Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5363/24.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUELA MACHADO
Descritores: REVELIA OPERANTE
EFEITO DA REVELIA
ALEGAÇÕES
MODIFICAÇÃO DA SENTENÇA DE PARTILHA
Nº do Documento: RP202511275363/24.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 11/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Se os réus não contestaram, ficando confessados os factos articulados pelo autor, e não têm advogado constituído, eles não têm de ser notificados para alegarem nos
termos do disposto no art. 567.º, nº 2 do Código de Processo Civil.
II - Transitada em julgado a sentença homologatória da partilha, esta apenas pode ser alterada através de ação de emenda ou anulação da partilha.
III - No caso de a petição inicial se mostrar deficiente, não contenha todos os factos
de que depende a procedência da ação ou se apresente articulada de forma incorreta ou defeituosa, deve o julgador convidar o autor a aperfeiçoá-la nos termos do artigo 590.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, não obstante a revelia do réu.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 5363/24.0T8VNG.P1

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
AA e mulher BB intentaram ação declarativa sob a forma de processo comum contra CC, DD e EE, formulando a seguinte pretensão:
“Sempre com o douto suprimento de V. Excª., deve a presente proceder por provada, devendo ser decretada a nulidade do processo ou a anulação da partilha efetuada nos autos de processo de Inventário que correu os seus termos no Cartório Notarial da Drª. FF, M.D. Notária, sito na Rua ..., ..., Vila Nova de Gaia, sendo peticionado que seja decretada
a) A nulidade processual da falta de notificação, nos termos dos artigos 195.º, n.º 1, 197.º e 199.º do CPC e Artigo 82º da Lei n.º 23/2013, de 05 de março, nulidade essa que para todos os devidos efeitos se alega.
Ou, em alternativa,
b) A verificação, pela falta de presença do Interessado AA, por se tratar de um erro suscetível de viciar a vontade das partes o que é uma causa de emenda se houver de acordo das partes, nos termos do artigo 70º da Lei n.º 23/2013, de 05 de março, o que se requer,
Ou no caso de falta de acordo das partes, o que será revelador de dolo e má fé
c) A verificação, pela falta de presença do Interessado AA, por se tratar de um erro suscetível de viciar a vontade das partes o que é uma causa de emenda, nos termos do artigo 71º da Lei n.º 23/2013, de 05 de março, o que se requer,
Ou ainda,
De Anulação da partilha, nos termos do artigo 72º da Lei n.º 23/2013, de 05 de Março, pois a decisão tornou-se definitiva tendo havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má-fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada, o que igualmente se alega e requer, para todos os devidos e legais efeitos.

Devidamente citados, os réus não apresentaram contestação, pelo que, nos termos do disposto no art. 567.º, nº 1, do CPC, foram declarados confessados os factos articulados pelos autores na petição inicial.
Ordenado o cumprimento do disposto no art. 567.º, nº 2 do CPC, foram notificados os autores, na pessoa do seu ilustre mandatário, tendo apresentado as respetivas alegações.
Conclusos os autos, foi proferida sentença, com o seguinte teor:
“Relatório
AA e mulher BB intentaram ação declarativa comum contra CC, DD e EE pedindo a anulação da partilha por óbito de GG efetuada no processo de inventário n.º ... do Cartório Notarial da Drª. FF alegando, em síntese, não ter sido notificado para a conferência de interessados ali realizada.
Os réus, devidamente citados, não contestaram.
Saneamento
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e mostra-se isento de nulidades que o invalidem.
As partes, dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas.
Fundamentação de facto (com interesse para a decisão a proferir)
Não tendo sido deduzida contestação, nos termos do artigo 567.º, 1, do CPC, foram declarados confessados os factos articulados pelos autores na petição inicial, aqui se reproduzindo os mais significativos.
Factos provados
1) Os autores são casados entre si no regime de comunhão de adquiridos, o Autor AA é filho da Requerida CC e irmão de HH e EE.
2) Os mesmos são os únicos e universais herdeiros de GG, falecido no dia dezassete de Julho de dois mil e dez, na freguesia ... e ..., Vila Nova de Gaia, deixando viúva e três filhos.
3) Para partilha por óbito de GG, correu termos no Cartório Notarial da Drª. FF, sito na Rua ..., ..., na freguesia ... e ..., Vila Nova de Gaia, o processo de inventário por óbito a que foi atribuído o número ....
