Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6/23.1PJLRS-C.L1-5
Relator: ELEONORA VIEGAS (VICE-PRESIDENTE)
Descritores: DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DO RECURSO
RECLAMAÇÃO
DESPACHO DE PRONÚNCIA
FACTOS
ACUSAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO
INUTILIDADE ABSOLUTA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/12/2025
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO (405.º, CPP)
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. No requerimento de reclamação do despacho que não admitir o recurso, o reclamante deve expor as razões que justificam a admissão, sob pena de não ser conhecida a reclamação;
II. É irrecorrível a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, mesmo na parte em que aprecie a questão da incompetência territorial suscitada pelo arguido no requerimento de abertura da instrução;
III. A retenção do recurso gera inutilidade absoluta sempre que o despacho recorrido produza um resultado irreversível, seja qual for a decisão que venha a ser proferida sobre o recurso, não bastando uma mera inutilização de actos processuais.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão:

I. Relatório
AA, arguido nos autos, veio reclamar, nos termos do art. 405.º do CPP, do despacho de 8.04.2025 pelo qual não foi admitido, por intempestividade, o recurso que interpôs em 7.03.2025 e, por inadmissível, o recurso que interpôs em 13.03.2025; bem como admitiu o recurso que interpôs dos despachos de 7, 11 e 21 de Fevereiro de 2025, com subida a final.
Alega, em síntese, que o recurso apresentado deve subir imediatamente, nos termos dos artigos 407º, n.º1, n.º2, alínea c) do C.P.P., e, em separado, nos termos do artigo 406º, n.º2, do C.P.P. Sustenta estar em causa uma decisão que conflitua com as medidas de coacção e o direito à liberdade do arguido, e que a retenção do recurso o torna totalmente inútil e causa danos irreparáveis ao arguido, estando em causa apreciar a legalidade de uma decisão instrutória, quando o arguido se encontra preso preventivamente há onze meses.
Invoca a inconstitucionalidade dos artigos 310º e 407º do C.P.P. quando interpretados no sentido que: “sobe nos próprios autos com o recurso interposto da decisão que puser termo à causa, o recurso apresentado pelo Arguido, nomeadamente, da irregularidade decorrente da ilegal notificação do mandatário do Arguido para o Debate Instrutório, o qual por esse motivo não compareceu na audiência.” Ou no sentido que: “sobe nos próprios autos com o recurso interposto da decisão que puser termo à causa, o recurso apresentado pelo Arguido que não reconheceu a falsidade da ata de Debate Instrutório.” – por violação dos artigos 20º, n.º4, 28º e 32º, todos da Constituição da República Portuguesa.
Quanto à não admissão do recurso interposto em 13.03.2025, alega, em suma, que não está em causa a decisão instrutória que se pronuncia sobre os crimes pelos quais o arguido se mostra acusado, e sim um despacho prévio que aprecia uma questão de incompetência territorial do Tribunal suscitada pelo arguido.
Invoca a inconstitucionalidade do art. 310.º, n.º1 do CPP, por violação dos n.ºs 1 do artigo 32.º, da Constituição, em conjugação com o seu n.º 9, no sentido de ser irrecorrível a decisão do Juiz de instrução, proferida na decisão instrutória, que aprecie a [arguição de] nulidade decorrente da violação das regras de competência territorial do Tribunal de Instrução Criminal, suscitada pelo arguido no seu requerimento de abertura de instrução.
Cumpre apreciar.
*
II. Fundamentação
Da consulta dos autos resultam os seguintes factos com relevância para a decisão:
1. Por requerimento de 9.12.2024 o arguido AA requereu a abertura da instrução, invocando, além do mais, a incompetência territorial do Tribunal para conhecer dos autos;
2. Por despacho de 29.01.2025 foi admitido o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo arguido, indeferida a realização de diligências probatórias requeridas pelo arguido e designada data para a sua requerida inquirição – cfr. Refª 163818131;
3. Da acta de “declarações de arguido e debate instrutório (Adiamento)” de 7.02.2025 consta que “Dada a obrigatoriedade imposta pelo art.º 64.º, n.º 1, al. a) e 141.º, n.º 2, ambos do Cód. Proc. Penal, ao abrigo do disposto no art.º 3.º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de Janeiro, foi nomeado ao arguido AA, como defensora oficiosa, a Dra. BB com CP n.º ..., e ao arguido (…) que se encontravam em serviço de escala presencial e aceitaram o cargo, somente para o ato”, e o seguinte despacho:
“Mediante requerimento apresentado hoje, veio o Mandatário do Arguido AA, informar que não comparecerá hoje neste tribunal para realização do debate instrutório. Invoca em síntese, que o tribunal ao proceder ao agendamento do debate instrutório, não observou o disposto no art. 151º do CPC, que impõe a concertação do agendamento de diligências, com as agendas dos senhores advogados.
