Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
820/23.8T8FNC.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRATAMENTOS DE ESTÉTICA
ERRO SOBRE A PESSOA
ART.º 251.º DO CC
NULIDADE DO CONTRATO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (art.º 663º nº 7 do CPC) – Da responsabilidade exclusiva do relator)
1. O erro sobre a pessoa, previsto no Art.º 251.º do C.C., compreende o erro sobre a identidade da pessoa com quem se contrata e o erro sobre as qualidades pessoais desse sujeito.
2. Num contrato de prestação de serviços de tratamentos de estética de rejuvenescimento do rosto, em que a Autora se obriga a realizar essa prestação através de médicos especialistas em medicina estética, tendo a Ré aceitado essa prestação convencida que a pessoa que materialmente iria realizar essa prestação era um médico, mas verificando-se depois que essa pessoa não era médico e provando-se que, se a Ré disso tivesse tido conhecimento, não teria celebrado o contrato com a Autora, existe uma situação objetiva de erro-vício suscetível de anular esse negócio jurídico.
3. Mesmo sendo a Autora uma pessoa coletiva, nos termos do Art.º 800.º n.º 1 do C.C. é responsável perante o credor pelos atos praticados pelas pessoas que utiliza no cumprimento das suas obrigações, como se tais atos fossem praticados pela própria.
4. Há erro sobre a pessoa, enquadrável no Art.º 251.º do C.C., quando a Ré contrata a Autora para prestar serviços de estética na suposição de que, no âmbito da empresa desta, o concreto autor material da prestação devida seria médico e depois se verifica que esse facto não era verdadeiro, pois nesse caso são as caraterísticas, qualidades e específicos conhecimentos da pessoa que deveria realizar a prestação, mas enquanto integrado no âmbito da empresa da Autora, que motivaram a expressão vontade da Ré em contratar esses serviços, o que foi tido como requisito essencial do negócio.
5. Mesmo que assim se não entendesse, no mínimo, sempre se poderia dizer que havia erro sobre o objeto do negócio, nos termos do mesmo Art.º 251.º do C.C., porquanto o conceito de “objeto” previsto neste normativo deve ser entendido em sentido amplo, por forma a compreender a qualidade das prestações essenciais integradas no conteúdo do negócio jurídico.
6. Sendo penalizada como crime de usurpação de funções, nos termos do Art.º 358.º al. b) do Código Penal vigente, a prática de atos médicos por quem não tenha esse título, nos termos do Estatuto da Ordem dos Médicos, o negócio jurídico que tenha por finalidade a realização concreta desse tipo de atividade, sem recurso à intervenção objetiva de médico profissional, tem um objeto legalmente proibido, sendo por isso nulo nos termos do Art.º 280.º do C.C.
7. Sendo a prestação realizada no âmbito desse negócio jurídico proibida por lei, não é lícito que, por força do Art.º 289.º n.º 1 do C.C., se possa permitir a exigibilidade do pagamento da contraprestação acordada como retribuição daquela.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
A AAAA – Clínica Médico Estética Rejuvenescimento, Unipessoal, Lda. intentou contra AID a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia global de €6.800,00, acrescida de juros.
Para tanto alegou que, no âmbito da sua atividade, foi contactada pela R., em 11 de Julho 2022, para a prestação de um conjunto de serviços, no âmbito do rejuvenescimento do seu rosto, tendo-lhe proposto o respetivo preço.
Assim, realizou diversos tratamentos, entre os quais:
- Em 11.07.2022, fios tratores lifting integral; plasma rico em plaquetas; plasma rico em fibrina composto com aminoácidos; peptídios e vitaminas; procedimento células estaminais biofiller; fios tensores de colagénio; 5 zonas de maili hialurónico long lasting (longa duração).
- Em 19.09.2022, retoque de todo o procedimento (gratuito); fios tensores de colagénio; 5 zonas de maili hialurónico long lasting (longa duração).
A R. assinou uma “Declaração Acordo Promessa Pagamento de dívida”, igualmente subscrito pela A., através do qual a R. confessou a dívida à A.. No entanto, apesar de a R. ter manifestado satisfação pelos serviços prestados, pagou apenas a primeira prestação, de €500, encontrando-se vencidas e não pagas as demais prestações relativas ao preço, num total de €6.800,00, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento da primeira prestação.
Concluiu, assim, no sentido da procedência da ação.
Citada a R. contestou e deduziu pedido reconvencional, alegando que efetivamente, no dia 11 de Julho de 2022, dirigiu-se ao piso -1 do “Hotel …”, onde estava o gabinete no qual a A. recebia os pacientes, tendo sido atendida pelo “Dr.” FB. Mas invocou que não está, nem nunca esteve, satisfeita com os resultados das intervenções da A., uma vez que as mesmas não produziram quaisquer resultados, referindo que o seu testemunho de satisfação, através da gravação de um vídeo, foi efetuado quando a mesma estava atordoada e sem condições de proceder a um testemunho sério e preciso.
No dia 19 de Setembro, pelas 15h00m, a R. foi novamente sujeita a procedimentos de retificação pelo mesmo “médico” Dr. FB, sem custos acrescidos.
Acrescentou ainda, que em 15 de novembro de 2022 foi divulgado na comunicação social uma notícia que o Sr. FB não era médico, sendo uma pessoa licenciada em Informática de Gestão, facto que a A. tinha obrigação de averiguar, por ser da sua responsabilidade, havendo assim erro sobre a pessoa que deveria determinar a anulação do negócio.
Deduziu reconvenção peticionando a anulação do negócio jurídico, por existir um erro sobre a pessoa, devendo a A. ser condenada a restituir o montante de €1.000,00 (mil euros) à R., ou, alternativamente, por dolo da A. ou por prática comercial desleal. Mas, se assim  se não entendesse, subsidiariamente, pediu ainda para ser relevado o defeito no cumprimento da obrigação da A., desobrigando a R. do pagamento do remanescente valor e, em qualquer caso, condenar a reconvinda no pagamento do montante de €8.000,00 (oito mil euros) pelos danos causados à reconvinte a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, ou alternativamente, no pagamento desse mesmo valor pelos danos causados pela violação da lei da defesa do consumidor.
A A. replicou, alegando corresponder à verdade que foi efetuado o pagamento de mil euros pela R., encontrando-se em falta o restante, referindo desconhecer que o referido FB não estava qualificado para o exercício médico, em virtude de este ter entregado documentos sobre a sua qualificação e ter dado o número de cédula profissional, que, aliás, exarou num dos consentimentos informados juntos.
Findos os articulados foi designada tentativa de conciliação que se revelou infrutífera e, nessa sequência, foi proferido despacho saneador, onde se admitiu a reconvenção, se fixaram o valor da causa, o objeto do processo e os temas da prova, admitindo-se os requerimentos probatórios e designando-se data para a audiência final.
