Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARLENE FORTUNA | ||
Descritores: | TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO PROIBIÇÃO DE VALORAÇÃO DE PROVAS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/08/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I. Se o arguido indicou no TIR uma morada distinta da sua morada pessoal para ser notificado de todos os actos processuais que lhe digam respeito, sem que, entretanto, a tenha alterado e dado conhecimento nos autos, todas as notificações efectuadas para tal morada são válidas e produzem todos os seus efeitos. II. É permitida, mas não obrigatória, a leitura em audiência de julgamento dos documentos existentes no processo, independentemente dessa leitura, podendo o meio de prova em causa ser objecto de livre apreciação pelo tribunal, sem que resulte ofendida a proibição legal estabelecida no art. 355.º do CPP. III. Assim, a simples circunstância dos documentos surgirem, informaticamente, após a abertura da acta da audiência de discussão e julgamento, mas em momento anterior à sua realização, não impede a valoração destes pelo tribunal, porquanto é prática forense (comum e habitual) que o Sr. Funcionário de Justiça proceda à sua abertura no citius em momento bem anterior à sua realização. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório No processo comum singular n.º 109/22.0... do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Local Criminal de Loures – Juiz 1, em que é arguida AA com os demais sinais nos autos, consta da parte decisória da decisão, datada de ........2024, o seguinte (na parte que interessa): «Pelo exposto, julgo procedente a acusação deduzida nos presentes autos e, consequentemente decido: a) Condenar a AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um (1) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo Art.º 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros); b) Condenar a AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um (1) crime de condução de veículo com motor na via pública e sem habilitação legal, previsto e punido pelo Art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros); c) Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas em a) e b), e nos termos previstos pelos Arts.º 30.º, n.º 1 e 77.º do Código Penal, condenar a mesma arguida na pena global e única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à mesma taxa diária supra referida de € 6,00 (seis euros), no montante global final de €900,00 (novecentos euros), convertível em até 100 (cem) dias de prisão subsidiária, caso não efectue, culposamente, o seu pagamento voluntário ou coercivo (cfr. Art.º 49º, n.º 1 do Código Penal) e/ou nada requeira ou justifique; d) Condenar a mesma arguida na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, pelo período de 6 (seis) meses, nos termos previstos pelo Art.º 69.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código Penal». * Não se conformando com a mencionada decisão, dela interpôs recurso a arguida, formulando as seguintes conclusões (transcrição): «I. A audiência de julgamento foi realizada na ausência da arguida, não tendo esta sido NOTIFICADA PARA A SUA MORADA. II. Efectivamente, basta uma breve leitura das notificações realizadas a ........2024 (ref. citius ...); ........2024 ( ref. citius 159907995); ........2024 (ref. citius ...) e ........2024 ( ref. citius ...), para verificar que todas estas notificações foram realizadas para morada diversa da sua e para onde foi enviada a Acusação. III. A arguida desconhece o motivo pelo qual se fez constar que a morada para notificações seria ..., quando a única morada da mesma é a ..., para onde aliás foi notificada da Acusação, conforme ref. citius .... IV. Ou seja, a AA foi submetida a julgamento na sua ausência, não tendo sido notificada do despacho que designou data para a sua realização – NÃO SE PODENDO OLVIDAR QUE A NOTIFICAÇÃO DO DESPACHO DE ACUSAÇAO FOI EFETUADO PARA A MORADA CORRECTA da AA. V. Significa isto, que há um erro grosseiro, na notificação da data designada para audiência de julgamento que foi enviada para morada distinta daquela para onde foi enviada a Acusação, sendo esta a correcta. VI. O mesmo é dizer que não tendo a notificação do despacho que designou data para a realização da audiência sido enviada para a morada da arguida, não poderia a mesma ter-se considerado notificada dessa data. VII. Portanto, não poderia a audiência ter tido lugar na sua ausência, como veio a ocorrer, por não se encontrarem reunidos nenhum dos pressupostos legais, tendo sido violado os artigos 61.º, n.º 1, alínea a) e 332.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal e o artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa. VIII. A ausência do arguido a julgamento por tal falta de notificação, acarreta nulidade insanável, nos termos do art.º 119.º, al. c), do CPP. IX. Nulidade que afecta o despacho que designou dia para julgamento, bem como todos os actos subsequentes, incluindo a audiência de julgamento e sentença proferida nos autos, devendo ser anulados o despacho que designou data para a realização da audiência e os actos subsequentes, neles se incluindo a audiência de julgamento e a sentença proferida, que padece de nulidade. X. Pelo que, deverá a arguida ser regularmente notificada e realizar-se nova audiência de discussão e julgamento. XI. Não foram apuradas as condições pessoais do arguido nem a sua situação económica, elementos relevantes a ponderar na determinação da pena, tendo sido violado o disposto no art.