Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOÃO RAMOS LOPES | ||
Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA MATÉRIA DE FACTO FACTOS CONCLUSIVOS PODERES DA RELAÇÃO EQUIDADE NA FIXAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO CUMPRIMENTO DEFEITUOSO REDUÇÃO DO PREÇO | ||
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Nº do Documento: | RP202110285946/20.7YIPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/28/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Porque decisão sobre a matéria de facto também integra actualmente o objecto da sentença, a falta de pronúncia sobre factos juridicamente relevantes constitui (para lá do error in judicando sobre a questão de facto) nulidade da decisão por omissão de pronúncia – v. g., situações de parcial falta (deficiência) de fundamentação (omissão de julgamento quanto a factualidade relevante - factos essenciais ou complementares). II - Actualmente não está excluído que na descrição da matéria de facto da causa se recorra a expressões de conteúdo mais genérico ou até conclusivo, desde que permitam percepcionar a realidade invocada e estejam concretizadas e substanciadas nos demais factos que as contêm ou que a elas se reportam em ordem à concretização da realidade subjacente ao litígio. III - Porém, matéria que constitua questão a decidir na causa (designadamente apurar se uma das partes é sujeito passivo do dever de indemnizar e respectivo montante, como no caso dos autos) não pode ser incluída da decisão de facto, por constituir exclusiva questão de direito. IV - Sendo impossível averiguar o seu exacto valor, o montante indemnizatório do lucro cessante tem de apurar-se, em atenção à teoria da diferença (estabelecida no nº 2 do art. 566º do CC), com recurso à equidade (art. 566º, nº 3 do CC). V - Ocorre defeituoso cumprimento da empreitada (de fabrico e montagem de mobiliário) quando logo na fase do projecto a empreiteira comete lapso (defeito de projecto ou de concepção) comprometedor da obra, tornando-a inapta ao uso ordinário a que era prevista. VI - Tendo a empreiteira eliminado o defeito, procedendo a rectificações e modificações, se dois dos móveis projectados e construídos não puderam ser aproveitados nas modificações operadas para eliminar os defeitos (por não caberem no local para onde foram projectados e concebidos), assiste ao dono da obra o direito à correspondente redução do preço – quanto a tais móveis, o defeito não foi eliminado. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº 5946/20.7YIPRT.P1 Relator: João Ramos Lopes Adjuntos: Rui Moreira João Diogo Rodrigues * Acordam no Tribunal da Relação do Porto RELATÓRIO Apelante: B…, Unipessoal, Ldª (ré/reconvinte) Apelada: C…, Ldª (autora/reconvinda) Juízo central cível de Penafiel (lugar de provimento de Juiz 1) - T. J. Comarca do Porto Este. * Intentou C…, Ldª procedimento de injunção pedindo a condenação da B…, Ldª a pagar-lhe a quantia de sete mil seiscentos e noventa e sete euros e sessenta e três cêntimos (7.697,63€), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, alegando como fundamento que no âmbito da sua actividade comercial lhe forneceu e montou material (mobiliário) para imóvel destinado a alojamento local, no valor de vinte e oito mil cento e dois euros e noventa e quatro cêntimos (28.102,94€), preço do qual a ré pagou apenas vinte e um mil euros e um cêntimo (21.000,01€), assistindo-lhe assim o direito de exigir-lhe o pagamento do remanescente, no montante de sete mil cento e dois euros e noventa e três cêntimos (7.102,93€) e os respectivos juros.Deduziu oposição a ré alegando como razão para o não pagamento da última prestação o defeituoso do contrato e bem assim a mora no cumprimento da empreitada por parte da autora, concluindo pela sua absolvição do pedido. Em reconvenção pediu a condenação da autora no pagamento do montante de setenta e seis mil setecentos e oitenta e oito euros (76.788,00€) por danos causados pelo atraso no cumprimento e/ou cumprimento defeituoso e, na hipótese de ser condenada no pedido, pediu que o valor da condenação fosse compensado no seu crédito sobre a autora no montante de setenta e sete mil novecentos e noventa e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos (77.999,55€) e devendo, assim se não entendendo, ser emitida nota de crédito no montante de mil duzentos e onze euros e cinquenta e cinco cêntimos (1.211,55€), correspondente ao valor dos móveis devolvidos. Corrigidos os articulados (na sequência de convite para tanto formulado pelo tribunal), passou a causa a seguir a forma do processo declarativo comum, sendo os autos remetidos ao juízo central cível de Penafiel. Cumprido o contraditório (concluindo a autora como na petição e pela improcedência da reconvenção), foi dispensada a audiência prévia e afirmada a validade e regularidade da instância em saneador tabelar, identificando-se o objecto do litígio e enunciando-se os temas da prova e, realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedentes a acção e a reconvenção, condenou a ré a pagar à autora a quantia de quatro mil cento e dois euros e noventa e três cêntimos (4.102,93€), acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento, por força do mecanismo da compensação de créditos, no mais absolvendo autora e ré dos pedidos. Inconformada, apela a ré/reconvinte, defendendo, na procedência do recurso, a revogação da sentença e sua substituição por decisão que, quanto ao pedido reconvencional, condene a apelada a pagar-lhe montante indemnizatório de setenta e seis mil setecentos e oitenta e oito euros (76.788,00€), que condene a apelada no montante de mil duzentos e onze euros e cinquenta e cinco cêntimos (1.211,55€) correspondente à devolução de mobiliário, a efectuar através da emissão de nota de crédito e, ainda, a operar a compensação de tais pedidos (sic) com o montante de sete mil seiscentos e noventa e sete euros e sessenta e três cêntimos (7.697,63€) em que foi condenada, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões: I- O Tribunal a quo decidiu de forma incorrecta considerando como não provados factos que deveria ter considerado provados, incorrendo num erro na apreciação da prova. II- A aplicação da matéria de Direito por parte do Tribunal a quo, não foi correcta e conforme. III- Devem ser considerados como provados todos os factos considerados como provados na sentença, com excepção do facto nº 15, apenas na parte onde se refere "(...) o que lhe causou incómodos e aborrecimentos.", por estar incompleto uma vez que deveria constar "o que lhe causou incómodos e aborrecimentos e um atraso na abertura do alojamento local pelo período de 79 dias" e do facto n° 24, apenas na parte onde se refere n(...) em número não concretamente apurado, mas não superior a um mês", onde deveria constar (...) atraso na abertura do alojamento local pelo período de 79 dias". IV- Relativamente aos factos considerados como não provados, deveriam ter sido considerados como provados os seguintes factos: - a ré não pôde iniciar a actividade em 22 de Julho de 2019, devido ao incumprimento da autora em entregar os móveis em tal data, só estando apta a iniciar a sua actividade em 2 de Outubro. - o atraso no cumprimento por parte da autora impediu que a ré iniciasse a sua actividade em plena época de verão. V- Deveriam ainda ter sido considerados como provada a quantificação apresentada pela recorrente na sua reconvenção, nomeadamente: - a taxa média de ocupação verificada e indicada pelo Instituto Nacional de Estatística, Turismo de Portugal e D…, para os meses locais nos meses de Julho a Setembro do ano de 2019, foi de 90%, - para os referidos meses a média de valor por noite para um alojamento local como o da ré cifrava-se no montante de 120,00€ (Cento e vinte euros). - a uma taxa de ocupação de 100%, que facilmente a ré conseguiria atingir, a mesma nos 79 dias de atraso por parte da autora, deixou de obter lucros no montante de 85.320,00€ (oitenta e cinco mil, trezentos e vinte euros). - aplicando a média de taxa de ocupação supra indicada de 90%, a ré deixou de obter lucros no montante de 76.788,00 (setenta e seis mil, setecentos e oitenta e oito euros). - considerando que a ré é devedora perante a autora, do montante de 7.395,64€ (Sete mil, trezentos e noventa e cinco euros e sessenta e quatro cêntimos), tal montante deverá ser compensado pelo montante de 1.211,55€ (Mil duzentos e onze euros e cinquenta e cinco cêntimos), referente aos bens devolvidos, bem como pelo montante de 76.788,00€ (Setenta e seis mil, setecentos e oitenta e oito euros), devido pela autora à ré. - a autora devedora perante a ré do montante de 76.788,00€ (Setenta e seis mil, setecentos e oitenta e oito euros). VI – Contrariamente à prova documental junta e respectivos cálculos daí advenientes em momento algum impugnados pela própria recorrida, o tribunal a quo decidiu, sem qualquer tipo de fundamento e base probatória por efecturar uma consideração quanto aos dias de atraso da obra completamente descontextualizado com a prova produzida e um cálculo completamente irrisório do montante a indemnizar pela recorrida perante a recorrente por esse mesmo atraso na conclusão da entrega dos bens encomendados e que levaram a um considerado provado atraso na abertura do alojamento local. VII- A matemática na contabilização dos dias de atraso é simples, entre o dia 22 de Julho de 2019, dia em que seria expectável segundo os funcionários da própria autora que a obra estivesse concluída e o dia 4 de Outubro de 2019 medeiam 79 dias e se ficou provado que a obra teve um atraso de 79 dias, a recorrente viu todo o processo de abertura atrasado em 79 dias. VIII- O Tribunal a quo descontou nos 79 dias de atraso o período de cerca de mês e meio que mediou a abertura do espaço e concluído assim por um período não superior a 30 dias, cálculo esse que não tem qualquer tido de sentido lógico. IX- Ficou provada a importância da obra começar no dia, nomeadamente por já ter todos os serviços contratados, exemplificativamente registos fotográficos, booking, publicidades, limpeza de todo o espaço e materiais e outros serviços inerentes à abertura de um estabelecimento comercial hoteleiro, sendo que o facto de não ter a obra concluída pela recorrida em 22 de Julho de 2019, fez com que a recorrente desmarcasse tais serviços e ao agendar em Outubro, já os representantes e prestadores de serviços não tinham agenda disponível para a recorrente, bem como já o sócio-gerente da recorrente, por ter desmarcado uma primeira marcação, não era visto com a mesma credibilidade e prioridade anteriormente conferida. X- Se a obra tivesse sido concluída pela Recorrida na data prevista, o alojamento local nunca demoraria um mês e meio a abrir, mas sim um período muito inferior e mais célere, pois a Recorrente só demorou um mês e meio a abrir após a conclusão da obra por parte da Recorrida devido às consequências desse mesmo atraso. XI- Resultam duas conclusões clara e inequívocas, primeiro, nunca poderá ser descontado o período entre a conclusão da obra por parte da Recorrida e a abertura do estabelecimento local do período de atraso na conclusão da obra, uma vez que foi o próprio atraso na conclusão da obra que fez com que todos os demais actos inerentes á abertura do alojamento local de per si também se atrasassem, pois a demora de cerca de um mês e meio na abertura do alojamento local não se verificaria caso a obra tivesse sido concluída a tempo. XII- Segundo, e ainda que assim não se considerasse o que apenas por mera hipótese académica se admite e apenas por mero dever de patrocínio se admite, sempre teria que se aplicar o raciocínio na sua totalidade e não só parcialmente como o Tribunal a quo o fez, ou seja, se a entrega estivesse pronta a 22 de Julho, no inicio de Setembro a recorrente poderia abrir o alojamento local, ao ter atrasado 79 dias na conclusão da obra, o alojamento local apenas estava apto a abrir em Novembro. XIII- Referiu o Tribunal a quo que o local onde a obra deveria ser concluída ainda necessitava de obras, atendendo às declarações de algumas das testemunhas apresentadas pela recorrida, testemunhas essas que não conseguiram precisar, nem a recorrida apresentou qualquer registo fotográfico sobre quais obras em concreto necessitavam de ser terminadas, limitando-se a referir uma porta de emergência e pequenas parcelas de papel de parede. XIV- Quanto