Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | DIOGO COELHO DE SOUSA LEITÃO | ||
Descritores: | TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA PRISÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/08/2025 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I. Uma das obrigações decorrentes da prestação de TIR é a do arguido comunicar ao processo qualquer alteração da sua residência ou onde pode ser encontrado. II. O facto de no decurso do inquérito o arguido ter dado entrada em estabelecimento prisional a fim de iniciar o cumprimento de pena de prisão não obsta a que se mantenha aquele seu dever. III. Assim, a notificação do mesmo para comparência em julgamento num outro processo, enviada para a morada do TIR por carta com prova de depósito é válida e não obsta à realização do mesmo na sua ausência. IV. Num crime semipúblico a desistência da queixa pelo respectivo titular, devidamente homologada pelo juiz, determina a extinção do procedimento criminal e impede que o arguido venha a ser submetido a julgamento pelo crime em questão. V. Ao ser julgado, e condenado, por tal crime, haverá que declarar nula a sentença ao abrigo da al. c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO No ..., no âmbito do processo comum n.º 609/21.9..., o arguido AA, devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento pela prática, em autoria material e na forma consumada, em concurso real, de um crime desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º1 al. b), 14.º n.º 1 e 26.º, todos do Código Penal; um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, als. a) e c), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. l), 14.º n.º 1 e 26.º, todos do Código Penal; um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal e na pena acessória de inibição de condução de veículos a motor, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, al. a), 14.º n.º 1 e 26.º, todos do Código Penal; quatro crimes de injúria agravada, previstos e punidos cada um deles pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. l), 14.º n.º 1 e 26.º, todos do Código Penal, tendo a final sido proferida sentença que: • Condenou pela prática do crime de desobediência na pena de 6 (seis) meses de prisão; • Decretou a inibição temporária da faculdade de conduzir pelo período de 6 (seis) meses • Condenou pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 10 (dez) meses de prisão; • Decretou a inibição temporária da faculdade de conduzir pelo período de 15 (quinze) meses; • Condenou pela prática do crime de ameaça agravada na pena de (quatro) meses de prisão; • Condenou pela prática dos quatro crimes de injúria agravada na pena de 1 (um) mês de prisão por cada um deles; • Condenou o arguido na pena única de 18 (dezoito) meses de prisão efectiva; • Condenou na pena acessória de proibição de conduzir única de 18 (dezoito) meses; • Condenou o arguido no pagamento das custas do processo. Inconformado com esta decisão veio o Arguido interpor recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1. O tribunal a quo condenou o arguido na pena de prisão efetiva de dezoito meses. 2. Condenou-o ainda na sanção acessória de proibição de conduzir única de 18 (dezoito) meses, 3. Mais ainda o condenou na multa processual de 2 unidades de conta €204.00 (duzentos e quatro euros), por ter faltado injustificadamente à audiência de julgamento do dia .../.../2024. 4. Porém, o arguido nunca foi notificado para comparecer às audiências de julgamento dos dias .../.../2024, .../.../2024 e .../.../2024, pois que se encontrava detido em estabelecimento prisional, pelo que as notificações deveriam ter sido efetuadas para o E.P. de ...; 5. As notificações por prova de depósito na morada indicada no TIR não podem ser consideradas válidas, pois que o arguido estava impedido de as receber; 6. E, ainda que se considerasse validamente notificado, o arguido estava impedido de comparecer pois que não dependia da sua vontade ir ou não às audiências de julgamento, antes estando dependente da sua condução sob custódia a tribunal; 7. A ausência do arguido às audiências de julgamento constitui nulidade insanável, que deveria ter sido oficiosamente declarada logo que o Tribunal tomou conhecimento do impedimento do arguido em comparecer; 8. Ao não declarar a nulidade, o tribunal a quo violou o preceituado nos artºs 61º, nº 1, alínea a) e 119º, alínea c) do Código do Processo Penal; 9. O tribunal a quo condenou ainda o arguido pela prática de quatro crimes de injúria, sendo que, anteriormente, por sentença homologatória proferida em .../.../2023 e já transitada em julgado, foi declarada extinto o procedimento criminal no que a tais crimes respeita; 10. Ao voltar a pronunciar-se sobre tais crimes, o tribunal a quo violou o princípio de ne bis in idem, bem como o artº 29º, nº 5, da Constituição e os artºs 577º, alínea i) e 580º, nº 1, do Cód. Proc. Civil aplicável ao processo penal ex vi do artº 4º do Cód. Proc. Penal; 11. Deverá, portanto, ser o arguido absolvido da prática de quatro crimes de injúrias, bem como revogada a decisão que lhe aplicou a multa processual por falta injustificada à audiência de julgamento; 12. Deverá ainda ser considerada a nulidade insanável das audiências de julgamento que tiveram lugar nos dias .../.../2024, .../.../2024 e .../.../2024. NESTES TERMOS, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V.Exªs, deverá a douta sentença recorrida ser revogada. * O recurso foi admitido por despacho proferido a ... de ... de 2024, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo. * Pelo Ministério Público foi apresentada resposta, na qual, formula as seguintes conclusões (transcrição): 1. O Recorrente interpôs recurso do Despacho proferido em ........2024, alegando que foi condenado em multa no valor de 2 (duas) UC por ter faltado à audiência de julgamento designada para essa data, porém, tal recurso carece de sentido, na medida em que, naquela data não foi proferido qualquer Despacho com tal teor, impondo-se a sua improcedência liminar. 