Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0655555
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PELAYO GONÇALVES
Descritores: RECLAMAÇÃO
Nº do Documento: RP
Data do Acordão: 09/29/2006
Votação: .
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO.
Decisão: INDEFERIDA.
Indicações Eventuais: LIVRO 5 - FLS. 133.
Área Temática: .
Sumário:
Reclamações: Rec. 481
5555/06 - 5ª Sec.

No Tribunal Judicial de Valongo, …..º Juízo, nos autos de execução ordinária que nele pende termos sob o nº. ……./03, intentada pela B……, S.A. contra C……. e outros, veio a exequente a requerer a venda do imóvel penhorado por meio de propostas em carta fechada e pelo valor base de € 111.000,00.
O Mm. Juiz, como prévio da venda, ordenou a avaliação do bem penhorado por avaliador do Tribunal.
Não concordou o Exequente com tal nomeação pelo que requereu a reforma desse despacho ao abrigo do disposto no art. 886º, nº.2 do CPC e se fosse indeferida vinha por tal meio dele interpor recurso.
Porém, o Mm. Juiz não procedeu à requerida reforma nem recebeu o recurso por o haver proferido no âmbito de poder discricionário que lhe cabe.
Valeu-se, então, o Exequente da faculdade concedida pelo art. 668º do CPC e reclamou para o Presidente do Tribunal da Relação da área contra a rejeição do seu recurso.
As alegações que nos dirige a justificar as razões pelas quais o recurso deve ser recebido são do seguinte teor:
“1. A reclamante/exequente requereu a venda do imóvel penhorado nos autos por meio de propostas em carta fechada e pelo valor base de € 111.000,00 e que o valor a anunciar para a venda fosse igual a 70% do referido valor base nos termos do disposto no art. 899º nº.2 do CPC.
2. A fls. 182 foi aberta conclusão com a informação de que “para avaliação do bem penhorado se indica o perito, Eng. D…….” na sequência da qual foi proferido o seguinte despacho:
“Proceda-se à avaliação do bem penhorado.
Para a avaliação nomeio o Exmo Eng. D…….”…
3. A reclamante, notificada de tal despacho, requereu a reforma do mesmo ao abrigo do art. 886 nº.2 do CPC e para a hipótese de tal reforma ser indeferida interpôs, desde logo, recurso do mencionado despacho por o mesmo ser omisso quanto aos fundamentos que estavam na base da avaliação ordenada.
4. O Senhor Juiz indeferiu o recurso em causa com o fundamento de que a decisão recorrida se insere no âmbito do poder discricionário do juiz e, por essa razão, é irrecorrível.
5. Salvo o devido respeito pela opinião contrária, entendemos que o senhor juiz carece de qualquer razão.
Na verdade, mesmo que o despacho em apreço fosse proferido no uso legal de um poder discricionário o que, como adiante melhor se explicitará não é certo, todos os despachos, mesmo os proferidos no uso de um tal poder devem ser fundamentados.
Com efeito,
Dispõe o art. 158º do CPC que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
6. Ora,
O despacho em crise limita-se a ordenar a avaliação do imóvel sem explicitar as razões de facto e de direito que justificam tal avaliação, o que determina a sua nulidade nos termos do disposto nos artigos 158º, 659º, 668º nº.1, alínea b) e 660º nº.2 todos do CPC.
7. Sem prescindir
Entende o Senhor Juiz que o despacho é irrecorrível por se inserir no âmbito do poder discricionário.
8. Como ensina o Conselheiro Rodrigues Bastos, in Notas ao Código Processo Civil, os despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário são “aqueles relativamente aos quais a lei atribui à entidade competente a livre escolha quer da oportunidade da sua prática quer da solução a dar a certo caso concreto”.
9. A respeito da fixação do valor base dos bens dispõe o art. 886º-A nº.2 do CPC que “quando o considere indispensável, nomeadamente por os interessados sugerirem valores substancialmente divergentes, pode o juiz fazer proceder à fixação do valor base dos imóveis….”
10. Ou seja, a determinação do valor base do imóvel pelo juiz deve ter por base razões objectivas que se prendem com a desproporção entre o valor indicado pelos vários intervenientes processuais.
11. Ora, no caso, o que se constata é que a avaliação não resultou do facto de terem sido sugerido nos autos, pelos interessados, valores substancialmente divergentes, antes tratou-se de um acto sem qualquer fundamento e por isso sindicável pelo tribunal superior.
12. È verdade que o senhor Juiz, a fls. 190, vem dizer que não tem conhecimentos que lhe permitam avaliar a razoabilidade do valor proposto pela exequente.
13. Porém a ser assim, contrariamente ao estabelecido na lei, a avaliação do bem passaria a ser a regra já que o senhor juiz, como se depreende do teor do seu despacho, nunca estaria habilitado para fixar o valor base da venda por falta de conhecimentos para tal.
14. Conforme decorre do disposto no art. 886º nº.5 do CPC só não são recorríveis os despachos que fixem o valor base mas já não é assim se na determinação do valor base não tiverem sido seguidos os critérios legais.”

