Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
15/19.5T8VLC.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: CAMINHO PÚBLICO
UTILIDADE PÚBLICA
USO IMEMORIAL
INTERESSE COLETIVO
Nº do Documento: RP2023102515/19.5T8VLC.P1
Data do Acordão: 10/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Quando a dominialidade de certas coisas não está definida na lei, como sucede com as estradas municipais e os caminhos, essas coisas serão públicas se estiverem afetadas de forma direta e imediata ao fim de utilidade pública que lhes está inerente.
II - É suficiente para que uma coisa seja pública o seu uso direto e imediato pelo público, não sendo necessária a sua apropriação, produção, administração ou jurisdição por pessoa coletiva de direito público. Assim, um caminho é público desde que seja utilizado livremente por todas as pessoas, sendo irrelevante a qualidade da pessoa que o construiu e prove a sua manutenção.
III - A relevância do interesse colectivo do terreno deve ser apreciada casuisticamente no cotejo com as circunstâncias e o “modus vivendi” da localidade onde ele se situa
IV - No caso de passagem ou caminho, que não se integra em nenhuma propriedade privada, existente num lugar e que desde tempos imemoriais liga duas ruas desse lugar, a prova do seu uso imemorial pela população basta para se considerar tal caminho como caminho público.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 15/19.5T8VLC.P1
Origem:Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro -Juízo de Competência Genérica de Vale de Cambra

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Porto:

