Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5500/05.3TJLSB.L1-6
Relator: MARIA MANUELA GOMES
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO
REMUNERAÇÃO
COMISSÃO
CONCLUSÃO DO CONTRATO
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/14/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- A contraprestação a pagar pelo comitente à entidade mediadora depende da conclusão e perfeição do negócio a celebrar entre aquele e o terceiro angariado, devendo a actividade mediadora ser causal do resultado produzido.
II- Efectivamente, o pagamento da comissão acordada encontra-se ligado à conclusão de negócio pretendido, no caso a projectada venda, sendo que, quando a mediadora não tem a exclusividade da mediação, o que quer dizer que os vendedores podem realizar o negócio projectado quer por eles próprios quer através de outra empresa mediadora, mais se exige a conclusão daquele.
III - Ao referido não obsta o facto de se ter consagrado, na cláusula 4ª do contrato, que a autora teria direito à remuneração, ainda que o proprietário desistisse da projectada venda, desde que a mediadora assegurasse ou tivesse assegurado comprador para o imóvel nas condições propostas.
IV- É que, em causa está uma cláusula contratual geral violadora da norma imperativa reguladora da remuneração no contrato de mediação imobiliária e, como tal nula, por virtude do disposto no art. 294º do C. Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório.
1. A ( SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, Lda ), intentou, no dia 7.11.2005, no Tribunal Cível de Lisboa, acção declarativa, com processo comum sob a forma sumária, contra B e C , pedindo a condenação dos Réus a pagar-lhe a quantia de € 8.035,78, correspondentes ao valor de comissão por mediação imobiliária (€ 7.973,00), juros de mora vencidos de 17 de Novembro de 2004 a 24 de Outubro de 2005, no montante de € 62,78, e ainda os juros de mora vencidos desde aquela data, à taxa legal, até integral e efectivo pagamento.
Alegou, em síntese, que, a solicitação dos Réus, celebrou com eles um contrato de mediação imobiliária, sem exclusividade, para venda de um imóvel dos mesmos, sito na R. …, em Lisboa, tendo a Ré prestado os serviços acordados, designadamente a angariação de compradores para o dito imóvel e a elaboração do respectivo contrato de compra e venda; contudo, no dia da assinatura do mesmo, os réus desistiram da realização de negócio.
Pelos serviços prestados é devida à autora uma comissão no valor de € 7 973,00, conforme factura oportunamente enviada e não paga, acrescida dos juros de mora desde 17.11.2004.
A autora terminou pedindo a condenação dos réus a pagarem-lhe as ditas quantias.
Os Réus contestaram e deduziram pedido reconvencional.
Negaram a realização de qualquer contrato com a autora, afirmando que apesar da autora ter contactado o réu com a finalidade de intermediar na venda do imóvel mencionado e de terem acertado verbalmente as condições, o acordo ficou para ser reduzido a escrito e assinado, o que não aconteceu.
Mais alegaram ser falsa a assinatura atribuída ao réu marido e invocaram que o contrato de compra e venda proposto não chegou a realizar-se por os compradores não terem conseguido, em tempo, obter o crédito bancário necessário, razão pela qual os réus não aceitaram adiamentos pedidos e, em 15.11.2004, comunicaram à autora que iam vender o imóvel a terceiros.
Em sede de reconvenção, os Réus pediram a condenação da Autora a pagar-lhes a quantia de € 6.900,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais gerados com a degradação da imagem e nome de ambos, nas respectivas actividades profissionais, pelo alegado incumprimento contratual.
A Autora respondeu ao pedido reconvencional, invocando, basicamente, não poder ser devida qualquer indemnização aos réus pelo exercício justificado da cobrança judicial de um crédito e que os réus nem sequer concretizaram os danos e como chegaram ao valor pretendido.
Concluíram com o pedido de improcedência da reconvenção.
Corridos os subsequentes termos processuais, foi proferida sentença a julgar a acção procedente e a condenar os réus no pedido – comissão, juros de mora vencidos até 24 de Outubro de 2005 (€ 7973,00 + € 62,78) e, a partir daí até integral e efectivo pagamento.
E, julgando improcedente a reconvenção, absolveu a Autora do pedido reconvencional.
