prorrogação de prazos, substituição de técnicos bem como requerer cópias e pagar taxas, receber correspondência, comparecer em reuniões de atendimento técnico nos serviços de Urbanismos e praticar todos os demais actos necessários à conclusão do indicado processo administrativo». Os autores, como vimos, defendendo, mal, que isso resultava do contrato assinado, nas suas palavras o único contrato assinado para esse fim; o réu defendendo, estranhamente, que só por «reconhecer a complexidade do pedido de licenciamento da obra via internet e, com o intuito de desonerar os autores dessa função, sendo usual no meio, [se ofereceu] por cortesia (sic) para submeter o competente formulário em nome do Autor, na plataforma digital adequada, tendo este, para o efeito, conferido os devidos poderes». A matéria de facto apenas nos revela que em 26.9.2018 o réu submeteu electronicamente o formulário destinado à apresentação do projecto de arquitectura à apreciação da Câmara Municipal ..., tendo o autor autorizado o réu, em 02.10.2018, mediante assinatura digital de formulário “modelo”, a «praticar todos os actos necessários à conclusão do processo administrativo», e que depois disso foi o réu que praticou nesse processo vários actos, na sequência do pagamento da taxa correspondente pelo autor. Ainda que se possa, eventualmente, ver nesta factualidade a celebração tácita de um novo contrato de prestação de serviços (ou a ampliação do contrato inicialmente celebrado), agora tendo por objecto, especificamente, o serviço de apresentação, instrução, acompanhamento e realização de todas as demais diligências no processo administrativo para obtenção do licenciamento da construção projectada, não é seguramente possível concluir que em momento algum o autor e o réu tenham acordado entre si um prazo para a prestação pontual deste serviço. O estabelecimento de um prazo para esse efeito seria, aliás, pouco natural e mesmo incompreensível, porque o réu pode controlar os projectos e requerimentos que apresenta (sendo responsável pelas respectivas deficiências e erros), não pode controlar o modo como eles são apreciados pela entidade administrativa, os prazos em que as apreciações são feitas e/ou as exigências que esta coloca para aprovar o projecto, designadamente por via da sua própria interpretação das normas e regulamentos em vigor para o local da construção. Os autores delinearam o fundamento jurídico da sua pretensão do seguinte modo: «[…] 51. A verdade é que ambos os projectos, de arquitectura e de especialidades, se encontravam integralmente pagos pelos Autores desde o mês de Fevereiro de 2019, conforme já supra referido no presente articulado e devidamente comprovado com os documentos juntos. 52. Sendo que, estava em causa uma prestação de serviços contratada em Maio de 2018, com a finalidade de construção de uma moradia no identificado lote. 53. Contudo, a verdade é que volvidos mais de 12 (doze) meses desde a contratação de ambos os Réus, os referidos projectos encontravam-se sucessivamente feridos de erros/vícios que, de forma alguma, permitiam a sua aprovação e consequente início da obra. 54. Pelo que, em momento algum, aqueles projectos estavam conforme as disposições legais aplicáveis e, por isso, aptos a serem aprovados. 55. Face a todo este circunstancialismo, os Réus foram protelando ao longo do tempo a resolução definitiva de todos os lapsos/erros que foram sendo detectados pelos serviços camarários nos projectos por si elaborados. 56. Por esse mesmo motivo, modestamente consideraram os Autores que se encontrava definitivamente quebrada a relação de confiança para com os Réus 57. Pelo que, remeteram então aos Réus comunicação, mediante carta registada, a solicitar a devolução dos valores liquidados junto dos mesmos, visto que os referidos projectos não se demonstravam sequer conformes e aptos a serem deferidos pelos serviços camarários […]». A questão é se esta posição corresponde ao dados do sistema jurídico, dito de outro modo, se os autores podiam, com fundamento no incumprimento do contrato, proceder à sua resolução e exigir uma indemnização pelos danos causados por esse incumprimento. A resposta está relacionada precisamente com o que acima se referiu a propósito do prazo. Perante obrigações emergentes de um contrato, qualquer que ele seja, é necessário determinar quando é que a obrigação contratual se vence, se torna exigível, pode ser exercitada. As partes podem, contudo, por diversas razões, não estabelecer nenhum prazo para esse efeito. A ausência de definição de prazo para o cumprimento não se confunde, porém, com o estabelecimento de qualquer cláusula cum putuerit ou cum voluerit que podiam deixar o cumprimento na dependência da possibilidade ou da vontade arbitrária de um dos promitentes e gerar um desequilíbrio contratual carecido de reposição. Perante a ausência de um prazo os promitentes dispõem sempre dos mecanismos supletivos de fixação do prazo que não consta do contrato, estando, portanto, na sua dependência suprir a falta e obter o estabelecimento de um limite temporal à persistência do não cumprimento pela outra parte. Nos termos do n.