Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ANA LÚCIA GORDINHO | ||
| Descritores: | LIBERDADE CONDICIONAL MEIO DA PENA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/21/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | A jurisprudência tem entendido que a concessão da liberdade condicional ao meio da pena de prisão tem carácter excecional, estando condicionada à evolução da personalidade do condenado e muito limitada pelas finalidades de execução das penas. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da 5.º Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório No processo de liberdade condicional, que corre termos no Juízo de Execução de Penas de Lisboa – Juiz 6, foi proferida decisão, datada de 15.07.2025, nos termos do qual foi decidido não conceder a liberdade condicional ao recluso AA. ** Inconformado com esta decisão, veio o condenado AA recorrer, apresentado motivações e concluindo do seguinte modo (transcrição): “I. DO ENQUADRAMENTO PROCESSUAL 1. O Recluso encontra-se a cumprir uma pena de cinco anos e três meses de prisão no ..., aplicada no processo n.º 64/22.6JBLSB do Juízo Central Criminal de Lisboa, pela prática de um crime de extorsão agravada. 2. A liquidação da pena atesta que o Recluso atingiu metade da mesma em 02.06.2025. 3. O Tribunal de Execução das Penas de Lisboa decidiu pela não concessão de liberdade condicional ao abrigo do artigo 61.º do Código Penal. 4. No processo de extradição, que correu termos no Tribunal da Relação de Lisboa sob o n.º 3726/22.4YRLSB, foi decidido que o Recluso será extraditado para a ... após o cumprimento da pena de prisão. II. DA CONCESSÃO DA LIBERDADE CONDICIONAL 5. O Recluso pretende integrar o seu agregado familiar de origem, com o qual mantém uma relação de proximidade e dispõe de condições socioeconómicas adequadas. 6. É imperativo criar um período de transição entre o cumprimento da pena de prisão e a liberdade que possibilite ao Recluso uma adaptação gradual ao quotidiano fora da reclusão. 7. Conforme o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21.02.2018, Processo 1673/10.1TXEVR-Q.L1-5: A aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade ou sejam, a realização de fins de prevenção, geral e especial (art. 40º, nº 1 do C. Penal). Reflectindo esta noção, dispõe o art. 42º, nº 1 do C. Penal que, a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, tendo ainda redacção idêntica o art. 2º, nº 1 do C. Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade [doravante, CEPMPL]. É precisamente neste âmbito que se insere o instituto da liberdade condicional entendido, como o legislador deixou consignado no parágrafo 9 da Introdução do Código Penal, aprovado pelo Dec. Lei nº 400/82, de 23 de Setembro, não como uma recompensa por boa conduta prisional mas antes, como um auxílio e incentivo ao condenado, através da criação de um período de transição entre a prisão e a liberdade, que lhe permita uma adaptação gradual à nova realidade e a consequente adequação da sua conduta aos padrões sociais, necessariamente enfraquecida pelo período de reclusão suportado. 8. Nos termos do artigo 61.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e b) do Código Penal, cumprida metade da pena de prisão e prestado o seu consentimento, o Recluso pode ser colocado em liberdade condicional quando, “(…) atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, [for fundadamente de esperar] que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes;” e a “A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social”. (i) DO JUÍZO DE PROGNOSE FAVORÁVEL AO RECLUSO 9. O Recluso cresceu num agregado familiar composto pelos seus pais, irmã, bisavós e tios, sendo que a sua família aufere rendimentos provindos da …. 10. Possui o 12.º ano de escolaridade. 11. Emigrou para Portugal em 2021 à procura de melhores condições de vida, fazendo biscates de … e como …. 12. Não tem antecedentes criminais. 13. Em contexto prisional, o Recluso tem uma postura adequada, demonstra competências verbais apropriadas, mantém contacto visual e expressa-se de forma assertiva, evidenciando interiorização das regras sociais aceites como normativas. 14. Solicitou inserção laboral no Estabelecimento Prisional. 15. O Recluso beneficia ainda de apoio significativo, nomeadamente através de visitas, apoio financeiro e videoconferências mensais que realiza com o seu agregado familiar de origem. 