Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FRANCISCO MATOS | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAR EMBARGO DE OBRA NOVA EMBARGO DEDUZIDO PELO ARRENDATÁRIO PRESSUPOSTOS | ||
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Nº do Documento: | RP201302191560/12.9TJPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 02/19/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O embargo de obra nova tem como pressupostos que o requerente seja titular de um direito de propriedade ou outro direito real ou pessoal de gozo, ou da sua posse e que esse direito tenha sido ofendido por obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause prejuízo; II - Por prejuízo entende-se a ofensa do direito, não sendo aplicável ao embargo de obra nova o requisito do receio de "lesão grave e dificilmente reparável" previsto no artigo 381° n° 1 do CPC para as providências cautelares não especificadas. III - Se a acção a que corresponde o direito invocado - no embargo de obra nova preparatório ou instrumental daquela - não é uma acção de defesa ou reconhecimento do direito do gozo ou da posse sobre a coisa (art° 1037°, n°2, do CC), carece de fundamento legal o embargo que o arrendatário promoveu às obras dos senhorios. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 1560/12.9TJPRT.P1 Porto Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Recorrente: B…. Recorridos: C…; D…; E… e F…. I – A tramitação na 1ª instância. 1. Com fundamento na ofensa do direito de gozo que lhe advém da qualidade de arrendatário do estabelecimento comercial composto de rés-do-chão, cave e sobreloja, com os nºs. … a …, da freguesia …, concelho do Porto, embargou o recorrente as obras de reabilitação do edifício, onde se insere o estabelecimento, levadas a efeito pelos senhorios/recorridos, cuja ratificação visa pela presente providência. E isto porque, na sequência das obras, ocorreu uma grave inundação no estabelecimento comercial consequente à danificação de uma cano de abastecimento de água num dos andares/pisos superiores, inundação que implicou o encerramento imediato do estabelecimento comercial e a destruição de máquinas e equipamentos, expositores de materiais para venda, caixas de electricidade e iluminação, dossiers contabilísticos e de documentação, entre outros bens, inundação seguida de infiltração de água no tecto, paredes e soalho do estabelecimento implicando a disseminação de lamas e cheiros a humidade e a “mofo”, por todo o estabelecimento comercial; dos trabalhos de construção civil no imóvel resultam ainda barulhos e fumos diversos que se infiltram no estabelecimento comercial produzindo um ambiente tóxico e praticamente irrespirável, tudo impedindo a utilização do referido local para o fim a que se destina, enquanto estabelecimento aberto ao público destinado à comercialização de bens de consumo, razões que determinaram o embargo extrajudicial da referida obra pelo requerente, cuja ratificação judicial justifica agora a providência. Opondo-se, excepcionaram os requeridos/senhorios a caducidade do direito do requerente (à data do embargo, 17/9/2012, já havia decorrido o prazo de trinta dias para embargar a obra que teve início em 11/7/2012) e a falta de requisitos do procedimento (não se trata de uma obra nova, mas da reabilitação e restauração de um prédio que não implica qualquer inovação que possa contender com o direito do arrendatário/requerente, obras que a lei impõe aos senhorios/requeridos, atento o avançado grau de degradação do edifício) e não enjeitando a infiltração de águas no estabelecimento comercial do requerente, que atribuíram a uma ruptura acidental da tubagem de água, impugnam quer a gravidade que o requerente lhe atribui, quer os prejuízos por este alegadamente sofridos. Concluíram pelo indeferimento da providência. O requerente respondeu à matéria das excepções concluindo pela improcedência da oposição. 2. Após produção de prova foi proferida decisão que julgou improcedente a invocada excepção da caducidade, afirmou “que estamos perante uma alteração significativa da estrutura anteriormente existente e nessa medida concluirmos pela existência de uma «obra nova» susceptível de ser embargada, já que se traduzirá na transformação do edifício num hotel”, considerou que “(…) sempre a lesão sofrida pelo requerente não assume cariz irreparável ou de muito difícil reparação, pelo que haverá que concluir pela improcedência do pedido e julgou improcedente o procedimento não ratificando judicialmente o embargo. II- O recurso. 1. Argumentos das partes. É deste despacho que o requerente agora recorre, exarando as seguintes conclusões que se transcrevem: “A) Compulsada a matéria de facto considerada provada nos presentes autos, resulta o preenchimento de todos os requisitos de que a lei faz depender a ratificação judicial do embargo de obra nova, nos termos do disposto no art. 412.º, nº 1, do CPC; B) Estão, além do mais, presentes todos esses requisitos quer tendo em conta a vertente repressiva, quer tendo em conta a vertente preventiva, desta providência cautelar, com referência aos factos assentes nos autos; C) A providência de embargo de obra nova a lei visa a tutela do direito de propriedade, singular ou comum, da posse, ou de outro direito real ou pessoal de gozo contra um qualquer dano jurídico e ilícito; D) Sendo esta a única ratio legis subjacente ao art. 412.º, nº 1, do CPC. E) Sendo também que presente autos está em causa uma lesão muito avultada de interesses patrimoniais do recorrente; E) Não tem cabimento a aplicação ao embargo de obra nova do requisito "lesão grave ou dificilmente reparável", constante do art. 381.