Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1211/24.9PASNT.L1-9
Relator: EDUARDO DE SOUSA PAIVA
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
MEDIDA DA PENA
OBJECTO DO RECURSO
DESOBEDIÊNCIA
PRISÃO EFECTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Sumário: (da responsabilidade do Relator)
I. Conforme é pacífico, tanto na jurisprudência como na doutrina, e resulta da letra da lei, é a completa ausência de fundamentação sobre a decisão da matéria de facto que gera a nulidade prevista no artº 379º, nº 1, al. a) do Código de Processo Penal, ao referir que “é nula a sentença (…) quando não contiver as menções”.
II. Deste modo, apenas a sentença que não indica as provas em que se baseou para dar como provados e como não provados os factos que assim elencou e não faz o exame crítico de tal prova, gera a nulidade invocada.
III. Quando o recorrente pretende a reapreciação (em recurso) da decisão recorrida, quanto à determinação da medida concreta da pena, não basta referir que a pena “é pesada” e que devia ser “atenuada”, tem de indicar as concretas razões da sua discordância, quais as normas jurídicas violadas e qual o sentido em que estas deveriam ter sido aplicadas, nomeadamente, em que medida e porque é que a pena fixada está errada e qual a concreta pena que devia ter sido fixada.
IV. O recorrente, ao não indicar em quanto a pena de prisão deveria ter sido fixada ou para quanto deveria ter sido reduzida, não cumpriu o disposto no artº 412º, nº 2, al. b), 2ª parte, do Código de Processo Penal, o que deixa o recurso, nesta parte, sem objeto, tornando-o manifestamente improcedente.
V. Nos termos do artº 417.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, só é admissível o aperfeiçoamento das conclusões desde que os elementos em causa (e em falta nas conclusões) constem das alegações, o que não se verifica no caso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
No processo abreviado nº 1211/24.9PASNT, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local de Pequena Criminalidade de Sintra – Juiz 2, por sentença proferida a .../.../2025, o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de desobediência previsto e punido pelas disposições conjugadas do art.º 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 e 153.º, n.º 1 do Código da Estrada e artigo 348.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal nas penas:
a) principal de 11 (onze) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de vigilância eletrónica, ficando o arguido autorizado a sair para trabalhar, nos dias úteis, das 8 às 18 horas, mediante prévia comunicação; e
b) acessória de 18 (dezoito) meses de proibição de conduzir veículos motorizados (nos termos do previsto no artigo 69.º, n.º 1 alínea c) do Código Penal).
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Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, concluindo:
«1.º O arguido desconhece totalmente em que base e quais os depoimentos de quais testemunhas, e outras provas nas quais a convicção do Tribunal a quo terá assentado, até porque o próprio tribunal reconhece que não foi produzida prova nenhuma na audiência de discussão e julgamento do crime que os arguidos vinham acusados.
2.º Uma vez que, no acórdão o Tribunal “a quo” não especifica como é sua obrigação, não faz nenhuma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e para condenar o arguido, conforme exige o artigo 374.º n.º2 do CPP.
3.º Consequentemente, a ausência de fundamentação do acórdão impossibilita a defesa do arguido em sede de recurso, uma vez que o arguido desconhece totalmente quais as provas documentais ou testemunhal que serviram para condenar o arguido.
4.º Ora, sucede que face a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, conforme o próprio Tribunal “ a quo” concluíu e bem é insuficiente para condenar o arguido pelo crime de desobediência. Senão vejamos:
5.º O recorrente ao contrário do que disse o tribunal a quo, mas o confessou o crime e indicou todo o procedimento, o arguido fez o primeiro sopro que deu insuficiente e alertou que estava com problema de saúde e posteriormente foi para a esquadra que fez novo sopro no balão só que não emitu resultado e depois fizeram o auto de desobediência.
6.º Ora, a jurisprudência refere o seguinte, só comete o crime de desobediência só após sopros no alcoolímetro e o mesmo não conseguir soprar for proposto ir ao hospital fazer analises ao sangue e o arguido recusar aí já configura o crime de desobediência, não se encontram reunidos os elementos objectivos e subjectivos do crime.
7.º Porém, foi totalmente ignorada a confissão do recorrente que admitia que os factos e demonstrou arrependimento, que manifestou arrependimento e a única jusficação que o “ tribunal a quo” é o que o arguido não confessou mas o juiz do tribunal “ a quo” em caso de confissão deveria perguntar se a confissão é integral e sem reservas.
8.º Inclusivamente, torna-se dificil compreender ser aplicada uma pena pesada quando o arguido não tem antecedentes criminais pelo crime de desobediência.
9.º Pelo exposto, o tribunal deveria ter condenado o arguido em pena de multa especialmente atenuada devido à confissão e arrependimento demonstrado.
10.º O recorrente foi condenado pela prática dos crimes referidos no artigo anterior, mas atenta a matéria de facto apurada na sua globalidade, esta aponta eventualmente para uma situação de alguma diminuição da ilicitude, atento o circunstancialismo da prática dos factos, a idade do arguido, o facto de o arguido ter confessado parcialmente os factos que vinha acusado, sendo que o arguido se socorre do recurso para a instância superior na busca na diminuição de um dia de cadeia na pena que tem para cumprir em breve, ou para que a pena de prisão seja suspensa na execução, tendo em conta o arguido, trabalha e está a fazer um tratamento ao alcóol tal situação foi ignorada.
11.º No que à medida da pena respeita, refere o artigo 40º do Código Penal no seu n.º 1 que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
12.º Consequentemente, ao contrário do alegado pelo tribunal “a quo”, não existe qualquer tipo de reincidência, uma vez que o recorrente nunca foi condenado e o arguido não percebe o facto de não ter sido dado uma oportunidade a si, quando na realidade contribuiu para a descoberta da verdade, tendo confessado parcialmente os factos que vinha acusada em julgamento e está a fazer um percurso excepcional na sua vida.