Produzida a prova requerida e discutida a causa, veio a ser proferida sentença que julgou a ação e a reconvenção totalmente improcedentes, declarando a “nulidade” do contrato de prestação de serviços celebrado entre a A. e a R., por erro sobre a pessoa e objeto do contrato, e em consequência condenou a A. a restituir à R. os €1.000,00 que esta havia pago a título dos serviços prestados, absolvendo a R. do pagamento das quantias peticionadas e a A. dos montantes devidos por danos não patrimoniais.
É desta sentença que a A. vem interpor recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
A – A sentença recorrida julgou improcedente a ação e a reconvenção e, em consequência, declarou, designadamente, a nulidade do contrato de prestação de serviços celebrado entre a autora e a ré por erro sobre a pessoa e objeto do contrato e, em consequência, condenou a autora à restituição à ré do valor de € 1.000,00 pagos por aquela a esta a título de prestação de serviços prestados, absolvendo a ré da totalidade do peticionado pela autora.
B – Não se conformando a autora com aquela douta sentença na parte que se deixou na conclusão anterior expressa, dela recorre quer impugnado a matéria de facto, quer a matéria de direito.
C – Da prova documental e testemunhal resulta que, ao invés da decisão do Exmº Senhor Juiz “a quo” sobre a matéria de facto dada como provada, igualmente, deveriam ter sido dados como provados os factos elencados pelo Mtº Juiz “a quo” na douta sentença no âmbito da motivação da sentença, mas não levados à matéria dada como provada por serem considerados «irrelevantes, conclusivos ou que consubstanciam matéria de direito», a saber:
a. A autora desconhecia tal facto em virtude deste ter entregue documentos sobre a sua qualificação e, também, ter dado o número de cédula profissional, que, aliás, exarou num dos consentimentos informados juntos aos autos – alegação também sob o artigo 35 da réplica.
b. Igualmente, por que o Sr. FB foi apresentado e aconselhado à autora por outros profissionais de saúde – facto instrumental mencionado pela legal representante da autora nas suas declarações.
c. Bem como ter o Sr. FB informado a legal representante da autora que não tinha ainda apresentado a cédula porquanto aguardava que a Ordem dos Médicos Portuguesa a remetesse.
d. Que todas as pessoas na clínica achavam que o Sr. FB era médico – testemunho de CM, testemunha da autora.
D – Ao não considerar tais factos como provado o Mtº Juíza “a quo” fez uma errada apreciação da prova, pois estes factos permitem responder com mais plenitude sobre ter a autora atuado com o cuidado devido relativamente às qualificações profissionais do Sr. FB ou, pelo menos, atuou com uma negligência inconsciente e não censurável.
E – Tais factos que constam na douta sentença decorrem das declarações prestadas pela legal representante da autora e da sua testemunha, únicos depoimentos que não constam na gravação das audiências, sendo que a gravação da primeira chegou a constar, circunstância esta completamente estranha e inexplicável, razão pela qual a impugnação da matéria de facto se apoia nas afirmações contidas na sentença, facto este que deverá determinar a admissão desta impugnação.
F – Quanto à matéria de direito, a primeira conclusão é que, contrariamente ao defendido na douta sentença, os efeitos jurídicos, seguindo a tese defendida naquela sobre a anulabilidade do negócio e atento os demais factos provados, não determina, nos termos do art.º 289º, n.º 1, do CC a restituição à ré dos € 1.000,00 que esta havia pago àquela pelo serviço prestado, mas antes que esta seja condenada a apagar à autora o valor acordados, ou seja os € 6.800,00, quer fazendo a autora seus os mencionados € 1.000,00 quer recebendo os € 5.800,00 em dívida.
G – Por outro lado e sem prescindir, contrariamente ao defendido na douta sentença, os factos não determinam o erro sobre a vontade determinante da ré não é nem sobre a pessoa do declaratário nem sobre o objeto do negócio (art.º 252º, 1 do CC), mas antes o erro sobre os motivos (252º, 2 do CC), conforme decorre da matéria de facto dada como provada, nomeadamente o facto de a vontade determinante da recorrida é após ter sabido da notícia, posteriormente à prestação do serviço prestado pela recorrente, através e por causa do Sr. FB, conforme supra se demonstrou.
H – quanto aos efeitos deste erro sobre os motivos:
i. Ou não se tratou de um erro de excecional relevância, razão pela qual se deve manter o contrato tal e qual;
ii. Ou se se entender que é um erro de excecional relevância deverá o contrato ser resolvido, nos termos do art.º 437º do CC, com os efeitos previstos para a anulabilidade, embora o contrato não seja anulável, pelo que que a ré – que ficou com o serviço prestado - seja condenada a apagar à autora o valor acordados, ou seja os € 6.800,00, quer fazendo a autora seus os mencionados € 1.000,00 quer recebendo os € 5.800,00 em dívida.
I – Por último, atenta a matéria dada como provada e os que supra se defendeu que deveriam constar na matéria de factos dada como provada e, aliás, mencionados na douta sentença, a autora atuou com o cuidado devido relativamente às qualificações profissionais do Sr. FB.
J - E, caso assim se não entenda, pelo menos se pode concluir que a autora atuou com uma negligência inconsciente não censurável.
L – Atuou, assim, a autora, quanto ao saber sobre as qualificações profissionais do Sr. FB, sem ilicitude ou, pelo menos, sem qualquer tipo de culpa.
M - Verifica-se, pois, que os factos supra alegados pela recorrente determinam que deveriam ser dados como provados por serem relevantes para a boa decisão da causa, tendo o Mtº Juiz “a quo” fez uma errada apreciação da prova que considerou irrelevante, quando a mesma é relevante para a boa decisão do pleito:
N - Verifica-se quanto à matéria de direito que a interpretação jurídica realizada pelo Mtº Juiz “a quo”, salvo o devido respeito, está incorreta, porquanto violou o previsto nos artigos 289º, n.º 1, ao valorar quanto aos efeitos a primeira parte desta norma legal em vez da segunda parte dessa mesma norma e que mal interpretou o previsto no art.º 251º, do CC quanto ao erro determinante da vontade da recorrida que não se enquadra nessa norma, mas antes na do artigo 252º, n.º 1 do CC ou, caso assim se não entenda na do artigo 252º, n.º 2 do CC.
Pede assim que a sentença seja revogada, condenando-se a R. a pagar à A. o valor contratado e ainda em dívida.
A R. respondeu ao recurso e, mesmo não apresentando conclusões, defendeu a manutenção da sentença recorrida.
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II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art.º 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).
