Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | PAULO COSTA | ||
| Descritores: | EXCEÇÃO DE CASO JULGADO NE BIS IN IDEM | ||
| Nº do Documento: | RP2025112630/12.0IDPRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/26/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
| Decisão: | PROVIDO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Mesmo que se invoque um dolo ou resolução criminosa única (como fez o Tribunal A Quo), esta poderá não abranger faturas emitidas e utilizadas num momento posterior aos factos apreciados e inseridos no objeto do processo anterior. II - Não se verifica a exceção do caso julgado pelo menos no momento atual. III - Haverá que apurar se, o acontecimento histórico concreto (o facto) é efetivamente distinto, pois tal como está a pronúncia: 1. Os factos envolvem diferentes destinatários da fraude (beneficiários das deduções fiscais). 2. Os factos envolvem acordos criminosos distintos (haverá que apurar se tais acordos estão abrangidos pelo dolo inicial) e a concretização de vantagens patrimoniais ilegítimas separáveis. 3. Existe uma clara dissonância temporal quanto à emissão e utilização de faturas, com factos imputados nos presentes autos que ocorreram após a cessação temporal do objeto do processo anterior (até Maio de 2008 versus Outubro de 2007). IV - Para que o caso julgado se aplicasse no momento, seria necessária uma identidade completa do objeto do processo, entendido como o conjunto de factos concretos que constituem a pretensão punitiva. No momento não se preenche a identidade fáctica exigida pelo princípio ne bis in idem. (Sumário da responsabilidade do Relator) | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo n º 30/12.0IDPRT.P1 Acórdão, julgado em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto: I-Relatório. O M.P. se conformando com o despacho de declaração de caso julgado proferido no Tribunal Judicial da Comarca de Porto – Juízo Local Criminal da Maia - Juiz 2, que nos autos à margem referenciados decidiu: “O arguido AA veio invocar a excepção do caso julgado, aduzindo, em síntese, ter sido já julgado pela prática do imputado crime de fraude fiscal no âmbito do processo comum colectivo .... Foram juntas as pertinentes certidões, extraídas do processo comum colectivo ... do Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira, J2 e do processo comum singular ... do Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira, J2. O Ministério Público pugnou pela improcedência da questão suscitada, alegando que, na matéria de facto em causa nos presentes autos, os destinatários/beneficiários da ao arguido imputada da emissão de facturas falsas, são diversos daqueles que estavam em causa na questão de facto julgada no âmbito do primeiro dos sobreditos processos. Notificados os demais intervenientes processuais, silenciaram. Segundo o princípio ne bis in idem, consagrado no art. 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa, ninguém pode ser condenado duas vezes pelo mesmo facto. Com tal princípio estruturante do Direito Processual Penal quer-se evitar a repetição de processos e, mais importante, a dupla responsabilização do arguido pelos mesmos factos. Corolário daquele princípio é, pois, a excepção dilatória de caso julgado, entendido como a insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, mediante recurso ordinário ou reclamação (art. 628º do Código de Processo Civil). O caso julgado é um efeito processual da sentença transitada em julgado, que por elementares razões de segurança jurídica, impede que o que nela se decidiu seja atacado dentro do mesmo processo (caso julgado formal) ou noutro processo (caso julgado material). Transcendendo a sua dimensão processual, a proibição do duplo julgamento pelos mesmos factos faz que o conjunto das garantias básicas que rodeiam a pessoa ao longo do processo penal se complemente com o princípio ne bis in idem, segundo o qual o Estado não pode submeter a um processo um acusado duas vezes pelo mesmo facto, seja de forma simultânea ou sucessiva. Esta garantia visa limitar o poder de perseguição e de julgamento, autolimitando-se o Estado e proibindo-se o legislador e demais poderes estaduais à perseguição penal múltipla e, consequentemente, que exista um julgamento plural. Caso julgado em substância significa decisão imutável e irrevogável; imutabilidade do mandado que nasce da sentença. Aproximamo-nos assim à lapidar definição romana da jurisdição: quae finem controversiarum pronuntiatione iudicis accipit (que impõe o fim das controvérsias com o pronunciamento do juiz), cr. Acórdão da Relação de Lisboa de 13-04-2011.03.13, processo nº 250/06.6PCLRS.L1-3, in www.dgsi.pt. A jurisprudência tem vindo a secundar a concretização do que se possa entender pelo alcance do caso julgado. Assim, a força de caso julgado pode ser de natureza formal ou intraprocessual, quando só é vinculativo no processo em que a decisão for proferida; e de natureza material quando for susceptível de ser eficaz em processo distinto daquele em que foi proferida a decisão transitada. A distinção entre caso julgado formal e material reconduz-se ao seguinte: o caso julgado formal traduz a força obrigatória dentro do processo, enquanto o caso julgado material (que pressupõe o formal) consiste na força obrigatória dentro do processo e fora dele, nesse sentido, vide o Acórdão da Relação de Lisboa, de 1994.03.10, in www.dgsi.pt. Neste conspecto, o caso julgado incidirá, prima facie, sobre a decisão final, mas não é apenas esta que adquire, autonomamente, o valor de caso julgado; igualmente adquire tal valor a decisão relativa a certos fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão final. Para que a excepção funcione e produza o seu efeito impeditivo característico, a imputação tem que ser idêntica, e a imputação é idêntica quando tem por objecto o mesmo comportamento atribuído à mesma pessoa (identidade de objecto - eadem res). Trata-se da identidade fáctica, independentemente da qualificação legal (nomen iuris) atribuída. Para que proceda a excepção de caso julgado requer-se que o crime e a pessoa do acusado sejam idênticos aos que foram matéria da instrução anterior à que se pôs termo no mérito de uma resolução executória. A identidade da pessoa refere-se só à do processado e não à parte acusadora para que proceda a excepção de caso julgado. O ne bis in idem, como exigência da liberdade do indivíduo, o que impede é que os mesmos factos sejam julgados repetidamente, sendo indiferente que estes possam ser contemplados de distintos ângulos penais, formal e tecnicamente diversos. Para a identificação de facto tem que tomar-se em linha de conta v.g. os critérios jurídicos de "objecto normativo" e "identidade ou diversidade do bem jurídico lesionado". A identidade do facto mantém-se ainda quando seja pelos mesmos elementos valorados no primeiro julgamento ou pela superveniência de novos elementos ou de novas provas deva considerar-se em forma diferente em razão do título, do grau ou das circunstâncias. O título refere-se à definição jurídica do facto, ao momen iuris do crime. A mutação do título sem uma correspondente mutação de facto não vale para consentir uma nova acção penal. Em conclusão, para estabelecer a identidade fáctica para efeito de aplicar a excepção de caso julgado, não interessa que os mesmos factos tenham sido qualificados ou subsumidos a distintos tipos penais, nem importa tão pouco o grau de participação imputado ao sujeito. Um terceiro requisito de procedibilidade, que tem relação estreita com a natureza do caso julgado, respeita a que o primeiro processo tenha sido findo totalmente e que não seja susceptível de meio impugnatório algum, para que justamente se possa reclamar os efeitos de inalterabilidade que acompanha as decisões jurisdicionais que passam à autoridade de caso julgado, cfr. se discorreu no Acórdão da Relação de Lisboa, de 2011.04.13, acima citado. É o seguinte o âmbito factual objectivo nos presentes autos imputado (em sede de despacho de pronúncia) ao arguido ora requerente: “(…) Em data não concretamente apurada, mas que situa entre Janeiro de 2007 e Maio de 2008, o arguido BB, em nome da sociedade arguida de que à data era legal representante, e o arguido AA acordaram que o segundo emitiria as facturas abaixo descritas, fazendo constar das mesmas vendas de sucata e de lingotes inexistentes e que ambos sabiam não corresponder à verdade, as quais iriam ser depois integradas pelo arguido BB na contabilidade da sociedade arguida, de forma a reduzir os montantes de IVA e de IRC que esta tinha que entregar nos Cofres do Estado. 13 - No desenvolvimento desse plano, o arguido AA, tal como se tratassem de verdadeiras, isto é, correspondendo a transacções efectuadas à sociedade arguida, preencheu e assinou as seguintes facturas: I - factura nº ..., datada de 19/01/2007, no valor total de € 80.731,20, sendo o valor líquido de € 66.720,00 e o IVA de € 14.011,20, referente a alegada venda de 22.240 kg de “lingote latão”; II - factura nº ..., datada de 23/01/2008, no valor total de € 39.058,80, sendo o valor líquido de € 32.280,00 e o IVA de € 6.778,80, referente a alegada venda de 10.760 kg de “lingote latão”; III - factura nº ..., datada de 26/01/2007, no valor total de € 70.734,18, sendo o valor líquido de € 58.458,00 e o IVA de € 12.276,18, referente a alegada venda de 19.486 kg de “lingote latão”; IV - factura nº ..., datada de 12/02/2007, no valor total de € 57.971,10, sendo o valor líquido de € 47.910,00 e o IVA de € 10.061,10, referente a alegada venda de 15.970 kg de “lingote latão”; V - factura nº ..., datada de 14/02/2007, no valor total de € 8.557,12, sendo o valor líquido de € 7.072,00 e o IVA de € 1.485,12, referente a alegada venda de 4.420 kg de “lingote alumínio”; VI - factura nº ..., datada de 21/02/2007, no valor total de € 28.568,10, sendo o valor líquido de € 23.610,00 e o IVA de € 4.958,10, referente a alegada venda de 7.870 kg de “lingote latão”; VII - factura nº ..., datada de 23/02/2007, no valor total de € 31.435,80, sendo o valor líquido de € 25.980,00 e o IVA de € 5.455,80, referente a alegada venda de 8.660 kg de “lingote latão”; VIII - factura nº ..., datada de 26/02/2007, no valor total de € 57.810,00, sendo o valor líquido de € 57.810,00, referente a alegada venda de 14.100 kg de “sucata de cobre”; IX - factura nº ..., datada de 08/03/2007, no valor total de € 73.738,01, sendo o valor líquido de € 60.940,50 e o IVA de € 12.797,51, referente a alegada venda de 9.770 kg de “lingote latão” e de 8.950 kg de “latão”; X - factura nº ..., datada de 15/03/2007, no valor total de € 27.588,00, sendo o valor líquido de € 22.800,00 e o IVA de € 4.788,00, referente a alegada venda de 14.250 kg de “lingote alumínio”; XI - factura nº ..., datada de 16/03/2007, no valor total de € 77.490,00, sendo o valor líquido de € 77.490,00, referente a alegada venda de 18.900 kg de cobre; XII - factura nº ..., datada de 19/03/2007, no valor total de € 92.848,14, sendo o valor líquido de € 76.734,00 e o IVA de € 16.114,14, referente a alegada venda de 24.360 kg de “lingote latão”; XIII - factura nº ..., datada de 21/03/2007, no valor total de € 75.162,78, sendo o valor líquido de € 62.118,00 e o IVA de € 13.044,78, referente a alegada venda de 19.720 kg de “lingote latão”; XIV - factura nº ..., datada de 29/03/2007, no valor total de € 22.322,08, sendo o valor líquido de € 18.448,00 e o IVA de € 3.874,08, referente a alegada venda de 11.530 kg de “lingote alumínio”; XV - factura nº ..., datada de 02/04/2007, no valor total de € 75.618,35, sendo o valor líquido de € 62.494,50 e o IVA de € 13.123,85, referente a alegada venda de 20.490 kg de “lingote”; XVI - factura nº ..., datada de 03/04/2007, no valor total de € 72.243,66, sendo o valor líquido de € 59.705,50 e o IVA de € 12.538,16, referente a alegada venda de 10.070 kg de lingote e de 9.060 kg de “lingote latão”; XVII - factura nº ..., datada de 05/04/2007, no valor total de € 77.014,08, sendo o valor líquido de € 63.648,00 e IVA de € 13.366,08, referente a alegada venda de 19.890 kg de “lingote latão”; XVIII - factura nº ..., datada de 27/04/2007, no valor total de € 52.774,15, sendo o valor líquido de € 43.615,00 e o IVA de € 9.159,15, referente a alegada venda de 13.420 kg de “lingote latão”; XIX - factura nº ..., datada de 09/05/2007, no valor total de € 101.419,18, sendo o valor líquido de € 83.817,50 e o IVA de € 17.601,68, referente a alegada venda de 25.790 kg de “lingote latão”; XX - factura nº ..., datada de 14/05/2007, no valor total de € 65.358,15, sendo o valor líquido de € 54.015,00 e o IVA de € 11.343,15, referente a alegada venda de 16.620 kg de “lingote latão”; XXI - factura nº ..., datada de 17/05/2007, no valor total de € 68.543,48, sendo o valor líquido de € 56.647,50 e IVA de € 11.895,98, referente a alegada venda de 17.430 kg de “lingote latão”; XXIII - factura nº ..., datada de 21/05/2007, no valor total de € 115.381,73, sendo o valor líquido de € 95.356,80 e o IVA de € 20.024,93, referente a alegada venda de 27.090 kg de “lingote latão”; XXIV- factura nº ..., datada de 28/05/2007, no valor total de € 110.781,79, sendo o valor líquido de € 91.555,20 e o IVA de € 19.226,59, referente a alegada venda de 26.010 kg de “lingote latão”; XXV - factura nº ..., datada de 14/06/2007, no valor total de € 65.594,10, sendo o valor líquido de € 54.210,00 e IVA de € 11.384,10 referente a alegada venda de 16.680 kg de “lingote zinco”; XXVI - factura nº ..., datada de 15/06/2007, no valor total de € 51.977,97, sendo o valor líquido de € 42.957,00 e o IVA de € 9.020,97, referente a alegada venda de 9.440 kg de “lingote alumínio” e 7.580 kg de “lingote latão”; XXVII - factura nº ..., datada de 19/06/2007, no valor total de € 72.512,88, sendo o valor líquido de € 59.928,00 e o IVA de € 12.584,88, referente a alegada venda de 14.190 kg de “lingote latão” e 7.370 kg de “lingote chumbo”; XXVIII - factura nº ..., datada de 20/06/2007, no valor total de € 67.256,64, sendo o valor líquido de € 55.584,00 e o IVA de € 11.672,64, referente a alegada venda de 15.440 kg de “lingote latão”; XXIX - factura nº ..., datada de 06/07/2007, no valor total de € 19.210,57, sendo o valor líquido de € 15.876,50 e IVA de € 3.334,07, referente a alegada venda de 4.440 kg de “lingote alumínio” e 3.190kg de “lingote zinco”; XXX - factura nº ..., datada de 13/07/2007, no valor total de € 56.923,24, sendo o valor líquido de € 47.044,00 e o IVA de € 9.879,24, referente a alegada venda de 12.380 kg de “lingote latão”; XXXI - factura nº ..., datada de 03/08/2007, no valor total de € 51.336,07, sendo o valor líquido de € 42.426,50 e o IVA de € 8.909,57, referente a alegada venda de 16.010 kg de “lingote zinco”; XXXIII - factura nº ..., datada de 06/08/2007, no valor total de € 65.252,88, sendo o valor líquido de € 53.928,00 e o IVA de € 11.324,88, referente a alegada venda de 14.980 kg de “lingote latão”; XXXIV - factura nº ..., datada de 03/09/2007, no valor total de € 58.501,08, sendo o valor líquido de € 48.348,00 e o IVA de € 10.153,08, referente a alegada venda de 13.430 kg de “lingote latão”; XXXV - factura nº ..., datada de 04/09/2007, no valor total de € 50.502,38, sendo o valor líquido de € 41.737,50 e o IVA de € 8.764,88, referente a alegada venda de 15.750 kg de “lingote zinco”; XXXVI - factura nº ..., datada de 14/09/2007, no valor total de € 4.066,00, referente a alegada venda de 2.140 kg de “zinco”; XXXV - factura nº ..., datada de 24/09/2007, no valor total de € 43.060,50, sendo o valor líquido de € 43.060,50, referente a alegada venda de 13.670 kg de latão; XXXVI - factura nº ..., datada de 27/09/2007, no valor total de € 73.983,00, sendo o valor líquido de € 73.983,00, referente a alegada venda de 16.260 kg de cobre; XXXVII - factura nº ..., datada de 27/09/2007, no valor total de € 79.322,76, sendo o valor líquido de € 65.556,00 e o IVA de € 13.766,76, referente a alegada venda de 18.210 kg de “lingote latão”; XXXVIII - factura nº ..., datada de 01/10/2007, no valor total de € 76.404,24, sendo o valor líquido de € 63.144,00 e o IVA de € 13.260,24, referente a alegada venda de 17.540 kg de “lingote latão”; XXXIX - factura nº ..., datada de 04/10/2007, no valor total de € 35.10936, sendo o valor líquido de € 29.016,00 e IVA de € 6.093,36, referente a alegada venda de 12.090 kg de “lingote zinco”; XL - factura nº ..., datada de 09/10/2007, no valor total de € 48.656,52, sendo o valor líquido de € 40.212,00 e o IVA de € 8.444,52, referente a alegada venda de 11.170 kg de “lingote latão”; XLI - factura nº ..., datada de 16/10/2007, no valor total de € 57.107,16, sendo o valor líquido de € 47.196,00 e IVA de € 9.911,16, referente a alegada venda de 13.110 kg de “ lingote latão”; XLII - factura nº ..., datada de 18/10/2007, no valor total de € 52.620,48, sendo o valor líquido de € 43.488,00 e o IVA de € 9.132,48, referente a alegada venda de 12.080 kg de “lingote latão”; XLIII - factura nº ..., datada de 08/11/2007, no valor total de € 79.601,06, sendo o valor líquido de € 65.786,00 e o IVA de € 13.815,06, referente a alegada venda de 17.780 kg de “lingote latão”; XLIV - factura nº ..., datada de 16/11/2007, no valor total de € 70.870,91, sendo o valor líquido de € 58.571,00 e IVA de € 12.299,91, referente a alegada venda de 15.830 kg de “lingote alumínio”; XLV - factura nº ..., datada de 20/11/2007, no valor total de € 62.321,00, sendo o valor líquido de € 62.321,00, referente a alegada venda de 21.490 kg de latão velho; XLVI - factura nº ..., datada de 26/11/2007, no valor total de € 73.422,80, sendo o valor líquido de € 60.680,00 e IVA de € 12.742,80, referente a alegada venda de 16.400 kg de “lingote latão”; XLVII - factura nº ..., datada de 17/01/2008, no valor total de € 69.165,00, referente a alegada venda de 15.370 kg de cobre, novo; XLVIII - factura nº ..., datada de 15/02/2008, no valor total de € 85.494,50, referente a alegada venda de 18.790 kg de cobre; XLIX - factura nº ..., datada de 12/03/2008, no valor total de € 93.058,00, referente a alegada venda de 20.230 kg de cobre; L - factura nº ..., datada de 09/04/2008, no valor total de € 80.616,25, sendo o valor líquido de € 66.625,00 e o IVA de € 13.991,25, referente a alegada venda de 20.500 kg de latão, lingote; LI - factura nº ..., datada de 08/05/2008, no valor total de € 31.279,00, referente a alegada venda de 10.900 kg de latão; e LII - factura nº ..., datada de 13/05/2008, no valor total de € 71.354,91, sendo o valor líquido de € 58.971,00 e o IVA de € 12.383,91, referente a alegada venda de 17.870 kg de latão, lingote. Facturas estas que não correspondiam a qualquer real transacção, documentos que foram relevados na contabilidade da sociedade arguida. Importa atentar no teor da certidão extraída dos autos nº ..., da qual decorre que, por acórdão proferido no dia 30 de novembro de 2016 e confirmado pelo Tribunal da Relação do Porto e transitado em julgado no dia 22 de janeiro de 2019, o arguido AA foi condenado, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificado, previsto e punido pelo art. 103º, nº 1, alíneas a) e c) e 104º, nºs. 1 e 2 do RGIT, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de cinco anos, sob condição de pagar os montantes correspondentes ao prejuízo patrimonial causado ao Estado através da sua actuação como empresário em nome individual, solidariamente com os demais arguidos utilizadores de facturação falsa emitida por este. Da fundamentação de facto da aludida decisão condenatória, consta, além do mais, que (cfr. factualidade dada como provada): “(…) 15º Mas também necessitavam de angariar uma teia de fornecedores virtuais, distanciados do grupo e das suas empresas. 