Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | ANA PAULA GUEDES | ||
| Descritores: | OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO CONSENTIMENTO INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | REENVIO | ||
| Sumário: | Sumário: (da responsabilidade da Relatora) I. Na aplicação do regime de permanência na habitação, a que alude o artigo 43º do CP, só pode o Tribunal concluir pela inexistência do pressuposto formal se o arguido, expressamente, não consentir na obrigação de permanência na habitação ou se o Tribunal, após diligenciar pela obtenção desse consentimento, não o conseguir, por motivos imputáveis ao arguido. II. Tal não sucede quando o arguido requer o julgamento na ausência, nos termos do artigo 334º, nº 2 do CPP, impondo-se ao Tribunal, nesse caso, o uso do mecanismo do artigo 334º, nº 3 do CPP. III. Não o tendo feito, e concluindo o Tribunal pela inexistência do consentimento, sem ter diligenciado pela obtenção desse consentimento, padece a decisão recorrida do vício do artigo 410º, nº 2, al. a) do CPP. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, as Juízes da 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: A)- Relatório: No âmbito do PCS 481/22.1PASCR, do Juízo Local Criminal de Santa Cruz, por sentença datada de ........2025, foi proferida a seguinte decisão: “a) Condenar o arguido AA pela prática, em .../.../2022, na forma consumada e em autoria material [artigos 13º, 15º, alínea a) e 26º, todos do Código Penal] de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137º, nº 2 do Código Penal, em referência dos artigos 1º, alíneas f), h), u), x), 13º, nº 1 e 81º, nº 1 e nº 2, todos do Código da Estrada, na pena de 2 (dois) anos de prisão efetiva; b) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal”. * Inconformado com essa decisão, veio o arguido interpor o presente recurso Apresenta as seguintes conclusões: “1. O recorrente não se conforma com a douta sentença condenatória proferida em .../.../2025, mediante a qual foi condenado, para além do mais, na pena de dois anos de prisão efetiva pela prática, na forma consumada e em autoria material, de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137º, nº 2, em referência dos artigos 1º alíneas f), h), u), x), 13º n.º 1 e 81º, nº 1 e nº 2, todos do Código da Estrada. 2.Pretende a revogação da douta sentença recorrida, com a discussão das seguintes questões: a incorreta determinação da medida concreta da pena e a possibilidade de substituição da pena de prisão; a nulidade de sentença por omissão de pronúncia prevista na al. c) do nº1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, no que diz respeito à aplicabilidade do regime de permanência na habitação. 3. O crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137º, nº 1, em referência dos artigos 1º alíneas f), h), u), x), 13º, nº1 e 81º, nº 1 e nº 2, todos do Código da Estrada, tem como moldura legal abstratamente aplicável a pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, sendo que, no caso de negligência grosseira, conforme sucede no caso, o agente é punido com pena de prisão até cinco anos (n.º2). 4. Entende-se que não foram atendidas todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, depuseram a favor do agente. 5. O grau de ilicitude dos factos e gravidade das consequências não se descura, reconhecendo-se a gravidade das consequências do acidente analisado nos autos, designadamente, a morte da malograda vítima, sendo certo que este evento se mostra já compreendido no tipo legal de crime em causa. 6.Quanto aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, não se apuraram quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da medida concreta da pena. 7. Não se pode aceitar, na análise da conduta anterior ao facto e a posterior a este, que o arguido não manifestou qualquer arrependimento, inclusive, em virtude da ausência nas sessões da audiência de julgamento. 8.O arguido encontra-se emigrado há vários anos, a trabalhar para proceder ao sustento da sua esposa e dos seus dois filhos, deslocando-se periodicamente à ..., o que se modificou, na medida em que deixou de vir à região com tanta frequência, distanciando-se da sua família, muito fruto da instabilidade emocional que agora sente e do medo de represálias. 9.A lei confere ao arguido, nos termos do n.º 2 do artigo 334.º do Código de Processo Penal, a prerrogativa de ser julgado na ausência, mediante requerimento no qual ateste que se encontra impossibilitado, o que se considera que foi devidamente fundamento ao Tribunal. 10. O arguido, ainda que comparecesse e sem prejuízo do direito ao silêncio enquanto princípio basilar do processo penal, em nada iria acrescentar quanto à produção de prova, o que nos leva a questionar se o arguido pode ser prejudicado por não ter comparecido. 11.Desde o acidente, o recorrente ficou extremamente debilitado a nível psicológico, tendo acompanhamento clínico e, apesar de continuar emigrado, tem o apoio dos seus familiares, designadamente a esposa e os seus filhos, não obstante se ter distanciado consideravelmente da família. 12.O lapso temporal decorrido desde a prática dos factos permitiu-lhe pensar com maior clareza e lucidez na sua conduta, tendo consciência da forma como afetou a sua vida e a dos que o rodeiam, bem como a dos familiares da vítima. 13.O arguido não tem antecedentes criminais, sendo o seu primeiro contacto com o sistema de justiça, encontrando-se bem inserido a nível social, familiar e profissional, sendo o risco de voltar a incorrer na prática de um ilícito diminuto. 14.A pena concreta aplicada de dois anos de prisão efetiva é excessiva, representando uma grande limitação dos seus direitos e comprometendo, a médio e longo prazo, a eventual reintegração na sociedade, violando os princípios da proporcionalidade e adequação e sendo incompatível com as finalidades de prevenção geral e especial que o caso requer. 15.Face ao exposto, entende-se que será de aplicar ao recorrente uma pena nunca superior a 1 ano e 8 meses de prisão efetiva, de acordo com os princípios gerais aplicáveis. 16.O recorrente entende que a pena de prisão efetiva é excessiva e não tem em consideração as exigências de prevenção especial, que no caso são reduzidas, prejudicando a possibilidade de reintegração do arguido em sociedade. 17.Consta da decisão judicial condenatória que as exigências de prevenção especial "afiguram-se reduzidas pois o arguido tem 43 anos, não tem antecedentes criminais registados e apresenta inserção social, familiar ou profissional. " 18.Não tem quaisquer outros processos pendentes, não apresenta uma conduta de contrariedade ao Direito, aliás, tudo leva a crer que a situação descrita nos autos e que culminou em tragédia, terá sido um evento isolado na vida do arguido. 19.Por outro lado, devemos atentar que foram dados como provados os seguintes factos: "44. AA consegue colocar-se no lugar do outro, respeitando os sentimentos dos outros, com reconhecimento do dano. (...) 47. AA revela consciência crítica face a ilícitos semelhantes aos descritos nos presentes autos, com reconhecimento do dano e encontra-se disponível para cumprir o que for determinado. 20.Os factos provados mencionados decorrem, além do mais, do relatório social elaborado, que, ainda que sujeito à livre apreciação de prova, terá sempre um papel relevante na decisão relativa à determinação da medida da pena privativa de liberdade e à suspensão da respetiva execução. 21.Revela que o arguido tem autoconsciência crítica, consegue avaliar e reconhecer a ilicitude das suas condutas, reconhecendo os danos causados e impacto causado na sua vida e na dos demais, aspetos que, com o devido respeito, entende-se não terem sido devidamente valorados na determinação da pena e eventualidade da suspensão da sua execução. 22.Tudo aponta a que seja possível realizar um juízo de prognose favorável, que nos permite concluir que a suspensão da execução da pena de prisão, ainda que com regime de prova e sujeição a deveres e regras de conduta, funcionará como inibidor da prática de novos crimes. 23. Não se aceita o entendimento de que o arguido não assumiu qualquer tipo de responsabilidade nem demonstrou arrependimento no Tribunal, apresentando, aliás, uma postura de desinteresse ao não comparecer. 24.Em sequência dos eventos descritos nos autos, o arguido deixou de vir à região com tanta frequência, distanciando-se da sua família, muito fruto da sua atual instabilidade emocional e do medo justificado de represálias, na medida em que é constantemente ameaçado pelos familiares da vítima. 