O Mm. Juíza manteve, na íntegra, o seu despacho reclamado e não houve resposta da parte contrária.
Cumpre decidir.
***
Dispõe o artigo 679º do CPC (serão deste Código os mais preceitos que adiante se citem sem indicação de outra origem), que não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário.
Não nos compete apreciar as razões e fundamentos da inconformidade do reclamante com a decisão de que se pretende recorrer, mas apenas se é, ou não, admissível de recurso, como expressamente prevê e disciplina o art. 688º.
Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais para se obter o reexame da matéria que foi sujeita à apreciação da decisão recorrida – Ac- STJ, de 20/02/91, AJ 15º /16º - 17º.
Só sendo ao recorrente permitido delimitá-lo quanto às pessoas e objecto – art. 684º, nº. 2 e 3.
Ao Juiz cumpre admiti-lo ou rejeitá-lo nos termos do art. 687º.
A questão que nos é posta na presente reclamação reduz-se a saber se o Mm. Juiz ao não admitir o recurso do Reclamante sobre ter nomeado perito para avaliar o imóvel a vender, por carta fechada, o fez no uso de um poder discricionário.
A venda mediante propostas em carta fechada “O valor a anunciar para a venda é, neste caso, igual a 70% do valor base dos bens, determinado nos termos do disposto no artigo 886º-A, salvo se o juiz fixar percentagem diversa” - nº.2 do art. 889º
Tem a redacção seguinte o artigo 156º:
1. Os Juízes tem o dever de administrar a justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da Lei, as decisões dos tribunais superiores.
2. Diz-se sentença o acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa.
3. As decisões dos Tribunais colegiais tem a denominação de acórdãos.
4. Os despachos de mero expediente destinam-se a promover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes; consideram-se proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador” (sublinhado nosso)
Para o Prof. Alberto dos Reis, CPC Anot., Vol. V, pág. 252, serão despachos proferidos no uso de um poder discricionário “os que se destinam a ordenar actos que dependem da livre apreciação do juiz”. “Livre determinação quer dizer determinação que não está sujeita a limitações ou qualquer condicionalismo”.
O que caracteriza o poder discricionário é a ausência de limites da decisão.
a) O acto é vinculado, quando a administração se limita a executar a vontade expressa na lei, nas precisas circunstâncias nela previstas;
b) È discricionário, quando pode ser praticado ou não, e com um ou outro conteúdo, conforme convier à Administração:
“O Tribunal está investido de poder jurisdicional quando lhe é licito fazer ou deixar de fazer, quando depende exclusivamente da sua vontade determinar-se num ou noutro sentido. Poder discricionário quer dizer poder absolutamente livre, subtraído a quaisquer limitações objectivas ou subjectivas (Ver. De Leg. 79º, pág. 107).
A Lei que confere poder discricionário é uma norma em branco; a vontade do Juiz é que preenche a norma é que, em cada caso concreto, lhe molda o conteúdo” – ibiden fls. 254.
No caso dos autos a Reclamante indicou o valor que devia ser atribuído para base de licitação do bem penhorado de € 111.000,00.
A venda mediante propostas em carta fechada “O valor a anunciar para a venda é, neste caso, igual a 70% do valor base dos bens, determinado nos termos do disposto no artigo 886º-A, salvo se o juiz fixar percentagem diversa” nº.2 do art. 889º.
Ora, nos termos do citado art. 886º-A pode o Juiz, entre o mais, “proceder à fixação do valor base dos imóveis ou direitos das diligências necessárias à determinação do respectivo valor de mercado” nº.2.
E quanto a móveis, não avaliados, é o que consta dos autos de penhora, “salvo se o juiz, oficiosamente ou a requerimento de algum dos interessados na venda, fixar valor diverso” nº.3.
Além do caso de divergência dos valores indicados pelo exequente e executado, estará no critério do juiz proceder à prévia avaliação do bem a vender.
E não é o Juiz obrigado a saber o valor dos bens penhorados a vender, pelo que por devida precaução ordena diligências para tal fim. É a aplicação do princípio do inquisitório que lhe permite providenciar pelo andamento regular e célere do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias……
- art. 265º, nº.1 e 2 do CPC.
E da sua actuação, nos termos da citado art. 886º-A, não cabe recurso das suas decisões – nº.5 do mesmo preceito.
Donde, se ter de concluir que o poder do Juiz diligenciar para fixar o valor de base dos imóveis a vender na modalidade de venda por meio de propostas em carta fechada, é poder discricionário que lhe assiste como atrás deixamos definido, pelo que não admissível de recurso.
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Nestes termos, sem necessidade de maior fundamentação, por escusada, INDEFIRO a presente reclamação.
Custas pelo reclamante.
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Porto, 29 de Setembro de 2006

O Vice-Presidente da Relação
Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves
Decisão Texto Integral: