Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3335/19.5 T9OER.L1-9
Relator: ANA MARISA ARNÊDO
Descritores: ABSOLVIÇÃO
DOLO
OMISSÃO DE FORMALIDADES
QUESTÃO NOVA
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: I. Estando em causa a imputada prática de crimes de burla informática e de falsidade informática é exigida uma actuação dolosa do agente, isto é, o conhecimento e a vontade daquele na realização dos crimes.
II. E, densificando, impõe-se, inequivocamente, que o agente tenha conhecimento dos elementos materiais constitutivos dos tipos legais em causa, e, sendo capaz de avaliar o desvalor jurídico que enforma a acção a empreender, actue com e apesar de tal conhecimento (elemento intelectual do dolo) e com vontade dirigida à sua realização (elemento volitivo do dolo).
III. A Sra. Juíza do Tribunal a quo alicerçou a decisão de absolvição exclusivamente na invocação de que se mostram omissos na acusação os factos integradores do elemento emocional do dolo, concretamente, na circunstância objectiva de (naquela) não ter sido inserta a fórmula típica o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
IV. Todavia, se é verdade, nos termos equacionados, que a acusação é omissa no que respeita ao elemento emocional do dolo, no caso, por reporte aos tipos criminais em crise, é de concluir que a consciência de o agente ter agido sabendo que a sua conduta era proibida por lei decorre da facticidade que preenche os demais elementos objectivos e subjectivos dos ilícitos típicos.
V. Como consentido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015, a locução o agente sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei nem sempre consubstanciará facto a reclamar narração autónoma na acusação.
VI. In casu, pese embora seja duvidoso que se possam integrar os concretos crimes imputados - burla informática e falsidade informática - no denominado direito penal clássico, não é de olvidar que os crimes de burla e de falsificação, dos quais aqueles derivam, sempre existiram e que esta específica neocriminalização decorre da utilização massiva das novas tecnologias e da inerente necessidade de tutela, mantendo incólume a coloração axiológica das condutas.
VII. Como refere Figueiredo Dias, «Estreitamente relacionada com o problema agora abordado está a questão da falta de consciência do ilícito no direito penal secundário. Parece prevalecer na doutrina a ideia de que a solução das «teorias da culpa» deve valer só para o direito penal clássico, enquanto para o direito das contra-ordenações valeria a solução das «teorias do dolo». Questão seria saber-se, para estes efeitos, o direito penal secundário deveria equiparar-se àquele ou antes a este. É inútil e equívoco, porém, colocar a questão nestes termos. Quem conheça o estudo que dediquei ao problema da falta de consciência do ilícito em direito penal recordará que advoguei aí uma solução unitária, aplicável inclusivamente ao direito das contra-ordenações. Não se trata de valer para certos âmbitos a solução das teorias da culpa, para outros a das teorias do dolo: em matéria de verdadeira falta de consciência do ilícito vale sempre a solução das teorias da culpa. O que sucede é simplesmente que o erro sobre a proibição nem sempre se reconduz a uma tal falta: quando ele releva autonomamente — e isto sucederá, sempre e só, quando a conduta, em si mesma considerada, é axiologicamente neutra — é porque ainda é imputável a uma falta de ciência ou de conhecimento, determinante de uma insuficiente orientação do agente para o problema da ilicitude; por isso o erro sobre a proibição relevante equipara-se ao erro sobre a factualidade típica no sentido de excluir o dolo, valendo pois quanto a ele, sempre, a solução das teorias do dolo. Nestes termos, o mais que poderá notar-se é que no direito penal secundário, sendo as condutas de que nele se trata axiologicamente relevantes, o erro sobre a proibição será, por princípio, em si mesmo insignificativo, não excluindo o dolo; desde que conforme, porém, autêntica falta de consciência do ilícito, esta determinará a exclusão da culpa quando for incensurável. Não haverá pois aqui qualquer especialidade relativamente ao direito penal clássico».
VIII. Ante a facticidade alegada e dada como provada, da omissão na acusação da forma tabelar não é de inferir a insuficiência da narração dos elementos subjectivos, na indicada vertente do elemento subjectivo emocional, pelo que, nesta parte, merecem e reclamam provimento os recursos interpostos.
IX. A acusação deduzida nos presentes autos é omissa quanto à concreta alínea do n.º 5 do art. 221º do C.P.
X. Como resulta da sentença revidenda e do compulso dos autos, a questão ora suscitada - da falta de indicação na acusação da concreta alínea do n.º 5 do art. 221º do C.P. - pese embora surja como inequívoca pela mera leitura da acusação, não foi em momento algum colocada nem decidida no tribunal de primeira instância.
XI. Por outro lado, pese embora o recorrente (Ministério Público) propugne pela necessidade da comunicação da alteração da qualificação jurídica, nos termos e ao abrigo do art. 358º, n.º 1 e 3 do C.P.P, a solução jurídica proposta não é, de todo, unívoca.
XII. Se é certo que ao tribunal de recurso é possível, por um lado, proceder a meras rectificações e, por outro, alterar a qualificação jurídica, desde que salvaguardada a proibição da reformatio in pejus e uma vez cumprido o contraditório, não será também aqui de descuidar o direito ao recurso e a garantia do duplo grau de jurisdição.
XIII. É que, consabidamente, os recursos destinam-se ao reexame das questões submetidas ao julgamento do tribunal recorrido e ao tribunal de recurso cumpre, apenas, reapreciar questões já conhecidas pelo tribunal recorrido (e não questões que antes não tenham sido submetidas à apreciação deste).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. Nos autos em referência, precedendo audiência de julgamento, a Senhora Juíza do Tribunal a quo, por sentença de ... de ... de 2024, decidiu: «Julgar a acusação pública improcedente, por não provada e, consequentemente absolver os arguidos AA e BB, pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo de um crime de burla informática agravada, p.p. pelo artigo 221.º, n.º 1 e 5 do Código Penal e um crime de falsidade informática, p.p. pelo artigo 3.º, n.º 1 da lei n.º 109/2009, de 15 de setembro Penal (em concurso aparente com acesso ilegítimo, p.p. pelo artigo 6.º, n.º 1 da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro)».
2. O assistente CC interpôs recurso da sentença proferida. Extrai da motivação as seguintes conclusões:
«1. A Douta Sentença recorrida fez incorrecta interpretação que a acusação pública é omissa quanto aos elementos subjectivos do tipo de crimes imputados aos Arguidos.
2. O Recorrente discorda das conclusões que o Tribunal a quo retira da narração da acusação pública.
3. O despacho proferido em .../.../2022 que recebeu a acusação pública, é taxativo que “Inexistem nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais que cumpra apreciar e que obstem ao conhecimento do mérito da acção penal…Recebo a acusação deduzida nos presentes autos pelo Ministério Público”. - Mantendo-se assim a instância válida e regular.
4. A Douta Acusação pública pelo menos pelo crivo de dois magistrados do ministério público e por dois magistrados juízes de direito sem que se vislumbrasse que existia qualquer elemento em falta na douta acusação púbica até à sentença ora recorrida.
5. Cifra-se a discordância do ora Recorrente nas conclusões que o Tribunal a quo afere da acusação pública no que concerne à omissão no que tange aos elementos integrantes da consciência da ilicitude (elemento emocional), enquanto tipo de culpa ou dolo que, habitualmente traduzida pela expressão de que “o arguido actuou sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal”.
6. Não obstante não constar da acusação pública a fórmula “matemática” supra referida entende o Recorrente não existir qualquer vício formal de falta de narração na acusação de factos relativos aos elementos subjectivos do tipo.
7. Pois a acusação pública tem narrada a determinação livre do Arguido pela prática do facto, podendo ele agir de modo diverso; o conhecimento ou representação, de todas as circunstâncias do facto, tanto as de carácter descritivo, como as de cariz normativo e a vontade ou intenção de realizar a conduta típica, apesar de conhecer todas aquelas circunstâncias, ou, na falta de intenção, a representação do evento como consequência necessária (dolo necessário) ou a representação desse evento como possível, conformando-se o BB com a sua produção (dolo eventual), actuando, assim, conscientemente contra o direito.
8. Ora estamos perante ilícitos penais que tutelam bens jurídicos de natureza diversa: no da burla informática, visando-se, essencialmente, proteger o património e, no de falsidade informática, a protecção não do património, mas, sim, da integridade dos sistemas de informação, através do qual se pretende impedir os actos praticados contra a confidencialidade, integridade e disponibilidade de sistemas informáticos, de redes e dados informáticos, bem como a utilização fraudulenta desses sistemas de redes e dados.
9. O tipo objectivo do crime de falsidade informática é integrado pela introdução, modificação, apagamento ou supressão de dados informáticos ou por qualquer outra forma de interferência num tratamento informático de dados, de que resulte a produção de dados ou documentos não genuínos, consumando-se o crime apenas com a produção do resultado.
10. Já do ponto de vista subjectivo, o tipo legal supõe o dolo, sob qualquer das formas previstas no artigo 14º do Código Penal, exigindo, enquanto elemento subjectivo especial do tipo, a intenção de provocar engano nas relações jurídicas, bem como, relativamente à produção de dados ou documentos não genuínos, a particular intenção do agente de que tais dados ou documentos sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se fossem genuínos.
11.Ora analisando os factos narrados na acusação pública e aproveitáveis para uma conclusão sobre o preenchimento do dolo (do tipo), conclui-se que a mesma descreve suficientemente os factos relativos ao dolo do tipo, inexistindo qualquer dissídio sobre o preenchimento do tipo objectivo.
12. Em suma, BB agiu sempre no nome e no interesse da sociedade AA”
13. “BB sabia que não estava autorizado, em nenhum momento, a aceder à área pessoal de CC na Autoridade Tributária, nem a utilizar os códigos pessoais deste”
14.BB quis aceder e acedeu à área pessoal de CC no portal da Autoridade Tributária, utilizando os respectivos códigos de acesso deste, sem para tal estar autorizado, a fim de emitir, como emitiu, os actos isolados de prestação de serviço referidos supra, bem sabendo que os mesmos não tinham sido prestados por CC, o que quis fazer e concretizou.
15.BB quis alterar e alterou a morada fiscal de CC para a sua residência, a fim de evitar que este fosse notificado do IVA a pagar, o que quis fazer e concretizou, bem sabendo que não estava autorizado para o efeito e que o seu pai não tinha conhecimento.
16.BB sabia, ainda, que ao aceder á área pessoal do seu pai, no portal da Autoridade Tributária, utilizando os respectivos códigos de acesso sem o seu consentimento, violava, como violou, as regras de segurança inerentes ao sistema informático, fazendo crer que a referida área estava a ser acedida e movimentada pelo seu legítimo titular e gerando documentos que, bem sabia, não corresponderem à verdade.
17.BB visou obter para si e para a sociedade que representa, um enriquecimento que sabia ilegítimo, no montante total de 11.194,79€, à custa do correspondente prejuízo patrimonial de CC.
18. BB agiu com o propósito concretizado de obter para si, e para a sociedade que representa, o enriquecimento ilegítimo no montante assinalado em 16, relativo ao IVA deduzido, correspondente ao empobrecimento de CC em idêntico valor.
