Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
107/08.6TBSJM-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
NECESSIDADES DOS FILHOS MENORES
PRIORIDADE
Nº do Documento: RP20111129107/08.6TBSJM-B.P1
Data do Acordão: 11/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O conteúdo da obrigação de alimentos que impende sobre os progenitores não se restringe à prestação mínima e residual de dar aos filhos um pouco do que lhes sobra, mas antes no de que se lhes exige que assegurem as necessidades dos filhos menores com prioridade sobre as próprias e que desenvolvam esforços para lhes poderem proporcionar as condições económicas adequadas ao seu sadio, harmonioso e equilibrado crescimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 107/08.6 TBSJM-B.P1
Tribunal Judicial de São João da Madeira – 3º Juízo
Apelação
Recorrente: B…
Recorridos: Ministério Público; C…
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Pinto dos Santos

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
O progenitor B… veio requerer a alteração da pensão alimentar a prestar por si, fixada por acordo homologado por sentença de 1.7.1999, transitada em julgado, no apenso de alteração que se seguiu ao divórcio por mútuo consentimento entre requerente e requerida.
Pede que a pensão de alimentos a favor da sua filha menor D… seja alterada de 270,00€ para 100,00€, alegando um acréscimo das suas despesas e que a requerida passou a ter rendimentos provenientes do trabalho.
Citada para alegar, nos termos do art. 182º, nº 3 da OTM, a requerida veio responder, impugnando as despesas do requerente.
Foi designado dia para a conferência a que se refere o art. 175º da OTM, aplicável “ex vi” do art. 182º, nº 4 do mesmo diploma, não tendo havido acordo entre os progenitores quanto ao montante da pensão de alimentos a pagar pelo pai à filha menor.
O requerente apresentou alegações a fls. 87 e ss. e a requerida a fls. 95, concluindo esta que a pensão deve manter-se como está fixada.
Foi realizado inquérito sobre a situação económica, moral e social do requerente de acordo com o art. 178º, nº 3 da OTM, aplicável “ex vi” do art. 182º, nº 4 do mesmo diploma, não tendo sido o mesmo viável quanto à requerida e à menor, por residirem em França,
A requerida juntou documentos atinentes à sua condição económica e profissional.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento com todas as formalidades legais, vindo a ser proferida sentença que alterou a pensão de alimentos a prestar pelo pai – B… - para a quantia de 200,00€.
Este, inconformado, interpôs recurso, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. Os critérios legais que determinam a medida da pensão de alimentos são: As necessidades do que houver de recebê-los, a menor D…, e os meios daquele que houver de prestá-los, ambos os pais.
Quanto às necessidades da D…:
II. Não obstante o facto de não ter sido elaborado relatório social uma vez que a menor se encontra a residir no estrangeiro, dir-se-à que os progenitores devem providenciar à D… alimentação, educação, vestuário, calçado e assistência médica, o que significará uma despesa média mensal não superior a €260,00.
III. A sentença recorrida é omissa quanto às necessidades da menor cuja quantificação é imprescindível para tornar possível a repartição das responsabilidades dos progenitores de acordo com a capacidade económica de cada um deles.
Quanto às possibilidades da recorrida:
IV. Na sentença recorrida, considera-se como provado que “a progenitora tem rendimentos provenientes do seu trabalho como empregada doméstica em França, de montante variável, consoante o número de horas dos serviços prestados recebendo, em média, cerca de 11,00 euros/hora.
No entanto,
V. A mesma sentença considera igualmente provado que o seu rendimento mensal é “de 581,00 euros”, o que significa que a recorrida trabalhará 2,6 h por dia (13 horas por semana, 58 horas por mês).
VI. Sendo certo que tal não corresponde ao que foi apurado, nem pode fundamentar-se nos documentos juntos aos autos pela recorrida, razão pela qual
VII. Nunca poderia ser considerado como provado.
VIII. É conhecido que, na actividade exercida pela recorrida, muitas das horas de trabalho efectivamente prestado não constam de qualquer recibo o que, de resto, é compatível com o facto de a amiga/testemunha – E… – ter testemunhado que a recorrida “trabalha durante muitas horas”, e, por isso “levanta-se sempre por volta das 5h da manhã”.
IX. Ainda que a recorrida apenas trabalhe 7 horas/dia, pagas a €11,00 cada uma, durante vinte dias/mês, dispõe de um rendimento mensal não inferior a €1540,00.