Assim, comunica que já tem uma diligência agendada para hoje, em processo com arguidos presos, juntando cópia da ata que fundamenta o invocado impedimento.
Analisada a mesma, resulta que a diligência plasmada na aludida ata, ocorreu no dia 14-1-2025, data em que foi designada data para a realização do julgamento do processo referido, para o dia de hoje. Assim sendo, foi o senhor advogado requerente quem não cumpriu, como estava obrigado, a informar prontamente este tribunal do aludido impedimento, como lhe impõe o art. 151º, nº 5 do CPC, o que deveria ter feito no dia 30 de Janeiro, quando foi notificado desta diligência, mas optou por estrategicamente, fazê-lo hoje, com o único propósito de que se atinja o prazo máximo de prisão preventiva a que está sujeito o seu constituinte, que termina no próximo dia 17 de Fevereiro.
Invoca ainda que o debate instrutório não foi agendado com a antecedência de cinco dias, como impõe o art, 279º, nº 3 do CPP, o que a seu ver traduz uma irregularidade, que argui nos termos do disposto no art. 123º do CPP.
Sucede que o prazo de três dias para o requerido efeito, já decorreu, como aliás resulta do art. 14º do requerimento apresentado hoje pelo mandatário do arguido AA, onde refere ter sido notificado da presente diligência, no dia 30 de janeiro de 2025, pelo que o prazo de três dias terminou no dia 3 de fevereiro. Assim, por ter sido extemporaneamente invocada a referida irregularidade, improcede a mesma.
A incompetência territorial, mais uma vez invocada no requerimento em causa, será decidida em sede de debate instrutório, carecendo de fundamento legal o aí arrazoado. Em relação ao indeferimento das diligências de prova, o arguido pode fazê-lo no debate instrutório, não significa isto que disponha do prazo de dez dias para reclamar sobre o invocado despacho, atendendo ao prazo que resulta do art. 279º, nº 3 do CPP.
Assim sendo, e uma vez que o mandatário do arguido AA não compareceu, adotando uma postura altamente censurável não só para com o Tribunal, já que não cumpriu a obrigação decorrente do disposto no art. 151º, nº 5 do CPC, mas também para com todos os intervenientes processuais que hoje compareceram neste tribunal, não se realizarão o interrogatório ao arguido, nem o debate instrutório, designando-se para o efeito o próximo dia 11 de Fevereiro, pelas 14:00 horas.
Notifique-se o senhor advogado faltoso, que caso não compareça na data designada, as diligências serão realizadas e o arguido será assistido por Defensor nomeado, tal como pugnado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9-4-2024, situação que já foi apreciada pelo tribunal Constitucional no Acórdão 721/2014, que considerou que tal circunstância, em situação de ostensiva urgência e necessidade, não é inconstitucional.
Notifique-se por via electrónica.”
4. Da acta de “declarações, debate e leitura da decisão instrutória” de 11.02.2025, consta que:
“Face à ausência do Ilustre Mandatário do arguido AA, Dr. CC, foi-lhe nomeado para o ato, o defensor oficioso, Dr. DD, C.P. ..., que se encontrava de escala presencial.
(…)
Mediante requerimento apresentado ontem, veio o mandatário do arguido AA, arguir a nulidade do despacho proferido na ata de 7 de fevereiro passado, nos termos do disposto no art. 120º, nº 2, al. D) do CPP, porquanto o debate instrutório foi agendado sem observar o prazo de antecedência de cinco dias previsto no art. 297º, nº 3 do CPP. Irregularidade que igualmente invoca nos termos do disposto no art. 123º do CPP.
Mais invoca o arguido que dispõe do prazo de dez dias para reclamar sobre o despacho que indeferiu as diligências de instrução, nos termos do art. 105º, nº 1 do CPP, do qual não prescinde. Mais alega que se o tribunal aguardou dois meses para decidir sobre as diligências de prova requeridas pelo arguido, esse facto não pode ser imputado ao arguido.