16. Ora, a douta sentença recorrida, ao indeferir a concessão da liberdade condicional ao Recluso, não valorou devidamente o princípio da reintegração social, nem ponderou de forma suficiente as condições pessoais e sociais do Recluso, violando os artigos 61.º, n.º 2, 40.º, n.º 1 e 42.º, n.º 1, do Código Penal. 17. Com efeito, o artigo 61.º, n.º 2, do Código Penal, impõe que seja feita uma análise prospetiva e individualizada, devendo aferir se, no caso concreto, se pode fundadamente esperar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes. 18. O Tribunal, na sentença recorrida, entendeu não ser possível formular um juízo favorável quanto à não reiteração de ilícitos por parte do Recluso, fundamentando tal entendimento ao referir que “(…) verifica-se ainda necessidade de consolidação pelo recluso da consciência crítica, e de interiorização do sentido da pena, dada a perspetiva de desvalorização do crime, e o ténue sentido crítico (…)”. 19. Contudo, conforme o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10.10.2012, Processo 1796/10.7TXCBR-H.P1: Deve reconhecer-se que não é, em rigor e nos termos legais, requisito de concessão da liberdade condicional (a meio da pena ou cumpridos dois terços da mesma, nos termos dos nºs 2 e 3 do referido artigo 61º) que o condenado revele arrependimento e interiorize a sua culpa. Tal é, seguramente, uma meta desejável à luz das finalidades da pena, mas que supõe uma mudança interior que não pode, obviamente, ser imposta: A lei exige, antes, que se verifique um prognóstico no sentido de que o recluso não voltará a cometer novos crimes. A ausência de arrependimento pode ser sinal do perigo de cometimento de novos crimes, mas não necessariamente. Se as circunstâncias em que ocorreu o crime são especialíssimas e de improvável repetição, não poderá dizer-se que a ausência de arrependimento significa perigo de cometimento de novos crimes. E também não pode dizer-se que um recluso que não revele arrependimento, ou não assuma mesmo a prática dos factos que levaram à sua condenação (em julgamento ou durante a execução da pena) não poderá nunca beneficiar de liberdade condicional antes de atingir cinco sextos da pena (nos termos do nº 4 do referido artigo 61º). 20. No caso concreto, o crime de extorsão pelo qual o Recluso foi condenado no âmbito do processo n.º processo n.º 64/22.6JBLSB foi praticado contra o marido da sua irmã, a pedido da família, aquando da separação do casal. 21. Este contexto revela uma situação muito específica e de difícil repetição, o que deve ser ponderado na avaliação do risco de reincidência. 22. Adicionalmente, importa salientar que o Recluso não vê a sua família há mais de seis anos e sete meses, manifestando o desejo de regressar ao seu país de origem após o cumprimento da pena. 23. Tal circunstância reforça a motivação para não incorrer em novos ilícitos, pois o Recluso não pretende arriscar a sua liberdade e prolongar a permanência em território nacional, estando ciente de que qualquer novo crime implicaria a manutenção da reclusão em Portugal. 24. A análise do caso deve ser feita de forma individualizada, considerando não apenas o comportamento prisional, mas também o contexto específico do crime, as condições pessoais e familiares do Recluso e a sua motivação para a reintegração social, sendo que a ausência de arrependimento ou a interiorização plena da culpa não pode, por si só, obstar à concessão da liberdade condicional, devendo o Tribunal ponderar todos os elementos relevantes para a formulação do juízo de prognose exigido pela lei. 25. O Recluso reúne condições pessoais, familiares e sociais que permitem fundadamente esperar que, uma vez em liberdade condicional, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes. (ii) DA DEFESA DA ORDEM JURÍDICA E DA PAZ SOCIAL 26. Nos termos do artigo 61.º, n.º 2, al. b) do Código Penal, para ser concedida liberdade condicional ao Recluso é necessário que seja compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social. 27. Este requisito de prevenção geral visa assegurar que a concessão da liberdade condicional não comprometa a confiança da comunidade no sistema de justiça penal, nem provoque alarme social ou sentimento de insegurança. 