Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6678/24.2T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LUZIA CARVALHO
Descritores: CAUSA PREJUDICIAL
PROCESSO ESPECIAL DE AÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO
APLICABILIDADE ÀS SITUAÇÕES A QUE SE REFERE O ART.º 147.º
N.º 1 DO CT
CONTRATAÇÃO A TERMOS / MOTIVO JUSTIFICATIVO
Nº do Documento: RP20250616/6678/24.2T8MAI.P1
Data do Acordão: 06/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A suspensão da instância em virtude da existência de uma causa prejudicial ou de uma questão prejudicial constitui uma mera faculdade que cabe ao tribunal exercer ou não conforme julgue conveniente.
II - A forma de processo especial de ação de reconhecimento da existência do contrato de trabalho é aplicável às ações destinadas a apreciar as situações previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 147.º do Código do Trabalho, precedidas do procedimento previsto pelo art.º 15.º-A, n.º 3 da Lei 107/2009 de 14/09.
III - A interpretação dos arts. 2.º, n.º 4 e 15.º-A, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 107/2009, de 14/09, na redação dada pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, e do artigo 186.º-K do CPT da qual resulta que a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é aplicável às situações a que se refere o art.º 147.º, n.º 1 do CT não é inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, nem do princípio da igualdade.
IV - As interrupções letivas não constituem fundamento para considerar a atividade de prestação de serviços de fornecimento de refeições num refeitório de uma escola uma atividade sazonal ou uma atividade com um ciclo anual de produção irregular.
V - A celebração de um contrato de prestação de serviços ainda que com duração limitada, não constitui um serviço determinado precisamente definido e não duradouro se a atividade a que a empresa que contrata o trabalhador (e por referencia a esta se há-de considerar a transitoriedade) é, como acontece com a ré, uma empresa que se dedica à prestação de serviços a terceiros.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 6678/24.2T8MAI.P1

Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho da Maia – J1

Acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

O Ministério Público intentou a presente ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, contra A..., S.A., pedindo que seja reconhecido como contrato de trabalho sem termo, o contrato a termo certo celebrado em 12/09/2024 entre a ré e a trabalhadora AA, com a antiguidade reportada a 14/09/2023, nos termos do artigo 147.º, n.º 1, alínea d) e n.º 3 do Código do Trabalho (CT).

Alegou que as partes celebraram um contrato de trabalho a termo resolutivo no dia 12/09/2024, todavia, as partes já tinham celebrado um contrato a termo resolutivo em 14/09/2023 que cessou no dia 14/06/2024, por caducidade comunicada pela ré. Acrescenta que a justificação alegada nos contratos de trabalho e que constam da Cláusula 5ª não pode ser considerada válida e que não é apresentado qualquer motivo justificativo, nem é alegado qualquer facto que permita aferir a relação de causalidade entre a fundamentação invocada e a contratação da trabalhadora a termo certo, para as mesmas funções, por dois anos consecutivos 2023/2024 e 2024/2025.

Concluiu que se verifica a violação da proibição de sucessão de contratos a termo estatuída no artigo 143.º do CT, pretendendo que seja reconhecida a existência do contrato como contrato sem termo, sendo a antiguidade da trabalhadora reconhecida desde a data do primeiro contrato a termo celebrado com a ré.

A ré contestou a ação invocando como questão prévia a invalidade da atuação da ACT ao abrigo do disposto no artigo 15.º-A, n.º 3 da Lei n.º 107/2009 e requerendo a suspensão da instância nos termos do artigo 92.º do Código de Processo Civil (CPC), porquanto a invalidade do ato administrativo implica a invalidade de todos os atos subsequentes. Em alternativa requereu que a questão seja apreciada pelo tribunal, sendo proferida decisão que declare a ilegalidade do ato administrativo de 28/11/2024, com todas as consequências legais daí decorrentes, nomeadamente a invalidade todos os atos administrativos e processuais subsequentes.

A ré invocou ainda a exceção dilatória do erro na forma de processo e, para o caso de assim não se entender, invoca a inconstitucionalidade material das normas dos artigos 2.º, n.º 4 e 15.º- A, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na redação dada pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, e do artigo 186.º-K do Código de Processo do Trabalho (CPT), quando interpretados no sentido da extensão da ação e reconhecimento da existência de contrato de trabalho (ARECT) às situações previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 147.º do CT, por violação do direito do réu à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP) e por violação do princípio da igualdade (art.º 13.º da CRP).

Noutra vertente, a ré impugnou os fundamentos invocados na petição inicial, pugnando pela validade formal e substancial do termo aposto no contrato sendo a contratação legitimamente motivada pelas necessidades temporárias que se subsumem às alíneas g) e e), do n.º 2, do artigo 140.º do CT: por um lado, a execução de atividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respetivo mercado, e por outro, a execução de serviço determinado precisamente definido e não duradouro. Pugnou ainda pela inaplicabilidade da proibição da sucessão dos contratos a que se refere o art.º 143.º o Código do Trabalho, alegando que a trabalhadora não foi admitida para o mesmo posto de trabalho e que, de todo o modo, a nova contratação foi motivada pela necessidade associada à atividade sazonal da ré, o que exclui o novo contrato do âmbito de aplicação da regra da sucessão dos contratos a termo, como se dispõe claramente artigo 143.º, n.º 2, al. c), do CT.

O Ministério Público respondeu, concluindo pela improcedência de todas as exceções dilatórias arguidas pela ré.

A ré juntou, entretanto, certidão comprovativa da impugnação judicial, que deu entrada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, com o número de processo 11306/25.6BELSB.

Foi então proferida decisão que indeferiu a requerida suspensão da instância, julgou improcedentes as exceções dilatórias arguidas pela ré e, considerando a Mm.ª juiz “a quo” que os autos continham já todos os elementos necessários à decisão do mérito da causa, nos termos do art.º 186.º-N, n.º 1 do CPT, proferiu sentença que julgou a ação totalmente procedente e, em consequência reconheceu “a existência de contrato de trabalho sem termo celebrado, em 12/09/2024, entre a Ré A..., Lda. e a trabalhadora AA com o NIF ..., residente na rua ..., ..., ... Santo Tirso, fixando-se o início de funções em 14/09/2023.”

Inconformada, a ré interpôs o presente recurso, cujas alegações conclui nos seguintes termos:

………………………………

………………………………

………………………………


*

O Ministério Público apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, formulando as seguintes conclusões:

………………………………

………………………………

………………………………


*

O recurso foi regularmente admitido e a Mm.ª Juiz “a quo”, ao abrigo do disposto pelo art.º 617.º, n.º 1 do CPC, pronunciou-se o sentido da improcedência da nulidade da sentença arguida pela recorrente.

*

Recebidos os autos neste tribunal, o Ministério Público, não emitiu o parecer a que se refere o art.º 87.º, n.º 3 do CPT por a ação ter sido instaurada pelo próprio Ministério Público.

*

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

*

Delimitação do objeto do recurso

Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do CPT e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).

Assim, são as seguintes as questões a decidir:

1 – Nulidade da sentença, na medida em que o estado do processo não permite uma decisão imediata (erro in procedendo);

2 – Erro de julgamento quanto à (in)existência de questão prejudicial da competência dos Tribunais Administrativos e ilegalidade da atuação da ACT;

3 - Erro de julgamento quanto à decisão que julgou improcedente a exceção dilatória do erro na forma de processo. Subsidiariamente: da inconstitucionalidade material;

4 - Erro de julgamento quanto à (in)validade do termo: verificação das necessidades temporárias da Recorrente que motivaram a contratação da trabalhadora (subsidiário);

5 - Erro na aplicação da norma que estabelece a proibição de sucussão de contratos de trabalho a termo (subsidiário).


*

Fundamentação de facto

Foram considerados provados os seguintes factos.

«a) A Ré é uma sociedade comercial anónima, que tem como objeto a gestão de refeitórios de organismos públicos e privados, confeção e transporte de alimentos ao domicílio, comércio de bens alimentares em geral.

b) Em 27/09/2022 a Ré celebrou um contrato de prestação de serviços com o Município ..., para o fornecimento de refeições em inúmeros refeitórios escolares, entre os quais o estabelecimento de ensino “...”, com a previsão diária de 284 almoços. – retificado nos termos da decisão infra.

c) Da cláusula 4.ª do contrato referido em b) resulta que a duração do contrato de prestação de serviço de fornecimentos de refeições escolares entra em vigor no prazo máximo de dez dias úteis (…) e vigorará pelo prazo de 3 anos, tendo ficado estabelecido que o termo será a 31/07/2025.

d) Ficou, também estabelecido que, durante a vigência do contrato a Ré, obriga-se a fornecer refeições variadas – almoço e os lanches da manhã e da tarde -, todos os dias úteis, consoante o calendário escolar, determinado pelo Ministério da Educação para cada ano letivo.

e) O contrato referido em b) teve o seu início no dia 19/12/2022.

f) A..., S.A., com sede na avenida ..., ..., ... Lisboa, na qualidade de primeira contraente e, a trabalhadora AA, residente na rua ..., ..., ... Santo Tirso, na qualidade de segunda contraente, celebraram o contrato que denominaram “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, datado de 12/09/2024.

g) Consta da Cláusula Primeira com a epígrafe “(Categoria Profissional)” do contrato referido em f) que “A primeira Contraente admite ao seu serviço a Segunda Contraente para, sob autoridade e direção, exercer as funções inerentes à Categoria Profissional de EMPREGADO(A) DE REFEITÓRIO, cuja descrição consta do “Manual de Funções” que lhe é entregue nesta data e de que a Segunda Contraente declara ter conhecimento com a assinatura do presente Contrato de Trabalho”.