2. O Recorrente foi, na verdade, condenado no pagamento de uma multa processual no valor de 2 (duas) UC por falta injustificada à sessão de julgamento que teve lugar em ........2024, todavia, o presente recurso apresenta-se como extemporâneo, porquanto por forma a por em crise tal decisão, devida o Recorrente ter interposto recurso autónomo da mesma, no prazo de 15 (quinze) dias após a sua prolação, conforme impõe o artigo 27º, n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais o que não ocorreu, pelo que deverá o presente recurso ser, também, por esse motivo, julgado improcedente. 3. O facto do Recorrente se encontrar recluso no ... não inviabiliza a sua regular notificação para comparência por via postal, uma vez que as várias notificações que lhe foram endereçadas foram remetidas para a morada constante no TIR. 4. Analisadas as notificações expedidas ao Recorrente para comparência nas sessões de audiência de julgamento que tiveram lugar em ........2024, ........2024 e ........2024, verifica-se que as mesmas foram remetidas para a morada indicada no TIR [referência eletrónica n.º 25793395, n.º 26413043 e n.º 26696530]. 5. Da conjugação dos artigos 113º, n.º 3 e 196º, n.º 2, n.º 3, alíneas c) e d) e n.º 5, alíneas c) e e) do Código de Processo Penal, resulta que, em virtude de ter prestado TIR, passou a impender sobre o Recorrente a obrigação de comunicação de qualquer alteração à morada ali indicada para recepção de notificações, neste caso a sua situação de reclusão, sob pena de se considerar regularmente notificado por via postal. 6. Tendo sido as notificações para comparência em audiência de julgamento enviadas para a morada constante no TIR prestado pelo Recorrente, deve considerar-se o mesmo regularmente notificado, inexistindo qualquer violação do artigo 61º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal e não se verificando a nulidade invocada, encontrando tal entendimento respaldo no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 21/05/2024, no âmbito do processo n.º 6/20.3MLSBA. L1-5, in www.dgsi.pt. 7. Resulta da acta de audiência de julgamento que teve lugar em ........2024 que os ofendidos BB e CC manifestaram intenção de desistir da queixa apresentada contra o Recorrente pelos dois crimes de injúria agravada cometidos contra cada um deles, sendo que tais desistências foram homologadas pelo Tribunal a quo nessa mesma diligência, após se ter observado o formalismo exigido pelos artigos 116º, n.º 2 do Código Penal e 51º, n.º 3 do Código de Processo Penal. 8. O crime de injúria agravado, previsto pelos artigos 181º, n.º 1 e 184º, por referência ao artigo 132º, n.º 2, alínea l) do Código Penal, reveste natureza semi-pública, por força do disposto no artigo 188º daquele diploma legal. 9. A desistência de queixa implica a extinção do procedimento criminal, pelo que não devia o Recorrente ter sido condenado pela prática de quatro crimes de injúria agravada, assistindo-lhe razão nesta parte. 10. A Sentença deverá ser alterada, absolvendo-se o Recorrente da prática dos quatro crimes de injúria agravada e alterando-se o cúmulo jurídico em conformidade. Termos em que deve ser dado provimento parcial ao presente recurso, mantendo-se a decisão de condenação do Recorrente em multa processual por falta injustificada a audiência de julgamento, mas declarando-se parcialmente nula a Sentença em crise, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA! * Remetidos os autos a este Tribunal da Relação de Lisboa, pela Procuradora-Geral Adjunta foi lavrado parecer, no qual se limita a aderir à resposta apresentada pelo Ministério Público da primeira instância. Cumprido o preceituado no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais foi alegado. Colhidos os vistos legais e realizada a audiência a que alude o artigo 423.º do Código de Processo Penal, cumpre decidir. * II – FUNDAMENTAÇÃO São os seguintes os factos emergentes da tramitação processual e que relevam para a apreciação deste recurso: 1. No dia ... de ... de 2021, na ..., da Divisão Policial da Amadora, pertencente ao Comando Metropolitano de Lisboa da Polícia de Segurança Pública, o aqui Recorrente foi constituído arguido, tendo nesse acto prestado Termo de Identidade e Residência. 2. Para esse efeito indicou como sua morada de residência, e também para efeito de notificações, a «..., Código Postal: 2650 137 AMADORA (zona: ...)». 3. Foi ainda dado conhecimento ao arguido das seguintes obrigações que sobre si impendiam: • Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei obrigar ou para tal for devidamente notificado; • Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias, sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado; • De que as posteriores notificações ser-lhe-ão feitas por via postal simples para a morada acima indicada ou para outra que entretanto vier a indicar, através de requerimento, entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do Tribunal ou dos serviços onde o processo correr termos nesse momento; • De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores, legítima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nas quais tenha o direito ou o dever de estar presente, e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art.