16º E contaram efectivamente com a comparticipação de inúmeros indivíduos exteriores ao grupo que individualmente ou ligados a estruturas empresariais que aparentavam uma actividade comercial, eram na sua maioria “meros difusores de facturas” e de outros documentos de suporte de vendas que vieram a ser registadas na contabilidade das empresas dos “A...”, entre outros sujeitos passivos. (…) 20º Quanto aos demais arguidos que operavam fora desse grupo familiar, eram também conhecedores do negócio de compra e venda de sucatas e da proliferação dos esquemas de “venda de facturas e de simulação de transacções comerciais” nessa área de negócio. Foram um elo fundamental num esquema de simulação de transacções comerciais, com o objectivo de alcançarem para si compensações monetárias (comissões) e para os “A...”, créditos de imposto sobre o Estado, “obrigado” por força dos pressupostos de tributação do I.V.A. ao seu reembolso e consequente nulo ou menor pagamento em IRC. 21º Tinham perfeito conhecimento dos contornos e objectivos daqueles que lhes solicitavam a emissão de facturas, a cujo plano aderiram, aceitando fazer parte e, desta forma, executar todas as instruções que lhes fossem dadas, directa ou indirectamente pelos “A...”, recebendo em troca desta adesão quantias monetárias de montante que nem sempre foi possível determinar. 22º Comparticiparam na emissão dessas facturas falsas, por si ou através das empresas que criaram para o efeito, CC, DD, AA, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO e PP. Imputando-se ao arguido AA a emissão das seguintes facturas que não correspondiam a qualquer real transacção: n.ºs 24 de 9-Jun-05; 27 de 14-Jun-05; 29 de 16-Jun-05; 32 de 23-Jun-05; 39 de 12-Jul-05; 45 de 20-Jul-05; 46 de 20-Jul-05; 47 de 20-Jul-05; 50 de 21-Jul-05; 53 de 28-Jul-05; 54 de 28-Jul-05; 66 de 8-Set-05; 73 de 14-Set-05; 77 de 15-Set-05; 79 de 16-Set-05; 81 de 19-Set-05; 82 de 19-Set-05; 83 de 20-Set-05; 105 de 14-Out-05; 110 de 24-Out-05; 116 de 27-Out-05; 117 de 27-Out-05; 119 de 28-Out-05; 122 de 29-Out-05; 124 de 3-Nov-05; 125 de 4-Nov-05; 127 de 7-Nov-05; 128 de 8-Nov-05; 130 de 9-Nov-05; 131 de 9-Nov-05; 132 de 10-Nov-05; 138 de 18-Nov-05; 139 de 21-Nov-05; 141 de 22-Nov-05; 142 de 23-Nov-05; 143 de 24-Nov-05; 148 de 28-Nov-05; 149 de 28-Nov-05; 150 de 28-Nov-05; 151 de 29-Nov-05; 154 de 30-Nov-05; 155 de 30-Nov-05; 156 de 2-Dez-05; 158 de 2-Dez-05; 159 de 2-Dez-05; 160 de 5-Dez-05; 162 de 6-Dez-05; 163 de 6-Dez-05; 165 de 7-Dez-05; 166 de 7-Dez-05; 167 de 7-Dez-05; 168 de 9-Dez-05; 169 de 9-Dez-05; 171 de 13-Dez-05; 172 de 13-Dez-05; 173 de 14-Dez-05; 174 de 14-Dez-05; 175 de 14-Dez-05; 176 de 15-Dez-05; 177 de 15-Dez-05; 178 de 15-Dez-05; 181 de 16-Dez-05; 183 de 16-Dez-05; 188 de 20-Dez-05; 189 de 21-Dez-05; 190 de 21-Dez-05; 191 de 21-Dez-05; 192 de 22-Dez-05; 195 de 23-Dez-05; 197 de 26-Dez-05; 199 de 26-Dez-05; 201 de 27-Dez-05; 202 de 27-Dez-05; 203 de 27-Dez-05; 206 de 28-Dez-05; 209 de 29-12-2005; 210 de 30-12-2005; 213 de 2-Jan-06; 217 de 3-Jan-06; 218 de 04-01-2006; 223 de 4-Jan-06; 224 de 5-Jan-06; 225 de 5-Jan-06; 226 de 5-Jan-06; 227 de 06-01-2006; 228 de 6-Jan-06; 234 de 10-01-2006; 237 de 11-Jan-06; 241 de 12-Jan-06; 245 de 13-01-2006; 248 de 17-01-2006; 257 de 23-01-2006; 259 de 24-Jan-06; 261 de 24-Jan-06; 263 de 25-01-2006; 264 de 25-01-2006; 266 de 26-01-2006; 267 de 26-01-2006; 269 de 27-01-2006; 270 de 27-Jan-06; 272 de 30-01-2006; 273 de 30-01-2006; 274 de 31-01-2006; 275 de 31-Jan-06; 277 de 1-Fev-06; 280 de 2-Jan-06; 286 de 7-Fev-06; 290 de 8-Fev-06; 291 de 9-Fev-06; 296 de 13-Fev-06; 300 de 14-Fev-06; 302 de 15-Fev-06; 304 de 16-Fev-06; 306 de 17-Fev-06; 307 de 20-Fev-06; 310 de 21-Fev-06; 312 de 22-Fev-06; 315 de 23-Fev-06; 322 de 2-Mar-06; 323 de 2-Mar-06; 327 de 6-Mar-06; 329 de 7-Mar-06; 333 de 9-Mar-06; 337 de 10-Mar-06; 341 de 13-Mar-06; 342 de 14-03-2006; 343 de 15-Mar-06; 344 de 15-Mar-06; 345 de 15-Mar-06; 356 de 21-Mar-06; 357 de 21-Mar-06; 359 de 22-Mar-06; 360 de 23-Mar-06; 361 de 24-Mar-06; 364 de 27-Mar-06; 368 29-03-2006; 369 de 29-Mar-06; 371 de 30-Mar-06; 373 de 30-Mar-06; 375 de 31-Mar-06; 376 de 3-Abr-06; 378 de 3-Abr-06; 382 de 5-Abr-06; 386 de 6-Abr-06; 392 de 10-Abr-06; 395 de 11-Abr-06; 398 de 12-Abr-06; 400 de 13-Abr-06; 404 de 19-Abr-06; 405 de 19-Abr-06; 410 de 20-Abr-06; 411 de 21-Abr-06; 412 de 21-Abr-06; 413 de 21-Abr-06; 414 de 26-Abr-06; 416 de 27-Abr-06; 419 de 2-Mai-06; 422 de 03-05-2006; 423 de 03-05-2006; 429 de 5-Mai-06; 431 de 8-Mai-06; 436 de 10-Mai-06; 442 de 12-Mai-06; 450 de 17-Mai-06; 451 de 17-Mai-06; 453 de 18-Mai-06; 433 de 8-Mai-06; 454 de 18-Mai-06; 458 de 22-Mai-06; 461 de 24-Mai-06; 463 de 24-Mai-06; 466 de 25-Mai-06; 467 de 25-Mai-06; 468 de 26-Mai-06; 470 de 26-Mai-06; 472 29-Mai-06; 473 de 29-Mai-06; 475 de 30-05-2006; 477 de 31-Mai-06; 479 de 1-Jun-06; 481 de 2-Jun-06; 483 de 5-Jun-06; 485 de 5-Jun-06; 487 de 7-Jun-06; 489 de 7-Jun-06; 491 de 8-Jun-06; 492 8-Jun-06; 494 de 9-Jun-06; 498 de 12-Jun-06; 499 de 13-Jun-06; 502 de 13-06-2006; 503 de 14-06-2006; 505 de 20-06-2006; 507 de 21-06-2006; 510 de 22-Jun-06; 513 de 23-06-2006; 514 de 23-06-2006; 515 de 26-06-2006; 519 de 27-06-2006; 521 de 28-06-2006; 523 de 29-06-2006; 526 de 30-Jun-06; 528 de 3-Jul-06; 529 de 3-Jul-06; 531 de 4-Jul-06; 532 de 4-Jul-06; 534 de 5-Jul-06; 535 de 6-Jul-06; 537 de 7-Jul-06; 539 de 10-Jul-06; 541 de 10-Jul-06; 543 de 11-Jul-06; 544 de 12-Jul-06; 545 de 12-07-2006; 546 de 13-Jul-06; 548 de 13-Jul-06; 550 de 14-Jul-06; 552 de 17-Jul-06; 553 de 17-Jul-06; 563 de 21-Jul-06; 573 de 27-Jul-06; 572 27-Jul-06; 567 de 24-Jul-06; 577 de 31-Jul-06; 62 de 21-Jul-06; 569 de 26-Jul-06; 559 de 19-Jul-06; 558 de 19-Jul-06; 556 de 18-Jul-06; 593 de 4-Set-06; 595 6-Set-06; 596 de 6-Set-06; 597 de 9-Set-06; 601 de 12-Set-06; 603 de 13-Set-06; 605 de 14-Set-06; 607 de 15-Set-06; 610 de 19-Set-06; 614 de 20-Set-06; 616 de 21-Set-06; 618 de 22-Set-06; 619 de 22-Set-06; 624 de 25-Set-06; 626 de 26-Set-06; 634 de 29-Set-06; 640 de 2-Out-06; 642 de 3-Out-06; 648 de 10-Out-06; 651 de 12-Out-06; 653 de 13-Out-06; 654 de 13-Out-06; 656 de 14-Out-06; 658 de 16-Out-06; 659 de 16-Out-06; 660 de 17-Out-06; 665 de 20-Out-06; 666 de 20-Out-06; 670 de 24-Out-06; 675 de 26-Out-06; 683 de 30-Out-06; 686 de 3-Nov-06; 688 de 6-Nov-06; 690 de 7-Nov-06; 692 de 8-Nov-06; 694 de 9-Nov-06; 695 de 9-Nov-06; 699 de 10-Nov-06; 712 de 21-Nov-06; 719 de 28-Nov-06; 721 de 29-Nov-06; 724 de 30-Nov-06; 717 de 24-Nov-06; 725 de 2-Dez-06; 727 de 4-Dez- 06; 729 de 5-Dez-06; 731 de 6-Dez-06; 733 de 7-Dez-06; 737 de 12-Dez-06; 738 de 13-Dez-06; 745 de 18-Dez-06; 748 de 19-Dez-06; 750 de 20-Dez-06; 760 de 29-Dez-06; 762 de 02-01-2007; 764 de 03-01-2007; 766 de 04-01-2007; 768 de 05-01-2007; 770 de 05-01-2007; 773 de 08-01-2007; 774 de 08-01-2007; 777 de 09-01-2007; 778 de 09-01-2007; 782 de 10-01-2007; 784 de 11-01-2007; 789 de 15-01-2007; 796 de 17-01-2007; 797 de 18-01-2007; 798 de 18-01-2007; 2 de 19-01-2007; 4 de 22-01-2007; 8 de 23-01-2007; 10 de 24-01-2007; 17 de 29-01-2007; 20 de 31-01-2007; 22 de 31-01-2007; 23 de 01-02-2007; 25 de 02-02-2007; 27 de 02-02-2007; 31 de 05-02-2007; 33 de 06-02-2007; 35 de 08-02-2007; 37 de 08-02-2007; 39 de 09-02-2007; 41 de 12-02-2007; 801 de 12-02-2007; 44 de 13-02-2007; 49 de 14-02-2007; 51 de 15-02-2007; 52 de 16-02-2007; 54 de 19-02-2007; 55 de 19-02-2007; 803 de 21-02-2007; 804 de 22-02-2007; 61 de 23-02-2007; 65 de 26-02-2007; 70 de 27-02-2007; 71 de 27-02-2007; 74 de 28-02-2007; 78 de 02-03-2007; 79 de 02-03-2007; 82 de 05-03-2007; 84 de 05-03-2007; 87 de 06-03-2007; 90 de 07-03-2007; 94 de 08-03-2007; 97 de 09-03-2007; 101 de 12-03-2007; 102 de 13-03-2007; 104 de 14-03-2007; 105 de 14-03-2007; 110 de 16-03-2007; 112 de 19-03-2007; 114 de 19-03-2007; 115 de 20-03-2007; 116 de 20-03-2007; 117 de 20-03-2007; 120 de 21-03-2007; 122 de 22-03-2007; 123 de 22-03-2007; 125 de 23-03-2007; 128 de 26-03-2007; 134 de 28-03-2007; 141 de 30-03-2007; 142 de 30-03-2007; 143 de 02-04-2007; 147 de 03-04-2007; 150 de 04-04-2007; 152 de 05-04-2007; 154 de 10-04-2007; 159 de 11-04-2007; 161 de 12-04-2007; 165 de 13-04-2007; 166 de 13-04-2007; 170 de 16-04-2007; 175 de 18-04-2007; 178 de 19-04-2007; 181 de 20-04-2007; 184 de 23-04-2007; 185 de 23-04-2007; 186 de 24-04-2007; 192 de 26-04-2007; 194 de 27-04-2007; 195 de 30-04-2007;196 de 30-04-2007; 807 de 16-04-2007; 808 de 19-04-2007; 814 de 30-04-2007; 198 de 02-05-2007; 200 de 02-05-2007; 202 de 03-05-2007; 203 de 03-05-2007; 816 de 03-05-2007; 204 de 04-05-2007; 206 de 04-05-2007; 207 de 04-05-2007; 210 de 07-05-2007; 212 de 07-05-2007; 215 de 08-05-2007; 219 de 09-05-2007; 220 de 09-05-2007; 221 de 10-05-2007; 223 de 10-05-2007; 226 de 11-05-2007; 228 de 11-05-2007; 230 de 11-05-2007; 232 de 14-05-2007; 234 de 15-05-2007; 235 de 15-05-2007; 237 de 16-05-2007; 244 de 17-05-2007; 245 de 18-05-2007; 247 de 18-05-2007, 249 de 21-05-2007; 253 de 22-05-2007; 255 de 22-05-2007; 258 de 24-05-2007; 261 de 25-05-2007; 264 de 28-05-2007; 276 de 01-06-2007; 279 de 04-06-2007; 280 de 04-06-2007; 283 de 05-06-2007; 819 de 05-06-2007; 820 de 06-06-2007; 823 de 06-06-2007; 285 de 06-06-2007; 824 de 11-06-2007; 288 de 11-06-2007; 290 de 11-06-2007; 293 de 12-06-2007; 296 de 13-06-2007; 298 de 13-06-2007; 300 de 14-06-2007; 303 de 15-06-2007; 305 de 15-06-2007; 307 de 15-06-2007; 309 de 18-06-2007; 311 de 18-06-2007; 314 de 19-06-2007; 315 de 20-06-2007; 318 de 21-06-2007; 321 de 22-06-2007; 323 de 22-06-2007; 327 de 26-06-2007; 329 de 27-06-2007; 331 de 29-06-2007; 334 de 03-07-2007; 340 de 06-07-2007; 344 de 09-07-2007; 346 de 10-07-2007; 348 de 11-07-2007; 357 de 17-07-2007; 359 de 17-07-2007; 362 de 18-07-2007; 365 de 19-07-2007; 360 de 18-07-2007; 366 de 20-07-2007; 367 de 23-07-2007; 368 de 23-07-2007; 387 de 06-08-2007; 405 de 12-09-2007; 406 de 12-09-2007; 413 de 17-09-2007; 414 de 17-09-2007; 415 de 18-09-2007; 418 de 19-09-2007; 423 de 24-09-2007; 424 de 25-09-2007; 430 de 28-09-2007; 432 de 28-09-2007; 433 de 01-10-2007; 437 de 03-10-2007; 443 de 08-10-2007; 446 de 09-10-2007; 449 de 10-10-2007; 453 de 12-10-2007; 456 de 15-10-2007; 459 de 17-10-2007; 465 de 22-10-2007; 472 de 25-10-2007. Como decorre dos factos provados naquele acórdão, este arguido emitiu facturação falsa, em nome próprio, para as sociedades: A... Lda. (S.A.), nos anos de 2005 e 2006, no valor total de € 950.893,60, sem IVA, sendo que este ascende a € 199.533,47; B..., Lda., nos anos de 2005 e 2006, no valor total de € 1.041.236,97 sem IVA, sendo que este ascende a € 218.659,81; C..., S.A., nos anos de 2006 e 2007, no valor total de € 15.937.743,17, sem IVA, sendo que este ascende a € 1.068.102,11 (total de IVA indevidamente deduzido € 1.352.785,71). Fazendo o cotejo entre os factos que no despacho de pronúncia proferido nos presentes autos são imputados ao arguido AA e aqueles pelos quais foi julgado e condenado por acórdão, transitado em julgado, proferido no âmbito do processo nº ..., verifica-se que entre os primeiros e os segundos há, efectivamente, coincidência, sendo idênticos os sujeitos, o enquadramento espácio-temporal e a factualidade subjacente à acção, a qual conduz ao reconhecimento da prática do mesmo crime. A hipótese acusatória sustenta a existência de um dolo único, razão pela qual apenas imputa ao arguido a prática de um único crime de fraude fiscal, sem embargo de estarmos perante mais do que um período Muito embora ao arguido pudesse ser imputada a prática de tantos crimes quantos os períodos contributivos, o certo é que estamos apenas perante um único crime, porquanto não é possível divisar mais do que uma resolução criminosa. É notório que apenas existe uma resolução criminosa, a de obter proventos não concretamente apurados através da emissão de facturação falsa, e isto é verdade, sem embargo estarem em causa inúmeras facturas “fabricadas” por este arguido, as quais, inevitavelmente, este sabia que iriam ser utilizadas para a dedução dos impostos a pagar pela sociedade em mais do que um período contributivo. Não pode deixar de se considerar que a actuação objecto de um e de outro processo é uma única, a de mero difusor de facturas e de outros documentos de suporte de vendas. É inelutável concluir que à actuação do arguido presidiu uma única resolução criminosa, a de, naquele concreto hiato temporal, emitir inúmeras facturas falsas e “vendê-las” a quem as quisesse utilizar para os apontados fins. O que releva para efeitos de consideração do caso julgado é, não o conceito normativo de crime mas antes uma certa conduta efectivamente levada a cabo, um acontecimento naturalístico vivenciado, em suma, real e historicamente ocorrido. Nesta ordem de ideias, não custa considerar que o efeito consuntivo do caso julgado abranja todos os factos que, ainda que não constituam total sobreposição, hão de se considerar englobados no recorte de vida anteriormente julgado, enquanto unidade de sentido. Pelo exposto, declara-se extinto, pela verificação da excepção de caso julgado, o procedimento criminal nos presentes autos instaurado contra o arguido AA. Notifique.”, decidiu recorrer. O M.P. conclui no seu recurso: “AA.) - Exórdio 1. O objecto do presente recurso é o despacho proferido nestes autos a 16 de Março de 2025 [com a referência citius 467268311] através do qual o Tribunal A Quo declarou a verificação da excepção do caso julgado determinando a extinção do presente procedimento criminal quanto à responsabilidade criminal imputada ao arguido AA. Com o presente recurso pretendemos reverter tal decisão. 2. Com efeito, os arguidos AA, BB e a sociedade arguida “D... LDA.” foram alvo de DESPACHO DE PRONÚNCIA (confirmativo da acusação pública deduzida nos autos) imputando-lhes a prática de UM CRIME DE FRAUDE FISCAL QUALIFICADA, previsto e punido pelos arts. 7º, 103.º, n.º 1, alínea c) e 104.º, n.ºs 1, alíneas d), e), e n.º 2, todos do R.G.I.T.. No entanto, quanto ao arguido AA, ficou sem efeito a sua sujeição a julgamento em virtude da decisão atrás apontada entretanto proferida pelo Tribunal de julgamento antes de se iniciar a audiência. BB.) – Das razões da nossa discordância perante o teor e o sentido da decisão recorrida BB.1 - Da falta de identidade temporal entre os factos objecto dos presentes autos e os factos objecto do processo nº ... 3. O processo nº ... abrange facturas emitidas nos períodos de Junho de 2005 até Outubro de 2007 o que, por sua vez, influenciou as declarações fiscais de I.V.A. e I.R.C. desses exercícios, enquanto que os presentes autos abrangem facturas emitidas nos períodos de Janeiro de 2007 até Maio de 2008 o que, por sua vez, influenciou as declarações fiscais de I.V.A. e I.R.C. desses exercícios. Há, portanto, nos presentes autos 8 meses referentes à produção de facturas falsas (pelo arguido AA) que não têm qualquer correspondência temporal com os factos do antedito processo. 