g-1) Consta da Cláusula Primeira, n.º 4 que “Durante a vigência do contrato a adjudicatária obriga-se a fornecer refeições variadas, todos os dias úteis, consoante o calendário escolar determinado pelo Ministério da Educação para cada ano letivo, e ainda nas interrupções letivas e férias escolares, nomeadamente: período de Carnaval, Páscoa, Natal e transição entre anos letivos”. - aditado nos termos da decisão infra.

h) Consta da Cláusula Segunda com a epígrafe “(Local de Trabalho)” do contrato referido em f) que “O local de trabalho da Segunda Contraente será no refeitório sito nas instalações “...”. Contudo, à Primeira Contraente assiste a faculdade de transferir a Segunda Contraente para outro local de trabalho ou de a deslocar temporariamente para outros locais em função das necessidades da empresa”.

i) Consta da Cláusula Terceira com a epígrafe (“Horário de Trabalho)” do contrato referido em f) que “A Segunda Contraente prestará em cada semana, 40 Horas de trabalho, distribuídas de acordo com o correspondente horário em vigor na empresa para a sua função e local de trabalho, ficando desde já acordado que se compromete a aceitar quaisquer alterações ao horário de trabalho que venham a ser determinadas pela empresa, nos termos da legislação geral em vigor ou contratação coletiva aplicável”.

j) Consta da Cláusula Quarta com a epígrafe “(Retribuição)” do contrato referido em f) que “A Primeira Contraente pagará à Segunda Contraente a retribuição mensal ilíquida de Euros: 822,00 (oitocentos e vinte e dois euros).

k) Consta da Cláusula Quinta com a epígrafe “(Termo Resolutivo”) do contrato referido em f) que “A justificação da presente contratação a termo certo prende-se com a necessidade de execução de um contrato de prestação de serviços de fornecimento de refeições no refeitório escolar do estabelecimento de ensino ... celebrado entre a Primeira Contraente e o Município ... para o ano letivo 2024/2025. Os serviços a prestar pela Primeira Contraente no âmbito do referido contrato de prestação de serviços estão relacionados unicamente com o número de refeições efetivamente confecionadas e servidas em cada dia. Apesar das estimativas conhecidas do volume de refeições a servir, e as previstas com base em consumos de anos antecedentes, sucede que as mesmas são contingentes, nunca sendo possível à Primeira Contraente antever com certeza o concreto número de refeições a confecionar e servir em cada dado dia. Considerando a natureza da prestação de serviços em causa e a conhecida oscilação do número de refeições servidas, o quadro de pessoal da Primeira Contraente está dimensionado para um número médio adequado de refeições a servir (média que, ademais, resulta da ratio possível entre os custos com pessoal, matérias-primas e os rendimentos obtidos pelo número de refeições servidas e média que é conhecida de anos anteriores e que pode ser sujeita a desvios).

Contudo, a Primeira Contraente necessita de adaptar o seu quadro de pessoal às necessidades efetivas para a execução dos serviços. Esse dimensionamento não pode naturalmente pôr em causa a capacidade de confecionar e servir refeições em número que ultrapassa a dita média ou capacidade de resposta do quadro de pessoal indicado. O compromisso assumido pela Primeira Contraente implica que tenham de ser servidas todas as refeições solicitadas em cada dado dia. Assim, a presente contratação visa dotar a Primeira Contraente de meios e recurso para poder fazer face às oscilações do número de refeições a confecionar e servir e que o seu quadro de pessoal não tem disponibilidade/capacidade para confecionar e servir durante o período contratado. Contudo, tendo em conta as diferentes solicitações em cada dia relativas ao número de refeições, não estão reunidas as condições para a contratação de trabalhadores em termos definitivos e não é possível fazer coincidir a necessidade temporária de mão-de-obra com a duração do contrato de prestação de serviços celebrado precisamente porque o número de refeições a servir apresenta constantes variações ao longo desse mesmo período, podendo ainda o Município ... fazer cessar o contrato de prestação de serviços a todo o tempo. Devido à natureza característica do serviço a prestar é totalmente impossível prever, a tendência do volume de refeições e das suas possíveis oscilações no estabelecimento de ensino em causa Município ..., sendo que se prevê que exista um significativo desvio do volume de refeições previstas e aquelas que haverá necessariamente que confecionar. A Primeira Contraente pretende recorrer à presente contratação para estar preparada para a estimada flutuação de volume de refeições e ainda para o desvio entre as refeições previstas e as que efetivamente serão servidas durante o ano letivo, sendo que não pode aquela sobre dimensionar o seu quadro de pessoal para uma realidade que pode vir a revelar-se infundada. O motivo justificativo da presente contratação, assim, radica na necessidade de dispor de capacidade para fazer face às oscilações que necessariamente ocorrerão no número de refeições a servir e para as quais o seu quadro de pessoal pode não ser dimensionado. A acrescer às oscilações das refeições necessárias em cada momento, está ainda uma atividade cujo ciclo anual de produção apresenta irregularidades, decorrentes da sua natureza estrutural, ou seja, os períodos de efetividade estão limitados aos períodos de efetiva duração do ano letivo, inexistindo rendimentos ou necessidade de pessoal nos períodos não letivos. Está ademais em causa a execução de tarefa precisamente definida e não duradoura, que se prende com a execução dos serviços em causa, esgotando-se a tarefa com a verificação do termo do ano letivo e início das férias escolares. Assim, em virtude do termo do ano letivo 2024/2025, verifica-se a conclusão da prestação de refeições na escola supra referida, o que levará à cessação da necessidade temporária que motiva a presente admissão. Neste sentido, o motivo justificativo baseia-se na necessidade de serviço de refeições na Escola durante o ano letivo de 2024/2025, pelo que é admissível o recurso à contratação a termo, de acordo com o disposto nas alíneas e) e g) do n.º 2 e 1 do artigo 140.º do Código do Trabalho. Deixando de se verificar a necessidade temporária que justifica a contratação a termo não existirão tarefas que a Primeira Contraente possa atribuir à segunda Contraente.

Trata-se, pois, de uma necessidade temporária da primeira Contraente, que permite a celebração do presente contrato a termo certo, tal como previsto no artigo 140.º do Código do Trabalho”.

l) Consta da Cláusula Sexta com a epígrafe “(Comunicações)” do contrato referido em f) que “As comunicações escritas que a Primeira Contraente haja de dirigir à Segunda Contraente deverão ser efetuadas por carta registada com aviso de receção, enviado para a residência indicada neste contrato ou através de entregar por mão própria à Segunda Contraente.

m) Consta da Cláusula Sétima com a epígrafe “(Vigência do Contrato)” do contrato referido em f) que “1. O presente Contrato com início no dia 2024/09/12 e termo no dia 2025/06/13”.

n) Já anteriormente, a Ré havia celebrado com a trabalhadora AA, no dia 14 de setembro de 2023, um contrato a termo certo, para que esta exercesse, durante o ano letivo 2023/2024, no mesmo local de trabalho (cantina escolar do estabelecimento de ensino “...”), as funções de empregada de refeitório, durante 40 horas semanais, mediante a retribuição de € 762,00.

o) O contrato referido em n) iniciou a sua vigência em 14/09/2023 e terminou, por caducidade comunicada pela Ré, no dia 14/06/2024.

p) Da Cláusula Quinta do contrato referido em n) consta ao seguinte: “A justificação da presente contratação a termo certo prende-se com a necessidade de execução de um contrato de prestação de serviços de fornecimento de refeições no refeitório escolar do estabelecimento de ensino ... celebrado entre a Primeira Contraente e o Município ... para o ano letivo 2023/2024. Os serviços a prestar pela Primeira Contraente no âmbito do referido contrato de prestação de serviços estão relacionados unicamente com o número de refeições efetivamente confecionadas e servidas em cada dia. Apesar das estimativas conhecidas do volume de refeições a servir, e as previstas com base em consumos de anos antecedentes, sucede que as mesmas são contingentes, nunca sendo possível à Primeira Contraente antever com certeza o concreto número de refeições a confecionar e servir em cada dado dia. Considerando a natureza da prestação de serviços em causa e a conhecida oscilação do número de refeições servidas, o quadro de pessoal da Primeira Contraente está dimensionado para um número médio adequado de refeições a servir (média que, ademais, resulta da ratio possível entre os custos com pessoal, matérias-primas e os rendimentos obtidos pelo número de refeições servidas e média que é conhecida de anos anteriores e que pode ser sujeita a desvios).

