Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ANA MARISA ARNÊDO | ||
| Descritores: | ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA COMUNICAÇÃO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO VIOLAÇÃO FURTO QUALIFICADO UNIDADE DE INFRACÇÕES PLURALIDADE DE INFRACÇÕES | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
| Sumário: | Sumário: (da responsabilidade da Relatora) I. Como decorre expressamente do art. 358º, n.º 3 do C.P.P. «O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia». II. Vale por dizer que, ante uma putativa alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação ou da pronúncia, incumbe ao Tribunal proceder à comunicação da alteração, tal qual resulta do preceituado no n.º 1 do citado normativo. III. Por outro lado, é inolvidável que «Para ser efectiva essa defesa, poderá ser necessário que o arguido disponha de algum tempo, que, mediante requerimento, será fixado de acordo, nomeadamente, com a complexidade da questão». IV. Todavia, no caso, constata-se que o Tribunal a quo procedeu à comunicação da alteração da qualificação jurídica e que ficou expressamente consignado na acta de audiência de julgamento o seguinte: «Comunicada a alteração da qualificação jurídica, pelo Meritíssimo Juiz foi dada a palavra à Ilustre Defensora do arguido, a qual, no seu uso, disse nada ter a opor». V. Ou seja, não só o Sr. Juiz Presidente do Tribunal a quo procedeu à comunicação da alteração da qualificação jurídica, como ficou explicitamente inscrito que o arguido, ora recorrente, na pessoa da sua defensora, concordava com a predita alteração. VI. Nestas circunstâncias, à míngua da invocação de qualquer inexactidão ou falsidade da predita acta de julgamento, afigura-se que a ora - em sede de recurso - propalada violação do contraditório para além de votada ao insucesso, assemelha-se a um verdadeiro abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium. VII. «Sempre que exista uma única resolução, determinante de uma prática sucessiva de actos ilícitos, haverá lugar a um único juízo de censura penal, e, portanto, existirá apenas um crime. Caso haja sucessivas resoluções, estaremos perante uma pluralidade de juízos de censura, e, portanto, de infracções. A unidade de infracções pressupõe, porém, em regra, uma conexão temporal forte entre as diversas acções naturalísticas. É este basicamente o critério vertido no n.º 1 do art. 30.º do CP, segundo a lição de Eduardo Correia.» VIII. Se é certo que dos vários episódios dados como provados resultaram prejuízos para dez distintas pessoas, não é de olvidar que, como se extrai claramente da materialidade assente, apenas existiram seis resoluções criminosas. Ou seja, em cada uma das seis situações ocorreu uma única, específica resolução criminosa que visou os objectos que se encontravam em cada um dos locais em que o arguido/recorrente se introduziu. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO 1. Nos autos em referência, precedendo audiência de julgamento, os Senhores Juízes e a Sra. Juíza do Tribunal a quo, por acórdão de ... de ... de 2025, decidiram: «a) absolver o arguido AA da prática, em coautoria material e na forma tentada de 1 (um) crime de furto (des)qualificado, previsto e punível pelos artigos 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1, 204, n.º 2, alínea e) e n.º 4, com referência à alínea f), do artigo 202, do Código Penal que lhes era imputado – cfr. factos provados 5. a 8.; b) condenar o arguido AA pela prática de 5 (cinco) crimes de furto qualificado, na forma consumada e em autoria material, nos termos do disposto nos artigos 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 2, alínea e), todos do Código Penal, com referência à alínea f), do artigo 202, do mesmo diploma legal, nas penas de 4 (quatro) anos de prisão por cada um deles – cfr. factos provados 1. a 4., factos provados 12. a 14. e factos provados 24. a 26.; c) condenar o arguido AA pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, na forma consumada e em coautoria material, nos termos do disposto nos artigos 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 1, alínea e), todos do Código Penal, com referência à alínea f), do artigo 202, do mesmo diploma legal, na pena de 2 (dois) anos de prisão – cfr. factos provados 9. a 11.; d) condenar o arguido AA pela prática de 2 (dois) crimes de furto qualificado, na forma consumada e em autoria material, nos termos do disposto nos artigos 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 2, alínea e), todos do Código Penal, com referência à alínea f), do artigo 202, do mesmo diploma legal, nas penas de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão por cada um deles – cfr. factos provados 15. a 20; e) condenar o arguido AA pela prática de 2 (dois) crimes de furto qualificado, na forma consumada e em autoria material, nos termos do disposto nos artigos 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 2, alínea e), todos do Código Penal, com referência à alínea f), do artigo 202, do mesmo diploma legal, nas penas de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão – cfr. factos provados 21. a 23. f) condenar o arguido AA, em cúmulo jurídico, na pena única de 12 (doze) anos de prisão». 2. O arguido AA interpôs recurso do acórdão condenatório. Aparta da motivação as seguintes conclusões: «I. AA, arguidonosautos à margem, acusado de“seis crimes defurtoqualificado, previstos e puníveis pelos art.s 203, n.º 1, 204, n.º 2, alínea e), com referência ao art. 202, alíneas d) e f), do Código Penal e 1 crime de furto qualificado, p.p. pelos art.s 203, n.º 1, 204, n.º 1, alínea e), do CP., II. Viu em sede de audiência de julgamento alterada a qualificação jurídica, dos crimes cometidos, com o “desdobramento” dos crimes praticados pelo facto de terem vários ofendidos… pelo que passou a estar acusado e foi efectivamente julgado por “prática de 9 (nove) crimes de furto qualificado, na forma consumada e em autoria material, nos termos do disposto nos art.s 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 2, alínea e), todos do Código Penal (adiante “CP”), com referência à alínea f), do art. 202, do mesmo diploma legal, e de 1 (um) crime de furto qualificado, na forma consumada e em coautoria material, nos termos do disposto nos art.s 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 1, alínea e), todos do CP, com referência à alínea f), do art. 202, do mesmo diploma legal. “ III. O arguido ora recorrente foi condenado, por acórdão proferido a ... do presente ano, na pena única de 12 anos de prisão efectiva pela pratica: “condenar o arguido AA pela prática de 5 (cinco) crimes de furto qualificado, na forma consumada e em autoria material, nos termos do disposto nos art.s 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 2, alínea e), todos do CP, com referência à alínea f), do art. 202, do mesmo diploma legal, nas penas de 4 (quatro) anos de prisão por cada um deles – cfr. factos provados 1. a 4., factos provados 12. a 14. e factos provados 24. a 26.; e) condenar o arguido AA pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, na forma consumada e em coautoria material, nos termos do disposto nos art.s 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 1, alínea e), todos do CP, com referência à alínea f), do art. 202, do mesmo diploma legal, na pena de 2 (dois) anos de prisão – cfr. factos provados 9. a 11.; f) condenar o arguido AA pela prática de 2 (dois) crimes de furto qualificado, na forma consumada e em autoria material, nos termos do disposto nos art.s 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 2, alínea e), todos do CP, com referência à alínea f), do art. 202, do mesmo diploma legal, nas penas de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão por cada um deles – cfr. factos provados 15. a 20; g) condenar o arguido AA pela prática de 2 (dois) crimes de furto qualificado, na forma consumada e em autoria material, nos termos do disposto nos art.s 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 2, alínea e), todos do CP, com referência à alínea f), do art. 202, do mesmo diploma legal, nas penas de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão – cfr. factos provados 21. a 23.. “ IV. Mas o arguido, não se conformando com o mesmo, vem dele interpor recurso, para o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA com o objectivo a revisão da matéria de facto dada como assente e matéria de direito V. e por considerar que a pena a que foi condenado é exagerada. VI. O recorrente discorda relativamente à decisão recorrida, por um lado, pela qualificação jurídica dos factos, sem ter sido dado direito ao contraditório, considerando um crime por cadaofendido, em vezdeum crimepor cada acão criminosa, erespectiva resolução, VII. O recorrente discorda de alguns factos dados como provados quando salvo melhor opinião, não o deveriam ter sido, pelo que não deveria ter sido condenado como foi, VIII. Mais concretamente o facto 10 quanto à quantidade e valor dos bens, conforme gravação via ... entre as 214 horas e 15 minutos e o seu termo pelas 14 horas e 28 minutos” da 2.ª sessão de julgamento realizada a ... de ... de 2025 da testemunha BB, IX. E factos 15 a 20 dados como provados que nunca poderiam ser suficientes à sua condenação, quando as testemunhas ouvidas não foram nesse sentido, e quando não existem imagens dos furtos, mas somente do arguido noutra hora e dias a visitar o referido AL e a tentar abrir sem mais portas de partes não concretamente apuradas, conforme depoimentos das testemunhas CC desde as “10 horas e 33 minutos e o seu termo pelas 10 horas e50 minutos” e DD desdeas “10 horas e 50 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 08 minutos” da 3.ª sessão de audiência e julgamento realizada a ... de ... de 2025, X. Pelo que deveria ser absolvido destes dois crimes pelos quais foi condenado, XI. Mesmo se falhando a prova, nunca no respeito estrito do princípio in dúbio pro reu poderia o arguido ser condenado como foi, existindo um vício de erro notório na apreciação da prova (al. c) do nº 2 do Artº 410º do CPP). XII. O Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou, entre outros os Artºs 32º da CRP, o Art127º do CPP, os artºs 70º, 71º, 72º, 73º, 77º, nº 2 do Cp e ainda os artºs 410º, nº 2, al. a), b) e c) do CPP e 412º al. a), b) CPP e ainda o artº 340º, CPP e artº 25º do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro. XIII. E por último, vem o arguido recorrer do quantumda pena por considerá-lo exagerada em sede de cúmulo jurídico. XIV. Ora o arguido não considera tal pena em cúmulo justa e adequada ao caso em concreto, em primeiro lugar por não ter cometido 10 crimes de furto qualificado, mas sim apos vir acusado de 7 crimes, somente se poderá considerar responsavel e culpado por 5 crimes, nos termos expostos. XV. Por conseguinte devendo a pena em cúmulo jurídico sofrer uma redução substancial nunca superior a 10 anos de pena efectiva, nos termos já acima supra expostos. XVI. O recorrente considera a pena em que foi condenado excessiva e prejudicial à sua ressocialização. XVII. Não tendo em consideração a sua condição pessoal, social, e culpa, quando na verdade era toxicodependente. XVIII. A pena é castigo, mas castigo não é apenas a prisão. XIX. O arguido tem um extenso cadastro - antecedentes criminais, tem plena consciência do seu acto, admitiu parcialmente os factos, e está arrependido. XX. A pena deverá ser relativamente diminuída de forma a ser ajustada à culpa do recorrente. XXI. Pelo queviciado quese encontra oacórdãodo tribunal a quo,semprenavisãodo arguido, com nulidades processuais e vícios contemplados no art.º 410.º do CPP que imporiam a absolvição do arguido pelos factos que lhe são imputados e ainda assim – e sempre, sem conceder,- se o mesmo recorrido acórdão fez a melhor ou a mais curial aplicação do direito aos factos assentes e se respeitou os ditames consignados no art.º 18.º n.º 2 da C.R.P (princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas), sendo a adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico e da medida da culpa, uma vez que, no limite interpretativo e sempre sem conceder, a prova quanto a dois crimes pelos quais foi condenado não foi suficiente para que se pudesse ditar (como ditou) um veredicto de condenação nos moldes que foi quanto ao aqui recorrente. XXII. O Tribunal a quo deu como assente matéria que não poderia ter dado como provada pela prova produzida. XXIII. No sistema penal português, exige-se ainda que o processo equitativo e a garantia dos meios de defesa. Este princípio resulta princípio da lealdade mas também do artº 32º da Constituição da República Portuguesa. XXIV. O tribunal não tinha elementos para decidir como decidiu relativamente à qualificação juridica que não é mais do que alteração dos factos, XXV. O tribunal a quo não tinha elementos para dar como provados os factos relativos aos dois episódios. XXVI. Perante a falta de provas relativamente ao arguido, o Tribunal a quo, na dúvida, optou por decidir contra o mesmo, quando atento o princípio in dúbio pro reo deveria ter decidido a favor dele. XXVII. Em nosso entender o Tribunal a quo no presente caso deveria aplicar como medida da pena uma pena mediana pela ilicitude e culpa demonstrada em sede de julgamento. XXVIII. O douto tribunal condenou o arguido em dois crimes baseado na convicção das testemunhas quanto ao valor dos bens, e do diz que disse quanto ao crime que as testemunhas não presenciaram e fizeram fe na palavra do dono do AL, a qual não é assente em provas concretas mas sim em meras suposições que só aproveitam a quem de facto furtou os bens.. XXIX. Ainda, caso assim não se entenda, nos termos do art. 40.º conjugado com o artigo 71.º do C.P. em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa devendo a sua determinação ser feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção. XXX. Devemos ainda atender a que a medida da pena deve ser atribuída em função da culpa do agente, sob pena de se violar o disposto no 1 e 2 do art.º 40º e n.º 1 do art.º 71º, ambos do Cód. Penal, pelo que deve a pena de prisão a aplicar ao recorrente ser mais próxima doseu limite mediano,e nuncasuperior a 10(dez) anos deprisão,pois ocontrário seria prejudicial à sua ressocialização; XXXI. Violados se revelam, em consequência, salvo melhor opinião, os preceitos legais invocados nas presentes alegações de recurso. XXXII.O Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou, entre outros os Artºs 32º da CRP, o Art127º do CPP, os artºs 70º, 71º, 72º, 73º, 77º, nº 2 do Cp e ainda os artºs 410º, nº 2, al. a), b) e c) do CPP e 412º al. a), b) CPP e ainda o artº 340º, CPP». 