à porta de emergência, foi dado como provado que o alojamento local estava munido de todas as licenças para a sua abertura, ou seja, depressa se conclui que a porta de emergência existia e estava concluída, sob cominação da Câmara Municipal … não emitir a respectiva licença e quanto às demais "obras", ficou provado pelo testemunho de E…, F… e G… que as mesmas tratavam-se de pequenos acabamentos que não demorariam mais de um dia a serem concluídos. XV- Resulta à saciedade que as pequenas obras no imóvel que a recorrida tentou hiperbolizar, tratavam-se de pequenos arranjos num rodapé, na colagem parcial de papel de parede e na instalação/configuração das fechaduras electrónicas, que não demorariam mais do que dois dias a serem concluídas e que estavam compreendidas dentro do período inicial estimado pela Recorrente para a sua abertura. XVI- Ainda que assim não se considerasse o que apenas por mera hipótese académica se admite e apenas por mero dever de patrocínio se admite, sempre teria que se aplicar o raciocínio na sua totalidade e não só parcialmente como o Tribunal a quo o fez, ou seja, se a entrega estivesse pronta a 22 de Julho, no início de Setembro a recorrente poderia abrir o alojamento local, ao ter atrasado 79 dias na conclusão da obra, o alojamento local apenas estava apto a abrir em Novembro. XVII- O Tribunal a quo concluiu que o preço do quarto se deveria cifrar em 25,50€ (Vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos) e que por motivos de equidade deveria ser descontado o montante de 3.000,00€ (Três mil euros) à dívida da recorrente perante a recorrida, sendo que tal conclusão e decisão não poderia ser mais errónea em todas as acepções possíveis. XVIII- Em momento algum o Tribunal a quo, nos factos provados ou não provados, refere a quantificação do valor diário de cada quarto do alojamento local explorado pela recorrente, bem como em momento algum é referido qualquer facto que levou à inexplicável quantificação do valor de cada quarto no montante de 25,50€ (Vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos) e a posteriori no cálculo indemnizatório no montante de 3.000,00€ (Três mil euros) de lucros cessantes da recorrente, perpetrado pelo Tribunal a quo, XIX- A sentença é nula nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 651º do Código de Processo Civil. XX- No que toca ao valor de cada quarto e ao respectivo cálculo do valor indemnizatório a recorrente foi objectiva aquando à respectiva quantificação, baseada em prova documental, baseando a recorrente o seu cálculo, de forma objectiva e isenta de qualquer subjectivismo na taxa média de ocupação verificada e indicada pelo Instituto Nacional de Estatística, Turismo de Portugal e D…, para os alojamentos locais nos meses de Julho a Setembro do ano de 2019, foi de 90%, juntando para o efeito os respectivos documentos comprovativos como Docs. 60 a 63 da contestação e cifrando a recorrente a média de valor por noite para um alojamento local como a da recorrente no montante de 120,00€ (Cento e vinte euros), conforme docs. 60, 64, 65, 66 e 67 juntos com a contestação. XXI- Documentos e cálculos esses que em momento algum foram impugnados pela recorrida, aceitando os mesmos. XXII- Não foi produzida qualquer tipo de prova testemunhal ou documental que contrariasse os documentos 60 a 67 juntos pela recorrente com a sua contestação ou a quantificação da medida de 120,00€ (Cento e vinte euros) por cada quarto do alojamento local objecto da recorrente. XXIII- O próprio Tribunal a quo valor e considera como válidos os documentos 60 a 67 juntos pela recorrente e confirma a objectividade na valorização por parte da recorrente no montante de 120,00€ (Cento e vinte euros) o quarto, mas depois, contrariamente à prova existente, não impugnada pela recorrida e valorada pelo Tribunal a quo, o mesmo decide em cifrar cada quarto no montante de 25,50€ (Vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos), sem qualquer tipo de fundamentação ou explanação. XXIV- O alojamento local da recorrente centra-se em plena Avenida … no centro de Lisboa, não existe qualquer tipo de quarto em Lisboa ou arredores que cobre 25,50€ (Vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos) a noite e feita uma pesquisa pela recorrente, verifica-se que nem sequer em qualquer região provinciana se pratica tal valor!!! XXV- A quantificação por parte do Tribunal a quo no montante de 25,50€ (Vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos), sem qualquer tipo de lógica ou sentido, vai contra todas as comuns regras de mercado, contra a prova produzida e não impugnada pela recorrida, contra a documentação junta e contra a média calculada por todas as entidades públicas existentes para o efeito. XXVI- O mesmo se diga quanto ao montante de indemnizatório que o Tribunal a quo cifrou em 3.000,00€ (Três mil euros), justificando o mesmo como devido por um juízo de equidade, sem que o seu cálculo se demonstre correcto. XXVII- A uma taxa de ocupação de 100%, que facilmente a recorrente conseguiria atingir, a mesma, nos 79 dias de atraso por parte da recorrida, deixou de obter lucros no montante de 85.320,00€ (Oitenta e cinco mil, trezentos e vinte euros). XXVIII- Aplicando a média de taxa de ocupação provada como de 90%, a recorrente deixou de obter lucros no montante de 76.788,000 (Setenta e seis mil, setecentos e oitenta e oito euros). XXIX- E o mesmo se diga, relativamente ao montante de 1.211,55€ (Mil duzentos e cinquenta e cinco euros), referentes aos bens móveis devolvidos pela recorrente, os factos considerados como provados nos pontos 20 a 22 dos factos como provados, pois ficou provado que a recorrida levou dois móveis da recorrente que sobraram da montagem resultante das alterações! retificações também dadas como provadas, ou seja, devido aos defeitos na obra efectuada pela recorrida, os móveis devolvidos deixaram de caber nos quartos e de ter qualquer utilidade. XXX- Não por vontade ou capricho da recorrente, mas por efeito directo dos defeitos na obra perpetrada pela recorrida. XXXI- O Tribunal a quo contradiz-se na sua decisão e respectiva fundamentação, indo contra os factos considerados como provados, isto porque, é por demais evidente que se os móveis se tornaram inúteis atendendo às rectificações advenientes dos defeitos da obra perpetrada pela recorrida, os mesmos, por culpa da própria recorrida nunca poderão ser imputados à recorrente. XXXII- O valor dos móveis devolvidos, sempre deverá ter que ser devolvido à Recorrente através da emissão da respectiva nota de crédito e compensação com o valor devido. XXXIII- Além do cálculo apresentado pela recorrente, que é o único que se demonstra consubstanciado em prova documental e que em momento algum foi impugnado pela recorrida e que termina com o montante de 76.788,00€ (Setenta e seis mil, setecentos e oitenta e oito euros), por mera hipótese académica, o que em momento algum se admite, o Tribunal a quo seguindo as regras da matemática e o próprio raciocínio apresentado parcialmente pelo mesmo, poderia ter calculado a indemnização de várias outras formas: - ao considerar o atraso na conclusão da obra no período de 30 dias e ao valorizar em 25,50€ (Vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos) cada quarto, multiplicando por 9 quartos, cifrar-se-ia a indemnização em 6.885,00€ (Seis mil, oitocentos e oitenta e cinco euros); - ao considerar o atraso no período de 30 dias e ao valorizar em 120,00€ (Cento e vinte euros) casa quarto, multiplicando por 9 quartos, cifrar-se-ia a indemnização em 32.400,00€ (Trinta e dois mil e quatrocentos euros); - considerar procedente a pretensão da recorrida e não fazer qualquer cálculo; XXXIV- Concluindo-se à contrario que nunca em momento algum se demonstra consubstanciado em elementos probatórios ou sequer racionais o montante de 3.000,00€ (Três mil euros) decidido pelo Tribunal a quo como montante indemnizatório, bem como resulta à saciedade que o cálculo apresentado pela recorrente, atendendo a todos os elementos probatórios apresentados, valorados inclusivamente pelo Tribunal a quo e em momento algum impugnados pela recorrida se demonstram correctos e como tal considerar-se que a recorrente deixou de obter lucros no montante de 76.788,00€ (Setenta e seis mil, setecentos e oitenta e oito euros). XXXV- A esta situação aplicam-se os princípios gerais do cumprimento defeituoso, o regime previsto nos arts. 1218º e sgts. do CC. XXXVI- Resultou provado que a recorrida realizou os trabalhos que lhe foram encomendados, mas com atraso e defeitos que foram reclamados pela recorrente, por isso, em face de tal alegação, não podemos deixar de concluir, que a compensação se funda no cumprimento defeituoso do contrato por parte da recorrida, sendo-lhe aplicável o regime específico previsto nos arts. 1218.º e segts. do CC, para a empreitada, sendo a culpa presumida nos termos do artigo 799º do Código Civil. XXXVII- Demonstra direto e inequívoco o nexo de causalidade, sendo que o dano emergente inclui o prejuízo causado nos bens, ou direitos existentes aquando da lesão, podendo consistir na diminuição do activo ou num aumento do passivo, enquanto que os lucros cessantes engloba[m] a perda de benefícios que a lesão impediu de auferir e que ainda não tinham existência à data do evento. XXXVIII- No caso em apreço, verificados que foram os pressupostos da responsabilidade civil contratual, art. 483º do CC, constituiu-se a recorrida na obrigação de indemnizar a recorrente pelos lucros cessantes, tal como o supra exposto. XXXIX- Por tudo o supra exposto, deve o presente recurso ser considerado procedente por provado e como consequência, ser a sentença e consequente decisão tomada pelo Tribunal de primeira instância alterada, no sentido de condenar a recorrida no pedido reconvencional perpetrado, no montante de 76.788,00€ (Setenta e seis mil, setecentos e oitenta e oito euros), operando-se a respectiva compensação no montante pela qual a recorrente foi e bem condenada em liquidar perante a recorrida e ainda o valor dos móveis devolvidos, no montante de 1.211,55€ (Mil duzentos e onze euros de cinquenta e cinco cêntimos), devolvido à recorrente através da emissão da respectiva nota de crédito e compensação com o valor devido. Contra-alegou a autora/reconvinda pela improcedência do recurso e integral manutenção da sentença apelada. * Colhidos os vistos, cumpre decidir.* Da delimitação do objecto do recursoConsiderando, conjugadamente, a sentença recorrida (que constitui o ponto de partida do recurso) e as conclusões das alegações (por estas se delimita o objecto dos recursos, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso - artigos 608º, nº 2, 5º, nº 3, 635º, nºs 4 e 5 e 639, nº 1, do CPC), as questões a decidir reconduzem-se a apreciar: - da nulidade da sentença (por falta de fundamentação - art. 615º, nº 1, b), do CPC), - da pretendida alteração da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto, - do valor indemnizatório a arbitrar à ré reconvinte pela mora da autora reconvinda, - da pretensão de redução da contraprestação a cargo da ré reconvinte em virtude da devolução de mobiliário à autora reconvinda (em face do defeituoso cumprimento desta). * FUNDAMENTAÇÃO* Fundamentação de factoNa sentença recorrida consideraram-se: Factos provados 1- A autora é uma sociedade por quotas que tem por objeto fabricação e comercialização de cadeiras e assentos, nomeadamente sofás, comercialização de mobiliário, peles e componentes para cadeiras e assentos. 2- E… é sócio-gerente da sociedade por quotas ‘H…, Lda.’ com o objeto social comércio por grosso e a retalho de artigos de decoração, tendo sido concomitantemente funcionário da autora até 20 de Setembro de 2019, sendo irmão dos sócios-gerentes da mesma. 3- A ré é uma sociedade por quotas que tem por objeto o alojamento local, remodelação e decoração de imóveis, administração de imóveis, arrendamento de imóveis, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. 4- A ré é proprietária do imóvel sito na Avenida …, nº .., Cave, ….-… Lisboa, local onde explora um alojamento local. 5- A autora, no âmbito da sua atividade comercial, acordou com a ré no fornecimento, transporte e montagem de material para os nove quartos do imóvel a que se alude no ponto 4, tendo ficado prevista a data de entrega a 15 de Julho de 2019 e montagem nos dias subsequentes. 