I – RELATÓRIO
1. Freguesia ..., NIPC ..., sedeada na Rua ..., Freguesia ..., município ..., propôs a presente ação de processo comum contra AA e mulher BB, casados, residentes no Beco ..., ..., ..., Freguesia ..., município ..., pedindo que, julgada procedente a ação, seja declarado que o trato de terreno descrito no artigo 1.º da petição inicial é um caminho público, condenados os Réus a retirarem os portões referidos no artigo 13.º do mesmo articulado e a absterem-se de impedir a livre circulação, por toda a gente, a pé e com veículos, naquele trato de terreno.
2. Os Réus contestaram a presente ação impugnando a factualidade vertida na petição inicial, propugnando que o trato de terreno em causa faz parte do prédio de que os Réus são proprietários e que a sua utilização por terceiros foi feita com o seu consentimento ou como mero atravessadouro.
3. Foi dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador e despachos subsequentes, tendo sido produzida, previamente à audiência de discussão e julgamento, prova pericial.
4. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância das legais formalidades.
5. Em 03.08.2020 foi proferida sentença que decidiu julgar a presente ação totalmente procedente por provada e, em consequência, declarado que o trato de terreno que, no Lugar ..., Freguesia ..., concelho ..., liga a Rua ... ao antigo troço pavimentado da EN ... (este de designação toponímica de Rua ...), descrito em A a F dos factos provados é caminho público e, consequentemente, condenando os Réus a retirarem os portões referidos em O dos factos provados e a absterem-se de impedir a livre circulação, por toda a gente, a pé e com veículos, naquele trato de terreno.
6. Por sentença proferida a 25.01.2021 no apenso A de habilitação de herdeiros foram julgados os Requeridos BB e os seus filhos CC, DD e EE habilitados como herdeiros de AA, prosseguindo os autos principais de ação de processo comum com aqueles no lugar deste.
7. Da sentença proferida nos autos principais foi interposto recurso pelos Réus, o qual foi admitido por despacho de 09.06.2021.
8.Por acórdão de 07.10.2021, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alíneas c) e d) e n.º 3, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, a sentença proferida foi anulada para permitir o aperfeiçoamento/ ampliação do relatório pericial elaborado pelo senhor perito com nova deslocação ao local, se necessário, o aperfeiçoamento do auto de inspecção ao local nos termos referidos e ainda a fundamentação da decisão relativamente à utilização do trato de terreno em causa na parte em que o tribunal recorrido refere a prova testemunhal, ficando prejudicada a apreciação das restantes questões colocadas no recurso interposto.
9. Na sequência, foi elaborado novo relatório pericial e levantamento topográfico.
10.Foi complementada a inspeção ao local com registo fotográfico e videográfico.
11. Concluída a produção de prova e ultimada audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a presente ação totalmente procedente por provada e, em consequência, foi declarado que o trato de terreno que, no Lugar ..., Freguesia ..., concelho ..., liga a Rua ... ao antigo troço pavimentado da EN ... (este de designação toponímica de Rua ...), descrito em A a F dos factos provados é caminho público e, consequentemente, condeno os Réus a retirarem os portões referidos em O dos factos provados e a absterem-se de impedir a livre circulação, por toda a gente, a pé e com veículos, naquele trato de terreno.
12. Inconformados os réus apelaram e concluíram nos seguintes termos:
1ªComo referido na sentença, a lei define quais os bens que integram o domínio publico do Estado, o domínio publica das regiões autónomas e o domínio publico das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites.
2ª Assim sendo, à dominialidade dos caminhos das autarquias locais, pode a lei ordinária, desde logo, definir quais os caminhos que integram o domínio publico
3ªSabendo-se que dentre as autarquias locais, há que distinguir as Câmara ... e as Juntas de Freguesia, contrariamente à opinião perfilhada pela Mª Juiz “a quo” na sentença de que se recorre, entende a recorrente que necessário se torna apurar qual a entidade publica a que tal caminho está afeto, qual a entidade publica que sobre ele exerce dominialidade
4ª Se assim não fosse, não seria possível identificar quais os caminhos públicos, por não estarem registados nem constarem de qualquer cadastro, qualquer entidade publica poderia exercer sobre o mesmo os direitos que bem entendesse, entrado em conflito com igual possibilidade de outras entidades também publicas e quiçá privadas.
5ª E porque não têm dono, não haveria quem definisse o seu regime, condições de utilização e limites.
6ª Os caminhos públicos das freguesias devem estar identificados pelas Juntas e Assembleias de Freguesia, com indicação da localização, limites, extensão, largura, composição e confrontações, competindo-lhe manter atualizado e organizado um cadastro desses caminhos
7ª Quer a Junta de Freguesia, quer o Município, só podem determinar que determinado caminho é publico e da respetiva autarquia, se constar do referido cadastro. Os demais caminhos existentes na Freguesia ou no Município, não podem ser considerados como públicos.
8ªNão consta dos autos que exista cadastro dos caminhos vicinais na A. Junta de Freguesia ... e, se existe, se o trato de terreno em apreço está nele devidamente identificado.
9ªA A. não o classifica tal trato de terreno como sendo sua pertença, ou do Município, nem a lega a prática de qualquer ato de posse sobre o mesmo, pelo que não se sabe que tipo de caminho publico pretende a A. seja lhe reconhecido pelo Tribunal
10ªPor falta de indicação dos elementos caraterizadores do caminho, que a A. pretende seja classificado como público, terá a ação forçosamente que improceder. Não pode o Tribunal decidir pela sua consideração como publico, sem mais, por não existir tal classificação, nem como municipal ou da Junta de Freguesia, seria ir além do pedido Sem prescindir
11ªA decisão sobre o objeto do litígio - apurar se o trato de terreno descrito em 1º a 4º da petição, constitui um caminho de passagem publica, estando essa passagem impedida por ato(s) dos RR - deve-se conseguir, em primeira linha, pela análise dos documentos que eventualmente existam na entidade publica que deseja o seu reconhecimento como tal e, também eventualmente, noutra ou outras entidades publicas coadjuvantes. Ou seja, da análise dos documentos que possam existir na Junta de Freguesia ..., que é a entidade que deseja lhe seja reconhecida, não a titularidade do caminho, mas a sua classificação como público, em conjugação com os existentes na Câmara Municipal do concelho a que pertence -... e outros, como a carta militar
13ªNa Autora, Junta de Freguesia, não existe qualquer documento que faça referência ao caminho em causa. E mais, nunca a Junta praticou qualquer ato de posse sobre tal caminho, como sejam, sua abertura, limpeza, arranjo do piso, colocação de iluminação publica, ou outro, o que nem sequer alegou.
14ªOs únicos documentos de que se tem conhecimento, são os existentes na Câmara Municipal ..., os constantes da certidão junta com a contestação, pelos quais a Câmara Municipal, em conformidade com deliberação tomada em 30 de Agosto de 2004, aprovou os topónimos que mencionou da Freguesia ....
15ªPela análise do anexo 3, forçoso é concluir-se a existência da Rua ..., que passou a designar-se “Beco ...”, com início na Rua ... e sem termo designado.
16ªSó com base neste elemento, uma primeira conclusão é forçoso tomar-se: o Beco ..., não tem termo, porque foi considerado que não tem ligação ao troço pavimentado da EN..., com a designação toponímica de Rua ..., como pretende a A. e a Mª Juiz “a quo” reconheceu. Se tivesse ligação à EN..., assim teria ficado a constar do mapa em análise. E assim teria sido publicitado.
17ªA igual conclusão se chega da análise dos demais anexos, em que o Beco ... é configurado (desenhado) sem ligação ao antigo ou atual troço da EN..., atual Rua ....
18ªVerificando-se também pela análise dos mesmos, a existência de duas vias de comunicação (estradas alcatroadas) a ligar o Lugar ... (onde pertence o pretendido caminho publico) à EN..., ambos que encurtam e em muito, o acesso dos moradores do lugar à dita EN...
19ªMenor distância, melhor acesso (estrada) e melhor piso (alcatroado) em comparação com o Beco ..., estreito, sinuoso e de piso irregular, de pedras.
20ªÀ mesma conclusão se chega pela análise da carta militar, ao indicar o Beco ... por dois traços horizontais, paralelos, com a largura de um caminho, a ter início numa Rua, que será a Rua ..., seguindo até à habitação dos RR., aí terminando, sem fazer ligação à EN...., atual Rua ...
21ªOs documentos a que se vem fazendo referência, porque documentos autênticos, fazem prova plena dos factos que nele são atestados com base nas perceções da entidade documentadora- nº 1 do art. 371º C.C., sendo que a sua força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade- nº1 do art. 372º C.C.
22ªE a certidões de documentos arquivados nas repartições publicas têm o valor probatório dos originais – nº 1 do art. 383º C.C.
23ª A prova legal plena não pode ser contrariada por meio de prova testemunhal- art. 347º C.C.
24ª Em suma, da análise dos documentos a que se vem fazendo referência, forçoso é concluir-se que os mesmos fazem prova plena dos factos que nele são atestados com base nas perceções sejam da Câmara Municipal ..., sejam da Autora Junta de Freguesia ..., prova plena essa que não pode ser ilidida por prova testemunhal.
25ª Só na falta ou insuficiência desses documentos, é que o Julgador se terá de socorrer dos demais tipos de prova, o que entende a R. não ser de aplicar no caso concreto.
26ª Termos em que, também por aqui, não tendo a A. logrado provar que o Beco ... tem ligação com a EN..., atual Rua ..., como lhe cumpria segundo as regras do ónus da prova, tem a ação forçosamente de ser considerada improcedente, com as demais consequências legais.
27ªAssim não decidindo, violou a douta sentença os supra referidos normativos legais. Também sem conceder
28ªA A. não fez prova, como lhe competia, segundo as regras do ónus da prova, de que a afetação do caminho à utilidade pública, isto é, que a sua utilização tenha por objeto a satisfação de interesses coletivos de certo grau e relevância.
29ªIndicou apenas prova testemunhal, moradores do lugar, a maioria de idade avançada, que depuseram de modo incoerente, mesmo contraditório, interessado e parcial. Depoimentos a merecer diminuta ou mesmo nenhuma credibilidade
30ªIsto é, cada qual disse o que lhe apeteceu, depoimentos contraditórios e sem a menor credibilidade. São moradores do lugar que querem mais um caminho, além dos já existentes, que não são poucos.
31ªO Sr. Perito nomeado pelo Tribunal, em relação a tais questões, também nada disse no sentido de confirmar a tese da A.
32ªOu seja, quanto a estas questões concretas, nenhuma prova relevante ou com interesse produziu a A., como lhe cumpria.
33ªNenhuma pessoa ou entidade coletiva não moradora no lugar foi ouvida, de modo a comprovar a afetação do caminho à utilidade publica, que consiste no facto do uso do caminho visar a satisfação de interesses coletivos de certo grau ou relevância
34ªE também não indicou a A. nenhum pai de nenhuma criança ou ex-criança que agora já não o seja, que viessem depor no sentido de que utilizaram tal caminho para se deslocarem para o centro escolar, portanto, nenhuma prova consistente fez sobre tal matéria, contrariamente à opinião perfilhada pela Mª Juiz “a quo”.
35ªIncompreensivelmente para a recorrente, os depoimentos prestados pelas testemunhas por si arroladas. não mereceram credibilidade para a Mª Juiz “a quo”, dada a sua parca espontaneidade e assertividade. Nada de mais injusto e incorreto.
36ªA recorrente não aceita que os depoimentos prestados pelas testemunhas por si arroladas não mereçam credibilidade, dada a sua parca espontaneidade e assertividade.
37ªSão depoimentos espontâneos, com conhecimento direto dos factos sobre que incidiram, com as incoerências próprias do decurso do tempo e de quem não preparou o depoimento, de quem disse apenas o que sabe ou do que se lembra, com verdade.
38ªQuanto à construção de muros a ladear o caminho na propriedade dos RR., os mesmos não foram construídos para vedar a propriedade
39ªO terreno dos RR., como alegado e não impugnado pela A., as fotos e a inspeção ao local comprovam e a Mª Juiz “a quo” refere na motivação da fixação à matéria de facto, está atravessado pelo caminho, o terreno que ladeia o caminho de ambos os lados, é propriedade dos RR. Do lado da casa de habitação o terreno é destinado a quintal; do lado oposto possui árvores de fruta e outras.
40ª Separam a parte cultivada da parte que possui apenas arvoredo e árvores de fruto e servem para dar mais privacidade e maior segurança à habitação.
41ª O desenho que o R. marido apresentou na Câmara Municipal, aquando do licenciamento e a que a A. pretende atribuir significados que não tem, mostra bem essa realidade, indicando tal faixa de terreno como sendo propriedade de AA (AA), sendo até que aí mostrou a intenção de vir a construir uma garagem.
42ªOs depoimentos dos filhos dos RR. FF e DD devem ser considerados no seu todo, destacando-se os seguintes factos:
43ªFF, cujo depoimento prestado no dia 02-07-2020, teve o seu inicio às 9h e 51m e terminou às 10h e 34m e se encontra gravado, no cd, entre os minutos 0:00’ e 44:30.
Ao minuto 06:30 “onde está a pedra existia uma cancela e do lado esquerdo era o acesso aos canastros, servia para impedir a passagem do gado e de pessoas…não havia caminho até à E.N…. Viveu lá em permanência até 1981, já estava a casa em fase de acabamento…os pais estavam na Alemanha”. Ao minuto 19:50 “cancela era respeitada…em 2012 pais já cá estariam….admite que abusivamente lá passassem, a cancela com a construção da casa ficou aberta…só viu uma pessoa lá passar depois do regresso dos pais…há pelo menos dois caminhos de acesso à E.N. além do principal”. Ao minuto 27:00 ao ser-lhe perguntado se alguém precisa de utilizar o caminho em questão, responde: não. É mais perto? não…. “Ainda há o caminho do ... mais perto para quem quer ir para ...” Ao minuto 29:30 afirma que “o caminho não é melhor para as crianças, melhor é pela estrada, além de que, agora, ninguém vai a pé.” Ao minuto 30:20 diz que não passam lá carros, nunca lá passou nenhum carro. Finalmente, para não sermos fastidiosos, ao minuto 31:15 perguntado se há interesse coletivo comum para utilizarem esse caminho responde: não
44ª- DD, cujo depoimento foi prestado no dia 02-07-2020, teve o seu início às 10h e 35m e terminou às 11h e 38m e se encontra gravado, no cd, entre os minutos 45:50 e h1:49, depôs no mesmo sentido.
Em 1975 veio morar para o lugar, para casa dos avós, até 1984. Depois foi para o colégio, mas vinha todos os fins de semana. O sítio onde está agora o caminho, a maior parte do tempo aquilo estava coberto de silvas e giestas. Da parte de baixo havia um caminho, inicialmente a pé, que não vinha cá acima, feito pelos pais. Minuto 57:30 “o caminho foi aberto aos poucos” Minutos h1:02 a h1:13 “em 1976 quando pai fez pedido à Câmara, caminho não existia…nunca viu passar ali carros de bois…Beco ... termina no caminho prás eiras… já nem os meninos vão a pé para a escola…há pelo menos mais dois caminhos de acesso à E.N…..não faz sentido utilizarem o beco…Junta não punha iluminação publica no terreno deles por considerar que era privado…não se lembra da ultima vez que viu na aldeia carros de bois”. A partir do minuto h1:15 fala quase exclusivamente sobre o muro que o douto mandatário da A. e a Mª Juiz, fazendo confusão, pretendem seja considerado de vedação e, como supra se referiu, não é, já que o terreno que o ladeia de ambos os lados é pertença dos RR., o caminho não o limita, atravessa-o. Porque foi feito naquele sítio e não noutro, é questão de nenhuma importância e à qual a testemunha não pode responder, só os pais o poderão fazer.
45ª- A testemunha GG, cujo depoimento foi prestado no dia 29-06-2020, teve o seu início às 14h e 25m e terminou às 15h e 40m e se encontra gravado, no cd, entre os minutos 00:0 e h1:14.
Conhecedor profundo do local desde 1958, altura em que ia namorar as raparigas de ..., como era hábito nessa altura. Ao minuto 7:40 “havia uma cancela em madeira e duas pedras…. Beco só ia até à entrada da propriedade do AA, onde está a pedra com o buraco, a outra desapareceu com a construção da casa”. Minuto 10:40 “perguntado se nessa altura havia lá o caminho que lá está hoje, respondeu; aí não havia caminho nenhum…pelo caminho que ia para os canastros carro de bois passava, embora mal, com dificuldade”. Minuto 16:50 “do lado da estrada, terreno onde está o caminho estava vedado com muro e do lado de cima haviam as duas pedras” Minuto 18:09 “posso dizer que ali não havia caminho nenhum”. Minuto 20:32 “O Lugar ... é o que tem mais entradas e saídas do concelho ...” Referiu muitas saídas de acesso à E.N. até ser mandado parar. Ao minuto 27:19” imagine que uma criança quer ir pelo caminho para a escola, tem alguma vantagem? Resposta “não tem vantagem nenhuma…não tem mais segurança…estrada é pior…pelo caminho não passa um carro pelo outro”. Ao minuto 31:25 assistiu também à Junta dizer que não podia por poste de luz em terrenos particulares. Ao minuto 34:13 referiu que “caminho não tem ligação à estrada”, mais adiante ao minuto 43;30 “caminho publico vai até ao portão, onde corta depois para as eiras. Não vai até à estrada.” Ao minuto 49, perguntado: que você tenha conhecimento alguém passa por ali ou passava por lá? Resposta: “olhe, eu nunca lá vi ninguém passar. Não passa ninguém…há muitos anos que não há carros de bois em ..., há 20 anos ou mais.” Ao minuto 52:52 aquela via tem algum interesse especial para alguém? Resposta; “nenhum, porque há uma série de outros caminhos…nenhum Presidente da Junta fez ali nenhuma obra, sempre consideraram aquele terreno privado”
46ªEsta testemunha, ao contrário das arroladas pela A., não tem qualquer interesse direto no desfecho da demanda, é apenas amigo dos RR. Prestou um depoimento sério, desinteressado, demonstrou possuir fortes conhecimentos do local, dos caminhos existentes no local, de acesso às vias publicas, até pelos cargos que desempenhou, viu o caminho a ser feito pelos RR. e ajudou os RR. na legalização do terreno destes.
47ª- As testemunhas FF (cujo depoimento foi prestado no dia 02-07-2020, teve o seu inicio às 11h e 41m e terminou às 11h e 54m e se encontra gravado, no cd, entre os minutos h1:51 a h2:04), HH (cujo depoimento foi prestado no dia 07-02-2020, teve o seu inicio às 11h e 56m e terminou às 12h e 14m e se encontra gravado, no cd, entre as h2:06:30 e h2:24:30) e II (cujo depoimento foi prestado no dia 07-02-2020, teve o seu inicio às 12h e 16m e terminou às 12h e 26m e se encontra gravado, no cd, entre os minutos h2:26 a h2:36)
Conheceram os RR. quando este estavam na Alemanha. Todos referiram que se deslocaram à casa dos RR., quando estes ainda se encontravam na Alemanha e que o caminho em causa não existia. Deixavam o carro no largo onde atualmente existe a placa com o nome do Beco ... e subiam pela lage, a pé, até à habitação dos RR., por onde entravam pelo portão onde atualmente tem o nº da porta (nº 40). Não havia outro acesso. Se houvesse o caminho atual utilizá-lo-iam, pois era mais perto. O que lá está agora o AA diz que foi ele que o abriu.
48ª - A testemunha JJ, cujo depoimento foi prestado no dia 29-06-2020 teve o seu inicio às 15h e 45m e terminou às 16h e 25m e se encontra gravado no cd do minuto h1:24 a h2:00 Trabalhou como eletricista na casa de habitação dos RR., quando esta estava em construção. Refere que não existia caminho nenhum nessa altura, “da estrada não se via caminho nenhum”. Ouviu falar que iam abrir um caminho, uma entrada para a casa, pois não se passava para lá… “ninguém lá passava”. Perguntado se havia necessidade desse caminho, respondeu “acho que não”….”antes da construção havia um muro a pegar com a estrada nacional. Para fazer a construção, puseram o muro abaixo. Ao minuto 1:47 perguntado pelo douto mandatário da A. se à direita (do lado da estrada) não havia aí um caminho, respondeu: “à direita, na altura, estava tudo cheio de pedras, não havia caminho, ao pé da casa do AA não se passava. Empreiteiro disse-lhe que ia fazer passagem para esse terreno e só havia o caminho do meio. A parte final está inaudível.
49ª - Por último, foi ouvida a testemunha Engº KK mas, infelizmente, o seu depoimento está inaudível. E dizemos infelizmente pois, como mais afrente se referirá, confrontado com a carta militar, referiu de forma quase categórica, que os traços paralelos a indicar o Beco ..., não tinham ligação à E.N. ... e que, os traços a preto nela visíveis, representavam quotas de nível, como outros nela representados. Todos os caminhos estão representados por dois traços paralelos. Embora natural da freguesia ... e residente até há poucos anos em casa dos pais, perto do local, que conhece bem, nunca conheceu lá o caminho em apreço. Foi quem fez as plantas necessárias à legalização da propriedade dos RR. a que os autos de reportam.
50ª Da análise do relatório pericial, complementado pelos esclarecimentos que o Sr. perito prestou em audiência de julgamento, poder-se-á resumir o seguinte com interesse para a boa decisão da causa
A instâncias do douto mandatário da A., que o questionou sobre a matéria constante dos quesitos15 a 17, nada disse com relevância e em abono da tese por aquela defendida, quando é certo que cumpria à A. provar tal matéria.
Perguntado se via algum interesse relevante naquele caminho para a segurança dos habitantes desse Lugar ..., limitou-se a dizer que sendo declarado publico encurta a distância em alguns metros, é um caminho onde não passam veículos ligeiros, é mais seguro.
E questionado também, em especial, para acesso das pessoas, em especial de crianças, desse local de ... de e para o Centro Escolar, também nada de relevante respondeu. Pelo contrário, quando questionado pelo mandatário dos RR., caso de tornasse público e com a passagem de veículos, não seria até mais perigoso para as crianças, acabou por reconhecer, ao responder repetidamente “não estou a dizer o contrário.”- minuto 4:45
A instâncias do mandatário dos RR referiu o seguinte:
Questionado sobre a resposta dada ao quesito 1º, se no Lugar ..., …existe um trato de terreno, com a designação toponímica “Beco ...” com a largura…..,acabou por reconhecer, que apenas constatou a existência de um caminho, com as características nesse quesito referidas, o que também foi visualizado na inspeção ao local; e que, junto ao caminho ... existe uma placa toponímica onde se lê Beco .... Mas não sabe se tal Beco vai até à E.N. e se na parte em terra batida é publico ou particular e se de carro ou de pé. Só sabe e pode dizer, que existe tal caminho, parte alcatroado, parte em terra batida, com as dimensões referidas no quesito.
Aliás, foi isso mesmo que a Mª Juiz “a quo” referiu ter depreendido da resposta do Sr. perito, aquando das insistências do mandatário dos RR., que o que o Sr. perito pretendia dizer é que constatou no local a existência deste caminho, com estas características, que se inicia na tabuleta, se é Beco ... do inicio ao fim não sabe, nem se é todo publico ou privado, só sabe que fisicamente existe e com aquelas características. Ao minuto 06:00 “a acessibilidade para veículos é muito reduzida ali. O caminho é mais perto alguns metros, não representa nada para quem anda de carro” Pergunta: permite trânsito nos dois sentidos ao mesmo tempo de dois veículos, de carro? Resposta: de veículos ligeiros não, ainda pior no estrado de conservação em que está.”