Contudo, a Primeira Contraente necessita de adaptar o seu quadro de pessoal às necessidades efetivas para a execução dos serviços. Esse dimensionamento não pode naturalmente pôr em causa a capacidade de confecionar e servir refeições em número que ultrapassa a dita média ou capacidade de resposta do quadro de pessoal indicado. O compromisso assumido pela Primeira Contraente implica que tenham de ser servidas todas as refeições solicitadas em cada dado dia. Assim, a presente contratação visa dotar a Primeira Contraente de meios e recurso para poder fazer face às oscilações do número de refeições a confecionar e servir e que o seu quadro de pessoal não tem disponibilidade/capacidade para confecionar e servir durante o período contratado. Contudo, tendo em conta as diferentes solicitações em cada dia relativas ao número de refeições, não estão reunidas as condições para a contratação de trabalhadores em termos definitivos e não é possível fazer coincidir a necessidade temporária de mão-de-obra com a duração do contrato de prestação de serviços celebrado precisamente porque o número de refeições a servir apresenta constantes variações ao longo desse mesmo período, podendo ainda o Município ... fazer cessar o contrato de prestação de serviços a todo o tempo. Devido à natureza característica do serviço a prestar é totalmente impossível prever, a tendência do volume de refeições e das suas possíveis oscilações no estabelecimento de ensino em causa Município ..., sendo que se prevê que exista um significativo desvio do volume de refeições previstas e aquelas que haverá necessariamente que confecionar. A Primeira Contraente pretende recorrer à presente contratação para estar preparada para a estimada flutuação de volume de refeições e ainda para o desvio entre as refeições previstas e as que efetivamente serão servidas durante o ano letivo, sendo que não pode aquela sobre dimensionar o seu quadro de pessoal para uma realidade que pode vir a revelar-se infundada. O motivo justificativo da presente contratação, assim, radica na necessidade de dispor de capacidade para fazer face às oscilações que necessariamente ocorrerão no número de refeições a servir e para as quais o seu quadro de pessoal pode não ser dimensionado. A acrescer às oscilações das refeições necessárias em cada momento, está ainda uma atividade cujo ciclo anual de produção apresenta irregularidades, decorrentes da sua natureza estrutural, ou seja, os períodos de efetividade estão limitados aos períodos de efetiva duração do ano letivo, inexistindo rendimentos ou necessidade de pessoal nos períodos não letivos. Está ademais em causa a execução de tarefa precisamente definida e não duradoura, que se prende com a execução dos serviços em causa, esgotando-se a tarefa com a verificação do termo do ano letivo e início das férias escolares. Assim, em virtude do termo do ano letivo 2024/2025, verifica-se a conclusão da prestação de refeições na escola supra referida, o que levará à cessação da necessidade temporária que motiva a presente admissão. Neste sentido, o motivo justificativo baseia-se na necessidade de serviço de refeições na Escola durante o ano letivo de 2024/2025, pelo que é admissível o recurso à contratação a termo, de acordo com o disposto nas alíneas e) e g) do n.º 2 e 1 do artigo 140.º do Código do Trabalho. Deixando de se verificar a necessidade temporária que justifica a contratação a termo não existirão tarefas que a Primeira Contraente possa atribuir à segunda Contraente.

Trata-se, pois, de uma necessidade temporária da primeira Contraente, que permite a celebração do presente contrato a termo certo, tal como previsto no artigo 140.º do Código do Trabalho”.


*

Porque se trata de facto provado por documento não impugnado (contrato de prestação de serviços a que se referem as als. f) a m)dos factos assentes) e com relevo para a decisão, nos termos do disposto pelo art.º 662.º, n.º 1 do CPC, adita-se ao elenco dos factos provado o seguinte facto:

g-1) Consta da Cláusula primeira, n.º 4 que “Durante a vigência do contrato a adjudicatária obriga-se a fornecer refeições variadas, todos os dias úteis, consoante o calendário escolar determinado pelo Ministério da Educação para cada ano letivo, e ainda nas interrupções letivas e férias escolares, nomeadamente: período de Carnaval, Páscoa, Natal e transição entre anos letivos”.

Nos mesmos termos altera-se a redação do ponto p) dos factos provados, passando o mesmo a conter a transcrição da cláusula 5.ª do contrato celebrado em 14/09/2023, nos termos já constantes da matéria de facto acima elencada.

Por outro lado, tratando-se de manifestos lapsos de escrita, como evidencia o confronto com os documentos juntos aos autos, designadamente o contrato de prestação de serviços e o contrato a termo celebrado em 14/09/2023, retificam-se as als. b) e n) dos factos assentes que passarão a ter a seguinte redação:

b) Em 27/09/2022 a Ré celebrou um contrato de prestação de serviços com o Município ..., para o fornecimento de refeições em inúmeros refeitórios escolares, entre os quais o estabelecimento de ensino “...”, com a previsão diária de 284 almoços.

n) Já anteriormente, a Ré havia celebrado com a trabalhadora AA, no dia 14 de setembro de 2023, um contrato a termo certo, para que esta exercesse, durante o ano letivo 2023/2024, no mesmo local de trabalho (cantina escolar do estabelecimento de ensino “...”), as funções de empregada de refeitório, durante 40 horas semanais, mediante a retribuição de € 762,00.


*

Apreciação

A recorrente elege como primeira discordância da sentença a nulidade desta que estriba em dois argumentos: a sentença é prematura por o estado do processo não permitir uma decisão imediata e a sentença foi proferida sem que a trabalhadora tenha sido notificada nos termos do art.º 186.º-L, n.º 4 do CPT.

A apreciação destes argumentos pressupõe a apreciação das questões relativas à verificação das necessidades temporárias da Recorrente que motivaram a contratação da trabalhadora e do erro na aplicação da norma que estabelece a proibição de sucessão de contratos de trabalho a termo (subsidiário), pelo que mais adiante sobre ela nos pronunciaremos.

Importa, pois, apreciar as demais questões suscitadas, todas de natureza processual (art.º 608.º, n. 1 do CPC).

Começamos, assim, pela invocado erro de julgamento quanto à (in)existência de questão prejudicial da competência dos Tribunais Administrativos e ilegalidade da atuação da ACT.

A recorrente requereu a suspensão da instância até que fosse proferida decisão pela jurisdição administrativa da impugnação do ato administrativo consubstanciado pela notificação que lhe foi dirigida pela ACT nos termos e para os efeitos do art.º 15.º-A, n.º 3 da Lei n.º 107/2009.

A Mm.ª Juiz “a quo” considerou não haver fundamento para a suspensão da instância e julgou improcedente a invocada invalidade do ato administrativo.

Através do presente recurso a recorrente pretende “que seja eliminada da ordem jurídica a decisão do Tribunal a quo que concluiu pela não verificação de uma questão prejudicial da competência dos Tribunais Administrativos, devendo ser ordenado, por efeito da procedência do presente recurso, o abaixamento dos autos para que o mesmo Tribunal possa:

(a) Sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie, determinando a suspensão da instância (cfr. artigos 92.º, n .º 1, e 272.º, n.º1, do CPC), ou, caso assim não entenda,

(b) Apreciar e decidir a questão da nulidade do ato administrativo da ACT de 28/11/2024, à luz das normas e princípios de Direito Administrativo aplicáveis.

No que respeita à pretendida suspensão da instância importa atentar a que o art.º 92.º, n.º 1 do CPC estabelece, a propósito das questões prejudiciais que, “1 - Se o conhecimento do objeto da ação depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie” e que diz o art.º 272.º, n.º 1 que “1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.”

Assim, estaremos perante uma questão jurídica prejudicial quando a sua solução constitua pressuposto necessário da decisão de mérito a proferir, e seja da competência de um tribunal criminal ou administrativo e estaremos perante uma causa prejudicial quando uma dada questão for, em si mesma, objecto autónomo de outra ação e a sua “resolução constitui pressuposto necessário da decisão de mérito” - Lebre de Freitas, CPC Anotado, Volume 1º, Coimbra Editora, pág. 173.

Ora, a existência de uma questão ou de uma causa prejudicial, designadamente de natureza administrativa não determinam a obrigatoriedade da suspensão da instância laboral (salvo as questões relativas ao estado da pessoa em que a sentença a proferir seja constitutiva), suspensão essa que apenas poderá ocorrer se o juiz o tiver por conveniente.

No caso dos autos, ainda que se se considerasse que existia a invocada questão prejudicial, nenhuma censura mereceria o indeferimento da pretensão da recorrente, já que, tendo o tribunal que julga determinada ação, jurisdição plena sobre todas as questões que nela se suscitem (cfr. art.º 91.º do CPC), a suspensão da instância constitui uma mera faculdade que cabe ao tribunal exercer ou não conforme julgue conveniente, não sendo a suspensão da instância, no caso, compatível com a natureza urgente do processo (art.º 26.º, n.º 6 do CPT). Daí que, não exista fundamento para a revogação da decisão da 1.ª instância que indeferiu a pretensão da recorrente.

Por outro lado, importa salientar que, a Mm.ª juiz “a quo”, tendo indeferido a suspensão da instância, pronunciou-se sobre a invalidade do ato administrativo, julgando-a improcedente e que, nesta sede, a recorrente apenas discorda da decisão por entender que nela não foi reconhecida a existência de uma atuação administrativa por parte da ACT, que se encontra vinculada às normas e princípios de Direito Administrativo, não podendo esta questão ser decidida por mera aplicação de normas de Direito do Trabalho, como decidiu o Tribunal a quo.

Ora, a recorrente havia alegado que a ACT: violou a lei ao considerar a situação de irregularidade laboral; violou o princípio da boa fé porquanto há cerca de 10 anos a esta parte que tinha um comportamento diametralmente inverso ao que tomou neste processo, tendo arquivado os procedimentos após o exercício do contraditório por parte da Ré; com o atual comportamento a ACT violou os princípios da legalidade, da proporcionalidade e da boa fé, todos consagrados no CPA.

Analisada a decisão, recorrida, verifica-se que nela a Mm.ª Juiz não só não pôs em causa a natureza administrativa do ato, como se pronunciou sobre os argumentos invocados pela recorrente com fundamento na violação dos princípios em causa consagrados no CPA, o que é evidenciado pela seguinte passagem da decisão:

“Face à alteração da Lei já não se mostra possível à ACT arquivar os procedimentos no caso de lhe ser exibidos contratos de trabalho a termo certo. Se o fizesse é que violaria o princípio da legalidade. Quanto a violação do princípio da proporcionalidade, a crítica tem de ser endereçada pela Ré ao Legislador e não à entidade administrativa que se limita a cumprir a Lei. Finalmente, a violação do princípio da boa fé não tem lugar no caso de uma alteração de um comportamento por parte da entidade administrativa na sequência de uma alteração legislativa, como parece ter sido o caso.