Inconformados, apelaram os Réus.
Alegaram concluindo que:
A) Os réus vêm recorrer da sentença tanto no que toca à sua condenação, como no que respeita à absolvição da autora do pedido reconvenção.
B) A sentença deu como provados os seguintes factos:
b.1) Em 7 de Outubro de 2004, a Autora e os Réus B e C, celebraram um contrato escrito de mediação imobiliária (fls.14 e verso) assinado pelo punho do réu; b.2) Em 15 de Novembro de 2004, data em que tinha sido acordada para a assinatura do contrato promessa, os Réus declararam que desistiam do negócio; b.3) Em 15 de Novembro de 2004, data em que tinha sido acordada para a assinatura do contrato promessa, os Réus declararam que desistiam do negócio; b.4) A Autora pediu sucessivos adiamentos para a assinatura do contrato sem oposição dos Réus.
C) Houve errada apreciação da prova, porquanto foram dados provados os factos acima identificados de b.1 a b. 4., porquanto não foi produzida prova testemunhal nem documental, que fundamentasse tal juízo de valor.
D) A assinatura do contrato de mediação foi impugnada pelo Réu cabia à autora nos termos do artigo 374°, n° 2 do Código Civil, a prova de que a assinatura que consta do documento é verdadeira.
E) A assinatura do Réu C não foi reconhecida e sobre esta matéria foram inquiridas apenas duas testemunhas da Autora, que confirmam que o Réu … assinou tal documento.
F) No entanto, não existe qualquer semelhança entre a assinatura do Réu C no contrato e a que consta da cópia do bilhete de Identidade, também junta aos autos.
G) Ora, custa a crer que a Autora não tenha exigido sequer ao Réu que, no contrato de mediação imobiliária, assinasse conforme o Bilhete de Identidade.
H) Não sendo a assinatura que consta do contrato reconhecida notarialmente, nem tendo sido objecto de perícia (e porque sempre impugnada pelo Réu C ), para prova da sua autoria não é suficiente a produção de prova testemunhal, até porque a fls. 120, consta a assinatura do Réu … na cópia do Bilhete de Identidade (em nada semelhante à assinatura que consta do Contrato de Mediação imobiliária).
I) A Ré B não outorgou o referido contrato nem a autora provou ter recebido qualquer autorização, ordens ou instruções da Ré mulher, relativo à venda do imóvel.
J) Não foi produzida prova testemunhal ou documental de que a Ré proprietária B teve qualquer intervenção no contrato de mediação imobiliária. Pelo contrário resulta até do depoimento da testemunha 1 da Autora, que aquela nunca contactou com a autora, nem com o potencial interessado.
k) Também não deveria ter ficado provado os factos descritos nestas conclusões b. 2 e b. 3, porquanto não foi produzida prova testemunhal ou documental que nas referidas datas, desistiam do negocio e que a Autora pediu sucessivos adiamentos para a assinatura do contrato sem oposição dos Réus.
L) Ora, o depoimento da testemunha 1 , sempre foi no sentido de que todas as negociações foram feitas apenas entre a mesma e o Réu marido e nunca tendo intervindo a Ré Mulher, e quanto à data de 15 de Novembro de 2004, é a agencia que envia um telegrama ao Réu marido.
M) Não deviam ter sido dados como provados os factos 2, 10 e 12 da sentença.
N) Foi, assim, violado o disposto no artigo 659°, n° 2 e 3 do Código do Processo Civil.
O) Por outro lado, a sentença não refere que o contrato de mediação imobiliária foi celebrado com regime de não exclusividade, o que permitia a que os proprietários do imóvel celebrassem outros contratos de mediação imobiliária com outras agências congéneres, o que aconteceu na situação em causa.
P) Pelo que nunca os autores estariam obrigados a pagar urna comissão à Autora, sendo que como até a própria sentença refere, não foi sequer assinado qualquer contrato promessa e a autora não usou dos cuidados e diligência devida.
Q) Como já foi dito, à data dos factos já estava em vigor o DL 211/2004 de 20 de Agosto, e não devia, como consta, do contrato, nos termos do DL 77/99 de 16 de Março.