º, nº 1, do CPC, que é apanágio do procedimento cautelar comum; F) Conforme, aliás, vem sustentando a melhor jurisprudência; G) Mas, mesmo que assim não se entenda, a conclusão a que se chega na decisão recorrida carece não só de um percurso lógico, como carece de sustentação, em termos de matéria de facto considerada assente; H) Na verdade, admitindo o tribunal a quo que estão em causa nos autos prejuízos avultados e que nem sequer se sabe, em que medida, como ou quando é que uma seguradora vai proceder a um eventual ressarcimento dos mesmos, não se vislumbra como pode o tribunal a quo afirmar que não está em causa nos autos uma "lesão grave ou dificilmente reparável", para efeitos do art. 381.º nº 1, do CPC; H) Quando o tribunal a quo remete o recorrente para a normal ação declarativa, está a alhear-se ao cumprimento de um dever jurídico fundamental: o da concessão de uma tutela jurisdicional efetiva; I) Facto que resulta, além do mais, numa clara e inequívoca violação do disposto no art. 20.º, nº 1, da Constituição; J) Normas violadas pela decisão recorrida: arts. 2.º e 412.º, nº 1, do CPC; art. 20.º, nº 1, da CRP, e, subsidiariamente, art. 381.º, nº 1, do CPC. NESTES TERMOS e com o douto suprimento omitido, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e por via disso ser julgado totalmente procedente o pedido formulado no sentido da ratificação judicial de embargo de obra nova, quer quanto ao decretamento da mesma, quer quanto à peticionada sanção pecuniária compulsória.”[1] Contra-alegaram os requeridos pugnando pela manutenção da decisão recorrida e ampliaram o âmbito do recurso, concluindo do seguinte modo: “1. O objecto do recurso é o definido e delimitado pelo Apelante nas suas conclusões de recurso, nos termos do n.º 3 do art.º 684.º e do n.º 1 do art.º 685.º-A do CPC, sendo que o mesmo se cinge à apreciação de matéria de direito, versando sobre o acerto da fundamentação jurídica da decisão recorrida; 2. Decisão, essa, que não merece qualquer reparo, já que, segundo jurisprudência do próprio tribunal ad quem, citada pela decisão recorrida, o requisito do receio de lesão grave e dificilmente reparável, previsto no n.º 1 do art.º 381º do CPC para os procedimentos cautelares comuns, é aplicável ao embargo de obra nova ex vi 2ª parte do n.º 1 do art.º 392º do CPC; 3. Isto porque não se encontra fundamentação no regime específico do embargo de obra nova que afaste a aplicação subsidiária daquela norma e porque este procedimento cautelar especificado comunga da mesma natureza e finalidades dos procedimentos cautelares comuns, o que justifica a aplicação àquele do mesmo requisito exigido para estes; 4. Com os procedimentos cautelares pretende-se uma tutela rápida e urgente dos direitos do requerente e, deste modo, assegurar o efeito útil da acção principal, o que apenas se justifica se os prejuízos reclamados pelo Apelante forem graves e dificilmente reparáveis de outra forma; 5. Nada disto acontece in casu; 6. Ao contrário do que o Apelante alega, em lado nenhum do processo ficou demonstrada a existência de prejuízos avultados e cujo ressarcimento pudesse ficar comprometido pelo passar do tempo; 7. Com o embargo da obra dos Apelados, o que o Apelante pretendia era antecipar o ressarcimento dos prejuízos sofridos não em consequência da obra, que comprovadamente lhe era inócua (alíneas DD) e EE) dos factos provados), mas em consequência de um acto isolado e acidental que ocorreu em 04.09.2012 durante a execução dessa obra – a ruptura de um cano de abastecimento de água existente num dos pisos superiores do edifício sito na zona histórica do Porto objecto de obras de reabilitação urbana; 8. Obras essas a que os Apelados estão obrigados nos termos dos art.ºs 1074º e 1111º do Código Civil; 9. Ora, na audiência de discussão e julgamento ficou provado que o Apelante tinha já chegado a acordo com a seguradora da empresa empreiteira quanto ao montante da indemnização devida pelos prejuízos decorrentes do evento de 04.09.2012 que determinou o embargo extrajudicial da obra em 17.09.2012; 10. Tendo, inclusivamente, a mesma seguradora pago ao Apelante a quantia indemnizatória com ele acordada no dia seguinte à referida audiência, em 20.11.2012, de acordo com os Docs. 1 e 2 que aqui se juntam ao abrigo do art.º 524º do CPC ex vi art.º 693º-B do mesmo código; 11. Acresce que, ficou também provado que a loja continua a ser utilizada pelo Apelante para os fins a que se destina (alínea DD) dos factos provados) e que as obras em questão não punham em causa a exploração do estabelecimento comercial daquele (alínea EE) dos factos provados); 12. Ora, tendo ficado provado que os danos reclamados pelo Apelante tinham sido objecto de regulação (acordo) com a seguradora, encontrando-se o mesmo actualmente ressarcido dos mesmos, que o Apelante continua a exercer o seu direito pessoal de gozo sobre a loja nos termos contratados e que as obras em curso não punham em causa esse direito, não entendem os Apelados qual o efeito útil que se pretende acautelar com o embargo da obra; 13. Também por aqui se explica porque, sendo o embargo de obra nova, como todos os procedimentos cautelares, uma forma de provisoriamente acautelar direitos e de assegurar o efeito útil da acção principal, justificaria sempre a exigência do requisito do receio de lesão grave e dificilmente reparável, não tendo a douta decisão recorrida violado os art.ºs 381º, n.