25.Ficou afetado psicologicamente, com acompanhamento constante, sofre de ataques de ansiedade, tendo, inclusivamente, cessado a sua anterior relação laboral por despedimento, na medida em que se via obrigado a ausentar-se em virtude desses mesmos ataques. 26.O arrependimento do arguido e consciência da ilicitude dos seus atos ficou implícito, quer pelas informações que constam do relatório social, quer pelo depoimento da sua esposa, BB, que, de uma forma credível e espontânea, fez saber ao Tribunal diversos aspetos da condição atual do arguido, sentimentos gerados pelo cometido do crime e efeitos devastadores no seu estado de saúde. 27.Atente-se ao depoimento da própria, em que, no dia ... de ... de 2024, ao minuto 1 :48, diz o seguinte: BB: (...) As vezes vai trabalhar, às vezes não vai. Anda orientado por um médico de lá. Logo de seguida que ele foi lá para ..., teve um ataque de ansiedade, teve dois dias internado lá no hospital, tem os exames como foi ao coração... e... tá preocupado, tá,.. tá muito arrependido do que aconteceu. Tanto po lado dele como para o outro lado que foi uma perda. Ele várias vezes já disse que devia ser ele e não a rapariga. Minuto 2:24 — BB (...) Ele chora muito. Ele...Ele... Digo quando se fala ele não quer vir. Os filhos pedem-lhe para ele vir, ele diz que tem medo de vir aqui porque a última vez que ele teve foi confrontado. Recebe mensagens de ameaça. Até durante a noite 28. A prova do arrependimento não se faz apenas por declarações do arguido e certamente não se poderá retirar da sua ausência a conclusão de que não estará arrependido e de que não se penaliza pelas consequências que advieram do acidente de viação analisado. 29.Não se poderá aceitar que a não comparência na audiência de julgamento signifique desinteresse pelo decurso processual e pelas consequências nefastas que assolaram a vida dos familiares da vítima e o arguido seja punido, por via da pena de prisão efetiva, pela sua ausência. 30.Não existem elementos que nos indiquem que o arguido voltará a praticar atos ilícitos, sendo a simples ameaça de punição ou execução da pena suficientemente forte para impedir o arguido de cometer novo crime. 31.As penas de prisão aplicadas em medida não superior a 5 anos devem ser, por princípio, suspensas na execução, salvo se o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente se apresente claramente desfavorável, e a suspensão for impedida por prementes exigências geral-preventivas. 32.A suspensão da execução da pena de prisão não determina a perda de liberdade física, mas pode ser sinónimo de uma intromissão profunda na vida do condenado, considerando a variedade de regimes legalmente previsto. 33.A não aplicação da suspensão da execução da pena acarretará uma interrupção grave e irremediável das relações familiares, sociais e profissionais, contrária aos fins das penas e desajustada às concretas necessidades de prevenção geral e especial, num período que já é particularmente difícil para o recorrente, tendo certamente um caminho tenebroso pela frente até conseguir minimizar o desgaste emocional e as repercussões sentidas pela prática do crime em questão. 34. Entende-se, com o devido respeito, que deverá a pena de prisão ser suspensa na sua execução, com acompanhamento de regime de prova e imposição dos demais deveres e regras de conduta que se entendam por adequados, ao abrigo dos artigos 50. 0 e ss. do Código Penal. 35. Ainda que não se considerasse como suficiente a pena de prisão suspensa na sua execução, sempre seria de aplicar, no limite, o regime de permanência na habitação, nos termos do disposto no artigo 43. 0 do Código Penal, relativamente ao qual, como pressuposto formal temos verificada a aplicação de pena concreta em medida não superior a dois anos e o seu pressuposto de ordem material centra-se na adequação e suficiência perante as finalidades da punição. 36. Não se poderá recusar a aplicação deste regime unicamente por não ter estado presente em nenhuma das sessões da audiência de julgamento e, assim, não ter sido possível obter o consentimento do arguido, perante o juiz, atendendo a que o arguido nem sequer foi confrontado com tal possibilidade. 37.Para além de ter mandatário constituído, que o representou em sede de audiência de julgamento para todos os efeitos, poderia e deveria, salvo melhor opinião, ser notificado para prestar o seu consentimento à aplicação do regime mencionado, declarando desde já que aceita expressamente tal aplicação. 38.Não foi devidamente avaliada e fundamentada na decisão condenatória a adequação e suficiência do cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, cuja omissão origina a nulidade de sentença por omissão de pronúncia prevista na al. c) do n. 0 1 do artigo 379. 0 do CPP. 39.Mesmo que se entendesse que a suspensão da execução da pena de prisão não se adequaria às finalidades da punição e considerando que o arguido iria prestar o seu consentimento se confrontado com tal possibilidade, sempre seria de aplicar, no limite, o regime de permanência na habitação. 40.Assim, nada se tendo provado ou indiciado que permita um juízo de prognose desfavorável ao arguido e que apontem no risco de reincidência, mas existindo pelo contrário circunstâncias pessoais do recorrente que apontam na sua ressocialização e integração social, deveria ter sido a pena suspensa. 41.A interpretação dada pelo tribunal recorrido ao disposto no art. 71º do C.P foi incorreta, porquanto deveria tal dispositivo ter sido interpretado no sentido de aplicar uma pena concreta substancialmente mais baixa. 42.O douto Acórdão violou as seguintes disposições legais: Art. 27º, 40º 41º, 50º, 53º, 71 º, 72. º e 73. º do Código Penal, art.os 13 º, 18 º nº 2, 25 º, 26º nºs 1 e 2, 32º nº l, 2, 5 e 8, 34º e 205 º da Constituição da República Portuguesa, 127º, 374.º, 375.º, 377º e 379 e 410º do C. Processo Penal, e 60 n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sem prejuízos das disposições legais referenciadas ao longo do presente recurso. Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida, sendo substituída por outra que: a) Proceda, independentemente da eventual redução da medição concreta da pena, à suspensão da execucão da pena de prisão, sujeita a regime de prova, nos termos dos artigos 50.º, 53.º e 54.º do Código Penal, com aplicação dos demais deveres e regras de conduta que se entendam por adequados. b) Aplique ao recorrente uma pena nunca superior a 1 ano e 5 meses de prisão, de acordo com os princípios gerais aplicáveis, suspensa na sua execução. c) Ainda que assim não se entenda, deverá ser aplicado o regime de permanência na habitação, nos termos expostos e ao abrigo do artigo 43.º do Código Penal”. * O MP respondeu ao recurso. Apresenta as seguintes conclusões: “ 1º: A decisão recorrida foi tomada, de forma ponderada e objetiva, em consonância com a prova produzida, apreciada na sua globalidade, estando fundamentada, sendo que, o Tribunal a quo apreciou todas as questões que lhe competia, atento o objeto do processo, tendo observado corretamente todos os princípios e normas legais aplicáveis no caso. 2º: Na aplicação das penas concretas o Tribunal a quo teve em conta as necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir. 3º: Assim, inexiste violação de quaisquer normas, desde logo, e além das demais aplicáveis no presente caso, as previstas nos artigos 40º, 41º, 42º, 50º, 53º, 71º e 72º, todos do Código Penal (e as demais referidas pelo recorrente que aqui se enunciam, artigos 27º e 73º, ambos do Código Penal, 13º, 18º, nº 2, 25º, 26º, nºs 1 e 2,, 32º, nºs 1, 2, 5 e 8, 34º e 205º, todos da Constituição da República Portuguesa, 127º, 374º, 375º, 377º, 379º, 410º, todos do Código de Processo Penal e 6º, nº 1 da Convenção Europeia dos Direito do Homem). 