Assim, em termos sucintos as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) A impugnação da matéria de facto; e
b) A invalidade do contrato de prestação de serviços por erro e as  consequências jurídicas da sua anulação.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1- A A. é uma sociedade comercial por quotas, unipessoal, com o NIPC …., cujo objeto social é «atividades de prática médica de clínica geral, de clínica especializada em ambulatório. Atividades de enfermagem e de saúde humana. Consultas e cuidados de saúde prestados por médicos especialistas a indivíduos não internados em estabelecimentos de saúde, atividades relacionadas com o diagnóstico e a terapêutica, nomeadamente, atos de radiologia, radioterapia, eletrocardiografia, eletroencefalografia e outros atos complementares de diagnóstico e de terapêutica, análises clínicas, enfermagem, fisioterapia, optometria, ortóptica, dietética, hidroterapia, massagem, ginástica médica, terapia (ocupacional, da fala, etc.), quiropodia, homeopatia, acupunctura, hipoterapia, psicologia e atividades similares. Atividades relacionadas com a manutenção e o bem estar físico, nomeadamente, banhos turcos, saunas, solários, massagem, relaxamento e outras atividades similares de bem estar físico, massagem facial, maquilhagem, manicura, pedicura, limpeza de pele, depilação e similares. Formação profissional».
2- Na sua página de Instagram, a A. publicita os seus serviços da seguinte forma:
“AS MELHORES MARCAS OS MELHORES MÉDICOS TRATAMENTOS VIP”.
3- A A. inaugurou as suas instalações na Região Autónoma da Madeira, mais concretamente no Hotel … Resort & Spa, em Março de 2022, apresentando-se como uma clínica de medicina estética que disponibilizava tratamentos de rosto, corpo e capilar, com vários serviços pioneiros e inovadores em Portugal.
4- No âmbito da sua atividade a A. foi, em 11 de Julho 2022, nas instalações que se situavam no Funchal, contactada pela R., tendo esta requerido àquela um conjunto de serviços no âmbito do rejuvenescimento do seu rosto.
5- No website da A., consultável em “https://.....pt/” podia, e pode ler-se, que o atendimento dos pacientes e respetivos tratamentos seriam realizados pelos melhores especialistas em medicina estética.
6- A R. já tinha tido experiência de tratamento na área de cirurgia estética.
7- A A. propôs à R., e esta aceitou, um conjunto de serviços e respetivo preço, nomeadamente:
- Em 11.07.2022, fios tratores lifting integral; plasma rico em plaquetas; plasma rico em fibrina composto com aminoácidos; peptídios e vitaminas; procedimento células estaminais biofiller; fios tensores de colagénio; 5 zonas de maili hialurónico long lasting (longa duração).
- Em 19.09.2022, retoque de todo o procedimento (gratuito); fios tensores de colagénio; 5 zonas de maili hialurónico long lasting (longa duração).
8- No dia 11 de Julho de 2022, conforme marcação entretanto realizada, a R. dirigiu-se ao piso -1 do Hotel …., onde estava o gabinete no qual a A. recebia os pacientes tendo sido atendida pelo Sr. FB.
9- A R. encontrava-se na plena convicção que estava perante um profissional médico.
10- Após os tratamentos efetuados em Julho de 2022, a sócio-gerente da A. pediu, à R. que gravasse um vídeo para promoção da clínica, à semelhança do que havia sido feito por outras pacientes.
11- A R. declarou num vídeo, colocado no Instagram da A., nomeadamente, que estava completamente impressionada e abismada e que o resultado era excecional e havia superado as suas expetativas.
12- A R. após os tratamentos ficou muito satisfeita com os serviços prestados.
13- No mesmo dia, a R. assinou um documento designado de “Declaração Acordo Promessa Pagamento de dívida”, igualmente assinado pela representante legal da autora, através do qual a R. declara que «Por este documento autenticado, voluntária e expressamente, é celebrada a presente confissão de dívida ao qual ambas Outorgantes, conferem força executiva, nos seguintes termos:
«1. A PRIMEIRA OUTORGANTE compromete-se a efetuar o pagamento da quantia em dívida no montante de €6.800,00, seis mil e oitocentos euros até ao dia 8 de novembro de 2022, €500,00 dia 8 de agosto, €3.400,00 dia 8 de outubro, e 8 de novembro €3.400,00.
«O pagamento acordado será efetuado diretamente nas instalações da AAAA no Funchal ou mediante transferência bancária para a conta de que a SEGUNDA OUTORGANTE é titular, com o NIB PT50 ….».
14- O referido documento, tem como local o Funchal e a data de 12.07.2022, mencionando-se no mesmo que foi feito «lavrado em dois exemplares, ambos de carácter original, ficando um para cada Outorgante».
15- A R. assumiu-se devedora do valor de €7.300,00.
16- No dia seguinte, 12 de julho de 2022, a R. pagou à A., por conta do valor proposto para o tratamento, a importância de €500,00 (quinhentos euros), novamente e por indicação da sócio-gerente da A., através de “MBWay” para a conta bancária associada ao seu telemóvel.
17- Em 13 de agosto de 2022, novamente por “MBway” e para o mesmo número de telemóvel associado (91….) à sócio-gerente da A., a R. efetuou novo pagamento por conta de €500,00 (quinhentos euros).
18- A R. pagou €1.000,00 (mil euros) não tendo pago as demais prestações.
19- No dia 19 de Setembro, pelas 15h00m, a R. foi sujeita a procedimentos de retificação pelo Sr. FB.
20- Esses tratamentos não tiveram custos acrescidos.
21- Foi agendada nova data, o dia 30 de Novembro de 2022 pelas, 13h00m, para que a R. comparecesse nas instalações da A., no Funchal.
22- A 16 de Novembro de 2022 foi divulgado na comunicação social uma notícia de que a A. poderia ter nos seus quadros um falso médico, precisamente o referido FB, que terá executado atos médicos sem ter habilitações e competências técnicas e académicas.
23- Foi noticiado que o Sr. FB era licenciado em Informática de Gestão.
24- A A. enviou um e-mail à R. nesse dia 30 de novembro de 2022 com a informação «AAAA INFORMA AID tentámos entrar em contacto consigo sem sucesso. Dia 1/12 já não vai ser possível ir ao Funchal porque a ERS ficou de nos dar o selo para aí e ainda não enviou. Assim que tivermos procederemos de novo às marcações. Quanto ao valor em dívida é imperativo que o faça até ao final do corrente ano para não seguir para contencioso jurídico. Se lhe der mais jeito pode pagar em dinheiro ao PB (ele está ao corrente de tudo). Esperamos encontrá-la bem assim como a todos os seus. Melhores cumprimentos».
25- O Sr. FB não é médico.
26- Se a R. soubesse que o Sr. FB não possuía qualquer habilitação na área da medicina, nunca teria prosseguido com as intervenções estéticas efetuadas.
27- O Sr. FB nunca apresentou cédula profissional à A..
28- A A. desconhecia que o Sr. FB não era médico.
29- Ao tomar conhecimento de que o Sr. FB não era médico, a R. ficou alarmada, consternada, ansiosa e preocupada, posto que tinha sido submetida a uma intervenção por alguém que acreditava ter formação especializada em medicina estética.
30- A A. não tinha, nem nunca teve, uma unidade privada de saúde na Região Autónoma da Madeira licenciada como clínica.
31- A R. foi submetida a intervenções de foro médico, sem a presença de qualquer enfermeiro.
32- A R. nunca procedeu ao pagamento do montante de €6.300,00 correspondente ao remanescente do acordo de dívida.