Do mesmo modo, questionado sobre a resposta que dera ao quesito 10º, afirma a Mª Juiz “a quo” que, embora tenho sido admitido, a ele o Sr. perito não podia responder. E compreende-se bem que assim seja. Como podia o Sr. perito saber da utilização de tal caminho, desde data que excede a memória dos vivos, portanto há mais de 50 e mesmo 100 anos, se só o conheceu quando foi realizar a peritagem, em 2020?
51ªSeja pela análise dos documentos autênticos constantes da certidão junta aos autos, emitida pela Câmara Municipal ..., seja pela prova testemunhal produzida, seja pelos esclarecimentos prestados pelo Sr. perito nomeado pelo Tribunal, deverá ser alterada a resposta à matéria de facto, em consonância com o supra exposto e que tenha em conta as regras sobre a repartição do ónus da prova.
52ªDaqui a justificação, em primeira linha, da alteração da matéria de facto pretendida,
53ª Em segunda linha, tal alteração justifica-se seja pela ausência de prova sobre tal matéria produzida pela A., sendo que a ela cumpria produzi-la, segundo as regras de repartição do ónus da prova
54ª Em terceira linha, pela prova testemunhal produzida pelos RR. e pelo relatório apresentado pelo Sr. perito, com os esclarecimentos que prestou em audiência de julgamento, complementados agora pelo relatório pericial e pela gravação. Assim:
55ª- O facto provado H deverá dar-se como não provado.
Como já se deixou dito supra e é visível a olho nu sem sombra para duvidas, na planta instrutória que os RR. juntaram no processo de licenciamento, não identificaram o seu prédio como a confrontar com o dito trato de terreno, aí assinalado como caminho. Repete-se, o trato de terreno destinado a caminho atravessa o terreno dos RR., sendo que de ambos os lados o terreno é propriedade sua. Tanto assim que indicando tal faixa de terreno como sendo propriedade de AA (AA), aí mostrou a intenção de vir a construir uma garagem. Se o caminho atravessa a propriedade dos RR., é inquestionável que RR. não identificaram o seu prédio como a confrontar com o dito trato de terreno, aí assinalado como “caminho.
Aliás, essa resposta contraria o constante na motivação e transcreve-se “…a inspeção ao local permitiu ainda constatar a existência de muros na confrontação-de ambos os lados- entre o trato de terreno que a Autora alega tratar-se de caminho publico e terreno que, de acordo com as partes, é propriedade dos Réus (conforme também resulta do registo fotográfico ínsito no próprio relatório pericial).
Isto é, reconhece-se na sentença e nem de outro modo poderia ser pois é a realidade constatada nas fotos, na inspeção ao local e por acordo das partes, que a ladear o caminho de ambos os lados, a propriedade é dos RR. O caminho atravessa propriedade dos RR.
E mais, como afirmou o R. AA no seu depoimento e consta da motivação da fixação da matéria de facto, pretendia assinalar um caminho particular, a construir pelo próprio, o que, contrariamente ao decidido, se mostra de acordo com toda a prova produzida.
Porque aproveita à A., sobre a mesma nenhuma prova produziu que contrarie o exposto.
- O facto provado I deverá também dar-se por não provado
A A. não provou que o trato de terreno que liga a ... ao antigo troço pavimentado da EN... existe desde data que excede a memória dos vivos, portanto há mais de 50 e mesmo 100 anos, a partir da calçada, para norte, em terra batida.
Todas as testemunhas indicadas pelos RR. prestaram depoimentos de forma unânime, no sentido que tal caminho, antigamente, não existia e foram os réus quem o construiu.
- O facto provado K também deverá dar-se por não provado
Nenhuma testemunha referiu a passagem por esse trato de terreno de veículos motorizados e não motorizados.
Mais uma vez reconhece a Mª Juiz “a quo” que o terreno circundante ao caminho é, de um lado agricultado, fruído como eido e, do outro, afeto à produção florestal, com árvores. Aliás, mais não é do que o reconhecimento da realidade física do local atestado pela filmagem e pela inspeção ao local
- O facto provado L deverá igualmente dar-se por não provado
Quanto muito, esse trato de terreno terá sido utilizado, abusivamente, de alguns anos a esta parte, como atravessadouro, por alguns moradores do Lugar ....
Nenhuma testemunha falou em outras pessoas de lugares diferentes que no mesmo lugar circulam e é invenção da Mª Juiz “a quo” que alguma vez tenham sobre ele circulado velocípedes e veículos automóveis.
De igual modo, não foi alegado e ninguém falou que tal tato de terreno está sob a administração da Freguesia ...
- O facto provado N também deverá dar-se por não provado
É um facto que, por deliberação da Câmara Municipal ..., foi à Rua ... atribuída a designação toponímica de Beco ..., com início na Rua ... e sem termo registado. Portanto, não pode ser o trato de terreno em apreço, que termina, atualmente e por obra dos RR., na EN.... A prova produzida e os documentos dos autos não deixam dúvidas
- O facto provado Q carece de correção
O referido trato de terreno poderá evitar parcialmente a circulação pela EN..., a qual apresenta um fluxo de trânsito considerável e não tem passeios, apenas a quem pretender deslocar-se para os lados de .... Já não evita a quem pretender deslocar.se para ... e demais lados, que têm mais e melhores acessos e com menor distância.
- Os factos R e S devem igualmente dar-se por não provados
Nenhuma prova com consistência foi produzida sobre os mesmos. Veja-se o que disse o Sr perito nomeado pelo Tribunal e as testemunhas arroladas pelos RR. sobre tais factos
- O facto T tem de dar-se por não provado
Não se compreende como é possível defender-se, que a utilização de um caminho, que não permite a circulação de veículos automóveis, dado a estado do seu piso e a sua largura, que inclusive não permite a circulação simultânea nos dois sentidos, pode revelar especial interesse para a segurança dos habitantes do lugar, em casos de urgência provocada por acidente, doença, fogo ou outra situação de emergência. Nessas circunstâncias, todos indistintamente, aproveitarão em primeiro lugar as melhores vias de circulação, com bom piso e largura suficiente para permitir um trânsito seguro e, também, que encurtem distância. Nestes casos de emergência, é mais perto e mais seguro o acesso à EN... pelas outras vias a que já se fizeram referência supra. Ninguém utilizou ou alguma vez utilizará o caminho em apreço, nem o mesmo é adequado a esse fim.
Veja-se o que disse, entre outros, o Sr perito: o caminho permite a circulação a pé e a possível, ou seja, mais nenhuma. A acessibilidade para veículos ligeiros é muito reduzida ali. É mais perto alguns metros, não representa nada para quem anda de carro. É um facto indesmentível, um veículo automóvel em circulação, demora a percorrer 60 metros meio minuto. - O facto U também carece de correção
Quem aprovou a toponímia da Freguesia ... e afixou os editais, foi a Câmara Municipal ..., após deliberação: deverá retirar-se a expressão “relativamente ao trato de terreno acima descrito” pois poderá induzir a que se considere o trato de terreno em todo o seu comprimento, o que não se aceita.
Mais uma vez se repete, o Beco ... não tem termo registado, não liga a Rua ... ao antigo troço da EN....
- Os factos 2 e 3 não provados deverão dar-se por provados
Tal resulta da apreciação da prova como um todo: resulta, em parte, de acordo das partes, das reproduções fotográficas, da filmagem e dos depoimentos de todas as testemunhas arroladas pelos RR., que não foram contrariados pela demais prova produzida.
56ªCremos ser jurisprudência uniforme que, para que um caminho possa ser considerado público, no entendimento do Acórdão da Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 2012, necessário se torna a verificação de dois requisitos, para que se possa dar como provada a dominialidade publica: o uso direto e imediato pelo público e a imemoralidade daquele uso. Além, disso, tem-se entendido ainda como necessário que se verifique uma afetação do caminho à utilidade publica, o que deverá consistir no facto do caminho visar a satisfação de interesses coletivos de certo grau ou relevância.
Segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07 de Outubro de 2014, a satisfação dos interesses coletivos de certo grau e relevância não se consegue com a utilização, ainda que há mais de 30, 40, 50, 3 mesmo 100 anos, de um caminho, parte em alcatrão e parte em terra batida e pedra, que se limita e limitou a permitir o acesso a diversas fazendas, cujos proprietários para esse efeito o utilizavam, assim denunciando um uso circunscrito e subordinado a interesses de caráter meramente privatístico.
No mesmo sentido o Acórdão da Relação de Coimbra de 18-12-2013-apelação 1052/04.0TBlRA.C1 em que é relator Luís Cravo.
57ªTranspondo o que se deixou dito para o caso presente, ainda que se valorize o depoimento das testemunhas indicadas pela A. e que depuseram sobre esse aspeto concreto, o que não se concede, forçoso é concluir que elas referem a passagem, por si e alguns mais moradores do lugar, de carro de bois, para acesso às eiras e canastros atualmente em ruínas. Ninguém referiu a sua utilização por alguém de fora do lugar, que o mesmo satisfaça interesses coletivos de certo grau e relevância. Referiram exclusivamente um uso. circunscrito aos moradores do lugar e subordinado a interesses de carácter meramente privatístico. Nunca lá passou um veículo motorizado ou automóvel, apenas carros de bois e quem os utilizava.
58ªVeja-se também e no mesmo sentido, o parecer do CCDR de 09 de Março de 2016, com o nº DSAJAL 51/16, em que foi responsável Ricardo da Veiga Ferrão e o parecer do CCDR-Alentejo de 08-04-2008 “Não se refuta suficiente para integrar o primeiro requisito (a utilização pelo público em geral) a existência de um acesso aberto a pessoas determinadas ou a um círculo determinado de pessoas. Por outro lado, exige que a imemorialidade do uso só se verifica se a autoridade competente provar que o começo do uso direto e imediato pelo público nem, sequer é da memória dos vivos; e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido por unanimidade no processo 295/04.0TBOFR.C1.S1-6ª secção, datado de 14/02/2012, em que é Relator Azevedo Ramos, onde é indicada mais jurisprudência afim), que se transcreve a sumula “I- São dois os requisitos caraterizadores da dominialidade pública: o uso direto e imediato pelo público e a imemorialidade daquele uso. II- Tempo imemorial é aquele tão antigo que o seu início se perdeu na memória dos vivos. III- O Assento do S.T.J. de 19-04-89 carece de uma interpretação restritiva, sob pena do art.1383 do C.C.(abolição dos atravessadouros) ficar sem campo de aplicação e de todos os atravessadouros de uso imemorial terem de qualificar-se como caminhos públicos. IV- Tal interpretação restritiva deve ser feita no sentido da publicidade dos caminhos exigir ainda afetação à utilidade pública. V- A referida afetação à utilidade publica deverá consistir no facto do uso do caminho0 visar a satisfação de interesses coletivos de certo grau ou relevância
59ªEsta prova, segundo a regra da repartição do ónus da prova, cumpria à Autora e, duvidas não subsistem, não ter a A. logrado provar estes requisitos, para que se lhe pudesse atribuir a dominialidade sobre tal caminho.
60ªDe igual modo, com a pretendida alteração da matéria de facto dada por provada, com base na prova testemunhal produzida, ficam por provar os factos cujo ónus pertencia à A. e conducentes à procedência da ação.
61ªA A. não provou que o Beco ... fizesse ligação à EN....
Não provou que o Beco ..., há mais de 50, 100 anos, desde data que excede a memória dos vivos, foi sempre utilizado de forma direta e imediata pelo publico em geral.
A prova produzida pela A., conforme supra referido, embora não nos mereça credibilidade, foi produzida no sentido de alguns moradores do lugar e apenas esses, utilizarem o caminho de carro de bois, para se deslocarem às eiras, eiras essas já abandonadas há muitos anos. Refere uma testemunha ter passado pelo caminho uma vez de trator, o que foi considerado um ato abusivo por parte dos RR.
Tal passagem, por uma única vez, não pode criar direitos, nem ser considerada como o exercício legitimo de um direito. Até porque os tratores já existem há muitos anos e só um lá passou uma vez, há pouco tempo.
62ªA A. limitou-se a fazer prova sobre algumas, poucas, utilizações individuais do trato de terreno em questão, com um fim exclusivamente individual, egoísta, para satisfação de interesses individuais. Nenhuma prova produziu sobre tal utilização visar a utilização comum à generalidade dos utilizadores, por o destino dessa utilização ser a satisfação da utilidade pública e não de uma soma de utilizações individuais.
63ªÉ inquestionável, pois, não ter a A. produzido a prova da satisfação da utilidade pública, a utilização comum à generalidade dos utilizadores do trato de terreno em questão, que a sua utilização tenha por objeto a satisfação de interesses coletivos de certo grau e relevância, como lhe cumpria. Assim, decidindo pela improcedência da ação, Vªs Exªs farão a esperada e merecida justiça.
13.Foram apresentadas contra-alegações.
14.Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
As questões que estão colocadas no recurso são as seguintes:
.da impugnação da decisão de facto.
.do mérito da sentença recorrida.
III.FUNDAMENTAÇÃO.
3.1. Na 1ª instância foram julgados provados e não provados os seguintes factos:
Factos provados
A. No Lugar ..., Freguesia ..., concelho ..., existe um trato de terreno que liga a Rua ... ao antigo troço pavimentado da EN ... (este de designação toponímica de Rua ...).
B. No início do referido trato de terreno do lado da Rua ... está instalada uma placa toponímica com a designação “Beco ...”.
C. O referido trato de terreno apresenta as seguintes medidas de largura: no início identificado com a placa toponímica Beco ... e até ao murete de propriedade privada, 9,5m, seguindo-se no seu desenvolvimento, a zona mais larga de 3,60 metros e a mais estreita de 2,70 metros, numa extensão de 32,50 metros pavimentada com betuminoso, combinado com 15,00 metros de calçada à portuguesa e 61,00 metros em terra batida até à ligação da antiga EN ..., numa extensão total de 108,50 metros.
D. Esse trato de terreno confronta parcialmente a nascente com um prédio urbano dos Réus composto por casa de habitação e logradouro/quintal, inscrito na matriz predial rústica da Freguesia ... sob o artigo n.º ... e na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo n.º ....
E. A confrontação do dito trato de terreno com esse prédio dos Réus é definida, a nascente e em toda a extensão dessa confinância, que atinge, a norte, o anterior troço pavimentado da EN ..., pela face exterior poente de muros construídos no dito prédio dos Réus, encimados por grades e redes, e portões, em alinhamento desses muros.
F. O mesmo trato de terreno, a poente, na mesma zona (fronteira àquela confinância), também confronta com muros.
G. Os Réus residem habitualmente no prédio referido em D, onde têm domicílio legal, que indicam como sendo no n.º 40 do Beco ....
H. No âmbito dos processos de licenciamento, requeridos pelos Réus junto da Câmara Municipal ..., com os n.ºs .../76 e .../77, os Réus identificaram o seu dito prédio, em planta instrutória que juntaram, como a confrontar com o dito trato de terreno, aí o assinalado como “caminho”.
I.O mesmo trato de terreno, desde data que excede a memória dos vivos, portanto há mais de 50 e mesmo 100 anos, foi, até agosto de 2017, no seu início a sul, num cumprimento de cerca de 15 metros, pavimentado com “calçada à portuguesa” e, a partir daí, para norte, em terra batida.
J.E, em agosto de 2017, foi pavimentado a betuminoso, em cerca de 30 metros, a partir daquela calçada, para norte, continuando a parte restante, para norte, em terra batida,
K. O que sempre, sem interrupção no tempo, assim foi visível, mostrando esse trato de terreno sulcos provocados pela passagem de pessoas a pé e pela passagem de veículos, motorizados e não motorizados, sendo do terreno circundante, que é agricultado, fruído como eido ou afeto a produção florestal, com árvores, perfeitamente distinto, estando esse trato de terreno delimitado do terreno circundante por muros.
L. Desde data que excede a memória dos vivos, portanto há mais de 50 e mesmo 100 anos, e até 2017, esse trato de terreno sempre foi utilizado, sem interrupção no tempo, de forma direta, imediata e indistinta, por todas as pessoas do dito Lugar ... e outras pessoas que no mesmo lugar circularam, seja para por sobre ele passarem a pé, com animais, com carros de bois, com tratores agrícolas, com velocípedes e com veículos automóveis, da Rua ... para a EN ... e desta para aquela, na convicção de que se tratava de caminho público sob administração da Freguesia ....
M. Foi a Autora quem pavimentou parcialmente, em “calçada à portuguesa” e a betuminoso, nos moldes acima descritos, o referido trato de terreno.
N. Por deliberações da Assembleia de Freguesia ... e da Câmara Municipal ..., foi atribuída ao dito trato de terreno a designação toponímica de “Beco ...”, com início na Rua ... e sem termo registado.
O. Em 2017, os Réus, arrogando-se donos do referido trato de terreno, vedaram-no, a cerca de 45 m do seu topo sul, com um portão, e junto ao seu topo norte, com outro portão, impedindo, assim, a circulação de outras pessoas e veículos por sobre esse trato de terreno.
P. O referido trato de terreno permite reduzir até 62,00 metros a distância na circulação no lugar, assim encurtando o acesso ao Lugar ..., da Rua ... à Rua ... (EN ...), e desta rua àquela.
Q. O referido trato de terreno permite ainda evitar parcialmente a circulação pela EN ..., a qual apresenta um fluxo de trânsito considerável e não tem passeios.
R. O referido em Q e R beneficia quer para as pessoas que residem nesse lugar como para as demais que circulem nesse lugar, para acederem do Lugar ....
S. O referido em Q e R beneficia particularmente os habitantes do Lugar ... no acesso ao ecoponto situado a norte, no acesso aos prédios situados a norte, no acesso aos lugares de ..., Campo ... e ... e, em especial as crianças desse Lugar ..., no acesso ao Centro Escolar, situado a cerca de 330 metros do topo norte desse trato de terreno.
T. O referido em Q e R pode revelar, em certas circunstâncias, especial interesse para a segurança dos habitantes desse Lugar ... em casos de urgência provocada por acidente, doença, fogo ou outra situação de emergência.
U. Conforme Edital relativo à toponímia da Freguesia ..., de 18 de abril de 2006, após aprovação por parte da Junta de Freguesia ..., relativamente ao trato de terreno acima descrito, a designação toponímica Beco ... – toponímia registada com início na Rua ... e sem termo registado – veio substituir a anterior toponímia para o local, concretamente ... – Rua ....
V.O referido trato de terreno não permite a circulação, em simultâneo e diferentes sentidos, de dois veículos.
Factos não provados
Não ficaram provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente:
1. A Freguesia ... sempre cuidou e cuida do trato de terreno descrito nos factos provados em toda a sua extensão.
2.O trato de terreno descrito nos factos provados, a partir da cancela construída pelos Réus junto à entrada da sua habitação, integra o prédio urbano dos Réus descrito em D dos factos provados, atravessando-o e dividindo-o.
3.O Beco ... termina na referida cancela, colocada no local onde existiam dois pilares antigos em pedra, centenária, que sempre serviram para vedar nesse ponto a propriedade dos Réus de pessoas e animais.
4.Apenas os Réus, ou terceiros por estes autorizados, acedem e sempre acederam ao trato de terreno descritos nos factos provados a partir da referida cancela, limpando-o e aparando as silvas que aí cresciam perante a sua ausência na Alemanha, onde estavam emigrados.
À restante matéria não se responde por extravasar o objeto dos presentes autos, ser conclusiva ou de direito ou por força das regras do ónus da prova.
3.2. Da Impugnação da Decisão sobre a Questão -de-facto:
Pretendem os RR./Apelantes a reapreciação do julgamento da matéria de facto no sentido de serem julgados como não provados os factos vertidos nos itens H, I, K, L, N, R, S e T dos factos julgados provados, serem dadas novas redacções aos itens Q e U do mesmo elenco dos factos julgados provados e que seja julgada como provada a matéria de facto dos itens 2 e 3 do elenco dos factos julgados como não provados.
No essencial, argumentam nesta sede que não existe cadastro dos caminhos vicinais na Autora, Junta de Freguesia, e, a propósito da prova documental, defendem os RR./Apelantes, nas conclusões 21ª a 24ª das suas alegações, que os documentos certificados por entidade pública que constam dos autos têm força probatória plena, que não pode ser ilidida por prova testemunhal.
Ora, desde já, rebatendo esta argumentação, cumpre-nos afirmar que essa certificação apenas prova a sua existência na entidade certificante.
É que, como resulta do nº 1 do artº 371º do CC, “o valor probatório pleno do documento autêntico não respeita a tudo o que se diz ou se contém no documento, mas somente aos factos que se referem praticados pela autoridade ou oficial público respectivo” – in Código Civil Anotado, de Prof.s P. Lima e A. Varela, anot. 1 ao artº371º.
Ou seja, os documentos certificados por entidade pública apenas provam que na entidade certificadora existem esses documentos mas não que correspondam à verdade os seus conteúdos, constituindo documentos, nessa parte (quanto ao conteúdo), sujeitos à livre apreciação do Julgador - v. Ac. do STJ de 10/12/2019 (Relatora: Cons. Graça Amaral), com acesso disponível no sítio www.dgsi.pt.
Assim, os documentos certificados não estão revestidos de força probatória plena quanto à exactidão do seu conteúdo e, assim sendo, não opera, quanto a esse conteúdo, a proibição de prova testemunhal ínsita no artº 347º do CC.
São, pois, documentos cujo conteúdo está sujeito à livre apreciação do Julgador, em concatenação/confronto entre si e com os demais meios de prova, incluindo a testemunhal.
Prosseguindo, verificamos que os apelantes afirmam várias vezes que o tracto de terreno/caminho em causa não tem termo – é um caminho sem saída.
Contudo, essa afirmação não consubstancia válida impugnação da matéria de facto dada como provada nas al. A e B dos factos provados, cujo teor se reproduz:
“A. No Lugar ..., Freguesia ..., concelho ..., existe um trato de terreno que liga a Rua ... ao antigo troço pavimentado da EN ... (este de designação toponímica de Rua ...).
B. No início do referido trato de terreno do lado da Rua ... está instalada uma placa toponímica com a designação “Beco ...”.
Assim, desde já afirmamos que resulta das alíneas A) e B), dos factos provados, não impugnados, que o referido trato de terreno liga a Rua ... ao antigo troço pavimentado da EN ... (este de designação toponímica de Rua ...).
Consequentemente, os documentos convocados pelos apelantes (designadamente, certidão junta com a contestação da qual resulta que a Câmara Municipal, em conformidade com deliberação tomada em 30 de Agosto de 2004, aprovou os topónimos que mencionou da Freguesia ..., anexo 3 - edital relativo à toponímia da Freguesia ... (fls 1), anexo 4- planta de apoio ao anexo 3, levantamento topográfico, o anexo 8- extrato da carta de ordenamento do PDM de 2008 , o anexo 2- planta de apoio ao anexo 1, anexos 5- , ortofotomapa de 2013 e ortofotomapa de 2017, a carta militar- anexo 9,) não servem, por si, desacompanhados de prova complementar para provar o que os apelantes pretendem , isto é, que o Beco ... não tem ligação com a EN..., atual Rua ....