4º: A Sentença recorrida está em conformidade com as posições jurisprudenciais e doutrinárias aplicáveis”. Também o assistente veio responder ao recurso pugnando pela sua improcedência. * Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.mª Senhora Procuradora Geral Adjunta, emitiu parecer nos seguintes termos: “ I. relativamente ao quantum da pena: Como se escreve na recentíssima decisão sumaria proferida no processo 66/22.2PLLRS.L1 deste tribunal da relação de que é relator o senhor Desembragador Jorge rosas de Castro de 01.09.2025: “Cumpre começar por sublinhar que, fixados os factos, o tribunal de recurso, em sede de determinação da pena, não decide como se inexistisse uma decisão de primeira instância, isto é, não é de um re-julgamento aquilo de que aqui se trata, donde resulta que pode e deve intervir-se na pena, alterando-a, quando são detetadas incorreções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância ou na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide o tribunal de recurso, destarte, como se o fizesse em primeira linha, não podendo assim deixar de reconhecer-se alguma margem de atuação ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar. No fundo, a medida concreta das penas apuradas em primeira instância é passível de alteração quando se mostre que foram desrespeitados os princípios gerais e as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada (sobre esta matéria, vide os Acs. do STJ de 14.10.2015, 12.07.2018 e 19.05.2021, relatados por Pires da Graça, Raul Borges e Ana Barata Brito, in www.dgsi.pt).” Os critérios explanados na decisão recorrida para a determinação do quantum da pena não nos merecem qualquer reparo, não resultando da decisão recorrida qualquer “incorreções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância ou na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena.!” II. Relativamente à ponderação da aplicação ao caso concreto das penas substitutivas , como seja a suspensão de execução da pena: entendemos igualmente , que as necessidades de prevenção geral , a que se aliam neste caso concreto as especiais , considerando o alheamento do comportamento do arguido imediatamente após o acidente quer no momento imediato posterior ( o que não olvidamos estava condicionado pelo efeito do álcool) quer no período temporal que mediou entre o evento e o inicio do julgamento , , tendo decorrido dois anos sem que o arguido tenha optado por um comportamento proactivo no sentido da reparação juto dos familiares da vitima, havendo em nosso entendimento que acrescentar que a circunstância d e o arguido trabalhar fora do território nacional , não facilitaria a concretização daquela medida, entendemos que relativamente a ea questão suscitada em sede de recurso, a decisão recorrida não merece reparo, sufragando as razões de direito apontadas na resposta do Ministério Publico o de 1º instância. III. Já no tocante à ponderação efectuada na decisão recorrida relativamente à aplicabilidade ou não do regime de permanência na habitação previsto no artigo 43º do Código Penal, já não seguimos o decidido, pela seguinte ordem de razões que brevemente explanaremos: O arguido requereu a realização de audiência na sua ausência merce da circunstância de estar a trabalhar em ... e ai residir nos termos do disposto no artigo 334º n.º 2 e 4 do CPP , o que foi deferido. O tribunal na ponderação que se lhe impõe relativamente à aplicação das penas substitutivas bem como à execução da pena de prisão escreve: C. DO REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO A maioria da jurisprudência e doutrina tem defendido que o regime de permanência na habitação constituiu, atualmente, ao contrário do que acontecia anteriormente, não apenas uma mera pena de substituição, mas também um incidente de execução da pena de prisão9, significando isto que pode ser aplicada quer na sentença condenatória, como nos casos em que exista desconto nos termos dos artigos 80.º a 82.º e, ainda, nos casos de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento de multa de substituição. O regime de permanência na habitação encontra a sua previsão legal no artigo 43.º, do Código Penal que determina que: «1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos; (…) 2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas. (…)» A utilização de meios de controlo à distância, encontra-se regulada na Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro, exigindo-se, no artigo 4.º, o consentimento do arguido e das pessoas maiores de 16 anos que com o mesmo coabitem. São, assim, requisitos para a aplicação deste regime, nos termos do artigo 43.º do Código Penal: (i) que a pena de prisão aplicada não seja superior a dois anos; (ii) que exista um juízo de prognose favorável; (iii) que o arguido aceite; (iv) que as pessoas que com ele residam consintam. No presente caso, Considerando que o arguido não compareceu a nenhuma das sessões da audiência de julgamento, não foi possível obter o seu consentimento (que tem de ser prestado perante o juiz), pelo que, falta, desde logo, um dos requisitos à aplicação deste regime. Assim, entende-se que não estão reunidos os pressupostos para que o arguido cumpra com a pena de prisão a que foi condenado nos presentes autos, em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica. Pelo que, deverá o arguido cumprir a pena no estabelecimento prisional.” Constata-se desta leitura que o fundamento da não aplicabilidade daquele regime se fundamentou na circunstância de não ter sido possível ao tribunal ouvir o arguido no sentido de descortinar se este prestava ou não consentimento àquela aplicação. Está o Tribunal obrigado , relativamente à determinação da sanção à proactivodade necessária a fim de que pena a aplicar corresponda o mais fielmente possível às exigências de prevenção e à culpa do agente. Dispõe o tribunal de um mecanismo de reabertura de audiência previsto no artigo 371º do CPP, nomeadamente n,º 1 e 2. “Artigo 371.º Reabertura da audiência para a determinação da sanção 1 - Tornando-se necessária produção de prova suplementar, nos termos do n.º 2 do artigo 369.º, o tribunal volta à sala de audiência e declara esta reaberta. 2 - Em seguida procede-se à produção da prova necessária, ouvindo sempre que possível o perito criminológico, o técnico de reinserção social e quaisquer pessoas que possam depor com relevo sobre a personalidade e as condições de vida do arguido. 3 - Os interrogatórios são feitos sempre pelo presidente, podendo, findos eles, os outros juízes, os jurados, o Ministério Público, o defensor e o advogado do assistente sugerir quaisquer pedidos de esclarecimento ou perguntas úteis à decisão. 4 - Finda a produção da prova suplementar, o Ministério Público, o advogado do assistente e o defensor podem alegar conclusivamente até um máximo de vinte minutos cada um. 5 - A produção de prova suplementar decorre com exclusão da publicidade, salvo se o presidente, por despacho, entender que da publicidade não pode resultar ofensa à dignidade do arguido.” De acordo com o disposto no artigo 334º n.º 3 do CPP– “Nos casos previstos nos n.os 1 e 2, se o tribunal vier a considerar absolutamente indispensável a presença do arguido, ordena-a, interrompendo ou adiando a audiência, se isso for necessário.” Ou seja , em nosso entendimento, a fundamentação processual para a não aplicabilidade do regime de permanência na habitação, a saber a impossibilidade de obtenção do consentimento por parte do arguido mercê da circunstância de não ter comparecido às sessões de julgamento, não encontra na lei respaldo, porquanto: a) o arguido não foi perguntado directamente e concretamente relativamente a esta possibilidade, como impõe o artigo 43º n.º 1 do CPP; b) o tribunal não estava impedido de entender a presença do arguido como necessária àquela ponderação, ainda que tenha autorizado o arguido a não estar presente em julgamento, como decorre do disposto no artigo 334 n.º 3 do CPP. Aliás o tribunal determinou na fase da discussão a realização de relatório social. Estava ao seu alcance e impunha-se-lhe, mercê da obrigatoriedade de ponderação da aplicação das penas de substituição considerando o quantum da pena a que o tribunal chegou, a audição do arguido para aquele efeito. Se o mesmo comparecia ou não, seria mais um dado a considerar na ponderação. Entendemos assim que o tribunal, omitiu procedimento processual que estava ao seu alcance e que se lhe impunha, irregularidade que afecta o valor do acto praticado nos termos previstos no artigo 123º n.º 1 do CPP, e nessa medida incorreu em erro de direito na ponderação da verificação os pressupostos do artigo 43º do Código Penal. Entendemos que deverá ser determinada a reabertura de audiência, para as finalidades explanadas”. Foi cumprido o artigo 417, nº2 do CPP. Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência. * Da decisão recorrida (na parte relevante para efeitos do recurso): “III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Dos Factos Provados Com relevo para a causa, dão-se como provados os seguintes factos: Da Acusação 1. No dia .../.../2022, pelas 20H43, na ..., no sentido norte para sul, o arguido, AA, conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-UL-.., da marca Opel, apresentando uma taxa de álcool de, pelo menos, 2,527 g/l, correspondente à taxa de álcool no sangue de 2,66 g/l registada, deduzido o erro máximo admissível. 