º 71.º, n.º 2 do Código Penal. XII. O tribunal a quo tinha o poder-dever de, oficiosamente, proceder às diligências que fossem razoáveis e necessárias, de modo a apurar as condições pessoais e económicas do arguido, sob pena de incorrer num vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. XIII. Não o fazendo, incorreu naquele vício e violou o disposto nos artigos 369.º e 370.º do CPP. XIV. Perante o desconhecimento, em absoluto, das condições pessoais e económicas da arguida, a decisão recorrida padece do vício da INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA PARA A DECISÃO, previsto no art.º 410.º n.º 2 al. a) do Código Processo Penal. XV. Por tudo o que acima se disse, entende-se que o Tribunal a quo violou, entre outros , os artigos 40º, 50º, 53º, nº3, 70º ,71º, 73º do C.P.P. XVI. Ademais a arguida à data dos factos contava com 27 anos de idade, pelo que, tendo em conta a Lei da Amnistia, deveria ter sido apreciada a possibilidade de aplicação do Diploma em apreço, porquanto os alegados factos foram praticados antes de ... de ... de 2023, designadamente no que à aplicação da sanção acessória diz respeito. NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso. Assim se fazendo a costumada e necessária JUSTIÇA!». * O Ministério Público, na 1.ª instância, respondeu ao recurso interposto pela arguida, formulando as seguintes conclusões (transcrição): «1 – Todas as notificações efectuadas á arguida, a partir do momento em que foi deduzida a acusação e remetidos os autos á distribuição, foram enviadas para a morada constante do TIR, como sendo a morada indicada para receber as notificações (fls 5) 2 – Visa a lei ao notificar o arguido, que este possa exercer o seu direito de defesa, consagrando-se no art. 32º da C.R.P., que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, tem estrutura acusatória, estando a audiência de discussão e julgamento subordinado ao principio do contraditório; 3 - Refere ainda o art. 20º, nº4 da C.R.P., que todos têm direito a que uma causa em que intervenham, seja objecto de decisão, em prazo razoável e mediante processo equitativo, ou seja, no âmbito do processo penal em geral, mais concretamente, na audiência de discussão e julgamento, o arguido deve ter ao seu alcance um processo equitativo, que só se poderá verificar, se lhe forem asseguradas as necessárias garantias de defesa, tendo de funcionar em absoluto o principio do contraditório; 4 -Conforme é referido no Ac. Constitucional 172/92, de 6/05 de 1993,BMJ nº427, pag. 57, “ o processo penal de um Estado de direito há-de cumprir dois objectivos fundamentais: assegurar ao Estado a possibilidade de realização do seu jus puniendi e oferecer aos cidadãos as garantias necessárias para os proteger contra os abusos que possam cometer-se no exercício do poder punitivo, designadamente contra a possibilidade de uma sentença injusta; 5 – E um desses casos é, precisamente, como decorre do art. 332º nº1, na audiência de julgamento, sendo que, mesmo quando se verificam estas excepções, o Estado cria condições para que o arguido mantenha o direito/dever de estar presente para exercer um efectivo direito de defesa (art.333º, nº3 e 334º); 6 - È assim, obrigação do Estado, proporcionar ao arguido todos os meios, para que tal aconteça, nomeadamente convocando-o para a mesma, através de uma notificação, sendo certo que esta só cumpre a sua função, se chegar ao efectivo conhecimento do destinatário, ou, pelo menos, é susceptível de ser por si conhecida, o que sucedeu no caso dos autos ao serem enviadas as notificações para a morada constante do TIR; 7- O certo é que, a arguida foi notificada para a morada que consta no TIR, pelo que estava regularmente notificada, atento o disposto no art.196º, nº2 e 3, al. c) e d) do C.P.P. 8- O certo é que, a arguida foi notificada sempre, quer do despacho que recebeu a acusação fls 68, quer da designação das datas para julgamento fls 70, na morada que consta no TIR a fls 5, ... ..., nº …, código postal ... ..., na morada que a própria indicou como sendo aquela que pretendia receber as notificações, indicou e assinou, pelo que estava notificada, atento o disposto no art.196º, nº2 e 3, al. c) e d) do C.P.P. 9 - O julgamento foi realizado na primeira data designada .../.../2024 e para a qual indubitavelmente a arguida estava notificada para a morada constante do TIR, tendo estado presente a sua defensora oficiosa, Dra. BB, e que nada requereu, quer no inicio da audiência, quer no final da mesma, quando poderia ter requerido a audição da arguida, julgando a mesma necessária, nos termos do art. 333º,nº3 do C.P.P.; 10 - Só em .../.../2024, através do oficio da ... é que a arguida veio solicitar que as notificações fossem efectuadas para a morada ... e posteriormente ordenado a prestação de novo TIR com essa morada, em .../.../2024. 11 – Por conseguinte, estava a arguida regularmente notificada para a audiência de discussão e julgamento, pois que o foi para a morada constante do TIR, estando ciente das obrigações decorrentes da medida de coacção que lhe foi imposta, pelo que se mudou de residência ou pretendia outra morada para receber as notificações e não veio comunicar ao tribunal, como estava obrigado, só de si se pode queixar e só a si se pode imputar as consequências de tal obrigação. 