4. O recurso foi admitido, por despacho de ... de ... de 2025, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo. 5. A Ex.ma Magistrada do Ministério Público em primeira instância respondeu ao recurso interposto, (sem formulação de conclusões), pugnando pela sua procedência parcial, nos termos que, em síntese, se transcrevem: «Entende o Ministério Público que assiste razão ao recorrente quanto à primeira questão que suscita. Dispõe o artigo 30º, nº1 do Código Penal que: “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.” Na interpretação desta norma, há que seguir o critério da “unidade ou pluralidade de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global”: o crime, como facto punível, traduz-se numa violação de bens jurídico-penais que preenche um determinado tipo legal. O núcleo dessa violação não é o mero actuar do agente, nem o tipo legal que o integra, mas o ilícito-típico: o que está em causa é “determinar a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica em que o significado do comportamento global do agente se traduz” – e é essa determinação que decide da unidade ou pluralidade de crimes – neste sentido, Figueiredo Dias - Direito Penal: Parte Geral I. Questões Fundamentais: a Doutrina Geral do Crime, 2ª ed., 2007, pp. 977 e ss.. De acordo com este critério, sempre que estejamos perante situações em que vários tipos penais se encontrem preenchidos, deveremos distinguir os casos em que a esta pluralidade de tipos corresponde também uma pluralidade de sentidos sociais de ilicitude típica (caso em que estaremos perante um concurso efectivo) daqueles em que, apesar de serem vários os tipos preenchidos, do comportamento global do arguido retira-se um sentido de ilicitude dominante (caso em que estaremos perante um concurso aparente). Assim, sempre que estejamos perante um sentido de ilicitude dominante, o preenchimento, em concreto, de vários tipos legais pela conduta do agente não implica, necessariamente, um concurso efectivo de crimes praticados. Para a “apreensão do conteúdo de ilicitude material do facto” referida não basta, assim, analisar as normas e verificar o preenchimento dos elementos típicos: “(…) há que recorrer a subcritérios fundamentais, tais como o da unidade de sentido do comportamento ilícito global, o da relação ilícito-meio/ ilícito- fim, o da unidade do desígnio criminoso do agente, o da conexão situacional espácio-temporal e o dos diferentes estádios de realização da actuação global, de acordo com as particularidades de cada caso concreto. E estas particularidades do caso concreto decidirão, então, da premência de uns em detrimento de outros, podendo até acontecer que dois ou mais critérios convirjam em direcção ao mesmo resultado. Eles funcionam, então, como indicadores seguros da unidade, ou da pluralidade, de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global.” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24.09.2013, no processo 356/09.0GELLE.E1, disponível em www.dgsi.pt. (sublinhado nosso). Ora, conforme resulta da factualidade dada como provada, em cada uma das situações de cada NUIPC em que o arguido foi condenado existiu apenas uma única resolução criminosa por parte daquele, que foi introduzir-se nos locais em causa e daí retirar bens que lá se encontrassem, o que sucedeu, sendo irrelevante no caso se tais bens pertenciam a uma, duas ou mais pessoas (que serão os ofendidos), facto que de resto o arguido desconhecia. O arguido agiu, em cada caso, com uma única resolução criminosa, em que o plano era um só - o furto de objectos do interior daqueles espaços (independentemente de quem são os detentores/proprietários desses objectos). Temos assim que o arguido com uma única resolução criminosa e actuação conseguiu retirar bens que pertenciam a diversas pessoas, não podendo a sua actuação ser criminalmente punida individualmente pelos bens subtraídos a cada um dos ofendidos, tendo havido uma só resolução criminosa, o arguido só poderia ter sido condenado pela prática de um crime em cada uma das situações, de que resto, lhe era imputado na acusação pública, assistindo assim razão ao recorrente neste ponto. No que concerne à invocada ocorrência de erro notório na apreciação da prova relativamente à factualidade do NUIPC 1436/22.1PBLSB e 1116/22.8PKLSB, não assiste razão ao recorrente. Verifica-se a existência de um erro notório na apreciação da prova quando “um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis” (Simas Santos e Leal-Henriques, Recurso em Processo penal, 5ª edição, 2002, Rei dos Livros, p. 65-66). Como é referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.09.2016, Processo nº 1/14.1GAIDN.C1 “Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e a lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade. Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária.” Da análise do acórdão em crise resulta que na sua fundamentação encontra-se bem explicitado o processo de formação da convicção do Tribunal e o exame crítico das provas que o alicerçou, nomeadamente o raciocínio lógico-dedutivo seguido. Do cotejo crítico e conjugado da prova e à luz das regras da experiência comum e da adequação social, nada vislumbramos nos factos dados por provados que importe a existência de um errado juízo na apreciação e valoração da prova. Veja-se o que consta da fundamentação do acórdão: “O Tribunal formou a sua convicção nas declarações prestadas pelo arguido AA que reconheceu a veracidade dos factos constantes da acusação no que se reporta à imputação objetiva dos factos ao agente, por outras palavras: admitiu ser o (co)autor dos factos constantes da acusação, negando, contudo, ter-se introduzido nos espaços mediante arrombamento, mas sim mediante a utilização de cartão tipo telemóvel ou chave verdadeira sub-repticiamente retirada ao poder de quem tinha o Direito, e ter subtraído a totalidade dos bens cuja subtração lhe é imputada e respetivos valores. Em face destas declarações confessórias, consideradas mediante o visionamento, em audiência de julgamento e com confronto com o arguido, de todas as imagens recolhidas por sistemas de videovigilância, onde a pessoa do arguido é absolutamente visível e identificável ou tem correspondência com as características físicas e expressão corporal do arguido, o Tribunal procurou ouvir em depoimento as testemunhas / ofendidos, a fim de apurar factos como sejam, data, hora e local da prática dos factos, bens subtraídos e respetivos valores – como adiante se descreverá. (…) A propósito do NUIPC 1436/22.1PBLSB, o Tribunal tomou ainda em consideração, na formação da sua convicção: - o teor do auto de denúncia de fls. 4 e 5 (a respeito da data, hora e local da prática dos factos e identidade da ofendida), a certidão permanente de fls. 6, os fotogramas de fls. 7 a 9, o aditamento de fls. 12 (quanto à identificação do arguido), todos dos autos apensos e o auto de visionamento de fls. 139 a 152 dos autos principais, sendo absolutamente visível e identificável a ação do arguido e outro indivíduo não identificado, que se introduziram no espaço em causa, perto da meia noite, de um modo furtivo, determinado a ir buscar, entre o mais, conjuntos de toalhas que utilizava para a sua higiene pessoal e descartava (como admitido pelo próprio arguido em declarações). É ainda percetível que deixaram ainda bastantes bens no interior do armário, porquanto não os conseguiriam transportar consigo, uma vez que carregados de sacos e mochilas, voltando a fechar o cadeado. - o depoimento da testemunha BB, empresário do turismo e agrícola, explora um edifício com 8 (oito) frações de alojamento local, gerido pela sociedade comercial com a firma .... Através do visionamento das imagens registadas pelo sistema de videovigilância, foi possível constatar que dois indivíduos, se dirigiram ao “espaço técnico”, a meio da noite, e, no local, levaram vários sacos contendo roupas de cama limpas (capas de edredão, fronhas) para substituir as usadas existentes nos espaços de alojamento, toalheiros, almofadas, lâmpadas, tintas. Estimou o valor destes bens entre 3 000,00 € (três mil euros) e 3 500,00 € (três mil e quinhentos euros), porquanto, para manter os padrões de qualidade e marca, optaram por comprar sempre na loja ..., nas ..., sendo esse o valor que despenderam com a reposição dos bens. A título de exemplo, referiu que um conjunto completo de banho custa certa de 200 € (duzentos euros) e uma capa de edredão em torno dos 200 € (duzentos euros). A propósito do NUIPC 1116/22.8PKLSB, o Tribunal tomou ainda em consideração, na formação da sua convicção: - o teor do auto de notícia de fls. 2 e 3 (a respeito da data, hora e local da prática dos factos e identidade dos ofendidos), os autos de denúncia de fls. 16 e 17, 20, os autos de visionamento de fls. 35 a 38, o aditamento de fls. 41, do apenso em causa. - o depoimento da testemunha/ofendido EE que referiu ter arrendado um apartamento em Lisboa, no mês de ... e que, ao regressarem ao mesmo, constataram ter sido assaltados. Levaram dois headphones com cancelamento de ruído NC700, no valor de 245 € (duzentos e quarenta e cinco euros) – considerando o valor do dólar australiano ser de 0,60 € –, um smartwhatch, marca ..., no valor de 158 € (cento e cinquenta e oito euros), uma consola de jogos, no valor de 196 € (cento e noventa e seis euros), um passaporte cuja renovação custo 320 € (trezentos e vinte euros), um computador de marca ..., no valor de 2 030 € (dois mil e trinta euros), um telemóvel de marca ..., modelo 20 Pro, no valor de 959 € (novecentos e cinquenta e nove euros), um computador de marca ..., modelo MacBook Pro, o valor de 1 990 € (mil novecentos e noventa euros), uns óculos ..., no valor de 83 € (oitenta e três euros) e uns óculos de marca ..., no valo de 120 € (cento e vinte euros). Terminou o seu depoimento afirmando que nada foi recuperado, com exceção do passaporte, contudo, sem qualquer valor ou utilidade uma vez que já tinha sido cancelado por virtude da subtração. Acabou por ser indemnizado num valor aproximado de 5 454 € (cinco mil quatrocentos e cinquenta e quatro euros), sendo o seu prejuízo global (dele e da companheira, a ofendida FF) de 6 336 € (seis mil trezentos e trinta e seis euros). (…) Os depoimentos acima referidos foram prestados, sem exceção, com objetividade, isenção e coerência, sendo percetível que nenhuma das testemunhas quis imputar, em audiência de julgamento, mais factos do que aqueles que se recordavam e os valores atribuídos estão situados dentro da normalidade conhecida pelo homem médio.” A decisão sobre esta matéria encontra-se devidamente motivada, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal a quo, tendo sido operada a sua análise crítica. O Tribunal a quo procedeu à indicação das provas que serviram para formar a sua convicção e o respectivo processo lógico e racional que foi seguido na apreciação dessas provas, não se vislumbrando a existência de qualquer arbitrariedade nessa apreciação, nem contradição. No caso, não se encontram razões para censurar a convicção formada pelo tribunal a quo e que conduziram à condenação do arguido, sendo que como é manifesto, o Tribunal não teve qualquer dúvida relativamente à prática dos factos pelo arguido, aqui recorrente, pelo que não tem qualquer aplicação ao caso o princípio in dubio pro reo, como defende o recorrente. Efectivamente, a decisão impugnada não revela, em momento algum, que o tribunal tenha ficado na dúvida em relação a qualquer facto dado como provado. Bem pelo contrário, afirma convictamente a matéria dada como provada, pelo que não tem fundamento invocar a violação de tal princípio. De resto, a invocação do princípio in dubio pro reo só tem razão de ser se, depois do tribunal reconhecer ter caído num estado de dúvida, contornasse um non liquet decidindo-se, sem mais, no sentido mais desfavorável para o arguido, o que não aconteceu no caso. O artigo 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), que consagra o princípio da presunção de inocência, integra uma norma directamente vinculante e constitui um dos direitos fundamentais do cidadão – artigo 18º, nº 1 da C.R.P.. É, antes de mais, um princípio natural, lógico, de prova. Enquanto não for demonstrada, provada, a culpabilidade do arguido não é admissível a sua condenação. A presunção de inocência tem óbvias repercussões no princípio “in dubio pro reo”, já que um non liquet na questão da prova deve ser sempre valorado a favor do arguido. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido – ac. STJ de 24-3-99 CJSTJ, tomo I, pag.247. Ora, no texto do acórdão não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha tido dúvidas quanto à prática dos factos pelo arguido, assim como também não a tem o Ministério Público. Atento o supra exposto entende o Ministério Público que o arguido deverá ser condenado apenas pela prática de seis crimes de furto qualificado, nos termos em que vinha acusado (sendo que no NUIPC 1400/22.0PBLSB foi absolvido) e a medida da pena única de prisão ser alterada em conformidade». 6. Nesta instância, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, louvada na resposta ao recurso, é de parecer que o mesmo deve ser julgado parcialmente procedente. Aduz, para tanto e em síntese, que: «Relativamente à qualificação jurídica dos factos – entendemos assistir neste particular razão ao recorrente. Mais uma vez concordamos com o que o Ministério Publico de 1ª instância refere relativamente à qualificação jurídica dos factos, sendo nosso parecer ser muito acertada a consideração dos critérios de aferição da unidade ou pluralidade dos ilícitos em causa, efectuada tendo como ponto de partida o disposto no artigo 30º do Código Penal. Entendemos que deve relativamente a esta questão o recurso interposto pelo arguido proceder. Sendo nosso entendimento dever o recurso proceder relativamente à qualificação jurídica dos factos, há que encontrar uma nova pena, considerando o número de ilícitos em causa e a molduras penais pertinentes». 7. Cumprido o artigo 417.º, n.º 2 do C.P.P. não houve reacção. 8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. Delimitação do objeto do recurso Atento o teor das conclusões da motivação do recurso, importa fazer exame das questões (alinhadas segundo um critério de lógica e cronologia) atinentes ao invocado erro notório na apreciação da prova e erros do Colectivo a quo no julgamento da matéria de facto e no julgamento da matéria de direito, este último quanto à alvitrada violação do princípio do contraditório na comunicação da alteração da qualificação jurídica, na subsunção jurídico-penal (unidade e pluralidade de crimes) e quanto às penas parcelares e única. 