2. Naquele local existem duas vias de trânsito para cada sentido e, no decurso do seu percurso, o arguido, transpôs a linha contínua dupla ali existente, que separava o sentido de trânsito, passando a conduzir, em velocidade não concretamente apurada, na via da esquerda, em sentido oposto àquele que é permitido (em contramão). 3. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, no sentido de sul para norte, circulava a vítima, CC, que conduzia o motociclo de matrícula ..-ZR-.., da marca .... 4. E, entre o Km 4,9 e o Km 5,00 da referida estrada, devido ao arguido circular em sentido oposto ao legalmente estabelecido (em contramão), o arguido embateu com aquele automóvel violenta e frontalmente no motociclo conduzido pela vítima, que seguia na faixa de rodagem permitida, abalroando-o e projetando a vítima para fora do rail existente na berma da estrada. 5. Em consequência direta, necessária e adequada da supradescrita conduta do arguido, a vítima sofreu lesões traumáticas tóraco-abdominais e dos membros inferiores, conforme melhor descritas no relatório da autópsia médico-legal, as quais, pela sua gravidade e extensão, lhe provocaram a morte. 6. A força principal de impacto ocorreu no vértice anterior esquerdo do veículo conduzido pelo arguido e na parte frontal do motociclo conduzido pela vítima. 7. Na sequência desse embate, o veículo do arguido ficou imobilizado na faixa de rodagem da esquerda, em contramão, e o motociclo da vítima ficou imobilizado e junto do rail ali existente. 8. Aquando do embate, ambos os referidos veículos apresentavam regular estado de conservação. 9. No local do embate, a via configura uma reta com boa visibilidade, precedida de uma curva com boa visibilidade, em toda a extensão e largura, sem passeios, ladeada por uma berma pavimentada e sem obstáculos naturais. 10. A via tinha uma inclinação longitudinal ascendente para o automóvel do arguido e descendente para o motociclo de 3,5% e uma inclinação transversal favorável para ambos os veículos de 1%. 11. A via encontrava-se bem sinalizada, tendo o sinal vertical de proibição de exceder a velocidade máxima de 60Km/hora e o sinal vertical de proibição de ultrapassar veículos que não sejam velocípedes, ciclomotores de duas rodas ou motociclos de duas rodas sem carro lateral. 12. O pavimento, aglomerado asfáltico betuminoso flexível, encontrava-se em estado regular, sem anomalias, seco e limpo. 13. Inexistiam marcas de travagem. 14. O trânsito era nulo e fluía em ambos os sentidos. 15. Estava bom tempo. 16. O arguido sabia que antes de conduzir aquele automóvel ingerira bebidas alcoólicas capazes de provocar uma taxa de álcool no seu organismo superior a 1,2 g/l e que a condução de veículo motorizado na via pública, nessas circunstâncias, é proibida e punida pela lei penal e, ainda assim, livre, voluntária e conscientemente, conduziu o referido automóvel. 17. O arguido sabia igualmente que a quantidade de álcool que tinha ingerido diminuía a sua destreza na condução, afetava o seu sentido de orientação e reflexos, sabia que não estava em condições de conduzir o veículo em segurança e que, desse modo, criava perigo para a vida e para a integridade física de outrem, designadamente, dos condutores e passageiros dos veículos que consigo se cruzaram nas circunstâncias acima descritas. 18. Ao conduzir da forma supradescrita, sabendo que antes de iniciar a condução tinha ingerido uma quantidade de bebidas alcoólicas que impediam o discernimento e lucidez necessários ao exercício da condução rodoviária, o arguido revelou uma total e completa falta de cuidado que o dever geral de previdência aconselha e que podia e devia ter para evitar um resultado que, de igual modo, podia e devia ter previsto. 19. O arguido sabia que devia conduzir com toda a atenção, cuidado e perícia e em cumprimento das regras estradais, ainda assim, quis e conseguiu omitir o dever de cuidado que, de acordo com as suas probabilidades e circunstâncias, deveria ter tido e do qual era capaz, desrespeitando regras elementares de condução (conduzir tendo ingerido bebidas alcoólicas em excesso, transpor dupla linha contínua, conduzir em contramão), cujo cumprimento bem sabia ser-lhe exigível. 20. O descrito exercício da condução pelo arguido, olvidando os mais elementares deveres de precaução e cautela, determinou que o arguido não evitasse o acentuado perigo que desencadeou e o grave resultado que adequadamente causou-a morte de CC de esse perigo ser pessoalmente evitável, conforme seria para a generalidade das pessoas com as qualidades e as capacidades do arguido. 21. Conforme supradescrito, o arguido, livre, deliberada e conscientemente, com a sua conduta, provocou o acidente e, consequentemente, os ferimentos e as lesões corporais daí resultantes para CC, os quais, pela sua gravidade e extensão, determinaram a sua morte, sendo que, o arguido devia e podia ter previsto que com a sua conduta, que sabia não lhe ser permitida, podia causar a morte a qualquer pessoa, podendo ter adotado conduta adequada a evitar a morte assinalada. Mais se apurou que: 22. O arguido demonstrou à sua esposa arrependimento pelo ocorrido. 23. Em ........2024, o arguido compareceu perante uma psicóloga em ... por distúrbios de personalidade que perturbam as suas relações sociais e profissionais na sequencia de um choque traumático datado de ........2022. 24. O arguido requereu o julgamento na sua ausência, não tendo, por isso, comparecido, nem assumido os factos nem verbalizado ou demonstrado qualquer arrependimento, nomeadamente apresentando um pedido de desculpas aos familiares da vítima. 25. Após o embate, o pneu dianteiro esquerdo da viatura conduzida pelo arguido saltou, não tendo o arguido imobilizado a mesma, existindo marcas de arrastamento. Das Condições Pessoais e Socioeconómicas 26. AA encontra-se a trabalhar no sul de ... há cerca de 5 anos. 27. Contudo, sempre que regressa à ..., reside com a cônjuge e os dois filhos, em casa própria, sendo o relacionamento descrito pelos elementos do casal como favorável e de entre ajuda. 28. Quando na ..., AA reside com o agregado nuclear, em casa própria, a qual dispõe das infraestruturas básicas de habitabilidade. Em ..., reside num quarto de um hostel. 29. Possui o 9.º ano de escolaridade. 30. Sempre trabalhou na área da construção civil, é ..., as alterações sucediam por melhores condições profissionais, com exceção da anterior empresa, em que foi despedido, por faltar com frequência, alegando motivos de doença. 31. AA é ..., desenvolvendo trabalho em ..., numa nova empresa, onde iniciou atividade no presente mês de ..., com contrato de trabalho a termo certo. 32. Descreve uma situação laboral normativa, encontrando-se satisfeito com o trabalho que realiza. 33. O arguido aufere, mensalmente, a quantia de 1820,00 €, sendo que envia mensalmente cerca de 1.000,00€, para a manutenção do agregado nuclear, despendendo 500,00 € mensais para pagamento do seu quarto em .... 34. AA quando se desloca à ..., passa maioritariamente o tempo em casa com a família. 35. Quando sai, refere que é ameaçado, quer o próprio quer a família, sentido receio de sair à rua, face à situação do processo. Conta com o apoio da família nuclear e alargada. 36. Relativamente à data dos factos constantes nos autos o tempo do arguido era passado com a família nuclear e alargada e com passeios frequentes pela ilha e mantinha boas relações de vizinhança. 37. O arguido descreve um estado depressivo, desde a data dos factos descritos nos presentes autos, tendo recorrido a apoio psicológico. 38. É ainda, devido à sua situação de saúde, que se perceciona depressivo, visível em contexto de entrevista, mencionando ter sido despedido do anterior emprego, por se ausentar com frequência, por não se sentir bem. 39. Indica ainda, ter ido á urgência hospitalar, mais do que uma vez, com crises de ansiedade. 40. Relativamente à data dos factos constantes nos autos mantinha uma vida normativa, sem ter de recorrer à apoio psicológico. 41. AA refere forte impacto na sua vida pessoal e familiar, deslocava-se à ... quatro vezes ao ano, situação que se alterou, sentindo receio quando se encontra na ilha. 42. Refere que não voltou a conduzir, nem a consumir bebidas alcoólicas, encontrando-se depressivo e menciona que não consegue dormir. 