12 – Por conseguinte, não temos dúvidas de que não foi cometida qualquer nulidade, nem a prevista na al. c) do art. 119º do C.P.P., nem qualquer outra; 13 - Quanto á questão suscitada pelo ora recorrente respeitante a não terem sido apuradas as condições pessoais e económicas da arguida, conforme consta do ponto 7 dos factos dados como provados na sentença, foi apurado que a arguida está inscrita no CRSS o que se confirma pelas pesquisas realizadas em .../.../2024, referência 14947854 e 14997795, constando igualmente da motivação, que a situação pessoal da arguida decorre apurada com base nas pesquisas realizadas e juntas aos autos, sendo certo que a fls 40 consta o inquérito realizado sobre a situação socioeconómica da arguida, onde é referido com quem vive, habilitações literárias, bens e rendimentos, bem como as despesas desta, pelo que, foram apuradas as condições da arguida não existindo qualquer insuficiência para a matéria de facto provada, concretamente o vicio do art. 410, nº2, al. a) do C.P.P.; 14 – Quanto á pena concretamente aplicada á arguida, a mesma mostra-se correcta e justa; 15- A arguida cometeu um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p.p. pelo artº. 292, nº1 do C.P.. e um (1) crime de condução de veículo com motor na via pública e sem habilitação legal, previsto e punido pelo Art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro; 16- A arguida já tinha no seu CRC, duas condenações por ilícitos similares e de natureza estradal tenha antecedentes criminais, a sua TAS já era algo elevada (174 g/l) , sendo o seu grau de ilicitude médio/alto e actuou com dolo directo, estando, inserida familiar e socialmente; 17 – Atendendo a que a moldura abstracta da pena para o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, é de multa de 10 a 120 dias, foi-lhe fixada uma pena de 100 dias de multa e uma taxa de 6.00 euros tendo-se em atenção a sua situação económica referida na sentença e as condenações anteriores, tendo-se ainda optado por uma pena de multa, o mesmo sucedendo quanto ao crime de condução sem habilitação legal, em que a pena é de 1 mês a 2 anos, ou com pena de multa de 10 a 240 dias e lhe foi fixada uma pena de 110 dias de multa á taxa diária de 6.00 euros; 18- Quanto á pena acessória, sendo esta de 3 meses a 3 anos foi a mesma fixada também relativamente perto do mínimo legal, apesar dos antecedentes criminais. 19 – O tribunal ponderou todos os factores, que atendeu na determinação da medida da pena, respeitando assim os critérios estabelecidos no art71, 72, 73, do C.P., 20 - Ponderando as circunstâncias expostas e considerando a atinente moldura penal abstracta, afigura-se-nos razoável e justa a pena aplicada á arguida, não tendo sido violada qualquer norma legal. Nestes termos e pelos fundamentos expostos deverão V. Ex.as. considerar improcedente o presente recurso mantendo-se inteiramente a decisão proferida. Contudo V. Ex.as. farão como sempre JUSTIÇA». * Nesta instância, a Exma. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta reiterou a posição manifestada pelo Ministério Público da 1.ª instância. ** Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência. Cumpre apreciar e decidir. ** II. OBJECTO DO RECURSO O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso do tribunal, cfr. arts. 402.º, 403.º, e 412.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal (doravante CPP). Assim, e vistas as conclusões do recurso, as questões a decidir são: i. Saber se a arguida foi notificada para a audiência de julgamento para a morada por si no TIR que prestou ou se, ao invés, não o foi e, neste caso, se se verifica a nulidade prevista no disposto no art. 119.º, n.º 1, al. c) do CPP e quais as consequências a extrair; ii. Da nulidade da sentença por violação do disposto no art. 355.º do CPP, em decorrência da valoração indevida de documentos pelo tribunal; iii. Do vício decisório de insuficiência para a decisão da matéria de facto em decorrência da falta de elaboração de relatório social e as consequência daí advenientes caso aquele ocorra; iv. Da medida concreta da pena aplicada à arguida; v. Da eventual aplicação da Lei da amnistia n.º 38-A/2023, de 02.08. ** III. FUNDAMENTAÇÃO A sentença recorrida considerou provados e não provados os seguintes factos e com a seguinte motivação: «A) Factos Provados Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a sua decisão. 1. No dia .../.../2021, pelas 04.51 horas, na ..., a AA, era portadora de taxa de álcool no sangue (TAS) de 1,60 g/litro, deduzido o erro máximo admissível correspondente à ... de 1,74 g/litro registada, e conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca e modelo, “...” e matrícula…. 2. A referida TAS resultou da ingestão voluntária de bebidas alcoólicas por parte da AA que, quando iniciou a condução, bem sabia que estava sob o efeito de álcool admitindo, desde logo, que a TAS pudesse ser igual ou superior a 1,20 g/l. 3. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, a arguida conduziu o referido veículo automóvel, sem se encontrar habilitada com o respetivo título válido de condução. 4. A AA ingeriu bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução daquele veículo, em quantidade suficiente para lhe provocar uma taxa de alcoolemia superior a 1,2 g/L, o que previu e, não obstante, quis e conduziu o mencionado veículo na via pública e sob aquelas condições. 