4) Para poder ter apoio técnico qualificado nesse processo de inventário notarial, o Requerente AA, contratou os serviços do Sr. Dr. II, do Sr. Dr. JJ, do Sr. Dr. KK e a “A... – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP,
5) A quem mandatou através de Procuração forense com poderes especiais datada de 30 de Outubro de 2019, tendo essa procuração tido sido junta aos autos em questão, conforme termos do documento 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.
6) No dia 11 de Janeiro de 2021 realizou-se Conferência Preparatória, tendo estado presentes a Srª. Drª. FF, CC, HH e com o Sr. Dr. II, em representação de AA, conforme termos do documento 3 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.
7) No dia 4 de Janeiro de 2022 realizou-se conferência de interessados, tendo estado presentes a Srª. Drª. FF, a Srª. Drª. LL enquanto procuradora e em representação de CC, HH e EE, conforme termos do documento 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.
8) O Dr. II ou o Dr. JJ ou o Dr. KK ou qualquer outro advogado da “A... – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, RL” não estiveram presentes, tendo ficado em acta que: “não compareceu o herdeiro AA, NIF ..., casado com BB sob o regime de comunhão de adquiridos, natural da freguesia ..., concelho do Porto, residente na Rua ..., da referida ... e ..., apesar de devidamente notificado para este ato, na pessoa do seu mandatário, o Exmº Sr. Dr. II.”
9) Sucede que o autor AA não recebeu qualquer notificação para o efeito e só agora tomou conhecimento de que o processo já tinha transitado em julgado no início do ano civil de 2023, o que igualmente sucedeu com a autora BB.
10) Os herdeiros presentes decidiram, em conciliação de vontades e sem a presença do autor e do seu cônjuge, partilhar e adjudicar os bens da relação de bens sem qualquer sorteio, apenas escolhendo e adjudicando a cada um.
11) Constando da relação de bens as seguintes verbas que foram partilhadas à total revelia do autor, e que entraram no mapa da partilha:
Verba nº 1, correspondente à fracção autónoma designada pela letra “AG”, correspondente a uma habitação no quinto andar traseiras direito com entrada pelo nº ..., pertencente ao prédio urbano constituído em propriedade horizontal pela apresentação trinta e um de um de Setembro de 1998, sito na Rua ..., da freguesia ... e ..., Concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Segunda Conservatória de Vila Nova de Gaia sob o número ... – ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., com o valor patrimonial de € 34.022,80 (trinta e quatro mil e vinte e dois euros e oitenta cêntimos);
Verba nº 2, correspondente à fracção autónoma designada pela letra “AH”, correspondente a uma habitação no quinto andar traseiras centro com entrada pelo nº ..., pertencente ao prédio urbano constituído em propriedade horizontal pela apresentação dez de dez de Dezembro de 1986, sito na Rua ..., da freguesia ... e ..., Concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Segunda Conservatória de Vila Nova de Gaia sob o número ... – ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., com o valor patrimonial de € 21.487,55 (vinte e um mil quatrocentos e oitenta e sete euros e cinquenta e cinco cêntimos);
Verba nº 3, Casa de habitação de rés-do-chão e andar, com garagem e logradouro, designado por ..., sito em ..., freguesia ..., ... e ..., concelho da Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial de Póvoa de Varzim sob o número ... – ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ..., com o valor patrimonial de € 56.890,75 (cinquenta e seis mil oitocentos e noventa euros e setenta e cinco cêntimos);
Verba nº 4, Quota social, correspondente a 60% do capital social na sociedade comercial “GG, Lda”, Rua ..., nº ... – 5º Traseiras Centro, freguesia ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia, com o valor nominal de € 3.000,00 (três mil euros);
Verba nº 5, Certificados de Aforro no valor Global de € 2.900,00 (dois mil e novecentos euros), em que é movimentadora MM, no valor de € 1.770,26 e em que é movimentadora NN, no valor de € 1.129,80;
Verba nº 8, Conta bancária no Banco 1..., S.A. com o número ..., com o valor de € 189,09
Verba nº 9, Recheio do imóvel onde habita a cabeça-de-casal CC, com o valor global de € 5.000,00 (cinco mil euros).
12) A partilha, nos termos em que foi efectuada prejudica o autor, pois o mesmo iria poder escolher os bens que melhor lhe interessavam e poderia licitar os bens que foram adjudicados em claro benefício dos demais interessados.