2. A decisão trazida da instância sobre a matéria de facto é do seguinte teor: «III – Fundamentação de facto: A matéria de facto provada é a seguinte: NUIPC 1346/22.2... PBLSB 1. No dia ... de ... de 2022, entre as 16 horas e 40 minutos e as 18 horas e 30 minutos, o arguido AA (adiante designado por arguido) dirigiu-se ao estabelecimento hoteleiro denominado ..., sito na .... 2. No terceiro piso, o arguido utilizou cartão tipo telemóvel ou chave verdadeira subrepticiamente retirada ao poder de quem tinha o Direito de a usar para aceder ao interior do apartamento, onde se encontravam hospedadas as ofendidas ... e GG, que não se encontravam no local. 3. Do interior do apartamento, o arguido retirou: - um conjunto de joias, de valor aproximado de 1 400 € (mil e quatrocentos euros) euros; - um computador de marca ..., modelo Macbook, com o número de série C02C94PQLVDL; - um telemóvel de marca ..., modelo Iphone, com o IMEI n.º ...; tudo propriedade da ofendida ...; e - um computador de marca ..., modelo Macbook Air Retina 2018, com o número de série CO2YN41LJK7C, de valor aproximado de 800,00 € (oitocentos euros); - um telemóvel de marca ..., modelo Iphone 7, com o n.º de série ..., de valor aproximado de 300,00 € (trezentos euros); - um microfone de marca ..., com o valor aproximado de 200,00 € (duzentos euros); - 400 AUS$ (quatrocentos dólares australianos); tudo propriedade da ofendida HH. 4. Após, o arguido abandonou o local, com uma mochila e um objeto na mão, levando os referidos bens, que fez seus. NUIPC 1400/22.0... PBLSB 5. No dia ... de ... de 2022, entre as 11 horas e as 18 horas e 45 minutos, o arguido, acompanhado de um suspeito cuja identidade não se logrou apurar, deslocou-se até à residência, convertida em alojamento local, sita na .... 6. Ali encontravam-se hospedadas as ofendidas II, JJ e KK, nacionais dos ..., em lazer em território nacional. 7. Do interior da residência, onde acedeu utilizando previamente um cartão tipo telemóvel ou chave verdadeira sub-repticiamente retirada ao poder de quem tinha o Direito de a usar, o arguido retirou bens das ofendidas. 8. Após, abandonaram o local, levando consigo bens, que fizeram seus. NUIPC 1436/22.1... PBLSB 9. Entre as 23 horas e 50 minutos, do dia ... de ... de 2022 e as 02 horas e 40 minutos, do dia ... de ... de 2022, o arguido dirigiu-se ao edifício sito na ..., onde funciona o alojamento local gerido por ..., propriedade de BB. 10. Acompanhado de suspeito cuja identidade não se logrou apurar, o arguido acedeu ao interior, à zona de área comum do prédio, de modo não concretamente apurado, tendo ali utilizado uma chave verdadeira sub-repticiamente retirada ao poder de quem tinha o Direito de a usar para aceder a uma dispensa, de onde retiraram um número não determinado de conjuntos de toalhas e de roupas de cama, com valor superior a 200 € (duzentos euros), cada um deles. 11. Após, abandonaram o local levando os conjuntos de roupas de cama e de toalhas. NUIPC 1116/22.8... PKLSB 12. No dia ... de ... de 2022, no período compreendido entre as 12 horas e as 19 horas e 30 minutos, o arguido dirigiu-se ao alojamento local “...”, sito na ..., onde se encontravam hospedados os ofendidos FF, EE e LL.. 13. Para aceder ao interior, o arguido usou um cartão tipo telemóvel ou chave verdadeira subrepticiamente retirada ao poder de quem tinha o Direito de a usar, do qual retirou: - um computador portátil de marca ..., modelo MacBook Pro, de cor cinza, e respetivo carregador, no valor de 1 990 € (mil novecentos e noventa euros); - um telemóvel de marca ..., modelo Mate 20 Pro, de cor preta, no valor de 959 € (novecentos e cinquenta e nove euros); - dois fones bluetooth NC 700, de cor preta, no valor de 245 € (duzentos e quarenta e cinco euros); - uns óculos de marca ..., modelo Aviador, com armação de cor dourada, no valor de 83 € (oitenta e três euros); - uns óculos de marca ..., cor rosa e lentes castanhas, no valor de 120 € (cento e vinte euros), tudo propriedade da ofendida FF; e - um passaporte, em nome do ofendido EE; - um computador portátil de marca ..., modelo Thinkpad X1 Extreme Gen 1, de cor preta, no valor de 2 030 € (dois mil e trinta euros); - uma consola Retroid Pocket 2+, de cor amarela, no valor de 196 € (cento e noventa e seis euros); - um smartwatch de marca ..., de cor preta, no valor 158 € (cento e cinquenta e oito euros), tudo propriedade do ofendido EE. 14. Na posse dos referidos bens, o arguido abandonou o local, fazendo-os seus. NUIPC 1950/22.9... PFLSB 15. No dia ... de ... de 2022, no período compreendido entre as 11 horas e 50 minutos e as 17 horas e 10 minutos, o arguido descolou-se até ao alojamento local, sito na .... 16. Através da utilização de um cartão tipo telemóvel ou chave verdadeira sub-repticiamente retirada ao poder de quem tinha o Direito de a usar, o arguido logrou aceder ao seu interior. 17. Dali o arguido retirou os bens das ofendidas MM e NN, que se encontravam hospedadas no local. 18. Da ofendida NN: - uma mochila da marca ..., de cor preta, com valor de 2500 CZK (duas mil e quinhentas coroas checas), correspondente a 100,00 € (cem euros), contendo no seu interior: - um computador, da marca ..., modelo Macbook Air, com o carregador, de cor prata, com o número de série SFVFV7JB1WK, com valor de 30 490 CZK (trinta mil quatrocentos e noventa coroas checas), correspondente a 1 240,00 € (mil duzentos e quarenta euros); - uns fones de ouvido, da marca ..., modelo Airpods, de cor branco, com valor 3 832 CZK (três mil oitocentas e trinta e duas coroas checas), correspondente a 155,00 € (cento e cinquenta e cinco euros); - uma coluna de som, da marca ..., de cor castanha, com valor de 1 890 CZK (mil oitocentas e noventa coroas checas), correspondente a 77,00 € (setenta e sete euros); - uns óculos de sol, com valor de 3 400 CZK (três mil e quatrocentas coroas checas), correspondente a 140,00 € (cento e quarenta euros); - um anel de prata, da marca ..., com valor de 4 490 CZK (quatro mil quatrocentas e noventa coroas checas), correspondente a 185,00 € (cento e oitenta e cinco euros); - a carteira pessoal, da marca ... de cor prata, no valor de 2 790 CZK (dois mil setecentas e noventa coroas checas), correspondente a 115,00 € (cento e quinze euros), contendo no interior: - quantia monetária de 5 000 CZK (cinco mil coroas checas), correspondendo a 200,00 € (duzentos euros), em dinheiro; - o passaporte emitido pela ..., a ... de ... de 2019, com o n.º …, em nome da ofendida NN, com validade até ... de ... de 2029, 1 9. Subtraiu, ainda, pertencentes da ofendida MM: - um Ipad Pro, da marca ..., de cor prata, com o número de serie DMPYJ2YHKD6K, com valor de 21 490 CZK (vinte e um mi quatrocentas e noventa coroas checas), correspondente a 840 € (oitocentos e quarenta euros); - dois discos externos, da marca ..., de 2T, no valor á 3 200 CZK (três mil e duzentas coroas checas) por unidade, correspondente a 130,00 (cento e trinta euros) cada; - uma bateria externa, da marca ..., com valor de 1 720 CZK (mil setecentas e vinte euros), correspondente a 70,00 € (setenta euros); - um smartwacth, da marca ..., Série 7, de cor preta, com o número de série GHYXWTM62K, com o valor de 6 240 CZK (seis mil duzentas e quarenta coroas checas), correspondente a 254,00 € (duzentos e cinquenta e quatro) euros; - um projetor pequeno, com valor de 6 890 CZK (seis mil oitocentas e noventa coroas checas), correspondente a 270 € (duzentos e setenta euros); - um casaco à prova de água, da marca ..., de cor preta, no valor de 7 300 CZK (sete mil e trezentas coroas checas), correspondente a 290 € (duzentos e noventa euros). 20. Após, o arguido abandonou o local levando os referidos bens. NUIPC 369/23.9... SGLSB 21. No período compreendido entre as 15 horas e 30 minutos do dia ... de ... de 2023 e as 23 horas e 10 minutos, do dia ... de ... de 2023, o arguido deslocou-se à pensão sita na .... 22. Utilizando um cartão tipo telemóvel ou chave verdadeira sub-repticiamente retirada ao poder de quem tinha o Direito de a usar, o arguido acedeu ao seu interior e dali retirou os seguintes artigos, propriedade dos ofendidos OO e PP: - uma garrafa de vinho no valor de 5,00 € (cinco euros) - dois óculos graduados de massa, no valor de 450,00 € (quatrocentos e cinquenta euros); - uma caixa de som da ... - modelo ..., no valor de 67,00 € (sessenta e sete euros); - um televisor de marca OK, cerca de 21 (vinte e uma) polegadas, no valor de 160,00 € (cento e sessenta) euros; - seis pares de tênis, no valor de 480,00 € (quatrocentos e oitenta euros); - um agasalho da marca ..., de cor vermelha, no valor de 80,00 € (oitenta euros); - um perfume de marca ..., 200 ml (duzentos mililitros), no valor de 126,00 € (cento e vinte e seis euros); - uma máquina de barbear, de marca ..., no valor de 179,00 € (cento e setenta e nove euros); - uma máquina de barbear, de marca ..., no valor de 40,00 € (quarenta euros); - um par de sapatos para sapatear feminino, de cor preto, com sola metálica, tamanho 41 (quarenta e um), no valor de 80,00 € (oitenta euros). 23. Após, o arguido abandonou o local, levando um saco de supermercado denso, com os bens dos ofendidos, um televisor, e às suas costas uma mochila de cor preta, com os restantes bens, que fez seus. NUIPC 990/23.5... PBLSB 24. No dia ... de ... de 2023, entre as 07 horas e 50 minutos e as 09 horas e 15 minutos, o arguido dirigiu-se ao imóvel de alojamento local, denominado “...”, sito na .... 25. O arguido utilizou um cartão tipo telemóvel ou chave verdadeira sub-repticiamente retirada ao poder de quem tinha o Direito de a usar, acedendo ao imóvel e do seu interior retirou bens da empresa com a firma: “...”, gerida por QQ: - uma coluna de marca ..., no valor de 300,00 € (trezentos euros); - uma chaleira de marca ..., no valor de 200,00 € (duzentos euros); - uma torradeira de marca ..., no valor de 200,00 € (duzentos euros); - uma manta fogos; - uma ventoinha; - uma garrafa de champagne ..., no valor de 75,00 € (setenta e cinco euros); - um router; e - uma estatueta de corvo, sem valor apurado. 26. Após, o arguido abandonou o local levando os referidos artigos. 27. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de fazer seus os bens e valores dos ofendidos, contra a vontade destes, bem sabendo que os bens existentes no interior dos imóveis a que acedeu não lhe pertenciam e que ali não tinha autorização de entrar, o que fez, introduzindo-se nos imóveis, onde residiam os ofendidos, mediante utilização de cartão tipo telemóvel ou chave verdadeira sub-repticiamente retirada ao poder de quem tinha o Direito, sem o consentimento e contra a vontade dos seus proprietários e hóspedes, daí retirando os objetos descritos, os quais quis fazer seus, contra a vontade daqueles, o que representou e conseguiu. 28. Agiu da mesma forma para se introduzir ilegitimamente em dependência anexa a habitação, sem autorização do proprietário, fazendo seus os bens ali existentes, contra a vontade e em prejuízo daquele. 29. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. Mais resultou provado que: 30. Do certificado do registo criminal do arguido AA consta: a) no processo com o número 122/01, por sentença proferida em ... de ... de 2002, transitada em julgado em ... de ... de 2002, foi condenado na pena única de 50 (cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 3,00 (três euros), pela prática, em ... de ... de 2001, de 1 (um) crime de condução sem habilitação legal e de 1 (um) crime de desobediência, previstos e punidos, respetivamente, pelo artigo 3º, do Decreto-Lei n.º 2/98, de ... e pelo artigo 348, n.º 1, alínea a), do Código Penal. Por despacho judicial proferido em ... de ... de 2005 foi declarada extinta a pena de multa pelo respetivo cumprimento. b) no processo com o NUIPC 847/00-8PHLSB, por acórdão proferido em ... de ... de 2003, transitado em julgado em ... de ... de 2003, foi condenado na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, pela prática, em ... de ... de 2001, de 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203 e 204, n.º 2, alínea f), do Código Penal. Por despacho judicial proferido em ... de ... de 2006, foi declarada a extinção da pena, nos termos do disposto no artigo 57, do Código Penal. c) no processo com o NUIPC 2211/03.8..., por sentença proferida em ..., transitada em julgado em ... de ... de 2005, foi condenado na pena de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, pela prática, em ... de ... de 2003, de 1 (um) crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido, pelo artigo 3º, do Decreto-Lei n.º 2/98, de .... Por despacho judicial proferido em ... de ... de 2009, foi declarada a extinção da pena, nos termos do disposto no artigo 57, do Código Penal. d) no processo com o NUIPC 573/07.7..., por sentença proferida em ... de ... de 2010, transitada em julgado em ... de ... de 2010, foi condenado na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, pela prática, em ... de ... de 2007, de 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203, n.º 1 e 204, n.º 2, alínea e), do Código Penal. Por despacho judicial proferido em ... de ... de 2012, foi declarada a extinção da pena, nos termos do disposto no artigo 57, do Código Penal. e) no processo com o NUIPC 129/07.4..., por sentença proferida em ... de ... de 2011, transitada em julgado em ... de ... de 2011, foi condenado na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, pela prática, em ... de ... de 2007, de 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203, n.º 1 e 204, n.º 2, alínea e), por referência ao disposto no artigo 202, alínea d), do Código Penal. Por despacho judicial proferido em ... de ... de 2014 foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão. f) no processo com o NUIPC 393/11.4..., por acórdão proferido em ... de ... de 2012, transitado em julgado em ... de ... de 2013, foi condenado na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva, pela prática, em ... de ... de 2011, de 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203 e 204, n.º 1, alínea f) e n.º 2, alínea a), do Código Penal. Por despacho judicial proferido em ... de ... de 2020, pelo Tribunal de Execução das Penas de Lisboa, foram declaradas extintas pelo cumprimento as penas de prisão efetiva acima referidas. g) no processo com o NUIPC 1435/23.6..., por acórdão proferido em ... de ... de 2024, transitado em julgado em ... de ... de 2024, foi condenado na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva, pela prática, em ... de ... de 2023, de 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203, n.º 1 e 204, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea e), do Código Penal. 31. O arguido AA cresceu na zona do ..., associada à criminalidade e toxicodependência apesar de o processo de desenvolvimento ter decorrido no seio de um agregado com ambiente sociofamiliar afetivo, com práticas parentais permissivas por parte da progenitora, contrastando com um registo autoritário do progenitor. 