6- O mobiliário para os nove quartos foi projetado pelo designer da autora, J…, de acordo com as sugestões da ré, relativamente ao número e tipo de móveis e de acordo com as medidas do espaço tiradas pelo funcionário da autora, E…, tendo tal projeto sido visualizado pela ré em 3D, que o aceitou. 7- A autora, em 25/5/2019, emitiu as facturas proformas números 84/2019 e 93/2019, juntas a fls. 103 a 107 e 248 a 257 v. que aqui se dão por integralmente reproduzidas. 8- A autora enviou as notas de encomenda à ré, nos dias 18/06/2019, 08/08/2019 e 02/09/2019 respetivamente com os números 692/2019, 902/2019 e 915/2019 com a discriminação de todos os materiais encomendados e respetivos preços, em conformidade com o orçamento remetido pela autora em 03/05/2019, junto a fls. 212 e ss. que aqui se dá por integralmente reproduzido. 9- A autora fabricou à aqui ré diverso material, nomeadamente cadeiras, molduras, cabeceiras, roupeiros, molduras, placas, que originaram a emissão da fatura nº 16/2019, emitida a 04/09/2019 e com vencimento no dia 04/09/2019, no valor total de 28.102,94€ (vinte e oito mil cento e dois euros e noventa e quatro cêntimos). 10- Autora e ré acordaram como condições de pagamento o seguinte: - 7.000,00€ (sete mil euros) aquando da adjudicação da proposta e 7.000,00€ (sete mil euros) decorridos 15 (quinze) dias após da adjudicação da proposta, - 7.000,00€ (sete mil euros) na emissão/entrega na factura, - 6.350,00€ (seis mil trezentos e cinquenta euros) decorridos 30 (trinta) dias sob a data da emissão/entrega da factura. 11- Aquando da produção dos móveis surgiu um problema em relação a Melamina, uma vez que esta apenas poderia ser produzida em grandes quantidades pelo fornecedor da autora, e atento o facto de as quantidades de que a ré necessitava não se enquadrarem em produção em larga escala, foi necessário encontrar uma alternativa. 12- A autora explicou à ré tal situação e sugeriu-lhe, em alternativa, a utilização de folha de madeira, que a ré aceitou, solicitando que se mantivessem as cores que escolheu no projeto. 13- No mês de Agosto as instalações da autora encerraram para férias. 14- A entrega e montagem dos móveis relativos aos nove quartos encomendados pela ré à autora ocorreu entre os dias 05/09/2019 e 07/09/2019. 15- O mobiliário encomendado pela ré foi fabricado pela autora com cores mais escuras do que as contratadas pela ré, o que lhe causou incómodos e aborrecimentos. 16- Após a realização de toda a montagem do mobiliário pela autora, a ré verificou que os quartos ficaram com o espaço reduzido e os quartos 7, 8 e 9, ficaram sem espaço de circulação por existirem móveis ‘a mais’ e móveis com dimensões superiores ao adequado para o espaço. 17- No dia 23/09/2019, a ré, conforme sugestões constantes do relatório elaborado por E…, enviou à autora o email junto a fls. 259 a 264 que aqui se dá por reproduzido, a solicitar as seguintes alterações/retificações de molde a solucionar o problema: Quarto 1, 2 e 3 - Subir cabeceira estofo 10 cm - Substituir o painel debaixo da cabeceira do estofo, placa de 6 mm ou 8mmx1,60X60h na cor correspondente. Quartos 4 e 5 - Subir a cabeceira completa 5 cm. Quartos 6 - Subir cabeceira estofada 60 cm - Substituir o painel debaixo da cabeceira do estofo, placa de 6 mm ou 8 mm x 1,60 x 60 H na cor correspondente. Quarto 7 - Subir cabeceira estofada 60 cm - Substituir o painel debaixo da cabeceira de estofo, placa de 6 mm ou 8 mmx 1,60x60H na cor correspondente. - Trocar módulo frigobar da esquerda para a direita. - Retirar módulo armário com espelho. - Colocar uma ilharga na secretária uma vez que ela fica independente e não suportada pelo móvel frigobar. - Colar um espelho no armário frigobar. - Completar painel de cabeceira até à parede com uma ripa na cor correspondente. Quarto 8 - Repetir as operações do quarto 7 e colocar bases inox nas mesas do quarto 8 igual às do quarto 9. Quarto 9 - Subir a cabeceira estofada 60 cm. - Substituir o painel debaixo da cabeceira de estofo, placa de 6 mm ou 8 mmx1,60x60H na cor correspondente. - Módulo armário com espelho retirado do 7 colocado no 9 à direita da cabeceira olhando de frente, de modo a que este quarto fique com os dois módulos iguais. - Colocar uma ilharga na secretária uma vez que ela fica independente e não suportada pelo móvel frigobar. 18- A autora, visando a satisfação da ré enquanto cliente, efetuou as referidas alterações/retificações, sem cobrar qualquer extra pela produção de alguns móveis, pelo trabalho dos seus funcionários e pela deslocação dos mesmos para Lisboa. 19- Entre o dia 30 de Setembro de 2019 e o dia 04 de Outubro de 2019, a autora realizou a entrega e montagem das rectificações solicitadas a 23 de Setembro de 2019, bem como procedeu à entrega de duas encomendas realizadas a posteriori pelo cliente, mais concretamente no dia 8 de Agosto de 2019, molduras decorativas, e no dia 2 de Setembro de 2019 - Placas de identificação dos quartos do hotel. 20- A autora, a pedido do representante legal da ré, Sr. I…, levou para as suas instalações dois móveis da ré que sobraram da montagem resultante das alterações/ rectificações solicitadas pela ré para solucionar a falta de espaço a que se alude no ponto 16. 21- Tais móveis, face às alterações/rectificações solicitadas pela ré e executadas pela autora, deixaram de caber nos quartos e de ter utilidade para a ré. 22 - Os móveis a que se alude no ponto 20 são um roupeiro em melamina finsa gama duo ref. nogal siera (conforme técnico) porta com espelho simples, no valor de 295,00€ (duzentos e noventa e cinco euros) e móvel integrado em melamina finsa gama duo ref. nogal siera e lacado mate 2 portas lacadas (conforme técnico), no valor de 690,00€ (seiscentos e noventa euros), bens esses que no seu conjunto se cifram no montante de 985,00€ (novecentos e oitenta e cinco euros), acrescido de IVA, no montante de 23%, totalizando-se em 1.211,55€ (mil duzentos e onze euros de cinquenta e cinco cêntimos). 23- O hotel da ré abriu em 20 de Novembro de 2019, tendo sido inaugurado em 15/12/2019. 24- O atraso na entrega dos móveis e as alterações/rectificações por parte da autora implicaram incómodos, transtornos, aborrecimentos à ré e um atraso na abertura do alojamento local em número de dias não concretamente apurado, mas não superior a um mês. 25- A ré não pagou à autora a quantia de 7.102,93€ relativa à factura nº 16/2019 emitida a 4/9/2019. 26- A autora enviou à ré carta registada de cobrança no dia 20 de Novembro de 2019 e enviou email com cópia da mesma ao seu gerente. Factos não provados - Para além do referido no ponto 5 que a autora acordou com a ré em executar a adaptação elétrica de bens mobiliários. - Para além do referido nos pontos 11 e 12 que até a ré confirmar a substituição da matéria-prima decorreram semanas, pois esta tardou em dar a sua anuência para a substituição e posteriormente a produção do material. - Os móveis a que se alude nos pontos 20 a 22 apresentavam defeito. - O designer J… alertou a ré, aquando da elaboração do projecto a que se alude no ponto 6 e das alterações que esta solicitou, que o espaço nos quartos iria ficar reduzido, atendendo à dimensão e ao número de móveis que a ré queria em cada quarto, tendo a ré insistido pela manutenção do projeto inicial. - Para além do referido no ponto 5 que apenas parte do material iria ser realizado e entregue no final de Julho de 2019, uma vez que era impossível a entrega e montagem até final desse mês, e a ré era conhecedora do facto de no mês de Agosto as instalações da autora estarem encerradas para férias, pelo que foi combinado no inicio do mês de Setembro 2019, procederem à entrega e montagem. - A ré anuiu numa previsão de entrega e montagem, apenas em início de Setembro de 2019, uma vez que, ocorreu um atraso nas obras de remodelação, até porque no decurso do mês de Agosto a ré não conseguiu munir-se das competentes licenças para procederem à abertura do espaço. - Foram remetidas amostras à ré de tecidos e outros materiais que iriam ser aplicados antes de iniciar a produção de mobiliário em folha de madeira, tendo a ré dado o seu Ok, para que pudesse ser realizada a produção. - Para além do referido nos pontos 16 a 21, em 23 de Setembro de 2019 aquando das alterações solicitadas pela ré à autora, que constatou a ré que o designer da autora tinha razão e que efetivamente alguns dos móveis encomendados, em concreto um módulo de roupeiro, limitava muito o espaço, pelo que seria melhor que o mesmo fosse retirado. - A ré confrontou a autora dizendo-lhe que pretendia que esta emitisse uma nota de crédito em relação ao módulo de roupeiro pois não queria ficar com o mesmo, tendo a autora respondido que não emitiria qualquer nota de crédito, uma vez que o móvel havia sido fabricado propositadamente para a ré, e não era algo facilmente vendável. - No sentido de ajudar a ré, a autora disse-lhe que poderia armazenar o referido módulo de roupeiro no seu armazém e que posteriormente, mal a ré dispusesse de um espaço para o mesmo, o iria lá buscar isto sem qualquer ónus ou encargo pelo facto de estar a ocupar um espaço nas instalações da autora. - A autora a título de favor disse à ré que poderia guardar o referido móvel até esta dispor de espaço onde o armazenar, até porque caso fosse para creditar teria necessariamente que existir uma guia de devolução. - As alterações/acrescentos a pedidos ao projeto inicial importariam nos seguintes valores: Placas em madeira para quartos = 1.098,00€; Espelhos = 180,00€; Estruturas de INOX = 190,00€; 2 dias de trabalho em Lisboa (alimentação + estadia + viagens + custo de trabalho de 2 funcionários) 900,00€; Custo de armazenamento de material (módulos de roupeiros) — ocupação de um metro quadrado durante 9 meses - 250,00€; - O mobiliário encomendado pela ré foi fabricado pela autora com medidas incorretas. - A 11 de Novembro de 2019, aquando da deslocação do sócio gerente da autora, K…, para reunir com o Sr. I…, por este lhe foi dito que não havia aberto mais cedo devido à demora na obtenção das competentes licenças. - A ré não pôde iniciar a sua atividade em 22 de Julho de 2019, devido ao incumprimento da autora em entregar os móveis em tal data, só estando apta para iniciar a sua atividade em 2 de Outubro. - O atraso no cumprimento por parte da autora impediu que a ré iniciasse a sua atividade em plena época de verão. - A conceção e montagem do mobiliário foi acompanhada pelos designers da ré. * Fundamentação jurídica* A. Da nulidade da sentençaSustenta a apelante a nulidade da sentença, à luz do art. 615º, nº 1, b) do CPC, por não conter fundamentação quanto ao montante encontrado para a indemnizar pela mora da apelada no cumprimento da prestação (conclusões XVIIIª e XIXª) – argumenta que a decisão, quer ao nível dos factos, quer ao nível do direito, não apresenta qualquer justificação para a quantificação do valor diário considerado (25,50€) concernente à utilização de cada quarto do alojamento local explorado pela apelante no período da mora da apelada, não expondo o cálculo efectuado para encontrar o valor indemnizatório arbitrado. Uma observação preliminar à concreta apreciação do invocado vício se nos impõe: mais do que a frequência com que, em sede de apelação, se suscita a nulidade da decisão recorrida, impressiona, vários anos volvidos sobre a introdução de tal solução no nosso ordenamento jurídico, que não se haja ainda interiorizado que caso conclua pela verificação do vício, caberá à Relação supri-lo e conhecer do objecto do apelação (art. 665º, nº 1 do CPC), salvo se alguma questão tiver sido considerada prejudicada e haja necessidade, para decidir, de recolher outros elementos não disponíveis nos autos (caso em que, então, os autos voltarão à primeira instância)[1] – solução que, nos casos em que a aplicação do preceito (art. 665º, nº 1 do CPC) se imponha, retira qualquer interesse prático à invocação do vício que, assim, quedará num mero exercício de verificação académica do cumprimento das regras próprias da elaboração e estruturação da decisão. À situação trazida em recurso quadra, precisamente, a solução legal prescrita no art. 665º, nº 1 do CPC – se for de reconhecer falta fundamentação à decisão impugnada, deverá a Relação suprir o vício e apreciar do objecto do recurso, por os elementos necessários para tanto se mostrarem disponíveis (seja falta ou deficiência de fundamentação de facto – em tais casos, o