Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
778/21.8T8AMT.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: AÇÃO POPULAR
CAMINHO PÚBLICO
CASO JULGADO
Nº do Documento: RP20250710778/21.8T8AMT.P2
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo sido decidido numa primeira ação popular (Lei n.º 83/95, de 31/08) que o vício alegado de falta de citação estava sanado, a decisão de mérito aí proferida produz todos os seus efeitos, incluindo no que respeita à formação de caso julgado.
I.I - O interessado que não foi aí citado, por força da sanação do apontado vício, tem de ser considerado como tendo intervindo na ação, representado pelos demandantes, conforme artigo 14.º, da L. A. P..
II - Proposta nova ação popular, pelos mesmos Autores contra Réus diferentes mas sendo interessados e, por isso, representados na primeira ação popular, existe identidade jurídica de partes.
III - Decidindo-se na referida primeira ação popular que um determinado caminho é público, na segunda ação popular que foi instaurada, discutindo-se a ocupação, de outra parte desse caminho, pelos Réus, está assente o pressuposto de dominialidade de que depende a procedência da segunda ação.
IV - Essa conclusão implica que os autos não devem ser liminarmente indeferidos por existir caso julgado, devendo prosseguir para a análise do pedido que nunca foi apreciado: ocupação do caminho pelos Réus e danos por estes causados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 778/21.8T8AMT.P2


Sumário.

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1). Relatório.

AA e marido BB, residentes na Rua ..., ..., união de freguesias ... e de ..., ..., propuseram

ao abrigo da Lei n.º 83/95, de 31/08 (Ação Popular), no seu artigo 12.º, n.º 2, contra:

CC e mulher, DD, residentes na Calçada ..., ..., união de freguesias ... e de ..., ...,

Herdeiros de EE, representados pela cabeça de casal FF, residente na Calçada ..., ..., união de freguesias ... e de ..., ..., pedindo que os Réus sejam condenados:

. a reconhecer o caminho que descrêem na petição inicial, em toda a sua extensão, como caminho público;

. a desobstruir o caminho em todo o cumprimento das suas propriedades, cerca de setenta metros, demolindo necessariamente o muro edificado, quer na sua parte vertical, quer na sua parte horizontal, de modo a que o caminho, tenha como sempre teve, o respetivo leito, tudo a expensas exclusivas dos Réus;

a absterem-se de praticar de futuro todo e qualquer ato que possa de alguma forma turvar, limitar ou impedir em toda a respetiva plenitude a utilização por todos do referido caminho;

. caso os réus venham contestar a presente ação, procedendo esta, nos honorários da mandatária, que foram firmados em 2 500 EUR se ficar decidido em primeira instância, ou 3 500 EUR em caso de recurso, a pagar no final do processo.

O sustento, em termos resumidos, de tais pedidos consiste em:

. por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no processo n.º 552/12.2TBAMT.P1, foi unanimemente decidido que um caminho é público;

. tal caminho foi obstruído pelos então 1.ºs e 2.ºs Réus, com a colocação primeiramente de uma vedação de malha sol e num segundo momento com construção de um muro horizontal e um outro muro vertical, ambos com cerca de dois metros de altura, impedindo deste modo a comunidade de fruir esse mesmo bem;

. os Autores residem do Lugar ..., há mais de trinta anos, sempre utilizando, desde que a sua memória lhe permite saber, um caminho ali existente, quer para aceder às suas casas, quer para aceder à via pública principal (Rua ...), cuja distância, das habitações à rua, é de cerca de 100 metros, onde se localiza;

. esse caminho é utilizado, desde tempos imemoriais, por outros moradores bem como por quem quer que fosse e a qualquer hora;

. o referido caminho atravessava e atravessa o prédio propriedade de GG e esposa, HH, bem como o prédio dos 1.ºs Réus, CC e mulher, e o prédio propriedade dos 2.ºs Réus;

. trata-se de um caminho com cerca de um metro de largura e cem metros de cumprimento, para trânsito, única e exclusivamente a pé, algo rudimentar, em terra batida, que se faz nos dois sentidos;

. o comprimento do dito caminho, percorrido pelo terreno dos aqui 1.ºs e 2.ºs Réus perfazem em média setenta metros;

. na sequência do decido no referido Acórdão da Relação do Porto de 10/10/2015, os Autores AA e marido BB, bem como a aí igualmente Autora II e JJ (como primeiros outorgantes), os aí Réus GG e HH (como segundos outorgantes) e a Junta de Freguesia ... e de ... (terceiros outorgantes) subscreveram um acordo onde se refere que os segundos outorgantes aceitam que o caminho em causa é público e autorizam que a terceira outorgante, proceda, a seu custo, às obras de restruturação, alteração e manutenção do mesmo caminho;

. os primeiros outorgantes anuíram que o caminho público seja alterado na sua parte superior, sentido discedente;

. iniciadas as obras, no início de fevereiro de 2018, os 1.ºs e 2.ºs Réus colocaram uma vedação de malha sol no caminho em questão, obstruindo a sua passagem, impedindo assim a sua utilização;

. em agosto do mesmo ano de 2018, construíram um muro horizontal e um outro vertical, ambos com cerca de dois metros de altura, impedindo deste modo quaisquer pessoas de utilizar o dito caminho.