Finalmente, se a Ré entende que inexiste qualquer indício da violação do disposto nos artigos 140.ºe 147.º do Código do Trabalho, o Tribunal apreciará nesta ação especial de reconhecimento da existência do contrato de trabalho se assim é, ou não.”

Quanto ao mais, designadamente quanto ao acerto da decisão proferida, verifica-se que a recorrente não alega no recurso os fundamentos que invocara em primeira instância (ou quaisquer outros de que este tribunal posse conhecer) como fundamento da invalidade do ato administrativo, questão que, face às alegações e conclusões do recurso, não foi afinal submetida à apreciação deste tribunal e sobre a qual, consequentemente, não nos podemos pronunciar (cfr. art.º 608.º, n.º 2 do CPC).

O recurso, improcede nesta parte.


*

*


Erro de julgamento quanto à decisão que julgou improcedente a exceção dilatória do erro na forma de processo. Subsidiariamente: da inconstitucionalidade material

Alega a recorrente a este propósito que, ao contrário do decidido em 1.ª instância, a ação de reconhecimento da existência do contrato de trabalho não é a adequada à apreciação da validade do termo contratual, porque a Lei n.º 13/2023, de 3 de abril não introduziu qualquer modificação às normas processuais da ARECT (mas somente no âmbito do procedimento administrativo prévio), cujo objeto continua a ser delimitado pelo artigo 186.º-K do CPT, nos termos acimas explanados: “ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho”.

Não tem razão.

Existe erro na forma de processo quando é utilizada uma forma processual inadequada segundo os critérios da lei.

De acordo com o art.º 48.º n.º 2, do CPT “O processo declarativo pode ser comum ou especial”.

O processo especial aplica-se nos casos expressamente previstos na lei; o processo comum é aplicável nos casos a que não corresponda processo especial” (n.º 3).

Para se aferir se deverá aplicar-se processo especial importa assim, antes do mais, averiguar se a pretensão formulada pelo autor considerada em abstrato corresponde a alguma modalidade de processo especial prevista na lei, neste caso, no CPT.

No caso foi instaurada pelo Ministério Público uma ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, que se encontra regulada nos arts. 186.º-K a 186.º-S do CPT, com vista ao reconhecimento como contrato de trabalho sem termo, do contrato a termo certo celebrado em 12/09/2024 entre a Ré e a trabalhadora AA, com a antiguidade reportada a 14/09/2023, nos termos do artigo 147.º, n.º 1, alínea d) e n.º 3 do Código do Trabalho.

O art.º 2.º da Lei 107/2009 de 14/09, na redação da Lei n.º 13/2023, de 03/04, a aplicável, dispõe o seguinte:

“1 - O procedimento das contraordenações abrangidas pelo âmbito de aplicação da presente lei compete às seguintes autoridades administrativas:

a) À Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), quando estejam em causa contraordenações por violação de norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito de relação laboral e que seja punível com coima;

(…)

2 - Sempre que se verifique uma situação de prestação de atividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado ou a falta de comunicação de admissão do trabalhador na segurança social, qualquer uma das autoridades administrativas referidas no número anterior é competente para o procedimento das contraordenações por esse facto.

3 - A ACT é igualmente competente e instaura o procedimento previsto no artigo 15.º-A da presente lei, sempre que se verifique a existência de características de contrato de trabalho, nomeadamente:

a) Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 12.º e no n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, incluindo nos casos em que o prestador de serviço atue como empresário em nome individual ou através de sociedade unipessoal; e

b) Em caso de indício de violação dos artigos 175.º e 180.º do Código do Trabalho, no âmbito do trabalho temporário.

4 - O procedimento referido no número anterior é igualmente aplicável nas situações previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 147.º do Código do Trabalho.» (sublinhados nossos)

Deste preceito resulta que a ACT tem competência para a instauração de dois tipos de procedimento: procedimentos contraordenacionais (n.º 1 e 2 da norma) e o procedimento previsto pelo art.º 15.º-A da mesma Lei, nas situações a que se referem os n.ºs 3 e 4, na qual se inclui a situação a que se reporta os autos em que está em causa saber se a trabalhadora se encontra vinculada à ré por contrato sem termo por aplicação do art.º 147º do Código de Trabalho

Por sua vez o art.º 15.º-A da Lei 107/2009 estabelece o seguinte:

«1 - Caso o inspetor do trabalho verifique, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, a existência de características de contrato de trabalho, nos termos previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 2.º, lavra um auto e notifica o empregador para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação, ou se pronunciar dizendo o que tiver por conveniente.

2 - O procedimento é imediatamente arquivado caso o empregador faça prova da regularização da situação do trabalhador, designadamente, mediante a apresentação do contrato de trabalho ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportada à data do início da relação laboral, mas não dispensa a aplicação das contraordenações previstas no n.º 2 do artigo 12.º e no n.º 10 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho.

3 - Findo o prazo referido no n.º 1 sem que a situação do trabalhador em causa se mostre devidamente regularizada, a ACT remete, em cinco dias, participação dos factos para os serviços do Ministério Público junto do tribunal do lugar da prestação da atividade, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.”

Daqui resulta, sem margem para qualquer duvida que nas situações a que se refere o n.º 4 do art.º 2.º da Lei 107/2009, se o empregador não regularizar a situação, isto é, se não apresentar à ACT contrato de trabalho sem termo ou de documento comprovativo da sua existência enquanto tal, reportada à data do início da relação laboral, a ACT remete participação ao Ministério Público para instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.

Recebida a participação pelo Ministério Público, este, nos termos do art.º 186.º-K do CPT, dá início à ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.

Salienta-se que a inexistência de alteração do art.º 186.º-K do CPT, não tem a consequência pretendida pele ré, pois, o que dele resulta é que a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é instaurada pelo Ministério Publico após a receção da participação prevista no n.º 3 do art.º 15.º-A da Lei 107/2009 e tendo o âmbito desta sido alargado às situações a que se refere o art.º 147.º, n.º 1 e 2 do CT, foi igualmente alargado o âmbito de aplicação desta forma de processo[1].

Dito de outro modo, a forma de processo especial prevista pelos arts. 186.º-K a 186.º-S do CPT aplica-se a todas as situações em que há lugar à participação prevista pelo art.º 15.º-A, n.º 3 da Lei 107/2009.

No caso, como resulta do supra exposto, trata-se de uma situação prevista no n.º 1 do art.º 147.º do CT, pelo que, face ao disposto pelos arts. 2.º, n.º 4 e 15.º-A, n.º 3 da Lei 107/2009 e 186.º-K, n.º 1 do CPT, é aplicável a forma de processo especial de ação de reconhecimento da existência do contrato de trabalho.

Nenhum reparo merece, pois a decisão recorrida, improcedendo o recurso nesta parte.

E o mesmo se diga quanto à questão da inconstitucionalidade material das normas dos arts. 2.º, n.º 4 e 15.º-A, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 107/2009, de 14/09, na redação dada pela Lei n.º 13/2023, de 03/04, e do artigo 186.º-K do CPT, por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva (art.º 20.º da CRP) e do princípio da igualdade (art.º 13.º da CRP).

Em síntese, a recorrente alega que, admitindo-se que a ação especial de reconhecimento da existência do contrato de trabalho é aplicável às situações em que está em causa a apreciação da invalidade do termo resolutivo aposto num contrato de trabalho, impendendo sobre o empregador o ónus de alegar e demonstrar os factos que integram o motivo justificativo, bem como a sua suficiência, tornando necessária a recolha de documentos e indicação e testemunhas, as diligências de prova que impendem exclusivamente sobre o réu não se compadecem com a tramitação simplificada da ARECT, com prazos reduzidos, limitação do número de testemunhas ou impossibilidade de requerer a atribuição de efeito suspensivo, o que, na sua perspetiva, violaria o direito à tutela jurisdicional efetiva e ao processo equitativo.

Como se pode ler no Ac. TC n.º 85/2016[2],

“O artigo 20.º da Constituição, sob a epígrafe «Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva», garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efetive através de um processo equitativo (n.º 4).

A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange, nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão funda­mentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas (veja-se, neste sentido, entre outros, o Acórdão n.º 440/94).

Acresce ainda que o direito de ação ou direito de agir em juízo terá de efetivar-se através de um processo equitativo, o qual deve ser entendido não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais.

A jurisprudência e a doutrina têm procurado densificar o conceito de processo equitativo essencialmente através dos seguintes princípios: (1) direito à igualdade de armas ou igualdade de posição no processo, sendo proibidas todas as diferenças de tratamento arbitrárias; (2) proibição da indefesa e direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e direito, oferecer provas, controlar a admissibilidade e a produção das provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras; (3) direito a prazos razoáveis de ação e de recurso, sendo proibidos os prazos de caducidade demasiados exíguos; (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em prazo razoável; (6) direito de conhecimento dos dados do processo (dossier); (7) direito à prova; (8) direito a um processo orientado para a justiça material (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Ano­tada, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, Volume I, págs. 415 e 416).

Por outro lado, importa ainda salientar que a exigência de um processo equitativo, consagrada no referido artigo 20.º, n.º 4, da Constituição não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. No entanto, no seu núcleo essencial, tal exigência impõe que os regimes adjetivos proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efetiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.”

Ora, a aplicação da ação de reconhecimento às situações de apreciação da validade da contratação a termo para os efeitos previstos pelo art.º 147.º do CT, tal como nas outras situações a que a mesma é aplicável tem início mediante o impulso processual do Ministério Público (após um processo administrativo da competência da ACT) e tem em vista a proteção de determinados interesses públicos – combate à utilização indevida dos contratos a termo e combate à precaridade - o que tem efeitos na modelação do seu regime, designadamente na sua natureza urgente e na, consequente, definição de prazos mais curtos em relação a outras formas de processo não urgentes.