suprimento do vício deverá mesmo ser realizado oficiosamente pela Relação, estando disponíveis os elementos para tanto necessários –, seja falta de fundamentação jurídica). Feita a observação, apreciar-se-á da arguição. Dispõe o art. 615º, nº 1, b) do CPC ser nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Vício reportado à exigência estabelecida no art. 607º, nº 3 e 4 do CPC, que impõe ao juiz a especificação dos fundamentos de facto (e discriminação dos factos provados e não provados) e de direito da decisão. Actualmente, os vícios da sentença não se autonomizam dos vícios da decisão sobre a matéria de facto (diversamente do regime processual anterior) e, por isso, ainda que tal circunstância não justifique sem mais a aplicação ‘do regime do art. 615 à parte da sentença relativa à decisão sobre a matéria de facto – desde logo porque a invocação dos vários vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do art. 640º e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do acto (cf. os nºs 2 e 3 do art. 662) –, obriga, pelo menos, a ponderar, caso a caso, a possibilidade dessa aplicação’, ainda que deva circunscrever-se a nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do art. 615º do CPC à falta de especificação dos factos que justificam a decisão, dela excluindo a motivação de tal decisão (sendo a esta aplicável o regime do art. 662º, nº 2, d) e 3, b) e d) do CPC)[2]. Corrente, pacífica e recorrente a afirmação de que para que a sentença careça de fundamentação ‘não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito’[3]. Entendimento que, partindo da ideia de que só a falta absoluta de fundamentação pode gerar a nulidade da sentença[4], arreda também do vício o putativo desacerto da decisão (a nulidade da decisão por falta de fundamentação é distinta da fundamentação deficiente ou divergente da pretendida[5]), pois à apreciação da nulidade da decisão por falta de fundamentação não interessa curar do acerto e justeza dos fundamentos elencados na decisão (do seu desacerto, da sua deficiência ou da sua incompletude – ou seja, não está em causa o erro do julgamento, a injustiça da decisão e/ou a sua não conformidade ao direito) – importa apurar, precisamente, se a decisão se mostra fundamentada, ou seja, alicerçada em argumentos que a suportem, independentemente de eles se mostrarem incompletos, deficientes, não convincentes ou mesmo desacertados. Entendimento que deve ser amenizado em vista de conformar as exigências impostas pelo quadro constitucional vigente que impõe um dever geral de fundamentação das decisões judiciais (art. 205º, nº 1, da CRP), a densificar em concretas previsões normativas, de modo a que os seus ‘destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível’, o que só será conseguido se a decisão for perceptível – e assim que também a ‘fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório’[6]; à ‘falta de fundamentação de facto e de direito deve ser equiparada a fundamentação que exponha as razões, de facto e de direito, para a decisão de modo incompleto, tornando deste modo a decisão incompreensível e não cumprindo o dever constitucional/legal de justificação.’[7] Se a falta de fundamentação de direito deve, no caso concreto, ser negada, por a decisão, ao debruçar-se sobre a questão atinente à quantificação da indemnização moratória, ter exposto e revelado os argumentos em que se sustentou (não interessando curar, neste particular aspecto, do seu acerto, justeza ou conformidade com o direito), constatando-se que não só não ocorre falta absoluta de fundamentação como não se verifica também qualquer incompletude ou incompreensibilidade da argumentação – refere-se na decisão, a propósito dos ‘danos patrimoniais provocados pelo atraso na abertura’ do estabelecimento da apelante, não ser de aplicar a solução prescrita no art. 609º, nº 2 do CPC (condenação no ilíquida), por estar em causa dano cujo valor, insusceptível de apuramento exacto, deve ser calculado com recurso à equidade e assim, ponderando que se trata de um dano pelos lucros cessantes e que estavam à disposição os elementos necessários para o juízo equitativo, considerou o atraso (mora) não superior a trinta dias, o número de quartos do estabelecimento da autora, a taxa média de ocupação para os alojamentos locais (como o estabelecimento da apelante) em Lisboa para os meses em questão indicada pelo Instituto Nacional de Estatística de Portugal e D… e à média de valor por noite para um alojamento local como o da ré, atendendo ao rendimento médio por quarto disponível à data, assim se revelando (mormente aos interessados directos), os argumentos e razões atendidos na fixação da indemnização moratória –, já a inexistência de vício quanto à factualidade relevante não pode ser afirmada. Efectivamente, no que especificamente respeita à vertente do facto, tem de ponderar-se que a falta de pronúncia sobre factos juridicamente relevantes, porque tal pronúncia também integra actualmente o objecto da sentença, constitui (para lá do error in judicando sobre a questão de facto), nulidade da decisão por omissão de pronúncia [o tribunal incorre na falha de não decidir sobre factos relativamente aos quais se impunha decidir, pois dever ‘emitir pronúncia sobre todos os factos essenciais alegados carecidos de prova (arts. 607º, nº 3 e 608º, nº 2), sob pena de ocorrer uma omissão de pronúncia no julgamento da questão de facto’, geradora da nulidade da sentença[8]]. Na situação dos autos, apesar da apelante qualificar o vício que imputa à sentença apelada como de falta de fundamentação (de facto e de direito), certo é que a sua argumentação aponta, no que à vertente do facto concerne, para a omissão de pronúncia (e o tribunal é livre na qualificação jurídica – art. 5º, nº 3 do CPC) – como acima referido, a falta de fundamentação respeita à (total) ausência de fundamentação de facto, sendo o vício da omissão de pronúncia o que se verifica nas situações de parcial falta (deficiência) de fundamentação (por omissão de julgamento quanto a factualidade relevante – factos essenciais ou complementares) e, no caso em apreciação, a apelante sustenta que a decisão não se pronunciou sobre (julgando-a provada ou não provada) factualidade alegada a propósito da pedida indemnização pelo dano por si sofrido em consequência da mora da apelada. Não pode negar-se que a sentença recorrida descurou pronúncia sobre factualidade alegada pela apelante e relevante para a apreciação da peticionada indemnização moratória. Efectivamente, alegou a apelante nos artigos 64º a 70º do seu articulado de oposição/reconvenção, com relevo para a apreciação da peticionada indemnização moratória (na modalidade de lucro cessante), que: - não pôde, em virtude do incumprimento da autora, iniciar a sua actividade em 22 de Julho de 2019, ficando apta a iniciá-la apenas em 2 de Outubro de 2019, - a taxa média de ocupação verificada e indicada pela Bolsa de Turismo de Lisboa para alojamentos locais nos meses de Julho a Setembro foi de 90%, - a média de valor por noite para um alojamento local como o da apelante cifrava-se em 120,00€, - o estabelecimento da apelante tinha nove quartos susceptíveis de alojar clientes, - a apelante conseguiria atingir, no período da mora (do atraso de 79 dias) da apelada, uma taxa de ocupação de 100%. Proferindo julgamento a propósito da duração da mora (julgou provado, como consta do facto provado número 24, que o atraso da autora implicou um atraso na abertura do estabelecimento da ré em número de dias não concretamente apurado, mas não superior a um mês; por contraponto, julgou não provado que a ré não pôde iniciar a sua atividade em 22 de Julho de 2019, devido ao incumprimento da autora, e que por tal razão só este apta para iniciar a sua atividade em 02 de Outubro) e bem assim quanto ao número de quartos do estabelecimento da autora (veja-se o facto provado número 5º, além doutros donde tal resulta, como os factos provados número 14º, 16º e 17º), omitiu a decisão qualquer julgamento a propósito da taxa média de ocupação verificada ao tempo nos estabelecimentos equivalentes ao da apelante, na cidade em que o mesmo se situa (Lisboa) ou até da invocada obtenção de taxa de ocupação plena, assim como quanto ao valor médio da pernoita. Constata-se, assim, que a decisão da matéria de facto a 1ª instância omitiu pronúncia sobre factualidade relevante (concretizadora) ao apuramento do montante indemnizatório. Conclui-se que não padecendo a decisão do vício de falta de fundamentação (jurídica), está todavia inquinada pela omissão de pronúncia quanto a factualidade relevante – vício cujo suprimento se impõe a esta Relação, quer porque tal suprimento oficiosamente sempre se lhe imporia, quer porque a parte impugna a decisão da matéria de facto, pretendendo que a factualidade descurada (além doutra), em atenção aos elementos de prova constantes do processo, seja julgada provada. B. Da impugnação da decisão da matéria de facto. B.1. Da impugnação da decisão da matéria de facto – da pretensão recursória de ver julgada provada matéria de direito. Pretende a apelante, além do mais, se julgue provada (assim a acrescentando à fundamentação de facto) a seguinte matéria: - que a ré apelante deixou de obter lucros no montante de 85.320,00€ (oitenta e cinco mil, trezentos e vinte euros); - que a ré apelante deixou de obter lucros no montante de 76.788,00 (setenta e seis mil, setecentos e oitenta e oito euros); - que considerando que a ré é devedora perante a autora, do montante de 7.395,64€ (sete mil trezentos e noventa e cinco euros e sessenta e quatro cêntimos), tal montante deverá ser compensado pelo montante de 1.211,55€ (mil duzentos e onze euros e cinquenta e cinco cêntimos), referente aos bens devolvidos, bem como pelo montante de 76.788,00€ (setenta e seis mil, setecentos e oitenta e oito euros), devido pela autora à ré; - que a autora é devedora perante a ré do montante de 76.788,00€ (Setenta e seis mil, setecentos e oitenta e oito euros). Impugnação de manifesta e patente improcedência nesta parte, pois que o segmento que se pretende ver vazado na fundamentação de facto constitui, exclusivamente, matéria conclusiva e/ou de direito. Não se desconhece não ter hoje justificação no nosso ordenamento processual civil a proibição de incluir factos conclusivos na fundamentação de facto das decisões judiciais. A doutrina vem expressiva e veementemente exortando a jurisprudência para que atenda ao novo e adequado modelo de retratar a realidade a ponderar no concreto litígio que é chamada a dirimir – atenuando o espartilho tradicional, assente na clássica e, por vezes, esotérica divisão entre matéria de facto/matéria de direito[9] (ou matéria conclusiva), não negando a inadmissibilidade da assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou a impossibilidade de, através de afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspectos que dependem da decisão da matéria de facto, deve atentar-se que a ‘opção legislativa tem subjacente a admissibilidade de uma metodologia em que, com mais maleabilidade, se faça o cruzamento entre a matéria de facto e a matéria de direito’, devendo optar-se por uma descrição mais ou menos pormenorizada ou concretizada da matéria factual, ‘de acordo com as necessidades do pleito, desde que seja assegurada uma descrição natural e inteligível da realidade que, para além de revelar o contexto jurídico em que se integra, permita a qualquer das partes a sua impugnação’[10]. A exigência está, actualmente, centrada na fluência e harmonia descritiva da matéria de facto, em detrimento da sua apresentação sincopada, tal qual a que resultava da mera transcrição do resultado de respostas afirmativas, positivas restritivas ou explicativas que usualmente preenchiam os pontos da base instrutória – e assim que optando-se ‘por proposições de carácter mais abrangente ou de pendor mais genérico ou conclusivo, mas que permitam delimitar e compreender a matéria de facto que é relevante para a resolução do concreto litígio’, justificar-se-á um ‘maior labor na sua concretização, seguindo um critério funcional que atenda às necessidades do concreto litígio, desde que, como é natural, seja respeitada a correspondência com a prova que foi produzida e bem assim os limites materiais da ação e da defesa.’