13.º Porém, a fixar-se um juízo de censura jurídico – legal haverá que ser ponderado o futuro do agente numa perspectiva de contribuição para a sua recuperação como indivíduo dentro dos cânones da sociedade.
14.º No entanto, ao invés o cumprimento de uma pena de prisão, longe de ajudar a reinserção do agente estará a atirá-lo irremediavelmente para a marginalidade – com o que a sociedade só virá a perder, e bem como os seus filhos correm o risco de por arrasto irem para a marginalidade, o arguido não conseguirá trabalhar e contribuir para ter direito a uma reforma pelo trabalho e fruto dos descontos para a segurança social.
15.º O recorrente prestou o seu depoimento de forma séria, credível e sincera, colaborando na descoberta da verdade material, tendo demonstrado arrependimento e lamentado profundamente o que aconteceu, demonstrando o respeito pela imposição de regras, e capacidade de as cumprir.
16.º Atento os factos supra expostos, o recorrente considera que lhe devia ter sido aplicado uma pena de prisão uma pena de multa, tendo em conta todos os seus indicadores positivos a nível de relatório social, que demonstram a boa inserção social, familiar e laboral.
17.º Pelo exposto, se requerer a alteração de medida da pena aplicada para pena de multa já que o arguido é primário, estando desta forma alcançadas as finalidades da pena ao caso em apreço, bem como a prevenção geral e especial aqui exigidos.
18.º Ora, com a prolação da sentença foram violados os artigo 374.º n.º1 alínea d) e do artigo 374.º n.º2 ambos do CPP, artigo 379.º n.º1 alínea c) do CPP; entre outros o n.º 6 do Art. 328° do C.P.P; alínea d) do no 2 do art.120° do C.P.P.; Art.122°, n.º1 do CPP.; o artigo 379.º n.º1 alínea a) do CPP; artigos 40.º número 2 e 71.º número 2 do Código Penal, artigo 412.º número 2 alíneas a) e b) do Código Processo Penal;. 184º, n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho; p. e p. pelo art. 183º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho pelo art. 186º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho; artigo 21 Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e artigo 25.º Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro , entre outros artigos do Código de Processo Penal ou Código Penal e outra legislação.»
Termina pedindo a absolvição do crime de que foi acusado ou, pelo menos, a sua condenação em pena especialmente atenuada e substituída por uma pena de prisão suspensa na sua execução.
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O recurso foi admitido, por despacho de .../.../2025, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo.
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Respondeu o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso, com a manutenção da decisão recorrida e formulando para tal as seguintes conclusões:
«I. Nos autos supra referenciados, o Tribunal a quo, por sentença proferida em .../.../2025, condenou o arguido AA pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art.º 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 e 153.º, n.º 1 do Código da Estrada e artigo 348.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal na pena de 11 (onze meses) de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação e que se concretizará ininterruptamente no espaço físico da residência sita na ..., ... Agualva-Cacém, com fiscalização por meios técnicos de vigilância eletrónica, a cargo da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, ao abrigo do que dispõe o artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal, autorizando a saída do arguido, para trabalhar, nos dias úteis, das 08.00horas às 18.00horas, nos dias em que comunique ter trabalho e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de dezoito meses, nos termos do previsto no artigo 69.º, n.º 1 alínea c) do Código Penal.
II. Inconformado com o teor da referida decisão condenatória, veio a arguida interpor recurso da mesma, por não concordar com a concreta pena em que foi condenado e entender que deve ser condenado numa diversa, não privativa da liberdade, fixando nos mínimos legais, atendendo à postura por si assumida em audiência de discussão e julgamento, dado que confessou de forma livre, integral e sem reservas a prática dos factos por que foi acusado, demonstrou arrependimento e colaborou com o Tribunal na descoberta da verdade material, considerando, ademais, a ausência de antecedentes criminais, a sua inserção social, familiar e profissional e as suas condições económicas e pessoais.
III. No que respeita à determinação da medida concreta de cada uma das penas, de acordo com o disposto nos artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, 70.º e 71.º do Código Penal, as penas devem ter o conteúdo mínimo indispensável à salvaguarda dos bens jurídicos tutelados, devendo a sua determinação ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, geral e especial, sendo de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
IV. Neste concreto, a Mm.ª Juiz a quo valorou, à luz das disposições normativas referidas e, no nosso entendimento, de forma correta e rigorosa: (i) o grau de ilicitude dos factos, num patamar médio a elevado, dada a forma como o arguido agiu; (ii) a intensidade do dolo que se revela muito elevada, por ter agido com dolo direto; (iii) a postura do arguido em julgamento não colaborante para a descoberta dos factos e destituída de arrependimento; (iv)No que respeita às condições pessoais e económicas, a integração em meio familiar e profissional; (v) as exigências de prevenção especial que necessariamente sobressaem do comportamento anterior aos factos, que são muito significativas. salientar que este já conta no CRC com nove condenações judiciais, que são não só extensos como variados (incluindo a prática de crimes de natureza estradal), o que leva a crer que tem assumido uma postura desconforme ao Direito. De salientar ainda que os crimes estradais de condenação por condução sem habilitação legal, condução de veículo em estado de embriaguez e por condução perigosa de veículo rodoviário reportarem-se a factos ocorridos em .../.../2021, .../.../2022 e .../.../2023, sem que as condenações aí sofridas, em pena de multa e pena de prisão suspensa na sua execução e prisão a cumprir em regime de permanência na habitação tenham surtido o efeito desejado de alteração do comportamento do arguido; (vi) a personalidade do arguido espelha reduzidas inibições em relação à prática de ilícitos criminais e para quem as sucessivas condenações e mesmo a ameaça de cumprimento das penas de prisão não alcançaram efeito dissuasor útil para o futuro, pois a mais recente condenação transitada em julgado foi precisamente por factos ocorridos no período de suspensão de uma pena de prisão; (vii) as necessidades de prevenção geral: estas serão prementes.