. é sua convicção jurídica que o caminho descrito nos artigos 27.º a 29.º da petição é um caminho público;

. a anterior ação foi intentada unicamente contra os aí Réus por à data serem os únicos que haviam obstaculizado o referido caminho público;

. se os Réus contestarem a ação, devem pagar as custas e respetivos honorários do mandatário.


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Foi proferido despacho pelo tribunal com o seguinte teor sumariado:

«Na acção de processo sumário n.º 552/12.TBAMT que correu termos neste Tribunal de Amarante, extinto 3.º Juízo, os então autores AA e marido BB e II e marido JJ intentaram acção popular contra GG e mulher HH, pedindo que sejam os réus condenados a:

a) Reconhecer o caminho da ..., em toda a sua extensão, como caminho público:

b) Desobstruir o caminho em todo o comprimento da sua propriedade, removendo as telhas e arames farpados, de modo a que o caminho, tenha, como sempre teve, o respectivo leito, a expensas exclusivas dos réus;

c) A absterem-se de praticar no futuro todo e qualquer acto que possa de alguma forma, turvar, limitar ou impedir, em toda a respectiva plenitude a utilização por todos do caminho:

Por sua vez, nesta acção comum n.º 778/21.8TBAMT (…), os mesmos autores AA e marido BB intentam novamente acção popular, desta feita, contra CC e mulher DD e herdeiros de EE, pedindo que os réus sejam condenados a:

a) Reconhecer o caminho da ..., em toda a sua extensão, como caminho público;

b) Desobstruir o caminho em todo o comprimento das suas propriedades, cerca de 70 metros, demolindo necessariamente o muro edificado, de modo a que o caminho tenha, como sempre teve o respectivo leito, a expensas dos réus;

c) Absterem-se de praticar no futuro todo e qualquer acto que possa de alguma forma, turvar, limitar ou impedir, em toda a respectiva plenitude a utilização por todos do caminho:

d) A pagar os honorários da mandatária dos autores, nas cifras, respectivamente de € 2.500 euros e € 3.500 euros, consoante o processo fique decidido em 1.ª ou 2.ª instância.

Há que decidir da excepção dilatória do caso julgado prevista no art. 577 alínea i) do CPC. Analisado o teor das duas acções, verifica-se que autores e réus são os mesmos visto que as partes são as mesmas do ponto de vista jurídico, limitando-se os autores a suprimir o 2.º casal do lado activo e voltando a encabeçar nova acção popular alicerçada no mesmo caminho cuja natureza pública já foi proclamada urbi et orbi na acção anterior e sendo que, sendo ambas acções populares, os réus, passar de individualizados e de constituírem indivíduos diferentes, são sempre os residentes, no Lugar ....

E de nada vale aos autores protestar que estes réus não tiveram qualquer participação no processo judicial anterior, na medida em que aí foram citados os titulares dos interesses em causa e o MP, nos termos dos art.s 15 e 16 da Lei n.º 83/95 de 31/08, que se passam a citar;

Artigo 15.º

Direito de exclusão por parte de titulares dos interesses em causa

1 - Recebida petição de acção popular, serão citados os titulares dos interesses em causa na acção de que se trate, e não intervenientes nela, para o efeito de, no prazo fixado pelo juiz, passarem a intervir no processo a título principal, querendo, aceitando-o na fase em que se encontrar, e para declararem nos autos se aceitam ou não ser representados pelo autor ou se, pelo contrário, se excluem dessa representação, nomeadamente para o efeito de lhes não serem aplicáveis as decisões proferidas, sob pena de a sua passividade valer como aceitação, sem prejuízo do disposto no n.º 4.

2 - A citação será feita por anúncio ou anúncios tornados públicos através de qualquer meio de comunicação social ou editalmente, consoante estejam em causa interesses gerais ou geograficamente localizados, sem obrigatoriedade de identificação pessoal dos destinatários, que poderão ser referenciados enquanto titulares dos mencionados interesses, e por referência à acção de que se trate, à identificação de pelo menos o primeiro autor, quando seja um entre vários, do réu ou réus e por menção bastante do pedido e da causa de pedir.

3 - Quando não for possível individualizar os respectivos titulares, a citação prevista no número anterior far-se-á por referência ao respectivo universo, determinado a partir de circunstância ou qualidade que lhes seja comum, da área geográfica em que residam ou do grupo ou comunidade que constituam, em qualquer caso sem vinculação à identificação constante da petição inicial, seguindo-se no mais o disposto no número anterior.