º 333 do Código de Processo Penal; • De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena. 4. No dia .../.../2022, na sequência de notificação para comparência, o arguido foi ouvido pelo Ministério Público no Departamento de Investigação e Acção Penal – 1.ª Secção da Amadora, do Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca de Lisboa Oeste. 5. Em 19/11/2022 foi proferido pelo Ministério Público despacho final de inquérito, onde arquivou parcialmente o mesmo, tendo ainda deduzido acusação contra arguido. 6. O arguido foi notificado da acusação na morada constante do TIR, através de carta com prova de depósito (ref.ª citius 22343353, de .../.../2022). 7. Recebida a acusação, foi o arguido notificado deste despacho, e bem assim da data designada para julgamento, na morada constate do TIR, através de carta com prova de depósito, em .../.../2023 (ref.ª citius 23120360, de .../.../2023). 8. No dia .../.../2023 teve lugar audiência de julgamento, no decurso da qual, além do mais, os ofendidos declaram desistir da queixa quanto aos crimes de injúria, desistência esta que foi homologada pela Mma. Juiz por sentença. 9. Ainda na mesma audiência, pela Mma. Juiz foi proferido o seguinte despacho: Compulsados os autos constata-se que o arguido apresenta um vasto Certificado de Registo Criminal, nomeadamente com 7 condenações pelo crime de condução em estado de embriaguez. Sendo imprevisível determinar a data que tal relatório possa ser junto aos autos, adia-se a presente audiência e designa-se para o efeito, por acordo de agendas, o dia ... de ... de 2023, pelas 11:00 horas e, em caso de adiamento o dia ... de ... de 2023, pelas 09:00 horas, Notifique informando as técnicas da DGRSP a data ora designada. 10. No dia ... de ... de 2023, data aprazada para a realização da audiência de julgamento, compareceu à mesma o arguido, vindo ali a ser proferido novo despacho de adiamento nos seguintes termos: Uma vez que ainda não foi junto aos autos o relatório social do arguido, adia-se a presente audiência e designa-se para o efeito, por acordo de agendas, o dia ... de ... de 2023, pelas 09:00 horas e, em caso de adiamento o dia ... de ... de 2023, pela mesma hora. Notifique e insista pelo solicitado. 11. Em .../.../2023, na sequência de informação da ... de que «não se encontram reunidas as condições necessárias para a realização da audiência no dia de amanhã, nomeadamente oficiais de justiça disponíveis para fazer sala», foi proferido o seguinte despacho: Tendo em conta a informação que antecede dou sem efeito as datas agendadas e designo agora o dia ... de ... de 2024, pelas 13.30H, para a realização da audiência de julgamento, e o dia ... de ... de 2024, pela mesma hora, em caso de adiamento. 12. Foi expedida notificação ao arguido deste agendamento, através de carta com prova de depósito, enviada para a seguinte morada: ...). 13. No dia .../.../2024, aberta a audiência, não se encontrava o arguido presente, pelo que foi proferido o seguinte despacho pela Mma. Juiz: Uma vez que o arguido não se encontra regularmente notificado na morada do TIR, dá-se esta diligência sem efeito. Para sua realização, em concertação de agendas com o Ilustre Defensor, designa-se o próximo dia ... de ... de 2024, pelas 09h00. Em caso de adiamento, designa-se o dia ... de ... de 2024, pelas 09h00. Notifique. 14. O arguido foi notificado em .../.../2024 deste agendamento, através de carta com prova de depósito, enviada para a morada constante do TIR prestado. 15. Em .../.../2024, na sequência de informação da ... de «que não se encontram reunidas as condições necessárias para a realização desta audiência, nomeadamente oficiais de justiça disponíveis para fazer sala», foi proferido o seguinte despacho: Face à informação que antecede dou sem efeito as datas agendadas e designo agora o dia ... de ... de 2024, pelas 13.30H, e o dia ... de ... de 2024, pela mesma hora, em caso de adiamento. D.N. 16. O arguido foi notificado em .../.../2024 deste agendamento, através de carta com prova de depósito, enviada para a morada constante do TIR prestado. 17. No dia .../.../2024, aberta a audiência de julgamento, constatou-se que o arguido não se encontrava presente, tendo então sido proferido o seguinte despacho: Apesar de regularmente notificado, não se mostra presente, nem indicou as razões da sua ausência, condena-se o arguido em multa pela falta injustificada, a qual se fixa em 2UC art. 116.º, nºs. 1 e 2, do C. P. Penal. Por não se afigurar indispensável a sua presença desde o início da audiência, esta terá lugar na sua ausência art. 333.º nºs. 1 e 2, do C. P. Penal. Notifique. tendo-se iniciado, após, a produção de prova. 18. No final desta sessão do julgamento foi proferido o seguinte despacho: Por se afigurar útil para a boa decisão da causa e descoberta da verdade material notifique a testemunha faltosa bem como o arguido para comparecerem neste Tribunal no próximo dia ... de ... de 2024, pelas 09 horas, para continuação da presente audiência de julgamento, o que se designa. Desde já se designa igualmente para leitura de sentença, o próximo dia ... de ... de 2024, pelas 09 horas. Notifique. 