V. Destarte, é nosso entendimento que o juízo expendido no respeitante à determinação das medidas concretas da pena principal e da pena acessória, sentenciadas pelo Tribunal a quo não merecem qualquer censura, revelando a ponderação e relevância dada a todas as circunstâncias do caso em análise, quer as respeitantes ao crime, quer as que não fazendo parte do crime depõem quer a favor, quer contra o arguido, conforme previstas no art.º 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.
VI. Sopesando o supra exposto, não merece a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, objeto do recurso interposto pelo Recorrente, qualquer reparo, entendendo-se que se decidiu de forma justa e correta a questão submetida à apreciação deste Tribunal, pelo que, deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra a sentença judicial recorrida.»
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Foi proferido despacho a efetuar o exame preliminar, mantendo o efeito e regime de subida do recurso.
Após os vistos, foram os autos à conferência, nada obstando à prolação de acórdão.
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II. OBJETO DO RECURSO
Em conformidade com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J. de 19/10/1995 (in D.R., série I-A, de 28/12/1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões – e apenas por estas - que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Atendendo às conclusões apresentadas, são as seguintes as questões que parece que o recorrente tenta suscitar:
1. Nulidades da sentença e impugnação da matéria de facto.
2. Escolha e medida da pena e, sendo de prisão, suspensão da sua execução.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
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A) DECISÃO RECORRIDA
A sentença recorrida estabeleceu os seguintes factos provados:
«1. No dia ... de ... de 2024, pelas 05 horas e 20 minutos, na ... junto ao n.º 164, em ..., o arguido conduzia o veículo automóvel com a matrícula ..-XA-.., quando foi sujeito a fiscalização rodoviária por agentes da PSP, BB e CC, devidamente identificados e uniformizados como tal.
2. Neste contexto, foi ordenado ao arguido, por um dos agentes da PSP, que se sujeitasse ao exame qualitativo de pesquisa de álcool no sangue através de analisador ao ar expirado, o que o arguido recusou realizar.
3. Advertido e informado, por várias vezes, de que se persistisse em tal recusa incorreria na prática do crime de desobediência, o arguido manteve aquele seu propósito de não efetuar o exame de pesquisa de álcool no sangue, recusando submeter-se à realização do mesmo.
4. O arguido agiu com o propósito concretizado de não efetuar o teste de alcoolémia cuja realização lhe fora ordenada pelos agentes da PSP, cujo conteúdo entendeu, não obstante, saber que tal ordem era substancial e formalmente legítima e que os agentes da PSP possuíam competência para a emitir, tendo-lhe ainda sido regularmente comunicado que incorria na prática de um crime de desobediência.
5. Agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e criminalmente punida.
6. O arguido não evidenciou sinais de arrependimento pela sua conduta.
7. À data dos factos supra referidos AA residia num apartamento de tipologia T1, arrendado e titulado com contrato de arrendamento, com a companheira e o filho em comum nascido a ...-...-2007.
8. A relação afetiva iniciada há mais de 20 anos com DD, tendo sido instável, e no ano de ..., na sequência de uma relação extraconjugal, o arguido foi novamente pai.
9. AA tem ainda uma outra filha, de 29 anos de idade, que reside em ....
10. O arguido iniciou novo relacionamento há cerca de 4 meses, estando a sua namorada no ..., residindo aquele sozinho, num quarto arrendado, sito num apartamento de tipologia T2, na ... Tapada das Mercês, ... Algueirão/Mem Martins, encontrando-se o outro quarto também arrendada a um casal sem ligações afetivas ou de amizade com o arguido.
11. AA nasceu em ... a ...-...-1973, fruto da relação marital dos progenitores, sendo o mais velho de uma fratria de 8 irmãos.
12. Não obstante a situação económica frágil vivenciada pelo agregado familiar, exercendo o pai a profissão de ... e a mãe de ... de peixe, a infância e adolescência são descritas de forma normativa.
13. Aos 22 anos e aparentemente na procura de melhores condições de vida, o arguido viajou para território nacional, fixando residência na habitação de uma irmã consanguínea, tendo cerca de 1 ano depois sido preso pela primeira vez para cumprimento de uma pena de 4 anos e 6 meses de prisão, à qual se seguiram outras condenações em penas efetivas de prisão.
14. Em termos escolares concluiu o 9º ano no país de origem.
15. Profissionalmente, à data dos factos objeto do presente processo, o arguido realizaria de atividade por conta própria na área da construção civil, situação que manterá ainda no presente, auferindo em média 1.300.00€/mês.
16. Neste âmbito, a situação económica é descrita de sustentável e capaz de fazer face às suas despesas de subsistência e compromissos assumidos, designadamente comparticipar nas despesas dos seus descendentes e pagamento da renda da habitação no valor de 530€.
17. Relativamente ao consumo de bebidas alcoólicas o arguido não assume qualquer dependência.
18. Do certificado do registo criminal do ... consta:
18.1. Uma condenação pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, no processo n.º 366/96.5..., por acórdão datado de ........1997 e transitado em julgado em ........1997, tendo sido condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão. A referida pena foi já declarada extinta.
18.2. Uma condenação pela prática de um crime de detenção ilegal de arma de defesa e um crime de falsificação de documento, no processo n.º 215/02.7..., por factos praticados a ........2002 e por sentença datada de ........2003 e transitada em julgado a ........2003, tendo sido condenado na pena de 3 anos de prisão e na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 10 anos.
18.3. Uma condenação pela prática de um crime de violação de proibições ou interdições, no processo n.º 1009/02.5..., por factos ocorridos a ........1999 e por sentença datada de ........2004 e transitada em julgado a ........2004, tendo sido condenado na pena única de 50 dias de prisão e na pena de expulsão pelo período de 6 anos.