4 - A representação referida no n.º 1 é ainda susceptível de recusa pelo representado até ao termo da produção de prova ou fase equivalente, por declaração expressa nos autos.

Artigo 16.º

Ministério Público

1 - No âmbito de ações populares, o Ministério Público é titular da legitimidade ativa e dos poderes de representação e de intervenção processual que lhe são conferidos por lei, podendo substituir-se ao autor em caso de desistência da lide, bem como de transação ou de comportamentos lesivos dos interesses em causa.

Artigo 19.º

Decisões transitadas em julgado

1 - Salvo quando julgadas improcedentes por insuficiência de provas ou quando o julgador deva decidir por forma diversa fundado em motivações próprias do caso concreto, os efeitos das sentenças transitadas em julgado proferidas no âmbito de processo que tenham por objeto a defesa de interesses individuais homogéneos abrangem os titulares dos direitos ou interesses que não tiverem exercido o direito de se autoexcluírem da representação, nos termos do artigo 16.º

2 - As decisões transitadas em julgado são publicadas a expensas da parte vencida e sob pena de desobediência, com menção do trânsito em julgado, em dois dos jornais presumivelmente lidos pelo universo dos interessados no seu conhecimento, à escolha do juiz da causa, que poderá determinar que a publicação se faça por extracto dos seus aspectos essenciais, quando a sua extensão desaconselhar a publicação por inteiro.

Como se vê dos incisos citados e da consulta da acção sumária n.º 552/12.8TBAMT, os residentes no lugar foram citados e, ademais, nos termos do art. 19 n.º 1 da Lei n.º 83/95 de 31/08, os efeitos das sentenças transitadas em julgado proferidas no âmbito de processo que tenham por objeto a defesa de interesses individuais homogéneos abrangem os titulares dos direitos ou interesses que não tiverem exercido o direito de se autoexcluírem da representação, nos termos do artigo 16.

Nesta decorrência, os autores não podem negar a eficácia da decisão pregressa pelo facto de os réus não terem tido qualquer participação, ou mesmo, conhecimento, da existência daquele processo judicial. O que importa aquilatar é se os réus estão aqui em juízo na mesma qualidade jurídica, e é inegável que quer os réus anteriores GG e mulher HH, quer os actuais, CC e mulher DD, figuram na qualidade de residentes no Lugar ... e a quem é imputada a obstrução do caminho. Vale isto dizer, que a seguir a lógica dos autores, o tribunal teria de se debater com uma miríade de acções populares (instrumento que só pode ser usado uma vez para aquilatar da natureza do caminho, o que já se excutiu), tantas quantos os integrantes da “assembleia vicinal” do lugar, o que como é bom de ver é um perfeito absurdo, desta feita ao exclusivo serviço particular dos autores que já accionaram o mecanismo da acção popular anterior e agora até o usam para satisfazer o interesse particular do pagamento dos honorários à sua Ilustre Mandatária, o que redunda em desvirtuamento e desfiguramento de tal instituto jurídico. Por outro lado, em ambas as acções é irrefragável que as lides provêm da mesma causa de pedir, na natureza pública do caminho já reconhecida na acção anterior.

Então não se vê como se possa agora ressuscitar o tema da natureza pública do caminho, até porque estes réus já foram forçosamente citados na acção anterior, nos termos do art. 15 da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto DIREITO DE PARTICIPAÇÃO PROCEDIMENTAL E DE ACÇÃO POPULAR

Ora, deflui do art. 581 do CPC que se repete uma causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir e que há identidade de pedido quando se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

A excepção do caso julgado, assim, como a da litispendência, têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior – art. 580 n.º 2 do CPC.

Como ensina magistralmente o Desembargador Jorge Augusto Pais de Amaral, in “Direito Processual Civil”, Almedina, 1999, pág.246 “A reprodução de uma decisão anterior constituiria um acto inútil que iria contra o princípio da limitação dos actos, previsto no art. 137 do CPC (hoje art. 130 do CPC).

Por outro lado, a excepção do caso julgado, evitando que o tribunal possa proferir nova decisão, diferente ou até contraditória da anterior, salvaguarda, de certo modo, o prestígio dos tribunais. Porém, a principal razão da existência da excepção prende-se com a necessidade de certeza ou segurança jurídica.

Há necessidade de evitar a instabilidade jurídica, garantindo que a decisão sobre determinada relação material controvertida não poderá, em princípio, ser alterada. Esta segurança contribuirá para a paz social, essencial ao bom relacionamento entre as pessoas.”