19. O arguido foi notificado em .../.../2024 deste agendamento, através de carta com prova de depósito, enviada para a morada constante do TIR prestado. 20. No dia ... de ... de 2024 teve lugar nova sessão de julgamento, onde mais uma vez o arguido esteve ausente. 21. No dia .../.../2024 foi expedida notificação ao arguido, através de carta registada com prova de depósito, enviada para a morada constante do TIR prestado, a notifica-lo da condenação em multa por ter falta à audiência de julgamento. 22. No dia .../.../2024 teve lugar nova sessão de julgamento, com leitura da sentença, à qual o arguido voltou a não comparecer. 23. Solicitada a autoridade policial a notificação pessoal do arguido da sentença proferida, pela mesma foi informado o tribunal de que o arguido já não residia na morada constante do TIR, sendo o seu paradeiro desconhecido. 24. O tribunal veio a lograr notificar o arguido da sentença em .../.../2024, através de ofício expedido para o ..., onde aquele se encontrava recluído. 25. O arguido e ora recorrente foi colocado em liberdade no ... de ... de 2024 por então ter terminado o cumprimento da pena de prisão. 26. Cumpriu a pena de 10 meses de prisão no ..., à ordem do Processo n.º 977/21.2..., do Juízo Local Criminal de Amadora – Juiz 3, entre .../.../2023 e .../.../20241. 27. Na sequência da promoção do Ministério Público «atenta a informação de que à data da diligência o arguido se encontrava detido, promovo se considere a falta do mesmo justificada, e se dê sem efeito a sua condenação em multa», foi proferido o seguinte despacho, em .../.../2025: Como se promove. III. FUNDAMENTOS DO RECURSO Questão prévia Um dos fundamentos do recurso prende-se com a condenação em multa em que o Arguido foi condenado por ter faltado à audiência de julgamento de .../.../2024 (e não à de .../.../2024, como, certamente por lapso, alega aquele) – cfr. conclusão 3.ª do recurso. Ora, na sequência de promoção, a Mma. Juiz de primeira instância, por despacho de .../.../2025, acolheu a sugestão do Ministério Público e considerou a falta do Arguido àquela diligência justificada, dando sem efeito a condenação em multa. Desta sorte, é mister considerar existir uma inutilidade superveniente da lide relativamente a este fundamento recursório, pelo que não cuidaremos de apreciar o mesmo. Questões a decidir no recurso: Constitui jurisprudência assente que o objecto do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal de recurso, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 417.º do Código de Processo Penal), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal2, os quais devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).3 A exigência de conclusões nos recursos, quer no âmbito penal quer no contra-ordenacional, tem em vista a determinação precisa e clara por parte dos sujeitos processuais dos aspectos que, por considerados incorrectamente julgados, pretendem ver reapreciados, de modo a permitir ao Tribunal conhecer de forma sintética, mas precisa as razões do pedido que lhe é dirigido. Como se colhe dos ensinamentos DE ALBERTO DOS REIS, as conclusões são a enunciação resumida dos fundamentos do recurso, «as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação»4, sendo elas que delimitam o objecto do recurso, como acima se referiu. No presente recurso, tendo em consideração as conclusões delimitadoras das pretensões do recorrente, cumpre apreciar: I. Da verificação de nulidade insanável decorrente da falta de notificação ao arguido das datas do julgamento; II. Da violação do princípio ne bis in idem relativamente à condenação pelos quatros crimes de injúria agravada. I. Alega o Recorrente que por não ter sido notificado da audiência de julgamento que decorreu nos dias ..., ... de 2024, se verificou a nulidade insanável prevista nos artigos 61.º, n.º 1, a) e 119.º, al. c), ambos do Código do Processo Penal. Com efeito, é unânime o entendimento de que o arguido goza do direito a estar presente no seu julgamento e que a omissão da sua notificação constitui nulidade insanável5. Aliás, a obrigatoriedade da sua presença é mesmo a regra – artigo 332.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Contudo, como resulta da marcha processual acima transcrita, o Arguido foi notificado daquelas datas de julgamento através de carta registada com prova de depósito. Alega o mesmo que, não obstante, nunca chegou a tomar conhecimento dessas notificações por facto que não lhe é imputável, pois estava recluído em cumprimento de pena. Com efeito, como resultou demonstrado, o Arguido esteve preso no ... entre .../.../2023 e .../.../2024, em cumprimento de pena. Mas será tal circunstância atendível como pretende o Recorrente? Sobre situação praticamente igual àquela sub judice se pronunciou já este Tribunal, em recente decisão6. Assim, por apelo à economia de esforço, iremos seguir de perto a linha argumentativa ali explanada. O recorrente pretende a anulação do julgamento e sustenta que o mesmo foi realizado na sua ausência sem que tenha sido regularmente notificado (não foi requisitada a sua comparência ao estabelecimento prisional onde se encontrava preso). Resulta da análise do processado que: • O arguido/recorrente prestou TIR em .../.../2021 e nessa ocasião foi-lhe dado conhecimento, nomeadamente, das seguintes obrigações de: - não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias, sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado; - que as posteriores notificações