[11] Não está, pois, actualmente excluído (e sem prejuízo de se buscar uma descrição factual e não juízos conclusivos[12]) o recurso a expressões de conteúdo mais genérico ou até conclusivo, desde que permitam percepcionar a realidade invocada e estejam concretizadas e substanciadas nos demais factos que as contêm ou que a elas se reportam em ordem à concretização da realidade subjacente ao litígio (e acautelado o exercício do contraditório[13] e circunscrita a realidade a apreciar jurisdicionalmente para efeitos de delimitação do caso julgado material) – até porque tal proibição de uso de expressões conclusivas (‘proibição dos factos conclusivos’) não ‘corresponde às modernas correntes metodológicas na Ciência do Direito, que não se cansam de referir que a distinção entre matéria de facto e matéria de direito é totalmente artificial, dado que, para o direito, apenas são relevantes os factos que o direito qualificar como factos jurídicos. Para o direito, não há factos, mas somente factos físicos ou biológicos. Os factos são sempre um Konstrukt, pelo que os factos jurídicos são aqueles factos que são construídos pelo direito. Em conclusão: o objeto da prova não pode deixar de ser um facto jurídico, com todas as características descritivas, qualitativas, quantitativas ou valorativas desse facto.’[14] Assim que não sendo adequado, p. ex., numa acção real levar-se à matéria de facto a simples afirmação de que ‘o autor é o proprietário do prédio, numa pura petição de princípio que assimile a causa de pedir e o pedido’, não poderá já negar-se a possibilidade do juiz que presidiu ao julgamento ‘assumir essa qualificação acompanhada da invocação da existência de uma presunção registral (documentada) não ilidida ou, com mais utilidade ainda, sustentada na afirmação de que considera provada a prática pelo autor e seus antecessores, durante 20 ou 30 anos, de atos que normalmente caracterizam a posse reportada ao referido direito real ou noutras afirmações fácticas que correspondam, sem qualquer espécie de dúvida, aos segmentos normativos através dos quais o legislador regulou esta forma de aquisição originária.’[15] Estando a realidade a retratar exposta nos factos a que os ‘factos conclusivos’ ou ‘jurídicos’ se reportam, e não resolvendo o ‘facto conclusivo’, atento o objecto do litígio, a questão jurídica (a sorte da acção) senão com a consideração da realidade a que se reporta e acompanha (e que se limita a adjectivar, qualificar, valorizar – sem substituir ou prescindir da enunciação concretizadora daquela realidade objectiva), permitindo-se sobre a matéria o integral e efectivo cumprimento do contraditório (respeitando-se, pois, os limites materiais da acção e da defesa) e alcançando-se a circunscrição/delimitação da realidade a apreciar jurisdicionalmente para efeitos de delimitação do caso julgado material, não poderá censurar-se o recurso a juízos conclusivos/valorativos. Relevante e fundamental na apreciação da questão é a consideração do objecto da acção – matéria que constitua questão a decidir na causa (designadamente, em acção obrigacional, apurar se uma das partes é sujeito passivo do dever de indemnizar e respectivo montante) não pode ser incluída da decisão de facto, por constituir exclusiva questão de direito. Considerando o objecto da causa reconvencional, apreciar se a ré é credora da autora (seja no montante que seja), se o dano sofrido pela ré com a mora da autora (o lucro cessante) ascende a determinado montante concreto e se deve existir compensação de créditos constitui, exclusivamente, questão de direito, a solucionar pela aplicação do direito (das normas e institutos jurídicos pertinentes) aos factos apurados e atinentes às matérias em questão, concretizadores do modo de execução (ou inexecução, lato sensu) do contrato a que as partes se vincularam, da eventual perda de ganhos da ré em consequência de retardamento da prestação a cargo da autora, do eventual cumprimento defeituoso da autora (no que concerne ao invocado crédito pela devolução de material, em razão de cumprimento defeituoso da autora) e da verificação dos pressupostos da compensação de créditos. Evidente que a matéria em causa (que a apelante pretende ver incluída na factualidade apurada) não traduz uma simples adjectivação de realidade retratada noutros factos, um mero complemento valorativo ou qualificativo de realidade exposta nos factos a que se reporta; constitui, antes e exclusivamente, a afirmação da solução quanto a questão jurídica que a configuração da causa impõe seja apreciada, face ao pedido e causa de pedir reconvencional – não traduz a afirmação dum facto jurídico, consubstanciando antes a asseveração da solução jurídica quanto ao pedido reconvencional. Improcede, pois, a impugnação da decisão de facto que tem por objecto a matéria acima referida – por se não tratar, efectivamente, de impugnação da decisão de facto, nos termos regulados nos artigos 640º e 662º do CPC. B.2. Da impugnação da decisão da matéria de facto – a impugnação incidente sobre a demais matéria. Impugna a apelante a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto sustentando que a valorização da prova produzida nos autos impõe: - se altere a redacção do facto provado número 15, considerando-se também provado que o aí referido (mobiliário encomendado fabricado com cores mais escuras do que as contratadas pela ré), além de causar incómodos e aborrecimentos, causou um atraso na abertura do alojamento local da ré pelo período de 79 dias, - se altere a redacção do facto provado com o número 24, considerando-se provado que o aí referido (atraso na entrega dos móveis e alterações/rectificações por parte da autora) implicou para a ré (além dos incómodos, transtornos e aborrecimentos) um atraso na abertura do alojamento local pelo período de 79 dias (e não apenas um atraso em número de dias não concretamente apurado, mas não superior a um mês), - se considere provado (matéria julgada não provada) que a ré não pôde iniciar a actividade em 22 de Julho de 2019 devido ao incumprimento da entrega dos móveis nessa data, só estando apta a iniciar a sua actividade em 2 de Outubro, - se considere provado (matéria julgada não provada) que o atraso no cumprimento por parte da autora impediu que a ré iniciasse a sua actividade em plena época de verão. - se considere provado (matéria desconsiderada na decisão recorrida) que a taxa média de ocupação verificada e indicada pelo Instituto Nacional de Estatística, Turismo de Portugal e D…, para os apartamentos locais nos meses de Julho a Setembro do ano de 2019, foi de 90%, - se considere provado (matéria desconsiderada na decisão recorrida) que para os referidos meses a média de valor por noite para um alojamento local como o da ré se cifrava no montante de 120,00€ (cento e vinte euros), - se considere provado (matéria desconsiderada na decisão recorrida) que a ré conseguiria atingir no seu estabelecimento uma taxa de ocupação 100%. Acolhe-se a deduzida impugnação no art. 662º do CPC – pretende-se a reapreciação de elementos probatórios sujeitos à livre apreciação do juiz (art. 607º, nº 5, 1ª parte, do CPC – depoimentos/declarações de parte, depoimentos testemunhais e documentos sem força probatória plena), tendo a apelante cumprido os ónus de impugnação prescritos no art. 640º, nº 1 do CPC, especificando os pontos de facto que considera incorrectamente julgados nas conclusões, indicando o sentido que preconiza para o seu correcto julgamento e os concretos meios de prova que, em seu entender, impõem decisão diversa, enunciando os motivos da sua discordância. Ademais, em cumprimento do nº 2 do art. 640º do CPC, na parte em que funda a discordância em meios probatórios gravados (depoimentos/declarações de parte e depoimentos testemunhais) gravados, indica as passagens das gravações que entende fundamentarem a sua posição. Em breve parênteses esclarece-se que em razão do dever da Relação apreciar oficiosamente da deficiência na decisão de facto (por não ter o tribunal de 1ª instância julgado, como provada ou não provada, factualidade alegada e concernente ao apuramento do montante indemnizatório, como acima se referiu), sempre se imporia apreciar da impugnação quanto à matéria desconsiderada na decisão recorrida independentemente do cumprimento dos ónus impostos no art. 640º, nº 1 do CPC ao recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto. Impõe-se, pois, a este tribunal apreciar da impugnação. Incide a impugnação, por um lado, sobre matéria respeitante à duração da mora da autora (retardamento da prestação a seu cargo – fornecimento e montagem do mobiliário objecto do contrato que vinculava as partes) e, por outro, sobre matéria respeitante aos prejuízos sofridos pela ré em consequência da mora (a taxa de ocupação do estabelecimento e o valor da pernoita a considerar) – a decisão recorrida não emitiu julgamento quanto a esta segunda matéria, tendo julgado provado quanto ao primeiro aspecto que ‘o atraso da entrega dos móveis e as alterações/rectificações por parte da autora implicaram incómodos, transtornos, aborrecimentos à ré e um atraso na abertura do alojamento local em número de dias não concretamente apurado, mas não superior a um mês’. A propósito da matéria respeitante ao prejuízo sofrido em consequência da mora, os elementos probatórios produzidos nos autos limitam-se às declarações de parte do legal representante da ré reconvinte e aos documentos juntos pela ré em 8/06/2020, sob os números 60 a 67 – nenhuma testemunha (mormente as testemunhas arroladas pela ré reconvinte) nem o legal representante da autora reconvinda se referiu a tal matéria[16]. O legal representante da ré reconvinte afirmou que ao tempo a procura de alojamento para curta estadia era muito grande (que havia grande procura de camas na cidade de Lisboa) – sem que se tenha referido à taxa de ocupação verificada em estabelecimentos de alojamento local, fosse à taxa média, fosse à efectiva taxa de ocupação verificada noutros estabelecimentos similares ao da ré reconvinte (situados na cidade de Lisboa ou em qualquer outro local) –, referindo, a propósito do cálculo dos danos sofridos, que de acordo com a informação que recolhera no mercado, ponderando que o estabelecimento estava instalado numa cave sem elevador, sendo o resto de serviço muito bom, efectuou um plano de negócio (‘business plan’), recorrendo ao Booking (conhecida página de procura e reservas através da Internet), em que o preço da pernoita ascenderia, no Verão, aos 120,00€ por quarto. A prova documental consubstancia-se (no que releva à apreciação): - no plano de negócio, elaborado pelo legal representante da ré (não datado, ainda que possa ser situado no ano de 2017, por usar dados estatísticos relativos ao ano de 2016), em vista da abertura do alojamento local em imóvel adquirido em Lisboa (doc. 60); em tal documento é afirmado (na página 10), a propósito da ‘Estratégia de Preço’ a praticar, ser propósito da ré ‘prestar um serviço de excelência’ sem que os preços saiam do peço médio praticado pela concorrência; adiante (página 18, em rubrica designada por ‘Avaliação do negócio’) são considerados os preços (por quarto – e para todos os nove quatros) de 35€ para a época baixa (Novembro a Fevereiro, com excepção das épocas festivas), de 50€ para a época intermédia (Março, Abril, Setembro e Outubro) e 75€ para a época alta (Maio a Agosto); a propósito das previsões de ocupação, o documento preparou uma previsão a doze meses (mês a mês), resultante de consulta ao mercado efectuada aos quatro maiores operadores digitais do mercado hoteleiro (BNRB, HOMEWAY, BOOKING e ZOPLA), concluindo por uma taxa de ocupação (para todos os nove quatros) de 65% na época baixa, de 75% na época intermédia e de 100% na época alta (páginas 11 e 12 do documento), - documento apócrifo (nenhum elemento permite apurar a sua fonte) relativo a ‘taxas de ocupação quarto’ por região (doc. 61), que apresenta para os meses de Maio a Setembro de 2019 taxas médias de ocupação (considerando hotéis, hotéis-apartamentos, pousadas, aldeamentos turísticos e apartamentos turísticos - não há expressa menção a alojamento local) entre os 55,29% (Maio) e os 66,01% (Setembro), passando pelos 60,60% (Junho), 67,63% (Julho) e 77,81% (Agosto), - documento (doc. 62) que traduz consulta ao portal do Instituto Nacional de Estatística realizada em 26/05/2020, sobre o número de dormidas e de hóspedes em estabelecimentos hoteleiros por localização geográfica e por