Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | MANUEL DOMINGOS FERNANDES | ||
| Descritores: | CONCLUSÕES DO RECURSO OMISSÃO DE FUNDAMENTOS DE ANULAÇÃO OU REVOGAÇÃO DA DECISÃO | ||
| Nº do Documento: | RP20250929141/24.9T8VLG.P1 | ||
| Data do Acordão: | 09/29/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Se o recorrente não indica, nas próprias conclusões do recurso, um único fundamento concreto por que pede a anulação ou revogação da decisão, limitando-se a dizer que a decisão enferma de nulidade, ao abrigo do disposto no art.º 195.º, do CPC., atenta o incumprimento de várias formalidades legalmente prescritas, não há fundamentos que tenham que ser conhecidos. II - E, sendo as conclusões proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que se pede a alteração ou anulação da decisão, se esses fundamentos não constam das conclusões nem, aliás, na própria motivação, tudo equivale à falta de conclusões e, por essa razão, não há que convidar a parte a aperfeiçoá-las. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº 141/24.9T8VLG.P1-Apelação Origem- Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível de Valongo-J1 Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Dr.ª Ana Olívia Loureiro 2º Adjunto Des. Dr. Filipe Rodrigues Costa 5ª Secção Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Acordam no Tribunal da Relação do Porto:I-RELATÓRIO AA, residente na Rua ..., ..., Valongo, instaurou a presente ação declarativa de condenação, que segue a forma de processo comum, contra BB e mulher CC, ambos residentes na Rua ..., ..., ..., Valongo, pedindo que: a)- seja declarado resolvido o contrato de arrendamento celebrado com o Réu; b)- lhe assista o direito de reclamar o valor das rendas atualizadas vencidas e das que se vencerem até efetivo despejo; c)- lhe assista o direito de reclamar o valor das obras, acrescidas dos respetivos juros legais; d)- o imóvel lhe seja entregue pelo Ré livre de pessoas e bens, no estado em que o recebeu; e)- o Réu seja condenado a pagar-lhe as rendas atualizadas vencidas e não pagas, acrescidas dos juros à taxa legal, assim como uma indemnização igual ao valor da renda até à efetiva entrega do locado; f)- bem como as obras referentes à requalificação do imóvel. Alega, para tanto e em síntese que, através de carta remetida ao Réu em 12/06/2008 pela cabeça de casal, então administradora da herança de que fazia parte o imóvel que constitui objeto de contrato de arrendamento celebrado com o Réu, operou a oposição à renovação automática do contrato de arrendamento, com efeitos em 31.07.2008. Subsidiariamente, alega ainda que o locado se está a degradar por facto imputável aos Réus e que nele residem outras pessoas para além do Réu, o que constitui causa de resolução do contrato. * Regularmente citado, apenas o Réu BB deduziu contestação, defendendo-se por impugnação e por exceção dilatória (ineptidão da petição inicial) e perentória (caducidade).* Por despacho de 09.10.2024, o Tribunal julgou improcedente a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial invocada pelo Réu e convidou o Autor a aperfeiçoar a sua petição inicial, de forma a colmatar incongruências e insuficiências da descrição factual da causa de pedir.Ao convite assim proferido respondeu o Autor apresentando, em 24.10.2024, petição inicial aperfeiçoada. * Seguiu-se a prolação do despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a exceção perentória de caducidade, e dos despachos subsequentes.* Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal.* Fixada a matéria de facto pela forma que dos autos consta foi, a final, proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:“Pelo exposto, decido julgar a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, absolver os Réus BB, e mulher CC dos pedidos deduzidos pelo Autor AA. * Não se conformando com o assim decidido, veio o Autor interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferida nos autos, na firme convicção que a mesma enferma de nulidade, ao abrigo do disposto no art.º 195.