º 1 e 412º do CPC; 14. Admitir entendimento diferente do sufragado pelo tribunal a quo corresponderia a admitir que o Apelante pudesse embargar uma obra que abrange todo um prédio sem que se justifique essa tutela; 15. Semelhante utilização do procedimento cautelar em causa redundaria num abuso de direito que o tornaria ilegítimo (art.º 334º do Código Civil), o que à cautela aqui se invoca; 16. Bem andou assim, a douta decisão recorrida ao remeter o Apelante para o processo declarativo comum, já que o que o mesmo pretendia com o embargo era antecipar uma indemnizado por danos provocados por um acto isolado e acidental e que, aliás, já foi ressarcido; 17. Acrescente-se ainda que o embargo de obra nova está, como todos os demais procedimentos, dependente de uma acção principal que, aliás, o Apelante não chegou a intentar, estando à sua disposição fazê-lo; 18. Deste modo, não assiste qualquer razão ao Apelante ao invocar a violação do direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional efectiva, previsto no art.º 20º da CRP e no art.º 2º do CPC; 19. Simplesmente, o Apelante insiste em fazer uma utilização reprovável do processo, em vez de recorrer ao meio processual adequado a fazer valer a sua pretensão, seja ela qual for; 20. Devem, por isso, improceder todas as conclusões de recurso do Apelante; 21. Por mero dever de patrocínio e acautelando a necessidade de o tribunal ad quem apreciar as questões em que os Apelados não obtiveram vencimento, requer-se a V.as Ex.as, Senhores Desembargadores, que, a título subsidiário, apreciem e se pronunciem sobre as excepções de caducidade do direito a embargar e de falta de requisitos do procedimento, deduzidas pelos Apelados na sua oposição, nos termos do n.º 1 do art.º 684º-A do CPC; 22. Tendo em vista a apreciação da excepção de caducidade do direito a embargar, os Apelados impugnam parcialmente a decisão que recaiu sobre a matéria de facto provada nas alíneas F) e Z) da douta decisão recorrida, bem como a que recaiu sobre o facto constante do artigo 13º da oposição dos Apelados, com base nos meios probatórios indicados nestas contra-alegações de recurso e para os quais se remete, que impunham decisão diferente da recorrida; 23. Considerando, a matéria de facto provada, não pode o tribunal ad quem deixar de entender que, em 17.09.2012, data do embargo extrajudicial, já o direito do Apelante, a existir, tinha caducado, em virtude de o prazo de 30 dias previsto no art.º 412º, n.º 1 do CPC, se contar a partir do momento em que o Apelante teve conhecimento de que a obra ofendia, viria a ofender ou ameaçava ofender o seu direito; 24. E esse momento ocorreu, se não em 07.08.2012, sem sombra de dúvida em 14.08.2012, quando o Apelante veio invocar a ocorrência de danos provocados pelas obras aos Apelados e exigir-lhes o correspondente ressarcimento. 25. Por outro lado, o embargo de obra nova pressupõe a existência de uma obra nova e que essa obra cause prejuízo ou ameace causar prejuízo a um direito real ou pessoal de gozo do requerente (princípio da causalidade); 26. Contudo, os danos reclamados pelo Apelante não decorrem da obra, que não afectava o direito de gozo do Apelante (alínea EE) dos factos provados), mas de facto estranho à normal execução da obra, um incidente isolado e acidental que não justifica a tutela requerida pelo embargo. TERMOS EM QUE deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida, ou, subsidiariamente, serem julgadas procedentes, por provadas, as excepções invocadas pelos Apelados, com o que V.as Ex.as, Senhores Desembargadores, farão JUSTIÇA!”[2] Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. 2. Objecto do recurso. O objecto dos recursos é delimitado, em princípio, pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado e exceptuando aquelas cuja solução esteja prejudicada pela solução dada a outras – cfr. artºs. 684º, nº3, 690º, nº1 e 660º, nº2, todos do Código de Processo Civil. E dizemos em princípio, porque com a entrada em vigor do D.L. nº 39/95, de 15/2, foi aditado ao Código de Processo Civil o artigo 684º-A que permite a ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, dispondo assim no seu nº1: “No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”. Não obstante vencedores na decisão que conheceu do mérito da causa, os requeridos viram rejeitados fundamentos que esgrimiram em sua defesa e, assim, para garantir o seu direito a ver reapreciada tal matéria, no caso da pretensão recursiva vir a triunfar, requereram a ampliação do recurso. O procedimento está certo e, por isso, caso o recurso venha a proceder, importará analisar as questões que os recorridos colocam com a ampliação, caso não se venham a mostrar prejudicadas pela solução dada a outras, como já se deixou dito. As questões a decidir são, assim, as seguintes: - Se o requisito do receio de "lesão grave e dificilmente reparável" contemplado no artigo 381º nº 1 do CPC para as providências cautelares não especificadas é aplicável ao embargo de obra nova; E, reconhecendo-se razão ao requerente: - Se a obra é uma obra nova para efeitos do artº 412º, do CPP; - Se o exercício do direito ao embargo se mostra caducado. 3. Fundamentação. 