Como diz o Prof. Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu; que nem sequer a estes bens pudesse chamar seus, nesta base organizando os seus planos de vida; que tivesse constantemente que defendê-los em juízo contra reiteradas investidas da outra parte, e para mais com a possibilidade de nalguns dos novos processos eles lhe serem negados pela respectiva sentença. Na realidade, as duas acções têm por objecto o mesmo efeito jurídico, isto é, a natureza pública do caminho e o último pedido, embora modulado em outras nuances como seja o pagamento dos honorários à mandatária, não deixa de ser idêntico, só por conter diversa formulação e agora ter o enxerto do pedido de pagamento dos honorários a uma pessoa que não é sequer parte na acção.

A questão que os autores pretendem ver regulada já o foi na acção sumária n.º 552/12.TBAMT, onde se exarou e acordou que o caminho é público e tem de permanecer livre.

Nesta decorrência, declaro verificada a excepção dilatória do caso julgado e por este fundamento (e o da manifesta improcedência do pedido de acção popular adiante explanado) se impõe o indeferimento liminar da petição inicial, com custas pelos autores, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário, até porque não poderão existir, como será bem de ver, tantas acções populares como os “vizinhos do caminho”.

Mas, ainda que assim não se entendesse, a acção enferma de manifesta improcedência dos pedidos, pois a acção não pode prosseguir como acção popular (o que, no limite redundaria no absurdo de ser replicada e reproduzida tantas vezes quantos forem os “vicinais” que bordejam o dito caminho da ...).

E passamos a explicar:

(…)

Voltemos ao caso concreto sob apreciação!

Esta é novamente uma acção comum, quando anteriormente era uma acção comum sumária.

Na acção anterior já se incensou a natureza pública do caminho, por isso logo aí se consumou e excutiu a defesa dos interesses difusos dos residentes do Lugar ... em usarem esse caminho. Por outro lado a calcorrear de novo esta acção, poderíamos encravar no paroxismo de, nesta acção atestarmos o contrário, isto é que o caminho da ... não tem o atributo ou a natureza de caminho público.

Por outras palavras: à luz do alegado pelos autores logo alcança que estão a batalhar por vantagens privadas, de que é exemplo o pagamento dos honorários da sua Ilustre Advogada e logo se constata não terem sido alegados factos suscetíveis de, uma vez provados, demonstrarem a probabilidade de procedência da ação popular enquanto custódia de interesses difusos.

Aliás, a leitura da petição inicial permite é, desde logo, a conclusão contrária.

Tal como resulta patente e notório na presente acção comum o que está em causa não é a defesa de um interesse difuso (esse sim já accionado e esgotado na lide anterior) mas sim a pretensão de exercício de um direito meramente individual, o que desde logo inviabiliza o recurso à acção popular. Na verdade, aquilo que os autores dizem pretender tutelar é o direito de demolir o muro contraído pelos réus e de os obrigar a pagar os honorários da sua mandatária. A natureza do caminho já se excutiu em todas as suas vertentes na acção anterior. Não está, pois, aqui em causa, um conjunto de interesses imateriais solidariamente comuns aos membros de uma comunidade e cuja titularidade se mostra indivisível através de um processo de apropriação individual; estão em causa, à luz do pedido formulado na petição inicial e da causa de pedir que lhe subjaz, não interesses difusos, mas direitos ou interesses individuais, pertencentes aos autores que não reeditar nova Cruzada e vir à liça reabrir novamente o dossier findo da natureza pública do caminho. Ou seja, não está em causa uma apreciação indiferenciada da situação de cada um dos utentes do caminho.

Quando muito, tratar-se-á de uma situação em que estão em causa bens privados de vários sujeitos, mas que não dispensa uma análise individualizada da situação de cada um dos respetivos titulares. Pelas razões expostas deve a petição com que foi introduzida em juízo a reedição e réplica da acção popular anterior, ser liminarmente indeferida, nos termos do art. 590.º, n.º 1, do C.P.C., por manifesta improcedência do pedido, para além do efeito preclusivo do caso julgado.

DISPOSITIVO:

Em decorrência da recensão supra e por verificação da excepção dilatória insuprível do caso julgado e pela manifesta improcedência dos pedidos, nos termos do art. 590 n.º 1 do CPC, indefiro liminarmente a petição inicial.» - nosso sublinhado -.


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A questão a decidir é determinar se ocorre caso julgado nos presentes autos e se, eventualmente tal não suceder, pelo menos parcialmente, pode manter-se o indeferimento liminar por manifesta improcedência do pedido.


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Inconformados, recorrem os Autores formulando as seguintes conclusões:

«I. O Tribunal a quo vem a decidir pelo «INDEFERIMENTO LIMINAR NOS TERMOS DO ART. 590 N.º 1 DO CPC, por excepção dilatória insuprível (caso julgado -º art. 577 alínea i) do CPC) e manifesta improcedência dos pedidos.».