19.Concluído que embora não venha narrado textualmente na acusação a fórmula habitualmente traduzida pela expressão de que “o arguido actuou sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal” é possível aferir dessa narração que se encontra preenchido, numa perspectiva finalista da teoria da infracção penal o elemento subjectivo do tipo, sob a forma de dolo.
20.Face ao exposto resulta notório e perfeitamente evidente, contrariamente à conclusão da douta sentença do tribunal a quo o relato da acusação pública demonstra que o BB tinha consciência da ilicitude da sua actuação, prevendo e querendo resultado da sua actuação ilegítima e por conseguinte punida por Lei, devendo ser concedido provimento ao presente recurso e revogar a aliás Douta Sentença que absolveu os Arguidos».
3. O Ex.mo Magistrado do Ministério Público interpôs, também, recurso da sentença absolutória. Aparta da respectiva motivação as seguintes conclusões:
«Da acusação, contrariamente ao referido na sentença, constam não só os elementos objetivos como também todos os elementos subjetivos de cada um dos tipos de crime em apreço nos autos, os quais, como demonstrado, foram dados como provados na sentença nos pontos 8 a 17 da matéria de facto provada, pelo que ao considerar os mesmos como não provados em sede de motivação, padece a sentença no vício de contradição insanável entre os factos e fundamentação, nos termos do disposto no artigo 410º, 2, b), do Código de Processo Penal.
Atenta a redação dos factos provados 8 a 17 na sentença, de conteúdo igual aos mesmos números da acusação, deles resulta o conhecimento da ilicitude pelo arguido BB das suas condutas, pelo que ao afirmar-se na sentença, em sede de fundamentação, que não resulta da acusação o facto atinente consciência da ilicitude, daí decorre uma contradição insanável na fundamentação, tal como prevista no artigo 410º, 2, b), do Código de Processo Penal.
Da factualidade provada na sentença resultam preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos de cada um dos tipos de crime imputados aos arguidos, e bem assim o conhecimento da respetiva ilicitude pelo arguido BB.
A consciência da ilicitude respeita à culpa, conforme decorre do regime do erro respetivo acolhido no artigo 17º do Código Penal e do contraponto com o regime estabelecido no artigo 16º do mesmo Código Penal, e esse conhecimento só será relevante como objecto autónomo de prova em julgamento quando se tratar de um caso em que a proibição seja axiologicamente neutra ou pouco evidente e o seu conhecimento seja essencial para que se possa dizer que o agente sabia que praticava um crime e que, assim, actuava com culpa.
Ainda que se entendesse, como o tribunal recorrido, que não estava alegado o conhecimento da ilicitude, certo é que em casos como dos presentes autos, esse conhecimento não teria de ser obrigatoriamente alegado por não se estar perante condutas axiologicamente neutras, nem por tal conhecimento fazer parte do tipo de ilícito, pelo que sempre seria passível de ser suprida tal ausência de alegação por via do artigo 358º, 1, do Código de Processo Penal.
Ao decidir como se decidiu na sentença recorrida, foram violados os artigos 221º, 1 e 5, do Código Penal, o artigo 3º, 1, da Lei 109/2009, de 15 de setembro, o artigo 17º do Código Penal, e bem assim, o artigo 358º, 1, do Código de Processo Penal.
A sentença recorrida deverá, assim, ser parcialmente revogada, e consequentemente, ser reconhecido que dos factos provados na sentença constam efetivamente todos os elementos objetivos e subjetivos dos tipos de crime e, bem assim, o conhecimento da ilicitude, nada obstando, do ponto de vista factual à afirmação dos crimes em apreço.
Sendo omissa na acusação a específica norma incriminatória do crime de burla informática, se a alínea a) ou a alínea b), do n.º 5 do artigo 221º do Código Penal, necessário será que se proceda a uma alteração da qualificação jurídica para melhor precisão do normativo aplicável, qual seja, face aos factos provados, o artigo 221º, 1, e n.º 5, alínea a), do Código Penal, e assim também necessário se conceda prazo de defesa aos arguidos, para que, querendo, a possam exercer, nos termos do disposto no artigo 358º, 1 e 3, do Código de Processo Penal, devendo, para o efeito, os autos regressar ao tribunal da 1ª instância, ora recorrido, para que proceda a tal comunicação, prosseguindo os autos com a elaboração de nova sentença, tendo presente a possibilidade de configuração da condenação dos arguidos pelos crimes de burla informática e de falsidade informática por que vinham acusados.
Termos em que, nos termos e com os fundamentos de facto e de direito acima expostos, deve a sentença recorrida ser parcialmente revogada e, assim, concluir-se pela verificação dos elementos subjetivos dos tipos de crime, bem como pela verificação do conhecimento da ilicitude pelo arguido BB, e consequentemente, face à omissão acima referida, ser determinada a devolução dos autos à primeira instância nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 358º, 1, e 3, do Código de Processo Penal, e proferida sentença contemplando a condenação dos arguidos BB e “AA Lda.”»
4. Os recursos interpostos pelo assistente e pelo Ministério Público foram admitidos, respectivamente, por despachos de ... de ... de 2024 e ....
5. Os arguidos BB AA, responderam aos recursos interpostos, pugnando pela sua improcedência. Separam da resposta as seguintes conclusões:
«1.º O Ministério Público e o Assistente, ora Recorrentes, não têm razão no que alegam nos seus doutos recursos, pois a acusação foi efectuada sem conter os elementos que configuram o tipo subjectivo dos crimes.
2.º A Sentença do Tribunal a quo bem andou quando considerou que a acusação pública é omissa no que tange aos elementos integrantes da consciência da ilicitude (elemento emocional) enquanto tipo de culpa, habitualmente traduzida pela expressão “o arguido actuou sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.”
3.º A Sentença do Tribunal a quo descreve muito bem os elementos de cada um dos tipos de crime imputados aos arguidos, quer objectivo, quer subjectivo, para concluir que a acusação pública contém os elementos objectivos dos tipos de crime imputados aos arguidos, mas verifica que tal não acontece quanto aos elementos subjectivos, por não ser alegada a consciência da ilicitude por parte dos arguidos quanto aos dois crimes que lhes são imputados.
4.º Para tanto, deve ser tido em conta o que consta no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2015, quando fixa a seguinte jurisprudência: “A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal.”
5.º Por outro lado, o Ministério Público vem no seu recurso requerer que se proceda à alteração da qualificação jurídica do crime de burla informática para melhor precisão do normativo aplicável.
6.º Na corrente fase do processo, entende-se que o Ministério Público não tem fundamento para pedir tal precisão, pois tal invocação é desnecessária, em virtude da omissão do elemento subjectivo do tipo de ilícito na acusação pública.
7.º Por dever de cautela, quanto aos factos dados por provados, sempre se deve considerar que existe um erro na análise da prova por parte do Tribunal a quo, quanto à imputação ao arguido BB de ter alterado a morada fiscal do seu pai, ora assistente.
8.º Numa análise concreta aos documentos constantes nos autos verifica-se que tal não seria possível, pois a morada do pai do arguido estava já na casa do seu filho – ora arguido – desde ..., conforme ofício n.º 00313, da Autoridade Tributária, remetido por esta entidade aos autos e recepcionada a ... de ... de 2023.
9.º Deve ser observado com rigor que o referido documento, com carimbo de entrada no processo com data de ... de ... de 2023, é esclarecedor quando a Sra. Chefe de Finanças Adjunta, declara que “Em resposta ao solicitado com a referência ..., de ...2...-02, informo relativamente a CC, NIF ...: Teve domicílio fiscal na R. ..., no período entre ...1...-11 e ...1...-11”.
10.º Deste modo não podia ser dado por provado ter o arguido BB alterado a morada do seu pai, ora assistente, para o seu domicílio, pois a mesma já estava na sua casa desde ....
11.º De igual modo, não pode ser dado por provado que tenha sido o arguido BB a aceder à área pessoal de CC e a emitir os actos isolados, pois não consta nos autos qualquer prova, em concreto o endereço de IP, demonstrativo do computador emissor daqueles actos, nem houve qualquer outro elemento de prova que o demonstrasse.
12.º Pelo que não deve ser dado provimento aos recursos do Ministério Público e do assistente».
6. O Ex.mo Magistrado do Ministério Público, em resposta ao recurso interposto pelo assistente remeteu para a motivação e conclusões aduzidas no recurso por si interposto.
7. Neste tribunal, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta, louvada nos recursos interpostos pelo Ministério Público e pelo assistente, é de parecer que os mesmos devem ser julgados procedentes.
8. Cumprindo o disposto no art. 417º, n.º 2 do C.P.P., responderam, apenas, os arguidos, em síntese, reiterando o argumentário aduzido na resposta apresentada aos recursos interpostos.
9. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Atento o teor das conclusões das motivações dos recursos interpostos pelo assistente e pelo Ministério Público, importa fazer exame das questões (alinhadas segundo um critério de lógica e cronologia) atinentes ao invocado vício da sentença previsto no art. 410º, n.º 2, al. b) do C.P.P. (contradição insanável na fundamentação), ao erro do Tribunal a quo no julgamento da matéria de direito (ao decidir que a acusação deduzida não continha a descrição de todos os elementos subjectivos dos tipos legais imputados aos arguidos) e, na procedência desta, à comunicação da alteração da qualificação jurídica, a efectuar pela primeira instância.
2. A decisão trazida da instância sobre a matéria de facto e quanto ao enquadramento jurídico-penal é do seguinte teor:
«Na sequência do julgamento resultaram, com pertinência e relevância para a boa decisão da causa, provados os seguintes factos:
1. A sociedade AA é uma sociedade unipessoal por quotas que tem por objeto a conservação de imóveis habitacionais e não habitacionais, a limpeza de fachadas de edifícios a vapor ou areia, ou outros, a limpeza exterior de todo o tipo de edifícios, a limpeza especializada de partes de edifícios e limpeza de máquinas e equipamentos.
2. BB é sócio gerente desta sociedade desde ... até à presente data.
3. No dia ... de ... de 2016, BB, acedeu à área pessoal de CC, pai de BB, no portal da Autoridade Tributária, introduziu os respetivos códigos de acesso deste e emitiu um ato isolado, relativo a uma prestação de serviços efetuada por este à sociedade AA.
4. A prestação de serviços em causa teve o valor de 29.956,65€, com o correspondente IVA de 5.601,65€.
5. No dia ... de ... de 2016, BB, acedeu à área pessoal de CC no portal da Autoridade Tributária, introduziu os respetivos códigos de acesso e emitiu um ato isolado, relativo a uma prestação de serviços efetuada por este à sociedade AA.
6. A prestação de serviços em causa teve o valor de 29.911,14€, com o correspondente IVA de 5.593,14€.
7. A sociedade AA, através de BB, fez constar das suas declarações de IVA, quanto aos períodos assinalados, as faturas relativas aos alegados serviços prestados por CC, deduzindo assim aqueles valores no IVA a liquidar.
8. BB agiu sempre no nome e no interesse da sociedade AA.
9. BB sabia que não estava autorizado, em nenhum momento, a aceder à área pessoal de CC na Autoridade Tributária, nem a utilizar os códigos pessoais deste.