º, do CPC., atenta o incumprimento de várias formalidades legalmente prescritas e que, em boa verdade, influenciam o exame e a decisão da causa bem como, de uma errada e insuficiente qualificação jurídica que serviu de base à decisão, a qual vai em sentido bem diferente daquele que, Vossas Excelências, elegerão, certamente, como mais acertada, depois da necessária reponderação dos pertinentes pontos da matéria de facto e de direito, e à luz dos meios probatórios disponíveis. 2. O objeto do presente recurso consubstancia-se na impugnação da sentença proferida pelo Tribunal a quo nos seguintes termos: 3. Desde logo, salvo o devido respeito, jamais o ora Recorrente poderá concordar com o entendimento do Tribunal recorrido. * Devidamente notificado contra-alegou o Réu concluindo pelo indeferimento do recurso por falta de conclusões.* Após os vistos legais cumpre decidir.* II- FUNDAMENTOSPor manifestamente não constar das conclusões, o recurso interposto é total falho de fundamentos e, por assim ser, não existem questões que tenham de ser enunciadas e conhecidas. * A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOÉ a seguinte a matéria factual que o tribunal recorrido deu como provada: 1. Por partilha da herança aberta por óbito dos seus pais DD e EE, o Autor adquiriu o direito de propriedade do prédio urbano correspondente ao R/C Frente do prédio sito na Rua ..., freguesia ..., município ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho ... sob o artigo n.º ... e descrito na Conservatória de Registo Predial de Valongo sob o n.º ..., aquisição que se mostra registada a seu favor através da AP. ... de 2020/08/03 2. Entre DD, mãe do Autor, e o Réu BB foi celebrado, em 01.08.2007, um acordo que as partes denominaram CONTRATO DE ARRENDAMENTO. 3. Por força das cláusulas primeira e segunda desse acordo, a referida DD deu de arrendamento ao Réu BB que, por seu turno, o tomou, o imóvel referido em 1. 4. Por força da cláusula terceira desse acordo, o contrato foi celebrado pelo prazo de um ano, com início no dia 1 agosto de 2007 e término no dia 31 de julho de 2008, prevendo-se prorrogações de um ano, no caso de não ser denunciado por qualquer das partes no seu termo, com a antecedência legal de trinta dias. 5. Por força da cláusula quarta desse acordo, [o] contrato é celebrado segundo o regime de renda livre, sendo estipulada a renda anual de Euros 304.56 (trezentos e quanto euros e cinquenta e seis cêntimos), paga mensalmente em duodécimos de Euros 25,38 (Vinte e cinco Euros e trinta e oito cêntimos), á Senhoria, ou representante legal por esta indicado, na sua residência, vencendo-se no primeiro dia útil do mês anterior aquele a que respeitar. 6. Por força da cláusula quinta desse acordo, [a] renda será atualizada anualmente de acordo com os coeficientes legais aplicáveis, a partir do primeiro ano de vigência do contrato, ficando a primeira outorgante com a obrigação de a comunicar ao segundo outorgante nos termos legais. 7. Por força da cláusula sexta desse acordo, [o] local arrendado destina-se exclusivamente a habitação do segundo outorgante, não lhe podendo ser dado outro fim ou uso sob pena de resolução contratual; Comprometendo-se, ainda, o segundo outorgante, a não sublocar ou ceder por qualquer outra forma os direitos deste arrendamento, sem consentimento do locador, dado por escrito. 8. Por força da cláusula sétima desse acordo, [a]o arrendatário não é permitido fazer obras ou benfeitorias, a não ser as de conservação, sem autorização do senhorio, dada por escrito, ficando estipulado que as que fizer serão a expensas suas e ficam a pertencer ao arrendado, não podendo o inquilino alegar retenção ou pedir por elas qualquer indemnização. 9. Por força da cláusula oitava desse acordo, [f]indo o contrato o inquilino deverá entregar á senhoria o prédio arrendado em bom estado de conservação, limpo e com todos os vidros, chaves e tudo o mais que nele presentemente se encontrar, indemnizando-o dos prejuízos que porventura houver, salvaguardando-se as deteriorações inerentes ao uso ordinário do imóvel. 