4. Nos presentes autos, a facturação falsa cuja produção é imputada ao arguido AA apenas se inicia por referência ao exercício fiscal de 2007 enquanto que, no processo nº ..., o início de produção da facturação falsa imputada ao mesmo arguido é muito anterior, pois remete-nos para 2005. 5. A sobreposição temporal parcial verificada é por intervalo de tempo, ou seja entre Janeiro e Outubro de 2007, e não já quanto à data específica de cada factura que por norma é distinta pois as facturas do processo nº ... dizem respeito a operações de simulação distintas com sujeitos distintos. 6. Perante isto, e mesmo invocando-se a existência de um dolo ou resolução criminosa única, não poderia nunca afirmar-se que essa resolução criminosa teria abrangido facturas emitidas e utilizadas em momento posterior, mais precisamente durante os 8 meses posteriores à emissão/utilização da última factura apreciada e inserida no objecto do processo nº ... e por isso contemplada pela resolução criminosa aí afirmada. 7. Sem outros pontos de contacto entre os dois processos, o dolo afirmado no processo nº ... apenas pode vincular o conteúdo desse processo, assim como o dolo de resolução única do caso dos nossos autos apenas pode vincular o objecto deste processo sob pena de, se assim não for, estarmos a extrapolar o alcance do caso julgado. 8. Salvo melhor opinião e salvo o devido respeito que não podemos deixar de salientar ser muito, se aceitarmos o raciocínio vertido na decisão recorrida, que ignora a diferença temporal atrás assinalada, então poderíamos dizer que mesmo as hipotéticas facturas falsas que fossem continuamente emitidas pelo arguido AA e utilizadas pelos mais diversos destinatários até aos dias de hoje, ou até à condenação desse processo nº ... ou à acusação aí deduzida (independentemente do tempo que demorassem a ser produzidas) seriam sempre consumidas pela resolução criminosa única afirmada no processo nº ... por referência às longínquas facturas de 2005 a 2007! BB.2) - Da falta de identidade de sujeitos (e por conseguinte de factos) entre os factos objecto dos presentes autos e os factos objecto do processo nº ... 9. Nenhuma das facturas descritas na nossa acusação e utilizadas pela sociedade aqui arguida para ilegalmente ficcionar custos e obter vantagens patrimoniais ilegítimas foi invocada, tratada, criminalmente avaliada ou sequer apreciada no processo nº ..., até porque nem esta sociedade nem o seu representante legal foram aí arguidos. 10. Nesta linha de pensamento, é forçoso concluir que a vantagem patrimonial ilegítima para a qual o arguido AA contribuiu no quadro factual apreciado no processo nº ... é factualmente perfeitamente separável e autonomizável daquela que nos ocupa nos presentes autos e, por isso, também terá de ser dela jurídico penalmente independente. 11. E este facto é decisivo pois a estrutura do crime de fraude fiscal depende de tal circunstância, ou seja: a actuação dolosa atribuída ao arguido AA pela emissão das facturas tratadas no processo nº ... - dizendo respeito a facturas distintas das dos presentes autos por deterem destinatários distintos, assim como números, valores e momentos temporais distintos e por se referirem, em parte, até a exercícios fiscais distintos - disse também respeito a vantagens patrimoniais ilegítimas distintas e a prejuízos distintos causados ao Estado português. 12. Por outro lado, o plano criminoso do processo nº ... não se confunde com o dos presentes autos: o acordo estabelecido entre o arguido AA e os representantes das sociedades identificadas nesse processo não é o mesmo acordo que o mesmo estabeleceu com o representante da sociedade identificada nos presentes autos pois, repita-se, são pessoas diferentes, são facturas diferentes, são momentos diferentes, são exercícios fiscais diferentes, são vantagens patrimoniais ilegítimas diferentes pelo que serão, necessariamente, crimes diferentes. 13. No processo nº ... não foi dado como provado ou não provado nenhum facto respeitante à sociedade aqui arguida, nem tão pouco ao plano concreto gizado entre AA e BB e BB [cfr. art. 12º do despacho de pronúncia], ao que acresce a circunstância de aí não se localizar nenhuma factura idêntica à dos presentes autos havendo, tão só, uma sobreposição meramente parcial a respeito do intervalo de tempo em que aquelas terão sido emitidas. CC.) Das consequências que deverão resultar da improcedência da argumentação formulada pelo Tribunal A Quo 14. Em suma, e face ao que foi afirmado no segmento anterior destas conclusões, temos que à luz da clara distinção entre os destinatários das facturas em cada um dos processos em confronto, da clara distinção do conteúdo, alcance e vinculação dos planos criminosos descritos em cada um desses processos vinda de expor e da discrepância temporal relativamente à produção e utilização das facturas, nomeadamente no tocante aos exercícios fiscais no âmbito dos quais foi obtida a vantagem patrimonial ilegítima, é imperativo concluir que inexiste identidade dos factos constitutivos dos objectos dos dois processos em confronto, assim como inexiste, consequentemente, identidade do crime em concreto imputado ao arguido AA nestes autos e no processo nº ... pelo que não se preenche a excepção do caso julgado. 15. Inexiste, pois, qualquer motivo válido para declarar extinto o procedimento criminal quanto ao arguido AA e não o submeter a julgamento juntamente com os demais arguidos identificados nos autos, o que significa que este deverá ser julgado pelos exactos factos e crime que o despacho de pronúncia lhe imputa. DD.) Das normas jurídicas violadas, por errada interpretação, pelo Tribunal recorrido e da correcta interpretação e aplicação das mesmas 16. O Tribunal recorrido considerou, em síntese, que o facto do arguido ter sido condenado no âmbito do processo nº ... como emitente de facturas falsas posteriormente utilizadas para ficcionar ilegalmente custos fiscais de sujeitos passivos em matéria fiscal com o objectivo de diminuir o valor de impostos a pagar por estes últimos produz efeito de caso julgado relativamente à matéria dos presentes autos. 17. E fez assentar tal raciocínio no facto do arguido figurar novamente nos presentes autos como emitente de facturas falsas com desiderato idêntico atrás descrito, no facto de haver referência às mesmas circunstâncias espácio temporais e no facto daquele ter sido acusado nestes autos por ter praticado tais factos com resolução criminosa única, o que não permite autonomizar o seu comportamento aqui sob análise do objecto do processo nº .... 18. Com esta interpretação, e ao assim concluir pela extinção do presente procedimento criminal quanto ao arguido AA, o Tribunal recorrido procedeu a uma violação integral do disposto, conjuntamente, nos arts. 29°, n.º5, da Constituição da República Portuguesa em conjugação com o disposto nos arts. 7º, 103º, nº 1, alínea c) e 104º, nºs. 1, alíneas d) e e), e 2, todos do R.G.I.T., o que se alcança com base nos fundamentos por nós expostos nos segmentos BB.) e CC.) destas conclusões. 19. A correcta interpretação e aplicação destas normas à luz dos factos sob análise impunha necessariamente a conclusão de que, apesar da condenação pelo arguido AA sofrida no processo nº ..., o objecto desses autos não se confunde com o objecto dos presentes autos pelo que não se verifica a excepção do caso julgado material quanto ao referido arguido e não existe, portanto, qualquer fundamento para a extinção do procedimento criminal. 20. E assim nos posicionamos porquanto o plano criminoso estabelecido entre o arguido AA e os representantes das sociedades identificadas no processo nº ... não é o mesmo acordo criminoso que o mesmo estabeleceu com o representante da sociedade identificada nos presentes autos pois, em termos comparativos, estão em causa pessoas diferentes como destinatários das facturas, facturas de valores e numeração diferentes, momentos diferentes da emissão das mesmas, exercícios fiscais diferentes nos quais as mesmas são registadas e fiscalmente contabilizadas e são consequentemente vantagens patrimoniais ilegítimas diferentes as obtidas a final. EE.) - Do Conhecimento em substituição por parte do Venerando Tribunal da Relação e indicação dos pedidos formulados com o presente recurso 21. Uma vez que dos autos constam todos os elementos necessários ao proferimento de uma ajustada decisão de mérito, o Tribunal Ad Quem estará em condições de, ao abrigo do disposto nos arts. 426º, nº 1, e 431º, nº 1, alínea a), ambos do Código de Processo Penal, revogar, desde logo, a decisão proferida pelo Tribunal A Quo e proferir decisão substitutiva sem ordenar a baixa dos autos à primeira instância para prolacção de nova decisão. Como tal, REQUER-SE COM O PRESENTE RECURSO que o Venerando Tribunal da Relação do Porto proceda em conformidade revogando integralmente a decisão recorrida e a substitua por outra que: 22. i) - declare a INEXISTÊNCIA da verificação do efeito/excepção do caso julgado material consuntivo nos presentes autos quanto aos factos imputados ao arguido AA e, bem assim, a INEXISTÊNCIA da correspondente supressão da responsabilidade criminal daí emergente para o referido indivíduo, apesar do âmbito da condenação por ele sofrida no processo nº ...; ii) – em consequência declare igualmente a NÃO EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL quanto a este arguido (AA); iii) - ordene, portanto, o prosseguimento dos autos contra o referido arguido, determinando a sua sujeição a julgamento nos termos factuais e jurídico-penais integralmente definidos pela acusação pública deduzida nos presentes autos e pelo despacho de pronúncia que a confirmou integralmente. Assim, se fará inteira JUSTIÇA” O arguido respondeu concluindo: “Aqui chegados, somos forçados a extrair as mesmas conclusões quanto aos factos que já foram apreciados no âmbito do processo comum colectivo n.º .... O que não pode deixar de se considerar que a actuação objecto de um e de outro processo é uma única, a de meros “difusor de facturas” e de outros documentos de suporte de vendas (cfr. factualidade dada como provada no acórdão proferido no âmbito do processo comum colectivo n.º ... e supra transcrita). Com efeito, analisada a factualidade objecto de ambos os processos, é inelutável concluir que à actuação do arguido presidiu uma única resolução criminosa, a de, naquele concreto hiato temporal, emitir inúmeras facturas falsas e “vendê-las” a quem as quisesse utilizar para os apontados fins, Ora, tal como se entendeu no âmbito do processo comum colectivo n.º ..., não há qualquer razão para se divisar as condutas empreendidas pelo arguido com base nos distintos utilizadores, ou seja, com base no facto do mesmo emitir tais facturas falsas para que mais do que um sujeito passivo as relevasse na sua contabilidade, razão pela qual o arguido AA apenas foram condenado pela prática de um único crime, relativamente à emissão de facturação falsa, enquanto empresários em nome individual não obstante ter emitido facturas falsas para serem utilizadas por três distintas sociedades, tendo a actuação do arguido AA perdurado por três anos fiscais, ou seja, muito mais do que um período contributivo. Donde que, parece igualmente indubitável que os factos que são objecto deste processo faziam também parte da “continuação” ou “reiteração” criminosa que foi anteriormente apreciada naqueles autos. Atente-se ao douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19.03.2014 (no sítio da DGSI, no processo 117/06.8IDPRT.P1), no qual se sustenta: “Ancorado na estrutura acusatória do processo que enforma o nosso processo penal,[11] a proibição da dupla apreciação significa, numa primeira leitura, que ninguém pode ser julgado mais de uma vez e não, como por vezes é referido, que ninguém pode ser punido mais de uma vez.[12] Por isso esta garantia constitucional deve ser vista como da proibição da dupla perseguição penal do indivíduo, este portanto, não apenas ao julgamento em sentido formal,[13] mas, também, a qualquer outro acto processual que signifique uma definitiva assunção valorativa por parte do Estado sobre determinado facto penal, como seja o arquivamento do inquérito pelo Ministério Público ou a decisão de não pronúncia pelo Juiz de Instrução Criminal[14] e a declaração judicial de extinção da responsabilidade criminal por amnistia, por prescrição do procedimento criminal ou por desistência da queixa.[15] Nesta perspectiva, a delimitação do objecto do processo pela acusação tem ainda como efeito que a garantia conferida pelo princípio ne bis in idem implique que se proíba a investigação e o posterior julgamento não só do que foi mas também do que poderia ter sido conhecido no primeiro processo. Na verdade, como refere Henrique Salinas, «a preclusão, contudo, não diz apenas respeito ao que foi conhecido, pois também abrange o que podia ter sido conhecido no processo anterior. Para este efeito, teremos de recorrer aos poderes de cognição do acto que procedeu à delimitação originária do processo, a acusação em sentido material, tendo em conta um objecto unitário do processo. Desde logo, como neste acto não existe qualquer limitação à qualificação jurídica dos factos no mesmo descritos, pode concluir-se que não é possível a instauração de novo processo que os tenha por objecto, diversamente qualificados. De igual modo, neste acto podiam ter sido conhecidos factos que traduzem uma alteração, substancial ou não substancial, dos que nele foram incluídos, uma vez que, em qualquer dos casos, estamos ainda dentro dos limites do mesmo objecto processual. Por esta razão, não é possível a instauração de novo processo que os tenha por objecto.»[16] O que se proíbe é, no fundo, que um mesmo e concreto objecto do processo possa fundar um segundo processo penal, entendendo-se aqui por crime não um certo tipo legal abstractamente definido como crime mas, outrossim, um comportamento espacio- temporalmente determinado, um determinado acontecimento histórico, um facto naturalístico concreto ou um pedaço de vida de um indivíduo já objecto de uma sentença ou decisão que se lhe equipare, mas independentemente do nomem iuris que lhe tenha sido ou venha a ser atribuído, no primeiro ou no processo subsequentemente instaurado.[17] Quer dizer, o que verdadeiramente interessa é o facto e não a sua subsunção jurídica.” Por outro lado, conforme lembra Frederico Isasca, «o que transita em julgado é o acontecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação de um tribunal. Isto significa que todos os factos praticados pelo arguido até à decisão final que directamente se relacionem com o pedaço de vida apreciado e que com ele formam a aludida unidade de sentido, ainda que efectivamente não tenham sido conhecidos ou tomados em consideração pelo tribunal, não podem ser posteriormente apreciados. Quer porque enquanto isoladamente considerados não seriam susceptíveis de se consubstanciarem como objecto de um processo. Quer porque a sua apreciação violaria frontalmente a regra ne bis in idem, entrando em aberto conflito com os fundamentos do caso julgado. Quer ainda porque, fornecendo o Código, como se demonstrou, todos os mecanismos necessários para uma apreciação esgotante do facto processual e portanto a possibilidade de se alcançar a verdade material e consequentemente uma justa decisão do caso concreto, far-se-ia responder o arguido pela negligência de outros na prossecução da justiça, ou pêlos inevitáveis vícios do sistema, acabando, em última análise, por frustrar totalmente as legítimas expectativas de quem foi julgado e sentenciado, comprometendo assim, inabalavelmente, o respeito pela própria dignidade c da pessoa humana. O que releva para efeitos de consideração do caso julgado é, portanto, não o conceito normativo de crime mas antes uma certa conduta efectivamente levada a cabo, um acontecimento naturalístico vivenciado, em suma, real e historicamente ocorrido. Nesta ordem de ideias, não custa considerar que «o efeito consuntivo do caso julgado abrange todos os factos que, ainda que não constituam total sobreposição, hão-se considerar-se englobados no recorte de vida anteriormente julgado, enquanto unidade de sentido.» Vale dizer, portanto, que, o efeito consuntivo dar-se-á mesmo naquelas situações em que os factos integradores da conduta criminosa tenham mas não deveriam ter permanecido totalmente estranhas ao conhecimento do juiz que primeiramente dela conheceu. E isso é assim tanto no caso da continuação criminosa como também, por maioria de razão, nos casos em que parte da conduta não foi conhecida pelo juiz mas, com a que foi, está coberta pelo mesmo e único dolo do agente. Subscrevendo o que se expendeu a propósito da enunciada questão no aresto que se acaba de transcrever, afigura-se inevitável a declaração da extinção do procedimento, por verificação da excepção inominada do caso julgado. Face ao exposto requer-se que seja mantida a douta decisão de declarar extinto, pela verificação da excepção de caso julgado, o procedimento criminal nos presentes autos contra o arguido AA, Assim se fazendo uma correcta aplicação da Lei e se fazendo Justiça “ Neste tribunal de recurso a Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. Não houve resposta. Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência. Nada obsta ao conhecimento do mérito. II. Objeto do recurso e sua apreciação. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar ( Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP. Caso julgado. Matéria relevante a considerar. Do enquadramento dos factos. 1.Decisão do JIC datada de 16/03/2025 supra transcrita. 2.O teor da certidão do processo comum coletivo ... do Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira, confirmado e Acórdão proferido no Tribunal da Relação do Porto, transitado em 27.01.21, J2 e do processo comum singular ... do Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira, J2. Concretizando na parte mais relevante. 3.Decisão do acórdão de primeira instância proc. ... já julgado e transitado quanto ao arguido AA: Posição quanto ao dolo, conduta e seu enquadramento: Factos provados: “1303º Os arguidos QQ, RR, SS e TT, contaram com a colaboração dos arguidos/intervenientes CC, DD, EE, AA, FF, JJ, KK, LL, II, GG, HH, UU, MM, OO e PP, que em nome individual ou através de sociedades que constituíram, procuraram simular o exercício de uma actividade comercial. Estes indivíduos, não desconheciam que a sua participação se inseria num projecto criminoso de emissão de facturação falsa com vista a defraudar o Estado Português em IVA e IRC, tanto mais que não exerciam qualquer actividade comercial ou que a exerciam de forma muito residual, preenchendo documentos fiscalmente relevantes, sempre que necessário e lhes fosse solicitado, daí retirando proventos que lhes eram proporcionados pelos mentores de todo o projecto criminoso, os quatro A.... 1305º Essa actividade em nome individual ou através das sociedades que criaram, nomeadamente a E..., Ldª, F..., Ldª, G..., Ldª, H..., Ldª, I..., Ldª, J..., ldª, K..., Ldª, L..., Ldª, M..., Ldª, N..., Ldª, O..., Ldª e P..., Ldª, assentava numa construção contabilística, maquilhada a montante (fornecedores) geralmente por indivíduos carenciados economicamente e a jusante com maior rigor por forma a que as utilizadoras dessas facturas (entre outras as empresas dos A...) se pudessem escudar num circuito financeiro aparentemente real. 1306º Estes arguidos, emitentes de facturação falsa a título individual ou através de empresas que de direito e fiscalmente existiam mas, de facto, eram unidades produtivas ficcionadas ou parcialmente ficcionadas, mantiveram o seu propósito criminoso nos vários exercícios fiscais em que operaram em nome individual ou através dessas “empresas”.” (…) - AA Como decorre dos factos provados, este arguido emitiu facturação falsa, em nome próprio, para as sociedades: - A... Ldª (SA), nos anos de 2005 e 2006, no valor total de € 950.893,60 sem IVA, sendo que este ascende a € 199.533,47; - B..., Lda, nos anos de 2005 e 2006, no valor total de € 1.041.236,97 sem IVA, sendo que este ascende a € 218.659,81; - C..., S.A., nos anos de 2006 e 2007, no valor total de € 15.937.743,17 sem IVA, sendo que este ascende a € 1.068.102,11 (total de IVA indevidamente deduzido € 1.352.785,71) Permitiu com a sua conduta a dedução indevida de IVA por parte das sociedades do “Grupo A...” no montante total de € 1.352.785,71. O arguido quis e conseguiu causar prejuízo à administração tributária, ciente que a contabilização de facturação falsa, permitia às empresas receptoras a dedução do montante do IVA inserto nessas facturas. Com tal actuação, o arguido violou a segurança e confiança no tráfego jurídico, em especial o valor probatório dos referidos documentos, quer para efeitos contabilísticos, quer para efeitos fiscais. O arguido, agiu em nome próprio. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que praticava factos proibidos e punidos criminalmente. AA, incorreu na prática de um crime de fraude fiscal qualificada, praticado enquanto empresário em nome individual.” 4.Teor do despacho de pronúncia relativamente aos factos destes autos na parte que interessa: “(…) Decisão Instrutória Nos termos do disposto pelo art. 307º do Código de Processo Penal cumpre proferir decisão instrutória. * (…).* Os factos suficientemente indiciados:1 - A sociedade “D..., Lda.”, com sede na Zona Industrial ..., Urbanização ..., ..., ..., Maia, encontra-se registada, desde 11 de Março de 1987, na Conservatória do Registo Comercial. 2 - À data dos factos infra descritos tinha por actividade a compra e venda de todas as qualidades de sucata de metais e fundições, encontrando-se colectada pela actividade CAE 24540 (Fundição de outros metais não ferrosos). 3 - Encontrava-se enquadrada, para efeitos de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), no regime normal de periodicidade mensal, e registada em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), tendo por competente o Serviço de Finanças da Maia. 4 - O arguido BB foi o único sócio gerente da sociedade arguida desde a sua constituição, bastando a sua assinatura para obrigar a sociedade. 5 - Nessa qualidade, nos anos de 2007 e 2008, exerceu de facto todas os poderes de administração e gestão da sociedade arguida, sendo responsável por toda actividade nela desenvolvida, dando instruções e ordens a ela atinentes, nomeadamente, no tocante à aquisição e venda de produtos, sua facturação, registo contabilístico das transacções realizadas e demais operações de contabilidade necessárias ao apuramento do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) a entregar à administração fiscal e dos rendimentos a declarar às entidades fiscais competentes com vista ao apuramento da matéria colectável de incidência do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC). 6 - A sociedade arguida procedeu ao envio de todas as declarações periódicas de IVA referentes aos anos de 2007 e 2008 e enviou as declarações anuais de IRC desses anos. 7 - O arguido AA, titular do número de identificação fiscal ..., apresentou, em 22 de Março de 2005, no Serviço de Finanças de Albergaria-a-Velha, a declaração de início de actividade, com domicílio fiscal na Rua ..., em Albergaria-a-Velha, e, a partir de 15 de Março de 2005, declarou a actividade de comércio por grosso de sucatas e de desperdícios metálicos a que corresponde o CAE 46771. 8 - Em 4 de Outubro de 2006 o arguido AA alterou o domicílio fiscal e a sede da actividade para a Rua ..., ..., R/C, Albergaria-a-Velha. 9 - Os arguidos BB e AA sabiam da forma como funcionava a incidência fiscal, em sede de IVA e de IRC. 10 - Sabiam que se alguém apresentasse na sua contabilidade valores que na realidade não suportou, procurando que o IVA que pagou anule o que recebeu e devia entregar ao Estado, ou mesmo receber do Estado, no caso de ter pago mais do que recebeu, poderia induzir em erro a administração fiscal e, por essa forma, à custa do Estado e da comunidade contribuinte, aceder a vantagens pecuniárias e lesivas do Erário Público. 11 - Também sabiam que a apresentação na contabilidade de despesas que não fossem efectivamente suportadas incrementava os custos, diminuindo o lucro tributável e, consequentemente, o valor do IRC a pagar. 12 - Em data não concretamente apurada, mas que situa entre Janeiro de 2007 e Maio de 2008, o arguido BB, em nome da sociedade arguida de que à data era legal representante, e o arguido AA acordaram que o segundo emitiria as facturas abaixo descritas, fazendo constar das mesmas vendas de sucata e de lingotes inexistentes e que ambos sabiam não corresponder à verdade, as quais iriam ser depois integradas pelo arguido BB na contabilidade da sociedade arguida, de forma a reduzir os montantes de IVA e de IRC que esta tinha que entregar nos Cofres do Estado. 13 - No desenvolvimento desse plano, o arguido AA, tal como se tratassem de verdadeiras, isto é, correspondendo a transacções efectuadas à sociedade arguida, preencheu e assinou as seguintes facturas: I - factura nº ..., datada de 19/01/2007, no valor total de € 80.731,20, sendo o valor líquido de € 66.720,00 e o IVA de € 14.011,20, referente a alegada venda de 22.240 kg de “lingote latão”; II - factura nº ..., datada de 23/01/2008, no valor total de € 39.058,80, sendo o valor líquido de € 32.280,00 e o IVA de € 6.778,80, referente a alegada venda de 10.760 kg de “lingote latão”; III - factura nº ..., datada de 26/01/2007, no valor total de € 70.734,18, sendo o valor líquido de € 58.458,00 e o IVA de € 12.276,18, referente a alegada venda de 19.486 kg de “lingote latão”; IV - factura nº ..., datada de 12/02/2007, no valor total de € 57.971,10, sendo o valor líquido de € 47.910,00 e o IVA de € 10.061,10, referente a alegada venda de 15.970 kg de “lingote latão”; V - factura nº ..., datada de 14/02/2007, no valor total de € 8.557,12, sendo o valor líquido de € 7.072,00 e o IVA de € 1.485,12, referente a alegada venda de 4.420 kg de “lingote alumínio”; VI - factura nº ..., datada de 21/02/2007, no valor total de € 28.568,10, sendo o valor líquido de € 23.610,00 e o IVA de € 4.958,10, referente a alegada venda de 7.870 kg de “lingote latão”; VII - factura nº ..., datada de 23/02/2007, no valor total de € 31.435,80, sendo o valor líquido de € 25.980,00 e o IVA de € 5.455,80, referente a alegada venda de 8.660 kg de “lingote latão”; VIII - factura nº ..., datada de 26/02/2007, no valor total de € 57.810,00, sendo o valor líquido de € 57.810,00, referente a alegada venda de 14.100 kg de “sucata de cobre”; IX - factura nº ..., datada de 08/03/2007, no valor total de € 73.738,01, sendo o valor líquido de € 60.940,50 e o IVA de € 12.797,51, referente a alegada venda de 9.770 kg de “lingote latão” e de 8.950 kg de “latão”; X - factura nº ..., datada de 15/03/2007, no valor total de € 27.588,00, sendo o valor líquido de € 22.800,00 e o IVA de € 4.788,00, referente a alegada venda de 14.250 kg de “lingote alumínio”; XI - factura nº ..., datada de 16/03/2007, no valor total de € 77.490,00, sendo o valor líquido de € 77.490,00, referente a alegada venda de 18.900 kg de cobre; XII - factura nº ..., datada de 19/03/2007, no valor total de € 92.848,14, sendo o valor líquido de € 76.734,00 e o IVA de € 16.114,14, referente a alegada venda de 24.360 kg de “lingote latão”; XIII - factura nº ..., datada de 21/03/2007, no valor total de € 75.162,78, sendo o valor líquido de € 62.118,00 e o IVA de € 13.044,78, referente a alegada venda de 19.720 kg de “lingote latão”; XIV - factura nº ..., datada de 29/03/2007, no valor total de € 22.322,08, sendo o valor líquido de € 18.448,00 e o IVA de € 3.874,08, referente a alegada venda de 11.530 kg de “lingote alumínio”; XV - factura nº ..., datada de 02/04/2007, no valor total de € 75.618,35, sendo o valor líquido de € 62.494,50 e o IVA de € 13.123,85, referente a alegada venda de 20.490 kg de “lingote”; XVI - factura nº ..., datada de 03/04/2007, no valor total de € 72.243,66, sendo o valor líquido de € 59.705,50 e o IVA de € 12.538,16, referente a alegada venda de 10.070 kg de lingote e de 9.060 kg de “lingote latão”; XVII - factura nº ..., datada de 05/04/2007, no valor total de € 77.014,08, sendo o valor líquido de € 63.648,00 e IVA de € 13.366,08, referente a alegada venda de 19.890 kg de “lingote latão”; XVIII - factura nº ..., datada de 27/04/2007, no valor total de € 52.774,15, sendo o valor líquido de € 43.615,00 e o IVA de € 9.159,15, referente a alegada venda de 13.420 kg de “lingote latão”; XIX - factura nº ..., datada de 09/05/2007, no valor total de € 101.419,18, sendo o valor líquido de € 83.817,50 e o IVA de € 17.601,68, referente a alegada venda de 25.790 kg de “lingote latão”; XX - factura nº ..., datada de 14/05/2007, no valor total de € 65.358,15, sendo o valor líquido de € 54.015,00 e o IVA de € 11.343,15, referente a alegada venda de 16.620 kg de “lingote latão”; XXI - factura nº ..., datada de 17/05/2007, no valor total de € 68.543,48, sendo o valor líquido de € 56.647,50 e IVA de € 11.895,98, referente a alegada venda de 17.430 kg de “lingote latão”; XXIII - factura nº ..., datada de 21/05/2007, no valor total de € 115.381,73, sendo o valor líquido de € 95.356,80 e o IVA de € 20.024,93, referente a alegada venda de 27.090 kg de “lingote latão”; XXIV- factura nº ..., datada de 28/05/2007, no valor total de € 110.781,79, sendo o valor líquido de € 91.555,20 e o IVA de € 19.226,59, referente a alegada venda de 26.010 kg de “lingote latão”; XXV - factura nº ..., datada de 14/06/2007, no valor total de € 65.594,10, sendo o valor líquido de € 54.210,00 e IVA de € 11.384,10 referente a alegada venda de 16.680 kg de “lingote zinco”; XXVI - factura nº ..., datada de 15/06/2007, no valor total de € 51.977,97, sendo o valor líquido de € 42.957,00 e o IVA de € 9.020,97, referente a alegada venda de 9.440 kg de “lingote alumínio” e 7.580 kg de “lingote latão”; XXVII - factura nº ..., datada de 19/06/2007, no valor total de € 72.512,88, sendo o valor líquido de € 59.928,00 e o IVA de € 12.584,88, referente a alegada venda de 14.190 kg de “lingote latão” e 7.370 kg de “lingote chumbo”; XXVIII - factura nº ..., datada de 20/06/2007, no valor total de € 67.256,64, sendo o valor líquido de € 55.584,00 e o IVA de € 11.672,64, referente a alegada venda de 15.440 kg de “lingote latão”; XXIX - factura nº ..., datada de 06/07/2007, no valor total de € 19.210,57, sendo o valor líquido de € 15.876,50 e IVA de € 3.334,07, referente a alegada venda de 4.440 kg de “ lingote alumínio” e 3.190kg de “lingote zinco”; XXX - factura nº ..., datada de 13/07/2007, no valor total de € 56.923,24, sendo o valor líquido de € 47.044,00 e o IVA de € 9.879,24, referente a alegada venda de 12.380 kg de “lingote latão”; XXXI - factura nº ..., datada de 03/08/2007, no valor total de € 51.336,07, sendo o valor líquido de € 42.426,50 e o IVA de € 8.909,57, referente a alegada venda de 16.010 kg de “lingote zinco”; XXXIII - factura nº ..., datada de 06/08/2007, no valor total de € 65.252,88, sendo o valor líquido de € 53.928,00 e o IVA de € 11.324,88, referente a alegada venda de 14.980 kg de “lingote latão”; XXXIV - factura nº ..., datada de 03/09/2007, no valor total de € 58.501,08, sendo o valor líquido de € 48.348,00 e o IVA de € 10.153,08, referente a alegada venda de 13.430 kg de “lingote latão”; XXXV - factura nº ..., datada de 04/09/2007, no valor total de € 50.502,38, sendo o valor líquido de € 41.737,50 e o IVA de € 8.764,88, referente a alegada venda de 15.750 kg de “lingote zinco”; XXXVI - factura nº ..., datada de 14/09/2007, no valor total de € 4.066,00, referente a alegada venda de 2.140 kg de “zinco”; XXXV - factura nº ..., datada de 24/09/2007, no valor total de € 43.060,50, sendo o valor líquido de € 43.060,50, referente a alegada venda de 13.670 kg de latão; XXXVI - factura nº ..., datada de 27/09/2007, no valor total de € 73.983,00, sendo o valor líquido de € 73.983,00, referente a alegada venda de 16.260 kg de cobre; XXXVII - factura nº ..., datada de 27/09/2007, no valor total de € 79.322,76,sendo o valor líquido de € 65.556,00 e o IVA de € 13.766,76, referente a alegada venda de 18.210 kg de “lingote latão”; XXXVIII - factura nº ..., datada de 01/10/2007, no valor total de € 76.404,24, sendo o valor líquido de € 63.144,00 e o IVA de € 13.260,24, referente a alegada venda de 17.540 kg de “lingote latão”; XXXIX - factura nº ..., datada de 04/10/2007, no valor total de € 35.10936, sendo o valor líquido de € 29.016,00 e IVA de € 6.093,36, referente a alegada venda de 12.090 kg de “lingote zinco”; XL - factura nº ..., datada de 09/10/2007, no valor total de € 48.656,52, sendo o valor líquido de € 40.212,00 e o IVA de € 8.444,52, referente a alegada venda de 11.170 kg de “lingote latão”; XLI - factura nº ..., datada de 16/10/2007, no valor total de € 57.107,16, sendo o valor líquido de € 47.196,00 e IVA de € 9.911,16, referente a alegada venda de 13.110 kg de “ lingote latão”; XLII - factura nº ..., datada de 18/10/2007, no valor total de € 52.620,48, sendo o valor líquido de € 43.488,00 e o IVA de € 9.132,48, referente a alegada venda de 12.080 kg de “lingote latão”; XLIII - factura nº ..., datada de 08/11/2007, no valor total de € 79.601,06, sendo o valor líquido de € 65.786,00 e o IVA de € 13.815,06, referente a alegada venda de 17.780 kg de “lingote latão”; XLIV - factura nº ..., datada de 16/11/2007, no valor total de € 70.870,91, sendo o valor líquido de € 58.571,00 e IVA de € 12.299,91, referente a alegada venda de 15.830 kg de “lingote alumínio”; XLV - factura nº ..., datada de 20/11/2007, no valor total de € 62.321,00, sendo o valor líquido de € 62.321,00, referente a alegada venda de 21.490 kg de latão velho; XLVI - factura nº ..., datada de 26/11/2007, no valor total de € 73.422,80, sendo o valor líquido de € 60.680,00 e IVA de € 12.742,80, referente a alegada venda de 16.400 kg de “lingote latão”; XLVII - factura nº ..., datada de 17/01/2008, no valor total de € 69.165,00, referente a alegada venda de 15.370 kg de cobre, novo; XLVIII - factura nº ..., datada de 15/02/2008, no valor total de € 85.494,50, referente a alegada venda de 18.790 kg de cobre; XLIX - factura nº ..., datada de 12/03/2008, no valor total de € 93.058,00, referente a alegada venda de 20.230 kg de cobre; L - factura nº ..., datada de 09/04/2008, no valor total de € 80.616,25, sendo o valor líquido de € 66.625,00 e o IVA de € 13.991,25, referente a alegada venda de 20.500 kg de latão, lingote; LI - factura nº ..., datada de 08/05/2008, no valor total de € 31.279,00, referente a alegada venda de 10.900 kg de latão; e LII - factura nº ..., datada de 13/05/2008, no valor total de € 71.354,91, sendo o valor líquido de € 58.971,00 e o IVA de € 12.383,91, referente a alegada venda de 17.870 kg de latão, lingote. 