43. A cônjuge do arguido, confirma a presente situação, revelando que toda a família está a sofrer com o presente processo. 44. AA consegue colocar-se no lugar do outro, respeitando os sentimentos dos outros, com reconhecimento do dano. 45. O casal revela receio quanto ao desfecho dos presentes autos, mencionando que os filhos, sentem a mesma pressão. 46. O arguido refere-se depressivo e ansioso e, paralelamente receoso quanto ao desfecho do processo. 47. AA revela consciência crítica face a ilícitos semelhantes aos descritos nos presentes autos, com reconhecimento do dano e encontra-se disponível para cumprir o que for determinado. 48. Este é o primeiro contacto do arguido, com o sistema de justiça. 49. Da articulação com a ..., não constam outros processos em nome do arguido. 50. O arguido viaja periodicamente à .... Dos Antecedentes Criminais 51. O arguido não tem antecedentes criminais registados. (…) V. DA MOLDURA DA PENA A APLICAR Dispõe o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal que a aplicação das penas visa tanto a proteção do bem jurídico (prevenção geral) como a reintegração do agente na comunidade (prevenção especial). No que diz respeito à medida concreta da pena, a mesma tem que ser aferida de acordo com os critérios presentes no artigo 71.º do Código Penal, devendo, a fixação da pena, ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. Os critérios para aferir a medida concreta da pena são, pois, a culpa e a prevenção. O primeiro fornece o limite máximo da pena que ao caso cabe aplicar, o qual não pode nunca ser excedido, sob pena de se denegar o fundamento último de toda e qualquer punição criminal e que é a dignidade humana, conforme disposto no artigo 40.º, nº 2 do Código Penal. Sendo, depois, razões de prevenção geral, de integração, e especial, de socialização, que condicionam a medida final e concreta da pena. Quanto às exigências de prevenção, estas subdividem-se em duas: a prevenção geral e a prevenção especial. Relativamente à prevenção geral, importa referir que toda a pena abstrata serve finalidades de prevenção geral de intimidação. Ou seja, a ameaça da pena, como tal, constitui um elemento dissuasor da prática do crime. Para além disso, a pena tem também como função, no âmbito da prevenção geral, a confirmação da validade e atualidade da norma incriminatória, e da consequente tutela da confiança da comunidade na sua vigência, restabelecendo-lhe a paz jurídica. Assim, o mínimo na moldura penal abstrata corresponde ao que é imprescindível à estabilização das expectativas da comunidade na validade da norma violada e o máximo refere-se à culpa que o agente consente. Será dentro desta baliza que se satisfarão, quanto possível as necessidades de prevenção especial ou de socialização que têm um sentido pedagógico e ressocializador do agente. Em resumo: as exigências de prevenção geral fixam a moldura penal abstrata aplicável ao caso e as exigências de prevenção especial permitem a determinação da medida concreta da pena, dentro daquela moldura abstrata. Para além disso, nos termos do artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal, a pena não pode ultrapassar a medida da culpa. Dentro dos parâmetros gerais mencionados anteriormente, a pena concreta terá de fixar-se de acordo com o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, isto é, para a determinação da medida concreta da pena, o tribunal tem de atender a todas as circunstâncias que sejam favoráveis e desfavoráveis ao arguido. No presente caso, As necessidades de prevenção geral são elevadas, pois importa acautelar a segurança rodoviária, no sentido de prevenir a ocorrência de sinistros que colocam em risco a vida de quem se desloca nas estradas Portuguesas. Com efeito, «... tem taxas elevadíssimas de mortalidade estradal devido, sobretudo a comportamentos negligentes e temerários na condução. Os acidentes rodoviários com consequências graves (mortes e feridos graves) constituem um grave problema de saúde pública e uma causa relevantíssima de morte. Vejam-se as estatísticas divulgadas pela ANSR in www.ansr.pt, segundo as quais, no ano de ... (ano do acidente) registaram-se 35.704 acidentes com vítimas, dos quais resultaram 626 vitimas mortais, duas das quais resultantes da conduta do Arguido, e 2.168 feridos grave, uma das quais resultante da conduta do Arguido. Ainda de acordo com tais estatísticas, no ano de ... foram registadas 661.799 infrações por excesso de velocidade e 28.595 por excesso de álcool no sangue. No ano de ... de acordo com as estatísticas divulgadas pela ANSR in www.ansr.pt registaram-se 34.275 acidentes com vítimas, dos quais resultaram 473 vítimas mortais e 2.436 feridos grave. Bem como, foram registadas 876.854 infrações por excesso de velocidade e 34.479 por excesso de álcool no sangue.»8 Relativamente às necessidades de prevenção especial, as mesmas afiguram-se reduzidas pois o arguido tem 43 anos, não tem antecedentes criminais registados e apresenta inserção social, familiar ou profissional. O grau de ilicitude dos factos é elevado considerando que conduziu com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 2,527 g/l, correspondente à taxa de álcool no sangue de 2,66 g/l registada, deduzido o erro máximo admissível, que conduziu em contramão, tendo embatido no motociclo da vítima provocando-lhe a morte, não tendo a vítima contribuído para o agravamento do risco ou consequências. Mais, aquando do acidente, o arguido não travou, tendo a sua viatura se imobilizado após o pneu rebentar, sendo que no local existiam sinais de arrastamento do seu veículo, o que significa que o arguido tentou circular com a sua viatura após o embate, apenas não o tendo conseguido porque ficou sem um pneu. A intensidade da culpa é elevada, tendo o arguido agido com negligência grosseira. Quanto aos sentimentos no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, não se apurou nenhuma factualidade a este respeito pois que o arguido não compareceu à audiência de julgamento. No que respeita à conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, o arguido ingeriu bebidas alcoólicas em momento anterior à condução, não se apurou qualquer comportamento do arguido no sentido de reparar o crime, o arguido não compareceu à audiência de julgamento, não admitiu os factos, não verbalizou qualquer pedido de desculpa, não demonstrou qualquer postura humilde e manifestamente marcada pelo peso das consequências da sua atuação. É certo que a sua esposa disse que o mesmo estava arrependido e que o arguido estará a ser acompanhado em termos psicológicos por esta situação, todavia, em Tribunal, não a logrou demonstrar de forma a exteriorizar um arrependimento sincero. Note-se que de acordo com o relatório social o arguido viaja periodicamente à ... e não se dignou a compareceu nem uma única vez em Tribunal (nem que fosse para pedir desculpa aos familiares da vítima). Após o embate e quando conversou com a polícia questionou-o sobre quem iria pagar os danos causados na sua viatura automóvel, o que revela um total alheamento ao ocorrido, no momento. Por fim, as condições pessoais do arguido e a sua situação económica, que resultaram provadas nos factos provados n.ºs 26 a 50, onde ressalta a sua inserção a todos os níveis. Assim, ponderando os fatores suprarreferidos, afigura-se-nos adequado e suficiente aplicar ao arguido, a pena de 2 (dois) anos de prisão, sendo que o crime em causa é punido apenas com pena de prisão, no mínimo de um mês e no máximo cinco anos (cf. artigos 41.º e 137.º, n.º 2, do Código Penal). V. DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE PRISÃO Tendo-se determinado a aplicação, no caso concreto, de uma pena de prisão, importa agora verificar se tal pena de prisão pode ser objeto de substituição e, em caso afirmativo, determinar a sua medida. exigindo-se que o tribunal fundamente sempre quer a sua aplicação quer a sua recusa. A temática das penas de substituição teve a sua origem num movimento de luta contra a pena de prisão, daí que estas penas tenham um caráter não detentivo, sendo cumpridas em liberdade. Assim, impõe-se agora analisar da viabilidade da aplicação, no caso concreto, de uma pena substituição. Das diversas penas substitutivas previstas no Código Penal, atendendo ao tipo de crime e à pena concretamente aplicada, é apenas possível ponderar-se a prestação de trabalho a favor da comunidade e a suspensão da execução da pena de prisão. Com efeito, a pena de multa substitutiva exige que ao caso não seja aplicada uma pena de prisão superior a um ano; a pena de proibição do exercício de profissão, função ou atividade, públicas ou privadas, embora abstratamente aplicável, atendendo à moldura concreta da pena, não é aplicável no caso, uma vez que o crime não foi praticado no âmbito de exercício de profissão, atividade ou função. A. DA PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE O artigo 58.