Os apelantes prosseguiram e fazem considerações pessoais sobre a prova produzida de natureza documental, técnica e mais objectiva, concretamente, as peças escritas apresentadas pelo falecido réu AA no processo de legalização da construção da sua casa, a cartografia militar de 1999, a 1ª e 2ª inspecção ao local, a filmagem -vídeo feita durante a segunda inspecção ao local, o levantamento topográfico e a perícia elaborada e convocam a reapreciação de testemunhas por eles indicadas, concretamente, os depoimentos dos filhos dos RR. CC e DD, GG, FF, HH, II, depoimentos de parte dos Réus.

Por sua vez, a recorrida nas contra-alegações convocou a reapreciação entre outros dos depoimentos seguintes:
LL, prestado na audiência de julgamento de 3/3/2020;
- o depoimento da testemunha MM, prestado na audiência de julgamento de 3/3/2020;
- o depoimento da testemunha NN, prestado na audiência de julgamento de 3/3/2020;
. o depoimento da testemunha OO, prestado na audiência de julgamento de 3/3/2020
- o depoimento da testemunha PP, prestado na audiência de julgamento de 3/3/2020 e
- o depoimento da testemunha II, prestado na audiência de julgamento de 3/3/2020.

.Aqui chegados, porque estão preenchidos os requisitos do art 640º do CPC admitimos a impugnação da decisão sobre a questão de facto.

E desde já adiantamos que o depoimento convocado pelos RR da testemunha Engº KK está inaudível, facto que os próprios apelantes adiantam na peça recursória, o que, não permitiu a sua reapreciação deste depoimento.

Procedemos à audição dos depoimentos das testemunhas convocadas, atras referidas, bem como, procedemos à audição dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Autora referidas na motivação da sentença recorrida, e reapreciamos essas provas em conjugação com a demais prova convocada na motivação, a saber, relatório pericial elaborado a 18.10.2019, auto de inspeção ao local realizado na sessão de julgamento de 2.03.2020, no qual se verifica que o tribunal percorreu o percurso junto da placa “ Beco ...” até ao anterior troço da Estrada Nacional ..., nos moldes documentados na fotografia de fls 50v, descreveu o referido troço de terreno remetendo para fotografias juntas aos autos ali identificadas, complemento do auto de inspeção ao local realizado na sessão de 4.11.2022, conforme ordenado por este Tribunal da Relação do Porto em sede de recurso, ditando para a ata o seguinte:

▪ Por referência à página 11 do relatório pericial, localizados na parte final da linha branca que se inicia no centro do Lugar ... e termina junto do ponto "A" (eixo da via da Rua ...) da figura 10, foi medida a distância até à placa toponímica "Beco ...", perfazendo o total de 8,00m (oito metros).

▪ Por referência à página 11 do relatório pericial, localizados no alinhamento do ponto "A" da figura 10 foi medida a distância até à faixa delimitadora da nova Estrada Nacional ..., distando 93,50m (noventa e três metros e meio).

▪ No que concerne à parte do caminho que se situa no antigo troço da EN…, foi medida a distância de 5 metros desde o portão norte à berma e a distância de 8,5m desde o portão norte ao eixo.

▪ Foi ainda medida a distância de 40,40 metros desde o mesmo portão até à linha branca delimitadora da nova EN..., percorrendo o antigo troço da EN....

Importa ainda assinalar que foram por nós analisadas as fotografias da 1ª perícia em maiores dimensões que foram juntas na 1ª sessão de julgamento.

Procedemos à reprodução e visualização do registo vídeo do percurso circular feito pelo Tribunal na sessão de 4.11.2022, iniciando-se junto à placa toponímica "Beco ..." e regressando ao ponto de partida pela Rua ..., meio de prova essencial, porque permitiu a este colectvo de juízes acompanhar a Mma Juiz a quo no percurso que fez.

E por ser relevante procedemos à reapreciação dos ortofotomapas juntos aos autos, revelando adiantar que a ortofoto é um mapa realizado a partir de uma fotografia aérea ortorrectificada, isto, que não sofreu distorções que são causadas pelo relevo e inclinação da câmara. Neste sentido, graças à reconstrução da fotografia aérea é possível desenvolver uma imagem plana e contínua do território fotografado, permitindo criar mapas com imagens reais.

Tivemos em consideração e reapreciamos os relatórios periciais de 19.10.2019 e de 30.05.2022, o levantamento topográfico realizado e os esclarecimentos prestados pelo sr perito em julgamento a 2.03.2020.

Efectivamente, o sr perito, QQ prestou esclarecimentos na sessão de 2.03.2022, esclarecimentos esses cujo registo de gravação foi por nós reproduzido e reapreciado. E, no essencial, entre o mais, convenceu-nos que existe interesse público no uso do caminho em causa pelas crianças e habitantes daquela localidade para aceder aos lugares referidos nas questões 15ª, 16ª e 17º da perícia.
O sr perito esclareceu que o trato de terreno em causa (“Beco ...”) surge classificado como “Caminhos – Carreteiro” (Sinalizado com ponto vermelho) na cartografia militar datada de 1999 (cfr. ainda a carta militar de 1996 junta aos autos a fls. 37), explicitando que a Carta Militar será o elemento mais representativo porquanto a Cartografia de Ordenamento do Território classifica solos, podendo, ou não, identificar a totalidade das redes de acessibilidades, identificando a rede viária principal e secundária.

E do relatório pericial resulta que não foi possível obter informação sobre o momento em que foi construída a antiga EN ..., “que o atual traçado da ER... resulta da empreitada da "EN... - Beneficiação entre ... (Km 13+000) e ... (km 42+000)". Em resultado da referida obra existe no local um troço da antiga EN..., compreendido entre os kms 29+480 e 29+538 da atual ER..., que serve de acessibilidades a caminhos que a ele confluem e aos prédios confinantes.
A empreitada da "EN... - Beneficiação entre ... (Km 13+000) e ... (km 42+000)" foi consignada a 13-11-1997 e conforme auto de receção provisória a conclusão dos trabalhos ocorreu a 30-06-1999..."

E nesse relatório, no que concerne à localização do “Beco ...”, o relatório pericial esclareceu, de modo a não suscitar ambiguidades, que considerou o seu início na placa toponímica presente no local e a partir daí, considerou que este trato de terreno liga a Rua ... ao antigo troço pavimentado da EN ..., de designação toponímica de Rua ..., com larguras medidas nos locais indicados pelos mandatários das partes sendo, no início do identificado na placa toponímica “Beco ...” até ao murete de propriedade provada de 9,5 metros, seguindo-se no seu desenvolvimento a zona mais larga de 3,60 metros e a mais estreita de 2,70 metros, numa extensão de 32,50 metros pavimentada com betuminoso combinado com 15,00 metros de calçada portuguesa e 61,00 metros em terra batida até à ligação da antiga EN ..., numa extensão total de 108,50 metros, conforme confirmação realizada pelo topógrafo RR.
Do mesmo relatório constam mapas nos quais se mostram identificados a Rua ..., a EN ... (atual), a antiga EN ..., o Centro Escolar e os lugares do ..., Campo ... e ..., mostrando-se também calculadas diversas distâncias, entre elas a distância do centro do Lugar ... ao Centro Escolar, atravessando o Beco ... (724,00 metros) ou seguindo pela Rua ... (786,00 metros).
De resto, como já adiantamos esses trajetos foram também objeto de registo vídeo captado no âmbito da inspeção ao local realizada em 04.11.2022, revelando-se essencial para este colectivo de juízes a referida reprodução desse vídeo, permitindo-nos criar a firme e inabalável convicção que não assiste qualquer razão aos apelantes na afirmação repetida que fazem ao longo da peça recursória de que o Beco ... não tem termo.

Resulta ainda consignado no relatório pericial complementado, e conforme esclarecimentos prestados em audiência na primeira sessão de julgamento, que o trato de terreno em causa (“Beco ...”) surge classificado como “Caminhos – Carreteiro” (Sinalizado com ponto vermelho) na cartografia militar datada de 1999 (cfr. ainda a carta militar de 1996 junta aos autos a fls. 37), explicitando qua a Carta Militar será o elemento mais representativo posto que a Cartografia de Ordenamento do Território classifica solos, podendo, ou não, identificar a totalidade das redes de acessibilidades, identificando a rede viária principal e secundária.
Resultam ainda do relatório pericial referências à memória descritiva e justificativa respeitante à legalização do muro de vedação localizado do lado esquerdo da EN ... ao km 29+490, inserido na propriedade de AA (Réu). No âmbito desse processo de legalização, é o próprio Réu quem apresenta peças escritas e desenhadas onde estão vertidos os limites da sua propriedade e implantação do edificado, excluindo o trato de terreno que constitui objeto dos presentes autos.

O relatório pericial apresenta-se tecnicamente fundamentado e as conclusões nele vertidas não nos se mostram contrariadas por outros meios de prova, pelo que foi totalmente considerado pelo Tribunal.

Também a inspeção ao local (conforme auto de inspeção em ata da sessão da audiência de discussão e julgamento realizada em 02.03.2020 e, na sequência da anulação da primeira sentença, conforme auto de inspeção ao local realizada em 04.11.2022) permitiu constatar a existência de um trato de terreno demarcado que serve de ligação a Rua ... e o antigo troço pavimentado da EN .... Foi também constatada a instalação da placa toponímica com a designação Beco .... Percorrendo esse trato de terreno em toda a sua extensão, a inspeção ao local permitiu ainda verificar a existência de muros na confrontação – em ambos os lados – entre o trato de terreno que a Autora alega tratar-se de caminho público e os terrenos confrontantes (conforme registo fotográfico e videográfico realizados em 04.11.2022).