10. Em 26.01.2022, o Autor enviou ao Réu carta registada com aviso de receção, recebida em 01.02.2022, com o seguinte teor: “(…) O imóvel em causa encontra-se em degradação desde maio de 2020, não havendo da parte da arrendatária qualquer iniciativa de manutenção e conservação do mesmo, facto por diversas vezes comunicado à arrendatária que em virtude do uso e fruição do mesmo não procedeu às reparações necessárias com vista a manter o imóvel em pleno estado de conservação. Sucede, porém, que o imóvel se destina unicamente à sua habitação, todavia, encontram-se a residir no imóvel pessoas sem o conhecimento e autorização do senhorio. A conduta omissiva de V.Ex.a, a qual nem sequer se dignou responder a nenhuma das solicitações que lhe foram sendo feitas, no sentido de restituir ao arrendado as condições mínimas, tornou-se inexigível ao proprietário a manutenção do contrato de arrendamento, assistindo-lhe nessa medida o direito à sua resolução, nos termos do artigo 1083.9 n.º 2 al. d) e 1083.9 n.º 3. O meu constituinte vem por este meio dar lhe conhecimento da resolução do contrato de arrendamento. Não obstante sucessivas e reiteradas tentativas, até à presente não obteve o meu constituinte a regularização devida. Como é do vosso conhecimento o meu constituinte considera resolvido o contrato de arrendamento celebrado com V.ex.a, nos termos supra expostos, pelo que concede a V.ex.as o prazo de 15 dias, contados da emissão da presente, para que V.ex.as proceda à restituição do imóvel supra identificado, livre de pessoas e bens. (…)”. 11. O Réu reside no imóvel identificado em 1, juntamente com a sua esposa e o seu irmão. * Factos não provadosNão se provou que: 1. Em 12.06.2008, FF enviou ao Réu carta com o seguinte teor: “Os meus respeitosos cumprimentos. Serve a presente para Comunicar a V. Exa. a denúncia do contrato de Arrendamento firmado entre as partes em 1 de Agosto de 2007, com efeitos a partir de Julho de 2008. Assim, comunicamos que não há interesse, da n/parte, na manutenção do referido contrato de arrendamento. Sem outro assunto de momento”. 2. O anexo à habitação identificada em 1 dos factos provados encontra-se com bichos. 3. O imóvel descrito nos factos provados carece de substituição da canalização e torneiras. 4. O imóvel descrito nos factos provados tem infiltrações de água. 5. As caleiras do imóvel descrito nos factos provados estão apodrecidas. * III- O DIREITOEm primeiro lugar compete apreciar o modo como o recurso se encontra motivado, de forma a se poder aferir o âmbito do conhecimento que seja possível de ser realizado por este Tribunal. Do art.º 639.º, nº 1 do CPCivil consta o ónus de formular conclusões, sendo estas a indicação, de forma sintética, dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão. A este propósito observa Abrantes Geraldes: “Quanto ao conteúdo mínimo que deve ser respeitado, a lei apenas contém solução expressa relativamente ao segmento das conclusões, a tal circunscrevendo também a possibilidade de ser emitido despacho de aperfeiçoamento pelo relator, cujo acatamento pode ser determinante da rejeição do recurso. A norma do n.º 1 do art.º 639.º é de cariz genérico, de tal modo que tanto se reporta aos recursos em que sejam unicamente suscitadas questões de direito, como àquelas em que envolvam a impugnação da decisão da matéria de facto. Em qualquer caso, cumpre ao recorrente enunciar os fundamentos da sua pretensão no sentido da alteração, anulação ou revogação da decisão, rematando com conclusões que representarão a síntese das questões que integram o objeto do recurso (cf. anot. 3.º ao art.º 640.º). Nos termos do n.º 2 do art.º 639.º, o recorrente deve enunciar nas alegações e sintetizar nas respetivas conclusões diversos aspetos: ¾ Indicação das normas jurídicas violadas, sejam de direito adjetivo ou de direito material; ¾ Indicação do sentido que deve ser atribuído às normas cuja aplicação e interpretação determinou o resultado que pretende impugnar; ¾ Perante eventual erro na determinação das normas aplicáveis, indicação das que deveriam ter sido aplicadas. (…) 5. A clareza do art.º 639.º, n.