10. Em ........2016 BB alterou a morada fiscal de CC para a sua morada, sita na ..., o que fez com o intuito de impedir que o seu pai fosse notificado para efetuar os pagamentos de IVA gerados com a emissão dos atos descritos supra.
11. Em virtude do acesso de BB à área pessoal de CC, no portal da autoridade tributária, com a introdução dos respetivos códigos de acesso, e a emissão dos atos isolados mencionados, foram introduzidos dados no sistema informático que serviram de base à autoliquidação de IVA, pela Autoridade Tributária, relativas às prestações de serviços efetuadas, nos montantes indicados supra.
12. Com a conduta descrita BB levou a que as liquidações de IVA relativas aos serviços prestados, por parte da Autoridade Tributária, fossem realizadas com base na encenação por si montada e convicta da autenticidade dos dados constantes do sistema informático.
13. BB quis aceder e acedeu à área pessoal de CC no portal da Autoridade Tributária, utilizando os respetivos códigos de acesso deste, sem para tal estar autorizado, a fim de emitiu, como emitiu, os atos isolados de prestação de serviço referidos supra, bem sabendo que os mesmos não tinham sido prestados por CC, o que quis fazer e concretizou.
14. BB quis alterar e alterou a morada fiscal de CC para a sua residência, a fim de evitar que este fosse notificado do IVA a pagar, o que quis fazer e concretizou, bem sabendo que não estava autorizado para o efeito e que o seu pai não tinha conhecimento.
15. BB sabia, ainda, que ao aceder á área pessoal do seu pai, no portal da Autoridade Tributária, utilizando os respetivos códigos de acesso sem o seu consentimento, violava, como violou, as regras de segurança inerentes ao sistema informático, fazendo crer que a referida área estava a ser acedida e movimentada pelo seu legítimo titular e gerando documentos que, bem sabia, não corresponderem à verdade.
16. BB visou obter para a sociedade que representa, um enriquecimento que sabia ilegítimo, no montante total de 11.194,79€, à custa do correspondente prejuízo patrimonial de CC.
17. BB agiu com o propósito concretizado de obter para a sociedade que representa, o enriquecimento ilegítimo no montante assinalado em 16, relativo ao IVA deduzido, correspondente ao empobrecimento de CC em idêntico valor.
18. Do CRC da sociedade arguida nada consta.
19. O arguido BB é possuidor do CRC com o n.º 284968-E, tendo sido condenado em ..., no âmbito do processo comum, Tribunal Singular, com o n.º 388/14.6..., por decisão proferida a ...1.../11, transitada em ...1.../01, pela prática de um crimes(s) de abuso de confiança fiscal, p.p. pelo art.º 105º, nºs.1, 4 e 7º, 6º e 7º, n.º 3105º, n.º 1 e 4 do r. g. infracções tributárias, praticado em ...1.../11, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €8,00, o que perfaz o total de €480,00. Pena extinta em ...1.../12.
20. O arguido BB estudou até ao 12.º ano.
21. O arguido BB é gerente comercial da sociedade arguida.
22. O arguido BB aufere mensalmente cerca de €900,00.
23. O arguido BB vive sozinho.
24. O arguido BB tem um filho menor de 12 anos de idade.
25. O arguido BB paga €200 de pensão de alimentos, a que acresce metade das despesas escolares e médicas.
26. O arguido BB vive em casa da mãe.
27. O arguido BB não tem dívidas.
28. A sociedade arguida tem actualmente cerca de 12 funcionários ao seu serviço
29. A sociedade arguida é proprietária de 3 veículos automóveis.
30. A sociedade arguida não é proprietária de imóveis.
31. A sociedade arguida não tem dívidas.
32. No ano de ..., a sociedade arguida apresentou um total de rendimentos no montante de €243.925,95 e lucro tributável no montante de €15.015,23.
B) Factos não provados:
Para a boa decisão da causa, não se provaram designadamente os seguintes factos:
a. BB visou obter para si um enriquecimento que sabia ilegítimo, no montante total de 11.194,79€, à custa do correspondente prejuízo patrimonial de CC.
b. BB agiu com o propósito concretizado de obter para si o enriquecimento ilegítimo no montante assinalado em 16, relativo ao IVA deduzido, correspondente ao empobrecimento de CC em idêntico valor.
c. O arguido BB possui larga experiência no sector técnico das limpezas industriais.
d. A sociedade comercial AA apresenta nos seus quadros trabalhadores, mas também recorre a prestadores de serviço externos, quando de tal necessite.
e. No sentido de procurar novos clientes e de incentivar os mais antigos, a sociedade comercial AA recorre a prestadores de serviços para procederem à angariação de novos clientes na cidade de Lisboa, bem como para reavivarem clientes antigos que, entretanto, foram para a concorrência.
f. Os prestadores de serviços a que a arguida AA recorre são pessoas geralmente reformadas e/ ou antigos trabalhadores do sector das limpezas industriais, que conhecem os produtos, os serviços a vender e como os vender.
g. A arguida AA contrata tais reformados ou desempregados por serem geralmente pessoas que aceitam receber menos do que o mercado oferece para prestadores de serviços mais novos.
h. Atendendo às condições pessoais dos prestadores de serviços contratados, o pedido de recibos, após o pagamento, torna-se muito difícil, pois os prestadores de serviços não pretendem pagar mais impostos, ou pretendem manter-se no escalão de IRS mais baixo.
i. Para além da dificuldade que a arguida AA tem em recrutar tais trabalhadores, os mesmos exigem geralmente o pagamento em numerário.
j. Desta forma, a arguida AA paga em numerário aos seus prestadores de serviços, mas tem uma tarefa árdua para lhes exigir os recibos comprovativos de tais pagamentos.
k. Por outro lado, o arguido BB, compreendendo a dificuldade que tem em recrutar tais prestadores de serviços, aceita colocar a sociedade comercial de que é gerente a pagar em numerário, mas vê-se obrigado a exigir os recibos de pagamento, para os apresentar junto da sua contabilidade e assim cumprir com as suas obrigações fiscais.
l. Tal sucedeu com o pai do arguido BB, o aqui denunciante Sr. CC.
m. O arguido BB foi obrigado a ficar como gerente da sociedade arguida.
n. O arguido BB aceitou que o seu pai, o Sr. CC, apresentasse como morada fiscal em Portugal o seu domicílio em ..., sito na mesma ..., tendo ficado como seu representante fiscal até .../.../2013.
o. Em ..., o arguido BB, por se estar a incompatibilizar com o seu pai, tentou, de facto, alterar a morada do mesmo, mas no sentido de a afastar do seu domicílio pessoal, onde estava desde ..., ou seja, da ..., mas não obteve sucesso.
p. Neste sentido, o arguido BB apresentou requerimento no Serviço de Finanças de Oeiras, preenchendo o mesmo, conforme lhe indicou o funcionário que se encontrava ao balcão da repartição, mas com o objectivo de referir que o pai não tinha o seu domicílio naquela morada, ou seja na ....
q. Contudo, não sendo representante fiscal do pai, o Sr. CC, desde ..., o arguido não conseguiu afastar a morada fiscal do seu pai da ..., que apenas pertence ao arguido BB.
r. O arguido BB nunca alterou a morada fiscal do seu pai, pois tal não lhe seria permitido fazer pela Autoridade Tributária, por não ser representante fiscal do mesmo desde .../.../2013.
s. Foi ao balcão do Serviço de Finanças de Oeiras que o arguido BB soube que a alteração da morada fiscal do pai só poderia ser efectuada pelo próprio Sr. CC – o que veio a acontecer ainda em ..., segundo foi indicado ao arguido pelo mesmo Serviço de Finanças.
t. Existe um erro quer no ofício de ... de ... de 2022, remetido aos autos pela Autoridade Tributária, quer na sua utilização na acusação.
u. A arguida AA não ficou beneficiada pelo facto de ter dois recibos emitidos pelo Sr. CC.
v. A arguida AA apenas justificou a saída de dinheiro das suas contas com os referidos recibos, como acontece com todas as empresas.
w. A existir benefício só perante a arguida AA tal se pode justificar, pois é a empresa que ao fundamentar a saída de dinheiro das suas contas consegue apresentar a boa regularização das mesmas, nunca o seu gerente.
x. O arguido BB não obteve qualquer benefício ou enriquecimento com a emissão de qualquer recibo por parte dos prestadores de serviços.
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Do pedido de declaração de perda de vantagens a favor do ..., resultam provados, com relevância e pertinência os seguintes factos:
y. Os arguidos, com a sua actuação, visaram a apropriação da sociedade arguida das quantias monetárias supra descritas, no valor global de € 11.194,79 que, não tendo sido apreendidas ou recuperadas, empobreceram o património do assistente nesse valor e, correspondentemente, aumentando com tais proventos o património da sociedade arguida.
C) Motivação
O Tribunal fundou a sua convicção quer quanto à matéria de facto provada, quer quanto à matéria de facto não provada, pelo princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova que teve ao seu alcance e procurando harmonizá-los e confrontá-los criticamente, entre si, de acordo com os princípios da experiência comum, de lógica e razoabilidade, pois, nos termos do art.º 127.º, do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador, inexistindo, portanto, quaisquer critérios pré-definidores do valor a atribuir aos diferentes elementos probatórios, salvo quando a lei dispuser diferentemente (juízos técnicos), assim, alicerçou-se a convicção do Tribunal na inteligibilidade e análise crítica e ponderada do conjunto da prova produzida em sede de audiência de julgamento, socorrendo-se das regras da experiência comum, da lógica e da razoabilidade.
O julgador não é um receptáculo acrítico de tudo o que a testemunha diz ou de tudo o que resulta de um documento e a sua apreciação funda-se numa valoração racional, objectiva, crítica e ponderada de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos enformada por uma convicção pessoal.
Destarte, a convicção do Tribunal sedimenta-se na inteligibilidade e análise crítica e ponderada do conjunto de toda a prova produzida e examinada em sede de audiência de julgamento, socorrendo-se das regras da experiência comum, da lógica e da razoabilidade.