5. A AA atuou com o propósito concretizado de conduzir o veículo ligeiro de passageiros referido em 1 na via pública, bem sabendo que não o podia fazer sem para tal estar legalmente habilitado, não se abstendo de o fazer, ciente que estava de que esta sua conduta era proibida e punida por lei. 6. Agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. Mais se provou, 7. A arguida está inscrita na Segurança Social. 8. A arguida já foi condenado nos processos: i. Sumário nº 70/16.0... do ..., pela prática em ...-...-2016, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de €5,00, por decisão datada de ...-...-2016 e transitada em ...-...-2016, a qual se mostra extinta pelo cumprimento; ii. Comum singular nº 63/15.4... do ..., pela prática em ...-...-2015, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de €5,00, por decisão datada de ...-...-2017 e transitada em ...-...-2017, a qual se mostra extinta. B) Factos Não Provados Não deixaram de se provar quaisquer outros factos com relevância para a boa decisão da causa. C) Motivação da Matéria de Facto O Tribunal gizou a sua convicção atendendo ao conjunto das diligências realizadas em audiência, analisando-as global e criticamente, segundo as regras da experiência comum e segundo a livre convicção do julgador, nos termos do Art.º 127.º do Código de Processo Penal. Em sede de audiência a arguida não compareceu. O tribunal valorou a documentação junta aos autos e que não foi posta em crise, em especial o auto de notícia de fls. 2; talão e certificado de verificação de fls. 7 a 9; informação do IMT- fls. 57; cópia da carta de condução caducada a fls. 13, de onde resulta que a arguida não tinha carta de condução válida em território nacional aquando dos factos e que conduziu com uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida, mesmo descontando o valor do erro máximo admissível. O tribunal valorou ainda o depoimento da testemunha de acusação EE, agente policial e que procedeu à fiscalização, o qual se revelou crível e isento, com conhecimento directo dos factos presenciados e que permitem atestar o circunstancialismo de tempo e lugar dos factos, sendo que a arguida, devidamente identificada através de documento, conduzia uma viatura automóvel, influenciada pelo álcool, ciente de que infringia as regras vigentes, sendo tal ocorrência verificada pela mesma testemunha, tendo sido a condução irregular que justificou a necessidade de fiscalização em causa. Na verdade, nenhuma questão se coloca sobre a validade do teste e nem sobre a informação remetida pelo IMT e ANSR, em especial a fls. 13 e 57, de onde resulta que a arguida deteve carta de condução, mas estando a mesma definitivamente cancelada desde ... e os motivos pelos quais assim sucedeu, a que acresce o teor do certificado do registo criminal. Na verdade e neste segmento e no que tange à validade da carta, o agente policial de nada sabia, mas admitiu a sua inexperiência na ocasião. Assim, conjugando a prova realizada, mormente testemunhal e a prova documental supra enunciadas, sendo a mesma credível e concludente entre si, até apelando às regras da experiência, foi dada como integralmente provada a factualidade acusatória, em termos objectivos e subjectivos, inexistindo dúvidas que a arguida era a condutora do veículo e que a mesma nessa data não era detentora de carta ou licença de condução válida, conduzindo ainda com uma taxa de alcoolemia superior ao limite legal permitido, incorrendo em taxa criminal, situação que não ignorava, sendo que não foi produzida prova contrária. A situação pessoal da arguida decorre apurada com base nas pesquisas realizadas e juntas aos autos. A existência de antecedentes criminais registados nesta data está certificada e não foi posta em crise. Inexistem factos não provados.». * APRECIAÇÃO DO RECURSO i. Da alegada não notificação da arguida para a data da audiência de julgamento e consequente nulidade do despacho que a designou, bem como dos actos subsequentes: Compulsados os autos verifica-se o seguinte: a) a arguida prestou TIR no dia ........2022, cfr. Ref.ª 11891458, no qual indicou a sua morada e uma morada distinta para a sua notificação: Assim: Morada: ... Morada para notificações: ...; b) a acusação pública foi recebida por despacho de ........2023, cfr. Ref.ª ...; c) a arguida foi notificada para contestar a acusação publica por carta com prova de depósito remetida para a morada que indicou no TIR no dia ........2024, cfr. Ref.ª ...; d) tal carta foi deposita nessa mesma morada a ........2024, cfr. Ref.ª 14714850 de ........2024; e) por despacho proferido a ........2024, foram designadas as datas para a realização da audiência de julgamento, cfr. Ref.ª ...; f) a arguida foi notificada do despacho que designou as datas da audiência de julgamento [1.ª data: ........2024 pelas 13h45m; 2.ª data: ...-...-2024, pelas 14h00m] mediante carta com prova de depósito na morda que indicou no TIR no dia ........2024, cfr. Ref.ª ...; g) tal carta foi deposita nessa mesma morada a ........2024, cfr. Ref.ª 14887815 de ........2024; h) no dia ........2024, 1.ª data agendada (que foi aceite pela Il. Defensora nomeada) foi realizada a audiência de julgamento na ausência da arguida que não compareceu nem justificou a sua falta, cfr. acta de ........2024 sob a Ref.ª ...; i) da acta resulta que nada foi requerido pela Il. Defensora nomeada, designadamente a audição da arguida na 2.