º 2, aliada à natureza do ato de interposição de recurso, implicando a interpelação de um tribunal superior, faria crer que as alegações fossem tratadas com o adequado rigor. Porém são frequentíssimas as situações que revelam um claro desrespeito de regras formais elementares, quantas vezes prejudicando o resultado final do recurso. As deficiências verificam-se ao nível da motivação, mas surgem com mais nitidez e com mais frequência quando se trata da formulação das respetivas conclusões. A lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão. Com as necessárias distâncias, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial. Rigorosamente, as conclusões devem (deveriam) corresponder a fundamentos que, com o objetivo de obter a revogação, alteração ou anulação da decisão recorrida, se traduzam na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, sem que jamais se possam confundir com os argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinário que não devem ultrapassar o sector da motivação. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art.º 635.º, n.º 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende do tribunal superior, em contraposição com o que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, o resultado procurado, as conclusões devem respeitar, na sua essência, cada alínea do n.º 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida. Se para atingir o resultado declarado o tribunal a quo assentou em determinada motivação, dando respostas às diversas questões, as conclusões devem elencar os passos fundamentais que, na perspetiva do recorrente, deveriam ter sido dados para atingir um resultado diverso”. Isto dito e perscrutando as conclusões formuladas o que delas resulta quanto aos fundamentos porque se pede a alteração da decisão recorrida? A resposta é simples: nelas não se indica nem concretiza um único fundamento porque se pede a anulação revogação da decisão recorrida. Analisando. Percorrendo quer a motivação quer as conclusões nelas não se impugna a decisão da matéria de facto, aliás, o apelante com ela concorda. Dizer-se que a decisão “(…) enferma de nulidade, ao abrigo do disposto no art.º 195.º, do CPC., atenta o incumprimento de várias formalidades legalmente prescritas e que, em boa verdade, influenciam o exame e a decisão da causa bem como, de uma errada e insuficiente qualificação jurídica que serviu de base à decisão, a qual vai em sentido bem diferente daquele que, Vossas Excelências, elegerão, certamente, como mais acertada, depois da necessária reponderação dos pertinentes pontos da matéria de facto e de direito, e à luz dos meios probatórios disponíveis” (cf. conclusão 1ª), o que é repetido depois nas restante conclusões, não é uma conclusão (ões) que possa (m) valer para os efeitos do citado art.º 639.º, 1. Efetivamente, se o recorrente não identifica nem concretiza em que se traduziu a omissão de formalidades legalmente prescritas, não coloca uma questão ao tribunal ad quem. Portanto, se o recorrente não aduz, nas conclusões do recurso, um único fundamento dirigido à decisão recorrida que sustente ou a sua anulação ou revogação nos termos impetrados, porque não diz, minimamente que seja, por que é que a decisão recorrida devia ser outra ou por que é que ela devia ser anulada ou revogada, não há fundamentos que tenham que ser conhecidos. O tribunal de recurso não pode substituir-se ao recorrente e averiguar, por si, se, e nesse caso porquê, a decisão recorrida dever ser anulada ou revogada. * E contra isso não se argumente que devia o apelante ser convidado a aperfeiçoar as conclusões.Acontece que, não pode ser aperfeiçoado o que não existe. Na verdade, o convite ao aperfeiçoamento existe atualmente na nossa lei adjetiva, e só aí encontra a sua razão de ser, para aquelas situações em que parte, de facto, tentou efetuar uma síntese do que por si foi dito na motivação, mas em que falta de clareza ou de outro vício afeta a sua compreensibilidade num ponto ou noutro, ou até na sua totalidade. Ora, no caso em apreço, sendo as conclusões proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que se pede a alteração ou anulação da decisão[1] e, se desses fundamentos não constam das conclusões nem, aliás, na própria motivação, tudo equivale à falta de conclusões. * IV-DECISÃOPelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida. * Custas pelo apelante (artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).* Porto, 29 de setembro de 2025. Manuel Domingos Fernandes Ana Olívia Loureiro Filipe César Osório ______________ [1] Cf. Amâncio Ferreira in Manual dos Recursos em Processo Civil”, 7ª Ed., págs. 172 e 173 e Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 359. |