Contudo, conforme já salientou o Tribunal Constitucional, quer no Acórdão n.º 94/2015[3], quer no Acórdão n.º 204/2015[4], o regime da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho não deixa de permitir a possibilidade de intervenção do empregador (artigo 186.º-L, n.º 2 do CPT), garantindo-lhes ainda o direito à apresentação de prova (artigo 186.º-N, n.º 3), o direito ao recurso (artigo 186.º-P), bem como o respeito de outros direitos processuais essenciais, tais como, o direito à igualdade de armas, ao contraditório, à fundamentação das decisões e a um processo orientado para a justiça material.

O facto de o ónus da prova da veracidade do motivo justificativo impender sobre o empregador, não resulta deste regime processual mas do regime substantivo previsto pelo CT, nomeadamente no seu art.º 140.º, n.º 5, existindo em moldes idênticos em todas as ações de processo comum em que esteja em causa tal matéria e a redução dos prazos aplica-se a todos os atos processuais, sejam os da iniciativa do Ministério Público, sejam os da iniciativa do empregador, sejam os da iniciativa do trabalhador, sejam os da competência do tribunal, e ainda que possa eventualmente dificultar a posição do empregador, não inviabiliza qualquer dos direitos tutelados pelo art.º 20.º da CRP.

E dizemos que a redução dos prazos e a simplificação processual poderão apenas eventualmente dificultar a posição do empregador porquanto o que está em causa na presente ação é a suficiência e veracidade dos factos invocados no contrato de trabalho como motivo justificativo da contratação a termo, os quais têm que ser do conhecimento do empregador e existir já na data da contratação, não podendo ser invocados na ação outros factos para além dos constantes no contrato escrito. Acresce que a redução do prazo para o contraditório é apenas aparente, pois o prazo para a apresentação da contestação é de 10 (dias (art.º 186.º-L, n.º 2 do CPT), tal como acontece na ação de processo comum (art.º 56.º, al. a) do CPT) e ainda que este apenas se inicie na audiência de partes, necessariamente posterior à citação, o que permite ao empregador ter mais do que 10 dias para preparar a defesa, o mesmo acontece na ação de reconhecimento, pois, esta é precedida do processo administrativo, no qual o empregador é advertido de que se não regularizar a situação, será remetida a participação ao Ministério Público para instauração da ação, o que lhe permite ir organizando a sua defesa e beneficiar para o efeito de um período mais alargado de tempo do que apenas os 10 dias posteriores à citação após a instauração da ação.

Não se vislumbra, pois, qualquer violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, pelo facto de o legislador ter estendido às situações do art.º 147.º, n.º 1 e 2 do CT, a ação especial de reconhecimento da existência do contrato de trabalho previsto pelos arts. 186.º-K e segs. do CPT.

E também não e vislumbra qualquer violação do princípio da igualdade.

A este propósito a recorrente alega que atenta a concreta distribuição do ónus da prova nestas ações – ao contrário do que acontece nas ARECTs para reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, em que o demandante tem de alegar e demonstrar os factos que constituem os indícios de laboralidade dos artigos 12.º e 12.º-A –, só a Recorrente, entidade empregadora, é prejudicada por esta concreta conformação processual, o que viola igualmente a igualdade de partes.

Pode ler-se no Ac. TC n.º 94/2015, já identificado:

«A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo. No entanto, importa realçar que a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Significa isto que só existirá infração ao princípio da igualdade quando os limites externos da discricionariedade legislativa sejam violados, isto é, quando a medida legislativa adotada não tenha adequado suporte material.

Ou seja, a teoria da proibição do arbítrio não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, antes expressa e limita a competência de controlo judicial. Trata-se de um critério de controlabilidade judicial do princípio da igualdade que não põe em causa a liberdade de conformação do legislador ou a discricionariedade legislativa. A proibição do arbítrio constitui um critério essencialmente negativo, com base no qual são censurados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade.

Definidos assim os contornos do princípio da igualdade nesta dimensão, importa agora apreciar se o mesmo se mostra violado pelas normas cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida.

Como vimos, a «ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho» tem subjacente um procedimento prévio (previsto no artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro), em que, tendo sido verificada a existência de indícios de uma situação de prestação de atividade, aparentemente autónoma, em condições análogas às de um contrato de trabalho, e na falta de regularização da situação pela entidade empregadora, a ACT remete participação dos factos para os serviços do Ministério Público para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.

Ou seja, esta ação tem na sua base uma verificação prévia por parte de uma entidade pública (a ACT), a quem foram atribuídas competências para o efeito, da existência de indícios de uma situação de qualificação fraudulenta (e legalmente proibida) de um determinado contrato como tendo uma natureza diferente de um contrato de trabalho, com o objetivo da subtração da relação em causa ao regime laboral, causando-se com isso prejuízo ao trabalhador e ao Estado.

Por outro lado, a intervenção do Estado neste âmbito tem, como vimos, subjacentes diversas razões de interesse público, que levam a que o Estado proceda a um escrutínio (e mesmo à punição) das situações em que se pretenda, de modo fraudulento, impedir a aplicação do regime laboral a uma relação jurídica que, substancialmente, tem as características de um contrato de trabalho.”

Estas considerações são aplicáveis à ação especial destinada ao reconhecimento de um contrato de trabalho celebrado a termo como contrato de trabalho sem termo, competindo à ACT a verificação prévia de indícios de uma situação de celebração indevida de contrato a termo, e estando em causa o combate à precaridade e relativamente à qual o legislador optou expressamente, como vimos acima a propósito da questão do erro na forma de processo, por fazer corresponder a forma de ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho prevista pelos arts. 186.º-K a 186.º-R.

Acresce que as duas situações que a recorrente põe em confronto - ações destinadas ao reconhecimento de um determinado vínculo como vínculo laboral e não autónomo e ações destinadas ao reconhecimento de que um contrato de trabalho celebrado a termo é na verdade um contrato sem termo – não se confundem, tendo associadas questões substantivas e adjetivamente distintas, pelo que dificilmente se poderá falar numa situação de tratamento desigual.

Face a esta diferença, bem como às razões de interesse público subjacentes à intervenção do Estado nesta matéria, não se revela arbitrária, nem destituída de fundamento material bastante a interpretação dos arts. 2.º, n.º 4 e 15.º-A, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na redação dada pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, e do artigo 186.º-K do CPT da qual resulta que a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é aplicável às situações a que se refere o art.º 147.º, n.º 1 do CT.

O recurso improcede também nesta parte.


*

Erro de julgamento quanto à (in)validade do termo: verificação das necessidades temporárias da Recorrente que motivaram a contratação da trabalhadora

Antes de entrarmos na apreciação desta questão, importa tecer algumas considerações.

Na sentença recorrida a Mm.ª Juiz, considerou que não estava em causa a validade dos motivos justificativos, uma vez que o Ministério Público estruturou a ação com base na violação da proibição da sucessão de contratos a termo prevista pelo art.º 143.º, n.º 1 do CT, tendo alegado que a atividade não era sazonal apenas para excluir a aplicação da exceção àquela proibição consagrada no al. c) do n.º 2 do mesmo preceito.

Ora, a questão da nulidade da cláusula de estipulação do termo e consequente conversão automática do contrato em contrato sem termo, configura uma invalidade absoluta (art.º 286.º do Código Civil) que, como se pode ler no Ac. RL de 04/05/2016[5], como exceção perentória que é, nos termos do art.º 579.º do CPC, é do conhecimento oficioso, pelo que sempre poderia/deveria o tribunal “a quo” tomar sobre ela posição, cumprindo, se necessário, o contraditório nos termos do art.º 3.º, n.º 3 do CPC.

No caso, porém, na petição inicial o Ministério Público, apesar de concluir que o contrato a termo deveria ser considerado sem termo ao abrigo do art.º 147.º, n.º 1, al. d) do CT (que se refere ao contrato a termo celebrado em violação do art.º 143.º, n.º 1 do CT), alega, que a celebração dos dois contratos a termo entre a ré e a trabalhadora em 2023 e em 2024, foi justificada exatamente do mesmo modo (art.º 15.º da petição inicial); que “O contrato de trabalho a termo certo celebrado entre a R. e a trabalhadora terá de ser considerado como contrato sem termo” expondo seguida os fundamentos desta sua conclusão, traduzidos na falta de indicação no contrato de qualquer circunstância concreta que exigisse a contração a termo (art.º 20.º da petição inicial) e na sucessão de contratos a termo sem que entre eles tivesse decorrido o prazo estipulado (art.º 24.º da petição inicial); concluindo no art.º 25.º da petição inicial que “(…) a justificação alegada nos contratos de trabalho e que constam da Cláusula 5ª não pode, assim, ser considerada válida”. (sublinhado nosso)

Nesta medida, não podemos deixar de considerar que o autor suscitou a questão da invalidade dos termos apostos nos contratos celebrados em 2023 e em 2024.

A ré pronunciou-se profusamente na contestação sobre o motivo justificativo da contratação a termo.