Desde logo, o Tribunal valorou a prova documental junta aos autos designadamente a citação da AT, de fls. 8, dirigida ao assistente, no qual o mesmo é notificado da instauração de um processo de execução fiscal, em que a quantia exequenda ascende a €12.135,39; informação do registo central do contribuinte, de fls. 9 e ss., do qual consta que a morada do assistente sita na ..., sendo que a comunicação da referida morada ocorreu a ........2016 e foi feita presencialmente pelo arguido BB (conforme se alcança da explicação facultada a fls. 215 e 263 a 265 pelos serviços da autoridade tributária); informação de fls. 9 verso, do qual se aferem os dados identificativos dos recibos verdes em causa nos autos, a data da sua emissão e valores atinentes ao valor da prestação de serviços, bem como do IVA apurado; documento de fls. 35, onde se verifica que a morada do arguido BB é sita na ...; certidão permanente de fls. 36 e ss, atinente à sociedade arguida, da qual se afere, entre outros, a data da sua constituição, objecto social, identificação dos sócios e do seu gerente (o ora arguido BB) e cujo teor foi atendido para dar como provado os factos referidos em 1.º e 2.º; emails de fls 64 e 65, que correspondem à troca de correspondência entre o assistente, o arguido e o ... da sociedade arguida relativamente aos recibos em causa nos autos, nos quais o assistente questiona o arguido pelo facto de o mesmo ter emitido os recibos em causa nos autos; recibos emitidos de fls. 103 e ss., atinentes aos documentos em causa nos autos; informações remetidas pela AT referente aos mencionados recibos de fls. 104 e ss; IRC de ... da sociedade arguida de fls. 387 e ss.; cópia de um email remetido pelo arguido ao ora assistente em ... de ... de 2015 (junto na sessão de audiência de julgamento ocorrida no dia ........2023, o qual se encontra digitalizado e inserido no processo electrónico), onde se refere expressamente: “Envio-te dois anexos um foi a carta que recebi das finanças e outro foi os documentos que tirei do teu site com a dívida discriminada por processo. Casos faças um pagamento ou seja penhorado qualquer valor guarda os comprovativos para eu poder dar baixa nos processos nas finanças. BB”; ofício remetido pela AT a ........2023, do qual se afere que o assistente teve o seu domicílio fiscal na ... entre ........2013 a ........2018; ofício de ........2023 remetido pela AT (do qual é possível constatar as sucessivas alterações da morada do assistente. Da análise do referido documento, verifica-se que, na data imediatamente anterior à emissão dos recibos em causa nos autos, ou seja em ........2013, foi feita uma alteração de morada do assistente junto do ..., tendo sido mantida a morada em ... e o mesmo representante -ou seja, o arguido BB, o qual havia sido nomeado a ........2012. Mais se constata que, na data imediatamente posterior à emissão dos recibos, foi feita a alteração da morada do assistente para a ..., feita a ........2016, a qual foi assinada pelo arguido BB); CRC dos arguidos.
Em sede de audiência de julgamento, o arguido quis prestar declarações e negou a prática dos factos descritos na acusação pública. Relatou que é o gerente da sociedade arguida desde o ano de ..., identificando o sócio como sendo DD, tendo ainda confirmado o objecto social da referida empresa. Esclareceu que o assistente prestou serviços à sociedade arguida (distribuição de folhetos de porta em porta) e consequentemente, apresentou dois recibos referentes à prática de actos isolados. Mencionou que o pagamento das quantias devidas pela prestação foi feito em numerário e que foram esses serviços que sustentaram a emissão dos recibos em causa nos autos. Consequentemente, negou que tivesse acedido à página pessoal do assistente na AT através dos códigos de acesso do assistente e tivesse emitido os recibos verdes em causa nos autos, pois nunca teve acesso aos mesmos. Referiu que deixou de falar com o seu pai no ano de .... No que tange à representação fiscal do assistente, admitiu que era o seu representante fiscal, uma vez que o mesmo precisa de te um domicílio fiscal em Portugal para poder aceder ao seu complemento de reforma. Questionado quanto ao valor pago pela prestação dos mencionados serviços, referiu que o assistente sempre foi um bom comercial e que esse valor representa o valor comum que é pago.
Atendeu-se às declarações sinceras, isentas e coerentes do assistente CC, pai do arguido BB, o qual mencionou que esteve vários anos emigrado em ... e quando regressou a Portugal encetou actividade empresarial em conjunto com o arguido. No que toca à sociedade arguida, aludiu que a gestão da sociedade arguida foi sempre feita pelo arguido BB. Referiu que o arguido BB foi sempre o tesoureiro das empresas que foram criadas e geridas por ambos e, por isso, tinha acesso aos seus dados de acesso à plataforma da autoridade tributária. Descreveu a intervenção que teve na aquisição da sociedade arguida e que nunca prestou qualquer serviço àquela (muito menos aqueles referidos pelo arguido), não tendo qualquer sentido a emissão dos recibos em causa nos autos. No que concerne à sua representação fiscal, esclareceu que a sua morada fiscal era em ..., mas necessitou de indicar uma morada em Portugal para obter o complemento de reforma, tendo para o efeito nomeado o arguido como seu representante. Referiu ainda que nunca alterou a morada fiscal para a casa do arguido e só teve conhecimento dos recibos em causa nos autos quando foi notificado, via electrónica, pela autoridade tributária da instauração de um processo de execução fiscal. Esclareceu, ainda, que nos anos de ... e ... esteve com uma depressão, que o impediu de trabalhar.
Valorou-se o depoimento da testemunha EE, companheira do assistente desde o ano de .... Asseverou de forma sincera e escorreita que o assistente não trabalhou para a sociedade arguida nas datas referidas nos referidos recibos verdes e que o mesmo ficou surpreendido com a notificação que lhe foi remetida pelo serviço de finanças referente à instauração do processo executivo. Esclareceu, ainda, que o assistente não fala com o arguido desde o ano de ..., altura em que se desentenderam por problemas relacionados com as sociedades que ambos exploravam. Mencionou também que desde o ano de ... ou ..., o assistente não trabalha e que se encontra reformado devido aos problemas de saúde que apresenta.
Considerou-se, ainda, o depoimento da testemunha FF, casado, ... da sociedade arguida, desde o ano de ... até à presente data. Apresentou um depoimento contido e comprometido. Esclareceu conhecer o assistente quando a empresa foi adquirida em ... e ... e conhecer o arguido por ser o gerente da referida sociedade. Afirmou que tem conhecimento da existência dos recibos verdes em causa nos autos e que os mesmos foram emitidos em nome do assistente. Clarificou, ainda, que foram os únicos recibos emitidos em nome do assistente. Aludiu que desconhece que serviços foram efectivamente prestados e que os valores pagos pelos referidos recibos foram pagos em dinheiro. Mencionou, ainda, que o IVA inerente à prestação dos referidos serviços foi deduzido pela sociedade arguida.
Depoimento de GG, solteiro, empresário, amigo do arguido BB desde ..., que atestou da inserção profissional e pessoal do arguido.
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Os elementos de prova relativamente aos quais não se fez referência expressa resultaram anódinos para a boa decisão da causa. De realçar, apenas, que não se atribuiu relevância probatória à cópia da declaração emitida pela AT junta com a contestação, na qual se refere que o arguido cessou a representação do assistente em ........2013, uma vez que o documento de suporte que acompanha tal declaração não esclarece o facto atestado, sendo certo, ainda, que a referida declaração é manifestamente contraditória com o teor do ofício remetido pela AT aos autos a ........2023, na qual se atesta que à referida data, o arguido mantinha-se como representante fiscal do assistente (o que lhe permitiu, nos termos dados como provados, alterar a morada fiscal daquele para a sua morada).
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Da concatenação dos mencionados meios de prova, afere-se que as declarações do arguido não mereceram convencer, resultando as mesmas de uma tentativa de desresponsabilização da sua conduta que não logrou minimamente convencer.
Em primeiro lugar, veja-se que o arguido negou que tivesse procedido à alteração da morada fiscal do assistente para a sua morada. Ora, a prova documental junta aos autos é bastante e ostensiva na demonstração de que tal alegação é falsa. De facto, resulta dos vários ofícios que foram juntos aos autos pela autoridade tributária que foi o arguido quem, presencialmente, na qualidade de representante do assistente, alterou a morada fiscal daquele (vide documentos fls 9, 215, 263 a 265; ofícios da AT de ........2023 e ........2023). Quanto a este facto inegável, não tentou sequer o arguido arquitetar uma versão alternativa, lógica ou credível, não se conseguindo perceber (para além da versão dos factos que é relatada na acusação) qual a razão que leva um cidadão a alterar a morada fiscal do outro sem o seu conhecimento ou consentimento. Do mesmo modo, as declarações do assistente assumiram grande relevância probatória, considerando a forma desinteressada e credível como prestou as suas declarações, sendo amparado pela prova documental junta aos autos, o que lhe permitiu atribuir credibilidade. Da concatenação dos citados meios provatórios, foi possível dar como demonstrada a facticidade vertida em 10.º
Por outro lado, e no que concerne à emissão dos recibos em causa nos presentes autos, a prova produzida em sede de audiência de julgamento desmonta inequivocamente a versão parcelar, incoerente, imprecisa e redundante apresentada pelo arguido. A este propósito cumpre salientar que o assistente prestou declarações de forma muito precisa, escorreita e esclarecedora, tendo negado que em algum momento tivesse prestado serviços à sociedade arguida e, consequentemente, tivesse procedido à emissão dos recibos em causa. De igual modo, a própria companheira do assistente HH confirmou essa versão, relatando ainda que o assistente, em virtude de problemas de saúde, não trabalha desde o ano de ... ou .... Acresce ainda, que foge às regras da experiência comum, que um comercial de uma empresa, cuja função é distribuir folhetos de porta a porta, aufira remunerações de cerca de €29.956,65 e €29.911,14 no espaço de dois meses, tal como demonstram os recibos juntos aos autos (sendo certo que o arguido nem sequer referiu com precisão durante quanto tempo perdurou a referida prestação de serviços e a forma como foi calculado o preço a pagar pela prestação do referido serviço). Da conjugação das referidas declarações com a prova documental supramencionada, (nomeadamente a referida a fls. 9, 103 e ss, bem como o teor do email remetido pelo arguido ao assistente a ........2012, do qual se afere que o mesmo tinha acesso aos códigos de acesso à página da AT pertencentes ao assistente), foi possível dar como provada a facticidade mencionada em 3.º a 6.º, 9.º, 11.º, 12.º).
O factualismo elencado em 7.º foi dado como provado considerando o depoimento da testemunha II, em conjugação com o teor da declaração de IRC que se encontra junta a fls.387 e ss.
O facto mencionado em 8.º foi obtido mediante presunção judicial, considerando os factos dados como provados.
Os factos atinentes ao elemento subjectivo elencados em 13.º a 17.º foram obtidos por recurso a presunção judicial, considerando os factos dados como provados.
A facticidade atinente aos antecedentes criminais foi dada como provada considerando o teor dos certificados de registo criminal junto aos autos.
As condições pessoais, familiares e sociais dos arguidos foi dada como provada, atendendo às declarações do arguido, em conjugação com o depoimento da testemunha JJ e com a declaração de IRC junta aos autos.
Os factos que foram dados como não provados resultaram da ausência de prova na sua demonstração.
O facto relativo ao pedido de perda de vantagens a favor do Estado foi obtido mediante a prova documental junta aos autos, designadamente os recibos emitidos pelo arguido em nome do assistente e o auto de notificação de execução fiscal, em conjugação com as declarações do assistente e da testemunha HH, nos termos exarados supra.
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III. Fundamentação de Direito:
1. Enquadramento jurídico-penal:
Provados que estão os factos acima descritos, compete proceder à sua sindicância legal, em termos de imputação jurídico-penal.
A) Crime de burla informática agravada, p. e p. pelo art.º 221.º, n.º 1 e 5 do Código Penal
Nos termos do disposto no art.º 221.º, n.º 1, do Código Penal “1 - Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, causar a outra pessoa prejuízo patrimonial, mediante interferência no resultado de tratamento de dados, estruturação incorreta de programa informático, utilização incorreta ou incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou intervenção por qualquer outro modo não autorizada no processamento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. (…)5 - Se o prejuízo for: a) De valor elevado, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias…”
Por sua vez, dispõe o art.º 202.º do Código Penal que “a) Valor elevado: aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto”
Resulta da primeira norma citada que o bem jurídico protegido é o património, globalmente considerado (seguimos de perto a anotação ao art.º 221.º de Almeida Costa, in Comentário Conimbricense, vol. II, pág. 274 e segts.).