R) Vem a douta sentença alicerçar a condenação dos Réus na violação dos artigos 406°, n° 1 do Código Civil e artigo 762°, n° 2 do Código Civil.
S) Logo a cláusula 4, em que se alcança e fundamenta a condenação dos Réus, é nula porque a mesma que refere que "o direito à remuneração fixada na clausula anterior manter-se-á, ainda que o proprietário desista da venda, desde que a Eleitos assegure, ou tenha assegurado comprador para o imóvel nas condições propostas ou aceites posteriormente pelo proprietário."
T) Assim, sendo tal cláusula nula, porque contraria o que está previsto no artigo 18º do DL de 211/2004 de 20 de Agosto, isto é a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio usado pelo exercício da mediação.
U) Também não se aplicam as excepções previstas nos n°s. 2 e 3, conforme consta da prova produzida (documental e testemunhal).
V) Isto é, o negócio não foi celebrado por causa imputável ao cliente da empresa mediadora nem foi celebrado qualquer contrato promessa; pelo contrário a própria sentença reconhece que a autora não agiu com diligência e cuidado e não foi celebrado qualquer contrato promessa.
W) Sendo, a cláusula 4ª contrária ao disposto no artigo 18° do DL 211/2004 de 20 de Agosto, é nula de acordo com o artigo 294° do Código Civil
X) A douta sentença considerou que os Réus não cumpriram a clausula 4ª do contrato de mediação e que, por esse motivo, independentemente da concretização do negócio, teriam que pagar o valor da comissão, porque não agiram de acordo com os princípios da boa fé contratual.
Y) Não assiste razão ao Juiz a quo, porque foi violado o disposto no DL 211/2004 de 20 de Agosto, designadamente os artigos 16° e 18° do referido diploma.
Z) De acordo com o artigo 690° alínea a) e b) do C. P. C., foi violado o disposto no DL 211/2004 de 20 de Agosto nos seus artigos 16° e 18° - Certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação da capacidade e legitimidade para constar das pessoas intervenientes nos negócios que irão promover; e que prevê que a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.
AA) Também a sentença é nula de acordo com o artigo 668° alínea c) do C. P. C., porquanto condena os Réus no pagamento da comissão reconhecendo que a Autora não agiu com diligencia e cuidado no processo de mediação e não foi celebrado qualquer contrato promessa, sendo portanto contraditória a douta decisão.
BB) Assim, e pelos motivos supra expostos deverão os réus ser absolvidos do pedido da Autora com as suas legais consequências.
A recorrida contra alegou em defesa do decidido concluindo que:
1 - Os Recorrentes balizaram o recurso apresentado à apreciação de quatro questões: a) Validade do contrato de mediação; b) Condenação da R. B ; c) Validade da Cláusula 4 do contrato de mediação; d) Contradição na sentença.
2 - A A. apresentou provas que confirmaram a genuinidade do documento, não tendo os RR. apresentado qualquer prova que sustentasse a impugnação alegada.
3 - Os RR. não impugnaram a genuinidade do documento original posteriormente junto aos autos, nem das assinatura nele apostas.
4 - Ficou provado que as partes celebraram, por escrito, um contrato de mediação, e que este foi assinado pelo R. C.
5 - A R. B não assinou o contrato de mediação mas tinha completo conhecimento de todos os actos praticados pelo seu marido, o R. C, e era parte no contrato.
6 - A alegação de ilegitimidade processual da R. B configura um abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, porquanto, a existir uma irregularidade formal esta era conhecida pelos RR. logo aquando da celebração do contrato, mas só depois de beneficiarem do cumprimento do contrato pela A., é que os RR. alegam tal irregularidade formal, que já antes conheciam, para se eximir ao cumprimento da sua prestação contratual.
7 - A nulidade da Cláusula n.º 4 do contrato de mediação não pode ser alegada em sede de recurso, pois nunca foi alegada na defesa apresentada pelos RR.
8 - Os recursos não se destinam a apreciar questões novas, que não tenham sido submetidas pelos Recorrente ao tribunal de que se recorre, mas apenas a reapreciar uma questão decidida ou que deveria ter sido decidida pelo tribunal a quo.