Além disso,
X. A recorrida omite ainda os rendimentos do seu actual companheiro, nada referindo quanto [à] comparticipação deste nas despesas domésticas,
XI. O que determinou que o tribunal entendesse que a recorrida tinha um rendimento disponível inferior ao do recorrente,
XII. Errando ao considerar como provado que apenas ela (recorrida) suporta integralmente os encargos domésticos.
Quanto às possibilidades do recorrente:
XIII. O tribunal “a quo” julgou como não provado que o recorrente e a sua actual mulher despendam €600,00/mês para satisfazer as necessidades de alimentação do seu agregado familiar, embora tivesse considerado provado que “o requerente vive com a mulher, enteado de dez anos e filha comum de um ano de idade”,
XIV. Pelo que julgou não provado que estas 4 pessoas necessitem de €5,00/dia para cada uma delas prover à sua alimentação (€5,00x4x30dias),
XV. Sendo certo que por ser o mínimo indispensável à subsistência do agregado familiar do recorrente, esta despesa de €600,00/mês deve ser considerada provada.
XVI. Para além desta, o recorrente que aufere €1.255,58 e a sua actual mulher, que “aufere como controladora química cerca de 500,00 euros”, num total líquido de €1.755,58, suportam despesas no total de €1.611,26, pelo que
XVII. “sobra” ao recorrente a quantia de €144,32 para fazer face ao pagamento da pensão de alimentos à D…, a que acrescem as despesas relativas a assistência médica e medicamentosa, vestuário/calçado e transporte para o seu local de trabalho,
XVIII. O que o obriga a recorrer à ajuda de familiares que têm vindo a emprestar-lhe dinheiro – cfr. matéria provada – e tornou insustentável a sua situação.
XIX. Nos termos do disposto nos artigos 36º da CRP e 1874º e 1878º do Código Civil, o dever de sustentar os filhos é igual para ambos os progenitores, embora “a sua forma de cumprimento possa, não ser (...) necessariamente a mesma” (cfr. Algumas Notas sobre Alimentos (devidos a menores), J. P. Remédio Marques).
XX. A medida dos alimentos a prestar por cada um dos progenitores, para além de ser determinada em função das necessidades dos filhos, não pode deixar de ser proporcional aos rendimentos e despesas de cada um dos pais.
XXI. Foi esta razão que determinou que durante o período em que a mãe se encontrava em situação de desemprego, o recorrente assumiu (por acordo) o pagamento da totalidade das despesas da D….
Porém,
XXII. Actualmente, as circunstâncias de vida dos progenitores alteraram-se.
XXIII. A recorrida emigrou para França, vive com a filha, um novo companheiro e exerce (há meses) uma actividade profissional regular.
XXIV. O recorrente casou, teve mais um filho, e sofreu uma diminuição substancial do seu rendimento por força da penhora de 1/3 (posteriormente reduzida para 1/6) do seu vencimento na sequência de fiança que prestou ao irmão da recorrida – cfr. 7º da matéria provada.
XXV. O que lhe determina uma absoluta incapacidade para, por si só, conseguir manter-se solvente e, consequentemente,
XXVI. A sua impossibilidade quer de manter o valor que tem vindo a pagar à menor a título de alimentos (€270,00) quer de suportar o que veio a ser fixado na decisão recorrida (€200,00),
XXVII. Mantendo o entendimento de que, face às necessidades da D… e à alteração da situação económica da mãe é adequado e proporcional que a sua contribuição para a manutenção da menor seja fixada em €125,00 (cento e vinte e cinco euros) mensais.
XXVIII. A decisão proferida pelo tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 1874º, no n.º 1 do artigo 1878º, no artigo 2003º e no n.º 1 do artigo 2004º do Código Civil, razão pela qual
XXIX. Deve ser revogada e substituída.
Pretende, assim, que, alterando-se a resposta dada ao nº 33 da matéria de facto julgada como provada e a resposta dada ao nº 2 da matéria julgada como não provada, seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que fixe a pensão de alimentos a pagar pelo recorrente à sua filha D… em valor não superior a €125,00 mensais.
O Min. Público apresentou resposta na qual se pronunciou pela confirmação do decidido em 1ª Instância.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Aos presentes autos, face à data da sua entrada em juízo, é aplicável o regime de recursos resultante do Dec. Lei nº 303/2007, de 24.8.