32. O percurso escolar do arguido iniciou-se em idade regular, porém, pautado pela desmotivação e elevado absentismo, havendo concluído o 5º ano de escolaridade, abandonando os estudos com 13 (treze) anos de idade. 33. O arguido, durante o cumprimento da liberdade condicional, residiu com a companheira, relacionamento este que mantinha desde os 18 (dezoito) anos de idade, do qual nasceram dois filhos, ambos maiores e autonomizados. 34. Terminada a relação afetiva com a companheira, o arguido foi residir com os seus progenitores. 35. À data dos factos, o arguido residia na rua, em situação de sem-abrigo, por haver abandonado a residência dos seus progenitores, em virtude de uma “recaída” nos consumos aditivos. 36. Apesar de haver abandonado a residência dos progenitores, o arguido continuou a beneficiar do apoio dos mesmos, 37. O arguido, à data da prática dos factos, encontrava-se numa situação económica precária, sem desenvolver qualquer atividade laboral, 38. apesar de registar hábitos de trabalho, nomeadamente como técnico de eletromecânica e de ar condicionado, na construção civil (nesta área sem vínculo contratual) e em alojamentos locais. 39. Os hábitos aditivos iniciaram-se aos 16 (dezasseis) anos de idade, com o consumo de haxixe e heroína fumada, passando a registar ainda consumos etílicos após os 19 (dezanove) anos. 40. Em virtude desta problemática aditiva, o arguido tem integrado programas de tratamento quer em internamento, quer em ambulatório, registando sempre recaídas. 41. Encontra-se presentemente em cumprimento de pena, sem registo de sanções disciplinares, apresentando uma conduta adequado e integrado laboralmente nas brigadas de obras. 42. Beneficia de apoio familiar, com visitas regulares por parte da progenitora, dos filhos, netos e irmão, bem como com algum apoio pecuniário. 43. Os serviços clínicos acompanham-no com psicofármacos de natureza ansiolítica e antidepressiva. (…) O Tribunal fundou a sua convicção nos seguintes termos: A convicção do Tribunal formou-se com base na análise crítica da prova que infra se descreverá, tendo em conta as declarações confessórias do arguido, nos depoimentos das testemunhas, a prova documental e ainda as regras de experiência comum e da normalidade das coisas, sobretudo face à tipologia habitual dos casos como o dos autos. A apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, faz-se segundo as regras da experiência e a livre convicção do Juiz, nos termos do disposto no artigo 127, do Código de Processo Penal. No entanto, não se confunde esta, de modo algum, com apreciação arbitrária de prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. É dentro dos tais pressupostos valorativos da obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio, suposto pela ordem jurídica, que o julgador se deve colocar ao apreciar livremente a prova, refletindo sobre os factos, utilizando a sua capacidade de raciocínio, a sua compreensão das coisas, o seu saber de experiência feito. É a partir desses fatores que se estabelece, realmente, uma tarefa (ainda que árdua) que se desempenha de acordo com o dever de prosseguir a verdade material. Em conformidade com o disposto no n.º 2, do artigo 374, do Código de Processo Penal, é nosso dever, para além da enumeração dos factos provados e não provados e a indicação das provas que serviram para formar a nossa convicção, fazer uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão sobre esta matéria, impondo-se ao tribunal, sob pena de incorrer em nulidade (cfr. alínea a), do artigo 379, do Código de Processo Penal), o dever de explicar porque decidiu de um modo e não de outro. Os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos que constituem o substrato racional que conduzem à formação da convicção do tribunal em determinado sentido e não noutro, devem ser revelados aos destinatários da decisão que são, não apenas os sujeitos processuais mas também a própria sociedade, o conjunto dos cidadãos. O Tribunal tem de esclarecer porque é que valorou de determinada forma e não de outra os diversos meios de prova carreados para a audiência de julgamento. Só assim se permite aos sujeitos processuais e ao Tribunal Superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso, conforme impõe, inequivocamente, o artigo 410, do Código de Processo Penal. Deve, assim, a decisão sobre a matéria de facto assegurar pelo conteúdo um respeito efetivo pelo Princípio da Legalidade, pela independência e imparcialidade dos juízes. Foi á luz deste exato sentido e alcance da Lei que se procedeu à apreciação faz provas constantes dos autos e examinadas em audiência, afinal, as únicas que podem valer para a formação da convicção do tribunal, nos precisos termos do n.º 1, do artigo 355, do Código de Processo Penal. Concretizando: O Tribunal formou a sua convicção nas declarações prestadas pelo arguido AA que reconheceu a veracidade dos factos constantes da acusação no que se reporta à imputação objetiva dos factos ao agente, por outras palavras: admitiu ser o (co)autor dos factos constantes da acusação, negando, contudo, ter-se introduzido nos espaços mediante arrombamento, mas sim mediante a utilização de cartão tipo telemóvel ou chave verdadeira sub-repticiamente retirada ao poder de quem tinha o Direito, e ter subtraído a totalidade dos bens cuja subtração lhe é imputada e respetivos valores. Em face destas declarações confessórias, consideradas mediante o visionamento, em audiência de julgamento e com confronto com o arguido, de todas as imagens recolhidas por sistemas de videovigilância, onde a pessoa do arguido é absolutamente visível e identificável ou tem correspondência com as características físicas e expressão corporal do arguido, o Tribunal procurou ouvir em depoimento as testemunhas / ofendidos, a fim de apurar factos como sejam, data, hora e local da prática dos factos, bens subtraídos e respetivos valores – como adiante se descreverá. A propósito do NUIPC 1346/22.2..., o Tribunal tomou ainda em consideração, na formação da sua convicção: - o teor do auto de notícia de fls. 27 a 29 (a respeito da data, hora e local da prática dos factos e identidade das ofendidas), o auto de visionamento de imagens de fls. 6 a 8 (a respeito da localização do alojamento, do dia e da hora em que os factos ocorreram e da identidade do arguido e atuação do mesmo – local de entrada e saída e ocultação e transporte do objeto subtraído, o aditamento de fls. 9 (onde de logra a identificação do suspeito como sendo o arguido); - o depoimento da testemunha/ofendida GG, que situou os factos há 2 (dois) anos, quando, conjuntamente com uma amiga de nome ... vieram a Lisboa, de férias, ficando hospedadas no “...”. Recordou que, ao regressarem ao alojamento, aperceberam-se que a porta estava aberta, havia fumo de cigarro, estava tudo despejado na cama, tudo remexido, pelo que chamaram a polícia ao darem conta de existirem coisas em falta. Também informou do sucedido às pessoas responsáveis pelo alojamento, na respetiva receção. Deu por falta de: um computador de marca ..., modelo Mac Retina, num valor entre os 800 € (oitocentos euros) e os 1 200 € (mil e duzentos euros), um microfone de marca Rode, num valor entre os 400 € (quatrocentos euros) e os 600 € (seiscentos euros), joias da sua amiga, uma mochila com roupa no seu interior, dois telemóveis de marca ..., um deles modelo Iphone 11, atribuindo a um o valor de 300 € (trezentos euros) e ao outro um valor de 1 300 € (mil e trezentos euros). Tiveram oportunidade de visualizar imagens captadas pela câmara de segurança. Em virtude dos acontecimentos acabaram por ser hospedadas numa outra unidade hoteleira dos mesmos proprietários – .... Uma vez que já havia residido na ..., recordou que desapareceram ainda 400 $Aus (quatrocentos dólares autralianos). O seguro apenas cobriu o valor do computador. - o depoimento da testemunha/ofendida ..., que recordou a viagem a Lisboa, na companhia da sua amiga RR. No dia em que lhe subtraíram os seus pertences, tinha saído para ir à manicura e, ao regressar, reparou que estava tudo remexido e haviam sido subtraídas coisas, nomeadamente um computador de trabalho de marca ..., modelo Mac, um telemóvel de marca ..., joias, num valor atribuído de 2 500 € (dois mil e quinhentos euros). Acrescentou que nada mais lhe foi retirado e nada foi recuperado, apesar de ter logrado ser indemnização quer pelo seguro do alojamento, quer pela seguradora. Remeteu, em complemento ao seu depoimento, documentos que se reportam à identificação dos objetos subtraídos e respetivos valores. A propósito do NUIPC 1400/22.0PBLSB, o Tribunal tomou ainda em consideração, na formação da sua convicção: - o teor do auto de notícia de fls. 2 a 4 (a respeito da data, hora e local da prática dos factos e identidade do arguido), o aditamento de fls. 6 a 16, o auto de visionamento de fls. 15 a 28, do apenso em causa; - o depoimento da testemunha SS, empresária de lavandaria, presta serviços de lavandaria e vários alojamentos locais, recordado que um deles se situava na .... Em virtude da ausência do senhor TT – explorador do alojamento local –, foi esta testemunha responsável pelo exercício das funções de check-in. A respeito de bens subtraídos, apenas se recorda de ter sido subtraído um tablet, porquanto o mesmo foi utilizado para obter a localização do(s) autor(es) dos factos. Concluiu o seu depoimento referindo ter sido a única vez que ocorreu este tipo de situação no local, tanto quanto tem conhecimento. A propósito do NUIPC 1436/22.1PBLSB, o Tribunal tomou ainda em consideração, na formação da sua convicção: - o teor do auto de denúncia de fls. 4 e 5 (a respeito da data, hora e local da prática dos factos e identidade da ofendida), a certidão permanente de fls. 6, os fotogramas de fls. 7 a 9, aditamento de fls. 12 (quanto à identificação do arguido), todos dos autos apensos e o auto de o visionamento de fls. 139 a 152 dos autos principais, sendo absolutamente visível e identificável a ação do arguido e outro indivíduo não identificado, que se introduziram no espaço em causa, perto da meia noite, de um modo furtivo, determinado a ir buscar, entre o mais, conjuntos de toalhas que utilizava para a sua higiene pessoal e descartava (como admitido pelo próprio arguido em declarações). É ainda percetível que deixaram ainda bastantes bens no interior do armário, porquanto não os conseguiriam transportar consigo, uma vez que carregados de sacos e mochilas, voltando a fechar o cadeado. - o depoimento da testemunha BB, empresário do turismo e agrícola, explora um edifício com 8 (oito) frações de alojamento local, gerido pela sociedade comercial com a firma .... Através do visionamento das imagens registadas pelo sistema de videovigilância, foi possível constatar que dois indivíduos, se dirigiram ao “espaço técnico”, a meio da noite, e, no local, levaram vários sacos contendo roupas de cama limpas (capas de edredão, fronhas) para substituir as usadas existentes nos espaços de alojamento, toalheiros, almofadas, lâmpadas, tintas. Estimou o valor destes bens entre 3 000,00 € (três mil euros) e 3 500,00 € (três mil e quinhentos euros), porquanto, para manter os padrões de qualidade e marca, optaram por comprar sempre na loja ..., nas ..., sendo esse o valor que despenderam com a reposição dos bens. A título de exemplo, referiu que um conjunto completo de banho custa certa de 200 € (duzentos euros) e uma capa de edredão em torno dos 200 € (duzentos euros). A propósito do NUIPC 1116/22.8PKLSB, o Tribunal tomou ainda em consideração, na formação da sua convicção: - o teor do auto de notícia de fls. 2 e 3 (a respeito da data, hora e local da prática dos factos e identidade dos ofendidos), os autos de denúncia de fls. 16 e 17, 20, os autos de visionamento de fls. 35 a 38, o aditamento de fls. 41, do apenso em causa. - o depoimento da testemunha/ofendido EE que referiu ter arrendado um apartamento em Lisboa, no mês de ... e que, ao regressarem ao mesmo, constataram ter sido assaltados. Levaram dois headphones com cancelamento de ruído NC700, no valor de 245 € (duzentos e quarenta e cinco euros) – considerando o valor do dólar australiano ser de 0,60 € –, um smartwhatch, marca ..., no valor de 158 € (cento e cinquenta e oito euros), uma consola de jogos, no valor de 196 € (cento e noventa e seis euros), um passaporte cuja renovação custo 320 € (trezentos e vinte euros), um computador de marca ..., no valor de 2 030 € (dois mil e trinta euros), um telemóvel de marca ..., modelo 20 Pro, no valor de 959 € (novecentos e cinquenta e nove euros), um computador de marca ..., modelo MacBook Pro, o valor de 1 990 € (mil novecentos e noventa euros), uns óculos ..., no valor de 83 € (oitenta e três euros) e uns óculos de marca ..., no valo de 120 € (cento e vinte euros). Terminou o seu depoimento afirmando que nada foi recuperado, com exceção do passaporte, contudo, sem qualquer valor ou utilidade uma vez que já tinha sido cancelado por virtude da subtração. Acabou por ser indemnizado num valor aproximado de 5 454 € (cinco mil quatrocentos e cinquenta e quatro euros), sendo o seu prejuízo global (dele e da companheira, a ofendida FF) de 6 336 € (seis mil trezentos e trinta e seis euros). A propósito do NUIPC 1950/22.9..., o Tribunal tomou ainda em consideração, na formação da sua convicção: - o teor do auto de denúncia de fls. 2 e 3 (a respeito da data, hora e local da prática dos factos e identidade das ofendidas), os aditamentos de fls. 13 e 28, os autos de visionamento de fls. 16, 17 a 23, do apenso em causa. - o depoimento da testemunha/ofendida MM que recordou ter vindo a Lisboa, em férias, no mês de .... Uma vez que ainda era cedo (cerca das 11 horas) e o quarto não estava pronto (a senhora das limpezas ainda lá estava), o host autorizou que deixassem as suas coisas no local e pudessem sair. Uma das malas que deixou tinha por conteúdo aparelhos eletrónicos. Quando regressaram, cerca das 17 horas, a porta do alojamento estava fechada e os seus pertences estavam todos espalhados. Participaram a situação ao host. Quanto aos objetos subtraídos: um Ipad, no valor de 840 € (oitocentos e quarenta euros) – considerando que 1 € equivale a 25 coroas checas) –, um Ipod, um Iphone, no valor de 160 € (cento e sessenta euros), um ..., no valor de 250 € (duzentos e cinquenta euros), um powerbank, no valor de 70 € (setenta euros), 200 € (duzentos euros em coroas checas, dois discos externos de memória, no valor de 140 € (cento e quarenta euros), um projetor, no valor de 270 € (duzentos e setenta euros), um casaco da marca ..., no valor de 290 € (duzentos e noventa euros), uns óculos de sol, no valor de 250 € (duzentos e