28. O Tribunal, na douta sentença recorrida, refere que: Por outro lado, a presente avaliação reporta-se, ainda, e como se disse, ao ½ da pena, relevando também nesta fase da execução da pena razões de prevenção geral, exigências de tutela do ordenamento jurídico concretizadas na reafirmação da validade e vigência da norma penal violada sendo aqui de considerar que o tempo de manutenção da reclusão não pode alhear-se do sentimento social de profunda reprovação que decorre da lesão dos bens jurídicos protegidos, referindo-se que o crimes cometido, provoca alarme social e sentimento de insegurança na comunidade. 29. Todavia, a jurisprudência tem vindo a clarificar que a compatibilidade da libertação do condenado com a defesa da ordem jurídica e da paz social deve ser aferida, primordialmente, em função do meio social em que o crime foi praticado. 30. Conforme o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28.03.2012: É esse o meio que verdadeiramente releva para aferir da eficácia da prevenção geral, pois é essencialmente aí que os factos são do domínio público, que o sentimento de repulsa pelo crime praticado se instalou e, consequentemente, será aí que os efeitos de prevenção geral de dissuasão deverão predominantemente operar, sob pena de perda de confiança da comunidade no funcionamento do sistema, decorrente duma ineficaz tutela dos bens jurídicos violados pela acção criminosa. 31. No caso concreto, o crime de extorsão foi praticado num contexto familiar e comunitário restrito, entre pessoas que partilham nacionalidade e costumes culturais, não tendo repercussão alargada na comunidade nacional. 32. Tal circunstância mitiga substancialmente o impacto negativo em termos de prevenção geral, pois não se verifica um alarme social generalizado nem um sentimento de insegurança que justifique a manutenção da reclusão por razões de tutela do ordenamento jurídico. 33. Assim, ponderados todos os elementos relevantes (o contexto específico do crime, a ausência de repercussão social alargada, a futura extradição do Recluso e a inexistência de risco para a ordem jurídica e paz social em Portugal) conclui-se que a concessão da liberdade condicional ao Recluso não compromete a defesa da ordem jurídica nem a paz social, sendo plenamente compatível com as exigências de prevenção geral e especial. NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS: • Artigo 61.º, 40.º, n.º 1 e 42, n.º 1 do Código Penal. Nestes termos, e nos mais de Direito, deve o presente recurso obter provimento. V. EXAS FARÃO, CONTUDO, MELHOR JUSTIÇA!”. ** O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e sem efeito suspensivo. ** O Ministério Publico respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, nos seguintes termos (transcrição das conclusões): “a) A decisão recorrida, apreciando a liberdade condicional com referência ao marco do meio do cumprimento da pena, concluiu no sentido de um ajuizamento de prognose desfavorável sobre o comportamento futuro do ora recorrente (prevenção especial positiva ou de ressocialização) tendo, para o efeito, a Mm.ª Juiz que a prolatou ponderado, de forma concreta, as circunstâncias fácticas que se lhe depararam. b) O Tribunal a quo baseou-se em elementos fácticos/probatórios para decidir pela não concessão da liberdade condicional, sendo que a sua convicção se mostra motivada, alicerçando-se em razões objetivas, impregnadas de lógica e racionalidade e destituídas de quaisquer presunções. c) O processo de formação da sua convicção está nitidamente apontado na sentença, baseando-se, fundamentalmente, quanto à inexistência de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do recluso, na incerteza de que este vai, em liberdade, comportar-se fiel ao direito, já que subsistem a nível pessoal necessidades de reinserção social relacionadas com apreciações mais egocêntricas acerca da causalidade e consequência dos seus comportamentos criminais, que potenciam a legitimação dos mesmos, remetendo, caso não se alterem, para a probabilidade de reincidência criminal. Donde considerar que não se mostra concluído o trabalho a efetuar em ambiente prisional havendo que assegurar que o recluso melhore a sua capacidade crítica sobre a gravidade das suas ações e o dano e impacto para as vítimas prováveis e para a sociedade em geral. d) O recorrente pretende fazer valer a sua própria apreciação da prova, desprezando, nitidamente, o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no artigo 127.