º, n.º 1 do Código Penal prevê a substituição da pena de prisão não superior a dois anos por prestação de trabalho a favor da comunidade, mediante o preenchimento de três requisitos: (i) que o arguido tenha sido condenado em pena de prisão não superior a dois anos; (ii) que exista um juízo de prognose favorável; (iii) que o arguido aceite a aplicação de tal pena substitutiva. No caso, Verifica-se que ao arguido foi aplicada uma pena de dois anos de prisão, pelo que, se encontra preenchidos um dos três requisitos de aplicação desta pena. O arguido não requereu a aplicação desta pena substitutiva nem a mesma foi proposta pelo tribunal, porquanto, desde logo, o arguido se encontra emigrado, o que inviabilizaria a aplicação desta pena, como também se entende que a mesma não é suficiente para que o arguido interiorize o desvalor da sua conduta. Com efeito, o arguido em momento algum assumiu a sua responsabilidade nem demonstrou o seu arrependimento pelo sucedido, apresentado, ao invés, uma postura de desinteresse ao não comparecer em Tribunal. É certo que se poderá dizer que está emigrado ou que tem receio de comparecer em Tribunal com medo de represálias dos familiares da vítima, mas a verdade é que a audiência de julgamento contou com quatro sessões, que decorreram ao longo de vários meses e o arguido poderia ter comparecido em, pelo menos, uma delas, mas não o fez. Por outro lado, o Tribunal já teve vários arguidos emigrados e que compareceram às audiências de julgamento, pelo que, a emigração por si só não é fundamento para justificar a ausência. O receio de represálias é injustificado considerando que o arguido iria comparecer em Tribunal, um local seguro e, se houvesse esse receio justificado, o Tribunal sempre poderia solicitar a presença de força policial para assegurar a segurança de todos os presentes. Além disso, o Tribunal não ignora que o arguido se desloca periodicamente à ..., conforme resulta do relatório social, logo, o receio é incompreendido. Pelo que, entende-se não estar preenchido o terceiro requisito. Como tal, não se aplica a presente pena substitutiva. * B. DA SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO Ora, atendendo à pena concreta aplicada ao caso concreto e face ao já exposto quanto às restantes penas substitutivas, não resta, conforme se disse, senão ponderar da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão. Existem três modalidades de suspensão da execução da pena de prisão: (i) Simples, cf. artigo 50.º, n.º 1, do referido Código; (ii) Subordinada ao cumprimento de: a. Deveres, cf. artigo 51.º do mencionado diploma legal; b. Regras de conduta, cf. artigo 52.º; (iii) Com regime de prova, cf. artigo 53.º. Assim, cumpre averiguar se, no caso, estão verificados os pressupostos de aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão. Nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal: «[o] tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.» Para que o tribunal possa suspender a execução da pena de prisão, é, assim, necessária (i) que a pena aplicada ao caso não seja superior a 5 anos; e (ii) a realização de um juízo de prognose favorável relativamente à conduta futura do arguido, reportada ao momento da decisão. As razões por detrás deste juízo de prognose favorável prendem-se com a prevenção especial. O Tribunal só deverá decretar a suspensão quando julgar conveniente, após concluir que atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida e às finalidades da punição, que essa solução é adequada a afastar o arguido da criminalidade, na esperança de que este veja tal sanção como uma advertência que o inibe de cometer outros crimes no futuro. Cumulativamente com a suspensão simples pode o tribunal impor ao agente o cumprimento de deveres e de regras de conduta ou até sujeitá-lo a regime de prova. Determina o artigo 51.º, n.º 1, do Código Penal, os deveres impostos são destinados a reparar o mal do crime e podem consistir: (i) no pagamento ao lesado, dentro de um determinado prazo, de uma indemnização; (ii) dar ao lesado uma satisfação moral adequada; (iii) entregar a instituições de solidariedade social ou ao Estado, uma contribuição monetária ou prestação de valor equivalente. Por sua vez, no artigo 52.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal, prevê-se regras de conduta que visam promover a reintegração do arguido na sociedade e que se podem traduzir em: (i) residir em determinado lugar; (ii) frequentar certos programas ou atividades; (iii) cumprir determinadas obrigações; (iv) não exercer determinadas profissões; (v) não frequentar certos meios ou lugares; (vi) não residir em certos lugares ou regiões; (vii) não acompanhar, alojar ou receber determinadas pessoas; (viii) não frequentar certas associações ou não participar em determinadas reuniões; (ix) não ter em seu poder objetos capazes de facilitar a prática de crimes; (x) sujeição a tratamento médico ou cura em instituição adequada, mediante o consentimento prévio do arguido. Por fim, o tribunal pode, nos termos do artigo 53.º, do Código Penal, determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova se entender que tal é adequado e conveniente à promoção da reintegração do condenado na sociedade. Nos termos do n.º 2, do referido normativo legal, o regime de prova assenta num plano de reinserção social, que contém, de acordo com o disposto no artigo 54.º, n.º 1, do referido diploma legal, os objetivos de ressocialização a atingir pelo condenado, as atividades que este deve desenvolver, o respetivo faseamento e as medidas de apoio e vigilância a adotar pelos serviços de reinserção social. Tal plano pode incluir os deveres e regras de conduta suprarreferidos, nos termos do n.º 3, do referido artigo 54.º. No presente caso, O arguido tem 43 anos de idade, não tem antecedentes criminais, sendo que se encontra inserido ao nível social, familiar e profissional, tudo circunstâncias que abonariam à aplicação da presente pena substitutiva. Acontece que o Tribunal não pode ignorar a gravidade dos factos e as necessidades de prevenção geral envolvidas. Com efeito, morreu uma pessoa por culpa única e exclusiva da conduta do arguido, que em momento algum a assumiu nem demonstrou qualquer tipo de arrependimento nem realizou qualquer pedido de desculpa aos familiares da vítima. O arguido, após o embate e quando conversou com a polícia, questionou-o sobre quem iria pagar os danos causados na sua viatura automóvel, o que revela um total alheamento ao ocorrido, no momento. Mais, aquando do acidente, o arguido não travou, sendo que em virtude de o pneu da sua viatura rebentar é que a mesma se imobilizou, ainda que tenham existido no local sinais de arrastamento do mesmo, o que significa que o arguido tentou circular com a sua viatura após o embate, apenas não o tendo conseguido porque ficou sem um pneu. Os acidentes rodoviários, sobretudo devido à condução sob o efeito de álcool no nosso país, com consequências graves (mortes e feridos graves) constituem um grave problema de saúde pública. Crê-se que apenas a aplicação de uma pena de prisão efetiva se mostra suficiente para dar resposta à acentuada necessidade de reafirmação da confiança geral na validade da norma violada e nas instituições jurídico-penais. De facto, a segurança rodoviária, a vida e a integridade física causam alarme social e a mobilização da opinião pública, com necessidade de restabelecimento da confiança e expectativas comunitárias na validade da norma infringida. A prática destes factos e as exigências elevadas de prevenção geral numa situação em se provoca a morte de uma pessoa, que transita no seu motociclo, em cumprimento de todas as regras estradais (ao contrário do arguido que estava alcoolizado e conduziu em contramão), exige a pena de prisão efetiva, como um sinal mais forte de que sucessivos comportamentos como os que o arguido adotou não podem ser tolerados (sob pena da comunidade ver-se atraiçoada nos valores reclamados e protegidos pelas