Assim, porque relevante reproduzimos aqui segmentos do relatório pericial de 18.10.2019:

«Resposta Quesitos Conforme solicitado na p.l. 1o
No Lugar ..., Freguesia ..., concelho ..., existe um tracto de terreno, com a designação toponímica "Beco ...", com a largura variável entre cerca de 3 m e cerca de 4 m, e com cerca de 110 m de comprimento, que liga a Rua ... ao antigo troço pavimentado da EN ..., com ligação pavimentada ao atual e contíguo troço pavimentado da EN ..., troço este agora, nessa zona, com a designação toponímica de Rua ... - v. doc.s 1 e 2, que adiante se juntam e que aqui se dão como integralmente reproduzidos e integrados.
Reposta: Sim, confirma-se a existência do tracto de terreno designado "Beco ...", assim como se confirma que este tracto de terreno liga a Rua ... ao antigo troço pavimentado da EN ..., de designação toponímica de Rua ..., com larguras medidas nos locais indicados pelos mandatários, sendo, no início do identificado na placa toponímica "Beco ..." até ao murete de propriedade privada de 9,5 metros, seguindo- se no seu desenvolvimento a zona mais larga de 3,60 metros e a mais estreita de 2,70 metros, numa extensão de 32,50 metros pavimentada com betuminoso combinado com ~ 15,00 metros de calçada à portuguesa e 61,00 metros em terra batida até à ligação da antiga EN ..., numa extensão total de 108,50 metros.
2o
Esse tracto de terreno confronta parcialmente a nascente com um prédio urbano dos RR., composto por casa de habitação e logradouro/quintal, inscrito na matriz predial rústica da Freguesia ... sob o artigo n° ... e na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo n° ... - doc.s 3 e 4.
Reposta: Sim.
3o
A confrontação do dito tracto de terreno com esse prédio dos RR. é definida, a nascente e em toda a extensão dessa confinância, que atinge, a norte, o anterior troço pavimentado da EN ..., pela face exterior poente de muros do dito prédio dos RR., encimados por grades e redes, e portões, em alinhamento desses muros.
Reposta: Sim, conforme reportagem fotográfica seguinte.
Fotos N.° 7 a N.° 10 - Delimitação do tracto de terreno

40
O mesmo tracto de terreno, a poente, na mesma zona (fronteira àquela confinância), também confronta com muros.
Reposta: Sim. Muros de delimitação parte realizados em alvenaria de pedra simplesmente apoiada e parte realizados em alvenaria de pedra fixa com argamassa, com rede e prumos, conforme prova reportagem fotográfica seguinte.

Fotos N.° 11 a N.° 12 - Delimitação do tracto de terreno

O mesmo tracto de terreno, desde data que excede a memória dos vivos, portanto há mais de 50 e mesmo 100 anos, foi, até Agosto de 2017, no seu início a sul, num cumprimento de cerca de 15 m, pavimentado com "calçada à portuguesa" e, a partir daí, para norte, em terra batida,
Reposta: Verifica-se o estado atual conforme descrito na resposta do quesito n.° 1.
8o
e, em Agosto de 2017, foi pavimentado a betuminoso, em cerca de 30 m, a partir daquela calçada, para norte, continuando a parte restante, para norte, em terra batida,
Reposta: Verifica-se o estado atual conforme descrito na resposta do quesito n.° 1.
9o
o que sempre, sem interrupção no tempo, assim foi visível, mostrando esse tracto de terreno sulcos provocados pela passagem de pessoas a pé e pela passagem de veículos, motorizados e não motorizados, sendo do terreno circundante, que é agricultado, fruído como eido ou afeto a produção florestal, com árvores, perfeitamente distinto, estando esse tracto de terreno delimitado do terreno circundante por muros.
Reposta: Verificam-se sulcos no tracto de terreno em apreço, conforme reportagem fotográfica anexa. Atendendo que o tracto de terreno se encontra vedado por portões em ambas as extremas, desconhece-se o atual tipo de circulação que o mesmo possa ter.

Fotos N.° 13 a N.° 17 - Estado atual do tracto de terreno

Desde data que excede a memória dos vivos, portanto há mais de 50 e mesmo 100 anos, e até 2017, esse tracto de terreno sempre foi utilizado, sem interrupção no tempo, de forma direta, imediata e indistinta, por todas as pessoas do dito Lugar ... e outras pessoas que no mesmo lugar circularam, seja para por sobre ele passarem a pé, com animais, com carros de bois, com tratores agrícolas, com velocípedes e com veículos automóveis, da Rua ... para a EN ... e desta para aquela, na convicção de que se tratava de caminho público sob administração da Freguesia ..., que do mesmo cuidava e cuida,
Reposta: Esteve presente no dia da vistoria, o Sr. Presidente da Junta de Freguesia ..., bem como, populares residentes no Lugar ..., tendo testemunhado afirmativamente a utilização do tracto de terreno conforme descrito no quesito.
12°
Por deliberações da Assembleia de Freguesia ... e da Câmara Municipal ..., foi atribuída ao dito tracto de terreno/caminho a designação toponímica de "Beco ...".
Reposta: Conforme o Anexo 2 - Planta de apoio ao Anexo 1 emitida pela Câmara Municipal ..., relativa à toponímia da Freguesia ... - Lugar ..., em Julho de 2003 constata-se que a toponímia para o local indicado é "... - Rua ...", tendo sido presente a reunião da Câmara Municipal ... de 2004/08/30 - ata N.° ... no ponto 23. No Anexo N.° 4, relativo à toponímia da Freguesia ... - Lugar ..., em Abril de 2006 constata-se que a toponímia para o local indicado é "Rede Viária, com Código de Rua ... - "Beco ..., ... - Edital relativo à toponímia da Freguesia ... de 18 de Abril de 2006, com início na Rua ... e sem termo registado, após aprovação por parte da junta de Freguesia ....
14°
O mesmo tracto de terreno/caminho permite uma melhor circulação de pessoas e veículos, motorizados e não motorizados, na rede viária pública do Lugar ..., onde se insere, com manifesto interesse público não só para as pessoas que residem nesse lugar mas também para as demais que circulem nesse lugar, para acederem do Lugar ..., da Rua ..., ...), e desta rua àquela,
Reposta: Atendendo ao estado atual do tracto de terreno, a circulação no mesmo realizar- se-á com alguma dificuldade (ver fotografias n.° 13 a n.° 17). Constata-se que a distância entre os pontos A e B conforme ortofotomapa abaixo apresentado é variável entre 154,00 metros pelo percurso indicado como "Beco ...", para ~ 216,00 metros pelo percurso 15°
tendo um especial interesse para a segurança dos habitantes desse Lugar ... em casos de urgência provocada por acidente, doença, fogo ou outra situação de emergência,
Reposta: Idem resposta ao quesito N.° 14.
16°
para acesso dos habitantes do Lugar ... ao ecoponto situado a norte, aos prédios situados a norte e aos lugares de ..., Campo ... e ...,
Reposta: Idem resposta ao quesito N.° 14.»

E segmentos do relatório pericial de 30.05.2022:

«Após confirmação por serviço de topografia realizado pelo topógrafo RR, a distância entre o início do Beco ... e o centro do Lugar ... é toda ela percorrida pela Rua .... Quando se sai do Beco ... entra-se na Rua ..., pelo que a distância entre o Beco ... e a Rua ... é zero. Relativamente à distância entre o assumido início do Beco ... (onde se encontra a placa toponímica) e o centro do lugar é de 240 m, também confirmada pelo topografo RR, identificado a branco na imagem abaixo.

5° Com referência ao sentido de direção prédio dos Réus/ EN ..., qual a distância entre o fim do antigo troço EN ... e a atual EN ... (Rua ...), devendo juntar fotografias da parte medida e mapa que adequadamente retrate essa distância;
Na imagem a baixo, encontra-se identificada a vermelho o antigo troço da EN ... (EN ...), junto ao fim do trato de terreno em apreço. A verde encontra-se identificada a atual EN ... (EN ...). A distância entre os dois troços é considerada nula entre os pontos de ligação, sendo medida de 19,50 m de eixo a eixo, no ponto mais afastado entre os mesmos, conforme confirmação por serviço de topografia realizado pelo topógrafo RR.

O encurtamento do percurso mencionado nas respostas da peritagem realizada verifica- se de acordo com o medido utilizando ferramentas geográficas disponíveis (Google Earth) e tendo em conta as duas alternativas identificadas a diferentes cores na imagem abaixo. O percurso a azul cruza o Beco ..., com 154,00 m, enquanto o percurso a verde percorre a Rua ... e a Rua ... (EN ...) com 216,00 m, conforme confirmação realizada pelo topógrafo RR.

«O início do Beco ... foi adotado tendo em conta a placa toponímica presente no local, após confirmação por parte dos mandatários presentes no dia da primeira inspeção local.
Conforme respondido em Relatório Pericial anterior: "este tracto de terreno liga a Rua ... ao antigo troço pavimentado da EN ..., de designação toponímica de Rua ..., com larguras medidas nos locais indicados pelos mandatários, sendo, no início do identificado na placa toponímica "Beco ..." até ao murete de propriedade privada de 9,5 metros, seguindo-se no seu desenvolvimento a zona mais larga de 3,60 metros e a mais estreita de 2,70 metros, numa extensão de 32,50 metros pavimentada com betuminoso combinado com 15,00 metros de calçada à portuguesa e 61,00 metros em terra batida até à ligação da antiga EN ..., numa extensão total de 108,50 metros, conforme confirmação realizada pelo topógrafo RR.

(…)

Após indicação pelo tribunal, foi realizado Levantamento Topográfico certificado e geo- referenciado, apurando-se a área do caminho em 203,00 m2, que se anexa ao presente documento.

Após indicação pelo tribunal, foi realizado Levantamento Topográfico certificado e geo- referenciado, apurando-se a distância do troço indicado em 28,00 m em linha reta entre o portão existente e o eixo da via da atual EN ....
13° Juntar nova cópia da carta militar datada de 1996, junta fls 37, que permite a este Tribunal perceber a motivação da sentença recorrida, na parte em que aí se afirma que aí surge identificado o caminho e na parte onde afirma que a carta militar reflete as acessibilidades, o que, não sucede com as plantas de ordenamento.

Foi solicitado ao Centro de Informação GeoEspacial do Exército o envio da planta referida, no entanto, após consulta no portal de encomendas a única existente é a de 1999, atualizada onde se verifica na plenitude a respetiva legenda e classificação da linha com as características visíveis, agora reconfirmadas e descritas pelo perito em sede de Julgamento.
É clara a classificação da linha preta contínua referente ao trato de terreno, classificada na cartografia de 1999 como "Caminhos - Carreteiro" (Sinalizado com ponto vermelho)
1 4° Esclarecer por escrito se as plantas de ordenamento juntas aos autos refletem ou não as acessibilidades e quais os documentos dos autos que melhor servem para representar os pormenores (naturais e artificiais) do trato de terreno em causa, devendo o senhor perito assinalar como está representado na carta militar junto a fls 37 o traçado do trato do terreno em causa, assinalando-se que a cópia que está nos autos não está legível, tornando-se impossível sindicar se nela está representado o traçado do caminho em causa.

Segundo esclarecimento prestado pelo Dr. SS, no ato da reunião tida no Edifício Municipal em 14.02.2022, a Carta Militar será esse elemento mais representativo. A Cartografia de Ordenamento do Território classifica solos, podendo, ou não, identificar a totalidades das redes de acessibilidades, identificado a rede viária principal e secundária.
A identificação do trato de terreno esta descrita no quesito anterior.
Assim, e no âmbito do total esclarecimento, na reunião tida em 01.02.2022, pelas 11 h30, com os serviços técnicos das Infra-Estruturas de Portugal, representados pela Sra. Enga TT, foi identificado com total clareza o processo de legalização de muro de vedação, junto do Km 29+490 na EN ..., onde o requerente (Reú) apresenta peças escritas e peças desenhadas onde estão vertidas com toda a clareza os limites efetivos da sua propriedade, implantação do edificado, excluindo o trato de terreno em apreço (Ver planta Implantação, com limite da envolvente do muro reconstruído).»

.Os referidos meios de prova, acabados de referir, porque assumem natureza objectiva e técnica, permitiram também a este colectivo de juízes não conferir credibilidade aos depoimentos das testemunhas arroladas pelos Réus cujos depoimentos foram convocados pelos recorrentes e que, no essencial, vieram afirmar que não existia o caminho Beco ..., afirmação que não tem qualquer adesão à realidade como tivemos oportunidade de verificar pela reapreciação dos meios de prova atrás referidos.

Assim, a testemunha GG, amigo dos RR, cujo depoimento foi prestado no dia 29-06-2020, começou por afirmar que conhece o local desde 1958 e ao longo de um depoimento confuso, repetitivo nas ideias quis comunicar que “ o Beco só ia até à entrada da propriedade do AA, onde está a pedra com o buraco, a outra desapareceu com a construção da casa” que não havia caminho nenhum…pelo caminho que ia para os canastros carro de bois passava, embora mal, com dificuldade”.

As testemunhas, CC e DD, filhos dos Réus, de modo não convincente quiseram transmitir que não existia o caminho Beco ..., que durante a construção da casa os materiais foram transportados por outro caminho. Todavia, claramente admitiram que existia o dito caminho que está em causa nestes autos, (referindo a existência de muros a delimitar o referido trato de terreno relativamente ao terreno circundante) com a nuance que terá sido aberto aos poucos pelo pai e que era um caminho privado.
E por ser relevante importa atentar que estas testemunhas ainda reforçaram para nós a total falta de credibilidade na parte em que, após serem confrontadas com o facto do próprio Réu ter apresentado no processo de licenciamento da casa peças escritas e desenhadas onde estão vertidos os limites da sua propriedade e implantação do edificado, excluindo o trato de terreno que constitui objeto dos presentes autos, não lograram arranjar razões coerentes que suportassem a versão por eles defendida, defendendo que não conseguem localizar no tempo a existência do caminho em apreço.
Assim, estas duas testemunhas não forneceram explicação coerente para a construção na propriedade dos Réus, onde foi instalada a respetiva residência, de muros de vedação, sem aí se incluir o trato de terreno que os Réus alegam constituir parte integrante dessa mesma propriedade!!
E por merecer acolhimento as considerações feitas pelo tribunal recorrido sobre o depoimento prestados pela filha dos Réus, reproduzimos aqui o seu conteúdo:

“Também as testemunhas FF (aqui existe lapso manifesto no nome do filho que verificamos chamar-se CC) e DD, arroladas pelos Réus, referem a existência, desde momento anterior à sua própria memória, de marcas na terra batida ao longo do trato de terreno em causa da passagem de pessoas e animais, embora esta última testemunha, filha dos Réus, alegue que apenas lá passariam os animais cuidados pela sua família. Referem igualmente a existência de muros a delimitar o referido trato de terreno relativamente ao terreno circundante, não sendo adiantada por qualquer testemunha explicação coerente para a construção na propriedade dos Réus, onde foi instalada a respetiva residência, de muros de vedação, sem aí se incluir o trato de terreno que os Réus alegam constituir parte integrante dessa mesma propriedade.”