14 - Todas as facturas referidas em nome do arguido AA foram integradas pelo arguido BB na contabilidade da sociedade arguida como se de verdadeiros custos se tratassem, tendo sido contabilizadas nos anos de 2007, no valor líquido de € 2.368.344,50, a que acresce IVA no montante de € 430,418,96; e no ano de 2008, no valor liquido de € 404.592,50, a que acresce IVA no montante de € 26.375,16. 15 - Efectivamente, o arguido BB, com conhecimento e anuência do arguido AA, integrou e contabilizou as referidas facturas na escrita da sociedade arguida deduzindo indevidamente, a título de IVA, nas declarações enviadas, até ao dia 10 do segundo mês a que respeitavam, os seguintes montantes nos períodos abaixo descriminados: - Janeiro de 2007 - € 33.066,18; - Fevereiro de 2007 - € 21.960,12; - Março de 2007 - € 50.618,51; - Abril de 2007 - € 48.187,23; - Maio de 2007 - € 80.092,32; - Junho de 2007 - € 44.662,60; - Julho de 2007 - € 13.213,31; - Agosto de 2007 - € 20.234,45; - Setembro de 2007 - € 32.684,72; - Outubro de 2007 - € 46.841,77; - Novembro de 2007 - € 38.857,77; - Abril de 2008 - € 13.991,25; e - Maio de 2008 - € 12.383,91. 16 - O arguido BB procedeu ainda, com conhecimento e anuência do arguido AA, nos anos de 2007 e 2008, à contabilização como custos da sociedade arguida dos valores inscritos nas facturas acima referidas que não titulavam operações reais, no valor de € 2.368.344,50 e € 404,592,50, respectivamente, deixando de entregar nos cofres do Estado o valor do respectivo IRC referente aos exercícios de 2007 e 2008, cujas declarações foram enviadas à administração fiscal, em 17 de Maio de 2008 e 29 de Maio de 2009, respectivamente. 17 - Assim, a vantagem patrimonial, em sede de IRC, obtida pela sociedade arguida, como consequência dos factos supra descritos, foi a seguinte: - € 592,086,13, no ano de 2007; e - € 107,217,00, no ano de 2008. 18 - Pela emissão das facturas acima descritas o arguido BB, em representação da sociedade arguida, pagou ao arguido AA quantia de dinheiro cujo montante em concreto não foi possível apurar, mas muito inferior ao montante inscrito nas mesmas. 19 - As facturas supra descritas, nas quais não constava qualquer contacto do emitente (e-mail, telefone, telemóvel, fax…) ou outro meio de divulgação comercial, não correspondem a quaisquer transacções efectuadas. 20 - Os pagamentos das mesmas, pese embora o seu montante, foram alegadamente efectuados em numerário, não existindo documentos comprovativos do respectivo pagamento e transporte. 21 - Nos anos de 2007 e 2008 o arguido AA enviou à administração fiscal as declarações de impostos mas apenas para conferir credibilidade à actividade declarada. 22 - O arguido AA declarou, para efeitos fiscais, no ano de 2007, vendas de sucatas no valor de € 19.596.635,27 e, no ano de 2008, vendas de sucatas no valor de € 4.611,944,88. 23 - Todavia, nesses anos, o arguido AA não possuía estrutura empresarial, organização, dimensão empresarial e capacidade financeira para o efeito. 24 - A multiplicidade de funções exigidas a AA para poder realizar tais volumes de negócios, teria originado movimentações de sucata e de lingotes de milhares de toneladas (por exemplo, 7.040,402 kg, em 2007), tanto do lado das compras como do lado das vendas 25 - O movimento de sucatas e de lingotes com aquela dimensão implicaria um perfil de empresa reconhecida no mercado, estruturada e com capacidade instalada no âmbito dos equipamentos e dos recursos necessários à execução de todas aquelas tarefas, o que não era o caso. 26 - As instalações onde AA declarava desenvolver a sua actividade, sitas na Rua ..., em Albergaria-a-Velha, não tinham condições em termos de acessibilidade para permitir cargas ou descargas a partir de viaturas pesadas de mercadorias. 27 - Não tinha trabalhadores, não dispunha de báscula para pesagem de mercadorias, nem de outros equipamentos de fundição para obtenção de lingotes, nem para manusear ou fornecer o tipo e volume das mercadorias facturados. 28 - Até 1 de Agosto de 2008, AA não tinha empregados e, a partir dessa data, passou a ter como empregado VV. 29 - O volume dos custos e despesas correntes declaradas nesses anos, por AA, é desajustado da realidade que os valores da actividade declarados apresentam. 30 - No ano de 2007, cerca de 99% das compras registadas e declaradas pelo arguido AA estão suportadas por documentos emitidos em nomes de sociedades e pessoas, designadamente as identificadas a folhas 104 a 113, que não lhe venderam qualquer sucata ou lingote. 31 - No ano de 2008, cerca de 94,5% das compras registadas e declaradas também estão suportadas por documentos emitidos em nomes de sociedades e pessoas que não lhe venderam qualquer sucata ou lingote. 32 - As supostas compras e vendas foram declaradas como tendo sido pagas e recebidas em numerário. 33 - Ao agirem da forma descrita os arguidos BB e AA fizeram-no de comum acordo e em conjugação de esforços, bem sabendo que as facturas emitidas pelo arguido AA que entregou ao arguido BB, em nome da sociedade arguida, titulavam transacções inexistentes, bem sabendo que os valores inscritos nos referidos documentos iriam ser mencionados e utilizados para cálculo nas declarações fiscais de IVA e de IRC da sociedade arguida, obtendo assim as supra referidas vantagens patrimoniais ilícitas e indevidas, em prejuízo da Fazenda Nacional. 34 - Os arguidos BB e AA agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas concertadas eram idóneas a fazer diminuir a receita do Estado em termos de IVA e de IRC relativo ao que seria devido e visando assim com tais actuações e em relação aos períodos fiscais em causa beneficiar patrimonialmente com tais vantagens fiscais indevidas. 35 - Os arguidos sabiam que as condutas que praticaram, bem como a da sociedade arguida D..., Lda., que o arguido BB representava, eram proibidas e punidas por lei. * Motivação:O Tribunal considerou os factos descritos como suficientemente indiciados com base no conjunto da prova produzida nos autos, analisada à luz das regras de experiência comum. Esses indícios assentam, fundamentalmente, no conjunto dos documentos juntos aos autos conjugados com os depoimentos prestados em sede de inquérito, que não foram abalados pela prova produzida em sede de instrução, como se verá. Assim, do relatório de inspecção tributária de fls. 6 a 18 do volume I elaborado pela inspectora tributária WW que efectuou, entre 3/10/11 e 25/1/12, acção inspectiva à sociedade “D..., Lda.” por ter declarado, em 2007, aquisições a fornecedores indiciados como emitentes de facturas falsas e do depoimento que a mesma prestou a fls. 44 do II volume, resulta terem sido realizadas acções inspectivas ao fornecedor AA que apuraram que não possuía estrutura, organização, dimensão ou capacidade financeira para poder realizar as operações declaradas, uma vez que não tinha estrutura organizativa, declarou vender lingotes, que têm que ser fundidos, mas não dispunha de maquinaria para o efeito, nem existiam nas suas instalações indícios da presença de lingotes. O volume de vendas declarado não se compagina com a ausência de estrutura organizativa, a sociedade arguida emitia talões de pesagem, mas o vendedor AA não dispunha de básculas de pesagem, nem se demonstra que tivesse recorrido a terceiros para esse efeito, o que indicia que os pesos que constam das facturas não têm qualquer sustentação. Por outro lado, a mercadoria alegadamente adquirida não originou documentos de entrada no armazém da sociedade arguida, que apenas apresentou talões de pesagem e a empresa do arguido Ligeiro cingia-se ao próprio e a um irmão, que figura como seu empregado a partir de 1/8/07, facto que indicia também ser manifestamente inviável que tivesse o volume de negócios declarado, de mais de dezanove milhões de euros. Além do que todos os locais de carga constantes das facturas indicam a mesma morada, sita em Albergaria-a-Velha, instalações que não comportam o volume de negócio declarado. Tais factos mostram-se corroborados pelo relatório de inspecção de fls. 66 a 207 subscrito pelo Inspector Tributário XX e pelo relatório de inspecção de fls. 332 e ss elaborado pelos Inspectores Tributários YY e ZZ. Indicia-se, portanto, com suficiência nos autos que o arguido AA não desenvolvia actividade comercial compatível com as vendas facturadas. Por outro lado, e no que respeita a estas vendas efectuadas à sociedade arguida resulta do relatório de inspecção da Sr.ª Inspectora WW a que vimos fazendo referência e do depoimento da própria, que o confirma, que AA teria efectuado os pagamentos em numerário, facto que se indicia ser falso, atentos os elevados montantes envolvidos. No que se reporta ao ano de 2008 resulta do relatório de inspecção que consta de 19 a 67 do apenso A (dos autos de processo nº 72/12.5IDPRT incorporado nos presentes) elaborado pelo Inspector Tributário AAA e também referente à sociedade “D..., Lda.” ora arguida, indiciada a mesma prática reiterada entre essa empresa e o arguido AA de contabilização de facturas, emitidas por este último, que não correspondem a operações reais efectuadas entre ambos, pelos mesmos fundamentos que constam do relatório elaborado pela inspectora WW. Deste relatório ressalta indiciada, entre o mais, a ausência de estrutura empresarial que permitisse a AA proceder às vendas declaradas, o facto de as quantidades indicadas nas facturas e guias de transporte serem coincidentes, de datas indicadas nas facturas e nas guias de transporte serem também coincidentes e das pesagens indicadas nas facturas e guias de transporte também o serem, facto que indicia que os transportes não existiriam, dado o vendedor não dispor de básculas. A par destes elementos teve-se presente o depoimento da testemunha BBB – fls. 101 do apenso A – sócio-gerente do gabinete responsável pela contabilidade da sociedade arguida, que confirmou ser o arguido BB o seu único gerente. E bem assim o depoimento de CCC, Técnico oficial de Contasdo arguido AA – fls. 124 do Apenso A – que referiu nunca ter tido acesso a nenhum cheque por ele emitido ou a conta bancária que espelhasse os movimentos declarados pela actividade que exercia ou sequer a extractos de conta. Também este depoimento evidencia a falta de organização da estrutura empresarial do arguido Ligeiro e, consequentemente indicia que as vendas por ele declaradas não são verdadeiras. No mais ponderou-se o que consta dos restantes documentos juntos aos autos, designadamente, do extracto de conta de conferência da sociedade arguida de fls. 19 e 20, das facturas de fls. 21 a 70 já referidas, dos elementos fiscais de fls. 73 a 75 e 189 a 193, da certidão do registo comercial referente à sociedade arguida de fls. 79 a 90, dos já referidos relatórios de inspecção de fls. 6 a 18 do volume I, de fls. 66 e a 207 do volume II e de fls. 332 e ss do volume III e do documento de fls. 208 a 217. Do apenso A ponderou-se o que consta do relatório de fls. 19 a 67 e dos documentos de fls. 72 a 92, em especial as facturas de fls. 87 a 92 e as declarações e elementos fiscais de fls. 132 a 147. Este conjunto de documentos e depoimentos indicia que as operações tituladas pelas facturas contabilizadas pela sociedade arguida e emitidas pelo arguido AA não correspondiam a efectivas transacções comerciais efectuadas entre ambos. Resulta, por isso, fortemente indiciado que foram apresentadas ao fisco facturas cujo suporte documental é falso, uma vez que o emitente não dispunha de estrutura para realizar as vendas declaradas, com vista à obtenção de um benefício ilegítimo em sede fiscal o que sucedeu por actuação conjunta dos arguidos, sendo o arguido BB em representação da sociedade co-arguida. Por outro lado, entendemos que tais indícios não foram abalados em sede de instrução, na medida em que o depoimento prestado pela testemunha DDD, tio da mulher do arguido, se nos afigurou muito pouco credível pois, não obstante tenha afirmado ter trabalhado na empresa de sucata do arguido Ligeiro, entre 2007 e 2009, em ..., Águeda, não conseguiu indicar com precisão o seu local de trabalho, inicialmente não soube sequer indicar qual o seu salário, referiu estar inscrito na segurança social, mas esse facto não se indicia dos autos, uma vez que consta do relatório de inspecção que o arguido tinha apenas declarado o seu irmão como seu trabalhador, disse trabalhar no armazém e o arguido ter ao seu serviço outros dois funcionários, mas também não os conseguiu identificar. Afirmou que o arguido teria outras instalações em Albergaria, mas também não soube esclarecer quem ali trabalhava e que actividade em concreto ali se desenvolvia. Referiu que o arguido não dispunha de equipamento de fundição e não conseguiu explicar onde fundia os lingotes de sucata que vendia. Declarou que nunca se deslocou ao escritório da empresa e que era o arguido quem tratava da contabilidade e quem emitia as facturas, não lhe conhecendo qualquer funcionário administrativo. * Direito:Aos arguidos vem imputada a prática, em co-autoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada p. e p. pelos art. 103º, nº 1, alínea c) e 104º, nº 1, al. d) e) e nº 2, do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, sendo a sociedade arguida criminalmente responsável por força do disposto pelo art. 7º, nº 1 do mesmo diploma legal. Prescreve o art. 103º do RGIT: (…) No caso concreto indicia-se que o arguido BB, na qualidade de legal representante da sociedade co-arguida, obteve do arguido AA as facturas referidas que incorporou na contabilidade da sociedade, facturas essas que não correspondiam a qualquer negócio efectivamente celebrado entre a sociedade arguida e o arguido AA e que se destinaram apenas a permitir àquela pagar menos impostos, mediante alteração dos registos contabilísticos e declarações fiscais da sociedade que o arguido BB geria. Assim, indicia-se que o arguido BB fez incorporar na contabilidade da sociedade co-arguida e nas declarações fiscais de IRC dos anos de 2007 e 2008, essas facturas como se correspondessem a negócios reais mantidos com o arguido AA, o que não correspondia à realidade, como ambos bem sabiam, uma vez que essas facturas se destinaram unicamente a permitir à sociedade proceder a deduções indevidas de IVA e a abatimentos nos pagamentos de lRC, materializadas através da adulteração dos registos contabilísticos e declarações fiscais, obtendo com o procedimento referido, vantagem patrimonial com a consequente diminuição das receitas tributárias. Desta forma, em virtude de ter declarado como custos o valor líquido das facturas referidas a sociedade arguida deixou de pagar ao Estado a título de IRC a quantia de € 592.086,13 relativa ao ano de 2007 e a quantia de € 107.217, relativa ao ano de 2008, por efeito das declarações fiscais apresentadas, respectivamente, em 17 de Maio de 2008 e 29 de Maio de 2009 onde o arguido BB fez incluir os valores constantes daqueles documentos comerciais emitidos pelo arguido AA e que não correspondiam a transacções efectivamente realizadas. Sendo estes os factos indiciados, verifica-se também indiciariamente preenchido pelos arguidos pelos arguidos BB e AA e bem assim pela arguida pessoa colectiva, em nome e no interesse de quem o arguido BB agiu, dos elementos objectivos do tipo legal do crime de fraude fiscal p. e p. pelo art. 103º, nº 1, al. c) e nº 2 e art. 104º, nº 2 do RGIT. E porque se indicia que os arguidos actuaram de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo, com o propósito de emitirem, obterem e integrarem na contabilidade da sociedade arguida e subsequentes declarações fiscais, as aludidas facturas, que sabiam não corresponderem a qualquer negócio, para assim enganarem a administração fiscal, empolando os custos da actividade da sociedade arguida, conseguindo, deste modo, o arguido BB diminuir os impostos a pagar pela sociedade co-arguida e apropriar-se dos valores acima referidos em detrimento da Fazenda Nacional, sabendo ambos que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, também os elementos subjectivos do tipo estão suficientemente indiciados. A sociedade co-arguida é penalmente responsável nos termos do disposto pelo art. 7º, nº 1 e 3 do RGIT, porquanto se indicia que o facto foi praticado por quem actuou em termos de exprimir ou vincular a vontade da pessoa colectiva, procurando a satisfação dos seus interesses, o arguido BB seu único sócio e gerente. Gerente é precisamente o titular do órgão executivo da sociedade (Pinto Furtado, Código Comercial Anotado, 2º vol., pág. 777) isto é, é ele quem a representa perante terceiros, exprimindo ou vinculando a vontade da sociedade procurando a satisfação dos interesses dessa pessoa. Donde, compulsados os autos e analisada toda a prova produzida se possa concluir, com o grau de certeza indiciário desta fase processual, que existem indícios suficientes da prática pelo arguido requerente da instrução e pelos arguidos não requerentes, BB e a sociedade por ele representada, do crime de fraude fiscal qualificada da previsão dos art. 103º, nº 1, al. c) e nº 2 e 104º, nº 2 do RGIT, que lhes vem imputado, não tendo esses indícios fortes sido abalados pela prova produzida em sede de instrução. * (…)* Decisão:Em face do exposto, e ao abrigo do disposto pelo art. 308º, nº 1 do Código de Processo Penal, por terem sido recolhidos indícios suficientes da prática do crime que lhes vem imputado pronuncio para julgamento em processo comum e com intervenção do Tribunal Singular os arguidos AA, BB e a sociedade “D..., Lda.”, pelos factos e com o enquadramento jurídico-penal constante da acusação de fls. 251 e ss, para o que expressamente remeto, nos termos do disposto no art. 307º, nº 1 do Código de Processo Penal. (…)” Conhecendo. A decisão inicial do Tribunal a quo declarou extinto o procedimento criminal contra o arguido, acolhendo a exceção de caso julgado, com base no princípio ne bis in idem (ninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo facto), visto que ele já havia sido condenado em um processo anterior (...) por factos semelhantes relacionados com a emissão de faturas falsas. O tribunal considerou a conduta criminosa como uma unidade, devido a uma única resolução criminosa e identidade fáctica, apesar de envolver períodos e faturas distintas. O MP interpôs recurso, argumentando contra a identidade fáctica e de sujeitos entre os dois processos, sublinhando que as faturas, os destinatários e os exercícios fiscais envolvidos são distintos, o que impede a aplicação do caso julgado material. Pretende que a decisão seja revogada, a fim de que o arguido seja submetido a julgamento pelos factos imputados nos autos presentes. O Conceito de Caso Julgado e o Princípio Ne Bis In Idem O caso julgado é um corolário do princípio ne bis in idem, consagrado no art. 