3.1 Factos. A decisão recorrida considerou sumariamente provados os seguintes factos: A) Por escritura pública de 14 de Janeiro de 1986, e junta aos autos em fotocópia a fls. 13 a 18, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, foi dado de arrendamento ao requerente o estabelecimento comercial composto por rés-do-chão, cave e sobreloja, com os números … a …, do prédio urbano sito na …, … a …, freguesia …, concelho do Porto. B) No qual o requerente se dedica à actividade de comercialização de electrodomésticos. C) Por escritura pública outorgada em 26 de Novembro de 2010, e junta aos autos em fotocópia a fls. 19 a 25, cujo teor de dá por integralmente reproduzido o imóvel identificado em A) foi adquirido, por compra, pelos requeridos. D) Os quais comunicaram a aquisição ao requerente. E) Tendo a partir dessa data a renda passado a ser paga aos requeridos que passaram a emitir, na qualidade de senhorios, os correspondentes recibos. F) Foi comunicado pelo menos, através do documento de fls. 31 cujo teor se dá integralmente reproduzido, ao requerente a realização de obras de reabilitação e onde se refere além do mais que “tal como informado pessoalmente no dia 19 de Julho de 2012, vimos comunicar que vamos proceder à execução de obras de reabilitação do edifício, no qual se insere a loja de que é inquilino. (…) Mais se informa que no que se refere à execução de obras no exterior está previsto: ● montagem de andaimes; ● substituição de portas, janelas e montras, bem como a retirada de elementos tais como fios, antenas, toldos (de acordo com as condições da G…/ Câmara Municipal …, definidas no projecto) ● não estão previstas obras no interior da loja, exceto se necessárias para cumprir as exigências técnico-legais como relocalização de contador de água, tubagens, quadro eléctrico. (…) G) Na sequência dessas obras ocorreu no dia 4 de Setembro de 2012 uma inundação no estabelecimento comercial do requerente. H) A água era proveniente de um cano de abastecimento situado num dos andares/pisos superiores do edifício. I) E que foi danificado pelos funcionários da empresa de construção civil que estava a realizar a obra de reabilitação do edifício. J) A inundação implicou o imediato encerramento do estabelecimento no dia em que ocorreu a inundação com o esclarecimento que o estabelecimento este, ainda, encerrado durante um numero de dias não concretamente determinado. L) O estabelecimento ficou alagado de água que se infiltrou no teto e através das paredes e soalho do mesmo. M) Danificando os bens que se encontravam no estabelecimento do requerente. N) Ocorreu, ainda, outra inundação, em 16.10.2012 com o esclarecimento que se deveu às obras de reparação do telhado. O) No dia 17 de Setembro de 2012 pelas 16 horas o requerente acompanhado do seu mandatário, promoveu o embargo extrajudicial da obra. P) A comunicação foi feita na pessoa do encarregado da obra, H…, por não se encontrarem presentes na obra nenhum dos requeridos. Q) Tendo assistido a essa comunicação, I… e J…. S) Em 27.7.2012 foi mencionado na ata de reunião de obra além do mais que “o inquilino do espaço comercial terá apresentado queixa na obra, face a barulho”. T) Também na ata de 3.8.2012 é mencionado na ata da reunião de obra é mencionado além do mais que “foi solicitada ao inquilino a remoção das antenas parabólicas existentes na fachada, que condicionaram a montagem de andaime e que no decurso dos trabalhos possam ser danificados, arrendatário afirmou que não retirava antenas por si só e que contava não ver algum do seu equipamento do seu estabelecimento afectado pela obra, sr. B… queixou-se do incómodo dos andaimes para a sua frente de loja e solicitou a execução de ponte para garantir o acesso e visibilidade do seu estabelecimento”. U) O requerente recusou-se a retirar as antenas que tinha colocado na fachada do edifício, que foram retiradas pelos requeridos. V) A “K…, L.da” tem contrato de seguro de responsabilidade civil em relação a terceiros. X) O requerente impediu que o perito de seguradora e representante da empresa empreiteira fizessem uma vistoria prévia à loja para determinar o respectivo estado de conservação da mesma. Z) Datada de 14.8.2012 o requerente enviou ao requerido, CC…, a carta junta aos autos a fls. 98 e na qual refere além do mais que “Tais obras estão a causar danos ao inquilino, os quais terão de ser ressarcidos. Adverte-se que não poderão retirar quaisquer direitos ao inquilino, designadamente as montras ou outros espaços, Assim como não podem proceder a obras que causem danos ao inquilino. (….)” AA) A obra em causa consiste na reabilitação do prédio urbano composto por uma casa de rés-do-chão e quatro andares. BB) O imóvel situa-se na zona histórica do Porto. CC) Os danos reclamados pelo requerente foram objecto de regulação pela seguradora do empreiteiro. DD) A loja arrendada continua a ser utilizada pelo requerente para os fins a que foi destinada no contrato de arrendamento. EE) As obras em causa não punham em causa a exploração do estabelecimento comercial. 3.2. Direito 3.2.1. – O prejuízo pressuposto pelo embargo de obra nova. “A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção” – artº 2º, nº2, do Código do Processo Civil (como serão os demais artigos infra mencionados sem indicação do diploma de proveniência) Estes procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção, ou seja, destinados a "impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela"[3], encontram resposta na lei processual civil que a par das providências nominadas ou especificadas (como os alimentos provisórios, a restituição de posse, a suspensão das deliberações sociais, o arresto, o embargo de obra nova e o arrolamento) prevê as providências cautelares não especificadas “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito …” e pretenda acautelar um risco de lesão não especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas – artº 381º, nºs 1 e 3. O D.L. nº 329-A/95, de 12/12, introduziu alterações metódicas aos procedimentos cautelares, assim anunciadas no respectivo preâmbulo: “Desde logo, em termos sistemáticos, instituiu-se um verdadeiro processo cautelar comum – em substituição das actuais