II. O indeferimento liminar só deve ser proferido quando for de todo impossível o aproveitamento da petição inicial, uma vez que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo;

III. Em 2012 foi intentada uma ação popular, que correu os seus termos sob o n.º 552/12.2TBAMT, unicamente contra os aí Réus a GG e mulher HH, porquanto foram os únicos que então estavam a obstaculizar o caminho público.

IV. Por decisão transitada em julgado, ficou determinado que o caminho aludido, com as características e localização referenciados nos factos provados, é pertença do domínio público;

V. Os demandados CC e mulher DD e herdeiros de EE, não aceitando tal decisão judicial, posteriormente ao seu transito em julgado, procederem à construção de um muro horizontal e de um outro muro vertical, ambos com cerca de dois (2) metros de altura, impedindo assim a utilização deste caminho pela população em geral;

VI. Estes agora demandados não foram citados, ao abrigo do art.º 15.º da Lei de Ação Popular (LAP), a fim de exercerem o seu direito de autoexclusão, na primitiva ação popular que correu termos sob o n.º 552/12.2TBAMT;

VII. Entendem, assim, os aqui ora recorrentes que não há identidade de sujeitos, bem como de pedidos;

VIII. Ou seja, não se verifica a “… excepção dilatória insuprível (caso julgado -º art. 577 alínea i) do CPC)”, e sequer se poderá afirmar a “… manifesta improcedência dos pedidos”;

IX. A exceção de caso julgado pressupõe a tríplice identidade no que tange às partes, à causa de pedir e ao pedido;

X. Neste sentido, face ao “processo 552/1.2TBAMT, que correu termos como ação popular”, não há identidade quanto (i) às partes, (ii) à causa de pedir e, sequer (iii) quanto ao pedido.».

Terminam pedindo a revogação da decisão proferida.


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Não houve contra-alegações.


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2). Fundamentação.

2.1). De facto.

Além do já constante no relatório que antecede, considera-se assente que:

1). Os ora Autores, AA e marido BB, propuseram contra GG e mulher HH ação popular a que foi atribuído o n.º 522/12.2TBAMT que correu termos no então 3.º juízo do T. J. de Amarante, tendo sido proferida decisão a julgar improcedente a ação.

2). Em sede de recurso, o Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão proferido em 29/09/2015, julgou procedente a apelação interposta pelos Autores, condenando os aí Réus/recorridos a reconhecerem o caminho ajuizado, em toda a sua extensão, como caminho público, sendo igualmente os Réus condenados a desobstruir o caminho em todo o comprimento da sua propriedade (cerca de trinta metros), removendo as telhas e arame farpado que colocaram, e bem assim a absterem-se de todo e qualquer ato que possa turvar, limitar ou impedir a utilização por todos do caminho.

3). No referido Acórdão foram considerados provados os seguintes factos:

A). Os autores BB e JJ são habitantes do Lugar ..., Freguesia ..., ... há mais de 30 anos.

B). Os réus GG e mulher HH são donos do prédio urbano composto de casa de rés-do-chão e logradouro inscrito na matriz sob o artigo ...73 e descrito sob o n.º ...76, sito na Rua ..., Freguesia ....

1.ºOs Autores sempre utilizaram um caminho existente no Lugar ... para aceder às suas casas e destas à Rua ..., onde se localizam transportes públicos camarários, contentor de lixo e um minimercado,

2.° As casas distam cerca de 100 metros da Rua ....

3.º (Provado apenas que) O caminho é ainda usado para o mesmo efeito por outros moradores do Lugar ....

4.º O caminho atravessa há mais de trinta anos o prédio dos Réus referido em B) e um prédio pertencente a KK e CC.

5.º Provado apenas que desde tempos Imemoriais que o caminho serve alguns residentes na ... pois não existe outro acesso.

6.º E só há cerca de 16 anos é que foi melhorado um outro caminho (público) para trânsito de veículos.

7.º Mas o caminho referido em 1.º continua a ser usado pois, pela nova estrada, os moradores do Lugar têm de percorrer cerca de 2 Kms. ao invés dos 100 m.

8.º O caminho é de terra batida e tem 100 m de comprimento e 1 me de largura e nele circula-se a pé e nos dois sentidos.

9.º Sendo 30 m de comprimento situado no prédio dos Réus.

10.º. O leito do caminho é uma faixa calcada pela passagem de pessoas.

11.º E mais de 4 gerações sucessivas de pessoas da ... atravessaram e atravessam o trilho do caminho para alcançar a estrada principal (Rua ...) e aceder às casas de habitação existentes no Alto da ....

12.º Provado apenas que Residentes do Alto da ... dirigiam-se para a escola, minimercado, festas e romarias, locais de trabalho, campos de cultivo e residências de familiares pelo caminho.