ª data designada. Aqui chegados, é bom de ver que não assiste qualquer razão à recorrente, porquanto foi notificada para contestar a acusação pública contra si deduzida para morada por si indicada no TIR aquando da sua notificação do despacho que a recebeu, bem como foi notificada para a mesma morada do despacho que designou as datas de julgamento. E não resulta dos autos que a arguida tenham em algum momento indicado uma morada distinta da que indicou expressamente no TIR e que é distinta da sua morada pessoal. Concluindo e por serem desnecessários quaisquer outros considerando, julga-se não verificada a nulidade invocada. ii. Da alegada violação do disposto no art. 355.º do CPP em decorrência da valoração indevida de documentos pelo tribunal: Alega a recorrente que a sentença proferida atendeu a documentos colhidos depois do encerramento da audiência e sem o exercício de qualquer contraditório, o que não poderia ter ocorrido. Estabelece o disposto no art. 355.º, n.º 1 do CPP que “Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.” Ora, compulsados os autos, verifica-se que as pesquisas ao ISS e aos dados associados ao NIF foram efectuadas antes do início da audiência e que constavam já dos autos, razão por que poderiam, como o foram, ser valoradas. Assim, contrariamente ao defendido pela recorrente, tais pesquisas foram efectuadas pela manhã do dia ........2024 [cfr. Registo FBDF2E84-29F4-4478-917A-B48A6CB50D2E: Pesquisa efetuada em ...-...-2024 11:14:00 por ...; Registo 3713A679-05E9-4912-B869-98D7615D3B46: Pesquisa efetuada em ...-...-2024 11:14:00 por FF (Escrivão Auxiliar) constante de cada documento gerado automaticamente] e geram os documentos certificados pelo citius no mesmo dia pelas 11:22:21 (o 1.º sob a Ref.ª 14947795) e pelas 11:37:18 (o 2.º sob a Ref.ª 14947854). Na verdade, é permitida, mas não obrigatória, a leitura em audiência de julgamento dos documentos existentes no processo, independentemente dessa leitura, podendo o meio de prova em causa ser objecto de livre apreciação pelo tribunal, sem que resulte ofendida a proibição legal estabelecida no art. 355.º do CPP. A simples circunstância de tais documentos surgirem após a acta em termos informáticos não tem qualquer relevo e não obsta à conclusão que iremos extrair, porquanto é prática forense (comum e habitual) que o Sr. Funcionário de justiça proceda à abertura da acta de discussão de audiência de julgamento, em momento bem anterior à sua realização. E foi isto que sucedeu, já que a abertura da acta foi gerada pelas 11:25:12 horas, ou seja em momento ulterior à 1.ª pesquisa ao ISS; sendo que o início da audiência de julgamento teve lugar pelas 14h06m e o seu encerramento pelas 14h34m, como se depreende da leitura da acta, a qual veio a ser partilhada à Sr.ª Juíza pelas 14:34:37, tendo sido finalizada pelas 16:29:28, ou seja, com a assinatura digital desta última. Isto significa que tais elementos já constavam dos autos, não sendo necessário, como vimos, a sua leitura, não tendo sido violado o disposto no art. 355.º do CPP. Donde se conclui pela improcedência do alegado. iii. Do vício decisório previstos no art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP: Os vícios decisórios (a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova) previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP, traduzem defeitos estruturais da decisão penal e não do julgamento e por isso, a sua evidenciação, como dispõe a lei, só pode resultar do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum. Não é permitido, para a demonstração da sua verificação, o recurso a quaisquer elementos que sejam externos à decisão recorrida. O vício que estiver em causa, tal como resulta da norma, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos estranhos à decisão, mesmo constantes do processo. E não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, inscrito no art. 127.º do CPP. Caso não seja possível demonstrar o vício em que incorreu o julgador sem recurso ao registo áudio ou outro elemento, então é porque o erro não emana directamente do texto da sentença recorrida, ficando logo definitivamente afastada a sua integração no art. 410.º, n.º 2 do CPP, como vício decisório. Mas daí não se retira que não possa haver um erro de julgamento por errada valoração da prova, nos termos do disposto no art. 412.º do CPP, situação diversa da dos vícios da decisão. Ou seja, pode até inexistir qualquer um dos vícios decisórios e, ainda assim, a prova ter sido mal apreciada pelo tribunal a quo, caso em que se configura, neste último caso, um verdadeiro erro de julgamento, cujos pressupostos de conhecimento são os previstos no aludido art. 412.º, que com os primeiros vícios não se confundem por não transparecerem do texto da decisão recorrida. Ora, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. O tribunal não dá nem como provado nem como não provado algum facto necessário para justificar a posição tomada. Desta feita, o mesmo ocorre quando a factualidade dada como provada na sentença é insuficiente para fundamentar a solução de direito, e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final; ou, por outras palavras, quando a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito. Vejamos, então, o que se nos oferece dizer acerca da invocada falta de realização de relatório social sobre as condições pessoais da recorrente que determinaria, de acordo com o seu entendimento, uma insuficiência da matéria de facto provada. No caso vertente, não se vislumbra no texto da decisão recorrida alguma incoerência factual ou lógica que a inquine do vício decisório invocado, da alegada insuficiência da factualidade provada para a decisão final tomada, prevista no citado normativo. Na verdade, a 1.