13) Os réus estão em conluio, revelando dolo e má fé que, no dia vinte e nove de Abril de 2023, foi efetuada doação de CC a HH e EE da Verba nº 1, correspondente à fracção autónoma designada pela letra “AG”, correspondente a uma habitação no quinto andar traseiras direito com entrada pelo nº ..., pertencente ao prédio urbano constituído em propriedade horizontal pela apresentação trinta e um de um de Setembro de 1998, sito na Rua ..., da freguesia ... e ..., Concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Segunda Conservatória de Vila Nova de Gaia sob o número ... – ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., conforme termos do documento 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.
14) Os valores atribuídos aos bens no processo de Inventário não correspondem à realidade pois o imóvel identificado na Verba nº 3 do processo de Inventário – Casa de habitação de rés-do-chão e andar, com garagem e logradouro, designado por ..., sito em ..., freguesia ..., ... e ..., concelho da Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial de Póvoa de Varzim sob o número ... – ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ..., adjudicado pelo valor patrimonial de €56.890,75 foi vendido por € 220.000, conforme termos do documento 7 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.
Fundamentação jurídica
Correndo termos no Cartório Notarial da Drª. FF o processo de inventário n.º ... por óbito de GG, as partes são os interessados.
Na conferencia de interessados desse processo, realizada a 4 de Janeiro de 2022, na qual o autor não esteve presente, os interessados presentes CC, HH e EE, representados por uma advogada, decidiram a adjudicação dos bens relacionados.
Simplesmente houve a omissão de notificação do autor para a dita conferência de interessados, sendo que essa omissão constitui nulidade por influir na restante tramitação do processo, não tendo sido dada a possibilidade ao autor de poder licitar ou requerer a adjudicação de qualquer um dos bens relacionados, constituindo então essa omissão uma nulidade (artigo 195.º, 1, do CPC), que implica a anulação da partilha efetuada naquela diligência.
Uma referência para esclarecer que nas alegações que apresentaram os autores acrescentam um pedido que não formulavam na petição inicial, concretamente dar-se “sem efeito os negócios jurídicos entretanto realizados e que envolvam as partes”, pedido que não pode ser atendido nesta fase tardia do processo, em que já terminou a fase dos articulados.
Seja como for acrescenta-se que embora resulte do artigo 195.º, 2, do CPC, que tendo um ato de ser anulado anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente, a verdade é que neste caso, pelo menos em relação à venda de um dos bens relacionados, essa anulação nunca aqui poderia ser decertada por os compradores não serem réus, pelo que nunca faria caso julgado contra eles.
Decisão
Pelo exposto, julga-se a ação procedente, por provada, anulando a partilha por óbito de GG efetuada na conferência de interessados realizada a 4 de Janeiro de 2022 no processo de inventário n.º ... do Cartório Notarial da Drª. FF.
As custas são devidas, em partes iguais, pelos réus, atento o vencimento (artigo 527.º, 1, do CPC).
Notifique e registe.”.

Não se conformando com o assim decidido, vieram os réus interpor o presente recurso.
Entretanto, na sequência do falecimento da ré CC, foram habilitados os dois outros réus, HH e EE.
O recurso veio, após a habilitação, a ser admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Formularam, os recorrentes, as seguintes conclusões das suas alegações:
“1. Os Réus não se conformam com a Sentença proferida nos presentes autos, a qual julgou procedente a ação, anulando a partilha por óbito de GG.
2. A sentença recorrida foi proferida ao abrigo do disposto no artigo 567.º CPC, por se ter considerado que os Réus face à falta de dedução de oposição, foram dados como confessados os factos articulados pelo Autor, julgando a ação procedente.
3. No entanto, o Tribunal a quo não discriminou integralmente os factos provados por força da confissão, não procedeu à especificação de todos os fundamentos de facto (apenas os mais significativos) e de direito para fundamentar a procedência da ação.
4. Na sentença em crise também não se indica, nem fundamenta que a causa reveste manifesta simplicidade. Nem poderia, pois não é a situação da matéria em apreço.
5. O Tribunal a quo não está dispensado do dever geral de fundamentação das decisões judiciais, quer em termos de facto, quer em termos de direito.