9 - A arguição da nulidade do contrato, ou de uma cláusula do contrato, que serve de causa de pedir deve ser feita na contestação, onde deve ser concentrada toda a defesa, e não apenas nas alegações de recurso.
10 - Não se verifica nenhuma contradição na sentença do Tribunal a quo.
11 - A rescisão do contrato de mediação pretendida pelos RR. nunca se fundamentou em nenhuma alegação de falta de diligência ou cuidado, tendo-se fundamentado na suposta falta de compradores para o imóvel, o que se provou ser falso.
12 - A observância pela A. de todos os deveres de diligência e cuidado não tem relevância para a causa.
13 - Tendo-se dado por provado que a A. cumpriu a sua prestação contratual ao concluir a mediação.
14 - Os RR. estavam obrigados a cumprir o contrato celebrado, ou seja, remunerar a A. pelo serviço prestado, e a proceder de boa-fé nas suas relações contratuais com a A.
15 - Os RR. não apresentaram nenhum fundamento legítimo ou justa causa para o não cumprimento da sua prestação contratual.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Matéria de Facto
2. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1- A Autora, A , dedica-se à actividade de intermediação imobiliária.
2 - No âmbito dessa actividade, em 7 de Outubro de 2004, a Autora e os Réus, B e C , celebraram um contrato escrito de mediação imobiliária (fls. 14 e verso), assinado pelo punho do Réu, constando do seu clausulado, para além do mais, que “A promoção da venda far-se-à em regime de Não Exclusividade (cl. 3ª)).
3 - Para que a Autora actuasse como intermediária dos Réus na venda de um imóvel destes, sito na Rua D. …., em Lisboa.
4 - Nos termos do contrato mencionado, o direito à remuneração da mediadora manter-se-ia ainda que o proprietário desistisse da projectada venda, desde que a mediadora houvesse assegurado comprador para o imóvel nas condições propostas, ou aceites posteriormente, pelo proprietário do imóvel (cláusula 4, fls. 14 verso).
5 - A Autora intermediou os futuros compradores – os Senhores L.P e M.P – para assegurar a venda daquele imóvel dos Réus.
6 - Em 15 de Outubro de 2004 foi realizada a 1.ª visita ao imóvel, com aqueles futuros compradores e uma colaboradora da Autora.
7 - Os futuros compradores – os Senhores L.P, e M.P – manifestaram interesse na compra do imóvel, facto que a Autora comunicou aos Réus.
8 - A Autora reuniu-se com o Réu e os mencionados futuros compradores, tendo formalizado um contrato-promessa de compra e venda relativo ao imóvel já identificado.
9 - A colaboradora da Autora, Dr.ª M.S., deslocou-se ao referido imóvel, com o Réu e um representante da Sociedade M., a fim de ser efectuada a avaliação do imóvel (fls. 16).
10 - Em 15 de Novembro de 2004, data que havia sido acordada para a assinatura do contrato-promessa, os Réus declararam que desistiam do negócio.
11 - A Autora emitiu uma factura para o pagamento dos serviços por si prestados aos Réus, a título de comissão, no valor de € 7.973,00.
12 - A Autora pediu sucessivos adiamentos para a assinatura do contrato, sem oposição dos Réus.
13 - Os Réus comunicaram à Autora que iriam vender o imóvel a terceiros, como fizeram.
O Direito.
3. Face às conclusões da alegação dos recorrentes, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, as questões a apreciar são as seguintes:
- Alteração dos factos tidos como provados, constantes dos pontos 2, 10 e 12 da matéria de facto.
- Ónus da prova da autenticidade da assinatura do particular subscritor do contrato de mediação.
- Nulidade da sentença nos termos do art. 668º al. c) do CPC.
- Validade ou não do contrato de mediação e respectivas consequências.
3.1. Começam os recorrentes por invocar que o Tribunal recorrido errou ao dar como provados os factos que enunciou sob os nºs 2, 10 e 12, por não ter sido produzida prova testemunhal nem documental susceptível de os fundamentar.
Ou seja, questionam, em primeiro lugar, a prova da celebração do contrato de mediação entre eles e a autora e a autenticidade da assinatura aposta no escrito que o formalizou, e atribuída ao réu marido (ponto 2), a desistência de contratar na data acordada para a outorga do contrato-promessa – 15.11.2004 (ponto 10) e a não oposição dos réus aos sucessivos pedidos de adiamentos feitos pela autora (ponto 15).