º do Código de Processo Penal. e) Não se descortina qualquer violação do disposto no artigo 61.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal, ou de qualquer outro preceito legal, já que não se verificam ainda as necessárias condições excecionais suscetíveis de revelar patentemente a compatibilidade da medida com a aptidão do recluso a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes. f) Assim, a sentença que denegou a liberdade condicional é de manter, nos seus precisos termos, negando-se provimento ao presente recurso. Mas, Vossas Excelências, apreciando e decidindo, farão a habitual JUSTIÇA”. ** Remetido o processo a este Tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer, aderindo aos fundamentos invocados na resposta ao recurso elaborada pelo Ministério Público na 1.ª instância. ** Notificada do parecer do Ministério Público junto deste Tribunal, o recorrente nada disse. ** Colhidos os vistos, o processo foi presente a conferência, por o recurso dever ser aí decidido, de harmonia com o disposto no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do Código de Processo Penal. ** II. Questões a decidir: Como é pacificamente entendido tanto na doutrina como na jusrisprudência, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso1. Atentas as conclusões apresentadas, importa apurar se deve ser concedida a liberdade condicional ao recorrente por referência ao meio da pena. ** III. Com vista à apreciação da questão suscitada, importa ter presente o seguinte teor da sentença proferida (transcrição parcial): “III. Factos provados, com relevância para a decisão a proferir: 1) O recluso AA cumpre a pena de 5 anos e 3 meses de prisão, aplicada no processo n 64/22.6JBLSB do Juízo Central Criminal de Lisboa, pela prática de um crime de extorsão agravada. 2) De acordo com a liquidação da pena; atingiu metade da mesma em 02/06/2025, os dois terços ocorrerão em 18/04/2026 e o termo em 18/01/2028. 3) Não averba outras condenações no CRC: 4) Em processo de extradição que correu termos no Tribunal da Relação de Lisboa, sob o n.º 3726/22.4YRLSB foi decidido: a) autorizar a extradição do requerido AA para a ..., para aí ser julgado pelos crimes constantes do pedido formulado pelo Ministério Público, com respeito pela protecção prevista nos artigos 5.º e 6.º do Acordo de Extradição entre a República de Portugal e a ...; b) Nos termos do art. 35º/2 da Lei 144/99 de 31 de Agosto sujeitar a entrega do extraditando, na sua execução, à condição de o procedimento criminal em curso em Portugal contra o requerido ser decidido definitivamente, isto é, se for condenado em pena privativa de liberdade, ao cumprimento da respectiva pena e, em caso de absolvição, ao trânsito em julgado da decisão, diferindo-se assim a entrega do extraditando. Tal decisão transitou em julgado aos 07/08/2023. 5) Uma vez em liberdade, o recluso perspetiva regressar à ... onde e integrar o seu agregado de origem, onde vivem os pais e todos os seus familiares, com quem mantém uma relação de proximidade e com condições socioeconómicas; Não se prevê reações negativas à sua receção permanência na habitação. 6) AA veio para Portugal em 2021 à procura de melhores condições de vida, referindo fazer biscates de …; não referindo qualquer outra experiência laboral; 7) A situação económica na ... está assegurada uma vez que os pais são ...es, possuidores de propriedades; 8) Em contexto prisional, assume uma postura correta, revela competências verbais adequadas; mantém contato visual e elabora de forma assertiva. Demonstra, em situação de interação, interiorização das regras sociais aceites como normativas. 9) Não obstante apresentar-se como …, nunca terá exercido profissionalmente, tendo sido, segundo o próprio, financiado pelos progenitores desde a sua partida da ... em .... 10) No EPL solicitou inserção laboral mas não se encontra colocado. 11) Averba quatro infrações disciplinares na ficha biográfica, das quais numa delas foi sancionado com permanência obrigatória no alojamento por 8 dias, e noutra com repreensão escrita; 12) Gere o quotidiano de forma autónoma. 13) Detém apoio presencial (visitas), assim como financeiro. 14) Mantem contacto com a família na ..., nomeadamente através de videoconferências mensais que realiza com o agregado de origem. 