Refere ainda o arguido que no despacho proferido em 7 de fevereiro, o Tribunal não se pronunciou sobre a invocada nulidade do despacho que indeferiu as diligências de prova.
Cumpre apreciar e decidir:
Começando pela parte final do requerimento supra aludido, cumpre esclarecer o requerente, que o MºPº determinou que os autos fossem distribuídos para a fase de instrução, no dia 28 de Janeiro, e por despacho proferido em 29 de Janeiro, foi declarada aberta a instrução e decidido indeferir as diligências de prova requeridas pelo arguido AA, entre 28 de Janeiro e 29 de Janeiro, não decorreu dois meses, pelo que não se compreende como concluiu o mandatário do arguido que o Tribunal aguardou dois meses para decidir sobre as diligências de prova, como se refere o art. 21º do requerimento. Certamente que lavra em flagrante erro.
Em relação à alegação de que o tribunal não ter decidido, no despacho proferido no passado dia 7, sobre as agora invocadas nulidades do despacho que indeferiu as diligências de instrução. O que se confirma, atendendo a que tal nulidade não foi suscitada no requerimento apresentado pelo arguido no dia 7 de fevereiro, de onde resulta claramente do art. 35º, onde o arguido fez constar o seguinte: “Por fim, diremos que a defesa não prescinde do prazo que a lei lhe confere para reclamar do indeferimento de prova.”. Assim sendo, é obvio que nada tendo sido suscitado, nada cumpria decidir no despacho proferido no passado dia 7 de fevereiro.
Sobre a invocada nulidade do despacho que indeferiu as diligências de instrução, cumpre singelamente decidir o seguinte:
O requerido pelo arguido, não se enquadra em nenhuma das normas dos arts. 119º ou 120º, ou qualquer outra, do CPP, configurando por isso mera irregularidade, que não foi arguida no prazo a que alude o art. 123º do CPP, pelo que a existir, encontrar-se-ia sanada.
Improcede a invocada nulidade.
Finalmente, insiste novamente o mandatário do arguido que para a realização do debate instrutório não foi agendada com a antecedência mínima de cinco dias, como resulta do disposto no art. 297º, nº 3 do CPP. Mais uma vez, labora o senhor advogado em flagrante lapso, atendendo a que, como consta da ata do passado dia 7 de Fevereiro, a mesma consubstanciou um adiamento, dando-se a mesma por reproduzida, sendo certo que em relação ao adiamento, não se aplica o disposto no art. 297º, nº 3 do CPP, mas sim o disposto no art. 300º, nº 2 do CPP, que apenas prevê um prazo máximo para o agendamento da continuação do debate instrutório, mas não um prazo mínimo.
Assim sendo, soçobra o argumento invocado pelo arguido, por falta de fundamento legal.
Face à advertência feita na ata do passado dia 7 de fevereiro, dirigida ao mandatário do arguido AA, caso o mesmo não comparecesse à diligência agendada para hoje, o debate instrutório será realizado e o arguido será assistido por Defensor Oficioso nomeado.
Não tendo sido alegado qualquer impedimento (ou outra diligência para o mesmo dia com arguidos presos) por banda do mandatário que representa o arguido AA, requerente da instrução, não se vê em que medida possa ficar beliscada a salvaguarda das garantias de defesa do arguido, sendo certo que nada foi aduzido que, em concreto, permitisse concluir que só a presença do mandatário constituído seria capaz de garantir uma defesa eficaz ao arguido.
Assim, desde já se adiante que não resulta verificada a nulidade insanável constante do artigo 119º, alínea c), do Código de Processo Penal, já que no caso concreto o arguido encontra-se devidamente representado por Defensor no ato judicial em causa, nos termos possíveis face à impossibilidade de adiamento dos atos judiciais em causa, atendendo a que o prazo máximo de prisão preventiva, será atingido no próximo dia 17 de fevereiro, e à não comparência do mandatário pelo mesmo constituído.
(…)
DECISÃO INSTRUTÓRIA
(…)
II - Questões prévias suscitadas pelo arguido AA:
*
Quanto à suscitada incompetência territorial deste tribunal:
De acordo com o arguido, é competente para tramitar a presente instrução, nos termos do art. 19º, nº 1, o Juízo de Instrução Criminal de Faro, ou de Beja, por se tratar da área da consumação do crime.