ser-lhe-ão feitas por via postal simples para a morada acima indicada ou para outra, que entretanto vier a indicar, através de requerimento, entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do tribunal ou dos serviços onde o processo correr termos nesse momento; - que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores, legitima a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e, bem assim, a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333º do Código de Processo Penal. • O arguido/recorrente indicou como morada a ..., Código Postal: 2650 137 AMADORA (zona: ...). • A notificação do arguido/recorrente da data designada para a audiência de julgamento foi enviada para esta morada, tendo sido notificado em .../.../2024. • A audiência de julgamento decorreu em três sessões (.../.../2024, .../.../2024 e .../.../2024), na última das quais teve lugar a leitura do acórdão. • Todas as sessões decorreram na ausência do arguido/recorrente e na presença do seu Defensor Oficioso. • O arguido/recorrente esteve preso, em cumprimento de pena, entre .../.../2023 e .../.../2024, no ...; • O conhecimento nos autos de que o arguido/recorrente se encontrava preso ocorreu apenas com a interposição do presente recurso. Como referido em aresto do Tribunal da Relação de Guimarães7, «a garantia de um processo penal equitativo, no âmbito do qual seja assegurada a possibilidade efetiva do exercício do direito de defesa, encontra-se entre nós consagrada ao mais alto nível da hierarquia legal, nos artigos 20.º, n.º 4, e 32.º, nºs 1 e 5, ambos da Constituição da República Portuguesa; assim como no artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (que também é direito interno, por força do artigo 8º da Constituição da República)». Em concretização dessa garantia, estabelece o artigo 61.º do Código de Processo Penal: 1 - O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de: a. Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito; (…) Por conseguinte, como dissemos já, a regra é a da obrigatoriedade da presença do arguido na audiência de julgamento (artigo 332.º, n.º 1 do Código de Processo Penal), tendo a dispensa da sua presença sempre um carácter excepcional, com vista a estabelecer uma concordância prática entre as garantias de defesa e a realização da justiça penal através dos tribunais. Com efeito, dispõe aquele 332.º, n.º 1 que «é obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 333.º e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 334.º». Por seu turno, o artigo 333.º do Código de Processo Penal estabelece que: 1 - Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência. 2 - Se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, ou se a falta de arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos n.os 2 a 4 do artigo 117.º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do artigo 341.º, sem prejuízo da alteração que seja necessária efectuar no rol apresentado, e as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no n.º 6 do artigo 117.º 3 - No caso referido no número anterior, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência e, se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do n.º 2 do artigo 312º. A regular notificação exigida pelo n.º 1 deste preceito pressupõe a observância das formalidades contempladas no artigo 113.º, n.º 3 do Código de Processo Penal (tendo em conta, além do mais, a residência declarada pelo arguido aquando da prestação do TIR), do que a lei presume que o destinatário da carta depositada pelo serviço postal a recebeu e tomou conhecimento do respectivo conteúdo. Revertendo ao caso dos autos, a notificação do Arguido para comparecer à audiência de julgamento designada para o dia .../.../2024 foi efectuada por carta que foi depositada no receptáculo da morada fornecida pelo arguido no seu TIR; e bem assim a notificação para comparência nas sessões agendadas para os dias ... do mesmo ano. O Arguido entrou em situação de reclusão em .../.../2023 – depois da data em que prestou o TIR (.../.../2021), mas antes da notificação (.../.../2024) para comparecer à audiência de julgamento (designada para o dia .../.../2024) – pelo que, aquando do início da audiência de julgamento, encontrava-se preso há quase 9 meses. Apesar de o Arguido estar obrigado a comunicar, no prazo de cinco dias, a alteração da morada ou o lugar onde possa ser encontrado [artigo 196.º, n.º 3, al. b) do Código de Processo Penal] e estar ciente da advertência expressa feita aquando da prestação do TIR, de que o incumprimento dessa obrigação legitima a realização da audiência na sua ausência (artigo 333.º do Código de Processo Penal), nunca chegou a comunicar a sua situação de reclusão. Assim, em .../.../2024, bem como nas datas das sessões seguintes, mostravam-se cumpridas as formalidades para a notificação do Arguido (feita por via postal simples, enviada para a morada constante do TIR). Com efeito, tendo o Arguido a obrigação de comunicar ao processo o local onde se encontra (atentas as obrigações decorrentes do TIR por si prestado), o que poderá fazer directamente, através de requerimento enviado por via postal registada [artigo 196.º, n.