ª instância não deixou de se pronunciar acerca das condições pessoais da recorrente, como, aliás consta, da matéria de facto provada no seu ponto 7, assente nas pesquisas realizadas e juntas aos autos. Questão diversa é se a 1.ª Instância deixou de apurar todos os factos essenciais, nesta matéria, para a decisão da causa. A resposta é negativa. Vejamos porquê. Dispõe o art. 379.º, n.º 1, al. c) do CPP que “É nula a sentença: …c) Quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. O vício de omissão de pronúncia consubstancia-se, assim, numa ausência, numa lacuna, quer quanto a factos, quer quanto a consequências jurídicas - isto é, verificar-se-á quando se constatar que o tribunal não procedeu ao apuramento de factos, com relevo para a decisão da causa que, de forma evidente, poderia ter apurado e/ou não investigou, na totalidade, a matéria de facto, podendo fazê-lo ou se absteve de ponderar e decidir uma questão que lhe foi suscitada ou cujo conhecimento oficioso a lei determina. A falta de pronúncia que determina a nulidade da sentença incide, pois, sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão.” Dito de outro modo, o tribunal tem o dever de se pronunciar sobre todas as questões - relevantes para a decisão a proferir - suscitadas na acusação e na contestação, bem como sobre todos os factos resultantes da discussão relevantes para a decisão. Volvendo ao caso que nos ocupa e na óptica da recorrente, o tribunal deveria ter ordenado a realização de relatório social de modo a poder apurar as condições sócio-económicas da recorrente, o que não fez. Dispõe o n.º 1 do art. 370.º do CPP que “O tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respetiva atualização quando aqueles já constarem do processo” (sublinhado nosso). A junção do relatório é, pois, facultativa (de entre muitos outros: Ac. STJ de 06.02.2019 proferido no processo n.º 488/12.7JAAVR.1.P1.S1 in www.dgsi.pt/jstj; Ac. do STJ de 18/02/2021 proferido no processo n.º 6342/20.1T8LSB.S1 publicado in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2021:6342.20.1T8LSB.S1.E4), na medida em que só se for entendido “necessário à correta determinação da sanção” é que o tribunal deverá diligenciar por obter tal meio de prova. Tal significa, portanto, que a necessidade da sua junção tem de ser casuisticamente, concretamente, avaliada. E como se escreveu no Ac. do TRG de 13.07.2020 (referente ao processo n.º 414/19.2GAEPS.G1 publicado na página www.dgsi.pt/jrtg) «(…) o princípio da lealdade processual – princípio que deve enformar todos os ramos do direito – e que no dizer de Paulo Pinto de Albuquerque… “se impõe aos sujeitos e participantes processuais” representa uma imposição de princípios gerais inscritos na própria dignidade humana e da ética, que deve presidir a todos os atos dos cidadãos. A este propósito diz o Tribunal Constitucional no acórdão nº 429/95 citado no acórdão da Relação do Porto de 09/11/2016 in www.dgsi.pt: “Neste domínio são de realçar os deveres de vigilância e de boa fé processual: o primeiro obriga os sujeitos processuais “a reagir contra nulidades ou irregularidades que considerem cometidas e entendam relevantes, na perspetiva de defesa, não podendo naturalmente escudar-se na sua própria negligência no acompanhamento das diligências ou audiências para intempestivamente vir reclamar o cumprimento da lei relativamente a atos em que estiveram presentes e de que, agindo com a prudência normal, não puderam deixar de se aperceber”; o segundo impede que os sujeitos processuais possam “aproveitar-se de alguma omissão ou irregularidade porventura cometida ao longo dos atos processuais em que tiveram intervenção, guardando-a como um “trunfo”, para em fase ulterior do processo, se e quando tal lhes pareça conveniente, a suscitarem e obterem a destruição do processado”. E note-se que este direito e dever de colaboração em nada colide com o facto de qualquer arguido beneficiar de presunção de inocência e, portanto, não estar obrigado a fazer prova da sua inocência, nem estar obrigado a colaborar com o tribunal na descoberta da verdade ou a prestar declarações, sem que tal o possa desfavorecer. Mas se um arguido entende que há determinadas circunstâncias da sua vida que o favorecem e que deveriam ser tidas em conta pelo tribunal, circunstâncias que o tribunal desconhece, então é razoável esperar que as leve ao conhecimento de quem julga e é irrazoável criticar o tribunal quando este as não foi procurar.» (sublinhado nosso). No caso em apreço, a arguida foi julgada na ausência, estando devidamente representada por defensora oficiosa, a qual não requereu nenhuma outra diligência, designadamente a sua audição na 2.ª data agendada nem tão-pouco a realização do relatório social. Esta omissão - de não realização de relatório social - faz padecer a sentença recorrida do invocado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, como defende a recorrente? A resposta terá de ser negativa. Tal vício existe quando se constata que da factualidade constante da decisão faltam elementos que, podendo ser indagados ou descritos, impossibilitam, pela sua ausência, um juízo seguro de condenação ou absolvição. Ora, outros atinentes às condições pessoais da arguida, implicariam, pelo menos, que esta os invocasse como relevantes, o que, no entanto, não fez como se lhe impunha. De todo o modo, como vimos supra, do texto do não se percebe o que é que possa ter faltado de relevante, para além do indagado e obtido, para que a 1.