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual estabelece que ninguém pode ser condenado ou julgado duas vezes pelo mesmo facto. Este princípio visa evitar a dupla responsabilização do arguido pelos mesmos factos e limitar o poder de perseguição e julgamento do Estado. Para que a exceção de caso julgado (material) funcione e produza o seu efeito impeditivo, a imputação tem que ser idêntica. A imputação é idêntica quando tem por objeto o mesmo comportamento atribuído à mesma pessoa (eadem res), exigindo-se a identidade fáctica, independentemente da qualificação legal (nomen iuris). O que se procura evitar é a dupla apreciação jurídico-penal de um determinado objeto já julgado, entendendo-se o "crime" como um dado facto ou acontecimento histórico. A doutrina dominante aponta para a necessidade da identidade de três vetores para que se verifique o caso julgado em processo penal: 1. Identidade do agente (pessoa do acusado). 2. Identidade do facto legalmente descrito (o acontecimento histórico/comportamento). 3. Identidade do bem jurídico agredido. Haverá caso julgado formal se a sentença ou o despacho incidirem, apenas, sobre a relação processual, circunscrevendo-se a sua força obrigatória à questão processual concreta julgada no processo (art.º 620.º do CPC). Conforme referido em Ac. STJ de 20.2.2010, in www.dgsi.pt “o caso julgado enquanto pressuposto processual, conforma um efeito negativo que consiste em impedir qualquer novo julgamento da mesma questão. É o princípio do ne bis in idem, consagrado como garantia fundamental pelo art. 29.°, n.° 5, da CRP: ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime. Com os conceitos de caso julgado formal e material descrevem-se os diferentes efeitos da sentença. Com o conceito de caso julgado formal refere-se a inimpugnabilidade de um decisão no âmbito do mesmo processo (efeito conclusivo) e converge com o efeito da exequibilidade da sentença (efeito executivo). Por seu turno, o caso julgado material tem por efeito que o objecto da decisão não possa ser objecto de outro procedimento. O direito de perseguir criminalmente o facto ilícito está esgotado. No que concerne à extensão do caso julgado pode distinguir-se entre caso julgado em sentido absoluto e relativo: no primeiro caso a decisão não pode ser impugnada em nenhuma das suas partes. O caso julgado relativo é objectivamente relativo quando só uma parte da decisão se fixou e será subjectivamente relativo quando só pode ser impugnada por um dos sujeitos processuais. Há caso julgado formal quando a decisão se torna insuscetível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicati). O caso julgado formal respeita, assim, a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito. Em processo penal o caso julgado formal atinge, pois, no essencial, as decisões que visam a prossecução de uma finalidade instrumental que pressupõe estabilidade – a inalterabilidade dos efeitos de uma decisão de conformação processual ou que defina nos termos da lei o objecto do processo –, ou, no plano material, a produção de efeitos que ainda se contenham na dinâmica da não retracção processual, supondo a inalterabilidade sic stantibus aos pressupostos de conformação material da decisão. No rigor das coisas, o caso julgado formal constitui um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual.” Com base na informação nos autos, pode concluir-se que não existe nenhuma fatura que seja idêntica nos dois processos em confronto, em termos de número e data, e de objeto da acusação. De facto como refere o M.P. no processo n.º ... estão abrangidas faturas falsas emitidas pelo arguido AA desde junho de 2005 até outubro de 2007. Estas faturas foram utilizadas pelas sociedades A... Lda. (S.A.), B..., Lda., e C..., S.A.. Nos presentes autos imputa-se ao arguido a emissão de 52 faturas (I a LII), datadas de janeiro de 2007 até maio de 2008. Estas faturas foram emitidas no âmbito de um acordo específico com o arguido BB e utilizadas pela sociedade D... LDA.. E embora haja uma sobreposição no intervalo temporal de emissão das faturas (entre janeiro de 2007 e outubro de 2007), essa coincidência é apenas parcial por intervalo de tempo e não quanto à data específica de cada fatura, que é, por norma, distinta. Ou seja, nenhuma das faturas descritas na acusação dos presentes autos (e utilizadas pela sociedade D... LDA.) foi invocada, tratada, criminalmente avaliada ou sequer apreciada no processo n.º .... No processo anterior, não foi localizada "nenhuma factura idêntica à dos presentes autos" como afirma o M.P.. Acresce que as faturas em cada processo têm destinatários diferentes, números e valores diferentes, e poderão corresponder a acordos criminosos diferentes, que analisaremos infra. Ora, a falta de identidade do facto submetido a julgamento é um ponto crucial, uma vez que a identidade fáctica exige a identidade do mesmo comportamento atribuído à mesma pessoa para que se verifique o caso julgado material. A questão de saber se o dolo (ou a resolução criminosa) do arguido AA é o mesmo nos dois processos é o ponto central de divergência entre a decisão do juiz (A Quo) e a motivação do recurso apresentada pelo Ministério Público (M. P.). Segundo o tribunal a quo afirma-se a Unidade de Sentido e do Dolo Único O Tribunal a quo concluiu que o dolo do arguido era o mesmo nos dois processos, o que justificava a aplicação da exceção de caso julgado. Como argumentos refere, em síntese, a existência de um dolo ou resolução criminosa única uma vez que a pronúncia sustenta a existência de um dolo único, razão pela qual apenas imputa ao arguido a prática de um único crime de fraude fiscal, tal como também aconteceu no processo ... Na sua perspetiva é notório que apenas existe uma resolução criminosa, a de obter proventos não concretamente apurados através da emissão de faturação falsa. Considera que a atuação objeto de um e de outro processo é a mesma, a de "mero difusor de facturas" e de outros documentos de suporte de vendas. O juiz a quo considerou inelutável que à atuação do arguido presidiu uma única resolução criminosa, apreciada naquele primeiro processo, a de, naquele concreto hiato temporal, emitir inúmeras faturas falsas e "vendê-las" a quem as quisesse utilizar para os apontados fins. Esta unidade de sentido (o recorte de vida anteriormente julgado) levaria o efeito consuntivo do caso julgado a abranger todos os factos, mesmo os posteriores não abrangidos naquela decisão, ainda que não constituíssem total sobreposição. Ora, embora o arguido seja o mesmo e o modus operandi seja idêntico, a resolução criminosa pode não ser considerada única para efeitos de caso julgado. De facto tendo presente a pronúncia, parece estarmos perante Acordos Criminosos Distintos. Isto é, O plano criminoso estabelecido entre o arguido AA e os representantes das sociedades identificadas no processo n.º ... não é o mesmo acordo criminoso que o mesmo estabeleceu com o representante da sociedade identificada nos presentes autos (BB/D... LDA.). Estão em causa pessoas diferentes como destinatários das faturas, faturas de valores e numeração diferentes, momentos diferentes da emissão e utilização das mesmas, exercícios fiscais diferentes e, consequentemente, vantagens patrimoniais ilegítimas diferentes. A vantagem ilegítima obtida em cada processo é factualmente separável e autonomizável e, por isso, juridicamente penalmente independente. Por sua vez, mesmo que se invoque um dolo ou resolução criminosa única, esta pode não abranger faturas emitidas e utilizadas num momento posterior (os 8 meses posteriores a Outubro de 2007) à emissão/utilização da última fatura apreciada no processo anterior. Tal carecerá de apreciação em julgamento. A prova a produzir-se inclinará ou não o julgador para uma situação de apenas um única resolução criminosa reportada à apurada no processo anterior ou eventualmente à existência de uma outra resolução criminosa. No limite pode dizer-se que se um individuo do ponto de vista subjetivo manifestar intenção de realizar numa noite diversos furtos numa avenida do Porto e os concretizar não irá ser punido por apenas um crime de furto se tiver realizado dez. Em resumo, a decisão do juiz a quo defende que, do ponto de vista subjetivo (a intenção subjacente do arguido em emitir faturas falsas para benefício próprio, ou seja, o único projeto de fraude fiscal era o arguido ser o fornecedor habitual de faturas falsas), o dolo é o mesmo (dolo único). Nós dizemos que, do ponto de vista objetivo-fáctico (o acontecimento histórico e o significado jurídico concreto do crime), os dolos poderão ser distintos, tanto mais que resultam de acordos específicos separados, afetando diferentes sujeitos passivos e resultando em diferentes vantagens/prejuízos. O caso julgado material exige a identidade do facto concreto, e a distinção dos destinatários e dos acordos pode levar a concluir que os factos e, consequentemente, o dolo que lhes é inerente, são distintos. Donde, o Tribunal recorrido considerou que havia coincidência de sujeitos, do enquadramento espácio-temporal e da factualidade subjacente, concluindo que a atuação do arguido como "mero difusor de facturas" integrava uma única resolução criminosa (dolo único), devendo o caso julgado abranger todos os factos como uma "unidade de sentido". Contudo, embora o arguido AA e o tipo legal de crime sejam idênticos, existe uma falta de identidade no facto submetido a julgamento, baseada em diferenças temporais e de sujeitos destinatários. Embora o arguido AA figure nos dois processos como emitente de faturas falsas, os demais intervenientes e destinatários/beneficiários da fraude são distintos. No Processo n.º ... (Processo anterior), o arguido foi condenado por emitir faturas falsas para as sociedades A... Lda. (S.A.), B..., Lda., e C..., S.A.. Estes destinatários eram, em parte, os "A...". Nos presentes autos as faturas falsas imputadas dizem respeito a um acordo específico com o arguido BB, em nome da sociedade arguida D... LDA., que as integrou na sua contabilidade para reduzir os montantes de IVA e IRC. Nenhuma das faturas descritas nos presentes autos foi sequer avaliada no processo anterior, e a sociedade D... LDA. ou o seu representante legal não foram aí arguidos. A vantagem patrimonial ilegítima obtida no processo anterior é, factualmente separável e autonomizável da vantagem que é objeto dos presentes autos, implicando vantagens e prejuízos distintos causados ao Estado português. O plano criminoso estabelecido com os representantes das sociedades no processo n.º ... poderá não se confundir com o acordo celebrado com o representante da sociedade identificada nos presentes autos, sendo diferentes as pessoas, as faturas, os exercícios fiscais e as vantagens ilegítimas. E embora o Tribunal recorrido tenha referido a coincidência espácio-temporal, a coincidência temporal é apenas parcial, pois no Processo n.º ... são abrangidas faturas emitidas de Junho de 2005 até Outubro de 2007 e nos presentes autos as faturas emitidas de Janeiro de 2007 até Maio de 2008. Há 8 meses de produção de faturas falsas e respetiva utilização (de Outubro de 2007 a Maio de 2008) que não têm qualquer correspondência temporal com os factos do processo anterior. Mesmo que se invoque um dolo ou resolução criminosa única (como fez o Tribunal A Quo), esta poderá não abranger faturas emitidas e utilizadas num momento posterior aos factos apreciados e inseridos no objeto do processo anterior. O M. P. tem razão nos seus argumentos ao sustentar que não se verifica a exceção do caso julgado pelo menos no momento atual. Haverá que apurar se, o acontecimento histórico concreto (o facto) é efetivamente distinto, pois tal com está a pronúncia: 1. Os factos envolvem diferentes destinatários da fraude (beneficiários das deduções fiscais). 2. Os factos envolvem acordos criminosos distintos e a concretização de vantagens patrimoniais ilegítimas separáveis. 3. Existe uma clara dissonância temporal quanto à emissão e utilização de faturas, com factos imputados nos presentes autos que ocorreram após a cessação temporal do objeto do processo anterior (até Maio de 2008 versus Outubro de 2007). Restando apurar se tais acordos estão abrangidos pelo dolo inicial. Para que o caso julgado se aplicasse no momento, seria necessária uma identidade completa do objeto do processo, entendido como o conjunto de factos concretos que constituem a pretensão punitiva. No momento não se preenche a identidade fáctica exigida pelo princípio ne bis in idem. Como bem refere o M.P. tal como um detetive fiscal precisa de recolher evidências para cada crime fiscal específico, provando quem usou a fatura e quando, a aplicação do caso julgado em matéria de fraude fiscal deve focar-se na identidade do prejuízo causado ao Estado através de uma ação específica e concretizada (acontecimento histórico), e não apenas no papel genérico do arguido (mero difusor), especialmente quando as ações ocorrem em momentos e acordos distintos. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão no entendimento de que, apesar de estarem em causa inúmeras faturas falsas, havia coincidência de sujeitos, do enquadramento espácio-temporal e da factualidade subjacente à ação. assentando em dois pilares principais: 1. Dolo Único e Unidade de Sentido: A atuação do arguido AA era uma única resolução criminosa, a de "mero difusor de facturas". 2. Efeito Consuntivo: O que releva é o acontecimento naturalístico vivenciado ou "recorte de vida anteriormente julgado", pelo que o efeito consuntivo do caso julgado abrange todos os factos que se consideram englobados nessa "unidade de sentido", ainda que não haja total sobreposição. Ora, para que a exceção do caso julgado material funcione, é necessária a identidade fáctica. Embora o princípio ne bis in idem proíba a dupla apreciação jurídico-penal do mesmo facto, o objeto dos presentes autos pode ser autonomizável e distinto do objeto do processo anterior (nº ...).Já o é quanto à sociedade a favor de quem foram emitidas faturas falsas, acordo concreto entre AA e o arguido BB enquanto sócio gerente da sociedade D... LDA.