º 3, al. c) do Código de Processo Penal], ou solicitar ao estabelecimento prisional que faça essa comunicação, como forma de obstar à realização do julgamento na sua ausência, não procedeu em conformidade até àquelas datas. Aqui convirá salientar ainda uma outra circunstância que agrava esta incúria do Arguido: sabia que estava pendente o julgamento, pois tinha comparecido em anteriores datas agendadas e ficado a par dos motivos que tinham determinado o adiamento do início da audiência. Não assiste assim razão ao Arguido neste fundamento recursório, havendo que considerar que, aquando da realização do julgamento, o mesmo se encontrava regularmente notificado para ao mesmo comparecer. II. Por último, invoca o Recorrente que o Tribunal a quo violou o princípio do ne bis in idem, bem como o artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa e os artigos 577.º, al i) e 580.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal. Na sua resposta o Ministério Público pugna pela procedência do recurso nesta parte. Analisemos. O arguido estava acusado, além do mais, da prática de quatro crimes de injúria agravada, previsto e punido cada um deles pelos artigos 181.º e 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal. Os ofendidos nos crimes em causa, segundo o teor da acusação pública, foram os agentes da PSP DD e EE. Em audiência de julgamento ocorrida em .../.../2023 aqueles ofendidos declararam pretender desistir das queixas-crime apresentadas contra o arguido, não se tendo este oposto, pelo que pela Mma. Juiz, atestando a validade dessas desistências, homologou-as por sentença, declarando extinto o respectivo procedimento criminal. Conforme flui do artigo 188.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, os crimes referidos têm natureza semipública, ou seja, dependem da apresentação de queixa por parte do ofendido. Assim como este é titular do direito de queixa e só após o exercício desse direito tem o Ministério Público legitimidade para o prosseguir com a acção penal (cfr. artigo 49.º do Código de Processo Penal), também goza da prerrogativa de desistir da mesma, desde que não haja oposição por parte do arguido, até à publicação da sentença da primeira instância – artigo 116.º, n.º 2 do Código Penal. Havendo desistência de queixa e proferindo o tribunal sentença homologatória, resulta precludida a possibilidade de pronúncia quanto à responsabilidade criminal, ou seja, a extinção do procedimento criminal por efeito dessa desistência acarreta naturalmente uma extinção da punibilidade, afectando esta extinção a relação jurídica punitiva e o poder de punir.8 Estava assim vedado ao Tribunal a quo prosseguir com o julgamento relativamente aos quatro crimes de injúria imputados ao arguido, fruto da extinção do respectivo procedimento criminal. Deverá então, nesta parte, proceder o recurso. A consequência óbvia da conclusão a que ora chegamos será a anulação da condenação do Arguido nas penas de 1 mês de prisão por cada um daqueles crimes. Com efeito, uma vez que o Tribunal a quo não podia conhecer dos crimes de injúria, face à extinção da respectiva responsabilidade criminal, a Sentença é nula, nos termos previstos na al. c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal. Por outro lado, a nosso ver não é a referida nulidade suprível pelo Tribunal ad quem, sob pena de se postergar o direito de recurso do arguido relativamente à nova pena que venha a ser encontrada. Assim, terão os autos de baixar à primeira instância a fim de, extirpando aquela condenação, reformular o cúmulo jurídico e fixar nova pena única para os demais crimes em concurso. IV – DECISÃO Face ao exposto, acordam os Juízes desta 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em: a. Não conhecer do recurso relativamente à condenação em multa, por inutilidade superveniente da lide; b. Julgar improcedente o recurso relativamente à invocada à nulidade insanável decorrente da não notificação do arguido para o julgamento; c. Julgar procedente o recurso no mais, anulando-se a sentença, devendo os autos baixar à primeira instância a fim de ser proferida nova decisão que não contemple os crimes de injúria agravada que constavam da acusação. Sem custas. Notifique. * Lisboa, 8 de Maio de 2025 Diogo Coelho de Sousa Leitão Rosa Maria Cardoso Saraiva (vencida conforme voto infra) Eduardo de Sousa Paiva Voto vencida relativamente à decisão aqui proferida pelas razões que enuncio. A posição que fez vencimento no presente recurso, no que tange à inexistência de nulidade insanável por falta de notificação do arguido, é respeitável. Contudo, considero, no seguimento de numerosa jurisprudência, que a questão deve ser equacionada de uma outra perspectiva, eventualmente menos formalista, mas, do meu ponto de vista, indubitavelmente mais justa. Com efeito, dos elementos constantes dos autos verifica-se que, apesar de a audiência de julgamento ter tido numerosos adiamentos, o arguido, fora do período em que esteve preso, em cumprimento de pena de prisão, sempre compareceu às diligências para que estava devidamente convocado. Aliás, foi numa dessas vezes em que o julgamento esteve marcado que os ofendidos dos crimes de injúrias desistiram da queixa, desistência que foi aceite pelo arguido e, após, devidamente homologada. Ou seja, face ao referido circunstancialismo parece existir uma ligação evidente entre a ausência do arguido na data em que se realizou a audiência e a respectiva situação de reclusão, precisamente porque não teve conhecimento da marcação de tal data. É indesmentível que se pode argumentar que cabia ao arguido, dado que se encontrava sujeito a TIR, informar o processo de que havia sido preso considerando, concomitantemente, que essa circunstância além de implicar uma alteração de domicílio emerge como