normas violadas no contexto em que ocorreram). É certo que o crime em causa é negligente, mas é uma negligência grosseira, pelo que, permitir que um condenado por este crime, em que não assumiu qualquer tipo de responsabilidade nem demonstrou arrependimento no Tribunal, não cumpra prisão efetiva, seria transmitir uma perigosa mensagem de benevolência, com claros prejuízos para a prevenção geral. O Tribunal não ignora as consequências que foram verbalizadas pelo arguido, em termos da sua saúde mental, em virtude do evento, aquando da elaboração do relatório social. Mas também não é alheio a que apenas em ........2024 (i.e., quase dois anos após o acidente e já após o início da audiência de julgamento) é que procurou apoio psicológico em ..., o que suscita dúvidas ao Tribunal sobre a efetiva repercussão do evento para o arguido. Mais, conforme parece resultar de tal relatório, o estado emocional do arguido parece dizer mais respeito à sua preocupação com o desfecho deste processo (está com receio do que lhe pode acontecer) do que propriamente ao evento (aquilo que efetivamente praticou). Reitera-se, o arguido em momento algum assumiu a sua responsabilidade nem demonstrou o seu arrependimento pelo sucedido, apresentado, ao invés, uma postura de desinteresse ao não comparecer em Tribunal. É certo que se poderá dizer que está emigrado ou que tem receio de comparecer em Tribunal com medo de represálias dos familiares da vítima, mas a verdade é que a audiência de julgamento contou com quatro sessões, que decorreram ao longo de vários meses e o arguido poderia ter comparecido em, pelo menos, uma delas, mas não o fez. Por outro lado, o Tribunal já teve vários arguidos emigrados e que compareceram às audiências de julgamento, pelo que, a emigração por si só não é fundamento para justificar a ausência, bem como já teve outras pessoas a serem julgadas por crime idêntico e que se dignaram a comparecer. O receio de represálias é injustificado considerando que o arguido iria comparecer em Tribunal, um local seguro e, se houvesse esse receio justificado, o Tribunal sempre poderia solicitar a presença de força policial para assegurar a segurança de todos os presentes. Além disso, o Tribunal não ignora que o arguido se desloca periodicamente à ..., conforme resulta do relatório social, logo, o receio é incompreendido. Ora, toda esta conduta do arguido leva-nos a crer que o mesmo não interiorizou o desvalor da sua conduta. É certo que verbalizou arrependimento à sua esposa, que o transmitiu em Tribunal, mas jamais o arguido verbalizou ou demonstrou esse arrependimento em Tribunal. Tal arrependimento demonstra-se por palavras e atos que, no caso, não ocorreram. A defesa da sociedade e de proteção eficaz dos bens jurídicos violados não são compatíveis com a mera ameaça da pena. A paz social reclama, pois, a sua reclusão. Crê-se, pois, que, em meio prisional, o arguido poderá vir a reencontrar-se com as regras de vivência em sociedade e de acordo com o Direito, fazendo assim, a sua reabilitação. Em face de todo o exposto, entende-se que não é possível suspender a e execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado. C. DO REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO A maioria da jurisprudência e doutrina tem defendido que o regime de permanência na habitação constituiu, atualmente, ao contrário do que acontecia anteriormente, não apenas uma mera pena de substituição, mas também um incidente de execução da pena de prisão9, significando isto que pode ser aplicada quer na sentença condenatória, como nos casos em que exista desconto nos termos dos artigos 80.º a 82.º e, ainda, nos casos de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento de multa de substituição. O regime de permanência na habitação encontra a sua previsão legal no artigo 43.º, do Código Penal que determina que: «1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos; (…) 2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas. (…)» A utilização de meios de controlo à distância, encontra-se regulada na Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro, exigindo-se, no artigo 4.º, o consentimento do arguido e das pessoas maiores de 16 anos que com o mesmo coabitem. São, assim, requisitos para a aplicação deste regime, nos termos do artigo 43.º do Código Penal: (i) que a pena de prisão aplicada não seja superior a dois anos; (ii) que exista um juízo de prognose favorável; (iii) que o arguido aceite; (iv) que as pessoas que com ele residam consintam. No presente caso, Considerando que o arguido não compareceu a nenhuma das sessões da audiência de julgamento, não foi possível obter o seu consentimento (que tem de ser prestado perante o juiz), pelo que, falta, desde logo, um dos requisitos à aplicação deste regime. Assim, entende-se que não estão reunidos os pressupostos para que o arguido cumpra com a pena de prisão a que foi condenado nos presentes autos, em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica. Pelo que, deverá o arguido cumprir a pena no estabelecimento prisional”. * B) -Fundamentação: Impõe-se desde logo determinar quais são as questões a decidir em sede de recurso. “É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões(…)”], sem prejuízo da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal nas decisões finais (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95- O objeto do recurso está limitado às conclusões apresentadas pelo recorrente -cfr. Ac. do STJ, de 15/04/2010:). Assim, o conhecimento do recurso está limitado às suas conclusões, sem prejuízo das questões/vício de conhecimento oficioso. * Na situação concreta, são as seguintes as questões a decidir: -Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia; - Da pena concreta; - Da não suspensão da execução da pena de prisão; - Da aplicação do regime da permanência na habitação. *** Da nulidade da sentença: Alega o recorrente a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, no que tange à aplicação do regime de permanência na habitação. A nulidade da sentença está prevista no artigo 379, nº1 do CPP. Assim, é nula a sentença: “a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F; b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º; c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Há omissão de pronúncia quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. Tal acontece quando o Tribunal não conhece de questões suscitadas pelas partes ou de conhecimento oficioso. Assim, a pronúncia cuja omissão determina a nulidade da sentença tem de incidir sobre concretas questões. Contudo, como ensinava o Prof. Alberto dos Reis, a propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúncia, que “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CPC anotado). Logo, tal nulidade só ocorre quando a omissão cometida incide sobre questões essenciais/relevantes para a decisão a proferir. Como se escreve no ac. desta Relação de 10.1.2013 (in base de dados do igfej, processo 905/05.2JFLSB.L1-9) “ I – Quando o tribunal não dá como provados ou não provados factos relevantes alegados na acusação, no pedido cível ou na contestação, o vício de que padece é o de nulidade por omissão de pronúncia (art.º 379º/1-c) do CPP) e não o de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art.º 410º/2-a) do CPP)”. No mesmo sentido decidiu o acórdão do STJ de 14/05/2008, relatado por Maia Costa, in www.gde.mj.pt, processo 08P1130, de cujo sumário passamos a citar: “…I - Numa situação em que o Tribunal da Relação considerou a prova insuficiente relativamente a dois dos crimes pelos quais o arguido foi condenado, absolvendo-o dos mesmos, mas sem que previamente procedesse à fixação (definitiva) dos factos provados e não provados – operação que antecedia a decisão sobre a absolvição do recorrente, pois a decisão em matéria de direito é, no iter decisório, necessariamente subsequente à fixação dos factos –, é nulo o acórdão proferido por aquele Tribunal, por omissão de pronúncia sobre a matéria de facto (art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP) posta em causa no recurso interposto pelo recorrente, e que à Relação competia estabelecer em definitivo, por força do art. 428.