18.4. Uma condenação pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada e um crime de ofensa à integridade física qualificada, no processo n.º 331/02.7..., por factos ocorridos a ........2002 e por acórdão datado de ........2006 e transitado em julgado a ........2016, tendo sido condenado na pena única de 10 anos de prisão, com pena acessória de expulsão.
18.5. Uma condenação pela prática de um crime de detenção de arma ilegal e um crime de falsas declarações, no processo n.º 5435/03.4..., por factos ocorridos a ........2001 e por sentença datada de ........2006 e transitada em julgado a ........2006, tendo sido condenado na pena de 20 meses de prisão.
18.6. Foi realizado cúmulo jurídico das penas referidas em 18.2., 18.3., 18.4. e 18.5., no processo n.º 13/07.1..., sendo aplicada a pena única de 10 anos e 3 meses de prisão e a pena acessória de expulsão do território nacional por 10 anos.
18.7. Uma condenação pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave, no processo n.º 204/13.6..., por factos ocorridos a ........2009 e por sentença datada de ........2014 e transitada em julgado a ........2014, tendo sido condenado na pena de 2 anos de prisão. A referida pena já se encontra extinta desde ........2020.
.... Uma condenação pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, no processo n.º 157/21.7..., por factos ocorridos a ........2021 e por sentença datada de ........2022 e transitada em julgado a ........2022, tendo sido condenado na pena única de 300 dias de multa, à taxa diária de €5,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 5 meses. Ambas as penas foram já declaradas extintas.
18.9. Uma condenação pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e um crime de condução sem habilitação legal, no processo n.º 1855/22.3..., por factos ocorridos a ........2022 e por sentença proferida a ........2023 e transitada em julgado a ........2023, tendo sido condenado na pena única de 7 meses e 15 dias de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 8 meses. .... Uma condenação pela prática, em .../.../2023, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, no processo n.º 52/23.5..., na pena de 7 (sete) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de vigilância eletrónica, a cargo da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 14 (catorze) meses, nos termos da alínea a), do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal, isto por sentença proferida a .../.../2024 e transitada em julgado a .../.../2025.
19. O arguido declarou consentir na implementação dos meios técnicos necessários à monitorização do RPH.».
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E os seguintes factos não provados:
«Não ficaram por provar quaisquer outros factos relevantes para o mérito da causa designadamente que o arguido estivesse impedido fisicamente, em razão de doença, de realizar o teste de pesquisa de álcool no sangue por ar expirado.»
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A sentença recorrida fundamentou a decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:
«(…)
Assim, os factos considerados provados de 1 a 5 resultaram da apreciação crítica e conjugada do depoimento prestado pelas testemunhas de acusação inquiridas BB e CC, ambos agentes da PSP que, de forma isenta, séria e objetiva, descreveram a sucessão dos eventos.
BB, afirmou que a viatura conduzida pelo arguido foi fiscalizada aleatoriamente, sendo que no diálogo com o condutor apercebeu-se que este apresentava um forte odor a álcool, para além de ter respondido afirmativamente à pergunta se tinha bebido álcool antes de iniciar a condução. Salientou que o condutor sempre recusou fazer o teste que visava detetar a presença de álcool no sangue, mesmo após ter-lhe referido, pelo menos 3 vezes que tal recusa o faria incorrer na prática de um crime de desobediência.
Em idênticos moldes, foi produzido o depoimento de CC, que descreveu o comportamento do arguido, como sendo o que de alguém que sempre se negou a fazer o teste com vista a apurar a TAS, por ar expirado, mesmo advertido que incorria no crime de desobediência, nunca tendo dado sinais de que estava com dificuldades de respiração, nem apresentou qualquer justificação.
O relato negatório do arguido, que se escudou numa pretensa dificuldade em realizar o teste, não conseguir soprar bem, de não se ter recusado em fazê-lo, não se mostrou minimamente plausível, tanto mais que a ser verdade que estaria acometido de problemas de saúde graves, fica por explicar o motivo pelo qual, estando tão debilitado, conduzia precisamente uma viatura de madrugada e não outra pessoa, e, por outro, porque razão desta vez não tinha logrado realizar com sucesso o teste de alcoolemia quando no passado o fizera, por várias vezes e que inclusivamente apresentaram resultados que eram “taxa-crime”.
Daí que, no confronto entre uma e outra versão (de um lado a do arguido e, por outro, dos agentes da PSP que realizaram a operação de fiscalização rodoviária), tenha prevalecido esta última, que se afigurou, de longe, muito mais coerente, credível, plausível, lógica e segura, ao invés da produzida pelo arguido que procurou veicular uma versão alternativa dos factos que não implicasse consequências criminais para si, tanto mais perante os já consideráveis antecedentes criminais que averba.
O comportamento do arguido revela uma atitude deliberada e intencionalmente assumida de não permitir que fosse conhecida a quantidade de álcool que tinha no seu organismo, sendo que ao adotar uma postura passiva (de não soprar), desde logo evidencia ter compreendido o que lhe fora pedido e expressa uma recusa inquestionável de fazer esse teste.
E tendo presente o que foi provado de .... a ...., facilmente se conclui qual foi a motivação do arguido, que, perante os três anteriores processos-crime que já correram termos contra si, tentou eximir-se da responsabilidade criminal em que incorria caso fosse novamente surpreendido a conduzir sob a influência de álcool.
Daí que não possa sequer representar-se como possível que o arguido não tivesse percebido o concreto alcance da ordem que lhe foi transmitida, nem que desconhecesse que estava obrigado a fazer esse teste ou até incapacitado fisicamente de o fazer, dada a significativa experiência judicial relacionada com a condução sob a influência de álcool.
Em face do exposto, revelaram-se destituídas de coerência as declarações do arguido, tendo o este revelado, com tal postura processual, uma total ausência de arrependimento pelos factos que cometeu.