alteração de morada. Ora, sendo certo que assim realmente acontece, não é menos verdade que tal alteração não constitui uma daquelas voluntárias, antes irrompendo como forçada. Neste conspecto, não é de afastar a possibilidade de que o arguido, estando preso, considere que o Tribunal que o irá julgar noutro processo tenha conhecimento dessa reclusão, não pondo sequer a hipótese de ter de comunicar uma morada que, seguramente, não considera como sendo a sua. Acresce que, no caso dos autos, até se constata que a falta de comparência do arguido se mostrou impeditiva do cabal exercício dos seus direitos de defesa, tanto mais que acabou condenado pela prática de dois crimes de injúria, sendo certo que, como supra já se disse, tinha existido desistência de queixa relativamente aos mesmos, homologada por decisão transitada em julgado. Com efeito, só no recurso, e porque o arguido foi notificado da sentença condenatória, a antedita questão foi suscitada. Ou seja, até por esse facto, esta situação deve fazer reflectir se o Estado, na sua dimensão punitiva, se está a comportar do modo mais correcto na questão atinente aos TIR dos arguidos, entretanto, presos. Na realidade, não se pode olvidar que os reclusos estão numa situação de particular vulnerabilidade – isso mesmo sendo reconhecido em tratados internacionais como as “Regras de FF” e a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e seu Protocolo Facultativo – sendo certo que no ... se prevê todo um formalismo especial para a notificação de quem se encontre em tal situação, que não é compatível com a notificação através de TIR. Aliás, por todos, veja-se, no sentido do texto, e com argumentos com que se concorda integralmente, o Ac do TRG de .../.../2018, proferido no processo nº 706/08.6GAFLG.G1, relatado por CRUZ BUCHO, in www.dgsi.pt "Na sequência do despacho que recebeu a acusação e designou data para julgamento a notificação ao arguido daquele despacho, foi efectuada por carta que foi depositada no receptáculo da morada fornecida pelo arguido no seu TIR. Ora, da prestação do TIR consta expressamente a obrigação de comunicação de nova residência pelo arguido bem como a consequência dessa não comunicação. Compulsados os autos não se descortina qualquer comunicação feita pelo arguido acerca da alteração da morada fornecida no TIR pelo que, com a remessa feita para a morada constante do TIR, à primeira vista mostram-se cumpridas as formalidades para a notificação do arguido e, em consequência, deveria o arguido ter-se como regularmente notificado, tal como foi considerado no despacho proferido no inicio da audiência. No caso em apreço, porém, o arguido encontrava-se preso e, não obstante, a notificação destinada a dar-lhe a conhecer a data e hora do julgamento foi expedida para a sua residência. Ora, em matéria de notificações desde desde há muito que o legislador teve em consideração a situação especial daquele que se encontra preso. (…) (…) o nº 1, do artº 114.º do actual CPP determina que “a notificação de pessoa que se encontrar presa é requisitada ao director do estabelecimento prisional respectivo e efectuada na pessoa do notificando por funcionário para o efeito designado”. Também o n.º 2 do artigo 332.º do mesmo Código dispõe que “O arguido que deva responder perante determinado tribunal, segundo as normas gerais da competência, e estiver preso em comarca diferente pela prática de outro crime, é requisitado à entidade que o tiver à sua ordem”. A norma constante daquele artigo 114.º é, por conseguinte, uma norma especial [a epígrafe do referido normativo não deixa dúvidas a este respeito: “Casos especiais”] que afasta a aplicação da norma geral constante do artigo 113.º Sucede, porém, que o arguido não foi notificado por funcionário, nem a sua comparência foi requisitada ao estabelecimento prisional onde se encontrava preso. É quanto basta para considerar que o arguido não fora “regularmente notificado” (artigo 333.º, n.1 do CPP). Se o arguido não foi notificado nos termos acima referidos e não compareceu na audiência de discussão e julgamento, tendo sido julgado na sua ausência, verifica-se a nulidade insanável prevista no art. 119º, n.º 1 al. c) do C. P. Penal (cfr. neste sentido o Ac. da Rel. do Porto de 2-5-2007, proc.º n.º 0612305, rel. Augusto Carvalho, in www.dgsi.pt). Mesmo encarando a questão sob outra perspectiva chegaremos a idêntica conclusão. Uma vez que se encontrava e permaneceu e permanece preso, o arguido não se encontrava obrigado a comunicar a alteração da morada ou o facto de dela se encontrar ausente, atendendo a que, na verdade, não mudou de residência nem dela se ausentou – simplesmente foi preso. Dadas as limitações a que se encontra sujeito o recluso não se lhe pode exigir que comunique ao processo ou processos que tem contra si pendentes que se encontra detido. Assim sendo, mostra-se ilidida a presunção associada à notificação. Como o Tribunal Constitucional sublinhou e se repete “O interessado pode sempre ilidir a presunção de notificação mostrando que não tomou conhecimento da comunicação por motivos alheios ao incumprimento dos deveres em que, nos sobreditos termos, ficou constituído” (Ac. n.º 109/2012). Como a Relação do Porto tem vindo a salientar (cfr. por último o ac. de 4-7-2012, proc.º n.º 765/09.4PRPRT.A.P1, rel. por Joaquim Gomes e disponível in www.dgsi.pt: “A realização de audiência de julgamento sem a presença do arguido regulamentada no art. 333.