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O tribunal julgou ainda por não provados os seguintes factos:
A) A R. foi convidada diretamente pela A. no mês de maio de 2022, para uma consulta gratuita, nas instalações desta no Funchal, para avaliação do seu rosto e do tipo de tratamento que podia ser recomendado.
B) A R. declarou que em 31 de maio de 2022 que não pretendia ser atendida por outo médico que não fosse o Dr. FB.
C) Como a A. tinha realizado uma grande aposta e investimento no marketing, anunciando serviços de rejuvenescimento e médicos capacitados para o efeito, a R. aceitou o convite e compareceu na clínica no dia 31 de maio de 2022.
D) A R. não estava em condições de efetuar um testemunho sério quando foi gravado o vídeo.
E) A R. constatou que o tratamento dos lábios não tinha produzido qualquer resultado, dado que estavam no mesmo estado de antes da intervenção.
F) A R. foi convencida/induzida a fazer tratamentos na clínica.
G) A sócio-gerente da A. e o dito FB acabaram por convencê-la a fazê-lo com o argumento da modalidade do pagamento proposto, além de que os resultados seriam “extraordinários” e com total satisfação da R..
H) A R. pagou apenas a primeira prestação de €500 (quinhentos euros), encontrando-se vencidas e não pagas as demais prestações relativas ao preço, pagamento em prestações que a R. propus à A. e que esta aceitou.

Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Estabelecidas que estão as questões de que cumpre tomar conhecimento, iremos então apreciar as mesmas pela sua ordem de precedência lógica, começando pela impugnação da matéria de facto.

1. Da impugnação da matéria de facto.
A Recorrente veio pretender impugnar a decisão sobre a matéria de facto por entender que a sentença desconsiderou factos alegados e apurados na instrução do processo, porque alegadamente os pode ter considerado “irrelevantes”, “conclusivos” ou por “consubstanciarem matéria de direito”.
Realçou desde logo que, de forma inexplicável, surpreendente e estranha, as gravações dos depoimentos testemunhais e as declarações de parte da A. “desapareceram do citius”, embora aí estivessem na véspera da última audiência. No entanto, como não invocou a correspondente nulidade no prazo devido, ficou precludido o direito de reclamação desse vício. Seja como for, suportada apenas na fundamentação da própria sentença recorrida, entende que devem ser aditados aos factos provados os seguintes:
«a. A autora desconhecia tal facto em virtude deste ter entregue documentos sobre a sua qualificação e, também, ter dado o número de cédula profissional, que, aliás, exarou num dos consentimentos informados juntos aos autos» (alegação do artigo 35.º da réplica);
«b. Igualmente, por que o Sr. FB foi apresentado e aconselhado à autora por outros profissionais de saúde» (facto instrumental mencionado pela legal representante da A. nas suas declarações);
«c. Bem como ter o Sr. FB informado a legal representante da autora que não tinha ainda apresentado a cédula porquanto aguardava que a Ordem dos Médicos Portuguesa a remetesse».
«d. Que todas as pessoas na clínica achavam que o Sr. FB era médico» (testemunho de CM, testemunha indicada pela da A.).
Para tanto, chama a atenção para o que a sentença recorrida deixou consignado a propósito do facto provado no ponto 28, aí se podendo ler que:
«Relativamente ao facto 28, o mesmo demonstrou-se provado das declarações prestadas pela legal representante da Autora, Sra. RF, que referiu que o Sr. FB foi aconselhado por outros profissionais, tendo apresentado vasta documentação que demonstravam a frequência de diversos cursos relacionados com medicina estética.
«Explicou, ainda, que o Sr. FB colocava um número de cédula nas suas vinhetas e que por isso nunca lhe suscitou qualquer motivo para que colocasse em causa as habilitações do mesmo, pese embora o mesmo nunca tenha apresentado essa cédula, uma vez que alegou estar à espera que a ordem dos médicos a remetesse.
«Finalizou referindo que continua a achar que o Sr. FB é médico, desconhecendo se já foi declarado por algum Tribunal que o mesmo não é médico.
«Esse depoimento é corroborado pela documentação junta com o requerimento datado de 12 de Maio de 2023 (cfr. referência citius nº 5241174).
«Também a testemunha CM referiu que todas as pessoas na clínica achavam que o Sr. FB era médico e que, para si, se trata de um médico, não tendo motivos para achar o contrário».
«Note-se, porém, que questão diversa é saber se a Autora deveria ou não deveria ter exigido a cédula ou averiguado junto da ordem dos médicos a qualificação do Sr. FB, questão que será abordada infra.
«Acrescente-se, apenas, que essa documentação junta com o requerimento datado de 12 de Maio de 2023 (cfr. referência citius nº 5241174) mais não é do que documentação relativa a palestras e cursos com pouca relevância. Essa documentação em nada é apta a demonstrar a qualificação profissional do Sr. FB, ou seja, de forma nenhuma demonstrava que o mesmo era médico».
Apreciando, o Art.º 662.º n.º 1 do C.P.C. permite à Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou documento superveniente, impuserem decisão diversa. O que, evidentemente, não parece ser o caso dos autos, em face dos fundamentos expostos na motivação do presente recurso que acabámos de sumariar atrás.
Por outro lado, a alteração da matéria de facto fundada em prova oral, produzida em audiência, que não se mostra gravada, dificilmente poderia ser relevada nos termos propostos, considerando que não foi possível cumprir os ónus de impugnação previstos na al. a) do n.º 2 do Art.º 640.º do C.P.C.. O que implicaria a necessária rejeição do recurso nesta parte.
Neste caso é evidente que dificilmente poderíamos superar os princípios da imediação e da livre apreciação da prova, que assiste ao Tribunal a quo.
Sem prejuízo, temos de realçar que a fundamentação da sentença que atrás expusemos suporta a convicção do tribunal relativamente ao facto provado constante do ponto 28, que tem o seguinte teor: «28- A A. desconhecia que o Sr. FB não era médico». Ao que há a acrescentar que no ponto 27 da matéria de facto provada na sentença recorrida consta ainda que: «27- O Sr. FB nunca apresentou cédula profissional à A.».
Ora, o que está em causa, de relevante para o conhecimento do mérito da causa, é um “erro” sobre as habilitações médicas da pessoa por intermédio da qual a A. prestou os serviços de estética à R.. Mas, para tanto, irreleva se a própria A. desconhecia esse facto por motivo de ela própria, também ter sido “enganada” por essa pessoa e/ou por terceiros. Por um lado, porque, como adiante melhor será explicitado, a relevância do erro funda-se na sua verificação objetiva, para o que é totalmente indiferente a consideração da “boa-fé” da A.. Por outro, porque a invalidade do negócio motivado por erro visa a tutela específica do declaratário, em benefício do qual esse vício, e as suas consequências, são estabelecidos na lei.
Relativamente à A. releva apenas saber se a mesma sabia que o erro sobre esse facto era essencial, no quadro da prestação acordada, independentemente desse erro se referir ao objeto do negócio, à pessoa ou aos seus motivos (cfr. Art.º 247.º, 251.º ou 252.º do C.C.), conforme se discute nesta apelação.