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O âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 684º, nº 3 e 685º – A, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
I – Apurar se se deve proceder à alteração da matéria de facto (nº 33 dos factos provados e nº 2 dos factos não provados);
II Apurar se a sentença é omissa no tocante às necessidades da menor;
III – Apurar se a prestação alimentícia a cargo do progenitor, fixada em 200,00€ mensais, se mostra adequada ou se deverá ser reduzida para 125.00€ mensais.
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OS FACTOS
A matéria fáctica dada como provada pela 1ª Instância é a seguinte:[1]
1º- A menor nasceu a 5 de Fevereiro de 2001, sendo filha dos requerente e requerid[a], que casaram catolicamente entre si.
2º- Por decisão homologatória datada de 18 de Maio de 2004, que decretou o divórcio entre requerente e requerida na acção de divórcio por mútuo consentimento, o requerido obrigou-se a pagar uma pensão alimentar a favor [daquela] sua filha no valor de 150,00 euros e acordaram que “todas as despesas da menina serão da responsabilidade do pai (despesas escolares, saúde)”.
3º- Por decisão datada de 15.4.2008 devidamente transitada em julgado, que homologou o acordo assinado pelos cônjuges o requerente obrigou-se a pagar uma pensão alimentar a favor [daquela sua filha] no valor de 270 euros mensais [desde] 18 de Maio de 2004, por depósito em conta bancária até ao dia 1 de cada mês, actualizável anualmente de acordo com a taxa de inflação anual publicada pelo I.N.E. e metade das despesas médicas não cobertas pela Segurança Social.
4º- Segundo o acordado, “o requerente para além da quantia referida no parágrafo anterior pagará somente metade das despesas médicas e medicamentosas da menor mediante a apresentação dos respectivos comprovativos.”
5º- Aquando da fixação da pensão alimentar, a progenitora estava desempregada e o progenitor tinha o seu emprego actual.
6º- Em 7 de Abril de 2008, o requerente tinha um salário líquido de 1.558,00 euros.
7º- O vencimento do requerente no valor de 2050,00 euros, bruto, foi penhorado no âmbito de proc. nº 5320/05.5YIPRT d[a] 2º secção do 1º Juízo de Execução do Porto - acção executiva proposta em 4 de Janeiro de 2005, na sequência do incumprimento do contrato de empréstimo contraído por irmão da requerida para aquisição de habitação própria de que o requerente é fiador e, em 20 de Novembro de 2009, a entidade patronal notificada para proceder ao desconto de 1/3 do salário e por despacho de 13 de Maio de 2010, a penhora foi reduzida para 1/6, sendo de 13.017,08 euros a quantia exequenda.
9º- O ordenado do requerente é de 2050,00 euros e consta no seu recibo de vencimento 102,00 euros de despesas de alimentação, uma penhora no valor de 341,66 euros, e os descontos legais de 415,00 euros de IRS e 234, 64 euros de taxa social única.
10º- No mês de Janeiro de [2011], o requerente auferiu 141,05 euros de subsídio de alimentação e 83,13 euros de trabalho suplementar, sendo o valor a receber, depois de efectuados os descontos legais, de 1255,58 euros.
11º- Mensalmente paga prestação de crédito à habitação no valor de 511,54 euros global, sendo o capital em dívida de 85.172,32 euros e em crédito hipotecário indexado o capital em dívida de 46.441,58 euros.
12º- Seguros de vida e de habitação no valor de 50,00 euros.
13º- Quotização de condomínio de 30,00 euros.
14º - Prestação de empréstimo pessoal contraído junto do M… no valor de 61,07 euros.
15º- Despesas do fornecimento de gás de 14,97 euros.
16º- Despesas do fornecimento de electricidade de 156,37 euros.
17º- Fornecimento de água de 17,58 euros.
18º- O requerente contraiu novo casamento e em Abril de 2010, teve uma filha.
19º- Tem recorrido ao auxílio financeiro dos seus pais para poder fazer face às suas despesas.
20º- A progenitora tem rendimentos provenientes do seu trabalho como empregada doméstica em Franca, de montante variável, consoante o número de horas dos serviços prestados recebendo, em média, cerca de 11,00 euros/hora.