E apesar do enquadramento que fez - considerando que não estava e causa a validade da estipulação do termo -, a Mm.ª Juiz não deixou, contudo, de se pronunciar sobre a motivação constante dos contratos, afirmando que “Olhando para os contratos juntos aos autos e atentas estas normas o que se impõe é apurar se os factos descritos nos termos resolutivos permitem preencher os conceitos legais, no caso, a sazonalidade da atividade.”, concluindo a atividade em causa não correspondia a uma atividade sazonal e que nos contratos não existe identificação de uma tarefa precisamente definida qualitativamente diferente da atividade desenvolvida pela ré, depois de transcrever as normas que integram o regime legal da contratação a termo designadamente a relativa às situações em que é admissível a contratação a termo (art.º 140.º, n.º 1 e 2, als. e) e d) do CT), a relativa aos requisitos formais da contratação (art.º 141.º, n.ºs 1 e 3 do CT) e a que prevê que o contrato se considera sem termo na falta ou insuficiência da referência ao motivo justificativo (art.º 147.º, n.º 1, al. c) do CT).

E a ré no recurso veio precisamente pôr em causa a posição assumida na sentença sobre o assunto, dedicando um capítulo das alegações que intitulou “Erro de julgamento quanto à (in)validade do termo: verificação das necessidades temporárias da Recorrente que motivaram a contratação da trabalhadora”.

A questão da invalidade da estipulação do termo, foi, pois, suscitada pelo autor, contestada pela ré e apreciada na sentença recorrida.

Assim, mesmo que a Mm.ª Juiz “a quo” não tenha extraído expressamente a consequência jurídica da apreciação que fez dos motivos justificativos da aposição do termo constantes dos contratos, não está este tribunal inibido de o fazer, já que se trata de questão do conhecimento oficioso, sobre a qual incidiu discussão em 1.ª instância (não justificando novo exercício do contraditório) e que a questão vem até expressamente suscitada no recurso.

Cumpre ainda referir a este propósito que ao acabado de referir não obsta a circunstância de o pedido formulado pelo autor ser o de que “seja reconhecido sem termo o contrato a termo certo celebrado em 12/09/2024 entre a Ré e a trabalhadora AA, com a antiguidade reportada a 14/09/2023, nos termos do artigo 147.º, n.º 1, alínea d) e n.º 3 do Código do Trabalho.”

De facto, por um lado, o tribunal não está vinculado à alegação das partes no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. art.º 5.º n.º 3 do CPC), pelo que, é lícito ao tribunal fazer apelo a enquadramento jurídico distinto do invocado pelas partes, desde que a decisão se contenha dentro do objeto do pedido.

Por outro lado, importa considerar que, como se pode ler no elucidativo Ac. do STJ de 07/04/2016 [6] “(…) o que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal, alterando ou corrigindo tal coloração jurídica, convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa, sem que tal represente o julgamento de objecto diverso do peticionado.

Importa, todavia, estabelecer, na medida do possível, quais os parâmetros dentro dos quais se move esta possibilidade de convolação jurídica, não se podendo olvidar que – continuando a ser a regra do dispositivo pedra angular do processo civil que nos rege – o decretamento de efeito jurídico diverso do especificamente peticionado pressupõe necessariamente uma homogeneidade e equiparação prática entre o objecto do pedido e o objecto da sentença proferida, assentando tal diferença de perspectivas decisivamente e apenas numa questão de configuração jurídico-normativa da pretensão deduzida.”

Ora, no caso dos autos, o efeito prático-jurídico pretendido pelo autor é que se reconheça a vinculação da trabalhadora à ré por contrato de trabalho sem termo com efeitos reportados a 14/09/2023, data da celebração do primeiro contrato.

Nessa medida, porque se trata de efeito jurídico que pode radicar na aludida questão da invalidade do termo aposto nos dois contratos, a apreciação de tal questão e, sendo o caso o reconhecimento da vinculação da trabalhadora à ré por contrato de trabalho sem termo desde 14/09/2023, não viola o disposto quer pelo art.º 608.º, n.º 2, quer pelo art.º 609.º, n.º 1, ambos do CPC.

Vejamos, pois!

Em conformidade com o princípio da segurança no emprego consagrado no artigo 53º da Constituição da República Portuguesa, só excecionalmente o legislador laboral admite a celebração de contratos a termo.

As exceções àquele princípio são as situações em que está em causa a satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à sua satisfação, tal como estatui o art.º 140º, nº 1 do Código do Trabalho (doravante CT), disposição legal que prevê «um sistema de cláusula geral, que sujeita a admissibilidade de aprazamento do contrato à verificação de uma necessidade temporária, e que é complementada pelo n.º 2 do aludido preceito, através de uma enumeração exemplificativa (…)»[7].

Estão em causa necessidades não permanentes objetivamente definidas pelo empregador, o que não significa que a conformidade legal da contração a termo depende da qualificação pelo empregador das necessidades como temporárias. Significa, antes, que sobre o empregador impende a obrigação de só contratar a termo quando existem razões concretas, exteriorizáveis como tal, que possam ser entendidas (quer pelo contraentes, quer pelo tribunal se chamado a intervir) como transitórias ou passageiras.

Por isso, também, nos termos do art.º 141.º, n.º 1 do CT, o contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita, devendo ser assinado por ambas as partes e conter entre outras a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo, a qual deve ser feita pela menção expressa dos factos que integram aquele motivo, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado (art.º 141º, nº 1, al. e) e nº 3 do C.T.), considerando-se sem termo o contrato celebrado fora dos casos previstos no n.º 1 do art.º 140.º, bem como aquele em que falte ou seja insuficiente, além do mais, a indicação do motivo justificativo (art.º 147, nº 1, als. b) e c) do C.T.).

Trata-se de exigências que visam o controlo externo da legalidade da contratação a termo e cuja justificação última se encontra no citado princípio constitucional.

Tal finalidade só se cumpre, se do contrato constar a indicação, em concreto e de forma circunstanciada, dos factos que integram qualquer uma das situações em que é admissível a contratação a termo, ou seja, uma qualquer situação de necessidades temporárias da empresa e que permita estabelecer a relação entre a justificação invocada e a duração do contrato, não se bastando com a mera reprodução do texto legal ou com a indicação genérica ou vaga (cfr. art.º 141.º, n.º 1, al. e n.º 3 do Código do Trabalho)[8].

Salienta-se que, com a exigência da indicação de factos que consubstanciem a necessidade da contratação e que permitam estabelecer o nexo de causalidade entre o motivo invocado e a duração do contrato, pretende-se evitar a fraude à lei, impondo-se, por isso que a justificação da celebração do contrato a termo transpareça de uma apreciação formal da redação da cláusula contratual relativa à estipulação do termo, para o que não basta a descrição da justificação e a indicação do prazo .

Apela-se aqui, pela sua pertinência para a situação dos autos, às sábias palavras de Monteiro Fernandes[9]:

“A exigência legal de justificação da aposição de termo poderia ser facilmente iludida se bastasse incluir no contrato de trabalho, a menção de alguma das fórmulas genéricas que o artigo 140° estabelece. Foi, aliás, esse o expediente utilizado outrora, com enorme frequência, para facilitar a mais ampla utilização deste tipo de contrato no recrutamento corrente de trabalhadores para as empresas.

A indicação de que o contrato era celebrado a termo por acréscimo temporário ou excepcional da actividade ou com fundamento na «execução de uma tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro» era tida por suficiente para «legitimar» esse recurso, e serviu para dar cobertura a uma das grandes vias de precarização das relações de trabalho”.

Ora, o legislador quis pôr termo a tal expediente, que não mais servia do que para contornar a lei – imperativa -, que impede o despedimento sem justa causa – art.º 338º do CT.

Recorde-se que o contrato de trabalho apenas pode cessar nos casos taxativamente fixados no art.º 340º do CT.

Assim, a falta de concretização do motivo justificativo ou a sua insuficiência não pode ser suprida pela alegação dos factos pertinentes na contestação da ação em que a questão se suscite. Na verdade, a indicação do motivo no clausulado contratual constitui uma formalidade “ad substanciam”[10].

Daí que, nada impeça o conhecimento do mérito da causa logo no despacho saneador, sem necessidade de instrução posterior, nas situações em que face ao teor do próprio contrato se constate a falta de concretização ou a insuficiência do motivo invocado para se subsumir a qualquer das situações previstas pelo art.º 140.º, n.º 1 e 2 do CT.

Nessa medida, no caso dos autos, se se concluir que os motivos constantes do contrato para justificar a sua celebração a termo, não estão concretizados, são insuficientes, ou não permitiam tal modalidade de contrato, nenhum reparo haverá a fazer a sentença recorrida que, ao abrigo do art.º 186.º-N, n.º 1 do CPT, conheceu do mérito da causa logo após os articulados.

Na sentença recorrida, o tribunal considerou que a situação retratada no contrato de trabalho, não era subsumível a uma atividade sazonal, tendo ainda referido que não estava em causa a execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro, concluindo depois, que ocorreu violação do disposto pelo art.º 143.º, n.º 1 do CT, considerando em consequência, que o contrato de trabalho a termo certo celebrado entre a Ré e a trabalhadora AA em 12/09/2024 se converteu num contrato de trabalho sem termo, reportando-se a sua antiguidade à data do primeiro contrato sucessivo celebrado, ou seja, à data de 14/09/2023.

A recorrente além da prematuridade da decisão, alegou que, ao contrário do que foi decidido na sentença, estava em causa uma atividade efetivamente sazonal ou um ciclo produtivo com irregularidades decorrentes da natureza da atividade e também que a atividade para a qual a trabalhadora foi contratada corresponde à execução de um serviço definido e não duradouro.

Nos contratos celebrados entre a recorrente e AA, aquela enquadrou juridicamente o motivo justificativo da celebração do contrato a termo nas alíneas e) e g) do n.º 2 do art.º 140.º do Código o Trabalho.

Ali se prescreve que se considera necessidade temporária da empresa, nomeadamente:

e) atividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respetivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria prima;

g) execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro.