Complementarmente foi atendido ao teor do auto de notícia de fls. 2/3/.
A atividade profissional do arguido decorreu das suas declarações e do relatório da DGRSP e o seu passado criminal consta do certificado de registo respetivo.
Em síntese, o que decorre dos autos é que o arguido, sem motivo legítimo, se recusou a obedecer às ordens da autoridade competente para as emitir, ciente que estava das consequências da omissão.
No que tange aos factos atinentes ao preenchimento do elemento subjetivo (dolo direto), a prova dos mesmos resulta dos factos objetivos demonstrados, conjugados com as regras da experiência comum, pois o arguido já respondera criminalmente no passado, estando bem ciente da ilicitude da recusa em sujeitar-se a exame de pesquisa de álcool.»
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B) APRECIAÇÃO DO RECURSO
Conforme acima enunciado, face às conclusões do recorrente, importa apreciar:
1. Nulidades da sentença e impugnação da matéria de facto.
2. Escolha e medida da pena e, sendo de prisão, suspensão da sua execução.
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1. Nulidades da sentença e impugnação da matéria de facto.
O recorrente manifesta a sua discordância quanto à decisão da matéria de facto, por duas vias, sendo uma invocando falta de fundamentação (conclusões 1ª a 3ª) e a outra invocando a insuficiência da prova produzida (conclusões 4ª a 7ª) para a factualidade dada como provada (e integradora dos elementos típicos do crime de desobediência).
Enquadrável na falta de fundamentação, o recorrente ensaia a tese de que “desconhece totalmente em que base e quais os depoimentos de quais testemunhas, e outras provas nas quais a convicção do Tribunal a quo terá assentado, até porque o próprio tribunal reconhece que não foi produzida prova nenhuma na audiência de discussão e julgamento do crime”. “Uma vez que (…) não faz nenhuma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e para condenar o arguido”.
Configurável como impugnação da matéria de facto, o recorrente alega que “a prova produzida em audiência de discussão e julgamento (…) é insuficiente para condenar o arguido pelo crime de desobediência”, uma vez que, “o recorrente (…) confessou o crime e indicou todo o procedimento, o arguido fez o primeiro sopro que deu insuficiente e alertou que estava com problema de saúde e posteriormente foi para a esquadra que fez novo sopro no balão só que não emitu resultado e depois fizeram o auto de desobediência”. “Porém, foi totalmente ignorada a confissão do recorrente que admitia (…) os factos e demonstrou arrependimento”.
Não podemos deixar de assinalar a manifesta contradição no argumentário do recorrente, quando defende que, pela ausência de prova, deve ser absolvido do crime de desobediência e logo a seguir diz que confessou o crime e demonstrou arrepedimento…
Adiante!
A impugnação da matéria de facto, numa das suas modalidades, não se confundindo com a falta de fundamentação, é aferida por esta que, também para tal, deve obedecer a determinados requisitos, pelo que importa distinguir as modalidades da impugnação e os requisitos da fundamentação.
Assim, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto pode ser feita por via da arguição dos vícios previstos no artº 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, ou mediante a impugnação ampla da matéria de facto, nos termos do artº 412º, nºs 3, 4 e 6 do Código de Processo Penal.
No primeiro caso, denominado de impugnação em sentido restrito ou revista alargada, equivalente a error in procedendo, por força do disposto no artº 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, o vício tem de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com a as regras da experiência e tem por fundamento, nos termos desta norma (e passamos a citar):
“a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova”.
No segundo caso, denominado de impugnação ampla da matéria de facto, equivalente a error in judicando, nos termos do artº 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, “o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõe decisão diversa;
c) As provas que devem ser renovadas”.
Por força do disposto no nº 4 do mesmo artigo, nas especificações referidas nas alíneas b) e c) do nº 3, o recorrente deve indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Em tal caso, “o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa” (artº 412º, nº 6 do Código de Processo Penal).
“O incumprimento das formalidades impostas pelo artº 412º, nºs 3 e 4, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por esta via ampla. Mais do que uma penalização decorrente do incumprimento de um ónus, trata-se de uma real impossibilidade de conhecimento decorrente da deficiente interposição do recurso” (Ac. RE de 09/01/2018, relatado por Ana Brito, in dgsi.pt).
No que concerne à fundamentação, nos termos do artº 374º, nº 2 do Código de Processo Penal, na sentença, “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que servira para formar a convicção do julgador”.
Deste modo, deve o Tribunal recorrido, ao nível da fundamentação da decisão da matéria de facto, fazer uma exposição concisa, mas completa, dos motivos que o levaram a dar como provados e como não provados os factos que assim elencou, indicando os meios de prova que serviram para formar a convicção do Tribunal e fazendo o seu exame crítico, cabendo neste, a razão de ciência das testemunhas (em que o Tribunal se baseou), a forma como depuseram e a sua relação com o litígio, os tipos de documentos em que o Tribunal se baseou, seu valor e origem, bem como o valor, origem e credibilidade da demais prova que acudiu à formação da convicção do coletivo de julgadores, sem esquecer o recurso às regras da experiência comum.
Não é necessário reproduzir o teor da prova, uma vez que, tal não constitui requisito legal para a fundamentação da decisão da matéria de facto, sendo o seu conteúdo sindicável, não por via da motivação da decisão da matéria de facto, mas sim através da leitura dos documentos e relatórios periciais e da audição das gravações dos depoimentos prestados.
Conforme é hoje pacífico, tanto na jurisprudência como na doutrina, e resulta da letra da lei, é a completa ausência de fundamentação sobre a decisão da matéria de facto que gera a nulidade prevista no artº 379º, nº 1, al. a) do Código de Processo Penal, ao referir que “é nula a sentença (…) quando não contiver as menções”.
Tais menções, no que se refere à fundamentação da decisão da matéria de facto são:
1) A “indicação (…) das provas que serviram para formar a convicção do julgador”; e
2) O “exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do julgador”.