Deverá ser adotado um conceito jurídico de património consubstanciado nos direitos subjetivos patrimoniais (de índole real ou obrigacional), nos lucros cessantes e demais expectativas legítimas de obtenção de vantagens económicas, inclusive, nas obrigações naturais. E assim, a ofensa a qualquer uma destas realidades constitui um prejuízo patrimonial.
A conduta consiste na interferência no resultado do tratamento de dados, ou na estruturação incorreta de programa informático, na utilização incorreta ou incompleta de dados, na utilização de dados sem autorização ou na intervenção por qualquer outro modo não autorizada no processamento de dados.
Por seu turno, o dano patrimonial deve ser aferido à luz objetivo-individual de património, ou seja, o prejuízo deve determinar-se através da aplicação de critérios objetivos de natureza económica à concreta situação patrimonial da vítima, concluindo-se pela existência de um dano sempre que se observe uma diminuição do valor económico por referência à posição em que o lesado estaria se o agente não houvesse realizado a sua conduta.
Consubstancia, pois, um atentado direto ao património através da manipulação de dados informáticos.
Como justamente refere Almeida Costa, ob. e loc. cit., a burla integra um delito de execução vinculada, em que a lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência de uma muito particular forma de comportamento, ou seja, ela traduz-se na utilização de um meio tecnológico de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios.
Relativamente ao tipo subjetivo de ilícito, sublinha-se que a burla informática e nas comunicações integra um crime doloso, não havendo lugar ao sancionamento na forma negligente.
Exige-se que o agente tenha a intenção de conseguir, através da conduta, um enriquecimento ilegítimo próprio ou alheio.
Sublinha-se, igualmente, que, sem a consciência da ilegitimidade do enriquecimento, não há crime de burla informática e nas telecomunicações.
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Do crime de falsidade informática
Dispõe o art. 3.º, n.º 1 da L. n.º 109/2009 de 15/09 que quem, com intenção de provocar engano nas relações jurídicas, introduzir, modificar, apagar ou suprimir dados informáticos ou por qualquer outra forma interferir num tratamento informático de dados, produzindo dados ou documentos não genuínos, com a intenção de que estes sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se o fossem, é punido com pena de prisão até 5 anos ou multa de 120 a 600 dias.
De acordo com as definições insertas no antecedente art. 2.º, por “sistema informático”, deve entender-se qualquer dispositivo ou conjunto de dispositivos interligados ou associados, em que um ou mais de entre eles desenvolve, em execução de um programa, o tratamento automatizado de dados informáticos, bem como a rede que suporta a comunicação entre eles e o conjunto de dados informáticos armazenados, tratados, recuperados ou transmitidos por aquele ou aqueles dispositivos, tendo em vista o seu funcionamento, utilização, protecção e manutenção [al. a)] e, por “dados informáticos”, qualquer representação de factos, informações ou conceitos sob uma forma susceptível de processamento num sistema informático, incluindo os programas aptos a fazerem um sistema informático executar uma função [al. b)].
Não sendo consensual a densificação do bem jurídico visado proteger com a incriminação em apreço, “havendo quem entenda que é a integridade dos sistemas informáticos, pretendendo o legislador, por via desta incriminação, impedir a prática de actos que atentem contra a confidencialidade, a integridade e a disponibilidade dos sistemas informáticos e dos dados informáticos, bem como a utilização fraudulenta dos mesmos”, assim como quem considere estar em causa “a segurança nas transacções bancárias” ou “a segurança e a fiabilidade dos documentos no tráfico jurídico-probatório (…), o que se deve à circunstância de o crime de falsidade informática e o crime de falsificação de documento previsto e punido pelo art. 256.º do Código Penal serem de tal modo semelhantes (apenas se distinguindo quanto ao modus operandi, em que releva a execução pelo meio informático)”, julgamos ser de afirmar ter o legislador visado assegurar “a segurança e a fiabilidade dos documentos no tráfico jurídico-probatório (onde se inclui a segurança nas transacções bancárias), embora (…), ainda que de forma meramente reflexa, acabe por tutelar também a integridade dos sistemas informáticos” (Duarte Nunes, O Crime de Falsidade Informática, in Julgar Online, Outubro de 2017, 7 e seguintes, in www.julgar.pt).
Revertendo ao respectivo tipo objectivo, o mesmo é integrado “pela introdução, modificação, apagamento ou supressão de dados informáticos ou por qualquer outra forma de interferência num tratamento informático de dados, de que resulte a produção de dados ou documentos não genuínos, consumando-se o crime apenas com a produção deste resultado”, sendo que, subjectivamente, “o tipo legal supõe o dolo, sob qualquer das formas previstas no art. 14.º do Código Penal, exigindo, enquanto elemento subjectivo especial do tipo, a intenção de provocar engano nas relações jurídicas, bem como, relativamente à produção de dados ou documentos não genuínos, a particular intenção do agente de que tais dados ou documentos sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se fossem genuínos” (cfr. o Ac. do TRE de 19/05/15, in www.dgsi.pt).
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Feitas as anteriores considerações afigura-se ao Tribunal que a douta acusação pública contém todos os elementos objectivos dos tipos de crime imputados ao arguido. Todavia, o mesmo não poderá ser afirmado quanto aos elementos subjectivos, pois não é alegada a consciência da ilicitude por banda dos arguidos quanto aos referidos crimes, o que importa necessariamente (nesta fase processual) a absolvição dos mesmos.
A este propósito, é mencionado no Ac. da Relação de Guimarães de 19.06.2017, disponível em www.dgsi.pt:
“A alegação de que a arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal não é inócua e desnecessária, não passando de um protocolo ou fórmula prédeterminada acolhida pela prática judiciária, sem qualquer valor funcional. Ao contrário, a alegação da consciência da ilicitude, seja com a utilização daquela fórmula ou através da descrição mais objetiva desse facto da vida interior, corresponde à necessidade de descrever um dos elementos do tipo subjetivo, traduzido no dolo da culpa, o qual , segundo as modernas conceções dogmáticas da teoria do crime, defendidas entre nós por Figueiredo Dias, constitui uma categoria autónoma, relativamente ao dolo do tipo, ao passo que na conceção tradicional não se distinguia entre os elementos do tipo e os elementos do tipo de culpa”
Talqualmente, é referido no acórdão da Relação de Coimbra de 13.09.2017, que:
“IV - O Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, através do acórdão n.º1/2015 [in Diário da República, 1ª Série, n.º 18, de 27 de janeiro de2015], fixou jurisprudência no sentido de a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime não poder ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.° do CPP. V - Da fundamentação do acórdão uniformizador resulta que os factos integrantes da consciência da ilicitude, enquanto dolo da culpa, têm necessariamente de ser alegados na acusação.VI - Limitando-se a assistente a alegar, na acusação particular deduzida e em termos de factos relativos ao preenchimento dos elementos subjetivos, que ao dirigir-lhe as palavras mencionadas, o arguido “visou e conseguiu humilhar e vexar a Assistente”, sendo que o mesmo “agiu voluntária e conscientemente, bem sabendo que as afirmações por si proferidas eram suscetíveis de atingir a honra e consideração da Assistente”, verifica-se completa omissão em relação aos elementos integrantes da consciência da ilicitude, o que torna a acusação manifestamente infundada e é causa de rejeição da mesma.”
Outrossim é mencionado no acórdão da Relação de Lisboa, proferido no processo 8467/19.7T9LSB.L1-9, de 10-03-2022, disponível em www.dgsi.pt
“ (…) A consciência da ilicitude é também momento constitutivo do dolo(não do tipo de ilícito mas do tipo de culpa), acrescendo, como seu momento emocional, ao conhecimento de todas as circunstâncias do facto (elemento intelectual) e à vontade de realizar o facto típico(elemento volitivo), que são elementos do dolo do tipo, traduzindo-se na indiferença ou oposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma (tipo de culpa doloso).
A acusação tem de descrever os elementos em que se analisa o dolo, ou seja: o conhecimento (ou representação ou, ainda, consciência em sentido psicológico) de todas as circunstâncias do facto, de todos os elementos descritivos e normativos do tipo objectivo do ilícito; a intenção de realizar o facto, se se tratar de dolo directo, ou a previsão do resultado danoso ou da criação de perigo (nos crimes desta natureza) como consequência necessária da sua conduta (tratando-se de dolo necessário), ou ainda a previsão desse resultado ou da criação desse perigo como consequência possível da mesma conduta, conformando-se o agente com a realização do evento.e A esses elementos acresce o referido elemento emocional, traduzido na atitude de indiferença, contrariedade ou sobreposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma e fazendo parte, como vimos, do tipo de culpa doloso.
Este elemento emocional é dado através da consciência da ilicitude e integra a forma de aparecimento mais perfeita do delito doloso. Daí que só possa afirmar-se que o agente actuou dolosamente quando, nomeadamente, esteja assente que o mesmo actuou com conhecimento ou consciência do carácter ilícito e criminalmente punível da sua conduta.
Todos esses elementos, que constituem os elementos subjectivos do crime, são habitualmente expressos na acusação através da utilização de uma fórmula pela qual se imputa ao agente ter agido de forma livre (isto é, podendo agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou dever-ser jurídico), voluntária ou deliberadamente(querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude).
A questão de saber se, perante a omissão total ou parcial, na acusação, de elementos constitutivos do tipo subjectivo do ilícito, nomeadamente do dolo, o tribunal do julgamento pode, por recurso ao artigo 358º do Código de Processo Penal, integrar os elementos em falta, dividiu a jurisprudência, tendo o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, através do acórdão n.º 1/2015 [in Diário da República, 1ª Série, n.º 18, de 27 de Janeiro de 2015],acabado por fixar a seguinte jurisprudência uniformizadora:
"A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e da vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal."
A oposição de julgados verificou-se entre dois acórdãos que versaram(...) sobre a falta de descrição na acusação particular dos elementos subjectivos do crime de injúria, incluindo a consciência da ilicitude.
A propósito deste elemento, reconhecendo que modernamente o problema se coloca de forma diferente do que era usual colocar-se, o referido acórdão uniformizador refere o seguinte (no ponto 10.2.3.1):
«O conhecimento da proibição legal, que não é exactamente equivalente a “consciência da ilicitude” será de exigir em certos casos em que a relevância axiológica de certos comportamentos é muito pouco significativa ou não está enraizada nas práticas sociais e em que, portanto, o conhecimento dos elementos do tipo e a sua realização voluntária e consciente não é suficiente para orientar o agente de acordo com o desvalor comportado pelo tipo de ilícito. «Por isso, o desconhecimento desta proibição impede conhecimento total do substrato de valoração e determina uma insuficiente orientação da consciência ética do agente para o problema da ilicitude. Por isso, em suma, neste campo o conhecimento da proibição é requerido para a afirmação do dolo do tipo [...]» (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., pp. 363/364).