Analisados os contratos de trabalho, nomeadamente a sua cláusula 5.ª inserta e cada um deles, cujo teor nos dispensamos de aqui transcrever dada a sua extensão, verifica-se que os factos indicados como justificação para a contratação a termo se podem resumir no seguinte:

- celebração de um contrato de prestação de serviços de fornecimento de refeições no refeitório da escola ..., com o Município ... para o ano de 2024/2025;

- o número de refeições a confecionar e a servir em cada dia oscila, não sendo previsível, nem podendo ser satisfeito pelo quadro de pessoal permanente que não pode ser sobredimensionado;

- o contrato de prestação de serviços pode cessar a todo o tempo;

- a atividade tem um ciclo anual de produção que apresenta irregularidades decorrentes da sua natureza estrutural, já que os períodos de efetividade estão limitados aos períodos de efetiva duração do ano letivo, inexistindo necessidade de pessoal nos períodos não letivos;

- trata-se de uma tarefa precisamente definida e não duradoura, que prende com a execução dos serviços contratados e se esgota com o termo do ano letivo e início das férias escolares.

Está em causa a contratação da trabalhadora para exercer as funções de empregada de refeitório ao serviço da ré, numa escola do Município ..., com o qual aquela celebrou um contrato de prestação de serviços para fornecimento de refeições no período de 27/09/2022 a 31/07/2025.

Começamos por afirmar que «as flutuações de volume de serviço inerentes ao negócio, aqui traduzidas na oscilação do número de refeições a confecionar e servir em cada dia, não constituem por si só, justificativas de recurso a contratação a termo, por falta do requisito geral “necessidade transitória»[11]. Tal como o facto de o contrato de prestação de serviços em causa poder cessar a todo o tempo o que está em causa é o risco do próprio negócio, que corre por conta da ré no âmbito da sua relação contratual com o Município ..., inexistindo qualquer fundamento para que a ré transfira tal risco para os trabalhadores, como parece pretender ao invocar aquelas circunstância para justificar o contratação a termo.

A alegação de que os períodos de efetividade estão limitados aos períodos de efetiva duração do ano letivo, inexistindo necessidade de pessoal nos períodos não letivos para demonstrar que a atividade tem um ciclo anual de produção que apresenta irregularidades decorrentes da sua natureza estrutural, não colhe.

De facto, a propósito dos conceitos de atividade sazonal e de ciclo anual de produção a que se refere o art.º 140.º, n.º 2, al. e) do CT, acolhe-se na íntegra as considerações constantes da sentença recorrida, com suporte no Ac. da RP de 10/03/2014[12], cuja fundamentação merece a nossa concordância, no sentido de que as interrupções letivas não constituem fundamento para considerar a atividade de prestação de serviços de fornecimento de refeições num refeitório de uma escola, uma atividade sazonal ou uma atividade com um ciclo anual de produção irregular.

Mas, no caso concreto, nem sequer o serviço contratado à ré pelo Município ..., tem interrupção nos intervalos letivos, pois, o que resulta do art.º 1.º, n.º 4 do contrato e prestação de serviços é que a ré se obrigou a fornecer refeições todos os dias úteis, consoante o calendário escolar determinado pelo Ministério da Educação para cada ano letivo, e ainda nas interrupções letivas e férias escolares, nomeadamente: período de Carnaval, Páscoa, Natal e transição entre anos letivos, durante 3 anos, inexistindo, pois, fundamento para que a atividade em causa pudesse ser considerada sazonal ou correspondente a uma ciclo anual de produção com irregularidades decorrentes da natureza estrutural do mercado.

Finalmente o contrato de prestação de serviços também não pode ser considerado como uma tarefa ocasional ou como um serviço determinado precisamente definido e não duradouro.

Na verdade a al. g) do n.º 2 do art.º 140.º do CT permite a contratação a termo em dois núcleos de situações:

a) quando está em causa a execução de tarefa que não corresponde à normal atividade da empresa (tarefa ocasional);

b) quando está em causa serviço (estranho ou não à atividade da empresa) que tem uma duração transitória pré-determinada, um serviço de duração limitada[13].

A este respeito, transcreve-se o que ficou dito no Ac. STJ de 17/03/2016[14], citando Alice Pereira de Campos[15]: «Estas situações correspondem a todas aquelas em que está em causa uma actividade que não faz parte da actividade normalmente desenvolvida na empresa e que Abílio Neto definiu como trabalho eventual. Estas actividades contrapõem-se às previstas na alínea anterior, na medida em que naquelas está em causa o desenvolvimento da actividade normal da empresa, mas em quantidade anormal, enquanto nestas a própria actividade é anormal, atendendo ao tipo de trabalho habitualmente desenvolvido pelo empregador. Ali está em causa uma alteração quantitativa, aqui uma alteração qualitativa.

Conforme previsto nesta norma, uma vez que a actividade a desenvolver tem um carácter isolado, a mesma deve estar perfeitamente definida no contrato. É necessário identificar com a maior precisão possível a tarefa ou serviço que o trabalhador contratado a termo vai desenvolver na empresa, sob pena de não estar suficientemente relacionada a aposição do termo e a duração do contrato com a actividade contratada, o que levará à nulidade do termo.»

No mesmo sentido escreve Joana Nunes Vicente[16] a propósito da al. g) do n.º 2 do art.º 140,º do CT:

“Distingue-se da hipótese anterior porquanto naquela está em causa um acréscimo no desenvolvimento da atividade normal da empresa (uma alteração quantitativa), enquanto nesta é a própria atividade que reveste peculiaridades face ao trabalho habitualmente desenvolvido (uma alteração qualitativa). Atendendo a que a norma apreço alude simultaneamente a tarefa ocasional e serviço determinado, a jurisprudência tem distinguido as duas situações, identificando a primeira como um serviço que se afasta da atividade habitual da empresa, isto é, tarefas que não concorrendo diretamente para o fim da empresa, contribuem para a sua prossecução de forma acessória, sendo por isso autónomas e complementares à atividade propriamente dita; e reconduzindo o serviço determinado àquele que, integrando a atividade da empresa, está individualmente determinado. Pelas caraterísticas expostas, a tarefa ocasional será de mais fácil apreensão justamente pela autonomia e complementaridade em relação a atividade da empresa. (…). Já o serviço determinado suscita maiores dificuldades, atendendo a que integra a atividade da empresa. Contudo, julga-se, para se poder falar de um serviço determinado e não duradouro, o serviço em questão tem terá de revestir traços de autonomia em relação à atividade dita normal da empresa, pois essa é a característica chave que deve ser tida em conta na mobilização deste fundamento. Não poderá tratar-se pura e simplesmente de mais um serviço que a empresa se vincula a prestar fruto de um novo cliente que angariou e com o qual celebrou um contrato de prestação de serviço não duradouro.”

Assim, a celebração de um contrato de prestação de serviços ainda que com duração limitada, não constitui um serviço determinado precisamente definido e não duradouro se a atividade a que a empresa que contrata o trabalhador (e por referencia a esta se há-de considerar a transitoriedade) é, como acontece com a ré, uma empresa que se dedica à prestação de serviços a terceiros, que são por natureza temporários, como é o caso da ré, sem que os factos invocados permitam demonstrar a razão pela qual aquela concreta prestação de serviços se diferencia da decorrência normal da sua atividade.

Com efeito, a ré tem como objeto social a gestão de refeitórios, tendo contratado a trabalhadora para exercer funções como empregada de refeitório, no local no qual a ré se obrigou, pelo contrato de prestação de serviços que celebrou com o Município ..., ao fornecimento de refeições, pelo período de 19/12/2022 a 31/07/2025, não sendo possível, face ao teor dos contratos de trabalho sequer perceber qual o motivo pelo qual os mesmos foram celebrados, o primeiro com início em 14/09/2023 e termo em 14/06/2024 e o segundo com início em 12/09/2024 e termo em 13/06/2025.

Deixamos ainda uma nota para dizer que mal se percebe a invocação nos contratos a termo das als. e) e g) do n.º 2 do art.º 140.º do CT como motivo justificativo já que aqueles preceitos legais se referem a situações incompatíveis entre si. Com efeito, à atividade sazonal ou ciclo de produção é inerente a ideia de repetição enquanto que ao serviço determinado precisamente definido é inerente a sua limitação no tempo.

Assim, os motivos da celebração dos contratos a termo exarados no clausulado dos contratos não são subsumíveis a qualquer das situações previstas pelo art.º 140.º, n.º 1 e 2, al. e) e g) do CT, o que determina que os contratos de trabalho celebrados pela partes em 14/09/2023 e em 12/09/2024, sejam considerados contratos de trabalho sem termo conforme resulta do art.º 147.º, n.º 1, als. b) e c) do CT.


*

Erro na aplicação da norma que estabelece a proibição de sucussão de contratos de trabalho a termo (subsidiário).

Tendo o tribunal recorrido concluído que “o contrato celebrado a termo celebrado entre as partes em 12/09/2024 ocorreu em violação do disposto no artigo 143.º, n.º 1 do Código do Trabalho”, por naquela data não estar decorrido 1/3 da duração do contrato celebrado em 14/09/2023, a recorrente invocou a inaplicabilidade de tal preceito por a trabalhadora não ter sido contratada para o mesmo posto de trabalho no qual antes havia exercido funções ao abrigo de contrato a termo e porque se verifica a exceção prevista pelo n.º 2, al. c) do mesmo preceito, já que está em causa uma atividade sazonal.

Dispõe o art.º 143.º do CT [17]que:

“1 - A cessação de contrato de trabalho a termo, por motivo não imputável ao trabalhador, impede nova admissão ou afetação de trabalhador através de contrato de trabalho a termo ou de trabalho temporário cuja execução se concretize no mesmo posto de trabalho ou atividade profissional, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objeto ou atividade, celebrado com o mesmo empregador ou sociedade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns, antes de decorrido um período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato, incluindo renovações.