Deste modo, apenas a sentença que não indica as provas em que se baseou para dar como provados e como não provados os factos que assim elencou e não faz o exame crítico de tal prova, gera a nulidade invocada.
«O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção» (cfr. Ac. S.T.J. de 30.01.2002, proferido no processo nº 3063/01, in http://www.dgsi.pt.).
Na aferição do rigor e suficiência do exame crítico da prova devem ser tidos em conta critérios de razoabilidade, devendo tal exame permitir exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte, tornar percetível aos destinatários da decisão e sindicável pelo Tribunal de recurso, as razões da convicção do Tribunal que efetuou o julgamento, quanto aos factos que deu como provados e aos que deu como não provados (neste sentido, entre outros: Ac. S.T.J. de 03/10/2007, proc. 07P1779; Ac. R.L. de 10/07/2018, proc. n º 106/15.1PFLRS.L1-5, e Sérgio Poças, Da Sentença Penal – Fundamentação de facto, in Revista “Julgar”, n.º 3, págs. 21 e segs.).
Segundo é pacífico (e referido nos arestos e artigo citados no parágrafo anterior), o raciocínio lógico, motivado e objetivado na análise das provas, não tem de implicar uma tomada de posição expressa e individualizada sobre todos os meios de prova produzidos por todos os sujeitos processuais, quando esses meios de prova não têm qualquer interesse, relevância ou utilidade para a decisão, sob pena de não ser crítico e antes corresponder a uma mera reprodução da atividade probatória desenvolvida, sem qualquer juízo valorativo que permita perceber qual foi o percurso intelectual seguido pelo julgador para dar como provados uns factos e como não provados, outros.
Da sentença recorrida constam, de forma expressa e cristalina, os seus fundamentos, quer de facto quer de direito, conforme se retira da sua simples leitura, pelo que, não padece da nulidade invocada pelo recorrente. Nem de qualquer outra.
Ademais, da leitura da fundamentação da decisão da matéria de facto da sentença recorrida verificamos que a mesma indica, de forma completa, os meios de prova em que se baseou para dar como provado que o arguido se recusou a efetuar o exame de pesquisa de álcool no sangue e os demais factos integradores dos elementos típicos do crime de desobediência e a factualidade relevante para a escolha e determinação da medida concreta da pena. Explana, de forma clara, perfeitamente percetível e circunstanciada, o raciocínio que seguiu para a decisão tomada sobre a matéria de facto, explicando a razão de ciência de quem depôs e a forma como o fez, analisando as restantes provas, face ao seu legal valor probatório. Conjuga as diversas provas entre si e com as regras da experiência comum, analisando-as à luz das regras da lógica e da experiência comum, esclarecendo ainda, de forma racional, bem explicada e circunstanciada, porque se baseou numas e desvalorizou ou não lhe merecerem credibilidades outra, em especial a versão do arguido.
Teve ainda o especial cuidado de explicar, com recurso aos diversos meios de prova, nomeadamente aos depoimentos das testemunhas inquiridas (que esclarecerem, de forma circunstanciada e credível, os factos que resultaram provados) e porque concluiu que tais depoimentos (nomeadamente dos agentes da PSP que fiscalizaram o arguido e interpelaram para efetuar o exame de pesquisa de álcool no sangue) foram credíveis, fazendo-o de forma racional, lógica e consentânea às regras da experiência comum, esclarecendo ainda porque lhe merecerem credibilidade os respetivos depoimentos, para dar como provados os factos integradores do crime imputado o arguido, e que resultaram provados, e porque razão concluiu que os seus relatos permitem imputar à arguido os factos que resultaram provados, e porque afastou e não lhe mereceu credibilidade do depoimento do arguido.
Estando, como está, à luz das exigências legais, bem fundamentada, a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida e ancorada na prova produzida e até em diversos meios de prova, que no essencial são coincidentes (ao contrário do que pretende o arguido), já que indica as provas em que se fundamenta, que são claramente suficientes para a prova dos factos que vieram a ser dados como provados, faz um correto e completo exame crítico das mesmas, o qual é conforme às regras da experiência comum, e os factos provados são claramente suficientes para a decisão tomada, improcede o recurso, nesta parte.
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Vejamos agora da segunda modalidade de impugnação da matéria de facto, também denominada de impugnação ampla da matéria de facto, equivalente a error in judicando.
Conforme acima já referimos, nos termos do artº 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, quando o recorrente impugne a matéria de factos, pretendendo o seu reexame, deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõe decisão diversa (e, se for o caso, as provas que devem ser renovadas).
Ora, quando a prova tiver sido gravada, como ocorre no caso em apreciação, o recorrente deve indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Em tal caso, “o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa” (artº 412º, nº 6 do Código de Processo Penal).
O incumprimento das formalidades impostas pelo artº 412º, nºs 3 e 4, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por esta via ampla.
No caso, o recorrente não só não indicou os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados por referência aos concretos factos provados e não provados da sentença em reapreciação, como não indicou as concretas provas que impunham decisão diversa e nem sequer o fez por referência aos períodos temporais da gravação dos depoimentos respetivos.
O recorrente limitou à alegação genérica de que “a prova produzida em audiência de discussão e julgamento (…) é insuficiente para condenar o arguido pelo crime de desobediência”.
Por outro lado, ao defender que o recorrente “confessou o crime e indicou todo o procedimento”, tendo sido “totalmente ignorada a confissão do recorrente que admitia (…)os factos e demonstrou arrependimento”, não trancreveu o seu depoimento na parte em que permitia retirar tal conclusão, ou ao menos, na parte em que, neste segmento impunha decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo.
O recorrente, ao não cumprir o ónus estabelecido pelo artº 412º, nºs 3, als a) e b), e 4 do Código de Processo Penal, deixa o recurso sem objeto, na parte relativa à reapreciação da prova gravada, nos termos definidos por lei para a cognição deste fundamento de recurso.