Dito isto, entendemos que a factualidade das alíneas pretendidas aditar pela Recorrente pouco ou nada acrescentam de relevante sobre o que ficou provado no ponto 28.
Se a A. também foi enganada pela pessoa que contratou para prestar serviços na sua clínica (ou se foi enganada por terceiros), isso só evidencia que também para a A. o facto dessa pessoa dever ter necessariamente habilitações médicas era essencial para a poder contratar para prestar esses serviços na sua clínica, reforçando a conclusão de que a A. não poderia ignorar a essencialidade do erro verificado.
Julgamos assim, sem prejuízo do supra exposto sobre os limites e consequências da necessária rejeição do recurso nesta parte, que os factos pretendidos aditar são efetivamente irrelevantes, devendo em qualquer caso improceder “in totum” a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

2. Da invalidade do contrato de prestação de serviços por erro e as suas consequências jurídicas.
Como vimos no relatório do presente acórdão, a A. instaurou a presente ação com vista a exigir o cumprimento da obrigação de pagamento do preço acordado pela prestação de serviços de estética relacionados com o “rejuvenescimento do rosto” da R., encontrando-se essa dívida reconhecida pela devedora em declaração que foi junta.
A R., na sua contestação, veio dizer que não ficou satisfeita com o resultado da prestação da A., vindo a saber que a pessoa que havia realizado essa intervenção afinal não era médico, mas apenas licenciado em “Informática de Gestão”, havendo assim erro sobre a pessoa que deveria determinar a anulação do negócio, pois se soubesse desse facto antes, nunca teria solicitado os serviços da A..
Como vimos a A. veio invocar que ela mesma desconhecia que a referida pessoa não estava qualificada para o exercício médico, pois até estaria convencida da veracidade desse facto.
A sentença recorrida expressou o entendimento de que, a falsa representação de que a pessoa que prestou os serviços era médico, traduzia-se num «erro sobre um motivo determinante da vontade, referindo-se, quer à pessoa do declaratário, quer ao objeto do negócio» (sic).
Mas depois acrescentou: «É certo, e não olvidamos, que a Ré ficou satisfeita com os resultados (o que estará na base da improcedência do seu pedido reconvencional a título de danos não patrimoniais); porém, sendo o negócio nulo, terá essa nulidade efeitos retroativos.
«Os tratamentos foram prestados por uma pessoa que não é médica, ou seja, em rigor, além do erro sobre a pessoa, há também erro sobre o objeto, uma vez não foram prestados os tratamentos médicos, mas sim administrados produtos por uma pessoa sem qualificações para tal.
«A Autora conhecia ou, pelo menos, devia conhecer a essencialidade do erro, ou seja, a Autora tinha obrigação de saber que era um elemento essencial para a Ré que os serviços médicos fossem prestados por quem, efetivamente, fosse médico, ou seja, por quem tivesse habilitações para prestar esses serviços.
«À luz do referido, cumpre declarar a anulabilidade do negócio, por erro sobre a pessoa e sobre o objeto, nos termos dos artigos 251.º, 247.º, 285.º, 286.º e 289.º do Código Civil».
Sucede que a Recorrente chamou a atenção para a circunstância de o erro-vício verificado não se reportar à pessoa ou ao objeto do negócio (cfr. Art.º 251.º do C.C.), mas sim aos motivos determinantes da vontade de contratar (cfr. Art.º 252.º do C.C.), o que teria como consequência que os requisitos relevantes para o efeito anulatório do negócio jurídico seriam mais exigentes.
Adiantamos desde já que não lhe assiste razão.
É verdade que o Art.º 251.º do C.C. remete para o Art.º 247.º do C.C., sendo a relevância do erro sobre a pessoa ou objeto do negócio condicionada pela demonstração de que a declaração não corresponda à vontade real do seu autor, desde que o declaratário conhecesse, ou não devesse ignorar, a essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual incidiu o erro. Já o Art.º 252.º do C.C. exige como requisito da relevância do erro que houvesse acordo entre as partes sobre a essencialidade do motivo.
No fundo, subjacente à motivação do recurso, está a ideia velada de que o erro sobre a circunstância da pessoa que iria realizar a prestação dos serviços estéticos acordados não ser médico não se reportar propriamente à pessoa da A. e, por isso, não haver erro sobre a pessoa do contraente, mas sobre um terceiro, o que determinaria a aplicação necessária do regime do erro sobre os motivos.
Efetivamente, estava fortemente arreigada na Doutrina tradicional que existiam duas situações distintas de “error in persona”, uma relativa à pessoa com quem se contrata, outra relativa a pessoas que não figuram no contrato (vide, a propósito: Galvão Teles in “Manual dos Contratos Em Geral”, Lex, reprint, pág. 91).
Fundava-se essa distinção nos termos da própria lei, pois o Art.º 662.º do Código Civil de 1867, também conhecido por Código de Seabra, dava forma legal à mesma, mandando aplicar ao erro sobre a pessoa com quem se contrata o disposto no Art.º 661.º, que regulava o erro sobre o objeto ou sobre as qualidades do objeto do negócio (cfr. 1.ª parte do Art.º 662.º). Mas, se o erro dissesse respeito a pessoa que não figurasse no contrato, aplicar-se-ia o disposto no Art.º 660.º, que regulava o erro sobre a causa do negócio (cfr. 2.ª parte do Art.º 662.º - todos do Código de Seabra).
Transpondo a mesma lógica para o Código Civil vigente, se o erro se reporta à pessoa do declaratário, aplica-se o regime do Art.º 251.º do C.C., mas se se reporta a pessoa diversa, aplicar-se-ia o regime do erro sobre os motivos previsto no Art.º 252.º do C.C..
Sucede que, a pessoa a quem se reporta o alegado erro não é um mero terceiro na relação contratual em causa, porque era a pessoa que iria realizar a prestação convencionada no quadro da empresa organizada para esse efeito pela A..
É certo que a A., ela mesma, nunca poderia ser médica, desde logo por ser uma pessoa coletiva. Mas daí não resulta que a qualidade de médico das pessoas integradas na sua oferta comercial de serviços de estética não devesse ser reportada à sua responsabilidade pessoal e não correspondesse às características pessoais específicas da sua empresa.
Recorde-se que, nos termos do Art.º 800.º n.º 1 do C.C., o devedor é responsável perante o credor pelos atos praticados pelos seus legais representantes ou pelas pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor. Nessa medida, o alegado “médico” iria prestar os serviços, contratados entre A. e R., no cumprimento de obrigações que vinculavam diretamente apenas a A., integrando-se a sua prestação no âmbito da organização de meios que esta pretendia proporcionar aos seus clientes.
Efetivamente, se a A. pretendia prestar serviços de atendimento e tratamento pelos “melhores especialistas em medicina estética”, conforme divulgação por si feita no seu website (cfr. facto provado no ponto 5), a qualidade de médico das pessoas que em seu nome deveriam prestar serviços aos seus clientes era uma qualidade assegurada e imputável à pessoa da A..