tipo de estabelecimento hoteleiro (hotel, pensão, estalagem, pousada, motel, hotel-apartamento, aldeamento turístico e apartamento turístico) nos anos de 2015 a 2018, sem que haja qualquer referência a taxas de ocupação e ou preços médios, - cópia impressa de notícia publicada no jornal digital D… em 3/08/2018 (doc. 63), onde se refere que o alojamento local, em 2017, recebera 3,4 milhões de hóspedes (uma subida homóloga de quase 29%) e gerara 263 milhões de receitas (não se referem taxas de ocupação ou preços por quarto), - cópia impressa (doc. 64) de consulta efectuada em 26/05/2020 (dados actualizados a 2/08 2019) à Base de Dados Portugal Contemporâneo (Pordata) quanto ao ‘rendimento médio por quarto nos alojamentos turísticos’ (rendimento obtido por cada quatro disponível em hotéis, pensões, estalagens, pousadas, motéis, hotéis-apartamentos e aldeamentos turísticos) para os anos de 2006 a 2018, constatando-se que a média para o ano de 2018 foi de 47,8€ (sendo para os hotéis de 56,7€, para os hotéis-apartamentos de 52,8€ e para os aldeamentos turísticos de 38,8€) – não são apresentados dados concernentes ao alojamento local, - cópia impressa (doc. 65) de consulta efectuada em 26/05/2020 (última actualização a 1/04 2020) à Base de Dados Portugal Contemporâneo (Pordata) quanto aos ‘proveitos totais dos alojamentos turísticos’ – é apresentado valor anual global dos proveitos (média por tipo de estabelecimento, sem que esteja considerado o alojamento local), sem qualquer menção a preços médios praticados por quarto/habitação por qualquer dos tipos de estabelecimento ou taxas de ocupação, - cópia impressa (doc. 66) de consulta efectuada em 26/05/2020 (última actualização em 1/04/2020) à Base de Dados Portugal Contemporâneo (Pordata) quanto aos ‘proveitos totais dos alojamentos turísticos: total e por tido de estabelecimento’ – são apresentados valores anuais desde 1999 a 2019, média global de todos os tipos de alojamento e média por cada tipo de estabelecimento (hotel, pensão, estalagem, pousada, motel, hotel-apartamento, aldeamento turístico, apartamento turístico, alojamento local e turismo de habitação no espaço rural) – são apresentados os proveitos ou rendimentos totais, sem qualquer menção a preços médios praticados por quarto/habitação por qualquer dos tipos de estabelecimento ou taxas de ocupação, e sem apresentação doutros dados (v.g., número de quartos de cada tipo de alojamento) que possibilitem apurar do preço médio praticado por quarto/alojamento, - cópia impressa de notícia publicada no jornal digital D… em 5/08/2019 (doc. 67), onde se refere que a taxa de ocupação dos hotéis em Portugal se manteve, em Maio de 2019, nos 78%, face ao mesmo mês do ano pretérito, tendo porém os preços subido no mesmo período 2%; a fonte da notícia radica em documento da AHP (Associação da Hotelaria em Portugal), referindo-se a queda da taxa de ocupação em determinados destinos e a subida noutros, designadamente em Lisboa (onde se verificou taxa de ocupação de 90%), sendo o preço médio por quarto de 77€, na comparação com o período homólogo (ainda que o preço médio por quarto disponível em Lisboa se tenha situado nos 120€, o que representou quebra de 2%); a notícia refere-se a hotéis (unidades hoteleiras), não incidindo também sobre alojamento local. Na apreciação racional e conjugada destes elementos probatórios importa desde logo atender à forma pouca consistente e sustentada (antes aligeirada) como o legal representante da ré reconvinte se referiu à questão do preço por quarto: limitou-se a afirmar que colhera informação no mercado (consultou operadora digital do mercado hoteleiro – a Booking) e que ponderando os concretos elementos relevantes do estabelecimento da ré (situado em cave, sem elevador), encontrou um preço de pernoita, no Verão, de 120,00€ por quarto. Tais declarações são inquinadas por alguma inconsistência e fragilidade. Note-se, em primeiro lugar, que foi encontrado preço igual para todos os nove quartos do estabelecimento, sendo certo que alguns deles dão para as traseiras e pelo menos dois deles (como referido de forma indiscutida e unânime pelas testemunhas) eram interiores, sem janelas, o que não se compadece com preços equivalentes para todos os quartos. Depois, foi aventado um preço por quarto equivalente ao preço médio de quarto disponível para hotéis em Lisboa (veja-se o documento nº 67, acima discriminado), o que não se mostra conforme ao mercado (o preço por quarto do arrendamento local é inferior ao dos hotéis - os potenciais clientes do alojamento local poderão optar pelo hotel se confrontados com preços equivalentes para os dois tipos de alojamento), tanto mais quanto o alojamento da ré está instalado em cave, sem elevador: por mais que todos os outros componentes do estabelecimento (da oferta providenciada pelo alojamento da ré) sejam muito bons (como afirmado pelo legal representante da ré, sem que justificasse/demonstrasse a asserção com exemplos concretos – ainda que se possa considerar que a escolha de decoração personalizada seja um índice de qualidade, tal não traduz a necessária elevação do alojamento da ré ao nível de excelência), certo é que a circunstância do alojamento se situar numa cave, sem elevador, influi no preço que os clientes estão dispostos a pagar. Acresce que tal afirmado preço inflaciona, consideravelmente, o preço por quarto encontrado pela ré (rectius, pelo legal representante da ré) no plano de negócio elaborado em vista da abertura do alojamento – foi aí considerado um preço médio de 75€ por noite, em época alta (Maio a Setembro). Não permitem, pois, os elementos probatórios elencados (sua conjugação e harmonização) concluir que o alojamento local da ré conseguiria, no Verão de 2019, alcançar, para todos os quartos (sequer para qualquer deles) o preço de 120€. Assim que, em vista de respeitar o grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso e regras da experiência da vida (o alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida) que preside ao julgamento da matéria de facto controvertida (o grau necessário para em juízo se considerar demonstrada determinada realidade), entende-se dever tão só considerar provado que o rendimento médio por quarto nos alojamentos turísticos (rendimento obtido por cada quatro disponível em hotéis, pensões, estalagens, pousadas, motéis, hotéis-apartamentos e aldeamentos turísticos – que não alojamento local) foi, no ano de 2018, de 47,8€ (sendo para os hotéis de 56,7€, para os hotéis-apartamentos de 52,8€ e para os aldeamentos turísticos de 38,8€), como resulta do doc. 64 (dados estatísticos revelados na Base de Dados Portugal Contemporâneo, com base em dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística). Relativamente à taxa de ocupação dos quartos dos alojamentos locais, a prova oral produzida em audiência foi inexistente – nem o legal representante da autora reconvinda nem qualquer das testemunhas a essa matéria se referiu, tendo-se o legal representante da ré reconvinte limitado a afirmar que, ao tempo, a procura de alojamento para curta estadia (procura de camas, foi a expressão por ele utilizada) era muito grande na cidade de Lisboa, sem que, como realçado, tenha aludido à taxa de ocupação verificada em estabelecimentos de alojamento local, fosse à taxa média, fosse à efectiva taxa de ocupação verificada noutros estabelecimentos similares ao da ré reconvinte (situados na cidade de Lisboa ou em qualquer outro local). Quanto a essa matéria, a prova documental foi também parca (até aquém do necessário para que esta adjectivação se mostre adequada). Manifestamente insuficiente o plano de negócio elaborado pelo legal representante da ré, no qual se prevê para o alojamento então a criar uma taxa de ocupação de 100% - previsão cuja verificação se não mostra confirmada por qualquer estatística elaborada pelas várias entidades que a tanto se dedicam, mormente o Instituo Nacional de Estatística (nenhuma foi junta aos autos) e que suplanta a taxa de ocupação dos alojamentos turísticos de referência, os hotéis, que, considerando o doc. 67 acima aludido (notícia do jornal digital D…), se situou em Maio de 2019, nos 90% em Lisboa, ou excede mesmo as taxas médias de ocupação expostas no documento apócrifo junto pela ré (doc. 61 – apresentam-se aí as taxas médias de ocupação por quarto para os meses de Maio a Setembro de 2019, considerando hotéis, hotéis-apartamentos, pousadas, aldeamentos turísticos e apartamentos turísticos, sem qualquer menção a alojamento local, situadas entre os 55,29%, em Maio, e os 66,01% em Setembro, passando pelos 60,60% em Junho, 67,63% em Julho e 77,81% em Agosto). A taxa de ocupação de que dá notícia o aludido doc. 67 (baseada em dados revelados pela Associação da Hotelaria de Portugal) refere-se exclusivamente a hotéis e o documento 61 não é susceptível de basear uma convicção racional e objectiva, dado ser apócrifo. Assim que os elementos documentais s juntos aos autos não permitem retirar nenhum outro dado relevante quanto à matéria, salvo – o que poderá servir de ponto de referência, caso haja de correr à equidade para fixar o montante indemnizatório (art. 566º, nº 3 do CC) – o de que a taxa de ocupação dos hotéis se manteve, em Maio de 2019 (relativamente ao anterior período homólogo), em 78%, sendo que em Lisboa se verificou taxa de ocupação de 90% (como resulta do referido doc. 67, que expõe dados revelados pela Associação da Hotelaria de Portugal, que por isso merecem suficiente credibilidade para serem valorizados em juízo no âmbito da presente acção e assim, satisfazendo o grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida, se ter por demonstrada a matéria em questão). Insurge-se também a apelante quanto à decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto no segmento atinente às repercussões da mora da autora na abertura do estabelecimento da ré (no atraso provocado na abertura do estabelecimento) – defende a ré que a mora da autora na entrega dos móveis encomendados (e as rectificações neles operadas) teve como consequência um atraso de 79 dias na abertura do estabelecimento, discordando assim da decisão recorrida que considerou tão só provado que o atraso da autora na entrega dos móveis e as alterações rectificações levadas a efeito em tal mobiliário implicaram um atraso na abertura do alojamento local da ré em número de dias não concretamente apurado, mas não superior a um mês. A propósito desta questão ficou apurado (e trata-se de factualidade agora não impugnada) que as partes previram que a autora procedesse à entrega do mobiliário em 15 de Julho de 2019 e à respectiva montagem nos dias subsequentes (facto provado número 5), entrega e montagem que ocorreu entre 5/09/2019 e 7/09/2019 (facto provado número 14), acontecendo ainda que após a montagem a ré verificou que os quartos ficaram com espaço reduzido e três deles ficaram sem espaço de circulação por existirem móveis ‘a mais’ e móveis com dimensões superiores ao adequado (facto provado número 16), vindo a autora a efectuar alterações/rectificações entre 30/09 e 4/10/2019 (facto provado número 19), tendo o estabelecimento da ré aberto em 20/11/2019 (facto provado número 23). De notar que, como referido na decisão recorrida (com expressa identificação da pertinente documentação a propósito junta aos autos), o estabelecimento da ré, à data de Julho de 2019, estava munido de todas as licenças e alvarás necessários para entrar em funcionamento – a sua abertura não estava, pois, dependente da obtenção de qualquer licença (nem foi a sua obtenção provocou qualquer atraso na abertura do alojamento). Ademais, a prova produzida em audiência não permite concluir que o estabelecimento necessitasse, ao tempo (entre Julho e Outubro de 2019) de obras, ajustamentos ou rectificações que impedissem uma pronta abertura do estabelecimento – as testemunhas arroladas pela autora (os funcionários que procederam, inicialmente, à montagem do mobiliário e, posteriormente, às rectificações), aludiram tão só a pequenos ajustes/arranjos (p. ex., o L… referiu que faltava proceder à colocação de papel de parede nalguns, poucos, locais, faltava instalar as fechaduras digitais, faltava proceder a ligações finais de algumas tomadas de eletricidade e fichas USB; o M… referiu que quando procederam às alterações/rectificações do mobiliário ainda trabalhadores por conta da ré procediam à