A testemunha FF, referiu conhecer os RR há 30 anos, na Alemanha, ter sido procurador dos RR. Também esta testemunha começou por afirmar que o caminho em apreço é recente, que há 30 anos, encostado ao muro dos RR existia apenas um “carreiro de cabras”

As testemunhas HH, 73, II, referiram conhecer os RR desde 1973 por terem emigrado todos para a Alemanha. Todavia, apesar de referirem conhecer o local e a casa dos RR, não convenceram. Prestaram depoimentos secos sem pormenores limitando-se a repetirem que não existia caminho, não convencendo este tribunal sobre o alegado conhecimento do local.
Assim, no tocante a estes depoimentos resulta que estas testemunhas arroladas pelos Réus, não mereceram credibilidade, dada a sua parca espontaneidade e assertividade, revelando comprometimento com a posição mais favorável aos Réus e também revelando falta de conhecimento direto acerca dos factos em questão, confundindo ou tentando confundir quem os ouvia o trato de terreno em discussão com uma alegada abertura feita na propriedade dos Réus aquando da construção da casa e para facilitar o acesso de máquinas e materiais, sendo que a alegada abertura, dada a sua localização descrita pelas testemunhas que a referiram, não está em conformidade com a posição assumida pelos Réus nesta ação, na qual, reclamam a propriedade do trato de terreno em questão, por onde poderiam, portanto, ter feito aceder tais máquinas e materiais.

E estes depoimentos foram contrariados de modo ostensivo e claro pelos meios de prova de caracter objectivo e técnico atrás referidos.

Acresce que os depoimentos de parte prestados pelos Réus na sessão de 3.03.2020, cujas assentadas constam da ata dessa sessão de julgamento, revelam que o próprio Réu confessou parcialmente a matéria de facto descrita no ponto H dos factos provados, atinente ao processo de licenciamento da respetiva residência, embora alegando que pretendia assinalar um caminho particular, a constituir pelo próprio, alegação que se mostra contraditória com a documentação junta, concretamente, a fls. 8 verso, com o parecer emitido em 18.11.1976 pelo chefe dos serviços de urbanização e obras, concretamente:” Fui ao local, e pelo requerimento apresentado, deduzo que o requerente apenas deseja o alinhamento pois o mesmo não tem área nem prazo para construção. Quanto ao alinhamento, apenas existe um caminho, que a meu ver apenas deveria ficar com a largura de 4 metros.”

A própria Ré declarou que, já desde a sua infância, havia sinais, nesse trato de terreno, de passagem a pé, recordando-se do seu avô alertar o seu pai de que se deveria opor à passagem, nesse local, de pessoas e de carros de bois, por daí poderem decorrer consequências para o futuro.

Reproduzem-se aqui as assentadas feitas nos termos do art.º 463.º do CPC que foram confirmadas:

Assentada do depoimento de parte do Réu:
“•Declarou que o terreno em que foi construído o prédio urbano identificado no art.º 2.º da PI pertenceu a dois familiares directos e que apenas passou a residir nesse prédio em 2011, porque até então esteve emigrado na Alemanha durante 40 anos.
•Durante esse período de emigração deslocava-se ao prédio em questão duas ou três vezes por ano, e apenas por breves instantes (nunca mais de um dia).
•Confirma a elaboração pelo seu punho do documento do croqui que consta do documento n.º 5 junto com a PI, a fls n.º 7 v., declarando que o elaborou para instruir processo de licenciamento junto da Câmara ... e na sequência de exigências feitas pela entidade administrativa nesse processo, concretamente localização do prédio por referência a caminhos e ou outros prédios aí existentes, referindo que, contudo, o caminho aí assinalado como tal e que corresponde ao trato de terreno em discussão nos presentes autos, tal menção se reporta a um caminho particular a construir pelo próprio.
•Declarou que até à entrada de sua casa, na zona assinalada com a placa "Beco ...", se trata de caminho público (até ao final da parte alcatroada).
•Apenas se apercebeu da passagem de terceiros, no trato de terreno em questão nestes autos, em 2016 ou 2017, por ter visto essas pessoas a percorrer tal trato de terreno.
•O muro, com rede, que veda a sua casa, designadamente na parte que confina com o trato de terreno aqui em questão, foi construído em 1998 ou 1999.
•Desde 1998 ou 1999 que passa pelo trato de terreno em causa, com o seu carro, embora não o percorrendo na totalidade.
•Em 2011 fez intervenções no trato de terreno em causa com vista a que o mesmo fosse usado como caminho, mas particular, ligando o Beco ... ao antigo troço da estrada nacional n.º ....

Assentada do depoimento de parte da Ré BB.

•Declarou que a casa referida no art.º 2.º da PI foi construída em terreno que pertenceu à sua mãe e ao seu tio.
•Tendo crescido no lugar, refere que desde a infância trabalhou no referido terreno ajudando na agricultura ou com os animais.
•A casa foi construída por si e pelo seu marido, construção que iniciaram por volta dos 7 anos do seu filho, actualmente com 50 anos.
•A construção foi feita num período em que se encontrava emigrada na Alemanha, desde que o seu filho mais velho tinha 3 anos.
•Durante o período que esteve emigrada só vinha a Portugal uma vez por ano, e nem todos os anos, aqui permanecendo não mais do que uma semana.
•Concluída a construção da casa, em data que não consegue concretizar, mas que situa por volta dos 8 anos do seu filho, que conta com 50 anos, aí passaram a residir permanentemente os seus pais e os seus filhos. Desde então os seus pais diziam-lhe que passavam pessoas no trato de terreno em causa nos autos, passagem que era feita a pé. Após o seu marido compor o referido trato de terreno, apercebeu-se de pelo menos tentativas de passagem com tractores, às quais se opuseram. Referiu ainda que já desde a sua infância, havia sinais, nesse trato de terreno, de passagem a pé, e que se recorda do seu avô alertar o seu pai de que se deveria opor à passagem, nesse local, de pessoas e de carros de bois, por daí poderem decorrer consequências para o futuro.

•Confrontada com o croqui que consta do documento n.º 5, junto com a PI, fls. 7v., refere que não o elaborou e que, apesar daí se encontrar identificado como caminho o trato de terreno em causa nestes autos, o seu marido não o deveria ter feito, por entender que se trata de terreno particular que lhes pertence.
•Igualmente referiu que o muro que confronta com esse trato de terreno não deveria ter sido construído sem englobar esse trato de terreno, não adiantando, porém, qualquer explicação para a sua construção nos termos em que foi feita.”

E os depoimentos das testemunhas convocadas pelos Apelantes foram também contrariados pelo conteúdo dos depoimentos das testemunhas cuja reapreciação foi convocada pela recorrida nas contra-alegações, a saber:

- o depoimento da testemunha LL, prestado na audiência de julgamento de 3/3/2020;
- o depoimento da testemunha MM, prestado na audiência de julgamento de 3/3/2020;
- o depoimento da testemunha NN, prestado na audiência de julgamento de 3/3/2020;
. o depoimento da testemunha OO, prestado na audiência de julgamento de 3/3/2020
- o depoimento da testemunha PP, prestado na audiência de julgamento de 3/3/2020 e
- o depoimento da testemunha II, prestado na audiência de julgamento de 3/3/2020.

Assim, após a reprodução na totalidade dos registos destes depoimentos, da sua audição logramos verificar que no essencial o tribunal a quo fez um relato fiel dos mesmos, acolhendo nós esse relato que aqui damos por reproduzido, afigurando-se-nos que estas testemunhas, revelaram um distanciamento que lhes permitiu prestarem depoimentos isentos e reveladores de conhecimento directo dos factos em discussão:

«A testemunha LL, nascido em 1932, referiu que desde sempre passou no trato de terreno em discussão nos autos, onde os Réus, entretanto, puseram uns portões, o que sucedia várias vezes por semana para se dirigir para as terras, pois tal caminho permitia aceder a todos os prédios localizados para os lados de ..., onde está agora o Centro Escolar. Mais tarde esse caminho era também usado para a passagem de tratores, declarando a testemunha lá ter passado muitas vezes com o seu trator e sem qualquer oposição a essa passagem. Só desde há três ou quatro anos é que começou a haver oposição à passagem nesse local. Questionado acerca da existência de uma cancela no início desse caminho, respondeu que efetivamente existia uma cancela, mas não no caminho, antes para impedir a passagem dos animais para uma eira que ficava mais acima do caminho. Referiu ainda que a Estrada Nacional não beneficia de passeios.
A testemunha MM, nascido em 1939, referiu que conhece o caminho em discussão nos presentes autos, descrevendo a sua localização como começando ao pé da casa do Sr. UU e referindo que o mesmo se encontra agora fechado por ter duas cancelas, uma em cima e outra em baixo, junto à casa do Sr. AA (Réu). Declarou que passou nesse caminho, cuja largura corresponderia à de um carro de bois, por diversas vezes, com carros de centeio, tal como os seus irmãos, acrescentando ainda que lá passava toda a gente. Refere que aí passava por ter uns palheiros e uma eira para cima desse caminho. As pessoas passavam no caminho quando se dirigiam para a ..., na zona onde se localiza agora o Centro Escolar, para ... e Campo ....

Confirmou a existência de uma pedra na zona do caminho (junto à casa dos Réus), mas refere que essa pedra não tinha os buracos virados para baixo (para o lado do caminho), conforme apareceu, entretanto, e que esse caminho nunca teve qualquer cancela e que nunca ninguém precisou de pedir autorização para lá passar.
A testemunha NN, nascida a 1950, descreveu também a configuração do caminho denotando saber exatamente qual o objeto dos presentes autos. Referiu que o caminho começa na Rua ..., junto à casa do Sr. UU, em calçada portuguesa e, depois da casa do Sr. UU, está alcatroado, mostrando-se depois impedida a passagem por um portão. Referiu que os portões que impedem a passagem foram colocados há cerca de dois ou três anos. Antes disso, sempre tal caminho foi usado por toda a gente, a pé e mesmo no tempo dos carros de bois. Refere que muitas vezes lá passou com molhos à cabeça. Refere ainda que esse caminho, para além de encurtar a distância para a zona do Centro Escolar e prédios em redor, também é mais “protegido”, no sentido de seguro, concretizando com a falta de visibilidade no cruzamento para a Estrada Nacional.
A testemunha OO, nascida a 1952, refere que vive em ... desde que nasceu e, apesar de ter vivido em França, apenas lá esteve dois ou três anos e, mesmo nessa fase, vinha de férias. Refere que o caminho em discussão nos autos começa na Rua ... e que o conhece desde sempre como um caminho de carros de vacas e com a largura destes. Refere ainda que passava regularmente nesse caminho, concretamente, todas as semanas, e que deixou de o fazer quando o Réu lá colocou os portões que impedem a passagem. Refere que aquele trato de terreno sempre foi considerado pelos residentes no lugar um caminho aberto todo o ano, sem ser de servidão, que todos podiam usar. Referiu-o até como o principal caminho antes da estrada N.... Referiu ainda a segurança desse caminho, designadamente para entrar na EN ... com o trator, comparativamente com o cruzamento junto à paragem.
A testemunha PP, nascido a 1939, referiu que mora em ... desde 1968 e que sempre conheceu o caminho em discussão nos autos como o caminho da .... Referiu que desde que se conhece que sempre viu este caminho, que já em criança lá passava, uma vez que a sua mãe era dessa zona. Era um caminho onde passavam carros de bois e, entretanto, também tratores. Passava lá quem quisesse, mas principalmente quem tinha terrenos situados na área onde se localiza a escola nova. Referiu ainda que a povoação mantém interesse no caminho, que, entretanto, foi tapado, porque é perigoso levar os animais pela estrada nacional, sendo também mais fácil a entrada dos tratores na estrada nacional por esse caminho, o qual também é bom para as crianças que vão para a escola.
A testemunha II, nascido em 1941, referiu que já não vive no lugar há vários anos (vive em Vila Nova de Gaia), mas desloca-se lá todas as semanas por terrenos rústicos em .... Declarou que conhece o caminho desde sempre, que as pessoas o usavam para passar para as suas quintas, inclusive com carros de bois e animais, ou para ir à missa em .... Referiu que esse caminho foi coberto com saibro e que, se assim não fosse, certamente estariam lá visíveis as marcas das rodeiras. Referiu ainda que o caminho se apresentava cuidado por natureza e que nunca a população achou que tinha de pedir autorização para usar o caminho, posto o considerarem público. Referiu ainda que antigamente não havia oposição dos Réus à passagem. Referiu ainda que não era o único caminho para ..., mas que era o mais perto.»

.Posto isto, feita a reapreciação dos meios de prova atras referidos, a matéria de facto descrita no ponto H dos factos provados, atinente ao processo de licenciamento da respetiva residência (já acima aludido, porquanto referido no relatório pericial), resulta parcialmente confessada pelo próprio Réu (cfr. assentada em ata de audiência de discussão e julgamento de 03.03.2020), embora alegando que pretendia assinalar um caminho particular, a constituir pelo próprio, alegação que se mostra contraditória com a documentação junta, concretamente, a fls. 8 verso, o parecer emitido em 18.11.1976 pelo chefe dos serviços de urbanização e obras, concretamente: Fui ao local, e pelo requerimento apresentado, deduzo que o requerente apenas deseja o alinhamento pois o mesmo não tem área nem prazo para construção. Quanto ao alinhamento, apenas existe um caminho, que a meu ver apenas deveria ficar com a largura de 4 metros.

Assim, no que concerne à al. H) o que aí se encontra dado como provado resulta, com exactidão, do documento 5 da p.i. e das assentadas dos depoimentos de parte dos RR. (prestados na audiência de julgamento de 3/3/2020), em concreto do terceiro parágrafo da assentada do R.marido e do sétimo parágrafo da assentada da R. mulher. E, diga-se, encontra-se em consonância com o processo de licenciamento ..., promovido pelos RR./Apelantes, mencionado na resposta ao quesito 14º do relatório pericial de 30/5/2022.
Assim, com base nos meios de prova referidos relativamente a esta alínea H) não merece provimento a impugnação da matéria de facto.

Relativamente às alíneas I), K), L) com base na reapreciação da prova documental, com especial relevo dos ortofotomapas e do extracto da carta militar, da prova pericial, incluindo o aditado no relatório de 30/5/2022, e os esclarecimento do perito antes prestados na audiência de 2/3/2020 sobre a interpretação técnica dos ortofotomapas, carta militar, plantas do PDM e elementos da toponímia, (esclarecimentos esses, reforçados com o posterior relatório de 30/5/2022, que arredam, de forma absoluta, a interpretação pessoal que os RR./Apelantes fazem da inspecção ao local, dos depoimentos de parte, na prova testemunhal produzida, concretamente as testemunhas acima identificadas) este coletivo de juízes formou convicção idêntica àquela alcançada pelo juiz a quo, pelo que, também nesta parte não merece acolhimento a impugnação da matéria de facto.