Em relação à suscitada questão, cumpre referir que o crime de tráfico de estupefacientes é um crime exaurido, significa isto que se considera cometido – no sentido de completo, plenamente realizado, consumado - logo no primeiro ato de execução. Assim, desta natureza de “crime exaurido”, retirada da construção normativa do tipo incriminador, resulta que este se encontra plenamente realizado logo ao primeiro ato de tráfico, e que todos os atos subsequentes são ainda o mesmo crime.
Resultando da acusação diferentes locais, com áreas diversas, a determinação da competência territorial afere-se pelo local onde primeiro tiver havido a notícia do crime.
Assim sendo, este tribunal é territorialmente competente para tramitar a presente instrução, na medida em que foi na área desta Comarca que ocorreu a notícia do crime, como se extrai de fls. 2 dos autos, e como resulta do disposto no art. 21º, nº 2 do CPP.
Mas ainda que assim não fosse, os presentes autos têm natureza urgente atendendo a que um arguido se encontra preso preventivamente, e o prazo máximo de prisão preventiva será atingido no próximo dia 17 de Fevereiro, pelo que a tramitação da presente instrução assume a natureza de ato processualmente urgente, e a competência territorial deste Tribunal, sempre adviria do disposto no art. 33º, nº 2 do CPP.
Face ao exposto, uma vez que foi nesta Comarca que ocorreu a notícia do crime (cfr. Fls. 2), sendo este Tribunal o territorialmente competente nos termos do disposto no art. 21º, nº 1 do CPP, improcede a invocada incompetência territorial deste Juízo de Instrução Criminal, para tramitar a presente instrução.
(…)”
5. Por requerimento de 19.02.2025 o arguido “notificado do despacho de 11/02/2025, com a referência 163989327, vem arguir a NULIDADE/ IRREGULARIDADE do mesmo, e bem assim a FALSIDADE da ata de Debate Instrutório”;
6. Sobre o que foi proferido, em 21.02.2025, o seguinte despacho:
“Mediante requerimento apresentado a fls. 4019 a 4028v, veio o mandatário do arguido AA suscitar, novamente, questões que já foram decidas anteriormente, e sobre as quais nada mais cumpre acrescentar ao já decidido.
Veio ainda invocar “..a falsidade da acta de declarações, debate e leitura de decisão instrutória, assinada pela senhora juíza de direito Dra. EE, não reproduz aquilo que efectivamente se passou na diligência e consta da gravação e, por isso, é falsa…”
Desconhece-se de onde resulta a obrigação legal de transcrever para a acta o sentido das declarações do arguido, atendendo a que as mesmas se encontram registadas no sistema de gravação a que o senhor advogado subscritor do requerimento, teve acesso, pelo que inexiste a invocada falsidade da acta.
A signatária considera que tal falsidade que lhe é imputada, atinge o seu mérito profissional e honorabilidade, pelo que se determina que seja extraída certidão do requerimento de fls. 4019 e seja remetida ao MºPº para fins criminais.
DN e notifique.”
7. Por requerimento de 7.03.2025 o arguido interpôs recurso dos despachos de 29/01/2025, com a referência 16381831, 07/02/2025, com a referência 163944079 e de 11/02/2025, com a referência 163989327, e de 21/02/2025, referência 164116094;
8. Por requerimento de 13.03.2025 o arguido “notificado do despacho de 11/02/2025, com a referência 163989327, que indeferiu a Incompetência Territorial do Tribunal” interpôs recurso desse despacho;
9. Sobre o que, em 8.04.2025, foi proferido o seguinte despacho (reclamado):
Requerimento de interposição de recurso ref.ª 16395318, de 07.03.2025:
Vem o arguido AA recorrer dos despachos de 29/01/2025, com a referência 16381831, 07/02/2025, com a referência 63944079 e de 11/02/2025, com a referência 163989327, e de 21/02/2025, referência 164116094.
Vejamos:
a) Despacho de 29/01/2025, com a referência 16381831:
Neste despacho, o tribunal indeferiu os actos de instrução requeridos pelo arguido e designou data para a realização de debate instrutório.
Este despacho é irrecorrível, nos termos do disposto no artigo 291º do Código de Processo Penal, na parte em que indeferiu a realização de actos de instrução, mas o arguido dele recorre na parte em que se designou data para debate instrutório sem que tenha decorrido o prazo de 10 dias para apresentar a reclamação referida nesse preceito legal.