21º- O requerente vive com a mulher, enteado de dez anos e filha de um ano de idade, sendo que tem custeado despesas com o enteado porque o progenitor do mesmo tem incumprido.
22º- A mulher do requerente aufere como controladora química cerca de 500,00 euros.
23º- Paga cerca de 170,00 euros/mês de infantário e 18,89 euros da prestação do mês do Julho.
24º - Pagou 3000,00 euros à requerida [no] divórcio a título de tornas.
25º- A requerida reside em França com um companheiro e filha menor, paga 497,00 euros de renda mensal da habitação.
26º- Paga cerca de 11,16 euros mensais.
27º- Pagou 97,55 [euros] mensais de água e luz.
28º- Telefone internet e Tv. cabo 31,90 euros.
29º- Seguro de saúde da requerida e menor de 49,13 euros.
30º- A requerida presta serviços domésticos, tendo declarado nas fichas de rendimento mensal referente aos meses de:
Dezembro – 132,00 euros
Novembro de 2010 - 418,99 euros
- em 2011
Janeiro - 132,00 euros;
Fevereiro - 99,80 euros, 148,00 euros;
Março - 99,21 euros e 297,00 euros.
31º- Têm requerente e requerid[a] despesas correntes com alimentação, vestuário e calçado e de transporte em montante não apurado.
32º -Segundo informação policial em Dezembro de 2008, a requerida pagava de renda mensal 250,00 euros.
33º-Aufere vencimento mensal de 581,00 euros.
34º- Não possuía veículos.
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Por seu turno, foram considerados como não provados os seguintes factos:
1º- Que o requerente se encontre a pagar mensalmente uma prestação de empréstimo pessoal no valor de 100,00 euros.
2º- Tenha despesa de alimentação 600,00 euros.
3º- Despesa de calçado e vestuário de 60,00 euros.
4º- E de combustível de 220,00 euros.
5º - Que tenha despesas de saúde da filha em 50,00 euros/mês.
6º- Que a progenitora [aufira] um rendimento não inferior a 2000,00 euros/mês como empregada doméstica.
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I – O recorrente nas suas alegações insurge-se em primeiro lugar contra a matéria de facto que foi dada como provada e não provada pela 1ª Instância, mais concretamente contra o nº 33 do elenco dos provados e o nº 2 dos não provados.
Recaindo o recurso sobre a decisão proferida sobre a matéria de facto, há que ter em conta o teor do art. 685º-B do Cód. do Proc. Civil, onde se estatui o seguinte:
«1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.»
a. No nº 33 da enumeração dos factos provados deu-se como assente que a requerida “aufere de vencimento mensal 581,00 euros”, o que mereceu a discordância do requerente que entende dever tal facto ser dado como não provado.
Apoiou esta sua discordância em primeiro lugar no texto do nº 20 da mesma matéria fáctica provada [“A progenitora tem rendimentos provenientes do seu trabalho como empregada doméstica em Franca, de montante variável, consoante o número de horas dos serviços prestados recebendo, em média, cerca de 11,00 euros/hora”], donde resultaria que, conexionando-o com o nº 33, a requerida trabalharia tão só 2,6 horas por dia, 13 horas por semana e 58 horas por mês.
Em segundo lugar, aponta nesse sentido o depoimento prestado pela testemunha E…, transcrevendo duas passagens do mesmo e ainda o conteúdo do documento identificado sob o nº 8 (fls. 154 e segs.), donde constam recibos de retribuições auferidas pela requerida.
Verifica-se assim que quanto a este ponto (nº 33) a impugnação da matéria de facto foi efectuada de forma correcta, respeitando-se o disposto no art. 685º-B do Cód. do Proc. Civil, pois o mesmo mostra-se concretamente indicado, tal como indicados foram os meios probatórios que justificariam a pretendida alteração.
Procedemos, por isso, à audição do depoimento produzido pela testemunha E…, amiga e ex-colega da requerida C…. Disse esta que a requerida trabalha em França em limpezas domésticas, não sendo certo o seu rendimento. O número de casas em que trabalha é variável, falando num ponto do seu depoimento em duas ou três e noutro em cinco. Acrescenta que agora não tem tantos pedidos de trabalho. Na parte final das suas declarações, nas quais se apoiou nas conversas que vai tendo com a requerida via internet, disse que esta, para se manter, “trabalha bastante mesmo” e que se levanta por volta das 5h da manhã para apanhar autocarro, pois as suas clientes vivem longe.