(estes últimos não foram arguidos no processo anterior), faturas diferentes, hiato temporal . Resta saber se se acoberta sobre a mesma resolução criminosa. O plano criminoso estabelecido com os destinatários do primeiro processo pode não se confundir com o acordo específico nos presentes autos até porque a vantagem patrimonial ilegítima obtida em cada processo é separável e juridicamente independente. A decisão do juiz a quo é questionável porque aplicou um princípio de unidade de sentido (o arguido ser um "difusor de faturas" com dolo único) de forma demasiado ampla, englobando factos que são materialmente (destinatários) e temporalmente (meses posteriores) distintos do objeto do processo anterior, não esperando pela apreciação dos factos em julgamento, até porque, a identidade do facto exige que se considerem os diferentes prejuízos causados ao Estado resultantes de acordos criminosos separáveis. Isto não significa que após a produção da prova se conclua que os factos imputados aos arguido relativos a faturas falsas abrangem os que constam no processo anterior, bem como outras que tenham sido posteriormente apuradas em investigação, configurando uma única resolução criminosa. A emissão e utilização das faturas falsas, ainda que referentes a períodos ou exercícios fiscais diferentes, podem constituir um plano ou desígnio criminoso único, cuja abrangência pode ultrapassar as faturas inicialmente julgadas no processo, incluindo aquelas apuradas durante a investigação posterior. Seguindo de perto, relatora Ana Barata Brito no Acórdão da Relação de Évora no processo n.º 266/07.5TATNV.E1 datado de 02-07-2019 in dgsi.pt relevante para o tema da extensão do dolo no contexto de faturas falsas. E ainda Ac. Supremo Tribunal de Justiça (STJ) no processo n.º 266/07.5TATNV.E1.S1 de 27.01.21, in dgsi.pt. “Em situações em que existe um plano ou desígnio criminoso integrado e continuado, o dolo do agente estende-se não só às faturas deliberadamente emitidas/utilizadas no espaço temporal inicial identificado na acusação, mas também às demais faturas apuradas durante a investigação, desde que façam parte do mesmo esquema ou resolução criminosa. O dolo, portanto, abrange todas as condutas e documentos que se inserem numa estratégia continuada de fraude, ainda que tais elementos se tornem conhecidos apenas posteriormente à instauração do processo.” A jurisprudência do STJ sugere que, em crimes fiscais relacionados com faturas falsas, o dolo do agente não se restringe às faturas inicialmente conhecidas e julgadas, podendo abranger todas aquelas cuja falsidade se prove fazer parte da mesma conduta delituosa continuada, ainda que descobertas ao longo da investigação e anexadas posteriormente aos autos, desde que integradas na mesma “resolução criminosa.” A Srª relatora Ana Barata Brito reconheceu que: O dolo abrange todas as condutas que resultam de uma resolução criminosa única, estando os factos imputados (emissão/utilização de faturas falsas de 2001 a 2004) ligados a um plano articulado e prolongado para obtenção de vantagens fiscais indevidas. As faturas falsas apuradas posteriormente em investigações podem ser incluídas nesse plano, desde que no mesmo contexto de continuidade delitiva, sem quebra da unidade resolutiva. Do ponto de vista processual, não se verifica violação do caso julgado pelo acréscimo de novos factos à investigação inicial, porque todos integram, materialmente, a mesma sequência de atuação e intencionalidade criminosa (aplicou, nesse domínio, a doutrina de J. Alberto dos Reis e Rodrigues Bastos). Estes fundamentos consolidam o princípio de que a análise do dolo e da continuidade delitiva deve ser feita em função do desígnio criminoso global e não apenas das condutas individualizadas inicialmente no processo, afastando a ideia de fragmentação processual sempre que haja uma lógica criminal conjunta e continuada. Transcreve-se algumas partes desta decisão, por pertinentes ao caso: “Assim, e tendo em conta agora apenas uma análise ou percepção mais “naturalística” do facto (no sentido de acontecimento de vida), nada permite concluir que se trataria, num e noutro processo, do “mesmo facto”, atenta as dissimilitudes de circunstâncias referidas. Mas esta constatação – de uma ausência de identidade na descrição dos factos que são objecto de apreciação dos dois processos –, importante é certo na decisão do problema de caso julgado colocado em recurso, não resolve por si só a questão colocada, muito menos na forma como ela se mostra apresentada. Na verdade, as recorrentes, não negando a evidência desta dissimilitude de factos e de circunstâncias, vêm dizer que de outras circunstâncias, estas sim mais coincidentes e mais semelhantes – designadamente da identidade de alguns dos sujeitos envolvidos (pessoas individuais e colectivas) e de algumas das formas de actuação adoptadas – se retiraria, no entanto, uma unidade de resolução criminosa à luz da qual as arguidas teriam sempre agido (quer ao longo do período temporal abrangido no processo de Braga, quer no do processo presente). Por esta razão, dever-se-ia considerar a existência de um único crime de fraude fiscal qualificada, que teria sido já objecto de apreciação no outro processo, e que obstaria aqui (e agora) a (novo) conhecimento. Pretendem, em suma, ver reconhecido o caso julgado material absolutório, à luz da configuração de todos os factos como “crime único” (pugnando também pelo afastamento de uma eventual continuação criminosa) o que, a proceder, ditaria a revogação da sentença condenatória, por se encontrar esgotado o poder jurisdicional para dela conhecer. Independentemente da maior ou menor (des)coincidência do “facto naturalístico” é efectivamente sobretudo esta a questão que importa decidir: o problema da identidade do “facto jurídico”, pois no direito e processo penal os factos só interessam pela sua relevância e significância normativa. E interessa então aferir dessa eventual identidade jurídica, quer à luz da configuração como crime continuado (como foi considerado nas duas decisões em análise: as arguidas estão condenadas como co-autoras de um crime continuado de fraude fiscal qualificada), quer à luz do crime único, como pretendido pelas arguidas. Disse-se já que os factos dos autos, agora numa perspectiva naturalística, não foram realmente apreciados no processo anterior. Neste sentido (mais naturalístico), eles ficaram indubitavelmente fora do objecto daquele processo e do julgamento e, neste sentido também, são factos novos, porque não conhecidos anteriormente. Mas sabe-se que o “puro facto” e o “puro direito” não se encontram nunca na “vida jurídica”. Nesta, “o facto não tem existência senão a partir do momento em que se torna matéria de aplicação do direito, o direito não tem interesse senão no momento em que se trata de aplicar ao facto; pelo que, quando o jurista pensa o facto, pensa-o como matéria de direito, quando pensa o direito, pensa-o como forma destinada ao facto” (Castanheira Neves, “A Distinção entre a Questão-de-facto e a Questão-de-direito e a Competência do Supremo Tribunal de Justiça como Tribunal de «Revista»”, in Digesta, 1995, pp. 483-530). No caso em apreciação, os concretos factos, novos em sentido naturalístico, em princípio sê-lo-iam igualmente em sentido normativo, na configuração como crime continuado, pois a continuação criminosa tem na sua base um concurso de crimes e, também neste sentido, os factos em sentido normativo seriam igualmente outros, não, os mesmos. Mas mesmo caracterizados como crime continuado, em abstracto poderiam ser considerados como configurando os factos integrantes (em conjunto com os restantes já conhecidos no outro processo) do (mesmo) crime continuado, já conhecido ali. Tratar-se-ia de apreciar aqui e decidir sobre se os factos novos fariam parte de (e como tal deveriam ser incluídos em) uma continuação criminosa já conhecida em anterior processo. Ensina Eduardo Correia que “quando o juiz investiga e decide que certos factos estão em qualquer relação de unidade com outros apreciados numa sentença anterior (…) não pratica absolutamente nada que contradiga aquela decisão. O que tão-somente faz com isso é integrar o conteúdo de tal sentença, é perguntar até que ponto se deveria ter alargado a cognição do tribunal no primeiro processo, com vista a determinar em que limites se devem entender as coisas como julgadas”. “Nada impede”, prossegue o autor, “considerar existente para efeitos da determinação da identidade do objecto processual, uma relação de continuação entre certos factos e outros já julgados, pois desta sorte apenas se verificam os limites da unidade jurídica que deveria ter sido conhecida e que, como tal, se deve dizer apreciada e contida na primeira sentença” (Unidade e Pluralidade de Infracções”, in A Teoria do Concurso em Direito Criminal (reimpr.), 1963, p. 352). Eduardo Correia afirmou um princípio de “consunção do direito de acusação por força de um julgamento definitivo anterior”, que se verificava “na precisa medida da extensão dos poderes e deveres de cognição do juiz relativamente aos factos nele apreciados”, e do qual resultaria que “se algumas actividades que fazem parte de uma continuação criminosa foram já objecto de sentença definitiva, ter-se-á de considerar consumido o direito de acusação relativamente a quaisquer outras que pertençam a esse mesmo crime continuado, ainda que elas de facto tivessem permanecido estranhas ao conhecimento do juiz (loc. cit. p. 350). O legislador de 2007 (Lei nº 59/2007) veio contrariar em parte esta posição, e em matéria de punição do crime continuado o nº 2 do art. 79º do CP passou a dispor que “se depois de uma condenação transitada em julgado, for conhecida uma conduta mais grave que integre a continuação, a pena que lhe for aplicável substitui a anterior”. Da actual redacção do art. 79º do CP resulta que “o efeito de caso julgado deixa de se poder estender a todos os factos que integram a continuação criminosa” (Maria João Antunes, Alterações ao Sistema Sancionatório, Revista do Cej, nº 8, p. 11), contrariamente ao defendido por Eduardo Correia. E embora pudesse não repugnar que “no caso de conhecimento superveniente de condutas que se reconhecesse integrarem uma continuação criminosa com outras já julgadas, o tribunal pudesse delas conhecer, ainda que de gravidade igual às anteriores, determinando uma nova pena para a continuação criminosa dentro da moldura abstracta aplicável”, o certo é que o nº 2 do art. 79º apenas contempla o conhecimento superveniente de condutas mais graves (assim, Jorge Gonçalves, A revisão do CP: alterações ao sistema sancionatório, Revista do Cej, nº 8, p. 35). E contempla-a apenas para o caso de já ter havido uma decisão anterior de condenação. Assim, no caso presente, o conhecimento da excepção invocada nos recursos pressupõe a decisão sobre a eventual viabibilidade da configuração jurídica dos factos provados como uma “continuação criminosa” – concretamente como integrando a mesma continuação criminosa que foi conhecida no processo anterior e que terminou em absolvição – ou então como “crime único” – no sentido de integrarem o mesmo crime que foi já conhecido nesse outro processo. Nesta segunda hipótese, operaria sem mais o caso julgado absolutório. Na primeira situação, haveria então que determinar quais os efeitos e consequências de uma decisão absolutória anterior nas condutas criminosas provadas e ainda não abrangidas na condenação anterior. Eduardo Correia lembra que “o fundamento central do caso julgado radica numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar, através dele, aos cidadãos, a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com um eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto” (A Teoria do Concurso em Direito Criminal, I – Unidade e Pluralidade de Infracções, II – Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, 1983, p.301/2). E o art. 29º, nº 5 da CRP impede que uma mesma questão seja de novo apreciada, proibindo que se seja julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime. Olhando então as matérias de facto que constituem o objecto dos dois processos em confronto, adianta-se que a leitura de todos os factos em análise – os conhecidos no primeiro processo e os agora em apreciação – não permite concluir globalmente tratar-se, desde logo, de um único e mesmo crime de fraude fiscal qualificada (como defendem as recorrentes nos seus recursos). Esta hipótese é claramente de afastar. Na verdade, as recorrentes defendem ter actuado sempre no âmbito de uma mesma e única resolução criminosa, ao longo de todos os anos e em todas as circunstâncias de modo e de lugar descritas na(s) matéria(s) de facto(s). E dessa unidade de resolução resultaria uma unidade de infracção. Mas não têm razão, e essencialmente por dois fundamentos de ordem diversa. Primeiro, e em concreto, a pretendida unidade de resolução não se retira do conjunto dos factos (os provados nos autos e os apreciados no outro processo). O “ilícito global” em análise antes indicia resoluções criminosas plúrimas, porque renovadas ao longo do tempo (ao longo dos anos), em diversos e diferentes contextos de relacionação com terceiros envolvidos (co-arguidos, empresas e outros operadores) e em diversos e diferentes contextos de procedimentos adoptados. Uma ficção sem o mínimo fundamento seria, sim, o considerar-se que as arguidas agiram sempre, ao longo de anos de tão activa e tão renovada actividade, no âmbito de uma mesma e única resolução. As similitudes de procedimentos e de oportunidades detectadas nos factos e a que também se fez já alusão, tiveram uma repercussão jurídica, mas apenas ao nível da configuração desses factos como continuação criminosa (pois as arguidas estão condenadas por crime continuado). E aqui, agora já na visão dos factos como continuação criminosa (e assim foi configurado nos dois processos-crime em análise), também não se estaria na presença de uma única continuação criminosa que abrangesse os dois processos. Estar-se-ia sempre na presença de duas continuações criminosas (a que foi objecto do primeiro processo e a que é objecto do presente), duas continuações no mínimo (e outra hipótese mais desfavorável às arguidas não pode agora ser considerada, atento o sentido dos recursos interpostos), cada uma destas apreciada autonomamente em cada um dos processos. A diversidade dos factos e das circunstâncias exteriores diminuidoras da culpa, que se encontram distintamente nos dois processos, apontam claramente nesse sentido. Segundo, a unidade de resolução criminosa (que, em concreto, nem se verifica) é apenas um critério, que indicia ou sugere a unidade da infracção, mas não a impõe. Precisando as afirmações jurídicas enunciadas, ao convocar o critério da unidade de resolução criminosa pretendendo elegê-lo como decisivo na determinação do número de crimes efectivamente cometidos, embora sem a nomear, as recorrentes estarão a aludir à doutrina de Eduardo Correia. E há que reconhecer que durante anos os tribunais a acolheram como a determinante na decisão sobre a unidade de crime e o concurso. Mas há algum tempo que os tribunais acolhem igualmente a doutrina de Figueiredo Dias, procedendo à aplicação prática do seu critério da unidade ou pluralidade de sentidos sociais de ilicitude em decisões que versam o concurso homogéneo de crimes (qiue é o que está em causa aqui). Veja-se, por exemplo e entre muitos outros, o acórdão do STJ de 30-10-2014 (Rel. Helena Moniz). É certo que inexiste unidade de tratamento teórico, quer doutrinário quer jurisprudencial, sobre a matéria em causa. Na doutrina, Cavaleiro de Ferreira, Eduardo Correia, Figueiredo Dias, José Lobo Moutinho e Duarte de Almeida, para referir apenas alguns dos autores mais representativos, desenvolveram importantes trabalhos de concretização conceptual em matéria de unidade e pluralidade de infracção, com propostas autónomas e próprias de critérios de decisão do problema do concurso (veja-se, Eduardo Correia, “Unidade e Pluralidade de Infracções”, A Teoria do Concurso em Direito Criminal (reimpr.), Coimbra: Almedina, 1963, pp. 7-291; Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal. Parte Geral I: A Lei Penal e a Teoria do Crime no Código Penal de 1982 (reimpr. da 4ª ed., 1992), Coimbra: Almedina, 2010, pp. 519 e ss; Figueiredo Dias, Direito Penal: Parte Geral I. Questões Fundamentais: a Doutrina Geral do Crime, 2ª ed., 2007, pp. 977 e ss; Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, 2005; e Duarte D’Almeida, O “Concurso de Normas” em Direito Penal, Coimbra: Almedina, 2004). A lei elegeu como factor decisivo a unidade ou pluralidade de tipos legais de crime violados, mas o problema do número de crimes efectivamente cometidos nunca se pode resolver no campo da pura abstracção. Na leitura de Figueiredo Dias, o critério é o da unidade ou pluralidade de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global. Sendo o crime o facto punível, ele traduz-se numa violação de bens jurídico-penais que preenche um determinado tipo legal. O núcleo dessa violação não é o mero actuar do agente, nem o tipo legal que o integra, mas o ilícito-típico: o que está em causa é, assim, determinar a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica em que o significado do comportamento global do agente se traduz – e é essa determinação que decide da unidade ou pluralidade de crimes. Assim, para o que agora interessa, e ainda na visão de Figueiredo Dias, nas situações em que o mesmo tipo de crime é várias vezes preenchido pelo comportamento do agente, podem distinguir-se os casos mais “normais”, em que a esta pluralidade corresponde uma pluralidade de sentidos