Relativamente à alínea N) dos factos provados consideramos a prova pericial produzida e que não nos mereceu quaisquer reservas, atento o teor do relatório elaborado pelo Sr. Perito, com referências documentais e periciais (levantamento topográfico), complementado nos moldes determinados por este Tribunal da Relação em sede de recurso. Logo, este coletivo de juízes formou convicção idêntica àquela alcançada pelo juiz a quo, pelo que, também nesta parte não merece acolhimento a impugnação da matéria de facto.

Relativamente à requerida correção da al. Q), vai a mesma indeferida, porquanto, os recorrentes afinal pugnam no recurso pela inexistência do próprio caminho público, sendo manifestamente contraditório, vir agora nesta parte peticionar uma correção de um facto provado, o qual, no essencial, afirma que o referido caminho público permite evitar parcialmente a circulação pela EN, sem se referir concretamente aos percursos que contempla.
E este facto está suportado pelos meios de prova acima referidos que foram valorados positivamente por este colectivo de juízes.

De resto, temos que ter presente que o caminho em causa se insere numa zona mais rural em que é muito comum a deslocação das pessoas a pé e, bem assim, o cultivo de terras com recurso a tratores e alfaias agrícolas cuja deslocação, por questões de segurança, é mais conveniente que se faça por estradas com menor tráfego.

Assim, não merece provimento a requerida correcção.

Relativamente à requerida correção da alínea U) dos factos provados, traduzida na eliminação requerida do segmento “relativamente ao trato de terreno acima descrito” por alegadamente poder induzir a que se considere o trato de terreno em todo o seu comprimento, resulta das considerações por nós expostas sobre a reapreciação dos meios de prova que essa correção não merece qualquer provimento.
Como já referimos, nesta parte, concretamente, no que concerne à localização do “Beco ...”, o relatório pericial considerou o seu início na placa toponímica presente no local. A partir daí, considerou que este trato de terreno liga a Rua ... ao antigo troço pavimentado da EN ..., de designação toponímica de Rua ..., com larguras medidas nos locais indicados pelos mandatários das partes sendo, no início do identificado na placa toponímica “Beco ...” até ao murete de propriedade provada de 9,5 metros, seguindo-se no seu desenvolvimento a zona mais larga de 3,60 metros e a mais estreita de 2,70 metros, numa extensão de 32,50 metros pavimentada com betuminoso combinado com 15,00 metros de calçada portuguesa e 61,00 metros em terra batida até à ligação da antiga EN ..., numa extensão total de 108,50 metros, conforme confirmação realizada pelo topógrafo RR.
Do mesmo relatório constam mapas nos quais se mostram identificados a Rua ..., a EN ... (atual), a antiga EN ..., o Centro Escolar e os lugares do ..., campo de ... e ..., mostrando-se também calculadas diversas distâncias, entre elas a distância do centro do Lugar ... ao Centro Escolar, atravessando o Beco ... (724,00 metros) ou seguindo pela Rua ... (786,00 metros). Esses trajetos foram também objeto de registo vídeo captado no âmbito da inspeção ao local realizada em 04.11.2022.

E, repetindo-nos, resulta ainda consignado no relatório pericial complementado, e conforme esclarecimentos prestados em audiência no primeiro julgamento, que o trato de terreno em causa (“Beco ...”) surge classificado como “Caminhos – Carreteiro” (Sinalizado com ponto vermelho) na cartografia militar datada de 1999 (cfr. ainda a carta militar de 1996 junta aos autos a fls. 37), explicitando qua a Carta Militar será o elemento mais representativo posto que a Cartografia de Ordenamento do Território classifica solos, podendo, ou não, identificar a totalidade das redes de acessibilidades, identificando a rede viária principal e secundária.

Pelo exposto, decidimos que a requerida correcção da alínea U) dos factos provados não merece qualquer provimento.

Relativamente às alíneas R) e S não merece provimento a requerida eliminação dos factos provados.

Como decorre das considerações atrás expostas sobre os meios de prova por nós reapreciados, designadamente, os documentos, fotografias e ortofotogramas, os relatórios periciais, inicial e complementar, levantamento topográfico, esclarecimentos do sr perito prestados na sessão de 2.03.2020, inspeções ao local realizadas, registo vídeo dos percursos percorridos pelo tribunal recorrido na última sessão de julgamento, em conjugação com os depoimentos de parte dos Réus, depoimentos dos filhos dos Réus, depoimentos das testemunhas convocadas pela recorrida, lograram criar nesta parte idêntica convicção àquela que foi alcançada pelo tribunal a quo, pelo que, não merece provimento a requerida eliminação dos factos provados.

Quanto à requerida eliminação do facto vertido na al. T) dos factos provados esta pretensão é indeferida.

A existência deste caminho público, por si só, é relevante para permitir, em casos de urgência, uma alternativa para a circulação dos habitantes do Lugar .... De resto, foram os próprios recorrentes, que, ao vedarem o acesso ao caminho aos habitantes daquele lugar, contribuíram para o seu estado actual, o que, não retira que no futuro a recorrida melhore o caminho, viabilizando a circulação por esse caminho de veículos automóveis.

Quanto aos factos nºs 2 e 3 dos factos julgados não provados, entende este colectivo de juízes que essa factualidade foi contrariada pela prova testemunhal produzida pela Autora, sem que a prova testemunhal sustentada pelos Réus lograsse abalá-la, nos moldes já analisados.
Assim, e face à falta de outra prova cabal, este colectivo de juízes julgou não provada essa factualidade em prejuízo dos Réus, que tinha o ónus da sua prova (cfr. artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil).
Pelo que, nesta parte também não merece provimento a impugnação da matéria de facto.

3.3 DA SUBSUNÇÃO JURÍDICA.

3.3.1.Nas conclusões os apelantes limitaram-se a repetir argumentos vertidos nas alegações recursórias relativas à impugnação da decisão de facto, concretamente, a alegada errónea apreciação da prova, retirando -se das conclusões do recurso, que a pretensão dos Recorrentes encontrava-se no essencial, à excepção do alegado nas conclusões 1ª a 10ª, dependente da procedência da impugnação da matéria de facto por si apresentada, que não veio a verificar-se.

Assim, porque este Tribunal da Relação deve limitar a sua actuação às questões colocadas nas conclusões recursórias, impõe-se apreciar a alegação dos apelantes contida nas conclusões 1ª a 10º da peça recursória, nas quais, os RR./Apelantes defendem que caminho só pode ser classificado como público se constar como tal num “cadastro” de caminhos públicos das Juntas de Freguesia ou dos Municípios.

3.3.2. Cumpre apreciar e decidir.

1.Conforme é sabido, esta questão foi particularmente analisada pelo Pleno do STJ no Assento de 19/4/1989, onde, com análise sobre a legislação que vigorava e tinha vigorado sobre a matéria, se refere:

«Quando a dominialidade de certas coisas não esta definida na lei, como sucede com as estradas municipais e os caminhos, essas coisas serão públicas se estiverem afectadas de forma directa e imediata ao fim de utilidade publica que lhes esta inerente. É suficiente para que uma coisa seja pública o seu uso directo e imediato pelo público, não sendo necessária a sua apropriação, produção, administração ou jurisdição por pessoa colectiva de direito público. Assim, um caminho é público desde que seja utilizado livremente por todas as pessoas, sendo irrelevante a qualidade da pessoa que o construiu e prove a sua manutenção. (…) Esta orientação e a que melhor se adapta as realidades da vida, visto ser com frequência impossível encontrar registos ou documentos comprovativos da construção, aquisição ou mesmo administração e conservação dos caminhos, e assim se obstar a apropriação de coisas públicas por particulares, com sobreposição do interesse publico por interesses privados. Basta, portanto, para a qualificação de um caminho como caminho público o facto de certa faixa de terreno estar afecta ao trânsito de pessoas sem discriminação».

Assim, continuando válido este entendimento, podemos concluir que, ao contrário do defendido pelos RR./Apelantes, a inexistência de “cadastro” nunca implicou (nem implica), de forma automática, que um caminho não possa ser considerado como público.

Dito de outro modo, a classificação de um caminho como público não exige a intervenção de um órgão da administração, nomeadamente englobando-o num “cadastro”, consubstanciando, antes, matéria da exclusiva competência dos Tribunais Judiciais.

Dispõe o artigo 84.º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe Domínio Público, que:
1. Pertencem ao domínio público:
a) As águas territoriais com seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respetivos leitos;
b) As camadas aéreas superiores ao território acima do limite reconhecido ao proprietário ou superficiário;
c) Os jazigos minerais, as nascentes de águas mineromedicinais, as cavidades naturais subterrâneas existentes no subsolo, com exceção das rochas, terras comuns e outros materiais habitualmente usados na construção;
d) As estradas;
e) As linhas férreas nacionais;
f) Outros bens como tal classificados por lei.
2. A lei define quais os bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites.
Assim sendo, no que concerne à dominialidade dos caminhos das autarquias locais, pode a lei ordinária, desde logo, definir quais os caminhos que integram o domínio público.
Não sendo o bem classificado por lei como pertencente ao domínio público, importa averiguar se o mesmo está afetado à utilidade pública que consiste na aptidão para satisfazer necessidades coletivas, ou, segundo Marcello Caetano (Manual de Direito Administrativo, Volume II, Almedina, 9.ª edição), importa apurar se existe uma utilidade pública inerente ou natural.
Ainda segundo Marcello Caetano (Ob. Cit., p. 921), a atribuição do carácter dominial depende de um, ou vários, dos seguintes requisitos:
a) existência de preceito legal que inclua toda uma classe de coisas na categoria de domínio público;
b) declaração de que certa e determinada coisa pertence a essa classe;
c) afetação dessa coisa à utilidade pública, sendo que essa afetação é o ato ou a prática que consagra a coisa à produção efetiva de utilidade pública. A enumeração legal compreende bens cuja utilidade pública se conhece através de índices, o índice mais evidente, cuja existência logo denota publicidade, é o uso directo e imediato do público. Só quando exista este índice evidente é que a lei permite que o intérprete considere públicas coisas não enumeradas categoricamente por disposição legal. (…) Há uso directo quando cada indivíduo pode tirar proveito pessoal de tal coisa pública e o uso imediato faz-se quando os indivíduos se aproveitam dos bens sem intermédio dos agentes de um serviço público.

Na ausência de classificação legal, a nossa jurisprudência cedo foi chamada a pronunciar-se sobre o carácter dominial de certos bens, máxime os caminhos.

E por se verificar entendimentos divergentes, veio a ser proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça o referido Assento de 19 de abril de 1989 (Diário da República n.º 126/1989, Série I de 1989-06-02) no sentido de que [s]ão públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público.

Na verdade, e segundo o Assento do STJ de 19 de Abril de 1989, - in Diário da República nº 126/89, SÉRIE, de 2 de Junho de 198 - hoje com valor de uniformização de jurisprudência (artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 329.º-A/95, de 12/12) - “são públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público”.

Relativamente ao conceito de “tempos imemoriais” a doutrina e a jurisprudência têm entendido equivaler a uma ocasião tão recuada no tempo que os vivos não conseguem dizer desde quando ocorre, nem com apelo à memória daquilo que percepcionaram directamente, nem com recurso à recordação do relato que lhes haja sido efectuado pelos seus antecessores. – cfr. neste sentido, Acórdão desta Relação, de 04/03/2008 (Apelação nº 364/1999.C1) e Acórdão do STJ, de 09/02/2012 (Revista nº 1007/03.1TBL.SD.P1.S1).

Por outro lado para ver reconhecida a existência de caminho público tem sido entendimento da jurisprudência dos Tribunais superiores (com a qual concordamos), que a doutrina do citado Assento deve ser interpretada restritivamente no sentido de que «…a publicidade dos caminhos exigir ainda a sua afectação a utilidade pública, ou seja, o uso do caminho visar a satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância». É o que se explica, designadamente, no Acórdão do STJ, de 15/06/2000 - In” BMJ nº 498 – 2000-, págs. 226 e ss, - dizendo-se: «…PIRES de LIMA e ANTUNES VARELA, a propósito da corrente jurisprudencial que fez vencimento no Assento de 19 de Abril de 1989, escreveram: "Traduzindo-se os caminhos públicos e os atravessadouros (ou atalhos) em vias de comunicação afectadas ao uso de qualquer pessoa, é evidente que o simples uso pelo público, mesmo que imemorial, não pode bastar para qualificar determinada passagem como caminho público, sob pena de todos os atravessadouros com longa duração terem se ser qualificados como dominiais, em manifesta violação do preceituado nos artigos 1383 e 1384, que apenas ressalvam os que se dirijam a ponte ou fonte de manifesta utilidade”. E acrescentam: "Sempre que... o público faça passagem através de um prédio particular, em regra para atalhar ou encurtar determinados trajectos ou distâncias, deve entender-se que se trata de um atravessadouro, sujeito à cominação do artigo 1383º, salvo se se provar que a faixa de terreno por onde se faz a passagem no domínio público, através de algum dos títulos por que pode ser adquirida a dominialidade", cfr. Código Civil Anotado, volume III, 2. edição, páginas 281/282.