A necessidade de tal exigência faz-se sentir sobretudo a nível do direito contraordenacional, do direito penal secundário, relativamente a certas incriminações de menor relevância axiológica, mas também a nível de algumas incriminações do direito penal de justiça, principalmente no que toca à protecção de bens jurídicos cuja consciência se não encontra ainda suficientemente solidificada na comunidade social. Então, faz sentido exigir o conhecimento da proibição como forma de realização do dolo do tipo.
Na generalidade dos casos, porém, o sentido ou significação da ilicitude do facto promana da realização pelo agente da factualidade típica, agindo com o dolo requerido pelo tipo. Na verdade, em crimes como o de homicídio, ofensa à integridade física, furto, injúrias, pôr a questão de saber se o agente, que actuou conscientemente, representando todas as circunstâncias do facto, e querendo, mesmo assim, a sua realização, actuou ou não com conhecimento da proibição legal, isto é, se sabia que matar, agredir fisicamente uma pessoa, subtrair coisa alheia para dela se apropriar, ofender a honra de alguém, era proibido legalmente, seria o mesmo que questionar se ele efectivamente vivia neste mundo ou se não seria um extraterrestre acabado de aterrar neste planeta, como no filme de Steven Spielberg.
(...)
Quanto à consciência da ilicitude, é evidente que ela é uma exigência da actuação dolosa do agente na realização do ilícito típico. Porém, a sua compreensão dogmática coloca-se a um outro nível e tem a ver com a questão da relevância do erro sobre a ilicitude, contemplada no art. 17.º do CP. O erro sobre a ilicitude não exclui o dolo, ao contrário do erro sobre a factualidade típica, na qual se pode incluir, em certas circunstâncias, como as já referidas, o conhecimento sobre proibições legais. Fica, porém, ressalvada, quanto a este tipo de erro, a punibilidade da negligêncian os termos gerais (art. 16.º). O erro sobre a ilicitude exclui a culpa, se o erro não for censurável ao agente (sendo uma causa de exclusão da culpa), mas faz persistir o dolo, no caso de o erro ser censurável. Daí que o facto praticado sem consciência da ilicitude seja equiparável ao praticado com essa consciência, desde que não possa afastar-se a censurabilidade de tal erro.
Escreve FIGUEIREDO DIAS, cujas ideias básicas, muito pela rama, intentamos transpor para aqui, que a razão de ser da diferença entre o regime do erro sobre proibições, cujo conhecimento seja razoavelmente indispensável para o agente tomar conhecimento da ilicitude (art. 16.º), conduzindo à exclusão do dolo do tipo, e o erro sobre o carácter ilícito do facto (art. 17.º),fundamentador do dolo da culpa, está em que «neste último caso, o consciência intencional [...]), mas ao nível da própria consciência ética (ou consciência dos valores (...), revelando a falta de sintonia com a ordem dos valores ou dos bens jurídicos que ao direito penal cumpre proteger », ao passo que, no primeiro caso, trata-se da «falta de conhecimento necessário a uma correcta orientação da consciência ética do agente para o desvalor do ilícito (Direito Penal,cit., pp. 356 e ss. e 531 e ss..
Diz ainda o mesmo Autor, noutra passagem da mesma obra, que oque se visa com a exigência do conhecimento, representação ou consciência (psicológica ou intencional) de todas as circunstâncias do facto realizador de um tipo de ilícito objectivo, é que o agente conheça tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito; porque tudo isso é indispensável para se poder afirmar que o agente detém, ao nível da sua consciência intencional ou psicológica, o conhecimento necessário para que a sua consciência ética, ou dos valores, se ponha e resolva correctamente o problema da ilicitude do comportamento (sublinhados nossos) [ob. cit., p. 351). (…)
Em conclusão: a acusação, enquanto delimitadora do objecto do processo, tem de conter os aspectos que configuram os elementos subjectivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa no sentido referido, englobando a consciência ética ou a consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal, ou seja: a determinação livre do agente pela prática do facto, podendo ele agir de modo diverso; o conhecimento ou representação de todas as circunstâncias do facto, tanto as de carácter descritivo, como as de cariz normativo e a vontade ou intenção de realizar a conduta típica, apesar de conhecer todas aquelas circunstâncias, ou, na falta de intenção, a representação do evento como consequência necessária (dolo necessário) ou a representação desse evento como possível, conformando-se o agente com a sua produção (dolo eventual), actuando, assim, conscientemente contra o direito. O problema da relevância ou pouco significativa relevância axiológica da conduta, aflorado no acórdão recorrido, tem relevo, como vimos atrás, em sede de conhecimento da proibição, ou seja, dos elementos do tipo legal, quando seja razoavelmente de exigir o seu conhecimento para uma correcta orientação da consciência ética do agente no sentido do desvalor do facto.»
«Conexionado com o problema anterior, coloca-se finalmente a questão de saber se a falta, na acusação, de todos ou de alguns dos elementos caracterizadores do tipo subjetivo do ilícito, mais propriamente, do dolo (englobando o dolo da culpa, no sentido atrás referido), pode ser integrado no julgamento por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do CPP.
Tal equivalerá a considerar essa integração como consubstanciando uma alteração não substancial dos factos
Já vimos que esses elementos têm de constar obrigatoriamente da acusação, implicando a sua falta a nulidade do libelo (art. 283.º, n.º 3, alínea b) do CPP).
Por conseguinte, tendo o processo sido despachado para julgamento, sem ter passado pela instrução, o respectivo juiz (presidente) deveria rejeitar a acusação, não só por a mesma ser nula, nos moldes referidos, mas também por ser manifestamente infundada, nos termos do art. 311.º, n.ºs 2, alínea a) e 3, alínea b) do CPP – não conter a narração dos factos.
Claro que uma tal visão implica que os factos em falta na descrição constante da acusação (pressuposto que ela contém uma descrição relativa a outros factos) são essenciais, imprescindíveis, e o que falta corresponde à falta de narração a que se refere o normativo referido. Ou seja: a exigida narração dos factos é a de todos os factos constitutivos do tipo legal de crime, sejam eles pertencentes ao tipo objectivo do ilícito, sejam ao tipo subjectivo e ainda, naturalmente, na sequência do que temos vindo a expor, os elementos referentes ao tipo de culpa.
A factualidade relevante, como factualidade típica, portadora de um sentido de ilicitude específico, só tem essa dimensão quando abarque a totalidade dosseus elementos constitutivos. Não existem puros factos não valorados, como vimos, a propósito, nomeadamente, das teorias do objecto do processo, e a valoração especifica que aqui se reclama, consonante com um tipo de ilícito, só se alcança com a imputação do facto ao agente, fazendo apelo à representação do facto típico, na totalidade das suas circunstâncias, à sua liberdade de decisão, como pressuposto de toda a culpa, e, envolvendo a consciência ética ou dos valores, à posição que tomou, do ponto de vista da sua determinação pelo facto.
Sem isso, não está definida a conduta típica, ilícita e culposa.»”
Na esteira do referido acórdão da Relação de Guimarães que vimos citando, da leitura dos segmentos da fundamentação do acórdão uniformizador acima transcritos, parece claro que os factos integrantes da consciência da ilicitude, enquanto dolo da culpa, têm necessariamente de ser alegados na acusação.
Neste sentido se pronunciaram, também e a título exemplificativo os acórdãos da Relação de Coimbra de 02-03-2016; da Relação de Guimarães de 21-11-2016, 13.09.2017, 06.11.2017 e 15.05.2019 e 19.9.2023 no processo 37/18.3EABRC.G11; da Relação do Porto no processo n.º 327/10.3PGVNG.P1, de 10.7.2013; da Relação de Lisboa, proferido no processo 1453/15.8S5LSB.L1.5, de 18.9.2018; processo n.º 537/15.7PBPDL.L1-5, de 11.9.2018; processo n.º 148/19.8 GDLRS, de 17.2.2022; processo 915/21.2T9VFR, de 8.3.2023; processo 230/21.1PFLSB.L1-9, de 12.1.2022 todos acessíveis em www.dgsi.pt
Da análise dos preceitos legais enunciados e dos ensinamentos preconizados pela doutrina e jurisprudência supra elencados resulta claro que, sendo a consciência da ilicitude uma exigência da actuação dolosa do agente na realização do facto típico, acrescendo, como elemento emocional, ao conhecimento e vontade de realizar o facto típico (elementos do dolo do tipo), traduzindo-se na indiferença ou oposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma(tipo de culpa doloso), não pode deixar de constar da acusação.
Ora, salvo o devido respeito por melhor entendimento, afere-se que a acusação pública vertida nos presentes autos é omissa no que tange aos elementos integrantes da consciência da ilicitude (elemento emocional), enquanto tipo de culpa que supra ficou caracterizado, habitualmente traduzida pela expressão de que “o arguido actuou sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal”, ou por qualquer outra que comporte o respectivo conteúdo.
Embora, a nível probatório, o dolo, enquanto facto interno, se possa deduzir dos factos objectivos, tal não dispensa que tenha de constar da acusação, sob pena de nunca estar preenchido o tipo de crime pelo qual se pretende levar o arguido a julgamento.
A este propósito, consta também da fundamentação do referido acórdão uniformizador n.º 1/2015 que:
«De forma alguma será admissível que os elementos do dolo, quando não descritos na acusação, possam ser deduzidos por extrapolação dos factos objectivos, com «recurso à lógica, à racionalidade e à normalidade dos comportamentos, de onde se extraem conclusões suportadas pelas regras da experiência comum».
Por outro lado, de acordo a mencionada jurisprudência fixada por esse aresto, a omissão na acusação da descrição de algum elemento do tipo subjectivo de ilícito, onde se inclui a consciência da ilicitude, não pode ser integrada em julgamento com recurso ao mecanismo do art. 358º, n.º 1 do CPP, o que importa a absolvição dos arguidos».
3. Dos recursos interpostos
3.1. Da contradição insanável – art. 410º, n.º 2, al. b) do C.P.P.
Neste conspecto, aduz o recorrente Ministério Público, em suma, que:
«Da acusação, contrariamente ao referido na sentença, constam não só os elementos objetivos como também todos os elementos subjetivos de cada um dos tipos de crime em apreço nos autos, os quais, como demonstrado, foram dados como provados na sentença nos pontos 8 a 17 da matéria de facto provada, pelo que ao considerar os mesmos como não provados em sede de motivação, padece a sentença no vício de contradição insanável entre os factos e fundamentação, nos termos do disposto no artigo 410º, 2, b), do Código de Processo Penal.
Atenta a redação dos factos provados 8 a 17 na sentença, de conteúdo igual aos mesmos números da acusação, deles resulta o conhecimento da ilicitude pelo arguido BB das suas condutas, pelo que ao afirmar-se na sentença, em sede de fundamentação, que não resulta da acusação o facto atinente consciência da ilicitude, daí decorre uma contradição insanável na fundamentação, tal como prevista no artigo 410º, 2, b), do Código de Processo Penal».
Atentemos, pois.