º do CPP”. Tem entendido a jurisprudência que quando o Tribunal omite o dever de se pronunciar sobre as penas de substituição, quando verificados os requisito formais, incorre a sentença na nulidade prevista no artigo 379, nº1, a.c) do CPP. Esta não é, contudo, a situação dos autos. Na situação concreta, o Tribunal pronunciou-se sobre as penas de substituição, nomeadamente sobre a aplicação do regime de permanência na habitação. Assim, a este respeito, consta da sentença recorrida: “Considerando que o arguido não compareceu a nenhuma das sessões da audiência de julgamento, não foi possível obter o seu consentimento (que tem de ser prestado perante o juiz), pelo que, falta, desde logo, um dos requisitos à aplicação deste regime. Assim, entende-se que não estão reunidos os pressupostos para que o arguido cumpra com a pena de prisão a que foi condenado nos presentes autos, em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica. Pelo que, deverá o arguido cumprir a pena no estabelecimento prisional”. Afasta a sentença recorrida o regime de permanência na habitação pelo facto do arguido não ter comparecido em audiência e, como tal, não ter sido obtido o seu consentimento perante o Juiz. A nulidade da sentença por omissão de pronúncia respeita apenas ao não conhecimento da questão e não aos argumentos utilizados. No caso concreto, a sentença recorrida pronunciou-se, expressamente, sobre a aplicação do regime de permanência na habitação, afastando-o com o argumento de não se encontrar verificado um dos pressupostos formais. Como tal, inexiste qualquer nulidade por omissão de pronúncia. Cumpre, contudo, apreciar uma questão: Dispõe o artigo 43 do CP que: “ 1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos; b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º; c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º. Estamos perante, não só uma forma de execução da pena de prisão, mas, ainda, na presença de uma pena de substituição. São pressupostos formais do regime de permanência na habitação: - A condenação do arguido numa pena de prisão em medida não superior a dois anos; - A prestação do consentimento por parte do arguido. A estes pressupostos acresce um pressuposto material, que se traduz na circunstância de tal pena de substituição ter de realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Na situação concreta, o Tribunal a quo afastou a aplicação deste regime pela não verificação de um pressuposto formal, ou seja, pelo facto de não ter sido obtido o consentimento do arguido, não analisando o pressuposto material. Acontece que, dos autos não resulta qualquer impossibilidade na obtenção desse consentimento. Não olvidamos que o arguido requereu o julgamento na ausência, nos termos do artigo 334, nº2 do CPP, alegando motivos profissionais. Tal requerimento mereceu deferimento por parte do Tribunal que determinou a realização da audiência de julgamento na ausência do arguido, nos termos do artigo 334, nº2 do CPP. Como bem refere, a Ex. PGA no seu parecer, de acordo com o nº3 do artigo 334º do CPP: “nos casos previstos nos n.ºs 1 e 2, se o tribunal vier a considerar absolutamente indispensável a presença do arguido, ordena-a, interrompendo ou adiando a audiência, se isso for necessário”. Assim, e obrigando o artigo 43, nº1 do CP o consentimento do arguido para a aplicação do regime de permanência na habitação, deveria o arguido ter sido confrontado com tal possibilidade, impondo-se ao Tribunal a quo o uso do mecanismo do artigo 334, nº3 do CPP, como bem refere a Ex. PGA no seu parecer. E não se argumente que o arguido mostrou desinteresse quanto ao destino dos presentes autos pelo facto de não ter comparecido em audiência de julgamento. Como referido, o arguido no âmbito de um direito que lhe assiste, alegando motivos profissionais e a circunstância de residir no estrangeiro, requereu o julgamento na ausência, o que lhe foi deferido pelo Tribunal, não cabendo ao arguido efetuar um juízo sobre a eventual pena que lhe venha a ser aplicada. Ora, só estava o Tribunal a quo habilitado a decidir da aplicação do regime de permanência na habitação depois de confrontar o arguido com tal hipótese, com vista à obtenção do seu consentimento, não obstando a tal o facto do arguido ter residência em ..., uma vez que também possui casa própria na ..., onde residem o cônjuge e os filhos. Só pode o Tribunal concluir pela inexistência do pressuposto formal se o arguido, expressamente, não consentir na obrigação de permanência na habitação ou se o Tribunal, após diligenciar pela obtenção desse consentimento, não o conseguir, por motivos imputáveis ao arguido. Dispõe o artigo 410 do CPP que: “(…) 2- Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. O vicio da alínea a) do nº2 do artigo 410 (a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada) verifica-se quando a matéria de facto provada é insuficiente para suportar a decisão do Tribunal. O vício, do nº2, da al.a) do artigo 410 do CPP respeita aos factos dados como provados na decisão recorrida, e não à prova que fundamentou esses factos. Tal vício ocorre quando os factos dados como provados são insuficientes, tendo em conta as várias soluções plausíveis, para concluir nos termos constantes da decisão, nomeadamente para condenar ou absolver, ou para aplicar uma determinada pena ou outra. Tal, por norma, ocorre quando existe uma deficiente investigação do objeto do processo, faltando algo na matéria de facto, para a decisão a proferir. No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa, seja a proferida efetivamente, seja outra, em sentido diferente. “Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adoptada designadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objeto do processo, relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 69). No caso em análise não podia o Tribunal a quo afastar a aplicação do regime de permanência na habitação, com o argumento utilizado, sem, previamente diligenciar pela obtenção do consentimento, que não tem, necessariamente, de ser prestado perante o Juiz (artigo 43, nº1 do CP conjugado com o artigo 4º da lei 33/2010). A factualidade apurada não permite concluir pela inexistência do consentimento, nem pela impossibilidade de o obter. Como tal, deveria o Tribunal ter apurado, em julgamento, da existência, ou não, desse consentimento, facto esse essencial para a escolha da pena. Logo, padece a decisão recorrida do vício do artigo 410, nº2, al.a) do CPP, vicio esse do conhecimento oficioso. Acontece que não é possível suprir tal vício nesta instância, não só porque o consentimento é prévio à sentença, mas ainda pelo facto do Tribunal recorrido não se ter pronunciado sobre o requisito material para a aplicação do regime de permanência na habitação, ao afastar o mesmo pela ausência do requisito formal. Assim, necessário se torna ordenar o reenvio do processo nos termos do artigo 426 e 426-A do CPP. Contudo, o vício mencionado não envolve qualquer juízo sobre as questões da culpabilidade a que alude o artigo 368º do CPP, respeitando unicamente à pena a aplicar a que alude o artigo 369º do mesmo diploma. Assim, não estando em causa a produção de prova sobre a culpabilidade, mas apenas o apuramento de factos ou circunstâncias com vista à determinação da pena nada obsta a que seja o mesmo Juiz a reabrir a audiência (neste sentido ac. da RC de 22.3.2023, processo 509/20.0PCCBR.C1 Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 13.3.2003, proferido no Proc. 03P623, em que se fala em reenvio “atípico” em www.dgsi.pt.). De facto, não estamos perante um novo julgamento, mas perante uma reabertura da audiência, tendo toda a lógica que seja efetuada pelo mesmo Tribunal, tendo em conta, nomeadamente os princípios da continuação da audiência e da plenitude dos Juízes consagrados no art. 328º-A do Código de Processo Penal, não tendo aplicação, na situação concreta, o disposto no artigo 40º do CPP. Pelo exposto, deverá o mesmo Tribunal proceder à reabertura da audiência, para desta forma diligenciar pela obtenção junto do arguido do consentimento a que alude o artigo 43, nº1 do CP, necessário para a determinação da sanção a aplicar nos termos do art. 371º do Código de Processo Penal, com a posterior prolação de nova sentença. * Em face de tal fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas. C)- Dispositivo: Pelo exposto, acordam as juízas que compõem a 9º secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em determinar o reenvio dos autos à 1ª Instância para reabertura da audiência, relativo ao ponto mencionado e a prolação de nova sentença, em conformidade. Sem custas (arts. 513º a 515º do Código de Processo Penal). Notifique. Lisboa, 9 de outubro , de 2025 Ana Paula Guedes Maria do Carmo Lourenço Maria de Fátima R. Marques Bessa |