6. Salvo melhor opinião, o Tribunal a quo omitiu o dever de fundamentação consagrado no n.º 1 do artigo 205.º da CRP, no artigo 154.º e no n.º 4 do artigo 607.º, ambos do CPC, nomeadamente o de especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão tomada.
7. Violou também o n.º 3 do artigo 607.º do CPC que estipula que na sentença devem constar os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
8. Ora, pelo exposto, a falta absoluta de fundamentação da sentença recorrida, ao não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, implica a sua nulidade, conforme o disposto na alínea b), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, nulidade que expressamente se invoca e se requer seja declarada.
9. Por outro lado, o Tribunal recorrido omitiu, por completo, a observância da primeira parte do n.º 2 do artigo 567.º do CPC, não tendo facultado à Ré o exame do processo pelo prazo de 10 dias para alegar por escrito, omissão de ato que a lei prescreve que, sem margem para qualquer dúvida, configura uma nulidade, suscetível de influir objectivamente no exame e decisão da causa - cf. n.º 1 do artigo 195,º do CPC (neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13-01-2025, Processo n.º 1535/03.9TCLRS-E.P1).
10. Sem prejuízo das nulidades supra invocadas e da parca fundamentação da Sentença recorrida, atendendo que a confissão dos factos não pode ser sinónimo da procedência da ação, pois tais factos têm de ser julgados conforme o direito, tentando ainda assim os Réus discutir o mérito da decisão, constatam que há um manifesto erro de julgamento, não tendo o Tribunal a quo procedido a um juízo crítico, valorativo e fundamentado, conforme era o seu dever, quer em matéria de facto, quer relativamente à matéria de direito.
11. De salientar que, no âmbito do processo de Inventário notarial e para ter apoio técnico especializado de três mandatários, o Autor constituiu mandatário a quem outorgou Procuração com poderes especiais, estando por isso o Interessado devidamente representado naquele processo de Inventário.
12. O próprio Autor reconhece que noutra conferência preparatória não esteve presente, o que na verdade, sucedeu ao longo de todo o processo porque foi a postura que optou por assumir, não por imposição mas sim por sua escolha, tendo a forma de notificação sido sempre a mesma.
13. O Interessado no processo de inventário notarial (Autor nestes autos) não esteve presente como resulta do documento junto, apesar de devidamente notificado para o efeito, o que aliás este até foi um dos factos que o Tribunal a quo entendeu significativo reproduzir.
14. Ora, como bem sabemos o processo de Inventário notarial não podia transitar em julgado, como ocorreu e reconhece o Autor, sem que o mesmo fosse remetido para validação judicial, e quando é proferida uma decisão de homologação de partilha tem o poder/dever de controlar a regularidade e legalidade do processo e dos atos processuais praticados.
15. Tal validação e homologação ocorreu neste mesmo Juízo e pelo Meritíssimo Juiz a quo, razão que levou a que o processo lhe fosse entretanto redistribuído.
16. Em momento algum foi requerida a apensação do Inventário notarial, pelo que se supõe que não havia qualquer dúvida pelo Meritíssimo Juiz a quo quanto à sua validade, da qual resultou a homologação judicial.
17. O Autor tendo sido notificado de todo o processo e de todos os atos através do seu mandatário, nomeadamente do despacho que determinou a forma à partilha, onde foram determinadas as adjudicações as quais seriam efetuadas em conformidade com o que havia resultado na Conferência, sem que houvesse qualquer impugnação, a mesma ficou resolvida e posteriormente homologada não podendo agora ser contrariada.
18. Tendo ocorrido a homologação judicial, após o normal controlo de regularidade e legalidade processual fica vedado ao interessado, ora Autor, requerer a anulação da partilha, uma vez que o mesmo foi notificado também dessa decisão.
19. Salvo o devido respeito, não é razoável para os demais interessados vir agora retroceder-se num processo já estabilizado juridicamente e do qual o Autor diz que não tomou conhecimento atempado, o que não corresponde à verdade, rezão pela qual outra deveria ser decisão de que se recorre.
20. Assim, sempre com toda a consideração e respeito por opinião diversa, não podemos concordar com a decisão de que ora se recorre, nos termos e fundamentos supra aduzidos.
Termos em que
Deve a douta Sentença recorrida ser alterada naqueles precisos termos.
Assim se fazendo, como sempre, JUSTIÇA!”.