«Os vícios da decisão – a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova – previstos, por esta ordem, nas três alíneas do nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal, constituem fundamento para recurso da matéria de facto [e isto, independentemente de a lei o restringir à matéria de direito] e são de conhecimento oficioso, conforme jurisprudência fixada pelo Acórdão nº 7/95, de 19 de Outubro (DR, I-A, de 28 de Dezembro de 1995).
Estamos perante defeitos estruturais da própria decisão penal, razão pela qual a lei exige que a sua demonstração resulte do respectivo texto por si só, ou em conjugação com as regras da experiência comum. No âmbito da revista alargada – comum designação do regime – o tribunal de recurso não conhece da matéria de facto – no sentido da reapreciação da prova –, antes limita a sua actuação à detecção dos vícios que a sentença, por si só e nos seus precisos termos, evidencia e, não podendo saná-los, determina o reenvio do processo para novo julgamento.
(…) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste, basicamente, numa oposição na matéria de facto provada [v.g., dão-se como provados dois ou mais que dois factos que estão entre si, em oposição sendo, por isso, logicamente incompatíveis], numa oposição entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada [v.g., dá-se como provado e como não provado o mesmo facto], numa incoerência da fundamentação probatória da matéria de facto [v.g., quando se dá como provado um determinado facto e da motivação da convicção resulta, face à valoração probatória e ao raciocínio dedutivo exposto, que seria outra a decisão de facto correcta], ou ainda quando existe oposição entre a fundamentação e a decisão [v.g., quando a fundamentação de facto e de direito apontam para uma determinada decisão final, e no dispositivo da sentença consta decisão de sentido inverso]»2
Como refere Francisco Mota Ribeiro, Processo e Decisão Penal Textos, CEJ, 2019, p. 48 «A contradição pode por sua vez resultar da fundamentação fáctico-conclusiva e jurídica ou da argumentação usada na aplicação do direito aos factos. (…) Na contradição insanável o que se pode dizer, é que, no texto da própria decisão não é possível descortinar claramente o pensamento e a real vontade do julgador. Um e outro, nos termos em que foram declarados na sentença, não permitem afirmar qual a vontade declarada ou expressa na decisão que deverá prevalecer, porquanto correlativamente a ela ou a um determinado pensamento nela expresso, existe um outro pensamento ou uma outra vontade que a anulam ou contradizem».
No caso, pese embora o esforço argumentativo do recorrente Ministério Público, não se vislumbra que exista qualquer incompatibilidade entre os factos dados como assentes e a motivação e/ou a decisão.
Na verdade, como decorre claramente da sentença recorrida, a Sra. Juíza, respaldada aliás na jurisprudência que cita, simplesmente perfila o entendimento que, adicionalmente aos elementos intelectual e volitivo do dolo, é sempre imprescindível a expressa alegação (e prova) do denominado elemento emocional do dolo, ou seja, que o agente actuou com conhecimento ou consciência do carácter ilícito e criminalmente punível da sua conduta.
Tanto basta, pois, para se considerar improcedente este segmento recursivo.
3.2. Do invocado erro do Tribunal a quo no julgamento da matéria de direito
Neste conspecto, como decorre das motivações e conclusões recursivas, ambos os recorrentes (assistente e Ministério Púbico) propugnam, em abreviada síntese, pela desnecessidade, no caso, da inserção na acusação da fórmula típica o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei e, adrede, pela revogação da sentença absolutória.
Vejamos, então.
Na situação dos autos, é desde logo pacífico que, estando em causa a imputada prática de crimes de burla informática e de falsidade informática é exigida uma actuação dolosa do agente, isto é, o conhecimento e a vontade daquele na realização dos crimes.
E, densificando, impõe-se, inequivocamente, que o agente tenha conhecimento dos elementos materiais constitutivos dos tipos legais em causa, e, sendo capaz de avaliar o desvalor jurídico que enforma a acção a empreender, actue com e apesar de tal conhecimento (elemento intelectual do dolo) e com vontade dirigida à sua realização (elemento volitivo do dolo).
«Os elementos objetivos constituem a materialidade do crime e emergem da descrição da ação empreendida ou omitida e produtora de uma modificação do mundo exterior apreensível pelos sentidos. Já as dimensões do elemento subjetivo traduzem a atitude interior do agente na sua relação com o facto material.
O Código Penal não define o dolo do tipo, apenas cada uma das formas em que ele se analisa (artigo 14.º CP). Mas a doutrina conceptualiza-o, sintetizando que corresponde ao conhecimento (elemento intelectual) e vontade de realização do tipo objetivo de ilícito (elemento volitivo).
O dolo consiste, pois, no conhecimento e vontade de praticar o facto com consciência da sua censurabilidade.

O seu elemento intelectual traduz a representação da realização do facto ilícito (a consciência psicológica, ou consciência intencional) das circunstâncias do facto que preenche um tipo de ilícito objetivo. Visa que «o agente conheça tudo quanto é necessário para uma correta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à ação intentada»3.
«Por seu turno o elemento volitivo, ligado ao elemento intelectual, serve para indicar uma posição ou atitude do agente contrária ou indiferente à norma de comportamento. Supõe uma decisão de vontade do agente para a realização de um ilícito-típico, por via de uma ação (ou omissão do comportamento devido), sendo que é, especialmente, através do grau de intensidade desta relação de vontade que se diferenciam as várias formas de dolo».4
É sabido que «(…) ainda que o dolo comporte os factores psíquicos do agente, a representação e fixação dos fins do crime, a selecção dos meios e a aceitação dos resultados da acção, cuja prova assenta, normalmente, em inferências extraídas de factos materiais, analisados à luz das regras da experiência comum, suportando, pois, tradução sucinta e, até, conclusiva, não pode prescindir-se da sua alegação concreta, sob pena de se assumir como um dolus in re ipsa e, assim, de não ser susceptível de integrar factos conducentes à aplicação de uma pena ou uma medida de segurança».
Todavia, «(…) O que interessa verdadeiramente é aquilatar se esses elementos subjectivos se patenteiam na acusação de modo a serem entendíveis e, como tal, susceptíveis de compreendidos e discutidos pela defesa, e não o acolher de perspectiva formalista que redunde em restringir a apreciação de quem acuse, desligada, aliás, do sentido de justiça que, em qualquer caso, deve estar presente»5
Volvendo ao caso, constata-se que a Sra. Juíza do Tribunal a quo alicerçou a decisão de absolvição exclusivamente na invocação de que se mostram omissos na acusação os factos integradores do elemento emocional do dolo, concretamente, na circunstância objectiva de (naquela) não ter sido inserta a fórmula típica o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Todavia, se é verdade, nos termos equacionados, que a acusação é omissa no que respeita ao elemento emocional do dolo, no caso, por reporte aos tipos criminais em crise, é de concluir que a consciência de o agente ter agido sabendo que a sua conduta era proibida por lei decorre da facticidade (constante da acusação e dada como assente nos pontos 8º a 17º) que preenche os demais elementos objectivos e subjectivos dos ilícitos típicos.
Tal qual se consignou no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14 de Março de 2023, processo n.º 49/21.0GTEVR-D.E1, in www.dgsi.pt., «(…) como ensina Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Gestlegal, 2.ª ed., pp. 363/364. «o conhecimento da proibição legal, que não é exatamente equivalente a “consciência da ilicitude” será de exigir em certos casos em que a relevância axiológica de certos comportamentos é muito pouco significativa ou não está enraizada nas práticas sociais e em que, portanto, o conhecimento dos elementos do tipo e a sua realização voluntária e consciente não é suficiente para orientar o agente de acordo com o desvalor comportado pelo tipo de ilícito. Por isso, o desconhecimento desta proibição impede o conhecimento total do substrato de valoração e determina uma insuficiente orientação da consciência ética do agente para o problema da ilicitude. Por isso, em suma, neste campo o conhecimento da proibição é requerido para a afirmação do dolo do tipo […]
“… em geral o sentido da ilicitude do facto ressalta da realização pelo agente da factualidade típica, agindo com o dolo requerido pelo tipo. Et pour cause, nestes casos (…) carecerá, pois, de sentido questionar se o agente atuou conscientemente, se tinha pleno conhecimento da proibição, representando todas as circunstâncias do facto, e querendo, mesmo assim realizá-lo. Porque se não tinha isso terá necessariamente de lhe ser censurável.
Quer-se dizer: no respeitante aos crimes relativamente aos quais a ilicitude é de todos conhecida, por integrar o conhecimento normalmente exigível do homem comum (…), não é necessário alegar a consciência da ilicitude, por ela estar pressuposta.
Nestes casos o que deveras releva para que o agente se livre de punição, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do CP, é a prova do facto que integre a inconsciência dessa realidade jurídica.
Assim, mesmo que não alegada a consciência da ilicitude - ou alegando-se que ela se não prove, essa falta não releva, pois, como já referido, pode ocorrer condenação na mesma, em decorrência do que se dispõe no § 2.º do artigo 17.º CP».
É que, como consentido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015, a locução o agente sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei nem sempre consubstanciará facto a reclamar narração autónoma na acusação.
«O AUJ 1/2015 (…) salienta que quanto ao dolo emocional essa descrição nem sempre carece de constar na acusação, indicando os casos dos crimes de homicídio, ofensas corporais, furto, injúrias. Dando como exemplo concreto o do Acórdão do STJ de 7.10.1992 relativo a um crime de homicídio onde, embora não constasse qualquer referência na matéria de facto ao conhecimento que o arguido teria ou não da proibição legal, foi considerado que “tendo o arguido agido livre e conscientemente com o intuito de tirar a vida ao filho, não podia deixar de desconhecer o desvalor da sua conduta”.
No AUJ 1/2015 conclui-se depois que apenas no direito contraordenacional ou penal secundário ou quando se esteja perante novas incriminações não suficientemente solidificadas na comunidade é de exigir o “conhecimento da proibição legal” por parte do agente e consequentemente é obrigatória a narração na acusação desse elemento como forma de realização do dolo do tipo».6
«A propósito da consciência da ilicitude o referido acórdão uniformizador refere o seguinte (no ponto 10.2.3.1):
“Quanto à consciência da ilicitude, é evidente que ela é uma exigência da actuação dolosa do agente na realização do ilícito típico. Porém, a sua compreensão dogmática coloca-se a um outro nível e tem a ver com a questão da relevância do erro sobre a ilicitude, contemplada no art. 17.º do CP. O erro sobre a ilicitude não exclui o dolo, ao contrário do erro sobre a factualidade típica, na qual se pode incluir, em certas circunstâncias, como as já referidas, o conhecimento sobre proibições legais. Fica, porém, ressalvada, quanto a este tipo de erro, a punibilidade da negligência nos termos gerais (art. 16.º). O erro sobre a ilicitude exclui a culpa, se o erro não for censurável ao agente (sendo uma causa de exclusão da culpa), mas faz persistir o dolo, no caso de o erro ser censurável. Daí que o facto praticado sem consciência da ilicitude seja equiparável ao praticado com essa consciência, desde que não possa afastar-se a censurabilidade de tal erro.