O despacho seria assim, por princípio, recorrível, por a sua irrecorribilidade não estar prevista na lei, mas o recurso teria que ter sido apresentado no prazo de 30 dias após a sua notificação (art. 411º, número 1, do Código de Processo Penal), o que não sucedeu.
Pelo exposto, e por intempestivo, não pode ser admitido, o que se decide – artigo 414º, número 2 do Código de Processo Penal.
b) Despacho de 07/02/2025, com a referência 63944079:
Estamos aqui perante despacho registado em acta, em que se indefere a pretensão do arguido em ser adiado o debate instrutório, por falta do seu ilustre mandatário.
c) Despacho de 11/02/2025, com a referência 163989327;
Estamos aqui perante despacho registado em acta, em que se indefere a pretensão do arguido em ser declarada a nulidade do despacho anterior.
d) Despacho de 21/02/2025, com a referência 164116094:
Estamos aqui perante despacho, em que se indefere a pretensão do arguido em ser declarada a falsidade da acta.
Os recursos são admissíveis e tempestivos – arts. 399º, 400º, número 1, a contrario, 401º, número 1, al. b), e 411º, número 1, todos do Código de Processo Penal.
Sobem a final porquanto a sua retenção não os torna absolutamente inúteis – artigo 407º, números 1 e 2, a contrario (como refere Paulo Pinto de Albuquerque, não têm subida imediata os recursos que teriam por efeito a anulação e repetição de actos processuais, mas tão somente aqueles cuja retenção resultaria na inoperância total do recurso – Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 3ª edição, 2009, pag. 1039).
Subirão nos próprios autos e a final – artigo 307º, número 3, do Código de Processo Penal.
O seu efeito é meramente devolutivo – artigo 408º, a contrario, do Código de Processo Penal.
Cumpra-se o disposto no artigo 413º, número 1, do Código de Processo Penal.”
*
Requerimento de interposição de recurso ref.ª 16422064, de 13.03.2025:
Vem o arguido AA recorrer da decisão instrutória proferida nos autos, no segmento atinente à apreciação da questão previa suscitada, quanto à (in)competência territorial do Tribunal.
Conforme resulta do disposto no artigo 310º, número 1 do Código de Processo Penal, a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283º, ou do número 4 do artigo 285º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais.
A irrecorribilidade desta decisão instrutória é uma das características estruturantes do Código de Processo Penal de 1987, em que se procurou por fim ao protelar exagerado do processo por parte do arguido (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 3ª edição, 2009, pag. 780).
A decisão recorrida – decisão instrutória inserta em acta ref. 163989327 - enquadra-se precisamente no âmbito da previsão do supra aludido preceito.
Pelo exposto, não admito o recurso ref. 16422064 por em face do que ficou dito supra, a decisão não ser recorrível – artigo 414º, número 2, do Código de Processo Penal.
Notifique e remeta os autos a julgamento, conforme determinado em sede de decisão instrutória.”
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Vejamos, por partes.
Da não admissão do recurso interposto em 7.03.2025 (do despacho de 29/01/2025, pelo qual foi designada data para a realização de debate instrutório)
O recurso do despacho de 29.01.2025 não foi admitido com fundamento na sua extemporaneidade, por ter sido interposto fora do prazo de 30 dias previsto no art. 411.º, n.º1 do CPP.
Nos termos do art. 405.º do CPP, o recorrente pode reclamar do despacho que não admitir o recurso, devendo expor no requerimento as razões que justificam a admissão.
No caso, o reclamante limita-se a reproduzir o despacho reclamado, o qual inclui a pronúncia sobre o requerimento de recurso do despacho de 29.01.2025, sem alegar qualquer razão para a sua reclamação, ou seja, sem adiantar uma razão que justifique a admissão do recurso - sequer contrariando a apreciação feita no despacho sobre a sua intempestividade.
Pelo que não se conhecerá da reclamação, nesta parte.
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Da não admissão do recurso interposto em 13.03.2025 (da decisão instrutória, na parte em que conheceu da questão prévia da incompetência do Tribunal)
Dispõe o art. 310.º, n.º1 do CPP, sobre recursos:
1 - A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283.º ou do n.º 4 do artigo 285.º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento.