º cinge-se apenas a duas situações: i) uma por iniciativa do tribunal, em virtude de ausência voluntária do arguido, que tanto pode ser injustificada como justificada, por estar impossibilitado de comparecer (n.º 1); ii) outra por iniciativa e com o consentimento do arguido (n.º 4). O mesmo já não se passa se se tratar de uma ausência forçada do arguido, não lhe sendo imputável qualquer falta relevante de diligência, que conforme posicionamento desta Relação corresponde a uma nulidade insanável, ainda que o arguido tenha prestado TIR e sido expedida notificação para a sua residência. Tal sucede “No caso de o arguido se encontrar preso e sendo essa situação do conhecimento do Tribunal, …, sendo irregular qualquer comunicação efectuada para uma das residências indicadas no TIR, enquanto perdurar essa prisão” [Ac. TRP 2007/Jan./01] ou então se “…. o arguido se encontrar preso, depois de ter sido notificado da data da audiência de julgamento, sendo por essa razão que não comparece a esta” [Ac. TRP de 2009/Out./21]”. É certo que a prisão do arguido foi ordenada no âmbito de outro processo e noutra comarca e o tribunal a quo não tinha, seguramente, conhecimento desta situação especial em que se encontrava o arguido quando procedeu à sua notificação por aviso postal. Mas esta circunstância é totalmente irrelevante para a decisão da causa. Como justamente se observou no douto Ac. da Rel. de Coimbra de 9-2-2011 “É certo que o tribunal não tinha conhecimento desta conjuntura quando enviou a notificação, mas isso em nada altera a situação, uma vez que foi o próprio Estado que, emaranhado nas teias da burocracia que ele próprio desenvolve, não criou as condições para que esse conhecimento estivesse ao alcance do Órgão Tribunal, que era a entidade competente para levar a cabo a mesma. E disso não tem o arguido culpa. Aliás, o próprio Estado reconhece que, estando alguém preso as regras da notificação têm que sofrer alterações: é o que resulta do nº 1, do artº 114º, onde se determina que “a notificação de pessoa que se encontrar presa é requisitada ao director do estabelecimento prisional respectivo e efectuada na pessoa do notificando por funcionário para o efeito designado”. Conclui-se, deste modo, que o arguido não foi notificado para um acto – audiência de julgamento – cuja presença, sem prejuízo das ressalvas contempladas na lei, é obrigatória. Por isso, foi cometida a nulidade prevista na alínea c) do n.º1 do artigo 119º. do CPP. Na verdade, conforme entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme, a ausência do arguido a que se refere o artigo 119.º, nº1, al. c) do CPP não se reporta apenas à mera ausência física, mas também à ausência do acto ou diligência processual (notificação) que coarcte ao arguido a possibilidade de escolha de estar ou não presente em julgamento – neste sentido, cfr., v.g., Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Civil, Lisboa, 2007, pág. 310, os Acs do STJ de 10-1-2001, proc.º n.º 10343/00-3ª, rel. Cons.º Santos Monteiro, in www.pgdlisboa.pt., de 4-10-2006, proc.º n.º 06P2048, Cons.º Silva Flor, e o Ac. da Rel. do porto de 19-4-2006, proc.º n.º 0545429, rel. Isabel Pais Martins, ambos in www.dgsi.pt. Esta nulidade, mesmo que não fosse invocada, deveria ser oficiosamente declarada, sendo certo que essa declaração torna inválido o acto em que se verificou, bem como os que dela dependem (artº122.º, nº1, CPP), o que importa a anulação do julgamento e do subsequente processado com ele relacionado (artº 122.º, nº 1). No mesmo sentido do agora decidido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Coimbra de 9-2-2011, proc.º n.º 522/01.6TACBR, rel. Luís Ramos, os acs da Rel. do Porto de 2-5-2007, proc.º n.º 0612305, rel. Augusto Carvalho, de 17-1-2007, proc.º n.º 0416187, de 21-10-2009, proc.º n.º 225/08.0GBVNG.P1, de 12-1-2011, proc.º n.º 508/10.0GAMA1.P1, de 16-5-2012, proc.º n.º 280/10.3SMPRT.P1, de 4-7-2012, proc.º n.º 765/09.4PRPRT.A.P1, todos rel. por Joaquim Gomes e disponíveis in www.dgsi.pt e o Ac. da Rel. de Lisboa de 23-11-2011, Proc. n.º 322/07.0peoer-A.L1 3ª Secção, rel. Telo Lucas, in www.pgdlisboa.pt." Ou seja, no caso dos autos, pelas razões explanadas, julgaria verificada a nulidade insanável prevista no art. 119º, 1, al. c) do CPPE, com a consequente anulação do julgamento. _______________________________________________________ 1. Informação obtida oficiosamente junto do Proc. n.º 1148/19.3TXLSB, do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa – Juiz 6, que foi quem emitiu o mandado de libertação junto aos presentes autos em .../.../2024 (ref.ª citius 26637009). 2. Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, Diário da República – I Série, de 28/12/1995. 3. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/01/2015 (Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5.ª Secção). 4. Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra, 1981, pág. 359. 5. Vide, por todos, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 08/02/2022, Proc. 591/18.0PALGS.E1 (www.dgsi.pt). 6. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21/05/2024, Proc. 6/20.3SMLSB-A.L1-5 (www.dgsi.pt), aliás citado com propósito pelo Ministério Público na sua resposta ao recurso. 7. Acórdão de 07/11/2022, Proc. 57/18.8GACMN.G1 (www.dgsi.pt). 8. Neste sentido, cfr. CAVALEIRO DE FERREIRA, Lições de Direito Penal. Parte Geral I-II, Coimbra, 2010, págs. 195-196. Ainda, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13/12/2023, Proc. 231/19.0PBLRA.C1 (www.dgsi.pt). |