Os recorridos/autores apresentaram contra-alegações, concluindo que:
“São infundados os argumentos de facto e de Direito apresentados nas doutas Alegações de Recurso a que ora se responde,
Porquanto,
I. Nos pontos 2 a 8 das suas Conclusões, vêm os Apelantes invocar nulidade por falta de fundamentação da sentença (arts. 205.º, n.º 1 da CRP, 154.º e 607.º, nºs 3 e 4 do CPC) o que não corresponde à verdade, conforme resulta da leitura da própria sentença, só sendo fundada a alegada nulidade se a falta de fundamentação fosse absoluta, o que notoriamente não é, o que se defende;
II. No ponto 9 das suas Conclusões, vêm os Apelantes alegar nulidade por alegada violação do artigo 567.º, n.º 2 do CPC, afirmando que não lhes foi facultado o exame do processo para no prazo de 10 dias alegarem por escrito, porém olvidando que pese embora tenham sido devidamente citados com a advertência da obrigatoriedade de constituição de Mandatário, dado o valor da causa e dos efeitos da não contestação, não contestaram o que implicou a confissão tácita da matéria de facto e, atendendo que as alegações do Artigo 576º, nº 2 do Código de Processo Civil são sobre matéria de Direito, estamos perante um venire contra factum proprium, para além de inexistir obrigatoriedade de notificação das partes mas sim dos seus mandatários, por isso não existe qualquer omissão do dever de notificação, nem violação do contraditório, nem nulidade insanável nos termos do artigo 195.º, n.º 1 do CPC, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no Processo nº 2398/23.3T8BRG.G1 de 11 de Abril de 2024 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa no Processo nº 2996/23.5T8LSB.L1-8, de 26 de Setembro de 2024,
III. Nos Pontos 10 a 20 das Conclusões, vêm os Alegantes procurar debater questões de facto que não podem ser debatidas, por preclusas dada a não apresentação de Contestação, estando assentes, por confessados dada a não impugnação, os factos apresentados pelos Autores/Apelados, sendo a decisão juridicamente correta, equilibrada e devidamente fundamentada.
Nestes termos, e nos mais que V. Exas. doutamente suprirão, devem as presentes contra-alegações ser julgadas procedentes, com a consequente manutenção da douta sentença recorrida.”.
*
Após os vistos legais, cumpre decidir.
*
II - OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, as questões a apreciar consistem em saber se:
- a decisão recorrida padece de nulidade por falta absoluta de fundamentação de facto e de direito;
- ocorre nulidade nos termos do art. 195.º do CPC, por omissão de ato que a lei prescreve e é suscetível de influir objetivamente no exame e decisão da causa;
- a decisão incorre em manifesto erro de julgamento de direito.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos a considerar são os que resultam do relatório que antecede e da decisão recorrida.
*
IV – MOTIVAÇÃO DE DIREITO
a) Da nulidade da sentença por falta de fundamentação
Nas suas alegações, começam os recorrentes por invocar a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, por falta de fundamentação de facto e de direito.
O artigo 615.º do CPC prevê as causas de nulidade da sentença, dispondo, no que para o caso interessa, que:
“1 - É nula a sentença quando:
(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…).”.
É unânime considerar-se que “as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº 1, do art. 615.º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito, nem com vícios da vontade que possam estar na base de acordos a por termo ao processo por transação” (vide Ac. do TRG de 04.10.2018, disponível em dgsi.pt).
Entendem os Autores/Recorrentes que a sentença proferida é nula por falta de fundamentação, por vários motivos, a saber: o Tribunal a quo limitou-se a considerar apenas alguns dos factos alegados e confessados; não deixou consignado que a causa se reveste de manifesta simplicidade; não fundamentou a sentença em termos de direito, não se alcançando qual o caminho jurídico percorrido pelo Tribunal a quo para chegar à condenação dos réus.
Ora, conforme já mencionado, a al. b), do nº 1, do art. 615.º do CPC, dispõe que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o disposto no art. 607.º, nºs 3 e 4 do Código do Processo Civil, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e não provados, analisando criticamente as provas, e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
Contudo, conforme foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 3157/17.8T8VFX.L1.S1, de 03-03-2021 (disponível em dgsi.pt):
“I. Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual - nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma - ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
II. Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil. (…)”.
Ou seja, ao nível da fundamentação de facto e de direito da sentença, para que ocorra a nulidade não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.