e subsidiárias providências cautelares não especificadas – comportando a regulamentação das aspectos comuns a toda a justiça cautelar. Instituiu-se, por esta via, uma verdadeira acção cautelar geral para a tutela provisória de quaisquer situações não especialmente previstas e disciplinadas, comportando o decretamento das providências conservatórias ou antecipatórias adequadas a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado, que tanto pode ser um direito já efectivamente existente, como uma situação jurídica emergente de sentença constitutiva, porventura ainda não proferida.” Processo cautelar comum (artºs 381º a 392º) que, com excepções – excluiu-se a genérica aplicação aos procedimentos nominados do regime de recusa da providência, com fundamento num juízo de proporcionalidade que apenas subsiste no âmbito dos procedimentos nominados quando especialmente previsto nas disposições que lhes são próprias e apenas se admite que o juiz possa condicionar o deferimento da providência nominada à prestação de caução pelo requerente no âmbito do arresto e do embargo de obra nova -, se aplica aos procedimentos nominados ou especificados, em tudo quanto não se encontre especialmente prevenido – artº 392º. E, assim, se recorta o regime do embargo de obra nova que é o que importa considerar: rege-se pelas disposições que lhe são próprias e subsidiariamente, ou seja, em tudo quanto não se encontre especialmente prevenido, pelas disposições aplicáveis ao procedimento cautelar comum. O que significa, como adverte Abrantes Geraldes que: “a) Atenta a regra da especialidade, deve dar-se prioridade às normas especificamente previstas na regulamentação de cada um dos procedimentos; b) Devem ser excluídas todas as normas que não se adaptem a cada um destes procedimentos específicos; (…)”[4] Dispõe assim o artº 412º: “1 - Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias, a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente. 2 – O interessado pode também fazer directamente o embargo por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar. 3 – O embargo previsto no número anterior fica, porém, sem efeito se, dentro de cinco dias, não for requerida a ratificação judicial.” Com ligeiras alterações - as “únicas alterações substanciais foram, pois, ao longo dos anos, as consistentes na equiparação do direito pessoal de gozo ao direito real de gozo e no aumento do prazo para pedir a ratificação do embargo”[5] - a redacção deste artigo corresponde ao artº 420º do CPC de 1939 o qual, na lição de Alberto dos Reis, comportava dois requisitos: - Que o requerente seja titular de um direito; - Que esse direito tenha sido ofendido por obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause prejuízo; E se é certo que não tem oferecido dificuldades de maior identificar os direitos, reais ou pessoais de gozo ou as situações de posse susceptíveis de ofensa consequente à obra nova, o mesmo não tem ocorrido com a verificação do prejuízo e isto porque é controvertido se constitui um requisito autónomo, não sendo convergente, nem a doutrina, nem a jurisprudência das Relações neste ponto. Em linha com a lição de Alberto dos Reis - “somos também de parecer que a frase «lhe cause prejuízo» nada acrescentou de novo ao passo «se julgar ofendido no seu direito». Por outras palavras, entendemos que basta a ilicitude do facto, basta que este ofenda o direito de propriedade, a posse ou a fruição; o prejuízo consiste exactamente nessa ofensa. Trata-se de dano jurídico, isto é, de dano derivado, pura e simplesmente, da violação do direito de propriedade, da posse ou da fruição (…) o embargante não precisa de filiar o seu prejuízo noutra razão que não seja a ofensa da sua situação jurídica subjectiva, não precisa de alegar que, na realidade das coisas, a obra lhe acarreta perdas e danos”[6] – consideram uns que o prejuízo não carece de valoração autónoma, a ofensa do direito (de propriedade, de outro direito real ou pessoal de gozo ou da posse) implica necessariamente - constitui em si - o prejuízo, assim aferido pela lesão dos interesses juridicamente tutelados pelo Direito ou pela perturbação de bens juridicamente protegidos; o requerente não carece de qualificar ou quantificar o prejuízo, basta-lhe alegar e sumariamente provar a existência do direito e a sua ofensa; neste sentido, Moitinho de Almeida, Embargo ou Nunciação de Obra Nova, pág. 30, Ac. do STJ de 29/6/99 (Martins da Costa)[7], Ac. R.E. de 9/12/2009 (Maria Alexandra Santos)[8] Ac. R.P. de 3/5/2010 (Caimoto Jácome)[9], Ac R.P. de 23/2/2012 (Anabela Cesariny Calafate)[10], Ac. R.C. de 24/4/2012 (Moreira do Carmo)[11], entre outros, respectivamente, mencionados nestes arestos. Para outros, o prejuízo susceptível de ofender o direito que a providência visa acautelar é um requisito autónomo, o requerente tem que demonstrar um prejuízo efectivo e como os procedimentos cautelares encontram o seu fundamento genérico na prevenção de violações graves ou de difícil reparação de direitos, decorrente da demora natural de uma decisão judicial, só as lesões graves e de difícil reparação ou irreparáveis merecem esta tutela provisória, terminando por reconduzir a aferição do prejuízo pressuposto no embargo da obra nova ao fundado receio de lesão grave e de difícil reparação do direito pressuposto pelas providências cautelares não especificadas (artº 381º, nº1), por aplicação subsidiária permitida pelo artº 392º, nº1 – neste sentido, Ac. desta Relação de 14/10/2008 (Carlos Moreira)[12], com doutrina e jurisprudência aí citada, cuja alinha argumentativa serviu, aliás, para justificar a decisão