15) Não beneficiou de medidas de flexibilização da pena. 16) Em relação ao crime, desvaloriza a prática e a gravidade do mesmo, referindo que estava nervoso, sem que consiga adiantar qualquer outro motivo concreto. * Factos não provados: Inexistem, com relevância para a decisão a proferir. (…) V. O Direito: O instituto da liberdade condicional é especificamente regulado pelos artigos 61.º e 63.º do Código Penal, cuja concessão implica (com exceção da concedida pelos 5/6 da Liberdade Condicional (Lei 115/2009) pena, que é obrigatória) toda uma simultaneidade de circunstâncias, necessárias e cumulativamente verificáveis, e que mais não são do que o fim visado pela execução da própria pena. Por outras palavras, a pena, por si só, terá que espelhar a capacidade ressocializadora do sistema, sempre na mira de evitar o cometimento futuro de novo crime. «A liberdade condicional não é uma medida de clemência: pela promoção, de forma planeada, assistida e supervisionada da reintegração do condenado na sociedade, constitui, sim, um meio dos mais eficazes e construtivos de evitar a reincidência. Sendo exclusivamente preventivas as razões que estão na base da justificação e da avaliação da liberdade condicional (prevenção especial positiva ou de ressocialização e prevenção geral positiva ou de integração e defesa do ordenamento jurídico), só deverá a mesma ser recusada se a libertação afrontar as exigências mínimas de tutela do ordenamento jurídico ou na decorrência de motivo sério para duvidar da capacidade do recluso para, uma vez em liberdade, não repetir a prática de crimes.» “A liberdade condicional constitui a libertação antecipada, mas não definitiva, do recluso, após cumprimento de uma parte da pena de prisão em que foi condenado.” No fundo, é uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena (que também característica desta é) no fito de ressocialização. Ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do Código, um objetivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. São pressupostos de natureza formal de tal instituto os seguintes: a) O consentimento do condenado (artigo 61º, nº 1, do Código Penal, doravante CP), o que se verificou no caso concreto; b) O cumprimento de pelo menos ½ da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61º, nºs 2, 3 e 4 e 63º, nº 2, do CP), o que também ocorre, já que o recluso cumpriu mais de ½ da pena de prisão. Por sua vez, são requisitos de ordem material: a) O referido juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (als. a) e b), do artigo 61º, do CP), o qual assenta, de forma determinante, numa apreciação sobre a evolução da personalidade do condenado durante o tempo de execução da prisão (juízo atinente à prevenção especial positiva ou de ressocialização); b) um juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva), ou seja, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social. No caso dos autos, estamos perante uma fase de cumprimento de metade da pena, e o recluso consentiu na liberdade condicional.-- Estão, pois, preenchidos os pressupostos formais da concessão da liberdade condicional. O mesmo já não acontece quanto aos requisitos substanciais da concessão da liberdade condicional. Com efeito, verifica-se ainda necessidade de consolidação pelo recluso da consciência crítica, e de interiorização do sentido da pena, dada a perspetiva de desvalorização do crime, e o ténue sentido crítico, referido que praticou o crime porque estava nervoso sem que consiga adiantar qualquer outro motivo concreto, assumindo ainda uma postura pouco refletida. Importa ainda que o mesmo consolide o percurso prisional, dadas as infrações disciplinares que averba, e um desinvestimento no mesmo. Acresce que não regista qualquer medida de flexibilidade na execução da pena, pelo que ainda não foram testadas as suas capacidades de adequação comportamental numa reaproximação temporária ao meio livre. Assim, não é possível formular neste momento um juízo favorável relativamente à não reiteração de ilícitos no âmbito da Liberdade Condicional.