cinquenta euros). Acrescentou que deixaram a mala no local e levaram os itens, nada tendo sido recuperado e não foram indemnizados porque não houve arrombamento da porta. - o depoimento da testemunha/ofendida NN que, confirmando o que já havia sido dito pela testemunha CC, afirmou que deixaram as suas coisas – malas – no alojamento com autorização do responsável do alojamento, uma vez que ainda era cedo e a senhora da limpeza ainda estava a efetuar a limpeza do espaço. Ao regressarem, cerca das 17 horas, constataram que estava tudo espalhado pelo quarto e faltavam coisas, pelo que contactaram o responsável pelo alojamento e participaram a ocorrência às autoridades policiais. Uma vez que tinham sido subtraídos aparelhos eletrónicos com localizador GPS, foi possível acompanharem, em tempo real, a movimentação dos bens. Acrescenta que ficou no alojamento, enquanto a CC acompanhou a polícia. Recordou que disponham de fotografias do que tinha acontecido, as quais forneceram às autoridades policiais, constatando que os factos ocorreram pelas 13 horas e 08 minutos. Não obstante os esforços a apresentação de queixa junto das autoridades policiais, não lograram a recuperação dos objetos. Identificou os objetos subtraídos como sendo um computador de marca ..., modelo Macbook, prateado, no valor de 1 240 € (mil duzentos e quarenta euros), uma mochila de cor preta, de marca ..., no valor de 100 € (cem euros), um speaker, no valor de 77 € (setenta e sete euros), uma carteira, no valor de 115 € (cento e quinze euros), contendo no seu interior 200 € em dinheiro e cartões de identidade e ainda um anel de prata, no valor de 185 € (cento e oitenta e cinco euros). Acrescentou que a fechadura não foi partida e que não recebeu qualquer valor a título de reparação ou indemnização, admitindo como possível que também tenha sido subtraído um passaporte. A propósito do NUIPC 369/23.9..., o Tribunal tomou ainda em consideração, na formação da sua convicção: - o teor do auto de notícia de fls. 2 e 3 (a respeito da data, hora e local da prática dos factos e identidade dos ofendidos), o aditamento de fls. 9 (quanto à identificação do arguido), o auto de visionamento de fls. 14 a 21 e 22, do apenso em causa. - o depoimento da testemunha/ofendido PP, advogado, que residia, à data dos factos (que situa há um ano e meio), na .... Na ocasião foi viajar e quando regressou deparou-se com tudo remexido. Levaram joias, óculos, ténis quer dele, quer da sua mulher UU. Em suma, disse que só ficaram coisas do próprio apartamento. Procurando descrever o que levaram, refere 8 (oito) ou 9 (nove) pares de ténis, cada um no valor de 120,00 € (cento e vinte euros), dois óculos graduados, em massa, no valor de 230,00 € (duzentos e trinta euros) cada um, um televisor de marca OK, de 21 (vinte e uma) polegadas, no valor de 200,00 € (duzentos euros), um agasalho de marca ..., vermelho, no valor de 80,00 € (oitenta euros), um par de sapatos de sapateado, pertencentes à sua mulher, no valor de 120 € (cento e vinte euros) a 150 € (cento e cinquenta euros), tamanho 41, com sola metálica, joias no valor de 500 € (quinhentos euros), um perfume 212, ..., de 200 ml (duzentos mililitros), no valor de 180 € (cento e oitenta euros), um aparelho ... ..., no valor de 80 € (oitenta euros), duas máquinas de barbear, uma de marca ..., outra de marca ..., com os valores de 250 € (duzentos e cinquenta euros) e 50 € (cinquenta euros), respetivamente, uma garrafa de vinho na ordem dos 5,00 € (cinco euros). Mais esclareceu a testemunha que se tratava de um arrendamento com móveis, acrescentando que apenas tomou real noção do prejuízo quando regressou às lojas com vista a repor os bens subtraídos, não havendo beneficiado de qualquer seguro. A propósito do NUIPC 990/23.5..., o Tribunal tomou ainda em consideração, na formação da sua convicção: - o teor do auto de notícia de fls. 4 e 5 (a respeito da data, hora e local da prática dos factos e identidade da ofendida), o aditamento de fls. 7 e 8 (quanto à identificação do arguido), o auto de visionamento de fls. 16 a 23 do apenso em causa e fls. 177 a 184 dos autos principais – sendo igualmente visível a entrada e movimentação do arguido e, bem assim, a sua cabal identificação. Em cerca de cinco minutos sai transportando um saco de grandes dimensões, capaz de albergar no seu interior os objetos subtraídos e ainda um objeto que foi identificado como uma ventoinha. Mutatis mutandis, o que se consigna a respeito deste auto de visionamento vale para os demais acima referidos, porquanto deles é possível associar os comportamentos ilícitos à pessoa do arguido que, como já se referiu, assumiu a imputação objetiva das suas ações. - o depoimento da testemunha/ofendido VV, concierge e gestor do alojamento turístico ..., situado na ..., que descreveu os bens subtraídos como sendo: uma aparelhagem de marca ..., com um valor entre os 200 € (duzentos euros) e os 300 € (trezentos euros), uma estatueta, à qual não sabe atribuir valor, um conjunto de pequenos eletrodomésticos, todos de marca ..., nomeadamente uma chaleira, torradeira, liquidificador, cada um num valor entre os 200 € (duzentos euros) e os 300 € (trezentos euros), um aparelho router, uma ventoinha (com características específicas, visível nas imagens captadas), uma garrafa de champanhe, de marca ..., no valor de 75 € (setenta e cinco euros), uma garrafa de vinho tinto e uma de vinho branco, um extintor, uma manta para apagar fogo. Acrescentou que nenhum dos objetos foi recuperado e que, havendo seguro, desconhece se cobriu os prejuízos. Tanto quanto se recorda, a porta de acesso foi forçada. Os depoimentos acima referidos foram prestados, sem exceção, com objetividade, isenção e coerência, sendo percetível que nenhuma das testemunhas quis imputar, em audiência de julgamento, mais factos do que aqueles que se recordavam e os valores atribuídos estão situados dentro da normalidade conhecida pelo homem médio. Esclareça-se que o Tribunal não valorou as declarações do arguido na parte em que quis fazer crer nunca levar consigo bens da marca ..., alegadamente por serem bens que não conseguiria transmitir. Como é evidente, são bens conhecidos do público, comummente adquiridos na nossa sociedade de consumo, são conhecidos os meios onde os mesmos são comercializados depois de desbloqueados e seria absolutamente inverosímil que tantas testemunhas quisessem todas elas, sem motivo, “prejudicar” o arguido com a identificação de uma marca. O certificado do registo criminal de fls. 462 a 468, e do relatório social de fls. 379 verso a 382 foram, evidentemente considerados para prova dos factos respetivos». 3. Do recurso interposto 3.1. Do erro notório na apreciação da prova e do erro de julgamento Neste conspecto, invoca o recorrente, em suma, que: «O recorrente discorda de alguns factos dados como provados quando salvo melhor opinião, não o deveriam ter sido, pelo que não deveria ter sido condenado como foi, Mais concretamente o facto 10 quanto à quantidade e valor dos bens, conforme gravação via ... entre as 14 horas e 15 minutos e o seu termo pelas 14 horas e 28 minutos” da 2.ª sessão de julgamento realizada a ... de ... de 2025 da testemunha BB, E factos 15 a 20 dados como provados que nunca poderiam ser suficientes à sua condenação, quando as testemunhas ouvidas não foram nesse sentido, e quando não existem imagens dos furtos, mas somente do arguido noutra hora e dias a visitar o referido AL e a tentar abrir sem mais portas de partes não concretamente apuradas, conforme depoimentos das testemunhas CC desde as “10 horas e 33 minutos e o seu termo pelas 10 horas e50 minutos” e DD desdeas “10 horas e 50 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 08 minutos” da 3.ª sessão de audiência e julgamento realizada a ... de ... de 2025, Mesmo se falhando a prova, nunca no respeito estrito do princípio in dúbio pro reu poderia o arguido ser condenado como foi, existindo um vício de erro notório na apreciação da prova (al. c) do nº 2 do Artº 410º do CPP)». Vejamos, então. Preliminarmente, urge esclarecer que a alegação do recorrente traduz, não o pretextado e expressamente invocado vício de procedimento resultante do texto da decisão recorrida (conforme prevê o n.º 2 do artigo 410.º, do C.P.P.), a se ou cotejada com as regras da experiência comum, mas sim a invocação de um erro de julgamento da matéria de facto (n.º 3 e 4 do artigo 412.º, do C.P.P.). Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22 de Setembro de 2015, processo n.º 2619/12.8GBABF.E1, in www.dgsi.pt., «Trata-se de deficiências distintas, no ponto em que o invocado vício de erro notório reporta a um defeito in procedendo, resultante, à evidência, da própria decisão, que subscreve, designadamente, uma falha grosseira na análise da prova, tendo por consequência o reenvio do processo para novo julgamento (artigo 426.º n.º 1, do CPP), enquanto o erro de julgamento em matéria de facto traduz um defeito in judicando, cuja sequela implica a comutação da matéria de facto (artigo 431.º, do CPP)». «Os vícios da decisão – a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova – previstos, por esta ordem, nas três alíneas do nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal, constituem fundamento para recurso da matéria de facto [e isto, independentemente de a lei o restringir à matéria de direito] e são de conhecimento oficioso, conforme jurisprudência fixada pelo Acórdão nº 7/95, de 19 de Outubro (DR, I-A, de 28 de Dezembro de 1995). Estamos perante defeitos estruturais da própria decisão penal, razão pela qual a lei exige que a sua demonstração resulte do respectivo texto por si só, ou em conjugação com as regras da experiência comum. No âmbito da revista alargada – comum designação do regime – o tribunal de recurso não conhece da matéria de facto – no sentido da reapreciação da prova –, antes limita a sua actuação à detecção dos vícios que a sentença, por si só e nos seus precisos termos, evidencia e, não podendo saná-los, determina o reenvio do processo para novo julgamento. (…) Existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal valora a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª, Edição, Editorial Verbo, pág. 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, ob. cit., pág. 74)»1 No que concerne ao erro notório na apreciação da prova (artigo 410.º, n.º 2, al. c), do C.P.P.), tendo o mesmo de resultar do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ocorrerá quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida. E existe, outrossim, erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, ou quando da decisão recorrida resultar que, tendo chegado a uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos, o tribunal a quo decidiu em desfavor do arguido. Porém, do texto da decisão recorrida não resulta qualquer dos vícios a que alude o art. 410.º n.º 2, do C.P.P. Na verdade, não se vislumbra (nem em rigor é invocado) que sobressaia da decisão, por si só e/ou com recurso às regras da experiência comum, qualquer falha evidente na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário, nem se vê que os Srs. Juízes e a Sra. Juíza do Tribunal a quo se tenham debatido com qualquer estado de dúvida e que o tenham resolvido violentando o princípio in dubio pro reo. Como se constata da motivação transcrita, procederam, antes, a um exame detalhado da prova produzida, concatenando-a num percurso de apreciação pautado pela normalidade e racionalidade e em consonância com as regras da lógica e da experiência comum. Passemos, então, à apreciação da dissensão do recorrente relativamente ao julgado, na instância, sobre a matéria de facto. Como decorre das conclusões e da motivação do recurso, o recorrente alega, em síntese, que a prova produzida, por insuficiente, impunha que o Tribunal Colectivo considerasse não provados os factos n.º 10 quanto à quantidade e valor dos bens e os 15 a 20 quanto à autoria do arguido e à subtracção, também, de um passaporte. Consentindo que o alegado traduz a impugnação do julgamento realizado na instância sobre a matéria de facto, como impõe o art. 412.º n.º 3, do C.P.P., dir-se-á, desde já, que o argumentário aduzido não pode colher provimento. «(…) Assim, o juiz que, em 1.ª instância, julga de facto, goza de ampla (conquanto vinculada) liberdade de movimentos ao erigir os meios de que se serve na fixação dos factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção e apreciação da prova. Nos termos expressamente prevenidos no artigo 127.º, do CPP, as provas são livremente valoradas pelo juiz sem obediência a regras pré-fixadas. Ora, há-de conceder-se, essa liberdade de apreciação com base no conjunto do material probatório recolhido pela percepção global, traduzido numa síntese decisória, é insindicável por este Tribunal. Como assim, o Tribunal de recurso só em casos excepcionais de manifesto erro de apreciação da prova poderá comutar a decisão levada na instância – será, por exemplo e caricatura, o caso de o depoimento de uma testemunha ter um sentido diametralmente oposto ao que foi considerado na sentença recorrida. Vale dizer que, por força do referido princípio da livre apreciação da prova (não estando em causa, como, no caso, não está, prova tarifada ou legal), o processo de formação da livre convicção do julgador na apreciação da prova não é questionável pelo tribunal de recurso. A esta instância caberá apenas indagar se tal apreciação e julgamento são contrariados pelas regras da experiência comum ou pela lógica do homem médio (diga-se mesmo, do julgador médio) suposto pela ordem jurídica. (…) Tendo em conta o princípio da apreciação da prova nos termos do art. 127.