Neste sentido, que é o tradicionalmente perfilhado, referia J. Alberto dos Reis, a propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, que importa proceder-se à distinção cuidadosa entre a “falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”.
Feitas estas considerações, e lida a fundamentação de facto da sentença objeto de apelação, constata-se que não se verifica o vício invocado, a fundamentação de facto não se afigura ser deficiente, e muito menos é inexistente, sendo também perfeitamente percetível a fundamentação de direito que levou a que, aplicando os factos provados ao direito, o Tribunal a quo tivesse decidido julgar a ação procedente.
Desde logo, o Tribunal discrimina os factos que considera provados, com base na confissão dos réus, por falta de contestação. E não se diga que o tribunal a quo considerou apenas alguns dos factos confessados, já que, apesar de ter utilizado a expressão “aqui se reproduzindo os mais significativos”, o certo é que, lida a petição inicial se constata que foram dados como provados todos os factos alegados, tendo apenas sido retiradas as conclusões ou alegações de direito.
No que diz respeito a não ter o Tribunal a quo deixado consignado que a causa se reveste de manifesta simplicidade, para além de entendermos que não se afigura necessário tal ser declarado expressamente pelo Tribunal, o nº 3 do art. 567.º do CPC, refere-se a uma situação em que o juiz pode proferir sentença limitada à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado, que não foi o que ocorreu no caso, em que o tribunal a quo proferiu uma sentença que obedece a todos os requisitos legais normais, com relatório, discriminação dos factos provados, a respetiva fundamentação de facto (a confissão), bem como a fundamentação de direito.
E dito isto, também não assiste razão aos recorrentes quando dizem que o Tribunal a quo não fundamentou a sentença em termos de direito, não se alcançando qual o caminho jurídico percorrido pelo Tribunal a quo para chegar à condenação dos réus.
Lida a fundamentação de direito que consta da sentença recorrida, verifica-se que o Tribunal fez uma interpretação lógica de aplicação dos factos provados ao direito, tendo considerado que ocorreu falta de notificação do autor, o que tem influência na causa e na decisão, pelo que concluiu que ocorreu nulidade processual, com a consequente anulação da partilha.
Concorde-se ou não com tal decisão, o certo é que a sentença não é nula por falta de fundamentação, pelo que improcede esse fundamento do recurso.

b) Da nulidade por falta de notificação para apresentar a legações
Entendem os recorrentes também que o processo padece de nulidade processual, nos termos do disposto no art. 195.º do CPC, por não lhes ter sido dada a oportunidade para alegarem por escrito, nos termos do art. 567.º, nº 2 do mesmo diploma legal.
Diz o art. 195.º do CPC, que a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Por sua vez, resulta do disposto no art. 567.º, nº 2 do CPC, no caso em que o réu não contestou e, consequentemente, se consideraram confessados os factos articulados pelo autor, que é concedido o prazo de 10 dias, primeiro ao mandatário do autor e depois ao mandatário do réu, para alegarem por escrito.
Ao contrário do que os recorrentes pretendem, não tinham, como não foram, os recorrentes que ser notificados para alegarem, tendo em conta que não têm advogado constituído nos autos e as alegações versam sobre questões jurídicas. Aliás, o preceito é claro, referindo expressamente que o prazo para alegar é concedido ao mandatário do autor e ao do réu, pelo que, não existindo mandatário constituído, não pode ser notificado para o efeito.
Neste sentido foi decidido, entre outros, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26-09-2024, Processo 2996/23.5T8LSB.L1-8, onde se diz: “I - O art.º 567, nº 2 do CPC apenas impõe a notificação das partes por intermédio dos respetivos mandatários para alegarem na sequência do reconhecimento da revelia do réu. II - Não há qualquer violação dos princípios do contraditório e igualdade de armas plasmados nos art.ºs 3º e 4º do CPC, pelo facto do réu revel, não ter sido notificado pessoalmente para apresentar as referidas alegações. III - Estão em causa questões jurídicas que apenas devem ser debatidas por advogados, os únicos com competência técnica para o efeito, num processo de constituição obrigatória de mandatário. (…)”.
No mesmo sentido, veja-se o Acórdão desta secção e Tribunal da Relação do Porto, de 12-10-2023, Processo 11137/22.5T8PRT.P1, Relator: Isabel Ferreira, no qual se decidiu que: “(…) Não tendo o réu contestado, nem constituído mandatário, não há lugar à sua notificação para, querendo, alegar por escrito.”.