— Por outro lado, a presente avaliação reporta-se, ainda, e como se disse, ao ½ da pena, relevando também nesta fase da execução da pena razões de prevenção geral, exigências de tutela do ordenamento jurídico concretizadas na reafirmação da validade e vigência da norma penal violada sendo aqui de considerar que o tempo de manutenção da reclusão não pode alhear-se do sentimento social de profunda reprovação que decorre da lesão dos bens jurídicos protegidos, referindo-se que o crimes cometido, provoca alarme social e sentimento de insegurança na comunidade..-- Assim sendo, atentas razões de prevenção especial e prevenção geral, entende-se não ser ainda de conceder, por prematura, a liberdade condicional neste momento.— VI. Termos em que face ao exposto, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, decide-se: A – Não conceder a liberdade condicional ao condenado AA, pelo que o cumprimento efetivo da pena de prisão se manterá. B – Notifique o condenado, o mandatário/defensor oficioso, se existir, e o Ministério Público. C – Após trânsito em julgado, comunique à equipa de Reinserção Social da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e remeta cópia ao processo individual único. D – Após trânsito em julgado, comunique ao tribunal da pena em execução.-- E – Diligências Necessárias.-- * A liberdade condicional será novamente apreciada aos 2/3 da pena- DN.”. ** IV. Do Mérito do Recurso O instituto da liberdade condicional assume “um carácter de última fase de execução da pena a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica – que ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente assinalada – de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena privativa de liberdade. O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos) vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições – substancialmente análogas aos deveres e regras de conduta que vimos fazerem parte das penas de substituição da suspensão da execução da prisão e do regime de prova – que lhe são aplicadas. Foi, desta forma, uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento”2 Com a liberdade condicional pretende-se, assim, atingir uma adequada reintegração social do condenado, satisfazendo-se o preceituado no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal. No dia 02.06.2025 o condenado atingiu o meio da pena, o que, nos termos do artigo 61.º, n.º 2 do Código Penal, permite que lhe seja concedida liberdade condicional, se estiveram preenchidos os demais pressupostos definidos na lei, nomeadamente os previstos no n.º 1 e no n.º 2 do mesmo artigo. No que se refere ao primeiro requisito não há dúvidas que o mesmo ocorre, pois o condenado deu o seu consentimento para que lhe seja concedida liberdade condicional, conforme exige o n.º 1 do artigo 61.º do Código Penal. Vejamos, então, os demais pressupostos. Determina o artigo 61.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Código Penal que “o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se: a) For fundadamente de esperar, atenta as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e b) A libertação de revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social”. A concessão da liberdade condicional assenta num juízo de prognose, decorrente da análise da vida anterior do condenado, sua personalidade e a evolução desta, que nos leve a concluir que, uma vez em liberdade, pautará a sua vida conforme o direito, sem cometer crimes. Tal libertação tem, ainda, de ser compatível com a defesa da ordem e da paz social (juízo atinente à prevenção geral positiva). Havendo este juízo de prognose favorável deverá ser concedida a liberdade condicional. Por seu turno, se este juízo for desfavorável, o condenado permanecerá na situação prisional em que já se encontra. Tem sido entendimento na jurisprudência que a concessão da liberdade condicional ao meio da pena de prisão tem carácter excecional, estando condicionada à evolução da personalidade do condenado e muito limitada pelas finalidades de execução das penas 3. No caso dos autos o tribunal a quo considerou, ao arrepio do defendido em sede de recurso, que não era de conceder a liberdade condicional ao condenado, aduzindo as seguintes razões: “Com efeito, verifica-se ainda necessidade de consolidação pelo recluso da consciência crítica, e de interiorização do sentido da pena, dada a perspetiva de desvalorização do crime, e o ténue sentido crítico, referido que praticou o crime porque estava nervoso sem que consiga adiantar qualquer outro motivo concreto, assumindo ainda uma postura pouco refletida. Importa ainda que o mesmo consolide o percurso prisional, dadas as infrações disciplinares que averba, e um desinvestimento no mesmo. Acresce que não regista qualquer medida de flexibilidade na execução da pena, pelo que ainda não foram testadas as suas capacidades de adequação comportamental numa reaproximação temporária ao meio livre. Assim, não é possível formular neste momento um juízo favorável relativamente à não reiteração de ilícitos no âmbito da Liberdade Condicional.