Quanto à documentação invocada pelo recorrente, constante de fls. 154 e segs., verifica-se que a mesma corresponde a diversos recibos de vencimento emitidos por entidades patronais da requerida que passamos aqui a indicar:
- F… (Novembro de 2010): 38h – 418.90€ (no qual se anotou que “só trabalho até Julho porque estou a substituir uma empregada que se encontra de licença de parto”);
- G… (Dezembro de 2010): 12h – 132,00€;
- H… (Fevereiro de 2011): 9h – 99,80€;
- I… (Fevereiro de 2011): 9h – 99,21€;
- J… (Fevereiro de 2011): 13h – 148,00€;
- K… (Março de 2011): 27h – 297,00€.
Sucede que o carácter fragmentário desta documentação não nos permite concluir, com o mínimo de segurança, no sentido de que a requerida possa auferir por mês o vencimento de 581,00€, acrescendo que do depoimento da testemunha E…, apesar da sua imprecisão, resulta que aquela trabalhará bastante para se manter economicamente, levantando-se bem cedo para apanhar autocarro, uma vez que vive longe das suas clientes.
Ora, aceitando-se o que consta do nº 20 da matéria de facto – que a requerida aufere em média cerca de 11,00€ por hora – tal não parece ser compatível, como se assinala nas alegações de recurso, com aquele vencimento mensal de 581,00€, pois assim teria que se concluir que a requerida se limitaria a trabalhar cerca de duas horas e meia por dia.
Por outro lado, lendo-se a fundamentação da decisão factual da 1ª Instância (fls. 177) constata-se que a Mmª Juíza “a quo” nada escreve de concreto sobre os motivos que a levaram a dar como assente o dito vencimento mensal de 581,00€.
Deste modo, perante a manifesta insuficiência dos elementos probatórios que nesse sentido foram produzidos e num quadro de alguma imprecisão no que concerne ao rendimento mensal da requerida, decidimos eliminar do elenco dos factos dados como provados o seu nº 33.
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b. O recorrente insurge-se igualmente contra o facto que foi dado como não provado sob o nº 2 – que tenha despesas de alimentação no montante de 600,00€ -, o qual pretenderia assim que transitasse para os factos provados.
Acontece, porém, que quanto a este ponto o recorrente, para além do pedido de alteração que fez, não indica qualquer concreto meio probatório que impusesse decisão diversa da tomada, razão pela qual, face ao que se estatui no art. 685º, nº 1, al. b) do Cód. do Proc. Civil, não se tomará conhecimento do mesmo.
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II – O recorrente, nas suas alegações, sustenta ainda que a sentença é omissa quanto à quantificação das necessidades da menor, o que seria essencial para a definição das responsabilidade dos progenitores.
Percorrendo a factualidade que foi considerada assente, logo se verifica que dela não consta qualquer específica referência, em termos fácticos, às necessidades da menor e sua quantificação.
Decorre apenas desta concreta factualidade que a menor conta 10 anos de idade.
Ora, não se vislumbra que em sede factual seja necessário proceder à quantificação das necessidades da menor, sendo certo que estas necessidades foram devidamente tidas em conta na sentença recorrida, como se alcança da passagem que passaremos a transcrever:
“Em face do quadro factual supra descrito, e tendo sempre em mira o binómio possibilidades do devedor e necessidades do credor, que in casu se considerou por um padrão médio atendendo à idade da menor, considera-se ajustado, de acordo com as regras da equidade, que o requerido comparticipe para o sustento da sua filha com o montante de 200,00 euros.
É que o montante pugnado pelo requerente mostra-se insuficiente, sendo até que o próprio [requerente] já no remoto ano de 2004, quando a requerida estava desempregada, ainda que não sofresse o desconto da penhora, acordou pagar uma quantia de 150,00 euros e todas as despesas escolares e médicas, e tendo em conta o agravamento do nível de vida actual em Portugal e que se pode aferir até pelo custo de um infantário e da alimentação (que segundo a estimativa do requerido serão necessários 5 euros/dia, para cada um dos quatro membros, incluindo a filha e enteado) e do que nos é dado a conhecer em países como a França.”