Na verdade, e segundo é pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, a impugnação ampla da matéria de facto não se destina, em sede de recurso, um novo julgamento da causa, mas sim a corrigir concretos erros de julgamento e, portanto, quanto a concretos pontos em que houve uma errada decisão da matéria de facto.
No caso, os elementos em falta não constam, nem das conclusões, nem das alegações, o que torna inadmissível a formulação de um convite ao seu aperfeiçoamento, em ordem ao suprimento das falhas detetadas na impugnação recursiva da matéria de facto.
Nos termos do artº 417.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, só é admissível o aperfeiçoamento das conclusões desde que os elementos em causa (e em falta nas conclusões) constem das alegações.
Assim, não constando os elementos em falta, nem sequer das alegações/motivação, um convite ao aperfeiçoamento implicaria permitir ao recorrente ampliar o objeto do recurso e o seu âmbito, o que equivaleria a conceder-se um novo prazo para recorrer, o que contende com o caráter perentório do respetivo prazo e não está incluído no âmbito do direito ao recurso (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 259/2002 de 18/06/2002, in DR, IIª Série, de 13/12/2002, e nº 140/2004, de 10/03/2004, in DR, IIª Série, de 17/04/2004).
Termos em que, improcede o recurso, também quanto à impugnação da matéria de facto, mostrando-se, assim, esta, definitivamente fixada nos termos decididos pela primeira instância.
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2. Da pena
O recorrente pretende suscitar a reapreciação da decisão recorrida, na parte relativa à pena de prisão a que foi condenado, ao referir que, a pena aplicada é “pesada quando o arguido não tem antecedentes criminais pelo crime de desobediência”, antes devendo ter sido “condenado (…) em pena de multa especialmente atenuada devido à confissão e arrependimento demonstrado”. Pede que, ao menos, “a pena de prisão seja suspensa na execução, tendo em conta [que] o arguido, trabalha e está a fazer um tratamento ao álcool”. Ao invés, segundo aventa, com a pena de prisão efetiva a que foi condenado “não conseguirá trabalhar”, sendo empurrado para a marginalidade.
Reforça as suas pretensões, aduzindo que deve ocorrer “a alteração de medida da pena aplicada para pena de multa já que o arguido é primário” e termina pedindo que a pena que foi condenando seja “substituída por uma pena de prisão suspensa na sua execução especialmente atenuada”.
Não lhe assiste qualquer razão, em nenhum dos segmentos em que pretende a alteração da pena principal a que foi condenado.
Desde logo, com a fixação definitiva da factualidade provada, e não resultando da mesma as circunstâncias atenuantes que o recorrente invoca (muito pelo contrário), como sejam a confissão dos factos, o arrependimento e não ter antecedentes criminais, não podem estas ser tidas em conta (a seu favor).
Mas vejamos.
A sentença recorrida condenou o arguido pela prática de um crime de desobediência previsto e punido pelas disposições conjugadas do art.º 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 e 153.º, n.º 1 do Código da Estrada e artigo 348.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal na pena de 11 (onze) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de vigilância.
Trata-se de crime punível, em alternativa, com pena de prisão de 1 mês a 1 ano ou com pena de multa de 10 a 120 dias.
Os critérios a atender na escolha da pena, entre prisão e multa, vêm apontados no artº 70º do Código Penal, determinando esta norma que, o Tribunal deve preferir a multa, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Tais finalidades são, segundo resulta do disposto no artº 40º, nº 1 do Código Penal, a proteção dos bens jurídicos e a reinserção do agente na comunidade.
Assim, a escolha entre prisão e multa, nos termos do artº 70º do Código Penal, depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial (Ac. R.C. de 17/1/96, C.J., tomo I, pág. 38).
As necessidades de prevenção geral são consideravelmente elevadas pelo crescente e preocupante desrespeito pelas ordens das entidades públicas competentes, em especial das forças de segurança exigindo-se severidade das penas, como forma de evitar o perigar do Estado de Direito.
Também as necessidades de prevenção especial são prementes, devido aos consideráveis antecedentes criminais que o arguido regista, o que revela a não interiorização da gravidade da sua conduta e demonstra uma completa insensibilidade pelas múltiplas penas que lhe têm vindo a ser aplicadas, revelando uma clara incapacidade para manter uma conduta lícita.
Assim, e por tais razões, é por demais evidente que só uma pena de prisão realiza de forma adequada e suficiente as necessidades de prevenção geral e especial positivas (arts 70º e 40º, nº 1 do Código Penal).
Bem andou, pois, a decisão recorrida em optar pela pena de prisão.
Quanto à pretensão de redução ou atenuação da pena de prisão a que foi condenando o recorrente não indica em que medida é que a pena fixada está errada ou seja, não indica qual a concreta duração que deveria ter sido fixada à pena de prisão.
Nos termos do artº 412º, nº 2 do Código de Processo Penal, versando o recurso “matéria de direito, as conclusões indicam, ainda:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e
c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada”.
O recorrente, ao não indicar em quanto a pena de prisão deveria ter sido fixada ou para quanto deveria ter sido reduzida, não cumpriu o disposto no artº 412º, nº 2, al. b), 2ª parte, do Código de Processo Penal, o que deixa o recurso, nesta parte, sem objeto, tornando-o manifestamente improcedente.
No que concerne à pretensão de atenuação especial da pena, não encontramos nos factos provados qualquer circunstância integrável na previsão do artº 72º, nºs 1 ou 2 do Código Penal, que permitisse concluir pela diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, pelo que, também esta pretensão do recorrente é manifestamente infundada.
Improcedem, deste modo, também estes segmentos do recurso.
Vejamos, por último, se é de suspender a pena a que o arguido foi condenado, uma vez que se trata de pena de prisão não superior a 5 (cinco) anos.