Nestas condições, a qualidade de médico do concreto prestador dos serviços contratados foi configurada pelas partes no negócio jurídico como uma característica da prestação devida, desde logo assim assumida pessoalmente pela própria A.. Pelo que, as qualidades pessoais do prestador material dos serviços estão intrínseca e incindivelmente ligadas ao conteúdo no negócio jurídico celebrado e à própria A., enquanto empresa que foi constituída com o propósito de proporcionar esse tipo de serviço aos seus clientes.
De facto, o único elemento sobre que se verificou o erro, entendido como falsa representação da realidade que motivou a declaração negocial, refere-se especificamente às qualidades pessoais de quem seria o autor material da intervenção estética pretendida.
Ora, o “erro sobre a pessoa”, tal como previsto no Art.º 251.º do C.C., não se limita aos casos de erro sobre a identidade da pessoa com quem se contrata, pois aí se incluem claramente também as situações em que o declarante expressa a sua vontade de contratar motivado pelas qualidades pessoais do sujeito obrigado à prestação material solicitada (vide: Menezes Cordeiro in “Tratado de Direito Civil Português”, I- Parte Geral. Tomo I, 2.ª Ed., 2000, pág. 614; Pedro Pais de Vasconcelos in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª Ed, 2005, pág. 497).
Como exemplificam Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª Ed., pág. 32), há erro sobre a pessoa se o declaratário contratar uma pessoa para cozinheira na suposição de que esta sabe cozinhar e depois se verifica que não sabe. No mesmo sentido, Menezes Cordeiro (in “Tratado do Direito Civil Português”, I - Parte Geral, Tomo I, 2.ª Ed., 2000, pág. 614), exemplifica como erro sobre a pessoa a situação de se contratar um oftalmologista para curar uma dor de dentes. De igual modo, no caso dos autos, há erro sobre a pessoa, se a R. contrata a A. para prestar serviços de estética na suposição de que, no âmbito da empresa desta, o concreto autor material da prestação será um médico e depois se verifica que essa pessoa não tem essa qualidade.
Nestas circunstâncias, são as caraterísticas, qualidades e específicos conhecimentos da concreta pessoa que iria ser o autor material da prestação, integrado no âmbito da empresa da A., que motivaram a expressão vontade da R. em contratar esses serviços, o que foi tido como requisito essencial do negócio para a R.. Logo, estamos no âmbito da previsão do Art.º 251.º do C.C. e do erro sobre a pessoa, e não do erro sobre os motivos, previsto como figura residual, no Art.º 252.º do C.C., para o caso de não se verificarem nenhuma das situações previstas no artigo anterior.
Não podemos deixar de considerar que emerge dos factos provados que a intervenção do Sr. FB foi essencial na economia da relação contratual. À luz de tais factos, devemos concluir que a A., neste negócio, declarou efetuar uma prestação por intermédio do Sr. FB (e de nenhuma outra pessoa, ainda que efetivamente inscrita na Ordem dos Médicos), tendo a R. declarado pretender uma prestação por intermédio do Sr. FB (e de nenhuma outra pessoa, ainda que efetivamente inscrita na Ordem dos Médicos). Neste contexto, a falsa representação da realidade sobre os atributos do Sr. FB (dada a falta da qualidade de médico) constitui-se como um problema de erro, e de erro sobre as qualidades da pessoa.
Mesmo que assim se não entendesse, no mínimo, sempre se poderia dizer que havia erro sobre o objeto do negócio, nos termos do Art.º 251.º do C.C., porquanto o conceito de “objeto” previsto neste normativo deve ser entendido em sentido amplo.
Conforme refere Pedro Pais de Vasconcelos (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª Ed., 2005, pág. 498) o erro sobre o objeto tem uma grande amplitude, sendo utilizado no Art.º 251.º do C.C. no mesmo sentido do Art.º 280.º do C.C., compreendendo o objeto propriamente dito e ainda o conteúdo do negócio.
Na mesma linha já escrevia Mota Pinto (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª Ed., pág. 507), explicitando que o erro poderia incidir sobre o objeto mediato, ou seja sobre a sua identidade ou suas qualidades, ou sobre o objeto imediato, ou seja sobre a natureza e conteúdo do negócio.
Deste modo, as qualidades específicas da prestação integrada no conteúdo do negócio integram o objeto do negócio e o erro sobre esses elementos preenche a previsão do Art.º 251.º do C.C..
Concordamos assim com o enquadramento feito na sentença recorrida, improcedendo as conclusões que sustentam que haveria apenas um erro sobre os motivos, sujeito a requisitos de relevância mais restritos, como sejam a necessidade de se provar que havia acordo sobre o reconhecimento da essencialidade do motivo (cfr. Art.º 252.º n.º 1 “in fine” do C.C.).
Assim, o negócio jurídico, consistente no contrato de prestação de serviços de estética de rejuvenescimento do rosto, era anulável por erro sobre as qualidades da pessoa da A., enquanto pessoa coletiva que assegurava por si, no quadro da sua organização empresarial, a qualidade dos seus serviços através da intervenção dos “melhores especialistas em medicina estética” e, em concreto, através da pessoa do Sr. FB (cfr. Art.s 251.º e 247.º do C.C.), ou por erro sobre as qualidades da própria prestação visada proporcionar, as quais faziam parte integrante do conteúdo essencial do objeto do negócio celebrado com  a R. (idem cfr. Art.ºs 251.º e 247.º do C.C.).
O erro, entendido como falsa representação da realidade, relativo às qualidades da pessoa que integrava a empresa da A. e através da qual esta promovia a sua prestação de serviços de estética aos seus clientes no estabelecimento considerado, ficou provado como decorre evidentemente dos factos constantes dos pontos 7, 9, 25 e 26 da sentença recorrida.
Por outro lado, não pode deixar de se entender que a A. não poderia ignorar a essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro, já que a mesma publicitava a sua prestação fundada no pressuposto de que atuava com recurso a médicos especialistas nessa área (cfr. factos provados 2 a 5). Ao que acresce que, de acordo com a sua posição assumida na contestação, e nas próprias alegações de recurso, a A. estaria igualmente em erro sobre as habilitações profissionais da pessoa que no âmbito da sua empresa prestava esses concretos serviços, tudo levando assim a crer que também para a mesma era essencial o elemento de facto sobre que incidiu o erro da R..
Em suma, verificam-se todos os requisitos legais previstos no Art.º 247.º, aqui aplicável por remissão do Art.º 251.º do C.C., assistindo à R. o direito a anular o negócio jurídico por erro.