Ou, ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02-10-2025, Processo 1043/24.4T8PTL.G1, Relator: José Cravo, no qual se decidiu nos mesmos termos.
Não foi, pois, cometida qualquer nulidade processual que implique a nulidade do processado.

c) Do erro de julgamento de direito
Posto isto, apreciemos o alegado erro de julgamento de direito.
A decisão recorrida entendeu que ocorria nulidade do processado, por não ter sido pessoalmente notificado o autor para a conferência de interessados.
Tem-se considerado, e é também o nosso entendimento, que em processo de inventário, não é legalmente exigida a notificação pessoal do interessado, que conferiu a advogado poderes para receber notificações e participar na conferência de interessados, da marcação dessa conferência, bastando que o mandatário tenha sido notificado para não haver nulidade por falta de notificação (neste sentido, cfr. Ac. STJ, de 23-04-2009, processo 09B0564, in dgsi.pt).
Sendo certo que a lei prevê que os interessados devem ser pessoalmente notificados para a conferência de interessados, tal como os respetivos cônjuges, não casados no regime de separação de bens, e até com obrigação de comparência pessoal, certo é também que podem fazer-se representar – art. 1110.º, nºs 3, 5 e 6, do CPC.
O mesmo regime vigorava já no âmbito da Lei 23/2013, de 5 de março (aplicável na situação dos autos, embora, entretanto, revogada pela Lei nº 117/2019, de 13-09), a qual dispunha no art. 47.º, nº 2 que os interessados se podiam fazer representar na conferência preparatória, por mandatário com poderes especiais ou confiar o mandato a outro interessado, não podendo deixar de valer o mesmo para a conferência de interessados.
Voltando ao caso em apreciação, mostra-se provado que o autor conferiu mandato a ilustre advogado, e que este foi notificado para a conferência de interessados.
Sucede que, não estiveram presentes na dita conferência, nem o autor, nem o seu mandatário.
É certo que consta dos factos provados que o autor não foi notificado pessoalmente da respetiva data, sendo que entendemos que a posição da desnecessidade de notificação pessoal do interessado, diz respeito a casos em que o interessado conferiu mandato a advogado com poderes especiais, nomeadamente para o representar na conferência, o que não ocorreu no caso, como facilmente se retira do teor da procuração junta com a petição inicial.
Não se mostrando o autor representado por mandatário com poderes especiais para o representar na conferência de interessados, deveria ter sido notificado pessoalmente para estar presente na conferência.
No caso de não ter ocorrido tal notificação pessoal, como parece resultar dos autos, até se pode admitir que estamos perante um ato que a lei prescreve e que pode influir no exame e decisão da causa, podendo tal omissão gerar a nulidade dos atos subsequentes praticados, nomeadamente da conferência e da partilha aí efetuada, nos termos do disposto no art. 195.º do CPC.
Contudo, a partilha realizada na conferência de interessados, no âmbito do inventário notarial, foi objeto de homologação por sentença judicial transitada em julgado, como os próprios autores alegam.
Ora, sendo assim, antes de mais, a arguição da omissão da falta de notificação para a conferência de interessados teria que ser feita no processo de inventário a correr no Cartório Notarial, de acordo com o regime que regula a arguição de nulidades processuais – arts. 195.º e seguintes do CPC, sendo tal conhecimento da competência da Notária, por remissão do art. 82.º da Lei n.º 23/2013, de 05 de março.
Acresce que, como já se referiu supra, a partilha realizada na conferência de interessados, no âmbito do inventário notarial, foi objeto de homologação por sentença judicial transitada em julgado, como os próprios autores alegam.
Nesse caso, entende-se que, transitada em julgado a sentença homologatória da partilha, esta apenas pode ser alterada através de ação de emenda ou anulação da partilha.
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15-02-2024, Processo 1478/22.7T8VCT.G1, “Com o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha fixa-se o direito dos interessados no processo de inventário, apenas podendo haver lugar à alteração da mesma, se verificados os pressupostos de emenda ou anulação da partilha nos termos previstos nos artºs 1386º a 1388º do anterior CPC.”.