recorrida. Equacionada a divergência e adiantando posição, por assim o reclamar a economia dos autos, propendemos para a primeira das soluções e isto porque: A aplicação das disposições do procedimento cautelar comum aos procedimentos nominados é subsidiária (artº 392º, nº1), o que significa que, em primeira linha, são aplicáveis as normas especificamente previstas para cada um dos procedimentos nominados e só na ausência desta específica previsão se poderá recorrer às disposições gerais. Sendo este o princípio a observar e havendo uma referência expressa ao prejuízo na norma que especialmente disciplina o procedimento não ocorre, estamos em crer, uma ausência de previsão específica e, como tal, não se justificará a aferição deste pela lesão grave ou de difícil reparação pressuposto pelas disposições gerais. A leitura que fazemos é exactamente a oposta; se tivesse sido intenção do legislador quantificar ou qualificar o prejuízo relevante para caracterizar a ofensa do direito do requerente do embargo tê-lo-ia dito à semelhança do que ocorreu quer nas providências cautelares não especificadas (lesão grave e dificilmente reparável), quer em outras especificadas, como na restituição provisória de posse (esbulho violento), no arresto (justificado receio), ou no arrolamento (justo receio); não tendo a lei operado qualquer qualificação do prejuízo relevante para a ofensa do direito que justifica o embargo de obra nova, estamos em crer que também não é lícito ao intérprete fazê-lo (artº 9º, nº3, do Código Civil). Foi, aliás, aquilo que, com mais domínio, se escreveu no já citado Ac.STJ de 29/6/99, “(…) o receio de ser causada "lesão grave e dificilmente reparável ..." constitui fundamento próprio das providências não especificadas; em relação a cada uma das providências especificadas, a lei prevê determinados fundamentos, respeitantes ao dano causado ao direito do requerente, como acima se deixou discriminado; por isso, a aplicação subsidiária prevista no citado artigo 392 n. 1 não abrange aquele fundamento; em particular com referência ao embargo de obra nova, o "prejuízo" confunde-se com a própria violação do direito do requerente ou da sua posse e a função essencial da providência é o julgamento antecipado (embora provisório), de modo a evitar-se que aquela violação perdure por período mais ou menos longo; a maior exigência prevista no artigo 381 n. 1 justifica-se na medida em que se trata de norma em branco quanto à natureza da providência; e este regime jurídico corresponde, no essencial, ao que resultava da lei processual anterior, na qual se usavam expressões idênticas”. É o que também se colhe da posição de Abrantes Geraldes[13]: “A lei prescindiu da quantificação e da qualificação dos prejuízos. Uma vez demonstrado que a actuação do requerido ofende direitos de natureza patrimonial inscritos na previsão normativa, é indiferente para efeitos de procedência dos embargos a gravidade dos danos, tendo sido afastada uma opção assente no princípio da proporcionalidade assumido no procedimento cautelar comum (artº 387º, nº2)”. Solução que se compreende pela apreensão da matriz histórica do instituto destinado ab initio à defesa do direito de propriedade, enquanto “permissão normativa específica, plena e exclusiva, de aproveitamento de uma coisa corpórea”[14], distinguível das posições activas que o compõem (os direitos de uso, fruição e disposição – artº 1305º, do Cod.Civ.), cuja ofensa pode assim ocorrer independentemente da concreta gravidade da lesão de uma ou outra destas e ainda que o proprietário haja transferido para outrem, temporariamente parte delas (caso do arrendamento ou do usufruto); de facto, não se vê qualquer fundamento legal para impor ao proprietário, que alegue e prove uma lesão grave e dificilmente reparável do seu direito como pressuposto da pronuncia pelo tribunal em sede cautelar destinada, por exemplo, a impedir que alguém abrindo alicerces para a construção de uma casa, invada ou ameace invadir o seu prédio, nele continuando os caboucos, ou que haja de demonstrar o mesmo prejuízo se outrem entrando no seu prédio nele corta árvores aí existentes ou doutras extrai cortiça; ao invés, ainda que as árvores estivessem destinadas ao corte ou a cortiça em tempo de extracção, o facto continuaria a ser ilícito e tanto basta, estamos em crer, à ofensa do direito que, sumariamente provado, justifica o embargo da obra em qualquer destas situações. Solução que encontra coerência sistemática, estamos em crer, na expressa consagração da acção directa como meio de defesa da propriedade (artº 1314º, do CC), pois mal se compreenderia que a lei facultasse ao proprietário o recurso à tutela privada para, em tempo útil, assegurar, ele próprio, o seu direito (artº 336º do CC) e depois não lhe reconhecesse a mesma urgência quando houvesse de recorrer a juízo. E que, por último, se justifica por razões de ordem prática, ou de racionalidade económica, se assim se pode dizer; se a obra é para demolir (ou o trabalho ou o serviço para suspender), porque ofende o direito, não há nenhuma justificação para prosseguir independentemente dos prejuízos que cause ou venha a causar. 3.2.2. A novidade da obra.