º 1 do artigo 777.º do Código Civil, se as partes não tiverem estipulado um prazo ou não resultar da lei um prazo específico para a situação, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela. Contudo, o n.º 2 da norma prevê os casos em que pela própria natureza da prestação, por virtude das circunstâncias que a determinaram ou por força dos usos, é necessário o estabelecimento de um prazo e as partes não acordaram na sua determinação, estabelecendo que nesses casos a sua fixação é deferida ao tribunal. Nestas situações, portanto, a parte não pode fixar unilateral e extrajudicialmente o prazo que julga adequado, tem de recorrer aos tribunais solicitando a fixação judicial do prazo para o cumprimento. Ao invés, pode resultar do acordo das partes, da natureza do contrato ou da obrigação ou mesmo da lei, que a prestação possa ser exigida ou exercitada imediatamente, que só o possa ser decorrido determinado prazo ou evento ou ainda que não o possa mais ser uma vez esgotado um prazo. Daí que seja frequente distinguir-se a esse propósito entre termo obrigacional e termo legal, termo inicial e termo final, termo certo e termo incerto, termo essencial e acidental ou não essencial. A relevância de saber quando é que o devedor está obrigado ou pode ser obrigado a cumprir prende-se com a definição da mora e do incumprimento definitivo. Prescreve, com efeito, o nº 2 do artigo 804º do Código Civil que o devedor se considera constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido. Já de acordo com o artigo 805° do mesmo diploma, tendo a obrigação prazo certo, o devedor fica constituído em mora, independentemente de interpelação judicial ou extrajudicial para cumprir, tão logo que se atinge o prazo fixado para o cumprimento. Segundo o artigo 406.º do Código Civil o contrato só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei. A resolução do contrato é, precisamente um dos casos admitidos na lei para a modificação ou extinção do contrato. A resolução dos contratos é permitida desde que fundada em lei ou em convenção (artigo 432.º, n.º 1, do Código Civil). E pode fazer-se por acordo, por declaração à outra parte ou, ainda, judicialmente. Como escreveu J. Baptista Machado, in Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Estudos em Homenagem ao Prof. Teixeira Ribeiro, págs. 348/349, «o direito de resolução é um direito potestativo extintivo e depende de um fundamento - tem de verificar-se um facto que crie esse direito, ou melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (o surgimento) desse direito potestativo. Tal facto ou fundamento é o facto do incumprimento ou situação de inadimplência.» O direito de resolução fundado na lei está, pois, sempre condicionado a uma situação de inadimplência. A resolução do contrato pressupõe uma situação de incumprimento stricto sensu que resultará da conversão de uma situação de mora em incumprimento definitivo através de uma das vias previstas no artigo 808.º do Código Civil. A mora é uma espécie de antecâmara do incumprimento definitivo. Estabelece o artigo 808.º do Código Civil que se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação. A mora, que não é ainda uma falta definitiva de realização da prestação debitória, mas um simples retardamento ou dilação no cumprimento da obrigação, apenas constituirá o devedor na obrigação de reparar os danos moratórios causados ao credor. O artigo 808.º do Código Civil enuncia claramente duas possibilidades de a mora se converter em incumprimento definitivo: a) em consequência da perda objectiva de interesse na prestação; b) em consequência da ultrapassagem do novo prazo razoável fixado pelo credor para o devedor cumprir finalmente a prestação em falta. Não se trata, porém, de duas situações cumulativas ou que devam funcionar em conjunto. Pelo contrário, estes dois modos de conversão da mora em incumprimento definitivo são alternativos e independentes entre si, ainda que possam ocorrer ambos em simultâneo. Mas ambas têm um pressuposto comum necessário: que o devedor esteja em mora, que a sua obrigação esteja vencida. A perda do interesse