Deste modo, há que concluir que o tribunal “a quo” teve em atenção a questão das necessidades da menor, razão pela qual sempre será de afastar a eventual ocorrência “in casu” da nulidade a que se refere o art. 668º, nº 1, al. d) do Cód. do Proc. Civil.
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III – Por último, insurge-se o recorrente contra a importância que na sentença recorrida foi fixada a título de prestação alimentícia – 200,00€ mensais -, por entender que a mesma, face à diminuição substancial do seu rendimento, às necessidades da própria menor e à alteração da situação económica da mãe, deverá ser reduzida à quantia de 125.00€ mensais.
Nos termos do art. 1878º, nº 1 do Cód. Civil compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los e administrar os seus bens.
Os alimentos devidos aos menores englobam tudo o que for indispensável ao sustento, habitação e vestuário, incluindo ainda a instrução e educação do alimentando – cfr. art. 2003º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil.
Com efeito, na senda do que se diz no art. 27º da Convenção sobre os Direitos da Criança, a criança tem direito a um nível de vida adequado ao seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social, cabendo aos pais a primordial responsabilidade de lhe assegurar um nível de vida adequado.
Prosseguindo, salientar-se-à que os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los – cfr. art. 2004º, nº 1 do Cód. Civil.
As necessidades do alimentando são assim a primeira medida da obrigação, traçando o limite máximo da obrigação alimentar – esta não existe para lá das referidas necessidades, mesmo que as possibilidades do devedor sejam mais que suficientes para ir além de tal medida.
Por seu turno, a medida das possibilidades assenta basicamente nos rendimentos do obrigado, sendo ainda integrada pelos seus encargos. A medida da contribuição de cada progenitor deve encontrar-se na capacidade económica de cada um para prover às necessidades do filho, sendo certo que estas necessidades sobrelevam a disponibilidade económica dos pais, no sentido de que o conteúdo da obrigação de alimentos que lhes compete cumprir não se restringe à prestação mínima e residual de dar aos filhos um pouco do que lhes sobra, mas antes no de que se lhes exige que assegurem as necessidades dos filhos menores com prioridade sobre as próprias e se esforcem em obter meios de propiciar aos filhos menores as condições económicas adequadas ao seu sadio, harmonioso e equilibrado crescimento.[2]
Nesta linha, terá que se realçar, como o faz o Min. Público na sua resposta, que na aferição da capacidade do obrigado não devem ser consideradas as obrigações correspondentes à aquisição de bens e serviços supérfluos, devendo evitar-se qualquer paralelismo entre um crédito pessoal para aquisição de bens de consumo não essenciais e um crédito alimentício, pois, neste segundo caso, o que está em causa é a própria dignidade humana.
Por outro lado, é ainda de sublinhar que as responsabilidades parentais cabem a ambos os cônjuges, em condições de plena igualdade, o que é, aliás, decorrência do princípio da igualdade dos cônjuges consagrado no art. 36º, nº 3 da Constituição da República.
Contudo, daqui não se pode extrair a conclusão de que, no que tange especificamente à obrigação alimentar, cada progenitor deva contribuir com metade do necessário ao sustento e manutenção dos filhos. O que recai sobre cada um dos cônjuges é o dever/responsabilidade de assegurar, na medida das suas possibilidades, o necessário ao sustento e manutenção do filho, sendo que o princípio constitucional da igualdade de deveres se realiza através da proporção da contribuição, ou seja cada um dos progenitores deverá contribuir na proporção das suas capacidades económicas.[3]
Acresce que depois de fixados os alimentos pelo tribunal ou por acordo entre os interessados, podem os mesmos ser reduzidos ou aumentados se as circunstâncias que determinaram a sua fixação se modificarem – cfr. art. 2012º do Cód. Civil.
Acontece que é precisamente esta a situação que se verifica no caso “sub judice”.
Com efeito, o ora recorrente logrou demonstrar que a sua situação económica é hoje mais débil do que o era aquando da fixação do montante da prestação alimentícia, a favor da sua filha D…, em 270,00€ mensais.
A diminuição do seu poder económico ficou a dever-se ao nascimento de uma outra filha, resultado de um novo casamento e à penhora de 1/6 do seu vencimento, concretizada na importância de 341,66€.
Tal penhora, verificada no âmbito do proc. nº 5320/05.5YIPRT do 2º secção do 1º Juízo de Execução do Porto, ocorreu na sequência do incumprimento de um contrato de “empréstimo” contraído por um irmão da requerida C… para aquisição de habitação própria em que o ora recorrente foi fiador.