[15] Havendo a decisão recorrida indeferido a ratificação do embargo por não assumir a lesão sofrida pelo requerente cariz irreparável ou de muito difícil reparação e concluindo-se que à providência solicitada é estranha esta exigência, importaria dar razão ao requerente/recorrente não fora o recurso, por virtude do ampliação a requerimento dos recorridos, impor a apreciação de outras requisitos necessários ao decretamento da providência, como impõe. Pressupondo o procedimento quer na sua enunciação (obra nova), quer na sua previsão (obra, trabalho ou serviço novo) a novidade da obra, já se vê que não é qualquer obra, ou seja, o resultado de uma acção ou de um trabalho[16], que justifica a providência, mas tão só a obra nova. E, por isso, não surpreende o “entendimento jurisprudencial de restringir o embargo às obras relevantes, excluindo as meramente secundárias, os acabamentos ou o aproveitamento de obras anteriores”[17] é que estas últimas, continuando a ser obras, não são obras novas, por não implicarem, como estas, alterações substanciais ou estruturais de situações existentes, mas tão só modificações superficiais ou reconstrutivas. E como reposições de situações previamente existentes são, enquanto tal, insusceptíveis de ofender o direito de propriedade ou qualquer outro direito pessoal de gozo ou a sua posse, que pela providência se visa acautelar; pois se tal direito não se mostrava ofendido pela situação existente antes da obra, também a ofensa não pode ocorrer em consequência desta, mantida que foi a sua estrutura ou estado inicial. Mas importa ainda acrescentar outro ponto: aliada à génese inovadora da obra exige-se uma certa estabilidade[18]; se a ofensa do direito é meramente transitória ou acidental em consequência de uma qualquer obra, não se pode falar de obra nova, por insusceptível de substancial ou estruturalmente alterar a situação existente. A novidade da obra assume-se, assim, como requisito indispensável ao procedimento do embargo; dizer isto não significa dizer que a execução de uma qualquer obra, mesmo carecendo do apontado requisito da novidade, não seja susceptível de ocasionar prejuízos ou de justificar o recurso aos meios de tutela cautelares, porque pode, mas como uma diferença, não bastará ao requerente alegar e sumariamente provar a ofensa do direito para daí decorrer o prejuízo, como no embargo, tornando-se necessário lançar mão da providência cautelar não especificada e, então sim, alegar e provar a lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito como pressupostos da providência. Mas o embargo, enquanto procedimento nominado, pressupõe a novidade da obra, trabalho ou serviço e se esta não existe, a consequência só pode ser o seu indeferimento. “O que importa é que o facto seja novo, isto é, que não seja a reprodução ou repetição pura e simples, de facto anterior. (…) Se um indivíduo reconstruiu um prédio urbano sem alterar os limites nem a estrutura da obra primitiva, é claro que o embargo não tem razão de ser.”[19] Os requeridos introduziram esta questão nos autos com dois argumentos que, adiantando, temos por relevantes: - faltam requisitos ao procedimento porque não se trata de uma obra nova, mas da reabilitação do imóvel que não afecta o direito de gozo do recorrente. - os danos reclamados não decorrem da obra, mas de um incidente isolado, estranho à normal execução da obra, que não justifica a tutela requerida pelo embargo. A decisão recorrida atalhou a oposição dos requeridos, neste segmento, dizendo essencialmente o seguinte: “estamos perante uma alteração significativa da estrutura anteriormente existente e nessa medida concluímos pela existência de uma “obra nova” susceptível de ser embargada, já que se traduzirá na transformação do edifício num hotel” e que “a alegação por parte dos requeridos de que a paragem das obras colocaria em risco a integridade do prédio reforça o entendimento que não estamos perante uma mera reconstrução da situação existente. Os factos perfunctóriamente demonstrados não permitem, estamos em crer, este juízo. Destes decorre que num prédio urbano de quatro andares, situado na zona histórica do Porto, em cujo rés-do-chão, cave e sobreloja está instalado um estabelecimento comercial, que foi tomado de arrendamento pelo requerente, os proprietários/requeridos, levam a efeito obras de reabilitação, que não abrangem a loja (excepto se necessárias para cumprir as exigências técnico-legais como relocalização de contador de água, tubagens, quadro eléctrico) e que na execução das obras ocorreu uma inundação no estabelecimento comercial do requerente, cuja água proveio de um cano de abastecimento situado num dos andares/pisos superiores do edifício, o qual foi danificado pelos funcionários da empresa de construção civil que executavam a obra, bem como uma outra inundação que se deveu a obras de reparação do telhado, inundações que ocasionaram prejuízos ao requerente – cfr. als. A), F) a N) N), AA) e AB) dos factos provados. Por obras de reabilitação, que é o que se prova, não pode entender-se, estamos em crer, obras que alteram significativamente a estrutura do edifício, pelo contrário, trata-se de obras que mantendo a estrutura dos edifícios visam ou reforçar a sua segurança ou melhorar a sua estética, ou seja, estamos perante um melhoramento de uma obra anterior, que não implica (de acordo com o que se alegou e provou) alterações substanciais ou estruturais e, como tal, insusceptíveis de validamente fundamentar o embargo. Repetindo o ensinamento supra exarado, os requeridos “reconstruíram um prédio urbano sem alterar os limites nem a estrutura da obra primitiva, é claro que o embargo não tem razão de ser”. Mas acresce outro argumento trazido ao recurso pelos recorridos. O que motivou o embargo não foi a obra mas um incidente isolado e acidental. E de facto assim é. As inundações que justificam os prejuízos que o requerente alega, não faziam parte da obra, não estavam previstos ou projectados, resultaram de um acidente na sua execução. E como acidente que é