-- Por outro lado, a presente avaliação reporta-se, ainda, e como se disse, ao ½ da pena, relevando também nesta fase da execução da pena razões de prevenção geral, exigências de tutela do ordenamento jurídico concretizadas na reafirmação da validade e vigência da norma penal violada sendo aqui de considerar que o tempo de manutenção da reclusão não pode alhear-se do sentimento social de profunda reprovação que decorre da lesão dos bens jurídicos protegidos, referindo-se que o crimes cometido, provoca alarme social e sentimento de insegurança na comunidade”. Ora, desde já adiantamos que concordamos com as reflexões e fundamentos da decisão do Tribunal a quo, sendo prematuro conceder a liberdade condicional ao recorrente. No que se refere às exigências de prevenção geral, cremos que dificilmente a sociedade compreenderia que fosse concedida a liberdade condicional ao recorrente a meio da pena tendo em atenção a gravidade e a violência do crime por ele perpetrado. E pouco mais há a dizer em relação às exigências de prevenção especial do que foi dito pela 1.ª instância. O condenado desvaloriza a prática e a gravidade do crime por si perpetrado, o que evidencia que ainda a há um percurso a efetuar, que precisa de compreender e analisar criticamente o seu comportamento, para que no futuro não volte a praticar atos semelhantes. A desvalorização feita pelo condenado não nos permite efetuar um juízo de prognose favorável de que em liberdade pautará a sua conduta conforme o direito. Há que analisar criticamente o passado para evitar atos semelhantes no futuro, sem esta reflexão não há qualquer indício de que o condenado evitará comportamentos semelhantes no futuro. Como se escreve no Ac. da RC de 10.07.20184, “III -Não basta o arguido afirmar que tem consciência da gravidade dos crimes que cometeu, que se mostra arrependido, que sabe o desvalor da sua conduta e que tem já capacidade para se readaptar à vida social e vontade séria de o fazer. IV - A liberdade condicional não é um “prémio”, não se baseia exclusivamente no bom comportamento prisional ou na existência de apoio no exterior. V- O condenado deve demonstrar que consegue ter um comportamento adequado em meio livre, aprofundando a sua capacidade reflexiva quanto aos actos anteriormente praticados”. É certo que o recluso está a fazer o seu percurso, há aspetos positivos no seu comportamento prisional que não são de desvalorizar, mas não podemos ignorar que tem averbadas quatro infrações disciplinares na ficha biográfica, sendo que numa delas foi sancionado com permanência obrigatória no alojamento por 8 dias e noutra com repreensão escrita. Há também que consolidar e testar o seu comportamento no exterior, o que ainda não foi feito. Há, pois, ainda um percurso a efetuar por parte do condenado até que possa vir a beneficiar de liberdade condicional. Improcede, assim, o recurso interposto. ** V. Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos. ** Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC. Notifique. Comunique de imediato a presente decisão ao Tribunal de 1.º instância. Lisboa, 21 de outubro de 2025 Ana Lúcia Gordinho Sandra Oliveira Pinto Pedro José Esteves de Brito ____________________________________________ 1. De acordo com o estatuído no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995. Cf. também Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, e Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 7ª ed., pág. 89. 2. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 528. 3. Entre outros, Ac. da RL de 27.01.2022, in https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/913ea1b6db97aed9802587e5004e0679?OpenDocument Ac. RC10.07.2018 https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/640031eda64598a4802582d70056a509?OpenDocument 4. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/640031eda64598a4802582d70056a509?OpenDocument |