montagem duma porta de emergência, faltava instalar as fechaduras digitais, faltava a colocação de painéis no hall de entrada e havia problemas numas janelas) que não podem considerar-se como de difícil e demorada realização, tendo por sua vez o legal representante da ré referido que tinha programado tudo o necessário à abertura do estabelecimento em função da entrega do mobiliário em Julho e que, em função do atraso da autora, tudo teve de ser reprogramado (e com atraso, porque as empresas com quem tinha negociado tinham outros serviços em carteira e por isso que não puderam realizar, logo que em Outubro a autora finalizou a sua prestação, o que era necessário à abertura do estabelecimento – o electricista, o fotógrafo para fotografar/filmar o espaço, a colocação do estabelecimento nos canais internacionais do alojamento turístico, etc.). De tais elementos probatórios pode com segurança concluir-se que o atraso na entrega dos móveis e as alterações/rectificações realizadas implicaram (além de incómodos, transtornos e aborrecimentos à ré) um atraso na abertura do alojamento local de cerca de dois meses – desconsidera-se, no desfasamento temporal observado de quase dois meses e meio entre 15 de Julho e 4 de Outubro, além do necessário período de montagem (alguns dias – veja-se que a ré consumiu três dias na montagem do mobiliário), também o tempo que demorou a ré a enunciar as rectificações/modificações pretendidas e implicadas pelo facto do mobiliário fornecido implicar redução do espaço nos quartos e nalguns deles impedir mesmo a circulação (mobiliário foi montado a 7/09 e só em 23/09 a ré comunicou à autora as rectificações/modificações necessárias/pretendidas). Não resulta da prova produzida nos autos que tenha co-existido com o atraso na definitiva entrega/montagem do mobiliário outra qualquer razão ou motivo de protelamento da abertura do estabelecimento e que assim tornasse aquele atraso da autora irrelevante (inconsequente) para um retardamento na abertura do estabelecimento da ré (por tal protelamento ser determinado por tal outra razão ou motivo). O que dos elementos probatórios resulta é que todas as licenças e alvarás tinham sido obtidos e que, aquando da efectivação da prestação a cargo da autora, os pequenos ajustes ainda necessários eram de fácil e pronta realização, restando apenas os necessários procedimentos para colocar o estabelecimento no mercado do alojamento turístico (a sua inserção nas plataformas digitais do mercado) – e assim que o atraso na entrega/fornecimento do mobiliário e respectiva rectificação/modificação se repercutiu, quase por inteiro (com o ajuste de cerca de quinze dias acima justificado), na abertura do estabelecimento da ré. Do exposto conclui-se que os elementos probatórios produzidos nos autos, no que concerne ao segmento factual atinente às repercussões da mora da autora na abertura do estabelecimento da ré (no atraso provocado na abertura do estabelecimento), impõem se tenha por provado (assim se alterando a redacção do facto provado número 24) que o ‘atraso na entrega dos móveis e as alterações/rectificações realizadas implicaram (além de incómodos, transtornos e aborrecimentos à ré) um atraso na abertura do alojamento local da ré de cerca de dois meses.’ Procede, pois, parcialmente, a impugnação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, devendo aditar-se à matéria provada dois outros factos (a incluir após o facto 26) e alterar-se a redacção do facto provado número 24, nos seguintes termos: 24- O atraso na entrega dos móveis e as alterações/rectificações por parte da autora implicaram incómodos, transtornos, aborrecimentos à ré e um atraso na abertura do alojamento local em cerca de dois meses. 27- O rendimento médio por quarto nos alojamentos turísticos (rendimento obtido por cada quatro disponível em hotéis, pensões, estalagens, pousadas, motéis, hotéis-apartamentos e aldeamentos turísticos – que não alojamento local) foi, no ano de 2018, de 47,8€ (sendo para os hotéis de 56,7€, para os hotéis-apartamentos de 52,8€ e para os aldeamentos turísticos de 38,8€). 28- A taxa de ocupação dos hotéis manteve-se, em Maio de 2019 (relativamente ao anterior período homólogo), em 78%, sendo que em Lisboa se verificou taxa de ocupação de 90%. C. Do valor indemnizatório a arbitrar à ré reconvinte pela mora da autora reconvinda. Não vem questionada na apelação a existência do dever de indemnizar a cargo da autora reconvinda, sendo apenas censurada a decisão recorrida quanto ao montante indemnizatório arbitrado (3.000,00€) – a apelante insurge-se contra a manifesta exiguidade e insuficiência do montante arbitrado para reparar os prejuízos sofridos, sustentando que o dano (e assim o montante indemnizatório) sofrido ascende a 76.788,00€ (setenta e seis mil setecentos e oitenta e oito euros). A decidida obrigação de indemnizar emerge de responsabilidade contratual da autora, fundada no culposo (desde logo por presunção legal não ilidida – art. 799º, nº 1 do CC) retardamento da prestação (mora) a seu cargo (fornecimento e montagem de mobiliário para os nove quartos do estabelecimento da ré – um alojamento local em Lisboa). O não cumprimento (em sentido lato, abrangendo a falta de cumprimento stricto sensu, a impossibilidade imputável ao devedor ou a mora) tem como principal consequência o nascimento de um dever secundário de prestar cujo objecto é já não a prestação debitória inicial mas a reparação do dano causado ao credor[17]. Esta indemnização é destinada a reparar tanto o dano emergente como o lucro cessante (art. 564º do C.C.) e é determinada em função dos danos concretamente sofridos pelo credor – ou seja, compreende todo o interesse contratual positivo ou de cumprimento (aquele que resultaria para o credor do cumprimento pontual do contrato)[18]. A circunstância de a prestação ser ainda possível (realizável) e de o interesse do credor não se extinguir (e, por isso, manter-se o devedor adstrito ao cumprimento), não impede que o retardamento da prestação cause ao credor danos mais ou menos extensos, sendo tais prejuízos, determinados nos termos dos arts. 562º e ss. do CC, os que o art. 804º, nº 1 do CC manda reparar, avultando entre os danos moratórios os benefícios ou lucros que o credor deixou de obter em virtude da falta do devedor[19]. Na situação trazida em apelação, do retardamento da prestação a cargo da autora resultou para a ré um protelamento na abertura do seu estabelecimento (alojamento local), o que redundou em lucros deixados de auferir com a actividade. Dano – na modalidade de lucro cessante (art. 564º, nº 1, 2ª parte, do CC) – que tem a sua causa adequada no facto gerador da obrigação de indemnizar (a mora da autora), como afirmado na decisão recorrida (nessa parte não censurada) – tivesse a autora cumprido tempestivamente a sua prestação, a ré teria podido abrir o seu estabelecimento ao público sem o verificado retardamento e, com toda a probabilidade e verosimilhança, teria auferido os proventos resultantes da actividade no âmbito do mercado do alojamento turístico (o lucro cessante, porque compreende benefícios que o lesado não obteve, mas deveria ter obtido, tem de ser determinado segundo critérios de verosimilhança ou probabilidade, pois que se trata de vantagens que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado – leia-se, credor da prestação – teria obtido, não fora o facto lesivo – leia-se, não fora a mora do devedor)[20]. Sendo impossível averiguar do seu exacto valor, o montante indemnizatório de um tal dano (e sendo certo que por a prestação retardada não se consubstanciar em obrigação pecuniária não é aplicável o art. 805º do CC) tem de apurar-se, em atenção à teoria da diferença (estabelecida no nº 2 do art. 566º do CC), com recurso à equidade (art. 566º, nº 3 do CC). A equidade (tratada como fonte de direito sem que necessariamente o seja) é, como resulta do art. 566º, nº 3 do CC, uma ‘via que serve de recurso para permitir alcançar uma definição concreta do conteúdo de um direito subjectivo, nomeadamente um crédito indemnizatório, quando o valor exacto dos danos não foi apurado’[21]. O apelo a critérios de equidade tem em vista encontrar no caso concreto a solução mais justa – a equidade é uma forma de justiça: por seu intermédio não se criam regras jurídicas nem se encontra a solução através da mediação ou intervenção de regra elaborada pelo julgador, que tão só recorre ao exame das características do caso concreto[22]; a equidade é a ‘justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, devendo o julgador ter em conta as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida’[23]. Equidade não significa arbitrariedade, convocando a ponderação do curso normal das coisas, a particular situação do caso concreto e o próprio dano a reparar – na situação dos autos, o protelamento (em razão da mora da autora) na abertura (ex novo) de alojamento local da ré, situado em Lisboa, por cerca de dois meses, assim a impedindo de obter os proveitos que o exercício da actividade em tal período proporcionaria. Da matéria apurada pode concluir-se que, tivesse a autora cumprido tempestivamente a prestação a que estava adstrita, poderia a ré ter procedido à abertura do seu estabelecimento (alojamento local com nove quartos) dois meses mais cedo (veja-se o facto 24, com a alteração da redacção operada em consequência da parcial procedência da impugnação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto) – considerou-se provado que a mora da autora teve uma repercussão no protelamento da abertura do estabelecimento da ré pelo período de dois meses, por isso se podendo concluir que tendo a abertura ocorrido em 20 de Novembro de 2019, poderia ter ocorrido, não fora a mora da autora, em 20 de Setembro de 2019. Acresce que a matéria provada (factos agora aditados à fundamentação de facto, em consequência da parcial procedência da impugnação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto) aporta ao juízo equitativo a que se procede alguns elementos, ainda que tão só indicativos e de referência aproximada (indirecta), a demandar cuidadosos ajustes. Efectivamente, nada se tendo apurado sobre as taxas de ocupação verificadas e/ou sobre os preços médios por quarto (sequer sobre os rendimentos médios por quarto) nos estabelecimentos de alojamento local situados em Lisboa no período temporal a considerar (de meados de Setembro a meados de Novembro de 2019), apurou-se que o rendimento médio por quarto nos alojamentos turísticos (rendimento obtido por cada quatro disponível em hotéis, pensões, estalagens, pousadas, motéis, hotéis-apartamentos e aldeamentos turísticos – que não alojamento local) foi, no ano de 2018, de 47,8€ (sendo para os hotéis de 56,7€, para os hotéis-apartamentos de 52,8€ e para os aldeamentos turísticos de 38,8€) e bem assim que a taxa de ocupação dos hotéis, em Maio de 2019, se manteve (relativamente ao anterior período homólogo) em 78%, sendo que em Lisboa se verificou taxa de ocupação de 90%. Ponderando que o estabelecimento da ré era um alojamento local que se aprestava para iniciar actividade, tem de ponderar-se que quer a taxa de ocupação quer o preço por quarto (e assim também o rendimento médio por quarto) não se aproximariam dos valores conseguidos por estabelecimentos congéneres já implantados no mercado, muito menos se aproximaria das taxas de ocupação e dos preços médios alcançados pelos hotéis – sequer dos rendimentos médios por quarto dos alojamentos turísticos já em actividade. Importa ainda considerar que o período de protelamento na abertura do alojamento (de 20 de Setembro a 20 de Novembro) se situava já fora da época alta do turismo. Assim que ponderando a duração da mora (dois meses), que no ano de 2018 (ano anterior ao da ocorrência do prejuízo a indemnizar) o rendimento médio por quarto para os alojamentos turísticos (hotéis, pensões, estalagens, pousadas, motéis, hotéis-apartamentos e aldeamentos turísticos – que não alojamento local) fora de 47,8€, atendendo a que o estabelecimento da ré tinha nove quartos e que iria iniciar a actividade (e por isso que tal início de actividade, em período fora da época alta, não importaria uma taxa de ocupação sequer aproximada da que se verificava então nos hotéis em Lisboa, antes mais baixa, inferior por isso aos 50% e, assim, que o rendimento médio por quarto não se aproximaria dos valores de rendimento médio