E conforme refere a sentença recorrida, reproduzindo quase textualmente o Assento de 19 de abril de 1989:

«De acordo com o artigo 380.º, n.º 1 do Código Civil de 1867, pertencem à categoria das coisas públicas as estradas, pontes e viadutos construídos e mantidos a expensas públicas, municipais ou paroquiais (enumeração que o STJ considerou meramente exemplificativa).
O atual Código Civil não se refere às coisas públicas, limitando-se, no artigo 202.º, n.º 2, a estabelecer que se consideram fora do comércio todas as coisas que não podem ser objeto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insuscetíveis de apropriação individual.
No Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966, que aprovou o Código Civil, dispõe-se que, desde que principie a vigorar tal Código, fica revogada toda a legislação civil relativa às matérias que esse diploma abrange.
Não sendo definidas as coisas públicas no Código Civil atual e não estando já em vigor o artigo 380.º do Código Civil de 1867, verifica-se que a nossa lei nada estabelece quanto à caracterização das coisas públicas.
Também foi considerado pelo STJ que o Decreto-Lei n.º 23565, de 12 de fevereiro de 1934 – no qual se regulou o cadastro dos bens do domínio público do Estado e que, no seu artigo 1.º, alínea g), dizia estarem incluídos em tais bens, além de outros, todos os demais bens que estivessem no uso direto e imediato do público – não era de atender, por ter sido revogado pelo Decreto-Lei n.º 477/80, de 15 de outubro (artigo 18.º), o qual, por seu turno, enumera, para efeitos de inventário geral do património do Estado, os bens que estão no seu domínio público e privado. Porém, entre esses bens, ao referir-se a vias de comunicação terrestre, indica apenas as linhas férreas de interesse público, as autoestradas e as estradas nacionais, com os seus acessórios, obras de arte, etc. [alínea e) do artigo 4.º]. As restantes vias de comunicação terrestre, como as estradas municipais e os caminhos públicos, não fazem parte do domínio público do Estado.
Ora, quando a dominialidade de certas coisas não está definida na lei, como sucede com as estradas municipais e os caminhos, essas coisas serão públicas se estiverem afetadas de forma direta e imediata ao fim de utilidade pública que lhes está inerente. É suficiente para que uma coisa seja pública o seu uso direto e imediato pelo público, não sendo necessária a sua apropriação, produção, administração ou jurisdição por pessoa coletiva de direito público. Assim, um caminho é público desde que seja utilizado livremente por todas as pessoas, sendo irrelevante a qualidade da pessoa que o construiu e prove a sua manutenção. Esta orientação é a que melhor se adapta às realidades da vida, visto ser com frequência impossível encontrar registos ou documentos comprovativos da construção, aquisição ou mesmo administração e conservação dos caminhos, e assim se obstar à apropriação de coisas públicas por particulares, com sobreposição do interesse público por interesses privados. Basta, portanto, para a qualificação de um caminho como caminho público o facto de certa faixa de terreno estar afeta ao trânsito de pessoas sem discriminação.
No entanto, na interpretação e aplicação do entendimento jurisprudencial sufragado no referido assento, o próprio Supremo Tribunal de Justiça tem exigido, para que um caminho de uso imemorial se possa considerar integrado no domínio público, que a sua utilização tenha por objeto a satisfação de interesses coletivos de certo grau e relevância, sob pena de, seguindo uma interpretação literal, também os atravessadouros com posse imemorial haverem de ser considerados como caminhos públicos, ao arrepio do disposto no artigo 1383.º do Código Civil, que dispõe que se consideram abolidos os atravessadouros, por mais antigos que sejam, desde que não se mostrem estabelecidos em proveito de prédios determinados, constituindo servidões (à luz do assento, se a posse for imemorial, a distinção entre caminho público e atravessadouro faz-se, segundo OLIVEIRA ASCENSÃO, presumindo ser atravessadouro o caminho que se dirige a imóvel determinado e público o caminho ou a passagem que liga caminhos: o fundamento da lei é preservar a malha dos caminhos públicos, por um lado, e por outro assegurar que os acessos a imóveis determinados sejam estabelecidos com o mínimo de sacrifício para as propriedades vinculadas por estes – in Caminho Público, Atravessadouro e Servidão de Passagem, O Direito, Ano 123.º ,1991, IV, pp. 535-551, apud acórdão do STJ de 28.05.2013, proferido no processo 3425/03.6TBGDM.P2.S1, disponível no sítio da internet da dgsi).
Nem outra coisa se compreenderia: é que o uso público relevante para o efeito é precisamente o que pressupõe uma finalidade comum desse uso. Isto é, se cada pessoa, isoladamente considerada, utiliza o caminho ou terreno apenas com vista a um fim exclusivamente pessoal ou egoístico, distinto dos demais utilizadores do mesmo caminho ou terreno, para satisfação apenas do seu próprio interesse sem atenção aos interesses dos demais, não é a soma de todas as utilizações e finalidades pessoais que faz surgir o interesse público necessário para integrar aquele uso público relevante. Por muitas que sejam as pessoas que utilizem um determinado caminho ou terreno, só se poderá sustentar a relevância desse uso por todos para conduzir à classificação de caminho ou terreno público se o fim visado pela utilização for comum à generalidade dos respectivos utilizadores, por o destino dessa utilização ser a satisfação da utilidade pública e não de uma soma de utilidades individuais (acórdão do STJ de 13.01.2004, proferido no âmbito do processo 03A3433 e citado no acórdão de 14.10.2004, proferido no âmbito do processo 04B2576, ambos acessíveis no sítio da internet da dgsi).
A relevância do interesse colectivo do terreno deve ser apreciada casuisticamente no cotejo com as circunstâncias e o “modus vivendi” da localidade onde ele se situa. Assim, há que ter em conta, em primeira linha, por um lado, o número normal de utilizadores, que tem de ser uma generalidade de pessoas (v.g. uma percentagem elevada dos membros de uma povoação) e, por outro lado, a importância que o fim visado tem para estes à luz dos seus costumes colectivos e das suas tradições, e não de opiniões externas. Distinguindo-se tal utilização daqueloutra que se consubstancia como uma mera soma de utilidades individuais e que não tem força bastante para fazer emergir tal natureza pública (acórdão do STJ de 13.03.2008, proferido no âmbito do processo n.º 08A542, disponível no sítio da internet da dgsi).
A integração do caminho no domínio público encontra a sua justificação na sua afectação a uma utilidade pública, que deve revelar-se na satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância, por contraponto aos atravessadouros que se destinam, apenas e tão só, a fazer a ligação entre os caminhos públicos por prédio particular, com vista ao encurtamento não significativo de distância (acórdão do STJ de 18.09.2014, proferido no âmbito do processo n.º 44/1999.E2.S1, disponível no sítio da internet da dgsi).
Veja-se, no mesmo sentido, os acórdãos do STJ de 10.11.1993 (BMJ 431/300), de 11.01.1996 (BMJ 453/211), de 15.06.2000 (CJ-STJ Ano VIII, 2, 117), de 10.02.2009 – processo n.º 897/04.5TBPTM.E1.S1 (sítio da internet da dgsi), de 13.07.2010 – processo n.º 135/2002.P2.S1 (sítio da internet da dgsi), de 18.10.2018 – processo n.º 1334/11.4TBBGC.G1.S1 (sítio da internet da dgsi) e de 14.04.2019 – processo n.º 927/13.0TBMCN.P1.S1 (sítio da internet da dgsi).
Porém, alguns acórdãos, incluindo da mais alta instância (designadamente o acórdão do STJ de 28.05.2013, proferido no processo 3425/03.6TBGDM.P2.S1, disponível no sítio da internet da dgsi), têm considerado que a interpretação restritiva do assento de 19.04.1989 (de acordo com a qual os caminhos devem considerar-se públicos quando, desde tempos imemoriais, estão no uso direto e imediato público e afetados a interesses coletivos de certo grau ou relevância) pressupõe que tais caminhos atravessam propriedades privadas.
Ou seja, no caso de passagem ou caminho que não se integra em nenhuma propriedade privada, existente num lugar e que desde tempos imemoriais liga duas ruas desse lugar, a prova do seu uso imemorial pela população basta para se considerar tal caminho como caminho público, não se impondo nenhuma interpretação restritiva do assento. Isto porque a interpretação restritiva do assento de 19.04.1989 apenas se torna necessária e justificativa para distinguir caminhos públicos de atravessadouros, sendo que estes últimos se inserem, necessariamente, em propriedade privada.
Não se verificando a dicotomia travessadouro/caminho público, deixa de haver necessidade de conciliar/harmonizar direitos e interesses conflituantes, concretamente, os direitos dos particulares e o interesse das populações.
Assim, no caso de passagem ou caminho, que não se integra em nenhuma propriedade privada, existente num lugar e que desde tempos imemoriais liga duas ruas desse lugar, a prova do seu uso imemorial pela população basta para se considerar tal caminho como caminho público.»

3.Vejamos a factualidade apurada à luz das considerações expostas.

No caso dos autos apurou-se:

.No Lugar ..., Freguesia ..., concelho ..., existe um trato de terreno que liga a Rua ... ao antigo troço pavimentado da EN ... (este de designação toponímica de Rua ...). No início desse trato de terreno do lado da Rua ... está instalada uma placa toponímica com a designação “Beco ...”.
.O referido trato de terreno apresenta as seguintes medidas de largura: no início identificado com a placa toponímica Beco ... e até ao murete de propriedade privada, 9,5m, seguindo-se no seu desenvolvimento, a zona mais larga de 3,60 metros e a mais estreita de 2,70 metros, numa extensão de 32,50 metros pavimentada com betuminoso, combinado com ~15,00 metros de calçada à portuguesa e 61,00 metros em terra batida até à ligação da antiga EN ..., numa extensão total de ~108,50 metros.
.Esse trato de terreno confronta parcialmente a nascente com um prédio urbano dos Réus composto por casa de habitação e logradouro/quintal, inscrito na matriz predial rústica da Freguesia ... sob o artigo n.º ... e na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo n.º ...... confrontação do dito trato de terreno com esse prédio dos Réus é definida, a nascente e em toda a extensão dessa confinância, que atinge, a norte, o anterior troço pavimentado da EN ..., pela face exterior poente de muros construídos no dito prédio dos Réus, encimados por grades e redes, e portões, em alinhamento desses muros. O mesmo trato de terreno, a poente, na mesma zona (fronteira àquela confinância), também confronta com muros. Os Réus residem habitualmente nesse prédio, onde têm domicílio legal.
.Mais se apurou que no âmbito dos processos de licenciamento, requeridos pelos Réus junto da Câmara Municipal ..., com os n.ºs .../76 e .../77, os Réus identificaram o seu dito prédio, em planta instrutória que juntaram, como a confrontar com o dito trato de terreno, aí o assinalado como “caminho”.
O mesmo trato de terreno, desde data que excede a memória dos vivos, portanto há mais de 50 e mesmo 100 anos, foi, até agosto de 2017, no seu início a sul, num cumprimento de cerca de 15 metros, pavimentado com “calçada à portuguesa” e, a partir daí, para norte, em terra batida. E, em agosto de 2017, foi pavimentado a betuminoso, em cerca de 30 metros, a partir daquela calçada, para norte, continuando a parte restante, para norte, em terra batida,
.O que sempre, sem interrupção no tempo, assim foi visível, mostrando esse trato de terreno sulcos provocados pela passagem de pessoas a pé e pela passagem de veículos, motorizados e não motorizados, sendo do terreno circundante, que é agricultado, fruído como eido ou afeto a produção florestal, com árvores, perfeitamente distinto, estando esse trato de terreno delimitado do terreno circundante por muros.
.Também desde data que excede a memória dos vivos, portanto há mais de 50 e mesmo 100 anos, e até 2017, esse trato de terreno sempre foi utilizado, sem interrupção no tempo, de forma direta, imediata e indistinta, por todas as pessoas do dito Lugar ... e outras pessoas que no mesmo lugar circularam, seja para por sobre ele passarem a pé, com animais, com carros de bois, com tratores agrícolas, com velocípedes e com veículos automóveis, da Rua ... para a EN ... e desta para aquela, na convicção de que se tratava de caminho público sob administração da Freguesia ....

E como escreveu o tribunal a quo:
«esta factualidade permite afirmar a posse imemorial do descrito caminho, porquanto se trata de uma pessoa que se perdeu já na memória dos homens e dos tempos, ou seja, não há já memória do início de tal posse.Por outro lado, não resultou provado que o referido trato de terreno, a partir da cancela colocada pelos Réus junto à entrada da sua habitação, integra o prédio urbano dos Réus descrito nos factos provados, atravessando-o e dividindo-o, terminando, portanto, o Beco ... na referida cancela, e que apenas os Réus, ou terceiros por estes autorizados, acedem e sempre acederam ao trato de terreno descritos nos factos provados a partir da referida cancela, limpando-o e aparando as silvas que aí cresciam perante a sua ausência na Alemanha, onde estavam emigrados.
Ora, de acordo com o entendimento jurisprudencial exposto em último lugar, o facto dos Réus não terem demonstrado – conforme lhes competia atentas as regras do ónus da prova (cfr. artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil) – que a parcela de terreno que constitui leito do caminho é parte integrante do seu prédio, faz com que a demonstrada posse imemorial do caminho seja suficiente para reconhecer a sua natureza pública.

Não obstante, ainda que se seguisse o entendimento mais restritivo da jurisprudência do Assento de 19 de abril de 1989, ou seja, ainda que se exigisse para o reconhecimento da natureza pública do caminho, para além do seu uso imemorial, que a sua utilização tenha por objeto a satisfação de interesses coletivos de certo grau e relevância, ainda assim cremos poder afirmar a sua natureza pública.

Assim, ficou provado que o referido trato de terreno permite reduzir até 62,00 metros a distância na circulação no lugar, assim encurtando o acesso ao Lugar ..., da Rua ... à Rua ... (EN ...), e desta rua àquela. E permite ainda evitar parcialmente a circulação pela EN ..., a qual apresenta um fluxo de trânsito considerável e não tem passeios. A sua utilização beneficia quer para as pessoas que residem nesse lugar como para as demais que circulem nesse lugar, para acederem do Lugar .... E esse benefício para os habitantes do Lugar ... é mais visível no acesso ao ecoponto situado a norte, no acesso aos prédios situados a norte, no acesso aos lugares de ..., Campo ... e ... e, em especial para as crianças desse Lugar ..., no acesso ao Centro Escolar, situado a cerca de 330 metros do topo norte desse trato de terreno. Não obstante, esse encurtamento e a existência de um caminho alternativo representa sempre uma vantagem para a segurança dos habitantes desse Lugar ... em casos de urgência provocada por acidente, doença, fogo ou outra situação de emergência.

Ora, a utilização que comprovadamente é dada a este caminho satisfaz, não um mero somatório de interesses particulares, não beneficia apenas algumas pessoas do lugar, antes revela a afetação deste caminho à utilidade pública, à satisfação de interesses coletivos de grande relevância, como seja a segurança das pessoas, seja quando circulam nas redes de caminhos seja quando, na sua residência, devem poder confiar que a rede de caminhos públicos permitirá, em caso de necessidade, uma assistência pronta.

Acresce que, ainda que não se trate de um caminho com largura que permita a circulação de viaturas lado a lado, não podemos olvidar que o caminho em causa se insere numa zona mais rural em que é muito comum a deslocação das pessoas a pé e, bem assim, o cultivo de terras com recurso a tratores e alfaias agrícolas cuja deslocação, por questões de segurança, é mais conveniente que se faça por estradas com menor tráfego.»

Pelo exposto, aderindo ao entendimento acolhido na sentença recorrida, também nós concluímos que o trato de terreno descrito nos factos provados assume a natureza pública em toda a sua extensão, a qual deverá ser reconhecida, conforme peticionado, improcedendo o recurso interposto.

Sumário
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IV-DELIBERAÇÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelos apelantes, e, assim, confirmamos a sentença recorrida.
As custas deste recurso serão pagas pelos recorrentes.

Porto, 25.10.2023.
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
João Venade