ª instância se julgasse habilitada a tomar a decisão. Não se vislumbra, assim, no texto da decisão proferida em 1.ª instância a existência do vício invocado pela recorrente. Termos em que soçobra o recurso nesta parte. iii. Da medida da pena única aplicada e da pena acessória: Neste ponto, consta da sentença recorrida o seguinte: «E) Escolha e determinação da medida da pena Assente que está que a arguida praticou os crimes pelos quais vinha acusada, há que proceder à escolha e determinação da medida da pena que, em concreto, lhe deve ser aplicada. Os referidos ilícitos criminais são punidos, em abstracto, respectivamente, com pena de prisão de 1 mês até 2 anos ou com pena de multa de 10 até 240 dias – cfr. Art.º 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro e com pena de prisão de 1 mês a 1 ano ou com multa de 10 a 120 dias – v. Art.º 292º nº1 do C. Penal e ainda 41º nº1 e 47º nº1 do mesmo código. O Art.º 40.º do Código Penal dispõe que a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos, no sentido de tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa. Segundo o disposto no Art.º 71.º do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena deverá, por seu turno, ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o tribunal, no caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. Assim, há que considerar no caso concreto: - o grau de ilicitude do facto, que se considera médio/alto, atento o modo como foram praticados os factos e o circunstancialismo inerente, a circunstância da arguida já ter sido detentora de carta de condução, estando caducada e a concreta taxa de alcoolemia; - o dolo revelado, que é intenso; - a postura evidenciada, não comparecendo em julgamento; - a existência de dois antecedentes criminais registados e sobretudo por ilícitos similares e de natureza estradal. Por outro lado, na determinação da medida concreta da pena, nomeadamente na opção entre a pena de multa e a pena de prisão, cumpre analisar conjuntamente as exigências de prevenção geral com as exigências de prevenção especial, que no caso concreto se fazem sentir. Dispõe o Art.º 70.º do Código Penal que (...) se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (...). Relativamente às exigências de prevenção geral, considera-se que in casu as mesmas são bastantes elevadas, dada a frequência com que ocorrem situações como as dos autos e que põem sobejamente em causa a segurança da circulação rodoviária, encontrando-se as mesmas igualmente contempladas na respectiva incriminação e moldura penal. No que respeita às exigências de prevenção especial, as mesmas são médias/altas, considerando que militam contra a arguida a ilicitude dos factos e o dolo revelado, sendo que não é primária, apresentando dois antecedentes similares e a sua postura. A seu favor, é ponderada a circunstância de na data dos factos os seus antecedentes revelarem mais de cinco anos. Sopesando todas as referidas circunstâncias e no que concerne aos crimes em apreço, somos em crer que a arguida possui ainda condições favoráveis para interiorizar as finalidades das penas e auto-censurar, em liberdade, a sua conduta, passando a conformá-la com as normas vigentes, entendendo por isso, ser ainda adequado aplicar-lhe uma pena de multa para todos os ilícitos, por a mesma realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, mantendo intactas as expectativas da comunidade na validade das normas jurídicas violadas, mas devendo necessariamente reflectir a circunstância de não ser primária. Assim e, ponderando o disposto no Art.º 47.º, n.º 1 do Código Penal, entendemos como adequada a aplicação à arguida de uma pena de 110 (cento e dez) dias de multa quanto ao crime de condução sem habilitação legal e de 100 (cem) dias de multa pelo crime de condução em estado de embriaguez. No que se refere ao montante diário da pena de multa e o preceituado no Art.º 47.º, n.º 2, do Código Penal, face à ausência da arguida na audiência de julgamento pouco se apurou quanto às suas condições pessoais. Nestes casos, deve o julgador agir por estimativa (cfr. Figueiredo Dias, Direito, p. 133). Assim, tendo por base um mero juízo de estimativa, aos valores das eventuais prestações pecuniárias percebidas e suportadas, tomando-se ainda em consideração a realidade social do país, o valor actual do salário mínimo nacional e evolução do índice de preços do consumidor, recorrendo a juízos de equidade, afigura-se adequada, face à escassez de elementos, a fixação de uma taxa diária de 6,00 (seis euros). * Dado que nos presentes autos ocorre uma situação de concurso real de infracções (cfr. Art.º 30.º, n.º 1 do Código Penal), há deste modo que realizar o cúmulo entre as penas de multa parcelares aplicadas. Nos termos do Art.º 77.º do Código Penal, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, (não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e os 900 dias se for pena de multa) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Assim sendo, fixa-se o limite máximo das penas de multa em 210 dias de multa e o mínimo em 110 dias. A pena do concurso é determinada, dentro da moldura referida, atendendo, em conjunto, aos factos e à personalidade do arguido. Tudo ponderado, nos termos em que nos reportamos supra, nomeadamente os factores atenuantes e agravantes, decide-se aplicar em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, a pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à mesma taxa diária supra referida. Nestes termos, perfaz a mesma pena única o montante global final de € 900,00 (novecentos euros). Caso a arguida não proceda ao pagamento voluntário ou coercivo da pena de multa que lhe foi aplicada em sede de cúmulo jurídico, poderá ter de cumprir até 100 (cem) dias de prisão subsidiária, caso não efectue o seu pagamento, voluntário ou coercivo (cfr. Art.