Nos termos do artº 50º, nº 1 do Código Penal, o Tribunal só suspende a execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos “se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Tal norma, conforme se retira da sua leitura, exige a verificação de um pressuposto de aplicabilidade e de um requisito para a efetiva suspensão.
Assim, é pressuposto de aplicabilidade do regime da suspensão, ser a pena aplicada não superior a 5 anos.
Verificado tal pressuposto, exige a lei, para que a pena possa ser suspensa na sua execução, que o Tribunal conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Ou seja, não basta que a pena concreta seja não superior a 5 anos, sendo ainda necessário que o Tribunal formule um concreto e positivo juízo de prognose favorável, no sentido de que, a simples ameaça da pena seja suficiente para satisfazer as necessidades da punição, ou seja, que seja suficiente para a proteção dos bens jurídicos e para a reintegração do agente na comunidade (cfr. artº 40º, nº 1 do Código Penal).
Deste modo, não pretende o legislador que, em penas de prisão até 5 anos, a suspensão seja quase automática, devendo o Tribunal, quando não determine a suspensão, fundamentar, explicando os motivos que o levam a não suspender, tais penas, na sua execução.
É que, a lei não diz que, as penas de prisão não superiores a 5 anos são suspensas na sua execução, salvo se o Tribunal concluir que tal suspensão é insuficiente para as finalidades das penas. O que a lei estabelece é precisamente o contrário, ou seja, que, a suspensão tem lugar, quando o Tribunal formule um juízo de prognose favorável. Assim sendo, sempre que o Tribunal decida suspender a pena na sua execução, terá de explicar, com factos concretos, porque é que formula o tal juízo de prognose favorável, que o leva a suspender a pena, na sua execução.
Os critérios a que o Tribunal há de recorrer, em ordem a formular o referido juízo de prognose favorável, hão de ser, segundo se retira do disposto no artº 50º, nº 1 do Código Penal, a personalidade do arguido, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste.
De tal conjunto de critérios, retirará o Tribunal a conclusão de que, a simples censura do facto e a ameaça da pena servirão para afastar o arguido da criminalidade e para censurar o facto, cumprindo, assim, a pena, as suas finalidades de proteção de bens jurídicos e de reintegração do agente na comunidade. Em suma, satisfazendo, a pena, as exigências de prevenção geral e de prevenção especial.
A sentença recorrida não determinou a suspensão da execução da pena, fundamentando devidamente, porque não podia formular juízo de prognose favorável, no sentido de que, a simples ameaça da pena seria suficiente para satisfazer as necessidades da punição, ou seja, que não seria suficiente para a proteção dos bens jurídicos e para a reintegração do agente na comunidade.
Fê-lo com o fundamento de que (e passamos a citar), “tal pena de prisão não pode (…)ser substituída por multa, trabalho a favor da comunidade ou suspensa na sua execução já que o passado criminal do arguido não permite fazer um juízo de prognose favorável relativamente à sua conduta, pois já beneficiou de inúmeras penas de multa e até de prisão suspensa na sua execução e as restantes penas substitutivas pouco ou nenhum sacrifício adicional implicariam para o arguido comparativamente com as anteriores penas que lhe foram aplicadas.
O arguido demonstrou uma manifesta e preocupante insensibilidade à atuação das autoridades judiciárias, não se inibindo de retomar uma atividade ilícita pelo qual fora sancionado, no que respeita à prática de crimes rodoviários, a par de outros cometidos no passado, tido por criminalidade violenta.
Daí que não seja possível crer que a simples censura do facto ou sequer a ameaça da pena, sejam bastante para o afastar da criminalidade (pois estes factos foram também cometidos no período de suspensão de uma pena de prisão, aplicada no Processo n.º 1855/22.3...)”.
Vejamos se é não de formular juízo de prognose favorável, no sentido de que a simples ameaça da pena seria suficiente para satisfazer as necessidades da punição, ou seja, que seria suficiente para a proteção dos bens jurídicos e para a reintegração do agente na comunidade.
As necessidades de prevenção geral são consideravelmente elevadas pelo crescente e preocupante desrespeito pelas ordens das entidades públicas competentes, em especial das forças de segurança exigindo-se severidade das penas, como forma de evitar o perigar do Estado de Direito.
Também as necessidades de prevenção especial são prementes, devido aos consideráveis antecedentes criminais que o arguido regista, o que revela a não interiorização da gravidade da sua conduta e demonstra uma completa insensibilidade pelas múltiplas penas que lhe têm vindo a ser aplicadas, revelando uma clara incapacidade para manter uma conduta lícita.
Já beneficiou de condenação em pena de prisão suspensa na sua execução, que não foi suficiente para o afastar do cometimento de novo crime, como o demonstra a prática do crime objeto do presente processo.
O que tudo é bem elucidativo das elevadas necessidades de prevenção especial que se fazem sentir no caso.
Assim, face às elevadas necessidades de prevenção geral e às elevadíssimas exigências de prevenção especial, uma vez que o arguido regista consideráveis antecedentes criminais, não interiorizou a gravidade da sua conduta, não demonstrou arrependimento, tem revelado grande insensibilidade face ás penas a que tem vindo a ser condenado e revela-se incapaz de manter uma conduta conforme ao Direito, entendemos que a simples censura do facto e a ameaça da pena, ou a sua substituição por medida não privativa da liberdade, são manifestamente insuficientes para satisfazer as necessidades da punição.
É quanto basta para se concluir pela não suspensão da execução da pena prisão a que o arguido foi condenado e pela sua não substituição por pena não privativa da liberdade.
Consequentemente, improcede, também nesta parte, o recurso.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordamos em negar provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, a douta sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça por si devida em 4 (quatro) U.C.
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Lisboa, 9 de outubro de 2025
Eduardo de Sousa Paiva
Cristina Luísa da Encarnação Santana
Paula Cristina B. Gonçalves