Escreve FIGUEIREDO DIAS, cujas ideias básicas, muito pela rama, intentamos transpor para aqui, que a razão de ser da diferença entre o regime do erro sobre proibições, cujo conhecimento seja razoavelmente indispensável para o agente tomar conhecimento da ilicitude (art. 16.º), conduzindo à exclusão do dolo do tipo, e o erro sobre o carácter ilícito do facto (art. 17.º), fundamentador do dolo da culpa, está em que «neste último caso, o erro não radica ao nível da consciência psicológica (ou consciência intencional […]), mas ao nível da própria consciência ética (ou consciência dos valores (…), revelando a falta de sintonia com a ordem dos valores ou dos bens jurídicos que ao direito penal cumpre proteger», ao passo que, no primeiro caso, trata-se da «falta de conhecimento necessário a uma correcta orientação da consciência ética do agente para o desvalor do ilícito (Direito Penal, cit., pp. 356 e ss. e 531 e ss.).
Diz ainda o mesmo Autor, noutra passagem da mesma obra, que o que se visa com a exigência do conhecimento, representação ou consciência (psicológica ou intencional) de todas as circunstâncias do facto realizador de um tipo de ilícito objectivo, é que o agente conheça tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito; porque tudo isso é indispensável para se poder afirmar que o agente detém, ao nível da sua consciência intencional ou psicológica, o conhecimento necessário para que a sua consciência ética, ou dos valores, se ponha e resolva correctamente o problema da ilicitude do comportamento [ob. cit., p. 351).”
(…) afigura-se-nos que da leitura dos segmentos da fundamentação do referido acórdão uniformizador a jurisprudência fixada no acórdão não se aplicará à omissão na acusação dos factos integradores do conhecimento da ilicitude pelo menos quando o relevo axiológico do crime em causa – por enraizado ou difundido na comunidade – decorre da própria natureza do facto típico e das circunstâncias da prática dos factos (neste sentido, entre outros, Ac. TRP de 13.06.2018 e 12.07.2017, relatados por Maria Dolores da Silva e Sousa, Ac. do TRE de 06.02.2018, relatado por António João Latas, Ac. do TRE de 19.12.2019, relatado por Renato Barroso e Ac. do TRE de 14.03.2023, relatado por Beatriz Marques Borges, todos acessíveis em www.dgsi.pt)»7
In casu, pese embora seja duvidoso que se possam integrar os concretos crimes imputados - burla informática e falsidade informática - no denominado direito penal clássico, não é de olvidar que os crimes de burla e de falsificação, dos quais aqueles derivam, sempre existiram e que esta específica neocriminalização decorre da utilização massiva das novas tecnologias e da inerente necessidade de tutela, mantendo incólume a coloração axiológica das condutas.
Como refere Figueiredo Dias8, «Estreitamente relacionada com o problema agora abordado está a questão da falta de consciência do ilícito no direito penal secundário. Parece prevalecer na doutrina a ideia de que a solução das «teorias da culpa» deve valer só para o direito penal clássico, enquanto para o direito das contra-ordenações valeria a solução das «teorias do dolo». Questão seria saber-se, para estes efeitos, o direito penal secundário deveria equiparar-se àquele ou antes a este.
É inútil e equívoco, porém, colocar a questão nestes termos. Quem conheça o estudo que dediquei ao problema da falta de consciência do ilícito em direito penal recordará que advoguei aí uma solução unitária, aplicável inclusivamente ao direito das contra-ordenações. Não se trata de valer para certos âmbitos a solução das teorias da culpa, para outros a das teorias do dolo: em matéria de verdadeira falta de consciência do ilícito vale sempre a solução das teorias da culpa. O que sucede é simplesmente que o erro sobre a proibição nem sempre se reconduz a uma tal falta: quando ele releva autonomamente — e isto sucederá, sempre e só, quando a conduta, em si mesma considerada, é axiologicamente neutra9 — é porque ainda é imputável a uma falta de ciência ou de conhecimento, determinante de uma insuficiente orientação do agente para o problema da ilicitude; por isso o erro sobre a proibição relevante equipara-se ao erro sobre a factualidade típica no sentido de excluir o dolo, valendo pois quanto a ele, sempre, a solução das teorias do dolo.
Nestes termos, o mais que poderá notar-se é que no direito penal secundário, sendo as condutas de que nele se trata axiologicamente relevantes, o erro sobre a proibição será, por princípio, em si mesmo insignificativo, não excluindo o dolo; desde que conforme, porém, autêntica falta de consciência do ilícito, esta determinará a exclusão da culpa quando for incensurável. Não haverá pois aqui qualquer especialidade relativamente ao direito penal clássico10».
Termos em que se nos afigura que, no caso, ante a facticidade alegada e dada como provada, da omissão na acusação da forma tabelar não é de inferir a insuficiência da narração dos elementos subjectivos, na indicada vertente do elemento subjectivo emocional, pelo que, nesta parte, merecem e reclamam provimento os recursos interpostos.
Assim sendo e em princípio, restaria, agora, extrair as consequências, procedendo-se neste Tribunal ad quem à condenação e determinação das penas a aplicar aos arguidos11. No entanto, pelo recorrente Ministério Público foi ainda suscitada a questão que de seguida se equaciona e que, estamos em crer, a tal obstará.
3.3. Da alteração da qualificação jurídica
Neste particular, invoca, em suma, o recorrente Ministério Público que: «Sendo omissa na acusação a específica norma incriminatória do crime de burla informática, se a alínea a) ou a alínea b), do n.º 5 do artigo 221º do Código Penal, necessário será que se proceda a uma alteração da qualificação jurídica para melhor precisão do normativo aplicável, qual seja, face aos factos provados, o artigo 221º, 1, e n.º 5, alínea a), do Código Penal, e assim também necessário se conceda prazo de defesa aos arguidos, para que, querendo, a possam exercer, nos termos do disposto no artigo 358º, 1 e 3, do Código de Processo Penal, devendo, para o efeito, os autos regressar ao tribunal da 1ª instância, ora recorrido, para que proceda a tal comunicação, prosseguindo os autos com a elaboração de nova sentença, tendo presente a possibilidade de configuração da condenação dos arguidos pelos crimes de burla informática e de falsidade informática por que vinham acusados».
Atentemos, pois.
Inequivocamente, como aduz o recorrente, a acusação deduzida nos presentes autos é omissa quanto à concreta alínea do n.º 5 do art. 221º do C.P.
Como resulta da sentença revidenda e do compulso dos autos, a questão ora suscitada - da falta de indicação na acusação da concreta alínea do n.º 5 do art. 221º do C.P. - pese embora surja como inequívoca pela mera leitura da acusação, não foi em momento algum colocada nem decidida no tribunal de primeira instância.
Por outro lado, pese embora o recorrente (Ministério Público) propugne pela necessidade da comunicação da alteração da qualificação jurídica, nos termos e ao abrigo do art. 358º, n.º 1 e 3 do C.P.P, a solução jurídica proposta não é, de todo, unívoca.
Na verdade, desde logo, em face do teor integral do despacho de encerramento do inquérito, no qual é feita alusão expressa, e mais do que uma vez, à alínea a) do n.º 5 do art. 221º do C.P., poderá, em tese, estar em causa um manifesto lapso a reclamar correcção nos termos e ao abrigo do art. 380º do C.P.P. ou, noutra perspectiva diametralmente oposta, a falta da indicação concreta das disposições legais aplicáveis poderá legitimar, por esta via, a absolvição dos arguidos quanto ao crime de burla informática12.
Se é certo que ao tribunal de recurso é possível, por um lado, proceder a meras rectificações13 e, por outro, alterar a qualificação jurídica, desde que salvaguardada a proibição da reformatio in pejus e uma vez cumprido o contraditório14, não será também aqui de descuidar o direito ao recurso e a garantia do duplo grau de jurisdição15.
É que, consabidamente, os recursos destinam-se ao reexame das questões submetidas ao julgamento do tribunal recorrido e ao tribunal de recurso cumpre, apenas, reapreciar questões já conhecidas pelo tribunal recorrido (e não questões que antes não tenham sido submetidas à apreciação deste).
Enquadrada assim a questão, afigura-se que outra solução não restará senão a de se concluir que, efectivamente, competirá previamente à Sra. Juíza do Tribunal a quo pronunciar-se e decidir a questão ora inovatoriamente invocada16.
III. DISPOSITIVO
Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se:
Julgar procedente o recurso interposto pelo assistente CC e parcialmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar a sentença absolutória proferida e determinar que seja proferida nova sentença a condenar os arguidos AA e BB, salvo se outras circunstâncias legais, que não a ora escrutinada, designadamente a atinente à omissão na acusação da concreta alínea do n.º 5 do art. 221º do C.P., a tal obstarem.
Notifique.

Lisboa, 8 de Maio de 2025
Ana Marisa Arnêdo
Manuela Trocado
Jorge Rosas de Castro
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1. No sumário do referido Acórdão pode ler-se: “ (… ) Ainda que a falta de factos tendentes a demonstrar o elemento subjectivo do crime, em qualquer uma das suas facetas (intelectual, volitivo e emocional), não possa ser sanado, em sede de julgamento, com recurso ao mecanismo previsto no 358º do CPP, nem mesmo com recurso ao contemplado no artº 359º do CPP, tal como firmado no AUJ do STJ n.º 1/2015, a lei não consente que o Tribunal de Julgamento antecipe o seu juízo de absolvição, nem lhe permite tomar posição antecipada relativamente aos elementos fácticos constantes do despacho de pronúncia. IV) Pelo que, só com a realização de audiência de julgamento é que o Tribunal a quo poderia tomar posição acerca da falta do elemento emocional do dolo (falta de consciência da ilicitude, ou seja, de que a sua conduta era proibida e punida por lei) e, nesse caso, se assim o entendesse, absolver o arguido mediante sentença proferida nos termos do artº 374º do Código de Processo Penal.”
2. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/5/2016, processo n.º 1/14.1GBMDA.C1, in www.dgsi.pt.
3. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 5/12/2023, processo n.º 155/22.3GESLV.E1, in www.dgsi.pt.
4. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10/1/2023, processo n.º 326/22.2GELLE.E1, in www.dgsi.pt.
5. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26/10/2021, processo n.º 357/20.7PCSTB-A.E, in www.dgsi.pt.
6. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/2/2022, processo n.º 11/21.2PBFAR.E1, in www.dgsi.pt.
7. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19/6/2024, processo n.º 316/23.8T9VNG.P1, in www.dgsi.pt.
8. Para uma dogmática do direito penal secundário, um contributo para a reforma do direito penal económico e social português, p. 52/53.
9. Sublinhado nosso.
10. Sublinhado nosso.
11. AUJ do S.T.J. n.º 4/2016, D.R. I Série, 22/2/2016.
12. Neste sentido, embora com referência específica à rejeição da acusação, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/11/2024, processo n.º 3/23.7P5LSB.L1-5, in www.dgsi.pt.
13. Art. 380º, n. º 2 do C.P.P.
14. Art. 409º, n.º 1 e 2 do C.P.P.
15. Art. 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e Convenção Europeia dos Direitos Humanos, quer no respectivo protocolo nº 7, quer no art. 2º, nº 1.
16. Em conformidade, as questões atinentes à putativa admissibilidade e conhecimento do recurso subordinado enxertado na resposta apresentada pelos arguidos, aos recursos interpostos pelo assistente e pelo Ministério Público, ficam prejudicadas.