não reveste a estabilidade necessária à caracterização da obra nova que justifica o embargo. Aliás, a acção que corresponde ao direito que o requerente configura – o procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado (artº 383º, nº1) - é um acção de responsabilidade civil, por perdas e danos, e não uma acção de defesa ou reconhecimento do direito do gozo ou da posse sobre a coisa (artº 1037º, nº2, do CC), pressuposta pelo embargo enquanto acto preparatório ou instrumental daquela o que afastaria, ab initio, a viabilidade deste. E assim se conclui que o requerente, enquanto arrendatário do rés-do-chão, cave e sobreloja carecia de fundamento legal para embargar as obras de reabilitação dos pisos superiores do prédio que os senhorios/requeridos aí levavam a efeito, seja porque as obras não comportam qualquer alteração estrutural ou substancial susceptível de ofender, com um mínimo de estabilidade, o seu direito de gozo sobre do arrendado, seja porque o direito que pela providência visa acautelar não se reporta estritamente à fruição ou à posse do arrendado, mas aos prejuízos que a execução da obra acidentalmente lhe causaram. Havendo sido este o sentido da decisão recorrida, embora com fundamentos diferentes, importa confirmá-la. Por último, considera o recorrente que a decisão recorrida incumpriu o dever jurídico fundamental da concessão de uma tutela jurisdicional efectiva, porquanto lhe negou a sua pretensão em sede cautelar, remetendo-o para os meios comuns, “numa clara e inequívoca violação do disposto no art. 20.º, nº 1, da Constituição.” É certo que a Constituição reconhece, entre outros direitos fundamentais, o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (artº 20º) o qual, como se escreveu no Ac. T. Const. de 20/11/1991, implica a “garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva” e “desdobra-se em três momentos distintos: primeiro, no direito de acesso a "tribunais" para defesa de um direito ou interesse legitimo, isto é, um direito de acesso à "Justiça", a órgãos jurisdicionais, ou, o que é o mesmo, a órgãos independentes e imparciais cujos titulares gozam das prerrogativas da inamovibilidade e da irresponsabilidade pelas suas decisões; segundo, uma vez concretizado o acesso a um tribunal, no direito de obter uma solução num prazo razoável; terceiro, uma vez ditada a sentença, no direito a execução das decisões dos tribunais ou no direito a efectividade das sentenças (…)[20]. Mas sendo este o conteúdo funcional do direito que, em abstracto, o recorrente acusa violado, não se reconhece, salvo melhor opinião, que a decisão recorrida, por qualquer forma, o haja importunado; a decisão não reconheceu, é certo, o periculum in mora à pretensão do requerente, ou seja, não reconheceu que a demora decorrente da propositura da acção, no caso declarativa, justificava a medida cautelar que o requerente preconizou, mas tal não significa uma qualquer violação do direito à tutela efectiva porque não contraria, nem omite, nenhuma das dimensões normativas que este comporta. Improcede, pois, o recurso. Sumário: I - O embargo de obra nova tem como pressupostos que o requerente seja titular de um direito de propriedade ou outro direito real ou pessoal de gozo, ou da sua posse e que esse direito tenha sido ofendido por obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause prejuízo; II – Por prejuízo entende-se a ofensa do direito, não sendo aplicável ao embargo de obra nova o requisito do receio de "lesão grave e dificilmente reparável” previsto no artigo 381º nº 1 do CPC para as providências cautelares não especificadas. III – Se a acção a que corresponde o direito invocado - no embargo de obra nova preparatório ou instrumental daquela - não é uma acção de defesa ou reconhecimento do direito do gozo ou da posse sobre a coisa (artº 1037º, nº2, do CC), carece de fundamento legal o embargo que o arrendatário promoveu às obras dos senhorios. 4. Dispositivo: Delibera-se, pelo exposto, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Porto, 19/2/2013 Francisco José Rodrigues de Matos Maria João Fontinha Areias Cardoso Maria de Jesus Pereira _______________ [1] Transcrição de fls. 182 a 184. [2] Transcrição de fls. 205 a 209. [3] Cfr. Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. [4] Temas da Reforma do Processo Civil, 4ª ed. 3º vol., pág. 333. [5] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, 2ª ed. vol. 2º, pág. 142. [6] Código de Processo Civil anotado, 3ª ed., pág. 64 e 65. [7] Disponível in www.dgsi.pt. [8] Disponível in www.dgsi.pt. [9] Disponível in www.dgsi.pt. [10] Disponível in www.dgsi.pt. [11] Disponível in www.dgsi.pt. [12] Disponível in www.dgsi.pt. [13] Temas da Reforma do Processo Civil, 4ª ed., 4º vol., pág. 258. [14] Meneses Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, 3ª ed., I Parte Geral, Tomo I, pág. 335. [15] Em termos metodológicos, haveria agora que conhecer da excepção da caducidade do direito de embargar, suscitada pelos requeridos/requeridos, por se tratar de facto extintivo do efeito jurídico visado pelo requerente; na economia dos autos, porém, a apreciação desta questão pressupõe que se assente no que deve entender-se por obra nova para efeitos do disposto no artº 412º, do CPC e é por aqui que iniciaremos a análise. [16] J. Almeida Costa e A. Sampaio e Melo, Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 5ª ed. [17] Abrantes Geraldes, ob. cit, pág. 256. [18] Neste sentido, Abrantes Geraldes, ob. cit. pág. 257. [19] Alberto dos Reis, CPC anotado, 3ª ed. 2º vol., pág. 63 [20] Proc. nº ACTC00003040, com sumário disponível em www.dgsi.pt |