13.º O que faziam sem pedir autorização a ninguém, na crença de que o caminho se encontrava no uso direto e imediato de todos, sendo usado há mais de 100 anos pelos agricultores para aceder às suas terras.

14.º À vista de-toda a gente, sem interrupção ou oposição, com a convicção de todos os moradores terem o direito de ali passar e de não prejudicarem ninguém.

15.º. Os réus, no dia 17 de dezembro de 2011, colocaram uma pilha de telhas a poente do seu prédio, na parte em que ali se inicia o caminho.

16.º E colocaram arames farpados junto a essas telhas

17.º Impedindo a passagem no caminho e obrigando os moradores a descreverem o caminho mais longo referido em 7.

18.º Muitos moradores são de idade avançada e não possuem automóvel.»

4). No mesmo Acórdão foi apreciada a alegada, pelos aí Autores/recorrentes, falta de citação dos interessados numa ação popular conduzia à nulidade do processo, tendo sido concluído negativamente por não estar em causa uma nulidade principal, não tendo sido então a nulidade secundária alegada tempestivamente e também por os Autores/recorrentes não terem legitimidade para o alegarem.

5). Em tal processo n.º 522/12.2TBAMT os ora Réus CC e mulher, DD, residentes na Calçada ... não foram citados.


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Os factos em causa têm por base o teor dos autos n.º 522/12.2TBAMT, devendo juntar-se certidão das seguintes peças processuais ao presente processo: petição inicial (referência 781289), citações ocorridas em 19/03/2012 (referências 2845714 e 2845715), notificações de 26/03/2012 (referências 2854998 e 2854999).


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2.2). Do mérito do recurso.

O tribunal recorrido indeferiu liminarmente, ao abrigo do disposto no artigo 590.º, n.º 1, do C. P. C., a petição inicial apresentada na presente ação, sustentando existir caso julgado face a decisão proferida no processo n.º 522/12.2TBAMT, que correu termos no então 3.º juízo do T. J. de Amarante.

Quer essa ação, quer a presente, constituem ações populares, como definido pelo artigo 1.º, da Lei n.º 83/95, de 31/08: a presente lei define os casos e termos em que são conferidos e podem ser exercidos o direito de participação popular em procedimentos administrativos e o direito de ação popular para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações previstas no n.º 3 do artigo 52.º da Constituição.

Este artigo e número da Constituição estatui que «é conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de ação popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para:

a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultural;

b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais.».

Como se denota da factualidade acima referida, em ambas as ações se procura uma decisão que declare que um determinado caminho é público, com a consequente atuação que deve ser imposta a quem (Réu) impeça o exercício correspondente a esse direito.

E, se os trâmites da primeira ação popular se tivessem efetivamente desenvolvido de acordo com o cumprimento do legalmente previsto quanto à citação de interessados, e os atuais Réus CC e mulher, DD não tivessem intervindo, pendamos que se poderia concluir que existiria caso julgado pois:

. sendo a ação interposta contra GG e mulher HH, esses Réus teriam naturalmente de ser citados;

. mas também o seriam todos os titulares dos interesses em causa na ação de que se trate, e não intervenientes nela, para o efeito de, no prazo fixado pelo juiz, passarem a intervir no processo a título principal, querendo, aceitando-o na fase em que se encontrar, e para declararem nos autos se aceitam ou não ser representados pelo autor ou se, pelo contrário, se excluem dessa representação, nomeadamente para o efeito de lhes não serem aplicáveis as decisões proferidas, sob pena de a sua passividade valer como aceitação – artigo 15.º, n.º 1, da referida Lei 83/95 (L. A. P.) -.

Ou seja, seriam citados, por anúncios (n.º 2, do mesmo artigo 15.º) todos aqueles que tivessem interesse na ação sendo que se nada dissessem, passavam a estar representados pelos Autor – artigo 14.º, da L. A. P. -.

Se algum desses titulares exercesse o direito de auto-exclusão, declarando não querer ser representados pelo Autor, a decisão que viesse a ser proferida não o abrangia – artigo 19.º, n.º 1, da mesma L. A. P.: salvo quando julgadas improcedentes por insuficiência de provas ou quando o julgador deva decidir por forma diversa fundado em motivações próprias do caso concreto, os efeitos das sentenças transitadas em julgado proferidas no âmbito de processo que tenham por objeto a defesa de interesses individuais homogéneos abrangem os titulares dos direitos ou interesses que não tiverem exercido o direito de se autoexcluírem da representação.

Alegando-se que os atuais Réus CC e mulher, DD são também pessoas residentes no local onde se encontra o caminho, são igualmente titulares dos interesses em causa na ação – daí que a publicitação dos anúncios devesse ocorrer, no caso, editalmente por estar em causa uma questão geograficamente localizada -.