do credor, ainda que objectiva, verificada antes de ele poder exigir do devedor a realização da sua prestação não é juridicamente relevante. Ela só releva nos termos da lei se o devedor já se encontrar em mora, consistindo então numa espécie de inversão do risco de perda do interesse no negócio - antes da mora corria por conta do credor, depois da mora passa a correr por conta do devedor relapso -. O incumprimento definitivo pode ainda decorrer das seguintes situações: a) ocorrer a impossibilidade da prestação por destruição da coisa ou pela sua alienação a terceiro, sem qualquer reserva (artigo 801º do Código Civil); b) decorrer o prazo fixado contratualmente como absoluto ou improrrogável, o que equivale àquela perda de interesse; c) haver recusa peremptória do devedor em cumprir, comunicada ao credor, caso em que não se justifica a necessidade de nova interpelação ou de fixação de prazo suplementar. Aplicando estes dados do sistema jurídico ao caso, teremos de concluir que os autores não tinham fundamento para resolver o contrato, pela simples razão de que o réu não estava ainda sequer em mora quanto ao cumprimento das «obrigações contratuais» atinentes ao processo administrativo. Esse dever de prestação não estava condicionado a qualquer prazo convencional que as partes não fixaram. Pela própria natureza da prestação em causa, cujo resultado final está na dependência de terceiros aos quais cabe o pode de decisão (a Câmara Municipal), na falta daquela convenção, para os autores poderem exigir do réu que cumprisse a prestação teriam de proceder previamente, com recurso aos meios alternativos mencionados, à fixação de um prazo. Se isso a prestação não estava ainda vencida. Perguntar-se-á se não releva para o efeito o facto de o atraso na obtenção do licenciamento ter na origem defeitos, anomalias ou insuficiências do(s) projecto(s) que ele se obrigou a elaborar e que era necessário para desencadear o processo administrativo. A resposta é que esse facto pode ter relevo para efeitos da ponderar a imputação ao réu das consequências para os autores de a obtenção da licença ter demorado o tempo que demorou. Com efeito, como na execução do contrato as partes são obrigadas a proceder de boa fé, não é de excluir que com fundamento nos deveres secundários ou acessórios do contrato o réu possa ser chamado a indemnizar danos que os autores não teriam sofrido se o licenciamento tivesse sido obtido no prazo que teria sido suficiente se ele tivesse apresentado os projectos nas condições legais e regulamentares, com o conteúdo técnico e regulamentar exigível para o fim a que se destinava (o que consubstanciaria, note-se, uma causa de pedir totalmente diferente da que foi deduzida e conduz a um pedido igualmente diferenciado). De todo o modo, não se pode desconsiderar que o réu, como autor do projecto, tinha não só o dever de o executar de forma tecnicamente adequada e sem vícios, como também tem o direito de o aperfeiçoar, corrigir ou reparar no caso de o mesmo apresentar defeitos, vícios ou insuficiências. Bem como o facto de no processo administrativo, por força da posição decisória que pertence à Câmara Municipal, poderem ser feitas exigências com que o projectista podia não ter de contar no momento da elaboração do projecto, e somente corrigir depois se e quando tal viesse a ser exigido pela Câmara Municipal (não deixa de ser sintomático que os autores tenham alegado a necessidade de recorrer a outro arquitecto para resolver o problema e juntado aos autos um documento para demonstrar o sucesso das diligências desse arquitecto quando o documento revela sim uma aprovação condicionada, precisamente em virtude da falta de elementos que deviam ter sido fornecidos e projectos que deviam constar do processo!). Todavia, nada disso tem a ver com a questão do momento a partir do qual a prestação a cargo do promotor do processo administrativo (obter o licenciamento da obra) se pode considerar vencida para efeitos de lhe poder ser exigida e o devedor entrar em mora e eventualmente em incumprimento definitivo, aspecto em que, como vimos, falham o contrato, a alegações dos autores e a fundamentação de facto da sentença. Por isso, não podendo afirmar-se que o réu (apesar dos defeitos dos projectos que estavam a ser corrigidos ou em vias de o ser; apesar do tempo já decorrido) estava em mora quanto ao incumprimento dessa prestação, a resolução do contrato realizadas pelos autores carece de fundamento legal ou contratual pois que, como vimos, só o incumprimento definitivo do contrato, não a simples mora, permite ao credor resolver o contrato. Acresce que não