º do CPP, uma coisa é a valoração da prova efectuada pelo tribunal e outra, o modo da sua impugnação em recurso sobre a matéria de facto, de forma processualmente válida, que não se traduz em mera exposição pelo recorrente como em seu entendimento faz a valoração da prova, sob pena de se limitar a impugnar a convicção do tribunal recorrido. O que a lei pretende ao vincular o recorrente à indicação das provas que impõem decisão diversa, não é, certamente, que este formule uma outra versão da prova produzida. (…) E as provas que impõem essa diversa decisão são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que tendo sido, ponham em causa ou contradigam o entendimento decantado para a decisão recorrida. Se a tais provas faltam esses pressupostos, não conduzem a outra decisão.»2 Vejamos, pois, em concreto. À luz da prova documental e pessoal produzida que, no que aos segmentos impugnados importa, se resume aos depoimentos das testemunhas BB, MM e NN e às declarações do arguido (a cuja audição integral se procedeu nesta instância de recurso) não se vislumbra que, no cotejo com a motivação, os Srs. Juízes e a Sra. Juíza devessem ter alcançado qualquer estado de dúvida a resolver pro reo. Com efeito, revisitada a prova, constata-se que: - No que respeita ao facto 10º, em que a dissonância do recorrente se cinge ao valor dado como assente por cada conjunto subtraído (€200), a testemunha BB, que confirmou tal segmento, efectuou um relato credível e sem resquício do apontado empolamento; - Relativamente à autoria dos factos provados sob os pontos 15º a 20º, desde logo é de realçar que, conforme decorre da audição das declarações e depoimento prestadas em julgamento, o próprio arguido quando confrontado pelo Tribunal a quo com as (segundas) imagens atinentes ao dia ..., pelas 13h9m, confirmou ter sido (co)autor daqueles concretos factos, complementando que só não se lembrava que bens em concreto tinha subtraído e que a testemunha NN admitiu expressamente que, na ocasião, também lhe tivesse sido subtraído o passaporte. Ademais, o in dubio pro reo é um princípio atinente ao foro probatório em processo penal, a operar nas condições em que subsiste a dúvida, o non liquet. «(…) O princípio da livre apreciação da prova, entendido como esforço para alcançar a verdade material, como tensão de objectividade, encontra assim no “in dubio pro reo” o seu limite normativo: ao mesmo tempo que transmite o carácter objectivo à dúvida que acciona este último. Livre convicção e dúvida que impede a sua formação são face e contra-face de uma mesma intenção: a de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva»3 «(…) O “in dubio pro reo”, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (cfr. Cristina Líbano Monteiro, «In Dúbio Pro Reo», Coimbra, 1997). (…) Donde que «não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável (“a doubt for which reasons can be given”)». Pois que «nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais». Enfim, «a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal».4 Por fim, «(…) os recursos são remédios jurídicos, que visam detectar e corrigir erros de julgamento, devendo a Relação conter-se no âmbito dos seus poderes de sindicância da sentença com vista à detecção de erros de julgamento, e abstendo-se de efectuar “segundos julgamentos”. Constatando-se que não são detectáveis desconformidades entre a prova produzida e a percepção que dela foi feita, que inexistem provas proibidas ou produzidas fora dos procedimentos legais, e que o tribunal justificou suficientemente na sentença as opções que fez na valoração dos contributos probatórios, atribuindo-lhes valor positivo ou negativo de modo sempre racionalmente justificado, de acordo com regras de lógica e de experiência comum e com respeito pelo princípio do in dubio pro reo»5, restar-nos-á manter a decisão da matéria de facto. Em face de todo o exposto, outra solução não resta senão a de se concluir pela improcedência deste segmento recursivo. 3.2. Do invocado erro de julgamento quanto à matéria de direito 3.2.1. Da violação do princípio do contraditório na comunicação da alteração da qualificação jurídica A este propósito, o recorrente queda-se pela invocação de que aquando da comunicação da alteração da qualificação, efectuada pelo Tribunal a quo, não lhe foi concedido prazo para defesa. Vejamos. Como decorre expressamente do art. 358º, n.º 3 do C.P.P. «O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia». Vale por dizer que, ante uma putativa alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação ou da pronúncia, incumbe ao Tribunal6 proceder à comunicação da alteração, tal qual resulta do preceituado no n.º 1 do citado normativo7. Por outro lado, é inolvidável que «Para ser efectiva essa defesa, poderá ser necessário que o arguido disponha de algum tempo, que, mediante requerimento, será fixado de acordo, nomeadamente, com a complexidade da questão»8. Todavia, no caso, constata-se que o Tribunal a quo procedeu à comunicação da alteração da qualificação jurídica e que ficou expressamente consignado na acta de audiência de julgamento de ... de ... de 2025, o seguinte: «Comunicada a alteração da qualificação jurídica, pelo Meritíssimo Juiz foi dada a palavra à Ilustre Defensora do arguido, a qual, no seu uso, disse nada ter a opor». Ou seja, não só o Sr. Juiz Presidente do Tribunal a quo procedeu à comunicação da alteração da qualificação jurídica, como ficou explicitamente inscrito que o arguido, ora recorrente, na pessoa da sua defensora, Sra. Dra. WW, concordava com a predita alteração. Nestas circunstâncias, à míngua da invocação de qualquer inexactidão ou falsidade da predita acta de julgamento, afigura-se que a ora - em sede de recurso - propalada violação do contraditório para além de votada ao insucesso, assemelha-se a um verdadeiro abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium. Manifesto é, pois, que o recurso terá de improceder, neste conspecto. 3.2.2. Da unidade e pluralidade de crimes A este respeito, o recorrente, em síntese, invoca que: «(…) acusado de“seis crimes defurtoqualificado, previstos e puníveis pelos art.s 203, n.º 1, 204, n.º 2, alínea e), com referência ao art. 202, alíneas d) e f), do Código Penal e 1 crime de furto qualificado, p.p. pelos art.s 203, n.º 1, 204, n.º 1, alínea e), do CP., Viu em sede de audiência de julgamento alterada a qualificação jurídica, dos crimes cometidos, com o “desdobramento” dos crimes praticados pelo facto de terem vários ofendidos… pelo que passou a estar acusado e foi efectivamente julgado por “prática de 9 (nove) crimes de furto qualificado, na forma consumada e em autoria material, nos termos do disposto nos art.s 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 2, alínea e), todos do Código Penal (adiante “CP”), com referência à alínea f), do art. 202, do mesmo diploma legal, e de 1 (um) crime de furto qualificado, na forma consumada e em coautoria material, nos termos do disposto nos art.s 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 1, alínea e), todos do CP, com referência à alínea f), do art. 202, do mesmo diploma legal». Nesta parte, em suma e para o que agora releva, o Tribunal a quo consignou no acórdão recorrido que: «Qualificação jurídica dos diversos episódios: Factos provados 1. a 4. – o arguido cometeu 2 (dois) crimes de furto qualificado, na forma consumada e em autoria material, nos termos do disposto nos artigos 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 2, alínea e), todos do Código Penal, com referência à alínea f), do artigo 202, do mesmo diploma legal, porquanto se introduziu no local, empregando um cartão tipo telemóvel ou chave verdadeira sub-repticiamente retirada ao poder de quem tinha o Direito de a usar, subtraindo bens às duas ofendidas, num valor superior a 102 € (cento e dois euros) em relação a cada uma delas; Factos provados 5. a 8. – o arguido cometeu factos subsumíveis à prática de um crime de um crime de furto, previsto e punível nos termos do disposto nos artigos 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 2, alínea e) e n.º 4, todos do Código Penal, com referência às alíneas c) e f), do artigo 202, do mesmo diploma legal, porquanto se introduziu no local, empregando um cartão tipo telemóvel ou chave verdadeira sub-repticiamente retirada ao poder de quem tinha o Direito de a usar, de onde subtraiu bens (como o próprio admitiu). Contudo, na ausência de prova bastante quanto à identificação dos objetos subtraídos e respetivos valores, impõe não só que se desqualifique o tipo do crime de furto, mas também que se exigisse a regular manifestação da intenção de procedimento criminal, a qual constitui condição de procedibilidade. Ora, não tendo existido, carecem os autos com o NUIPC 1400/22.0PBLSB da verificação de um dos pressupostos processuais – designadamente: a legitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal pela prática de factos subsumíveis ao tipo de crime de furto (simples), determinando a absolvição do arguido AA da prática do crime de furto (des)qualificado, previsto e punível pelos artigos 14, n.º 1, 203, n.º 1, 204, n.º 2, alínea e) e n.º 4, com referência às alíneas c) e f), do artigo 202, do Código Penal que lhes era imputado. Factos provados 9. a 11. – o arguido cometeu 1 (um) crime de furto qualificado, na forma consumada e em coautoria material, nos termos do disposto nos artigos 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 1, alínea e), todos do Código Penal, com referência à alínea f), do artigo 202, do mesmo diploma legal, porquanto, mediante a utilização de empregando uma chave verdadeira sub-repticiamente retirada ao poder de quem tinha o Direito de a usar, acedeu a uma dispensa, subtraindo bens à ofendida, num valor superior a 200 € (duzentos euros); Factos provados 12. a 14. – o arguido cometeu 2 (dois) crimes de furto qualificado, na forma consumada e em autoria material, nos termos do disposto nos artigos 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 2, alínea e), todos do Código Penal, com referência à alínea f), do artigo 202, do mesmo diploma legal, porquanto, se introduziu no local, empregando um cartão tipo telemóvel ou chave verdadeira sub-repticiamente retirada ao poder de quem tinha o Direito de a usar, subtraindo bens aos dois ofendidos, num valor superior a 102 € (cento e dois euros) em relação a cada uma deles; Factos provados 15. a 20. – o arguido cometeu 2 (dois) crimes de furto qualificado, na forma consumada e em autoria material, nos termos do disposto nos artigos 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 2, alínea e), todos do Código Penal, com referência à alínea f), do artigo 202, do mesmo diploma legal, porquanto se introduziu no local, empregando um cartão tipo telemóvel ou chave verdadeira sub-repticiamente retirada ao poder de quem tinha o Direito de a usar, subtraindo bens às duas ofendidas, num valor superior a 102 € (cento e dois euros) em relação a cada uma delas; Factos provados 21. a 23. – o arguido cometeu 2 (dois) crimes de furto qualificado, na forma consumada e em autoria material, nos termos do disposto nos artigos 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 2, alínea e), todos do Código Penal, com referência à alínea f), do artigo 202, do mesmo diploma legal, porquanto se introduziu no local, empregando um cartão tipo telemóvel ou chave verdadeira sub-repticiamente retirada ao poder de quem tinha o Direito de a usar, subtraindo bens aos dois ofendidos, num valor superior a 102 € (cento e dois euros) em relação a cada uma deles; Factos provados 24. a 26. – o arguido cometeu 1 (um) crime de furto qualificado, na forma consumada e em autoria material, nos termos do disposto nos artigos 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 2, alínea e), todos do Código Penal, com referência à alínea f), do artigo 202, do mesmo diploma legal, porquanto, se introduziu no local, empregando um cartão tipo telemóvel ou chave verdadeira subrepticiamente retirada ao poder de quem tinha o Direito de a usar, subtraindo bens à ofendida, num valor superior a 102 € (cento e dois euros)». Atentemos. Como prevenido no art. 30º, n.º 1 do C.P. «o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente». Conforme se decidiu no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Setembro de 2025, processo n.º 200/24.8PAVNF.S1, in www.dgsi.pt. «Haverá, pois, concurso de crimes, nos termos do artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal, punível de acordo com o artigo 77.º, quando o comportamento do agente, independentemente do seu grau de identidade ou semelhança, preenche mais que uma vez o mesmo tipo legal de crime. Afirma-se, a este propósito, no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2019 (DR 1.ª série, 23.12.2019): “A consideração do bem jurídico e da pluralidade de juízos de censura, determinada pela pluralidade de resoluções, como referente da natureza efetiva da violação plural, tem sido indicada na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça como essencial para determinar se, em casos de pluralidade de ações ou pluralidade de tipos realizados, existe, efetivamente, concurso (…), na linha do pensamento de Eduardo Correia plasmado no artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal, com a consideração de elementos da posição doutrinária de Figueiredo Dias. (…) «O critério da efetividade do concurso de crimes ("crimes efetivamente cometidos") do artigo 30.º do Código Penal é um critério teleológico, remetendo essencialmente ao critério do bem jurídico protegido em cada crime, do seu sentido e alcance. Como os tipos legais de crime protegem bens jurídicos, a confluência ou a pluralidade de proteção tem de revelar-se decisiva para reduzir a (aparente) pluralidade à (efetiva) unidade, sem o que seria afetado o princípio da proibição da dupla valoração» [acórdão de 13.10.2004 (Proc. n.º 3210/04), ECLI:PT:STJ:2004:04P3210.4D]. (…) O recurso a este critério evidencia-se no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 10/2013, de 05.06.2013 (DR, Série I de 2013-07-10), em que se lê: «O comportamento do agente tanto se pode consubstanciar num só facto ou numa só acção, como em vários factos ou acções. Na realidade, a partir de um só facto ou de uma só acção podem integrar-se diversos tipos legais, por violação simultânea de diversas normas incriminadoras, bem como o mesmo crime plúrimas vezes, por violação da mesma norma incriminadora; igualmente a partir de vários factos, ou de várias acções, pode realizar-se o mesmo crime plúrimas vezes, por violação repetida da mesma norma incriminadora, bem como diversos crimes, por violação de diversas normas incriminadoras. Qualquer uma destas hipóteses configura um concurso de crimes, uma vez que este sucede quando o mesmo agente cometa mais do que um crime, quer mediante o mesmo facto, quer mediante vários factos. (…)» A jurisprudência deste Tribunal tem sublinhado a necessidade de ponderação do critério da unidade ou pluralidade de resoluções criminosas e de juízos de censura, ao lado do critério teleológico. Lê-se neste mesmo acórdão: «A unidade de tipo legal preenchido não importará definitivamente a unidade das condutas correspondentes, na medida em que, sendo vários os juízos de censura que as ligam à personalidade do seu agente, outras tantas vezes esse mesmo tipo legal se torna aplicável, e deverá, por conseguinte, considerar-se existente uma pluralidade de crimes. Tais juízos de reprovação têm de ser desdobrados, e repetidos, sempre que uma pluralidade de resoluções, e de resoluções no sentido de determinações de vontade, tiver iluminado o desenvolvimento da actividade do agente. (…) O índice da unidade, ou pluralidade, de determinações volitivas apenas se pode consubstanciar na forma como o acontecimento exterior se desenvolveu, olhando, fundamentalmente, à conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente. A experiência, e as leis da psicologia, referem que, se entre diversos actos medeia um largo espaço de tempo, a resolução que, porventura, inicialmente os abrangia a todos, se esgota no intervalo da execução, de tal sorte que os últimos não são a sua mera descarga, mas supõem um novo processo deliberativo. Daqui resulta que se deve considerar existente uma pluralidade de resoluções sempre que se não verifique, entre as actividades efectuadas pelo agente, uma conexão de tempo tal que, de harmonia com a experiência normal e as leis psicológicas conhecidas, se possa e deva aceitar que ele as executou a todas sem ter de renovar o respectivo processo de motivação». E afirma-se em jurisprudência mais recente: «Este preceito [artigo 30.