E, para tanto, invocam falta de prova (quer testemunhal, quer documental), alegando ser insuficiente a prova feita por duas testemunhas da autora, que declararam ter presenciado o acto da assinatura do réu, bem como a falta de prova da intervenção da ré no contrato, tanto mais que, mesmo do depoimento da testemunha 1, da autora , resulta que todas as negociações foram feitas apenas com o réu e que a data mencionada para a outorga do contrato-promessa foi da iniciativa da autora e comunicada por fax aos réus.
Sem razão.
Vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre (artigo 655º do Código de Processo Civil), segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
Segundo este princípio, que se opõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas.
Além deste princípio, que só cede perante situações de prova legal - prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais -, vigoram ainda os princípios da imediação, da oralidade e da concentração, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto, ampliados pela reforma processual operada pelo DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as subsequentes alterações, deve em situações de dúvida acompanhar o decidido, pois é o julgador da 1ª instância quem, face a face com a testemunha, melhor se pode aperceber da clareza, espontaneidade ou da hesitação e da convicção da mesma.
Ora, à luz do disposto no artigo 712º nº 1 do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, aplicável ao caso face à data da propositura desta acção - ocorrida em 7.11.2005 - a decisão sobre a matéria de facto pode, além do mais, ser alterada em sede de recurso se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º-A, a decisão com base neles proferida (al. a)).
No caso ocorreu gravação da prova e os recorridos fundam o seu juízo de desconformidade na inexistência de prova e no depoimento da testemunha da autora , 1, que referenciam devidamente e transcreveram.
Só que, ouvida a totalidade da prova gravada e vistos os documentos juntos aos autos, particularmente o escrito que formalizou o contrato de mediação invocado, cujo original consta de fls. 115 e 116, não se vislumbra qualquer razão para alterar os pontos da matéria de facto referenciados pelos recorrentes.
È certo que o réu negou ter subscrito o documento corporizador do contrato de mediação em causa e invocou que a rubrica nele aposta e a si atribuída não tem semelhança com a assinatura constante do seu bilhete de identidade, cuja cópia também foi junta aos autos.
Mas é sabido que a rubrica é uma assinatura abreviada/simplificada, que a mais das vezes, e na generalidade dos casos, pouca ou quase nenhuma coincidência tem com a assinatura exigida nos documentos oficiais e, particularmente no bilhete de identidade, que é o documento oficial nacional de identificação por excelência.
Sendo pormenorizado e convincente o depoimento das testemunhas da autora que referiram ser do punho do réu a rubrica aposta no contrato, razão não se vê para alterar o ponto 2 da matéria de facto provada.
E se é certo que a ré não subscreveu o contrato de mediação em causa, a circunstância dos réus serem casados, viverem juntos, e terem entregue à autora fotocópia dos respectivos bilhetes de identidade e dos denominados cartões de contribuinte – fotocópia que foram apresentadas pela autora e estão juntas a fls. 119 e 120 – permite concluir (presunção judicial) que ambos quiseram vincular-se com aquela para efeitos da mesma se obrigar a conseguir interessados na aquisição do imóvel em causa.
No mais, visto o relativamente curto espaço de tempo que decorreu entre a outorga pelo réu do contrato de mediação – 7.10.2004 – e a data proposta para a assinatura do contrato-promessa – 15.11.2004 – e visto o conjunto da prova produzida, designadamente o depoimento também do promitente comprador e o teor dos documentos de fls. 131 e 18, que são coincidentes com a versão dos factos apresentadas pelas testemunhas da autora, não se descortina motivo para alterar os factos constantes dos restantes pontos da matéria de facto postos em crise pelos recorridos.
Improcede, desta forma, a argumentação dos recorrentes, no que respeita à pretendida modificação dos pontos indicados da matéria de facto tida como provada na sentença.
3.2. Adquirida para os autos a prova da subscrição pelo réu do contrato em causa, irreleva a questão suscitada pelos recorrentes relativa ao ónus da prova da autenticidade da assinatura.
O ónus da prova traduz-se, “para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte) (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1956, pág. 184).