Refira-se ainda que o erro-vício releva pela sua objetividade, havendo uma grande maioria da doutrina que sustenta fundadamente que a desculpabilidade do erro não funciona como causa de exclusão da sua relevância, não importando assim saber se o declarante não teve o mínimo de cuidado de se informar sobre as circunstâncias sobre que o erro incidiu (vide, neste sentido: Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, 1987, págs. 239 a 240; Castro Mendes in “Teoria Geral do Direito Civil”, Vol. II, 1979, págs. 94 a 96; ou Mota Pinto in Ob. Loc. Cit. pág. 512). E, de facto, nada na letra da lei impõe semelhante exigência, sendo que Rui Alarcão, na motivação do anteprojeto do Código Civil de 1966, afirmou explicitamente a desnecessidade do requisito da desculpabilidade ou escusabilidade do erro (vide: BMJ n.º 138, págs. 89 e 90).
Dito isto, verificamos ainda que existe um salto de raciocínio na sentença recorrida que não se mostra suficientemente explicitado. É que o “erro-vício” não determina a “nulidade” do negócio jurídico, como é dito na sentença, mas sim a anulabilidade (cfr. Art.º 247.º do C.C.).
Ainda assim, quem se faz passar por médico e realiza atos médicos, pode estar a agir de forma objetivamente proibida por lei, o que pode determinar a chamada à colação do disposto no Art.º 280.º do C.C., com a consequente consideração da nulidade do respetivo negócio jurídico. Vício que, nos termos do Art.º 286.º do C.C., é de conhecimento oficioso.
Efetivamente, nos termos do Art.º 96.º-A do Estatuto da Ordem dos Médicos (EOM - aprovado pelo Dec.Lei n.º 282/77 de 5/7):
«1 - São atos próprios dos médicos o exercício em exclusivo da atividade diagnóstica, prognóstica, de vigilância, de investigação, de perícias médico-legais, de codificação clínica, de auditoria clínica, de prescrição e execução de medidas terapêuticas farmacológicas e não farmacológicas, de técnicas médicas, cirúrgicas e de reabilitação, de promoção da saúde e prevenção da doença em todas as suas dimensões, designadamente física, mental e social das pessoas, grupos populacionais ou comunidades, no respeito pelos valores deontológicos e das leges artis da profissão médica.
«2 - Constituem ainda atos médicos as atividades técnico-científicas de investigação e formação, de ensino, assessoria, de educação e organização para a promoção da saúde e prevenção da doença, quando praticadas por médicos.
«3 - A identificação de uma doença ou do estado de uma doença pelo estudo dos seus sintomas e sinais e análise dos exames efetuados constitui um procedimento base em saúde que deve ser realizado por médico e visa a instituição da melhor terapêutica preventiva, cirúrgica, farmacológica, não farmacológica ou de reabilitação.
«4 - O disposto nos números anteriores não prejudica o exercício dos atos neles previstos por pessoas não inscritas na Ordem, desde que legalmente autorizadas para o efeito».
Acresce que, por regra é a Ordem dos Médicos quem tem a competência para atribuir o título profissional de “médico” (cfr. Art.º 97.º n.º 1 al. a) do EOM), o que depende da inscrição prévia nessa Ordem (cfr. Art.º 98.º n.º 1 do EOM), do que resultará a entrega a essa pessoa da respetiva “cédula profissional”, que servirá de prova da inscrição na Ordem dos Médicos e, consequentemente, do reconhecimento da sua categoria profissional como médico (cfr. Art.º 113.º do EOM).
Neste contexto, temos de referir que o Art.º 6.º n.º 2 do Dec.Lei n.º 400/82 de 23/9, que aprovou o Código Penal de 1982, veio a revogar o Art.º 12.º do Decreto-Lei nº 32.171, de 29 de Julho de 1942, que penalizava como crime, com pena de prisão de 6 meses a 2 anos e multa: «Aquele que, sem título bastante, praticar observação ou tratamento de pessoas por qualquer método ou processo que tenha por fazer a cura de estados mórbidos ou incómodos de saúde, ou qualquer ato próprio da profissão médica, e bem assim aquele que assumir a direção de qualquer dos atos compreendidos».
Em todo o caso, o Art.º 358.º al. b) do C.P. vigente penaliza como crime, por “usurpação de funções”, quem: «b) Exercer profissão ou praticar ato próprio de uma profissão para a qual a lei exige título ou preenchimento de certas condições, arrogando-se, expressa ou tacitamente, possuí-lo ou preenchê-las, quando o não possui ou não as preenche».
Por outro lado, o resultado dos atos praticados podem consistir em lesões do bem jurídico “integridade física”, o que poderá ser igualmente penalizado nos termos do Código Penal.
Veja-se que, por força do Art.º 150.º n.º 1 do C.P. vigente: «1 - As intervenções e os tratamentos que, segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina, se mostrarem indicados e forem levados a cabo, de acordo com as leges artis, por um médico ou por outra pessoa legalmente autorizada, com intenção de prevenir, diagnosticar, debelar ou minorar doença, sofrimento, lesão ou fadiga corporal, ou perturbação mental, não se consideram ofensa à integridade física». Acrescentando o n.º 2 do mesmo preceito que: «2 - As pessoas indicadas no número anterior que, em vista das finalidades nele apontadas, realizarem intervenções ou tratamentos violando as leges artis e criarem, desse modo, um perigo para a vida ou perigo de grave ofensa para o corpo ou para a saúde são punidas com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, se pena mais grave lhes não couber por força de outra disposição legal».
Ainda assim, poderá hoje dizer-se que existe alguma liberdade relativa de atuação na prática de atos com finalidades curativas semelhantes à atividade dos médicos, mesmo por quem não seja efetivamente um profissional médico, desde que essa ação seja conforme com as regras da “legis artis”, haja uma intenção curativa por parte do agente considerado e se verifique haver adequação da intervenção preconizada, na exata medida em que objetivamente esse tipo de atuação não ponha em risco a vida ou não represente perigo de ofensa grave para o corpo ou para a saúde.
Estas considerações tornaram-se particularmente relevantes numa altura em que é pungente e se tornaram particularmente populares as chamadas “Medicinas Alternativas”, como a acupuntura, a quiroprática ou os tratamentos mediante administração de medicamentos de homeopatia, que normalmente são executados por quem não é médico profissional.
Em todo o caso, a ofensa à integridade física continua a ser punida como crime, quer por dolo (cfr. Art.ºs 143.º a 147.º do C.P.), quer por negligência (cfr. Art.º 148.º do C.P.). Relevando muito particularmente que a integridade física se considera disponível para efeitos do consentimento do lesado, tendo em conta os motivos e os fins do agente e do ofendido, bem como os meios empregues e a amplitude previsível da ofensa (Art.º 149.º n.º 1 e n.º 2 do C.P.), excluindo-se dessa exceção o caso específico da mutilação genital feminina (cfr. Art.º 144.º-A e 149.º n.º 3 do C.P.). Aliás, o consentimento do lesado sempre seria uma causa genérica de exclusão da ilicitude (cfr. Art.º 38.º do C.P.C.).
No caso concreto, o que estava em causa era uma intervenção de natureza meramente estética, que não tinha uma finalidade propriamente curativa, mas que certamente implicava necessárias ofensas ao corpo e à integridade física da R..