resulta da fundamentação de facto a prossecução de qualquer das vias alternativas para converter a situação de mora em incumprimento definitivo, nem isso seria possível porque essa conversão exigia que existisse já aquilo que se quereria converter noutra coisa: a mora. Nem os autores, aliás, alegaram tal coisa pois o que alegaram foi apenas que em resultado das vicissitudes que se estavam a verificar no processo administrativo (e que imputam ao réu, ao trabalho deste enquanto projectista e/ou de responsável pelos projectos) ficou «definitivamente quebrada a relação de confiança para com» o réu. Nos termos das disposições legais citadas, o que pode importar o incumprimento definitivo do contrato (entre outras situações como a da recusa peremptória em cumprir) é a perda de interesse na prestação. Ora a perda do interesse do credor na prestação não é minimamente confundível com a perda da confiança de que o devedor satisfaça pontualmente a prestação a que se vinculou. Perdeu-se o interesse na prestação quando o proveito ou utilidade que a prestação visava proporcionar ou satisfazer se perdeu, ficou impedido ou teve de ser satisfeito por outra via. Essa perda tem sempre de ser objectiva, isto é, resultar de circunstâncias de facto objectivamente demonstráveis, não de estados de espírito ou vontades. O credor não perde o interesse só porque já não quer mais, perde o interesse se e quando nas concretas circunstâncias em que se encontra o proveito ou a utilidade do objecto da prestação desapareceu. A perda da confiança no devedor (ou na capacidade deste para cumprir) é algo totalmente diverso e só contende com as expectativas do credor sobre a viabilidade ou a probabilidade do cumprimento pontual. Não se descura que com apelo às regras da boa fé, as quais estão sempre presentes na modelação do conteúdo de direitos e obrigações de natureza contratual, sejam concebíveis situações em que a falta de condições do devedor para cumprir pontualmente (tudo, nos exactos termos,) aquilo a que se obrigou assuma uma tal gravidade que seja possível afirmar já uma situação de incumprimento definitivo (à imagem da figura doutrinalmente aceite como tal da recusa peremptória em cumprir). Todavia, parece claro que essas situações só podem ocorrer em contratos em cuja negociação e celebração as condições do devedor, a sua capacidade, as suas habilitações, a sua preparação, tenham desempenhado um papel determinante, designadamente por o devedor delas ter feito especial uso para convencer a outra parte a celebrar consigo o contrato, seja por referência às especiais capacidades do devedor, seja por referência às qualidades especiais da prestação que o credor almejava com o contrato. De outro modo estaríamos a subverter a exigência da lei da perda objectiva do interesse do credor e a transformá-la na decisão subjectiva do devedor de já não querer mais e virtude da sempre subjectiva falta de confiança. Sucede que no caso não existe absolutamente nenhum facto que denuncie a presença de algum interesse especial dos autores, habilidade ou aptidão especial do réu, aspecto particular do projecto de arquitectura, da construção, do local ou do que quer que seja, que pudesse, com apelo às mencionadas regras da boa fé, extrapolar sobre a perda de confiança na prestação do réu, para a qual, repete-se, os autores não tiveram o cuidado sequer de fixar prazo, ao menos quando se depararam com falhas que iriam inevitavelmente atrasar o processo administrativo. O que significa que a sua opção por resolverem o contrato e virem exigir a indemnização pelo seu incumprimento, com restituição do que pagaram e indemnização por danos morais, foi intempestiva e não levou em conta, como devia, o regime jurídico do cumprimento das obrigações, sendo, por isso, ilegal e inapta para produzir o efeito jurídico desejado pelos autores. Por esse motivo a acção devia efectivamente ser julgada improcedente, como foi. Desfecho esse que em nada seria alterado mesmo com a ampliação da matéria de facto e a modificação da decisão sobre a matéria de facto defendidas pelos recorrentes. O recurso improcede. VII. Dispositivo: Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida. Custas do recurso pelos recorrentes, limitadas à taxa de justiça já paga, sendo que a taxa de justiça paga pelo recorrido deverá ser-lhe restituída porque as suas alegações foram apresentadas fora de prazo e não consideradas. * Porto, 9 de Outubro de 2025.* Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 910)Os Juízes Desembargadores José Manuel Correia Manuela Machado [a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas] |