º, n.º 1, do CP] consagra um critério teleológico, e não naturalístico, para distinguir entre unidade e pluralidade de crimes. (…) a várias condutas naturalísticas subsumíveis ao mesmo tipo legal pode corresponder um único crime. Neste último caso, o critério de distinção deve residir na existência de unidade ou pluralidade de resoluções criminosas. Sempre que exista uma única resolução, determinante de uma prática sucessiva de actos ilícitos, haverá lugar a um único juízo de censura penal, e portanto existirá apenas um crime. Caso haja sucessivas resoluções, estaremos perante uma pluralidade de juízos de censura, e portanto de infracções. A unidade de infracções pressupõe porém, em regra, uma conexão temporal forte entre as diversas acções naturalísticas. É este basicamente o critério vertido no n.º 1 do art. 30.º do CP, segundo a lição de Eduardo Correia.» (acórdão de 06.02.2019, ECLI:PT:STJ:2019:71.15.5JDLSB.S1.1B. Em idêntico sentido, o acórdão de 24.04.2019, ECLI:PT:STJ:2019:308.12.2TAABF.S1.FA). Outra jurisprudência, inspirada predominantemente no pensamento de Figueiredo Dias, afirma que «é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal, que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta acepção, de crimes». (…) Para Eduardo Correia o «número de vezes» que o mesmo tipo de crime foi preenchido deveria contar-se pelo número de juízos de censura, o que deveria reconduzir-se a uma pluralidade de processos resolutivos, de resoluções ou de decisões criminosas ou à renovação do mesmo processo. Esta pluralidade seria excluída, em regra, pela continuidade temporal das várias condutas, «sempre que, de acordo com as circunstâncias do caso, devesse aceitar -se que “o agente executou toda a sua actividade sem ter que renovar o respectivo processo de motivação”» (§§ 22, 28). Nesta linha de pensamento, a descontinuidade temporal tem constituído um elemento referencial de diferenciação e de autonomização de “pedaços de vida” diversos, com “pluralidade de sentidos de ilicitude” que constituem ilícitos típicos distintos configurando situações de concurso efetivo de crimes, na aceção do artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal (como se afirmou no acórdão de 08.06.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S1, em www.dgsi.pt). Lê-se no acórdão de 18.01.2018, Proc. 534/16.5GALNH.L1. S1, (ECLI:PT:STJ:2018:534.16.5GALNH.L1.S1.20): «Figueiredo Dias (…) considera que “da pluralidade de normas típicas concretamente aplicáveis ao comportamento global é legítimo concluir, prima facie, que aquele comportamento revela uma pluralidade de sentidos sociais de ilicitude”, verificando-se um “concurso de crimes efectivo, puro ou próprio”. Acrescenta que merecem “exactamente o mesmo tratamento jurídico-penal os casos em que ao comportamento global é concretamente aplicável apenas uma norma típica, mas esta foi violada mais que uma vez pelo comportamento global”. Só não será assim quando “os sentidos singulares de ilicitude típica presentes no comportamento global se conexionam, se intercessionam ou parcialmente se cobrem de forma tal que, em definitivo, se deve concluir que aquele comportamento é dominado por um único sentido de desvalor jurídico-social”, casos em que à pluralidade de violações típicas não corresponde “uma pluralidade de crimes efectivamente cometidos”». Idêntico entendimento encontra-se reflectido no acórdão de 12.07.2018, Proc. 72/17.9JACBR.S1 (ECLI:PT:STJ:2018:72.17.9JACBR.S1.AB)». Ora, volvendo à situação em apreço, se é certo que dos vários episódios dados como provados resultaram prejuízos para dez distintas pessoas, não é de olvidar que, como se extrai claramente da materialidade assente, apenas existiram seis resoluções criminosas. Ou seja, em cada uma das seis situações ocorreu uma única, específica resolução criminosa que visou os objectos que se encontravam em cada um dos locais em que o arguido/recorrente se introduziu. Isto é, tal como sustenta a Ex.ma Magistrada do Ministério Público na resposta apresentada: «conforme resulta da factualidade dada como provada, em cada uma das situações de cada NUIPC em que o arguido foi condenado existiu apenas uma única resolução criminosa por parte daquele, que foi introduzir-se nos locais em causa e daí retirar bens que lá se encontrassem, o que sucedeu, sendo irrelevante no caso se tais bens pertenciam a uma, duas ou mais pessoas (que serão os ofendidos), facto que de resto o arguido desconhecia. O arguido agiu, em cada caso, com uma única resolução criminosa, em que o plano era um só - o furto de objectos do interior daqueles espaços (independentemente de quem são os detentores/proprietários desses objectos). Temos assim que o arguido com uma única resolução criminosa e actuação conseguiu retirar bens que pertenciam a diversas pessoas, não podendo a sua actuação ser criminalmente punida individualmente pelos bens subtraídos a cada um dos ofendidos, tendo havido uma só resolução criminosa, o arguido só poderia ter sido condenado pela prática de um crime em cada uma das situações, de que resto, lhe era imputado na acusação pública, assistindo assim razão ao recorrente neste ponto». Tanta basta, pois, para se concluir que, neste particular, assiste inteira razão ao recorrente. Em concreto e em abreviada síntese, dir-se-á, então, que o arguido/recorrente cometeu, em cada uma das quatro situações descritas, nos pontos 1 a 4, 12 a 14, 15 a 20 e 21 a 23, 1 (um) crime de furto qualificado, na forma consumada e em autoria material, nos termos do disposto nos artigos 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 2, alínea e), todos do Código Penal, com referência à alínea f), do artigo 202, do mesmo diploma legal, e não 2 (dois) crimes como decidido na primeira instância. 3.2.3. Da medida das penas parcelares e única Insurge-se por fim o recorrente relativamente às penas parcelares e única aplicadas, propugnando pela mitigação das mesmas. Neste conspecto, o Tribunal Colectivo a quo decidiu assim: «Na determinação das medidas concretas das penas haverá que ter presente a moldura abstratamente aplicável e os critérios constantes dos artigos 40, 70 e 71, todos do Código Penal. O crime de furto qualificado previsto no n.º 2, do artigo 204, do Código Penal é punível com pena de prisão de 2 (dois) a 8 (oito) anos. O crime de furto qualificado previsto no n.º 1, do artigo 204, do Código Penal, é punido com pena de prisão até 5 (cinco) anos ou com pena de multa de 10 (dez) dias até 600 (seiscentos) dias. Os preceitos acima enunciados consagram o entendimento de que toda a pena tem como suporte axiológico normativo uma culpa concreta e que o julgador se encontra limitado pelo respeito da dignidade da pessoa humana, pelas exigências de prevenção geral e especial. Os fatores concretos a ter em conta na determinação da medida da pena são, de acordo com a sistematização do n.º 2, do artigo 71, do Código Penal, fundamentalmente, os que estão relacionados com a execução do facto (alíneas a), b) e c)), os relativos à personalidade do agente (alíneas d) e f)) e, por último, os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto. In casu, ter-se-á em atenção: A. o mediano a elevado grau de ilicitude dos factos, considerando, designada e relativamente a cada uma das distintas situações: 1.º- os bens, a natureza e valor dos mesmos, que varia nos diversos episódios; 2.º - o método de abertura do recetáculo e das portas, com comportamento furtivo, revelador da absoluta desconsideração pela propriedade individual, empresarial e comercial alheia; 3.º - a preparação prévia, estudo dos locais e a utilização de meios mais ou menos básicas; 4º - as vítimas, por vezes turistas, e as dificuldades acrescidas criadas à sua permanência em território nacional, causando dano reputação ao turismo nacional. Fator a ser considerado desfavoravelmente. B. a forte intensidade do dolo – na modalidade de dolo direto – cfr. n.º 1, do artigo 14, do Código Penal. Este fator surge na sua forma mais grave e, por isso, igualmente assinalado em desfavor do arguido. C. A culpa elevada do arguido, absolutamente ciente da censurabilidade e reprovabilidade das suas condutas e, por isso, atuou furtivamente, mais se aproveitando da maior vulnerabilidade de alguns dos ofendidos. Fator a ponderar desfavoravelmente. D. o comportamento do arguido anterior aos factos, que nos dá conta de percurso há muito desintegrado das regras de vivência em sociedade, em que nem mesmo as diversas condenações criminais o dissuadiram da prática de ilícitos criminais e a colaboração com a descoberta da verdade revela-se mitigada com os elementos documentais – autos de visionamento das imagens captadas pela videovigilância – de que dispõem os autos. Fator a ponderar desfavoravelmente. E. as suas condições socioeconómicas e familiares que presentemente não atingem mínimos de realização. Sendo mais um fator a considerar de forma desfavorável na determinação concreta das penas. Exigências de prevenção geral, porquanto, se trata de infração que exige uma resposta institucional intensa e eficaz, sobretudo de carácter preventivo, face ao tipo de crime, afastando-se a possibilidade de aplicação de pena de multa, como consequência jurídica. "Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida" - cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Editorial Notícias, 1993, pp. 72 e 73. A concretização dos dias de prisão far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção: "como limite que é, a medida da culpa serve para determinar um máximo de pena que não poderá em caso algum ser ultrapassado, (...) não para fornecer em última instância a medida da pena: esta dependerá, dentro do limite consentido pela culpa, de considerações de prevenção" - cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Editorial Notícias, 1993, p. 238). Assim, ponderando, em conjunto, os critérios enunciados, entende-se adequado fixar as penas concretas, comos justas e adequadas, em: - 4 (quatro) anos de prisão, pelo cometimento de cada um dos 5 (cinco) crimes de furto qualificado, na forma consumada e em autoria material, nos termos do disposto nos artigos 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 2, alínea e), todos do Código Penal, com referência à alínea f), do artigo 202, do mesmo diploma legal, – a que se reportam os factos provados 1. a 4., factos provados 12. a 14. e factos provados 24. a 26. - 2 (dois) anos de prisão, pelo cometimento de 1 (um) crime de furto qualificado, na forma consumada e em coautoria material, nos termos do disposto nos artigos 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 1, alínea e), todos do Código Penal, com referência à alínea f), do artigo 202, do mesmo diploma legal – factos provados 9. a 11.; - 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, pelo cometimento de cada um dos 2 (dois) crimes de furto qualificado, na forma consumada e em autoria material, nos termos do disposto nos artigos 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 2, alínea e), todos do Código Penal, com referência à alínea f), do artigo 202, do mesmo diploma legal, – a que se reportam os factos provados 15. a 20. - 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, pelo cometimento de cada um dos 2 (dois) crimes de furto qualificado, na forma consumada e em autoria material, nos termos do disposto nos artigos 14, n.º 1, 26, 203, n.º 1 e 204, n.º 2, alínea e), todos do Código Penal, com referência à alínea f), do artigo 202, do mesmo diploma legal, – a que se reportam os factos provados 21. a 23.. A determinação das penas concretas diferencia-se em relação à diferentes situações mesmo quando integram o mesmo tipo de crime considerando o conjunto e valor dos bens subtraídos e as situações em que os ofendidos eram turistas e, assim, foram atingidos de forma mais gravosa pelos atos do arguido, vendo-se obrigados a obter novos documentos de identificação e desfrutar de outro modo o tempo de lazer de que dispunham». Vejamos. A medida da pena deve ser determinada em função da culpa do agente, tendo em atenção as exigências de prevenção geral e especial, de acordo com os critérios estabelecidos no art. 71º do C.P. «As finalidades de aplicação de uma pena assentam, em primeira linha, na tutela de bens jurídicos e na reintegração do agente de sociedade. Contudo, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º, n.º 1 e 2, do CP). Logo, num primeiro momento, a medida da pena há-de ser dada pela medida de tutela dos bens jurídicos, no caso concreto, traduzindo a ideia de prevenção geral positiva, enquanto «reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida» [Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pp. 72-73]. Valorada em concreto a medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, a culpa funciona como limite máximo da pena, dentro da moldura assim encontrada, que as considerações de prevenção geral, quer positiva ou de integração, quer negativa ou de intimidação, não podem ultrapassar. Por último, devem actuar considerações de prevenção especial, de socialização ou de suficiente advertência. Os concretos factores de medida da pena, constantes do elenco, não exaustivo, do n.º 2 do artigo 71.º do C.P., relevam tanto pela via da culpa como pela via da prevenção»9, «(…) a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir, por isso, o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena; de tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas, e, especificamente, na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados. Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser, em cada caso, prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades. Nos limites da prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização há-de ser encontrado o modelo adequado e a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa como seu limite inultrapassável».10 Como decorre claramente do trecho transcrito, ao invés do propalado pelos arguidos/recorrentes, o Colectivo, em primeira instância, ponderou assertivamente todas as circunstâncias. Na verdade, estando em causa, respectivamente, molduras penais de 2 (dois) anos a 8 (oito) anos de prisão11, 1 (um) ano a 5 (cinco) anos de prisão12, afigura-se inexistirem razões atenuativas que sequer consintam e muito menos que reclamem concretizar as penas parcelares abaixo do estabelecido pelo Tribunal a quo. Desde logo, ante o tipo de criminalidade (crimes de furto qualificados) são indesmentíveis, ademais, o alarme social e a perturbação da ordem e tranquilidade públicas associados, sabendo-se, também, da frequência com que vêm ocorrendo, o que, naturalmente, conduz à asserção de que, sendo fortes e intensas as razões de prevenção geral, urge reestabelecer a confiança da comunidade e reforçar a garantia da validade das normas. De resto, da facticidade assente, em apertada síntese, ressaltam comportamentos delituosos individualizados já com considerável desvalor axiológico. Acresce, derradeiramente, que, o recorrente já sofreu várias (muitas) condenações, designadamente por crimes de idêntica natureza e, inclusive, em longas penas de prisão efectivas e evidencia um quadro de manifesta e indesmentível fragilidade no percurso de vida. E assim sendo, impõe-se a conclusão de que, a par das elevadíssimas razões de prevenção geral são, também, veementes as razões de prevenção especial. Vale tudo por dizer que, não se vê que o Colectivo a quo haja valorado inadequadamente as circunstâncias apuradas, antes se entende que o acórdão revidendo fez um aturado percurso de justificação na concretização das penas, ademais todas inferiores ao marco médio das respectivas molduras legais, inexistindo, pois, razões atenuativas que consintam determinar as penas parcelares ainda abaixo do estabelecido pelo Tribunal a quo. «Importa ademais ter presente (faz doutrina e jurisprudência de há muito sedimentadas) que, em sede de escolha e medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico (na expressão de Cunha Rodrigues), no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, (também) neste particular, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normação que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstracta determinada na lei. Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida na instância, suscitado pela via recursiva, não deve aproximar-se desta senão quando haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado quantum em derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver (desde logo à míngua da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal a quo) qualquer abusiva evicção relativamente a uma concreta pena que ainda se revele congruente e proporcionada».13 A respeito da pena única, o Tribunal a quo decidiu nos termos que se transcrevem: «Procedendo a cúmulo jurídico: Do cúmulo jurídico: O n.º 1, do artigo 30, do Código Penal ao dispor, sob a epígrafe: “Concurso de crimes”, que: “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.” trata da pluralidade de infrações e não da sua punição. Do ponto de vista da sua punição, o concurso de crimes pode conduzir ao concurso de penas (que dá lugar a uma pena única, resultante de um cúmulo de penas parcelares) ou à sucessão de penas (em que as diversas penas permanecem autónomas). De acordo com o disposto no n.º 1, do artigo 77, do Código Penal: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.” Pelo exposto, temos de concluir estar perante um concurso efetivo de infrações. O arguido AA cometeu 10 (dez) crimes. Assim, para que o arguido seja condenado em pena única, terá de estabelecer-se a pena do concurso, que, segundo a norma legal referida, terá como limite superior a soma das penas concretamente aplicadas, e como limite mínimo a mais elevada das penas aplicadas. Deste modo, a pena de prisão terá o seu limite inferior em 4 (quatro) anos e 3 (três) meses e o seu limite superior em 38 (trinta e oito) anos. Resulta da referida norma legal que o sistema da pena única, através do cúmulo jurídico, impõe a reapreciação dos factos e da personalidade do arguido em conjunto. Ora, ponderada a gravidade dos factos, na sua globalidade, e a personalidade do arguido, entende-se que se mostram adequadas às culpas e às exigências de prevenção geral e especial de socialização dos mesmos, a pena única de 12 (doze) anos de prisão». Tal como se refere no Acórdão do S.T.J. de 16 de Junho de 2016, processo n.º 119/12.5GDPTM.E1.S1, in www.dgsi.pt., «(…) a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto. A determinação da medida concreta da pena única deve atender, como qualquer outra pena, aos critérios gerais da prevenção e da culpa (artigo 71.º do Código Penal) e ainda a um critério especial: a consideração do conjunto dos factos e da personalidade do agente, na sua inter-relação. «Ao tribunal – lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 28 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 959/06.4PBVIS.C2.S1 – 3.ª Secção – impõe-se uma apreciação global dos factos, tomados como conjunto, e não enquanto mero somatório de factos desligados, na sua relação com a personalidade do agente. Essa apreciação indagará se a pluralidade de factos delituosos corresponde a uma tendência da personalidade do agente, ou antes a uma mera pluriocasionalidade, de carácter fortuito, não imputável a essa personalidade». Como refere JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, a determinação da «pena conjunta do concurso», dentro dos limites da moldura penal do concurso, far-se-á «em função das exigências gerais da culpa e de prevenção (…), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique». Na avaliação da personalidade do agente «relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente exigências de prevenção especial de socialização). O Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente. Acompanhando o acórdão deste Supremo Tribunal, de 9 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 418/08.0PAMAI.S1 – 3.ª Secção), na determinação concreta da pena conjunta interessa averiguar se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagar da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele. Em sede de considerações de prevenção geral, cumprirá ponderar no significado do conjunto dos actos praticados, valorar a perturbação da paz e segurança dos cidadãos e atender às exigências de tutela dos bens jurídicos e de defesa do ordenamento jurídico que ressaltam do conjunto dos factos. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente por forma a corresponder a exigências de prevenção especial de socialização, ponderando os seus antecedentes criminais e a sua personalidade expressa nos factos, perscrutando-se ainda a existência de um processo de socialização e de inserção na comunidade» «Constatando assinalável diversidade na determinação da pena conjunta, geradora de incerteza jurídica, desigualdade nas consequências jurídicas do concurso de crimes, e fonte, a jusante, de considerável litigância recursória, designadamente perante o STJ, desenhou-se entendimento que faz intervir, na confeção da pena conjunta, operações aritméticas. Resumidamente, na sua veste mais recente, sustenta que na determinação da medida da pena única, se deve adicionar à pena parcelar mais grave, que fixa o limiar inferior da moldura penal do concurso de crimes, uma fração proporcional das restantes penas, sendo a partir deste valor, consideradas as especificidades do caso. Atendendo à regra ínsita no art. 77º nº 1 do Código Penal. A fração é determinada em função do tipo de criminalidade e da dimensão das penas parcelares e, complementarmente, a personalidade do arguido que os factos revelam. A. Lourenço Martins, (…), defende a adição de uma proporção das penas parcelares que oscila, conforme as circunstâncias de facto e a personalidade do agente, por via de regra, entre 1/3 (um terço) e 1/5 (um quinto). (…) Sustenta-se no Ac. de 27/01/2016 deste Supremo Tribunal que “não repugna que a convocação dos critérios de determinação da pena conjunta tenha como coadjuvante, e não mais do que isso, a definição dum espaço dentro do qual as mesmas funcionam. Na verdade, como se referiu, a certeza e segurança jurídica podem estar em causa quando existe uma grande margem de amplitude na pena a aplicar, conduzindo a uma indeterminação. Recorrendo ao princípio da proporcionalidade não se pode aplicar uma pena maior do que aquela que merece a gravidade da conduta nem a que é exigida para tutela do bem jurídico. Para evitar aquela vacuidade admite-se o apelo a que, na formulação da pena conjunta e na ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade, se considere que, conforme uma personalidade mais, ou menos, gravemente desconforme com o Direito, o tribunal determine a pena única somando à pena concreta mais grave entre metade e um quinto de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso”. Fração de compressão que deve relacionar-se, diretamente, com a destrinça que importa estabelecer ao nível das consequências jurídicas em função de cada fenomenologia criminal. Considerando a necessidade de um tratamento diferenciado para a criminalidade em função da sua definição legal, designadamente de acordo com a sua classificação categorial como bagatelar, média ou grave, de tal modo que, como referia Carmona da Mota, a “representação” da parcela que deve acrescer à pena mais elevada se possa saldar por uma fração de idêntico grau. Não é raro ver um tratamento uniforme, destituído de qualquer opção valorativa do bem jurídico, - que pode assumir uma diferença substantiva abissal impondo a destrinça clara da resposta entre a ofensa de bens jurídicos mais ou menos fundamentais para preservação de valores vitais e pessoais indisponíveis e a ofensa de bens jurídicos de outra índole e entidade jurídico-criminal. Este é o entendimento prevalente, que nos casos de elevada pluralidade de crimes em concurso pode ainda ser temperado através da intervenção do princípio da proporcionalidade, implícito no critério que vem de citar-se. Designadamente convocando a interpretação de que “na formação da pena única, quanto maior é o somatório das penas parcelares, maior é o fator de compressão que incide sobre as penas que se vão somar à mais elevada, pois, se assim não fosse, muito facilmente se atingiria a pena máxima em casos em que a mesma não se justifica perante a gravidade dos factos”, de modo a impedir que o agente do concurso de crimes resulte condenado numa pena conjunta inadequada à gravidade dos crimes e que muito dificultaria a sua reintegração na comunidade (…)»14. Por assim ser, ademais na procedência parcial do recurso, em face da alteração qualificação jurídica efectuada, urge proceder à reformulação da moldura e à consequente (re)determinação da pena única. Assim, numa moldura legal cujo mínimo se mantém nos 4 (quatro) anos e 3 (três) meses, mas cujo máximo se queda agora nos 22 (vinte e dois) anos de prisão, com respaldo nas circunstâncias já aduzidas no acórdão recorrido, designadamente quanto às exigências de prevenção geral e especial, ao grau de ilicitude e desvalor axiológico da conduta no seu todo, às condenações já anteriormente sofridas (que indiciam propensão para a prática de crimes desta natureza) mas, também, que está em causa criminalidade média e que o bem jurídico ofendido é o património, afigura-se que as circunstâncias dos factos e as condições pessoais do arguido justificam e condescendem a aplicação de uma pena única próxima de um factor de compressão de 1/4, concretamente de 9 (nove) anos de prisão. Procede, pois, o recurso, nestes termos, também nesta parte. III. DISPOSITIVO Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, a) Revogar o segmento do acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido AA, em cada uma das quatro situações descritas nos pontos 1 a 4, 12 a 14, 15 a 20 e 21 a 23, da matéria de facto provada, pela prática de 2 (dois) crimes e substituí-la pela condenação do mesmo pela prática (em cada uma das referidas quatro situações) de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos art. 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e) do Código Penal, com referência à al. f), do artigo 202º, do mesmo diploma legal; b) Condenar o arguido AA na pena única de 9 (nove) anos de prisão; c) Confirmar no mais o decidido. Notifique. Lisboa, 9 de Outubro de 2025 Ana Marisa Arnêdo Marlene Fortuna Eduardo de Sousa Paiva ______________________________________________________ 1. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/5/2016, processo n.º 1/14.1GBMDA.C1, in www.dgsi.pt. 2. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/9/2015, processo n.º 2619/12.8GBABF.E1, in www.dgsi.pt. 3. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30/1/2007, processo n.º 2457/06-1, in www.dgsi.pt. 4. Acórdão do S.T.J. de 10/1/2008, processo n.º 07P4198, in www.dgsi.pt. 5. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30/6/2015, processo n.º 1340/14.7TAPTM.E1, in www.dgsi.pt. 6. Na pessoa do presidente. 7. «A formulação legal procurou dar expressão à síntese avançada pelo TC já em 1995, nos termos da qual "a solução está (...) na compatibilização da liberdade de qualificação jurídica com um mecanismo processual que torne efectivo o direito a ser ouvido, face a uma convolação que mantendo os factos descritos na acusação ou pronúncia, naturalisticamente considerados, importe condenação em pena mais grave" (ac. TC 279/1995). Trata-se, de resto, esta exigência e contraditoriedade, como premissa da proibição de decisões-surpresa, de uma que o TEDH, ao abrigo do art. 6.°/3/a CEDH, vem postulando em vários arestos f., entre outros, Pélissier e Sassi c. França, de 25.3.1999, § 62; Dallos c. Hin- cia, de 1:3.2001, §§ 47-53; Sipavicius c. Lituânia, de 21.2.2002, § 30; Block Hungria, de 25.4.2011, § 24; Haxhia c. Albânia, de 8.1.2014, §§ 137 e s)», Pedro Soares de Albergaria, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, 2ª Edição, Tomo IV, p. 652. 8. Pedro Soares de Albergaria, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, 2ª Edição, Tomo IV, p. 653. 9. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1/3/2006, JTRP00038895, in www.dgsi.pt. 10. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/9/2015, processo n.º 2619/12.8GBABF.E1, in www.dgsi.pt. 11. Crimes de furto qualificados p. e p. pelo art. 204º, n.º 2 do C.P. 12. Crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º, n.º 1 do C.P. 13. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/5/2021, processo n.º 88/16.2PASTS.S2, in www.dgsi.pt. 14. Acórdão do S.T.J. de 15/12/20212, processo n.º 5402/20.3T8LRS.S1, in www.dgsi.pt. |