É esta a situação. Feita pela autora a prova de que o contrato foi subscrito pelo réu, o tribunal não tem de recorrer aos critérios legais do ónus da prova para firmar o facto.
3.3. Os recorridos arguíram ainda a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão invocando para tanto que o tribunal os “condenou no pagamento da comissão reconhecendo que a Autora não agiu com diligencia e cuidado no processo de mediação e não foi celebrado qualquer contrato promessa”.
Funda-se, portanto, no disposto na alínea c) do nº 1 do art. 668º do CPC.
Como repetidamente é afirmado, tanto pela doutrina como pela jurisprudência, a nulidade prevista no dito segmento normativo do art. 668º, traduzida na oposição entre os fundamentos e a decisão só se verifica quando, no processo lógico, há um vício real no raciocínio do julgador, na medida em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.
Não ocorre, por isso, mesmo nos casos de erro de julgamento, quando a decisão assenta num discurso lógico, limitando-se a decidir no exacto sentido preconizado pela respectiva fundamentação sem qualquer quebra ou desvio de raciocínio que permita detectar a existência de visível contradição entre as premissas e a conclusão.
Ora, o facto de se ter referido na sentença, precisamente para justificar a condenação dos réus no pagamento da remuneração acordada, que a mediação fora “concluída pela Autora e o negócio estava em condições de ser concluído”, acrescentando-se, a seguir, “o que não significa que a autora tenha agido com observância de todos os deveres de diligência e cuidado” - referindo-se seguramente a menos escrupuloso cumprimento de deveres funcionais que lhe estão legalmente cometidos no exercício da actividade para que está licenciada (cfr. art.s 5º e 16º do DL nº 211/2004) - não quebrando em nada a linha de raciocínio que assentava no reconhecimento do cumprimento do sinalagma contratual por parte da autora e no incumprimento do mesmo por parte dos réus, a justificar, por isso a condenação deles, não constitui claramente o vício apontado à sentença.
Aliás, a afirmação, invocada foi, manifestamente, feita “en passant”, sem que dela se pretender, ou poder, extrair qualquer consequência jurídica e sem afectar minimamente o raciocínio lógico que - bem ou mal não interessa ao conhecimento da nulidade arguida – está subjacente à decisão.
Improcede, assim, também, a arguida nulidade da sentença.
3.4. Resta apreciar se, face aos factos apurados e à lei aplicável, a autora tem direito à remuneração pedida.
O contrato de mediação, modalidade do contrato de prestação de serviços, consubstancia uma situação em que uma das partes se obriga a conseguir um interessado para certo negócio e a aproximar o mesmo da outra parte.
É o que deriva do estatuído no nº 1 do art. 2º do citado DL 21/2004, de 20 de Agosto, aplicável ao caso (cfr. art. 58º) que dispõe:
A actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objecto seja um bem imóvel”.
Consubstancia-se no desenvolvimento de toda uma série de acções elencadas no nº 2 do mesmo preceito e tem como contrapartida uma remuneração que, nos termos do nº 1 do art. 18º do mesmo diploma, só é, em princípio, devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.
Efectivamente, dispõe o mencionado art. 18º do DL 211/2004, sob a epígrafe “Remuneração”, na parte que ora releva, o seguinte:
“1 – A remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.
“2 – Exceptuam-se do disposto no número anterior:
a) Os casos em que o negócio visado, no âmbito de um contrato de mediação celebrado, em regime de exclusividade, com o proprietário do bem imóvel, não se concretiza por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, tendo esta direito a remuneração;
b) Os casos em que tenha sido celebrado contrato-promessa relativo ao negócio visado pelo contrato de mediação, nos quais as partes podem prever o pagamento da remuneração após a sua celebração.
“3 – Sem prejuízo do disposto no nº4 [quando o contrato é celebrado com o comprador ou arrendatário], é vedado às empresas de mediação receber quaisquer quantias a título de remuneração ou de adiantamento por conta da mesma, previamente ao momento em que esta é devida nos termos dos nºs 1 e 2.
“4 - ........”.
Portanto, salvo as excepções enunciadas, o mediador só pode reclamar a remuneração, no momento em que, entre o comitente e a entidade angariada, for concluído o negócio visado pelo exercício da mediação.