º 49º, n.º 1 do Código Penal). * Dispõe ainda o Art.º 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal que (…) É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido (…) por crime previsto nos Arts.º 291.º ou 292.º (…). Na determinação da medida concreta desta pena acessória deve atender-se, também, aos critérios explanados no Art.º 71º. do Código Penal e que acima já foi analisado. Cumpre referir que o pressuposto material básico da aplicação da mesma pena acessória se afere no exercício da condução, nas situações em que esta se tenha revelado, especialmente censurável, o que eleva o limite de culpa do agente; também não é estranha a esta sanção a finalidade de contribuir para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano (prevenção especial de socialização); quanto ao escopo de prevenção geral de intimidação, perante as elevadas taxas de sinistralidade nas nossas estradas, ele parece evidente, dispensando quaisquer explicações adicionais [cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – Parte Geral II – As consequências Jurídicas do Crime, 1993, §§ 83; 204 ss.; 232 ss.; 79]. (...) A ampla margem de discricionariedade facultada ao juiz na graduação da sanção de inibição da faculdade de conduzir permite-lhe perfeitamente fixá-la, em concreto, segundo as circunstâncias do caso, desde logo as conexionadas com o grau de culpa do agente, nada na Lei Fundamental exigindo que as penas acessórias tenham de ter, no que respeita à sua duração, correspondência com as penas principais (...) – cfr. ac. Trib. Constitucional n.° 667/94, de 14 de Dezembro; BMJ, suplemento ao n.° 446, 102. (...) A pena acessória visa, tão só, prevenir a perigosidade do agente, muito embora se lhe assinale também um efeito de prevenção geral, enquanto que a pena principal tem em vista a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (...) – cfr. ac. RC de 7 de Novembro de 1996; CJ, XXI, tomo 5,47. Tal normativo e a sua aplicação deve ser ainda conjugado com o Assento nº. 5/99, do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República, I-A, de 20-07, que fixou como obrigatória a jurisprudência de que (...) O agente do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º. do C.P., deve ser sancionado a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no art. 69º., nº. 1, al. a) do C.P. (...). Acresce que o facto de o arguido não ser titular de carta de condução ou outra licença não se mostra impeditivo da aplicação de tal pena acessória, como decorre da jurisprudência maioritária nesta matéria, como são exemplos os Acs. TRG de 04-05-2015, TRC 11-09-2013 e TRL 12-05-2010, todos in www.dgsi.pt. Por outro lado, da perspectiva do tribunal e da interpretação que faz do Art.º 69.º, nº 1, al. a) e ss. do Código Penal e 41.º e ss. do mesmo Código Penal, em consonância com a maioria da doutrina e da quase unânime jurisprudência nesta matéria, tal pena acessória não é susceptível de suspensão, substituição ou de dispensa - v. a título exemplificativo os Acs. TRL de 20-03-2007, do TRC de 29-05-2013 TRE datado de 21-11-2023 (processo 33/23.9GBNIS.E1), todos in www.dgsi.pt. No caso em apreço, atenta a concreta T.A.S., sendo interveniente em acidente e verificando-se que a sua conduta especialmente censurável, conjugado com os seus antecedentes, consideramos adequado, justo e proporcional aplicar à arguida a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 6 (seis) meses, ao abrigo do disposto no Art.º 69.º, n.º 1 al. a) do Código Penal.». Ora, sopesando os factores enunciados na decisão recorrida, que aqui se dão por reproduzidos, podemos afirmar que, como diz o Povo, “saiu a sorte grande” à ora recorrente quer na escolha da pena aplicada (é que, pese embora tenham decorrido muitos anos sobre a prática da última condenação por crime de idêntica natureza, a verdade é que nada obstava a que a pena fosse de prisão, ainda que substituída por multa, pois que é já a terceira vez que conduzia em estado de embriaguez), quer na medida da pena acessória que lhe foi aplicada e que também peca por ser branda. Porém, não tendo o Ministério Público recorrido nesta parte, não resta senão que confirmar a medida das penas aplicadas à recorrente. Confirmar-se-á em suma a sentença recorrida, sem prejuízo da oportuna ponderação do perdão de pena, a realizar pela 1.ª Instância, face aos termos do art. 14.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02.08, que constituirá lex specialis em relação ao preceituado pelo art. 474.º, n.º 2 do CPP. ** IV. DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto, confirmando-se a sentença recorrida, sem prejuízo da oportuna ponderação, pela 1.ª instância, do perdão de pena. Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UCS (art. 513.º, n.º 1 do CPP e arts. 8.º, n.º 9, do RCP, com referência à Tabela III). *** Lisboa, 8 de Maio de 2025 Marlene Fortuna Maria de Fátima R. Marques Bessa Diogo Coelho de Sousa Leitão |