sociais de ilicitude típica (concurso efectivo ou próprio) daqueles em que, apesar de serem vários os tipos preenchidos ou em que o mesmo tipo é preenchido várias vezes, se retira do comportamento global do agente um sentido de ilicitude dominante ou um único sentido de ilicitude (concurso aparente ou impróprio) (cf. ob. cit. pp. 988-990, itálico nosso). Para determinar se se está perante uma ou mais resoluções criminosas, Eduardo Correia, recomenda atentar no modo como se desenvolveu o acontecimento exterior e, em particular, na conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente. Tendencialmente, haverá uma pluralidade de resoluções sempre que medeie entre as actividades do agente um intervalo de tempo tal que, de acordo com as conhecidas leis psicológicas da comum experiência das coisas, possamos afirmar que o agente as levou a cabo sem qualquer renovação do processo de motivação. E à crítica de que, segundo esta posição, é decisivo não o que se passa efectivamente na cabeça do agente mas um critério de normalidade, substituindo, assim, a verdade por uma ficção, responde o autor que o critério da conexão temporal não é rígido, admitindo a prova de que o agente se determinou efectivamente de forma diversa da que resulta do critério da conexão temporal. E isto vale tanto para dizer que, apesar da estreita conexão temporal, poderá vir a provar-se a pluralidade de resoluções criminosas, como também para aceitar que “actos executivos da mesma resolução podem desenvolver-se em tempos diversos”. Em síntese, para Eduardo Correia, o número de vezes de preenchimento do tipo pela conduta do agente conta-se pelo número de juízos de censura de que o agente se tenha tornado passível, o que, por sua vez, se deve reconduzir à pluralidade de processos resolutivos, resoluções ou decisões criminosas. Figueiredo Dias privilegia o significado do comportamento global no apuramento do(s) sentido(s) material(is) de ilicitude, critério teleologicamente orientado a uma valoração normativa “a partir da consequência”. Assim, o preenchimento, em concreto, de vários tipos legais pelo comportamento do agente não implicará necessariamente o concurso efectivo, pois pode concluir-se pela existência de um sentido de ilicitude dominante. Do mesmo modo, também o preenchimento de um único tipo legal não se traduzirá automaticamente na unidade do facto punível, podendo dar-se o caso de o comportamento do agente revelar uma pluralidade de sentidos de ilicitude. Na “apreensão do conteúdo de ilicitude material do facto”, o juiz não pode circunscrever-se a um mero trabalho sobre normas e pode socorrer-se de alguns subcritérios, como o da unidade do desígnio criminoso do agente (o critério de Eduardo Correia), o da conexão situacional espácio-temporal, o dos diferentes estádios de realização da actuação global, entre outros. Serão sempre as particularidades do caso concreto a decidir da premência de uns em detrimento de outros, podendo acontecer que dois ou mais critérios convirjam em direcção ao mesmo resultado. Eles funcionam, então, como indicadores seguros da unidade ou da pluralidade de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global. Em relação à posição de Eduardo Correia, Figueiredo Dias aceita a unidade ou pluralidade de processos de resolução mas apenas como um indicador entre outros. Para ele não é este o critério decisivo, pois além de, por exemplo, não dar resposta aos casos de delitos negligentes, pode haver pluralidade de sentidos autónomos de ilicitude apesar da unidade de resolução criminosa e pode haver pluralidade de resoluções e um único sentido de ilicitude ou um sentido de ilicitude dominante. Em suma, para Figueiredo Dias, “concurso de crimes” existe sempre que mais de uma norma jurídico-penal (mais que um tipo legal) é concretamente aplicável ao caso, ou sempre que o mesmo tipo legal é preenchido mais que uma vez (independentemente de o comportamento ser levado a cabo através de uma pluralidade de acções ou de uma acção única). E será depois a unidade ou predominância de um sentido de ilicitude, ou a pluralidade dos sentidos de ilícito do comportamento global, a decidir se esse concurso é, respectivamente, efectivo ou aparente. E nessa decisão relevarão então os critérios apontados. Olhando a matéria de facto provada na sentença, resulta claro que da aplicação do art. 30º do CP decorre que, no caso presente, as arguidas preencheram por várias vezes o tipo de crime da condenação. E a esta conclusão se chega, quer se sufrague a doutrina de Eduardo Correia (que as recorrentes, embora sem a nomear, pretendem invocar), quer a doutrina de Figueiredo Dias. Na verdade, ficou em concreto demonstrado que as arguidas praticaram os factos provados num contexto em que se vislumbram diferentes sentidos de ilicitude (embora visando sempre o mesmo bem jurídico) e foram renovando a sua intenção criminosa. Como se disse na sentença, no resumo correcto dos factos provados, “durante o ano de 2004, no exercício da sua atividade, a arguida A...,Lda, representada pelas arguidas FF e GG e ainda por FG (sendo a primeira arguida na qualidade de gerente de facto da A...,Lda, e a segunda arguida na qualidade de sócia e gerente de facto da mesma sociedade), celebraram negócios simulados titulados por faturas falsas, servindo-se para o efeito da sociedade L..., também controlada pelas arguidas FF (enquanto sócia e gerente de direito e de facto) e GG (enquanto gerente de facto). As mesmas arguidas, por si e em representação da A...,Lda, no ano de 2004, também obtiveram faturas fictícias, que não correspondiam a quaisquer fornecimentos de mercadorias, em que constava como adquirente a A...,Lda e como emitentes AJO (cujo nome era fictício) e SRC (que não se dedicava sequer ao comércio de sucata). Por outro lado, durante os anos de 2004 a 2006, mediante acordo estabelecido com o arguido II, em representação da arguida V...LDA, com FS e NS, em representação da sociedade SRS, L.da, com AMC, com o arguido JJ, com o arguido BB e com JT, em representação da sociedade RSL, L.da, as arguidas FF e GG e também FG, obtiveram faturas fictícias, as quais não correspondiam a quaisquer fornecimentos de mercadorias, com vista a utilizarem as mesmas, integrando-as na contabilidade da A...,Lda. Com esta conduta visavam as arguidas FF e GG imputar aos custos da atividade da A...,Lda o valor líquido dessas faturas e alterar os valores correspondentes aos custos dessa atividade empresarial inseridos nas declarações periódicas dos exercícios fiscais de 2004, 2005 e 2006, diminuindo deste modo, o valor do lucro tributável e, consequentemente, o montante do imposto a entregar nos cofres do Estado. Do mesmo modo, visaram as arguidas deduzir o IVA inscrito nas faturas falsas, inscrevendo o valor do IVA das faturas nas declarações periódicas correspondentes às datas de emissão das faturas e, assim, entregando menos imposto ao Estado do que aquele que a arguida A...,Lda devia.” É, pois, inadmissível pensar numa única resolução criminosa que tenha presidido a toda a actividade desenvolvida pelas arguidas e pretender retirar daí uma unidade de infracção, para mais nela pretendendo incluir os factos apreciados no proc. n.º ---/05.0IDBRG. Factos que, por tudo o que se disse, e por maioria de razão são naturalisticamente, e também juridicamente, exteriores aos presentes. Os factos provados da sentença estão também juridicamente separados dos factos apreciados no processo n.º ---/05.0IDBRG, agora no sentido de não fazerem parte do crime continuado da acusação proferida naquele processo. Identificada a pluralidade de infracção (que está na base da continuação criminosa, como se disse), cumpre justificar a afirmação já feita de que o crime continuado da condenação é juridicamente autónomo do crime continuado da absolvição (do processo n.º ---/05.0IDBRG). Na base da continuação criminosa encontra-se um concurso de crimes que a lei aglutina depois numa unidade jurídico-normativa. Ou seja, o conhecimento da continuação criminosa pressupõe a problematização prévia da questão da pluralidade da infracção. Decidida esta (positivamente), há então que aferir se ocorrem determinadas circunstâncias que levem a concluir por uma notável diminuição da culpa. A conexão das actividades que constituem o crime continuado assenta na considerável diminuição da culpa do agente que lhes anda ligada. Assim se retira do art. 30º, nº 2 do CP, conforme a interpretação da doutrina e sendo jurisprudência pacífica. Haverá então que traçar o quadro das situações exteriores que, criando um cenário propício à perpetuação da actividade criminosa, diminuam sensivelmente a culpa do agente. Não é toda e qualquer solicitação exterior que explica o crime continuado. Esta deve ter criado um quadro propício à reiteração criminosa, facilitando-a “de maneira apreciável” e a solicitação deve ser exterior. Se a reiteração se explica por uma tendência da personalidade do autor, está afastada a atenuação da culpa. Já à conexão temporal e espacial das actividades do agente atribui Eduardo Correia uma importância quase residual. Figueiredo Dias vê no art. 30º, nº 2, do CP o propósito da lei de tratar um concurso de crimes efectivo «no quadro da unidade criminosa, de uma “unidade criminosa” normativamente (legalmente) construída» (Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 1027/1032). Estar-se-á perante uma diversidade de actos, sendo cada um susceptível de integrar várias vezes o mesmo tipo de crime, ou tipos vários, se bem que “análogos” (casos, portanto, de concurso efectivo); há, porém, uma conexão objectiva e subjectiva tal (de certo modo, como acontece no concurso aparente) que aconselha um tratamento unitário dos factos. Exige-se que a realização continuada viole, se não o mesmo bem jurídico de forma plúrima, diversos bens jurídicos entre os quais haja, pelo menos, uma relação de proximidade ou afinidade. Os dois autores convergem na importância (e exigência) de que no crime continuado se reconheça o domínio por uma situação exterior que diminua sensivelmente a culpa do agente. Este componente deve manter-se em toda a realização continuada, e a situação exterior não pode ter sido criada pelo próprio agente. Este é, na verdade, o punctum da norma legal: a continuação criminosa, legalmente reservada para casos excepcionais de considerável diminuição da culpa, não se aplica (pois a considerável diminuição da culpa não ocorre) nos casos em que é o próprio agente que cria as situações que propiciam e/ou facilitam a reiteração. No caso presente, aceitando-se que as arguidas actuaram aqui de modo relativamente homogéneo e no quadro de algumas circunstâncias exteriores a elas, das quais se foram aproveitando, como foi considerado na sentença (e esta apreciação beneficiou as arguidas e não pode agora ser objecto de censura num recurso interposto só por elas), nada permite concluir aqui, pelas razões que se concretizaram logo de início na identificação das concretas dissimilitudes (de tempo, modo e lugar) identificadas nos dois processos em confronto, que os factos dados como provados na sentença recorrida se interrelacionam à luz da figura da “continuação criminosa” com os factos conhecidos no proc. n.º ---/05.0IDBRG. Assim, tratar-se-ia sempre de (pelo menos) dois crimes continuados de fraude fiscal agravada, imputáveis às arguidas numa situação de concurso efectivo homogéneo - dois crimes continuados, conhecidos em processos separados. Por último, e como se referiu logo aquando da identificação das questões objecto do recurso, também o arguido HH aflorou a questão do caso julgado absolutório penal, fazendo-o embora de modo desorganizado e confuso. Alegou que “no período compreendido entre o ano de 2001 a 2006, muito embora existam três processos separados, em todos estes processos existe identidade de factos, arguidos e de comportamentos espácio-temporalmente determinados que se verificaram numa única resolução com execução continuada ou de forma continuada (existindo até litispendência por coincidência parcial dos factos das acusações), como se resume: a)Proc. n.º ---/06.9IDLSB, referente aos exercícios de 2001 a 2004; b) Proc. ---/13.9TACBR – 3.ª Secção DIAP Coimbra referente ao exercício de 2003; c) Proc. ---/07.5TATNV – referente aos exercícios de 2004 a 2006. Mutatis mutandis, valem aqui todas as considerações acabadas de expender, pois embora não apresentada de um modo minimamente claro, trata-se da problematização da mesma questão suscitada pelas co-arguidas. Questão que se encontra assim tratada, reiterando-se a propósito deste recorrente tudo o que se disse já. Também relativamente a ele, apesar de alguma identidade das formas de actuação que desenvolveu, igualmente sucede aqui a dissimilitude de circunstâncias - mormente no que respeita aos diferentes períodos temporais em análise nos três processos e às diferenças que a concreta pluriocasionalidade envolveu - que obsta ao reconhecimento da verificação da excepção que invocou. Por todo o exposto, se conclui que não ocorre a excepção de caso julgado penal absolutório relativamente a nenhum dos três recorrentes.” Em suma: As arguidas argumentavam que os factos descritos nas duas acusações — uma no processo n.º ---/05.0IDBRG (faturas de 2001 a 2004) e outra nos presentes autos (faturas de 2004 a 2006) — são produto de uma alegada e única resolução criminosa. Esta alegada unidade resolutiva e a conexão temporal entre os atos levariam à classificação da conduta como um crime de execução continuada ou "crime único". Consequentemente, a absolvição anterior (transitada em 31-01-2018) deveria impedir o novo julgamento (caso julgado absolutório). O Ministério Público (MP) contrapôs em termos similares ao dos presentes autos dizendo que inexiste qualquer correspondência ou sobreposição de factos no que respeita às faturas, aos sujeitos e sociedades envolvidos e ao período temporal analisado, numa perspetiva "naturalística". Apesar da dissimilitude factual, as recorrentes insistiam que a identidade de alguns sujeitos e formas de atuação retira uma unidade de resolução criminosa que deveria ser enquadrada como "crime único", esgotando o poder jurisdicional. O acórdão refletiu sobre a identidade do "facto jurídico". No caso do acórdão de Évora estava-se perante uma situação de crime continuado, o que não é o caso destes. Contudo, a análise jurídica serve para o nosso. A propósito de se determinar se os factos novos se integrariam na mesma continuação criminosa conhecida no processo anterior diz-se: Eduardo Correia privilegia a unidade de resolução criminosa (pluralidade de processos resolutivos) para contar o número de crimes, baseando-se no número de juízos de censura passíveis de aplicação ao agente. Correia defendia a "consunção do direito de acusação" por força de um julgamento definitivo anterior, estendendo o caso julgado a todas as atividades pertencentes ao mesmo crime continuado. Ocorre que no presente caso a situação apreciada no processo anterior não foi a de continuação criminosa, mas da prática de um único crime. Figueiredo Dias privilegia a unidade ou pluralidade de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global. A unidade de resolução de Correia é aceite por Dias, mas apenas como um subcritério indicador. • Relevância da Lei nº 59/2007: A legislação de 2007 (art. 79º, n.º 2 do CP) contrariou em parte a posição de Correia, limitando a extensão do caso julgado nos casos de conhecimento superveniente de condutas que integrem a continuação criminosa: a nova pena só substitui a anterior se a conduta for mais grave e se houver uma decisão anterior de condenação. A decisão afasta a hipótese de "crime único". O "ilícito global" analisado (os factos provados nos autos e os apreciados no outro processo) indicia resoluções criminosas plúrimas, renovadas ao longo do tempo em diferentes contextos. Refere que a unidade de resolução criminosa, mesmo que se verificasse, é apenas um critério indicador e não impõe a unidade da infração. Aplicando o critério da pluralidade de sentidos de ilicitude (Figueiredo Dias), os factos demonstram diferentes sentidos de ilicitude e a renovação da intenção criminosa. E é isto que terá de ser apurado pelo tribunal a quo nestes autos. Desta forma, não se descarta a hipóteses d os factos a provar poderem vir a ser considerados juridicamente separados dos factos apreciados no processo anterior, e tratar-se-ia de (pelo menos) dois crimes de fraude fiscal agravada, em situação de concurso efetivo homogéneo, conhecidos em processos separados. Decisão Final Por todas as razões expostas, conclui-se que na presente fase do processo não ocorre a exceção de caso julgado penal relativamente ao arguido AA, pelo que revoga-se a decisão a quo determinando o prosseguimento dos autos para julgamento. Parte superior do formulário Parte inferior do formulário Sem custas pelo recorrente, por delas estar isento o M.P.. Notifique. Sumário: (Da exclusiva responsabilidade do relator) ……………………………… ……………………………… ……………………………… Porto, 26 de novembro de 2025. (Elaborado e revisto pelo 1º signatário) Paulo Costa Paula Guerreiro Maria do Rosário Martins |