No caso, a partilha também apenas pode ser emendada, “ainda que a decisão se tenha tornado definitiva”, como refere o art. 70.º, nº 1 da Lei nº 23/2013, de 05-03, por acordo ou através de ação proposta para o efeito, ou anulada nos termos do art. 72.º do mesmo diploma legal, que prevê que “a anulação da partilha confirmada por decisão que se tenha tornado definitiva só pode ser decretada quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má-fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada”, igualmente através de ação proposta para o efeito.
Aliás, os autores perceberam perfeitamente que assim é, o que resulta dos pedidos alternativos que formularam na ação, da qual resulta claramente que o que pretendem é precisamente a anulação da partilha.
Posto isto, concluímos que a sentença recorrida conheceu de uma nulidade processual de que não podia conhecer na ação de anulação em causa, não tendo, pelo contrário, apreciado as questões que se colocavam, de emenda ou anulação da partilha, pelo que deve ser revogada.

Aqui chegados, resulta do disposto no art. 665.º, nº 2 do CPC, que se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
Ora, como já referido, a presente ação configura uma ação de anulação da partilha, nos termos do art. 72.º da Lei nº 23/2013, de 05-03, a qual deve ser apensada ao inventário, e que tem como pressupostos a preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada.
No caso concreto, afigura-se não dispormos, ainda, de todos os elementos necessários para ser tomada uma decisão, apesar de ação não ter sido contestada, desde logo, porque não se mostra apensado o processo de inventário, o que se afigura essencial para saber, nomeadamente, se a sentença homologatória da partilha foi notificada aos autores e quando.
Acresce que, tendo em conta os pressupostos da ação de anulação, enunciados supra, se afigura que os mesmos não se mostram devidamente alegados, já que, designadamente o que consta dos números 12) e 13) da factualidade dada como provada na sentença recorrida, mostra encerrar juízos conclusivos, os quais seriam conclusões a retirar de factos.
E assim sendo, o que de factual foi alegado mostra-se claramente insuficiente para preencher a hipótese legal do art. 72.º da Lei nº 23/2013, para o que se afigura ser necessária a alegação de factos de onde resultasse que os réus teriam “atuado com dolo ou má fé”, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada.
Perante o exposto, entende-se que o tribunal a quo, antes de proferir decisão, deveria ter feito convite aos autores, nos termos do previsto no art. 590.º, nº 3 do CPC, para que, em prazo a designar, viessem aperfeiçoar a sua petição inicial, com contraditório posterior aos réus, só então proferindo decisão.
Essa atuação do julgador impõe-se, ainda que a ação não tenha sido contestada, já que mesmo no caso de os factos alegados serem considerados confessados, tal não implica necessariamente a procedência da ação, considerando que o art. 567.º, nº 2, parte final, do CPC, prevê que o juiz deve julgar a causa conforme for de direito.
Neste sentido, veja-se o acórdão do TRG, de 30-01-2020, processo 2615/18.1T8VRL.G1, onde se decidiu: “I- Não obstante se considerarem confessados ou admitidos, em face da revelia operante por parte do réu, os factos alegados pelo autor, o desfecho da causa não tem necessariamente de ser aquele que é pretendido pelo autor porquanto, nos termos da parte final do n.º 2 do artigo 567º do C.P.C., o juiz deve julgar “a causa conforme for de direito”.
II- No caso de petição inicial deficiente, de petição que não contenha todos os factos de que depende a procedência da ação ou que se apresenta articulada de forma incorreta ou defeituosa, não obstante a revelia do réu, deve o julgador convidar o autor a aperfeiçoá-la nos termos do artigo 590º n.º 1 do Código de Processo Civil e, caso o autor o faça, deve ser dada a possibilidade ao réu para, querendo, exercer o contraditório.”
Perante tudo que se deixa exposto, procede parcialmente o recurso.
*
V - DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, devendo os autos baixar à 1ª instância nos termos e para os efeitos sobreditos.
Nomeadamente, porque este Tribunal da Relação não dispõe de todos os elementos para decidir as questões que ficaram por decidir tendo em conta a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que aí seja determinada a apensação aos autos do processo de inventário notarial, que os autores sejam convidados a virem aperfeiçoar a petição inicial nos termos expostos, e que, após cumprido o contraditório, seja proferida nova decisão que aprecie os pedidos formulados conforme for de direito.

Custas pelo vencido a final.

Porto, 2025-11-27
Manuela Machado
Ana Luísa Loureiro
Paulo Dias da Silva