Por outro lado, também a situação da requerida se alterou, uma vez que deixou de estar desempregada e passou a auferir rendimentos de montante variável em virtude de trabalhar em França como empregada doméstica.
Na sentença recorrida, ponderando-se este novo contexto e tendo-se sempre em vista o binómio possibilidades do devedor e necessidades do credor, entendeu-se de acordo com as regras da equidade reduzir o montante da prestação alimentícia do progenitor de 270,00€ para 200,00€ mensais, solução que diga-se, desde já, se mostra adequada.
Não se ignora que fixar o concreto montante de uma prestação alimentícia devida a menor é tarefa que, na ausência de critérios rígidos de cariz matemático, se revela frequentemente plena de dificuldades.
A equidade terá que ser assim o critério orientador do julgador, aliás de acordo com a natureza dos processos em que estão em apreciação responsabilidades parentais que são considerados de jurisdição voluntária. Ora, nestes processos o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna – cfr. arts. 1410º do Cód. Civil e 150º da OTM.
Pretende o requerente, em sede de recurso, que a prestação alimentícia a seu cargo seja ainda objecto de uma maior redução, vindo a circunscrever-se no montante mensal de 125,00€.
O seu argumentário centra-se num quadro de grandes dificuldades económicas, proveniente das razões já acima indicadas. É certo que a vida económica do recorrente se complicou, mas essa situação foi adequadamente valorada pelo tribunal recorrido ao reduzir a prestação alimentícia de 270,00€ para 200,00€ mensais.
Diminuir-se ainda mais tal prestação mensal seria, isso assim, inadequado.
É que não se pode olvidar que o recorrente B… aufere um vencimento bruto de 2.050,00€, mas mais do que isso desempenha um cargo de chefia numa empresa multinacional do sector da distribuição (“L…”), onde, em regime de contrato “efectivo”, trabalha há 14 anos e possui uma licenciatura em gestão, elementos estes que decorrem do seu recibo de vencimento junto a fls. 107 e também do relatório social constante de fls. 165 e segs.
Por isso, não se nos afigura minimamente sustentável que este se pretenda colocar num patamar de rendimentos semelhante ao da requerida C…, sua ex-mulher, que, ao cabo e ao resto, se limita a trabalhar, a horas, como empregada doméstica em França, sendo variáveis e incertos os seus rendimentos.
Por outro lado, não pode deixar de se sublinhar, na sequência do que já atrás se escreveu, que aos progenitores se exige que assegurem as necessidades dos seus filhos menores com prioridade sobre as próprias e que desenvolvam esforços para lhes poderem proporcionar as condições económicas que melhor se adequem ao seu harmonioso crescimento.
Deste modo, atendendo a que as alterações ocorridas na vida do recorrente, decorrentes do nascimento de um outro filho e da penhora de 1/6 do seu vencimento, já foram devidamente tidas em conta na sentença recorrida, nada justifica que por via de tais alterações se reduza ainda mais a prestação alimentícia mensal a seu cargo.
Consequentemente, é de manter na íntegra a sentença recorrida, assim improcedendo o recurso interposto.
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Sintetizando:
- O conteúdo da obrigação de alimentos que impende sobre os progenitores não se restringe à prestação mínima e residual de dar aos filhos um pouco do que lhes sobra, mas antes no de que se lhes exige que assegurem as necessidades dos filhos menores com prioridade sobre as próprias e que desenvolvam esforços para lhes poderem proporcionar as condições económicas adequadas ao seu sadio, harmonioso e equilibrado crescimento.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo requerente B…, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente.

Porto, 29.11.2010
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
Márcia Portela
Manuel Pinto dos Santos
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[1] Deixa-se consignado que, na reprodução da matéria fáctica dada como provada e não provada, se procedeu à correcção de algumas pequenas gralhas que a mesma continha e que dela não consta, o que se manteve, o facto provado 8º.
[2] Cfr. Acórdãos da Relação do Porto de 14.6.2010, p. 148/09.6 TBPFR.P1 e de 28.9.2010, p. 3234/08.6 TBVCD.P1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[3] Cfr. Ac. Rel. Porto de 28.4.2009, p. 1535/07.0 TMPRT.P1, disponível in www.dgsi.pt.