No caso, a incompetência territorial do Tribunal para conhecer do processo, suscitada pelo reclamante no seu requerimento de abertura de instrução, foi apreciada, como questão prévia que é, na decisão instrutória.
Não se trata de um autónomo “despacho prévio”, como alega o reclamante, e sim da decisão de uma questão prévia suscitada pelo arguido, conhecida, como dispõe o n.º3 do art. 308.º (“No despacho referido no n.º 1 o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer”) na decisão instrutória. E esta, como dispõe o art. 310.º, n.º1 citado, é irrecorrível, mesmo na parte em que aprecie questões prévias.
Pelo que a reclamação improcede, nesta parte.
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Da retenção do recurso (do despacho de 07/02/2025, que indeferiu a pretensão do arguido em ser adiado o debate instrutório, por falta do seu mandatário; de 11/02/2025, que indeferiu a pretensão do arguido em ser declarada a nulidade do despacho anterior; e de 21/02/2025, que indeferiu a pretensão do arguido em ser declarada a falsidade da acta):
Nos despachos recorridos está, em suma, em causa o (inicial) não adiamento do debate instrutório por ausência do mandatário constituído pelo arguido (tendo sido nomeado um defensor oficioso para o acto).
O recurso destes despachos foi admitido pelo despacho reclamado com subida a final, nos termos do art. 307º, n.º3, do CPP, com fundamento em que a sua retenção não os torna absolutamente inúteis (artigo 407º, n.ºs 1 e 2, a contrario).
A regra é a de que os recursos sobem nos próprios autos, sendo que têm subida imediata apenas os recursos de decisões interlocutórias cuja retenção resultaria na inoperância total do recurso, mas não os recursos que teriam o efeito da anulação ou repetição de actos processuais, por esse risco ser o efeito normal da procedência do recurso (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 3ª Ed., Universidade Católica Portuguesa, pág. 1039).
Ora, a retenção do recurso gera inutilidade absoluta sempre que o despacho recorrido produza um resultado irreversível, seja qual for a decisão do tribunal ad quem, não bastando uma mera inutilização de actos processuais, ainda que contrária ao princípio da economia processual1.
No caso, a retenção do recurso não o torna absolutamente inútil, não produzindo os despachos recorridos um resultado irreversível. Caso venham a final a ser revogados, o debate instrutório, com a presença do mandatário constituído pelo arguido, poderá ser repetido e o processo retomar os seus termos.
As medidas de coação e os prazos máximos de prisão preventiva com que o arguido fundamenta a sua reclamação, não constituem fundamento legal para a não aplicação da norma do art. 407.º, n.º1 do CPP relativa ao momento da subida dos recursos.
Sendo que o despacho recorrido não está abrangido pelo elenco taxativo do n.º2 do artigo 407.º.
Assim, a reclamação improcede, nesta parte.
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Da(s) inconstitucionalidade(s)
Invoca o reclamante a inconstitucionalidade dos arts. 310.º e 407.º do CPP quando interpretados no sentido que sobe nos próprios autos, com o recurso interposto da decisão que puser termo à causa, “o recurso apresentado pelo Arguido, nomeadamente, da irregularidade decorrente da ilegal notificação do mandatário do Arguido para o Debate Instrutório, o qual por esse motivo não compareceu na audiência”, e o “recurso apresentado pelo Arguido que não reconheceu a falsidade da ata de Debate Instrutório”, por violação dos artigos 20º, n.º4, 28º e 32º da Constituição da República Portuguesa.
Assim como a inconstitucionalidade do art. 310.º, n.º1, do CPP, “no sentido de ser irrecorrível a decisão do juiz de instrução, proferida na decisão instrutória, que aprecie a [arguição de] nulidade decorrente da violação das regras de competência territorial do Tribunal de Instrução Criminal, suscitada pelo Arguido no seu Requerimento de Abertura de Instrução”.
Não vemos que tenha sido feita qualquer interpretação dos arts. 310.º ou 407.º do CPP, tendo os recursos sido admitidos com subida a final/rejeitado por aplicação do que consta da letra dos referidos artigos.
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III. Decisão
Pelo exposto, julgo improcedente a reclamação apresentada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC ( art. 8º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).
Notifique.
***
Lisboa, 12.05.2025
Eleonora Viegas
(Vice-Presidente, com competências delegadas)
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1. Cfr. Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, Almedina, 2024, p. 157 e autores e aí citados