É certo que, pela mera descrição das intervenções a que a R. foi sujeita, tal como constante dados por factos provados na sentença recorrida (v.g. facto provado no ponto 7), não se consegue perceber muito bem se as mesmas implicavam a prática efetiva de qualquer “ato médico”, sendo mesmo muito difícil reconduzir essas descrições ao parecer da Ordem dos Médicos que se mostra junto como doc. n.º 19 com a contestação (cfr. fls. 46 a 53).
Poderemos, no entanto, identificar o “lifting integral”, provado no ponto 7, com o ponto 5 desse parecer da Ordem dos Médicos (cfr. cit. doc. a fls. 50), onde se refere que esse ato pode ser realizado por pessoa não médica, embora sob sua supervisão, dada a especial sensibilidade das estruturas anatómicas periorificiais do rosto.
Em todo o caso, no facto provado no ponto 31 é explicitado que a R. foi submetida a “intervenções de foro médico”, “sem presença de qualquer enfermeiro”. Portanto, a R. foi comprovadamente sujeita a “atos médicos”.
Por outro lado, fez-se crer à R. que a pessoa que foi autora material desses atos era um médico (cfr. factos provados 2, 5 e 9), o que não correspondia à verdade (cfr. factos provados 25, 26, 27, 28 e 29).
Em consequência, essa pessoa praticou atos próprios duma profissão para a qual a lei exige título e o preenchimento de certas condições, nos termos do Estatuto da Ordem dos Médicos que atrás expusemos, o que constitui um ilícito criminal, no quadro da previsão do Art.º 358.º al. b) do C.P..
Daí resulta que a atuação da A., por intermédio de pessoa que não estava devidamente habilitada para o efeito, era proibida por ser contrária a lei imperativa, cuja finalidade é a tutela do bem jurídico da segurança e saúde pública.
É certo que a R. consentiu nas intervenções a que foi sujeita, embora esse consentimento também não seja válido, porque foi obtido em erro sobre as qualidades da pessoa que iria proceder a esses tratamentos estéticos (cfr. facto provado 26).
Também é certo que a R. ficou satisfeita com o resultado dos serviços prestados (cfr. facto provado 12), apesar do alarme, ansiedade e preocupação que lhe causou ter vindo a saber que o Sr. FB não era médico (cfr. facto provado 29).
Mas não pode deixar de se constatar que a A. prestou serviços de estética de natureza médica em condições que objetivamente lhe estavam proibidas por lei e, nessa medida, o objeto do contrato era contrário a lei imperativa, sendo por isso nulo nos termos do Art.º 280.º do C.C.. Por esse motivo, em rigor, não existe fundado motivo para alterar a parte dispositiva da sentença quando, oficiosamente, decidiu declarar a nulidade do negócio jurídico e não a sua anulabilidade por decorrência do erro-vício. Aliás, na prática, os efeitos jurídicos duma ou doutra são exatamente os mesmos.
O que nos leva ao tema seguinte da presente apelação, relacionado com as consequências legais da invalidade do contrato.
De facto, foi com base numa alegada “nulidade” do negócio, que não havia sido completamente explicitada, que a sentença recorrida veio a reconhecer que a A. não teria direito ao pagamento dos valores por si reclamados, tendo determinado a devolução dos montantes que a R. já havia pago.
Efetivamente, nos termos do Art.º 289.º n.º 1 do C.C., tanto a nulidade, como a anulação, tem efeitos retroativos, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, exceto se a restituição em espécie não for possível, caso em que é restituído o valor correspondente.
Ora, a R. não pode restituir os tratamentos de estética de que terá beneficiado. Por isso, a A., aqui Recorrente, entende que tem direito ao valor correspondente ao preço fixado para essa prestação, não sendo obrigada a restituir os €1.000,00, que já recebeu a esse título, e continuando credora do valor remanescente em dívida.
Sucede que, se assim fosse, esse efeito traduzir-se-ia num inaceitável benefício do infrator. É que, como vimos, a A. executou uma prestação de serviços em termos que objetivamente lhe estavam proibidos por lei, porque apenas os poderia realizar através de médicos profissionais. Se agora pudesse receber o preço correspondente, estaria encontrada a fórmula para, em violação de lei imperativa, a A. poder realizar uma prestação proibida e ainda assim obter os correspondentes proventos como se a sua ação fosse legal.
Salvaguardadas as devidas diferenças e levando a situação ao exagero, diríamos que admitir semelhante possibilidade seria o mesmo que permitir a um traficante vir a tribunal para pedir a condenação do consumidor pela dívida relativa ao preço da droga que lhe vendeu e, entretanto, foi consumida.
Repita-se, mesmo sendo situações evidentemente muito diferentes, com graus de gravidade muito distintos, no domínio estrito dos princípios a regra é a mesma: se a prestação realizada é proibida por lei, não é lícito o pedido de pagamento duma contraprestação acordada como retribuição daquela.
Neste caso, nem sequer é possível a aplicação das regras do enriquecimento sem causa (v.g. Art.ºs 473.º e ss. do C.C.), porque ainda que se possa configurar um enriquecimento duma das partes no negócio, esse acréscimo “patrimonial” resultou da realização duma prestação que era originariamente ilícita, porque proibida por lei e, nessa medida, o empobrecimento assim causado não pode merecer a  tutela do direito.
É por estas razões que se concorda com a sentença recorrida quando entendeu que no caso não seria devido o preço acordado, fosse por força do contrato de prestação de serviços (que à partida era originariamente inválido, fosse por anulabilidade por erro – nos termos do Art.º 251.º do C.C. – fosse por nulidade – nos termos do Art.º 280.º do C.C., que sempre seria de conhecimento oficioso, cfr. Art.º 286.º do C.C.), fosse por força da declaração de invalidade do contrato (cfr. Art.º 289.º n.º 1 do C.C.), fosse por força das regras do enriquecimento sem causa.
A Recorrente sustentou ainda que agiu em observância do dever de cuidado que lhe era exigível relativamente ao apuramento das qualificações profissionais da pessoa que contratou para prestar os serviços em causa nos autos. Mas, como já fizemos notar, essa ponderação não tem peso algum no mérito da causa, por ser indiferente saber se a A. agiu com mera negligência inconsciente, desculpável, tal como alega. No final, voltamos sempre à mesma constatação: objetivamente a A. realizou uma prestação que era proibida por lei e, em consequência, não pode tirar proveito duma atividade que nos termos em que a realizou era objetivamente ilícita.
Em face de todo o exposto, improcedem todas as conclusões de recurso apresentadas em sentido diverso do exposto, devendo a sentença recorrida ser integralmente confirmada.
As custas do recurso são por conta da parte vencida, como é regra geral do Art.º 527.º do C.P.C..
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V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente por não provada, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.
- Custas pela Apelante (Art.º 527º n.º 1 do C.P.C.).
*
Lisboa, 13 de maio de 2025
Carlos Oliveira
Paulo Ramos de Faria
Alexandra de Castro Rocha