Não se desconhece que já se discutiu se para a conclusão do contrato de mediação imobiliária, para efeitos de remuneração, bastava que o mediador fizesse diligências no sentido de aproximar os interessados ou se era necessário que o negócio visado se concretizasse.
Mas se dúvidas podia haver no âmbito da vigência do DL nº 285/92, de 19 de Dezembro, que começou por regular o exercício da actividade de mediação imobiliária, elas desvaneceram-se com a publicação dos diplomas que lhe sucederam - o DL 77/99, de 16.03 e o vigente DL 211/2004 – de cujas normas, atinentes ao direito à remuneração por parte da mediadora, passou a constar expressamente a exigência da conclusão e perfeição do negócio.
E tal é explicado no preâmbulo do DL 77/99, como uma necessidade de resolver “questões que no domínio da anterior legislação motivaram inúmeras reclamações por parte dos consumidores”.
Portanto, e como bem refere o acórdão desta Relação de 27.01.2004 – proc. 8291/2003-7 – proferido, todavia, no âmbito do DL 77/99, “não é suficiente que a mediadora faça diligências no sentido de aproximar os interessados na realização do negócio. (…). Em princípio será necessário que o contrato previsto seja realizado. Mas se depois não for integralmente cumprido já não será a mediadora responsável por tal incumprimento, tendo direito a receber a comissão acordada”.
Efectivamente, o pagamento da comissão acordada encontra-se ligado à conclusão de negócio pretendido, no caso a projectada venda.
E isto é tanto mais assim quanto, no caso, a mediadora não tinha a exclusividade da mediação, o que quer dizer que os vendedores podiam realizar o negócio projectado quer por eles próprios quer através de outra empresa mediadora.
O legislador do DL 77/99, e depois do DL 211/2004, quis, pela redacção que veio a dar aos preceitos atinentes à remuneração do mediador - arts. 19º e 18º respectivamente – expressamente fazer depender o direito à remuneração à concretização do negócio pela acção concreta da mediadora, pondo a cargo dela, sem remuneração, todos os seus actos que não conduzissem àquele efeito. É um risco do negócio.
No dizer do acórdão do STJ de 28.04.2009, cuja doutrina se acompanha, “O comitente só fica constituído na obrigação de remunerar o mediador se o negócio tido em vista pelo incumbente for concretizado em virtude da actividade do mediador, ou seja, a obrigação de meios que lhe incumbe há-de desembocar no resultado pretendido – a celebração do negócio para que foi mandatado o mediador – sob pena de se considerar que o contrato não almejou a perfeição e, não surtindo efeito útil a actividade do mediador – o risco, a álea negocial – não há lugar à remuneração (comissão), nem ao pagamento de despesas se o contrato for celebrado pelo incumbente com terceiro, que não se interessou pelo negócio por causa da actuação do mediador.
Em face do exposto, assente que está a não exclusividade do contrato de mediação celebrado entre as partes e a circunstância do negócio proposto não se ter realizado com o interessado conseguido por intermédio da autora, não tem esta direito a receber a quantia pedida. (neste sentido, v. ainda, o acórdão do STJ, de 27.05.2010 – proc nº 9934/03.0TVLSB.L1.S1)
E o facto de se ter consagrado, na cláusula 4ª do contrato, que a autora teria direito à remuneração, ainda que o proprietário desistisse da projectada venda, desde que a Eleitos assegurasse ou tivesse assegurado comprador para o imóvel nas condições propostas, irreleva.
Trata-se claramente de cláusula contratual geral violadora da norma imperativa reguladora da remuneração no contrato de mediação imobiliária e, como tal nula, por virtude do disposto no art. 294º do C. Civil.
Procede, desta forma, o núcleo central do recurso, embora por razões inteiramente não coincidentes com as invocadas.


Decisão.
4. Termos em que se acorda em conceder provimento ao recurso e, revogando a sentença, absolver os réus do pedido.
Custas, nas duas instâncias, pela recorrida.

Lisboa, 14 de Abril de 2011.

Maria Manuela B. Santos G. Gomes
Olindo dos Santos Geraldes
Fátima Galante