2 - O disposto no número anterior não é aplicável nos seguintes casos:

(…)

c) Actividade sazonal;”

Não está em causa que entre a cessação do primeiro contrato, em 14/06/2024 e a celebração do segundo, em 12/09/2024, não mediou o período de tempo necessário a que se refere o citado art.º 143.º para excluir a proibição consagrada naquela disposição legal.

A violação da proibição de contratação sucessiva estabelecida pelo n.º 1 do art.º 143.º do CT pressupõe que a contratação a termo em relação à qual se efetua essa aferição tenha sido precedida de uma outra contratação a termo para o mesmo posto de trabalho ou atividade profissional, alegando a recorrente que a trabalhadora não foi contratada para o mesmo posto de trabalho.

Ora, no caso, está demonstrado que em 14/09/2023 a ré havia celebrado com a mesma trabalhadora um contrato de trabalho a termo para o exercício das mesmas funções (empregada de refeitório), no mesmo local de trabalho (...), pelo mesmo período normal de trabalho semanal (40h semanais), inexistindo dúvidas de que o posto de trabalho considerado no segundo contrato era exatamente o mesmo, seja quanto às funções, seja quanto ao local de trabalho, seja quanto ao tempo de trabalho, nada mais havendo a considerar já que nada mais foi alegado, em concreto, pela ré que permitisse conclusão diferente.

Mas tal como explanado na sentença recorrida, só pode falar-se em sucessão de contratos de trabalho a termo relativamente a contratos que cumpram cada um as exigências formais e substantivas relativas à respetiva celebração, ou seja, a proibição da sucessão de contratos a termo só é aplicável a contratos a termos validamente celebrados enquanto tal.[18]

Como resulta do supra exposto, os contratos celebrados em 14/09/2023 e em 12/09/2024 não foram validamente celebrados a termo, tendo-se concluído que os mesmos devem ser considerados contratos de trabalho por tempo indeterminado.

Nessa medida, na situação em apreço não é aplicável o disposto pelo art.º 143.º, n.º 1 do CT.

Acresce que, sendo o efeito jurídico pretendido pelo autor o reconhecimento de que a trabalhadora se encontra vinculada à ré por contrato de trabalho sem termo, com efeitos reportados a 14/09/2023 a conclusão de que os dois contratos devem ser considerados contratos de trabalho sem termo, não determina a procedência integral do pedido.

Com efeito, não se pode ignorar que o contrato celebrado em 14/09/2023 cessou em 14/06/2024, tendo a ré comunicado à trabalhadora a respetiva caducidade. Ainda que tal comunicação, no contexto do contrato de trabalho por tempo indeterminado configure uma cessação ilícita por falta do procedimento necessário, o que é certo é que tal cessação não foi impugnada, não estando a trabalhadora já em tempo para o efeito, pelo que produziu os efeitos extintivos daquele vínculo. Por conseguinte, não existe fundamento para que se possa considerar que a trabalhadora está vinculada à ré por um único contrato de trabalho com efeito desde 14/09/2023.

Assim, importa reconhecer a existência de contrato de trabalho sem termo entre a Ré A..., Lda e a trabalhadora AA, com início em 12/09/2024. *

Importa por fim, referir que, não se verifica a nulidade da sentença com os fundamentos invocados pela recorrente, isto é a prematuridade da decisão por o tribunal não dispor ainda de todos os elementos para a decisão e falta de notificação do trabalhador.

É já evidente a improcedência do alegado quanto ao primeiro daqueles fundamentos. Na verdade, devendo a validade da estipulação do termo contratual ser, antes demais, aferida em face do teor do contrato, não sendo atendíveis outros factos para além dos ali constantes, tendo-se concluído, face ao teor da cláusula relativa ao motivo justificativo da contratação a termo, pela invalidade da estipulação do termo, considerando-se o contrato como contrato de trabalho sem termo, é manifesta a desnecessidade de prosseguimento do processo para produção de prova.

Veja-se que não está em causa a veracidade dos motivos invocados, mas apenas a apreciação da relevância dos motivos tal como invocados no contrato, independentemente de os mesmos serem ou não verdadeiros.

O prosseguimento dos autos para julgamento configuraria, em rigor, a prática e um ato inútil e, como tal, proibido por lei (art.º 130.º do CPC).

No que respeita à omissão da notificação do trabalhador também não se vislumbra motivo para concordar com a recorrente.

Dispõe o art.º 186.º-L, n.º 4 do CPT que “Os duplicados da petição inicial e da contestação são remetidos ao trabalhador simultaneamente com a notificação da data da audiência final, com a expressa advertência de que pode, no prazo de 10 dias, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulados próprio e constituir mandatário.”

No caso, tal notificação foi efetivamente omitida, o que no caso de a mesma ser devida, poderia configurar a nulidade prevista pelo art.º 195.º, n.º 1 do CPC por omissão de um ato prescrito na lei.

Contudo, tal nulidade só existiria se a omissão da notificação pudesse influir no exame ou na decisão da causa, o que do nosso ponto de vista não se verifica.

De facto, como resulta do supra exposto a nulidade da estipulação do termo foi decidida face ao teor do contrato de trabalho, não sendo atendíveis para o efeito quaisquer outros factos. Por outro lado, o trabalhador não assume a qualidade de parte no processo, nem tem qualquer controlo ou disponibilidade sobre o objeto do processo, atenta a natureza da ação de reconhecimento. Por isso, qualquer posição que o trabalhador viesse a assumir no que respeita ao articulado do Ministério Público ou em articulado próprio, seria absolutamente inócua, por não ter capacidade de influenciar os factos relevantes para a decisão que são os constantes do contrato, e, não sendo necessário o prosseguimento dos autos para julgamento, seria inoportuna a indicação de meios de prova.

Consequentemente, a omissão não tem qualquer influência na decisão da causa, não configurando uma nulidade para os efeitos previstos pelo art.º 195.º, n.º 1 do CPC, não constituindo fundamento para a nulidade da sentença.

Improcede, pois, este fundamento do recurso.

Consequentemente o recurso é de considerar apenas parcialmente procedente.


*

As custas nas duas instâncias são da responsabilidade da recorrente na proporção de ½, não se condenando o autor em custas atenta a isenção legal de que beneficia nos do art.º 4.º, n.º 1, al. a) do Regulamento das Custas Processuais, sem prejuízo do disposto pelo art.º 26.º, n.º 6 do mesmo Regulamento.

*

Decisão

Por todo o exposto acorda-se julgar o recurso parcialmente procedente revogando-se, em parte, a sentença recorrida, reconhecendo-se a existência de contrato de trabalho sem termo entre a Ré A..., Lda e a trabalhadora AA, com início em 12/09/2024.

Custas nos termos definidos supra.


*
Porto, 16/06/2025
Maria Luzia Carvalho
Rui Penha)
Teresa Sá Lopes

(assinaturas eletrónicas nos termos dos arts. 132º, n.º 2, 153.º, n.º 1, ambos do CPC e do art.º 19º da Portaria n.º 280/2013 de 26/08)
_________________
[1] A propósito do alargamento da ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho às situações previstas pelo art.º 147.º, n.º 1 e 2 do CT, veja-se o Ac. RL de 19/06/2024, processo nº 718/24.2T8LSB.L1-4, acessível em www.dgsi.pt.
[2] https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20160085.html.
[3] https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150094.html.
[4] https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150204.html
[5] Processo n.º 1992/15.0T8FNC.L1-a, acessível em www.dgsi.pt.
[6] Processo n.º 842/10.9TBPNF.P2.S1, acessível em www.dsi.pt.
[7] Joana Nunes Vicente, in Direito do Trabalho, Relação Individual, 2.ª Edição Revista e Atualizada, pág. 549/550.
[8] A propósito dos requisitos da justificação do termo contratual, veja-se, entre outros os Acs. RP de 04/04/2022, processo nº 4061/20.8T8MTS.P1 e de 05/06/2023, processo n.º 6083/21.2T8PRT.P1, acessíveis em www.dgsi.pt.
[9] Direito do Trabalho», 16.ª Edição, Almedina, págs. 267 e 268. No mesmo sentido, Abílio Neto, Código do Trabalho, em anotação ao artigo 140º.
[10] Entre outros, vd. Ac. RP de 19/12/2023, processo n.º 296/23.0T8MAI.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[11] Vd. Ac. RG de 28/05/2015, processo n.º 337/12.6TTVCT.G1, Ac. RC 14/10/2022, Processo n.º 2564/1.6T8LRA.C1, acessíveis em www.dgsi.pt
[12] Processo n.º 882/12.3TTPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[13] A este propósito veja-se Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, pág. 629, Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, Relações Individuais de Trabalho, 2007, Coimbra Editora, pág. 596 e Jorge Leite, Contrato de trabalho a prazo: direito português e direito comunitário, questões laborais, Ano XIII, 2006, pág. 12.
[14] Processo n.º 2695/13.6TTLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[15] Contrato de Trabalho a Termo, Universidade Católica, 2013, pág. 79.
[16] Direito do Trabalho, Relação Individual, 2.ª Edição Revista e Atualizada, págs. 554 e 555.
[17] A proibição consagrada por esta disposição legal tem origem na Diretiva 1999/CE, de 28/06/1999.
[18] PEDRO ROMANO MARTINEZ e outros, Editora Almedina, 13.ª edição, página 375. Na jurisprudência vd. Ac. RP de 13/01/2014, processo n.º 254/12.0TTGDM.P1, acessível em www.dgsi.pt.