Assim, publicitando-se a ação e nada sendo dito por esses outros titulares de interesses em causa (atuais Réus), a decisão que fosse proferida constituía caso julgado também em relação a si (e mencionamos a falta de intervenção porque efetivamente os atuais Réus não tiveram qualquer intervenção nesse outro processo).

Não ocorreu a apontada citação desses titulares por anúncios/éditos; é preciso então responder à questão de saber se deve entender-se que, não tendo tido intervenção, a decisão proferida naquele processo pode ou não constituir caso julgado em relação aos ora Réus (a ser esta a exceção em causa).

Naquele processo foi decidido, em sede de recurso e em Acórdão proferido por esta mesma Relação, que a falta de citação que estava em causa não acarretava a nulidade do processo e que por isso nada obstava a que se proferisse a decisão final de mérito.

Para nós, essa decisão faz com que o vício em questão (falta de citação de todos os interessados) tenha ficado sanado pois se se menciona que já não é o momento processual para o efeito nem a parte tinha legitimidade para o arguir, podendo os autos prosseguir, tal significa que o vício se considerou sanado. E, assim sendo, então é como se nunca tivesse existido[1], tendo de ser retiradas da decisão que foi proferida todas as consequências, incluindo em relação à sua força vinculativa extraprocessual.

Ou seja, numa ação popular foi proferida uma decisão em que se reconhece que um determinado caminho é público; não existindo vícios processuais, a decisão aí proferida adquire a força de caso julgado, intra e extraprocessualmente, nos termos do artigo 619.º, n.º 1, do C. P. C. -.

Ora, se conforme consta daquele Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, não há vício de citação a considerar, então tem de se entender que todos os interessados viram protegidos os seus direitos e deveres no decurso dessa mesma ação; e não tendo nenhum deles exercido o direito de auto-exclusão acima referido, passaram todos eles a estar ao lado dos ali (e aqui) Autores.

Desse modo, ao ser proferida a decisão que reconhece o caminho como público, e pedindo-se numa nova ação, interposta pelos mesmos Autores e contra diferentes Réus que se têm de considerar como tendo estado ao lado dos demandantes na outra ação popular, o que sucede desde logo é que há uma identidade jurídica de partes.

Os Autores são os mesmos; e os ora Réus têm de se considerar como tendo aceite que aqueles Autores os representassem – artigo 15.º, n.º 1 -, pelo que os efeitos de caso julgado também os abrangem - artigo 19.º, n.º 1, ambos da L. A. P. -.

Mas, se em relação aos aqui Réus foi proferida decisão vinculativa no sentido de que têm de aceitar que o caminho é público, ao ser formulado este mesmo pedido noutra ação, proposta pelos mesmos Autores, pensamos que não será caso de indeferimento liminar/absolvição de instância por violação de caso julgado.

A causa de pedir nesta ação é a natureza pública do caminho e a sua ocupação e, em relação ao pedido de reconhecimento do caminho como público, sobre o mesmo emerge o caso julgado – as partes, como acima definidas, em relação a tal causa de pedir e pedido já não podem questionar de novo esse caráter público do caminho por tal já ter sido decidido anteriormente.

Ou seja, no caso, os Autores estão vinculado a aceitar que o caminho é publico (como fizeram) mas os Réus também estão vinculados a esse entendimento, não podendo alegar que o caminho lhes pertence; mas daí não se conclui que os Réus devam ser absolvidos da instância quando os Autores, cumprindo os ditames do caso julgado, acabam por ver impossibilitada a discussão da sua pretensão, em benefício dos Réus que poderiam vir igualmente a concordar (na eventual contestação) com esse caráter público do caminho, assim igualmente respeitando o caso julgado.

É que não está só em causa o caráter público do caminho, está igualmente em causa a sua ocupação, que se reflete num outro pedido: desocupação de uma parte diferente do caminho daquela que foi alvo da primeira ação popular (aqui setenta metros do caminho, ali trinta metros, tendo aquele caminho cerca de cem metros de extensão total).

Esta parte não foi apreciada nem decidida no anterior Acórdão do Tribunal da Relação do Porto pelo que não há identidade de pedido; daí que a função negativa do caso julgado já não pode operar, não podendo existir absolvição de instância (ou indeferimento liminar).

O que sucede é que a questão da natureza do caminho já está decidida, o que se irá impor ao juiz na sentença, assim se evitando a repetição de decisão anterior (autor e ob. citada na nota 2, página 701) e, pedindo-se novamente que se declare o que já foi decidido (natureza pública do caminho), está em causa o reconhecimento desse pressuposto, com dispensa de produção de prova sobre essa matéria.

Os Autores, tendo obtido decisão favorável à sua pretensão, já têm provado um pressuposto necessário a esta nova pretensão: o caminho é público, pelo que não pode ser ocupado privadamente por terceiros (é a situação a que a jurisprudência vem denominando de autoridade de caso julgado).