por quarto obtidos no ano anterior pela generalidade dos alojamentos turísticos), encontraremos valor indemnizatório próximo dos 7.500,00€ (sete mil e quinhentos euros) – se considerado o valor de rendimento médio de 48€ por quarto, os nove quartos e os sessenta dias da mora, obter-se-ia um valor de 25,920,00€; ponderando porém que a ré iniciava a actividade, não sendo provável nem verosímil (juízo de racionalidade e lógica, fundado nas regras da experiência da vida) que obtivesse taxas de ocupação sequer aproximadas às dos estabelecimentos congéneres e muito menos dos hotéis (e por isso que seriam inferiores a 50%) e que assim, o rendimento médio por quarto seria inferior ao que no ano de 2018 foi observado para aos alojamentos turísticos, tal valor deve sofrer corte acentuado por forma a situa-lo próximo de um terço daquele valor (pondera-se que o rendimento médio por quarto – conceito que se entende ajustado para o apuramento da indemnização, pois tomar em consideração custos de produção, como são as despesas de funcionamento do alojamento, como a água, electricidade e até a remuneração devida às operadoras digitais pelas reservas através delas efectuadas – é mais baixo quando um estabelecimento entra no mercado e inicia a actividade). Tem-se assim por equilibrado, justo e adequado fixar em 7.500,00€ (sete mil e quinhentos euros) o montante destinado a reparar o lucro cessante da ré reconvinte. D. Da pretensão de redução do preço da empreitada. Pretende a ré reconvinte reduzir a contraprestação a seu cargo (reduzir o preço) em razão do defeituoso cumprimento da prestação a que a autora reconvinda se encontra adstrita (fornecimento e montagem de mobiliário para os nove quartos do alojamento local da ré). Resultou a propósito provado que a empreitada (contrato de empreitada o que vinculava as partes, pois que a obrigação a que a autora se vinculou não foi a de transmitir a propriedade de determinada coisa para a ré mas antes a de fabricar móveis e a montá-los no estabelecimento da ré – ou seja, mediante um preço, obrigou-se a autora a realizar uma obra para ré, nos termos do art. 1207º do CC) foi cumprida com defeito – o mobiliário objecto do contrato foi projectado pela autora em atenção a medidas do local onde seria instalado retiradas por funcionário da autora, verificando-se, quando montado no estabelecimento, que os quartos ficavam com o espaço reduzido e que em três deles não havia espaço de circulação, por existirem móveis ‘a mais’ e móveis com dimensões superiores ao adequado para o espaço, tendo a ré solicitado modificações/rectificações em vista de solucionar tal fala de espaço e impossibilidade de circulação, a que a autora aceitou proceder, tendo dois móveis sobrado da montagem resultante das alterações/rectificações solicitadas pela ré e efectuadas pela autora para solucionar a falta de espaço referida (deixaram de caber nos quartos e de ter utilidade para a ré, tendo sido levados para as instalações da autora, a pedido do legal representante da ré). Afirma-se o cumprimento defeituoso da empreitada, pois que logo na fase do projecto a autora cometeu lapso que comprometeu toda a obra (que a tornou inapta ao uso ordinário a que era prevista) – tendo à sua disposição as medidas do espaço onde os móveis a projectar e executar iam ser colocados, a autora projectou e executou móveis que se viriam a revelar desadequados ao espaço a que se destinavam, privando mesmo três dos quartos do necessário espaço de circulação. Prestação defeituosa (defeito conceptual – na fase do projecto ou da concepção da obra), presumida culposa (nos temos do art. 799º, nº 1 do CC) – pode mesmo considerar-se, em face da matéria provada, a culpa (negligência) efectiva da autora, pois que lhe era exigível que tivesse em conta, ao projectá-lo, que os quartos a que o mobiliário se destinava tinham de providenciar o necessário espaço para que as pessoas neles pudessem circular e movimentar-se, o que, considerando a prestação realizada, descurou. Defeito que a ré comunicou à autora, tendo esta providenciado pela respectiva eliminação (art. 1221º do CC), procedendo a rectificações e modificações. Todavia, dois dos móveis projectados e construídos pela autora, não puderam ser aproveitados nas modificações/rectificações operadas para eliminar o defeito – deixaram de caber no local para onde foram projectados e concebidos e de poder ser aproveitados nas modificações operadas na eliminação do defeito e, assim, de ter utilidade para a ré. Quanto a eles, o defeito não foi eliminado – tais móveis também padeciam de defeito (do defeito na concepção da obra, ao serem inadequadamente dispostos nos quartos do estabelecimento da ré), sendo que quanto a eles nenhuma rectificação/modificação foi realizada pela autora em vista da sua (defeito) eliminação. Assiste, pois, ao dono da obra o direito a reduzir a prestação a seu cargo (o preço), em vista do restabelecimento do equilíbrio das prestações. Restabelecimento do equilíbrio prestacional que se obtém ponderando a valorização efectuada pelas partes quanto ao valor da contraprestação concernente a tais móveis – não tendo havido eliminação do defeito no que a tais móveis concerne, também eles não foram aceites pela dona da obra (não se tendo assim verificado a transferência da propriedade, que ocorre nas empreitadas de coisas móveis com materiais fornecidos pelo empreiteiro, com a aceitação da obra – art. 1212º, nº 1, 1ª parte, do CC), impondo-se assim reduzir a prestação a cargo da ré, dona da obra, no exacto montante do respectivo preço. Assiste assim à ré reconvinte o direito a ver reduzida a sua prestação no exacto montante do preço de tais dois móveis – ou seja, como resulta do facto provado número 22º, o valor de 1.211,55€. E. Conclusão – as consequências dos argumentos decisórios expostos no resultado da causa. Considerando o direito da ré a ver reduzido o preço da empreitada no montante de 1.211,55€, a parte do preço da empreitada ainda não paga (e que à ré pode a autora exigir judicialmente – arts. 817º e 1207º do CC) ascende ao valor de 5.891,38€. Operando a compensação (que consiste num meio do devedor se livrar da obrigação, pela extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor[24] – a compensação consiste numa mútua liberação, total ou parcial, de duas dívidas[25] ou, noutras palavras, na extinção de dois créditos contrapostos, mediante uma declaração de vontade unilateral e receptícia[26]), o crédito da autora extingue-se completamente, ficando ainda a ré com um crédito sobre a autora no valor de 1.608,62€ (a autora tem sobre a ré um crédito indemnizatório de 7.500,00€, pelo que extinguindo-se ambas as obrigações quanto ao montante de 5.891,38€ – este o montante do crédito da autora, concernente à parte não paga do preço da empreitada, já objecto da redução devida –, subsiste ainda o crédito da ré na parte excedente). Note-se que atenta a retroactividade da compensação (art. 854º do CC) os créditos se extinguiram quando a ré ainda se não encontrava em mora (sem que, portanto, lhe pudessem ser exigidos juros moratórios) – a autora finalizou a sua prestação (incluindo a eliminação dos defeitos) em Outubro de 2019, sendo que desde finais de Julho se encontrava em mora (e por isso que em Outubro de 2019, quando a autora eliminou os defeitos da prestação, já estava incursa no dever de indemnizar o dano moratório). Assim que a apelação procede parcialmente e, em consequência, a acção deve ser julgada improcedente e parcialmente procedente a reconvenção, com a condenação da autora reconvinda a pagar à ré reconvinte a quantia de 1.608,62€ (mil seiscentos e oito euros e sessenta e dois cêntimos). F. Síntese da argumentação decisória Procede, pois, parcialmente a apelação, podendo sintetizar-se a argumentação decisória (nº 7 do art. 663º do CPC) nas seguintes proposições (omitindo, nesta tarefa, os argumentos circunscritos à apreciação da impugnação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto): ……………………………… ……………………………… ……………………………… * DECISÃO* Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogando a sentença apelada, em julgar improcedente a acção e parcialmente procedente a reconvenção, condenando a autora reconvinda a pagar à ré reconvinte a quantia de de 1.608,62€ (mil seiscentos e oito euros e sessenta e dois cêntimos).As custas serão suportadas por apelante e apelada na proporção do decaimento. * Porto, 28/10/2021João Ramos Lopes Rui Moreira João Diogo Rodrigues (por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem) _________________ [1] Cfr., a propósito, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral do Processo de Declaração, 2018, p. 736. [2] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª edição, pp. 733/734 e p. 736. [3] A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, p. 687. [4] P. ex., Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 55, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª edição, p. 735/736, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código (…), p. 737 e Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, Volume I, p. 603. [5] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código (…), p. 737. [6] Acórdãos da R. Porto de 8/09/2020 (Carlos Gil) e de 6/09/2021 (Carlos Gil), no sítio www.dgsi.pt. [7] Acórdão STJ de 2/03/2011 (Sérgio Poças), no sítio www.dgsi.pt. [8] Assim, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, 2014, 2ª edição, pp. 606/607. Também Miguel Teixeira de Sousa, em comentários publicados no blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.com) em 30/07/2015 ao acórdão da Relação de Lisboa de 17/06/2015 e em 16/10/2017 ao acórdão do STJ de 23/03/2017. Diversamente, sustentando que a falta de pronúncia sobre factos juridicamente relevantes integra uma violação do disposto no art. 607º, nº 4 do CPC e, assim (não integrando a matéria de facto as questão a decidir, nos termos do art. 608º, nº 2 do CPC, pois que circunscritas estas às questões de direito), não constituindo vício na construção da sentença passível de integrar a nulidade por omissão de pronúncia, integra patologia a sindicar (mesmo oficiosamente) nos termos do art. 662º, nº 2, c) do CPC, enquanto deficiência da matéria de facto, o acórdão da Relação do Porto de 14/12/2017 (Carlos Gil), no sítio www.dgsi.pt. Afigura-se-nos que a querela tem interesse meramente académico – quer nos casos de falta absoluta de fundamentação de facto, quer nos casos de deficiência parcial (por falta de pronúncia sobre factos relevantes – essenciais ou complementares), a Relação deve, mesmo oficiosamente, suprir o vício se tiver disponíveis os elementos para tanto ou, assim não sendo, determinar a ampliação da matéria de facto, com anulação da decisão (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pp. 306/307), sem prejuízo da possibilidade das partes impugnarem a decisão da matéria de facto. [9] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), p. 722. [10] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), p. 721 [11] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, pp. 600/601. [12] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas (…), p. 587. [13] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), p. 27. [14] Teixeira de Sousa, apud Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), p. 26 e 721/722. [15] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), p. 722. [16] Consigna-se que se procedeu à integral audição de todos os depoimentos (depoimentos e declarações de parte e depoimentos testemunhais) prestados em audiência. [17] A. Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ª edição, pp. 88, 89 e 90. [18] A. Varela, Das Obrigações em Geral (…), p. 89. [19] A. Varela, Das Obrigações em Geral (…), pp. 115/116. [20] P. de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição revista e actualizada, p. 549. [21] Acórdão do STJ de 19/04/2018 (Rosa Ribeiro Coelho), no sítio www.dgsi.pt. [22] Oliveira Ascensão, O Direito Introdução e Teoria Geral, 2ª edição, p. 219, apud acórdão do STJ de 14/03/2019 (Nuno Pinto de Oliveira), no sítio www.dgsi.pt. [23] Acórdão do STJ de 10/02/98, na Colectânea de Jurisprudência, 1998, Tomo I, p. 65. [24] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 5ª edição, p. 195. [25] Diez-Picaso, apud A. Varela, obra e local citados (nota 3). [26] Brox, apud A. Varela, obra e local citados (nota 4). |