É conhecida e já profusamente explanada a noção de autoridade de caso julgado, referindo-se aqui, apenas a título de exemplo, o referido no Ac. do S. T. J. de 14/01/2021, Cons. Abrantes Geraldes, processo n.º 2104/12.8TBALM.L1.S1: «já a autoridade de caso julgado apresenta uma configuração diversa.

As diferenças emergem, desde logo, do facto de constituir uma figura que na sua essência é resultado de uma construção doutrinária e jurisprudencial, carecendo de sustentação numa norma com o pendor objetivo que apresenta o art. 581º do CPC de 2013 (ou do art. 497º do anterior CPC de 1961), sendo erigida a partir da análise de normas mais difusas como os arts. 619º e 621º (correspondendo aos arts. 671º e 673º do anterior CPC de 1961).

Além disso, o respeito pela autoridade de caso julgado não tem como efeito impedir a apreciação do mérito na segunda ação, antes visa assegurar que nessa apreciação sejam ponderados os efeitos emergentes de uma anterior decisão transitada em julgado que seja vinculativa para ambos os sujeitos. Em determinadas circunstâncias que vêm sendo enunciadas pela doutrina e pela jurisprudência, tem-se revelado premente ponderar o que, com trânsito em julgado, já foi decidido noutra ação, a fim de evitar uma contradição intrínseca de julgados.

Em linhas muito gerais, vem sendo assumido pela doutrina e pela jurisprudência, neste caso refletida em numerosos arestos deste Supremo Tribunal de Justiça, que, pressuposta a aludida identidade de sujeitos, os efeitos de uma determinada decisão proferida numa ação podem projetar-se positiva ou negativamente noutra ação, embora não exista total coincidência entre os respetivos pedidos e/ou causas de pedir.».[2]

Repare-se, não há qualquer decisão judicial a mencionar que os ora Réus ocupam o caminho em causa pelo que essa questão está ainda efetivamente por decidir, pelo que não vemos que se possam absolver os Réus da instância (ou, no caso, indeferir liminarmente a ação) por já ter sido decidida essa mesma questão.[3]

Note-se que, apesar de estar em causa uma ação popular, tal não impede que se formulem pedidos mais concretos como seja o de se desocupar uma parte do caminho que se pretende que seja declarado totalmente como público (como aliás sucedeu no Acórdão proferido na primeira ação popular). Ao pedir-se a desocupação de um caminho público (logo, excluído da esfera de propriedade provada dos Autores), além de ainda se está a defender esse bem do Estado, está a pedir-se a reconstituição natural da lesão que se sofre com a alegada violação, pretensão que é assim permitida pelo disposto no artigo 22.º, nºs. 1 a 3, da L. A. P.:

«1 - A responsabilidade por violação dolosa ou culposa dos interesses previstos no artigo 1.º constitui o agente causador no dever de indemnizar o lesado ou lesados pelos danos causados.

2 - A indemnização pela violação de interesses de titulares não individualmente identificados é fixada globalmente.

3 - Os titulares de interesses identificados têm direito à correspondente indemnização nos termos gerais da responsabilidade civil

Estando em causa uma ação que reveste a forma do processo comum do processo civil, naturalmente seguindo as regras aqui previstas que não estejam especialmente afastadas, não há impedimento legal para a cumulação dos pedidos de declaração do caminho como público, desobstrução do mesmo e pagamento de uma quantia por alegados danos patrimoniais que são causados por a causa de pedir ser a mesma – caráter público do caminho e sua voluntária obstrução – artigos 555.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, do C. P. C. ex vi artigo 12.º, n.º 1, da L. A. P. -.

Importa então aferir se essa ocupação existe, se é efetuada pelos Réus e se causa danos aos Autores, com a realização da necessária e subsequente prova, concluindo-se pela revogação da decisão que indeferiu liminarmente a ação.


*


3). Decisão.

Pelo exposto, revoga-se a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir nos termos acima referidos.

Custas do recurso pelos recorridos.

Registe e notifique.

Porto.10/7/2025

João Venade.

Paulo Duarte Teixeira.

Ana Márcia Vieira.

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[1] Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 2.º, 1945, página 499: «sanada a nulidade, o vício desaparece.».
[2]Num sentido crítico daquele que a jurisprudência do S. T. J. vem seguindo maioritariamente, Lebre de Freitas, um Polvo Chamado autoridade do Caso Julgado, https://portal.oa.pt/media/130340/jose-lebre-de-freitas_roa-iii_iv-2019-13.pdf.
[3]Suponha-se que tinha sido decidido na outra ação que o caminho não era público e os ora Autores vinham de novo sustentar que o era, como pressuposto para o pedido de desocupação efetuado nestes autos; aqui a decisão seria de improcedência pois um dos pressupostos desta desocupação não se verificava atenta a decisão anterior.