Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
271/25.0PALSB-A.L1-9
Relator: JOAQUIM MANUEL DA SILVA
Descritores: DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA
OBTENÇÃO DE PROVA ANTES DA CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
RECUSA DE DEPOIMENTO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PROCESSO EQUITATIVO
NULIDADE
ESTATUTO DA VÍTIMA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Sumário: (da responsabilidade do Relator)
1. Declarações para memória futura sem arguido: admitida em abstrato (art. 271.º CPP; art. 24.º EV; art. 33.º Lei 112/2009), mas exige contraditório efetivo; caso contrário, invalida a valoração em julgamento.
2. Art. 134.º CPP: a advertência de recusa de depoimento pressupõe “arguido”, não “suspeito”, só possível por interpretação extensiva quando o Ministério Público fundamenta essa opção.
3. Contraditório/Equidade: presença de defensor oficioso nomeado na hora não basta (art. 6.º CEDH) quando a DMF é única/decisiva.
4. Constituição de arguido: Omissão quando devida (arts. 58.º e 272.º CPP) gera nulidade do inquérito (art. 120.º, n.º 2, d) e pode inutilizar a DMF (art. 122.º).
5. Violência doméstica: Regime especial dificulta nova inquirição em julgamento, o que reforça exigência de garantias na DMF, que não se encontrando satisfeitas no caso, violam o princípio do contraditório e do processo equitativo.
6. Decisão: Recurso do MP improcedente; mantém-se o indeferimento da advertência do art. 134.º.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,

I. Relatório
No âmbito do inquérito n.º 271/25.O..., a correr termos no DIAP Regional de Lisboa – 2.ª Secção, investiga-se AA como suspeito da prática do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º do Código Penal, tendo como vítima a sua mãe, BB, melhor identificada nos autos.
O crime foi participado pela vítima em ...-...-2025.
Após avaliação de risco segundo a ficha NCD-1L, a autoridade policial concluiu tratar-se de risco médio.
Em ...-...-2025, o Ministério Público requereu a tomada de declarações para memória futura da vítima, ao abrigo do artigo 271.º do Código de Processo Penal, fundamentando o pedido essencialmente em três ordens de razões:
1. Evitar a revitimização da ofendida, a qual apresenta vulnerabilidade acrescida, atendendo ao agravamento das agressões e ao contexto familiar, o que impõe especiais exigências de proteção.
2. Preservar a prova, impedindo que o decurso do tempo prejudique a memória e a capacidade da vítima para relatar os factos com fidelidade.
3. Assegurar a produção da prova, considerando que, em situações de relação direta entre vítima e agressor (mãe e filho), é frequente que, com o passar do tempo, a vítima perca disponibilidade ou acabe por prestar depoimentos menos completos.
O Ministério Público requereu ainda que:
• a diligência fosse gravada em suporte audiovisual;
• o suspeito fosse dispensado de presença, nos termos do artigo 352.º, n.º 1, do CPP;
• fosse nomeado defensor ao suspeito, por se tratar de produção antecipada de prova.
O requerimento foi distribuído ao Juiz de Instrução Criminal do TIC de Lisboa, que o admitiu por despacho de ...-...-2025, nos termos propostos pelo Ministério Público.
A diligência foi designada para ...-...-2025. Apenas nessa data foi nomeado defensor oficioso ao suspeito, em regime de escala presencial. Nessa mesma ocasião, o Ministério Público promoveu que, tendo em conta a relação familiar (mãe e filho), fosse feita à vítima a advertência legal prevista no artigo 134.º do CPP.
O Juiz de Instrução indeferiu tal promoção, com fundamento na interpretação literal do artigo 134.º CPP, o qual prevê tais advertências apenas para o arguido, não para o suspeito.
Desta decisão foi interposto o presente recurso, ficando os autos a aguardar pronúncia superior.
Nas alegações, o Ministério Público sustentou que a produção antecipada de declarações encontra respaldo expresso:
• no artigo 33.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro (regime jurídico aplicável à violência doméstica);
• e no artigo 24.º da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro (Estatuto da Vítima).
Sublinhou que a finalidade é garantir especial proteção às vítimas, evitando a repetição de inquirições em diferentes fases do processo e prevenindo a revivência de factos traumáticos, suscetíveis de acarretar graves consequências psicológicas. Considera que a decisão recorrida inviabiliza este objetivo, uma vez que, sem as advertências legais, tais declarações não poderiam ser utilizadas em julgamento.
Não foram apresentadas contra-alegações.
A Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer.
Nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, a defensora oficiosa do suspeito veio pronunciar-se, considerando que não faria sentido a vítima deslocar-se ao tribunal, com as suas dificuldades de locomoção, para depois recusar prestar depoimento. Criticou a morosidade processual e a falta de proteção tanto da vítima como do suspeito, que alegadamente sofre de doença psiquiátrica, defendendo antes a utilização de mecanismos civis de proteção, como o estatuto de maior acompanhado.
Referiu ainda a Il. Defensora ao suspeito, e citamos, “Desconhece a Signatária se AA tem conhecimento de que os presentes autos correm termos, que o mesmo neles é visado e que o mesmo tem uma “Defensora”. Desconhece a Signatária se AA sabe que é Recorrido nos presentes autos e se tem conhecimento e compreende o que isso implica. A Signatária encontrava-se de escala presencial no Campus da Justiça, em Lisboa, quando foi chamada para intervir numa diligência para efeito de declarações para memória futura de uma Senhora com alguma idade, que se encontrava acompanhada por uma técnica por força de ter sido reconhecido que a mesma necessitava de alguns cuidados/atenção especiais, quando na audição da Senhora não foi permitida a recusa de depoimento, tendo a Digníssima Magistrada do Ministério Público deduzido oposição e recorrido da decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz”.
Pugnou por fim pela improcedência do recurso, que apenas se aplica a arguidos a advertência do art. 134.º do CPP, e +edil ainda e antes de mais pela constituição do suspeito de como arguido.
Por fim, foi aqui solicitada informação ao processo de inquérito sobre a eventual constituição de arguido. Em ...-...-2025 foi confirmado que os autos permanecem em investigação e que AA não foi ainda constituído arguido.
*
II – Fundamentação:
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
Quanto ao modo de delimitar o objeto do recurso, de acordo com a AUJ fixada no Acórdão 7/95 do Plenário das Secções do STJ de 19.10.19951, conclui a decisão que o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo, contudo, e é aqui que fixa o AUJ, também das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no n° 2 do artigo 410° do Código do Processo Penal.
Ora,
O Ministério Público interpôs recurso da decisão proferida na diligência de declarações para memória futura (artigo 271.º do CPP), que indeferiu a promoção no sentido de que a testemunha/vítima, BB, fosse advertida da faculdade de recusar o depoimento, ao abrigo do artigo 134.º, n.º 1, alínea a), do CPP, por ser mãe do suspeito, AA.
Fundamentou o M. Juiz a sua decisão, no essencial, da seguinte forma:
“Por não concordarmos com o entendimento do Ministério Público, por entendermos que destinatários da faculdade de recusar depoimento são as pessoas elencadas no art. 34. º,n. º 1, als. a) e b) do Código de Processo Penal, ligadas por um vínculo familiar ou análogo a quem é arguido e não mero suspeito, entendemos que no caso vertente, por não haver arguido constituído, não há que dar cumprimento ao disposto no art. 134.º, nº 1, al. a) do referido diploma legal.
(…)
Entendimento este que foi, igualmente, defendido no recente acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 04/06/2024, relatado pela Ex.ª Srª. Desembargadora Carla Francisco, proferida na sequência de um recurso intentado pelo Ministério Público de um despacho nosso em que se entendeu não dever ser dado cumprimento à advertência prevista no artigo 134.", n.º 2 do Cód. Processo Penal, com o fundamento de não existir arguido constituído (processo com o NUIPC 1141/23.1PALSB), entendimento que partilhamos, motivo pelo qual, neste particular, se indefere o promovido”.
Face à forma delimitar o objeto do recurso supra enunciada, e aqui o recurso é apenas de direito, e das conclusões do Ministério Público resultam no essencial a seguinte questão a apreciar:
• Tendo em conta o regime que vigora nas declarações para memória futura em situações de arguido não constituído, decidir se, neste caso concreto, realizada diligência de tomada de declarações para memória futura em processo no qual ainda não foi constituído arguido, deverá a testemunha ser advertida da faculdade de não depor concedida pelo art.º 134.º do CPP, dada a sua relação familiar, mãe e filho, com o suspeito já identificado.
Vejamos:
A questão suscitada neste recurso – como reconhece o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 424/2025, de 15 de maio de 2025 quanto a admissibilidade das declarações para memória futura2 – tem vindo a ser colocada com frequência crescente aos tribunais superiores, e a montante também de saber se, nas diligências de declarações para memória futura, deve ou não ser feita à testemunha a advertência prevista no artigo 134.º do CPP, considerando que a relação é com um suspeito, e não com o sujeito processual arguido, como consta do teor do citado normativo.
O regime legal das declarações para memória futura, previsto no artigo 271.º do Código de Processo Penal, bem como o regime especial aplicável ao crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º do Código Penal, estabelecem que a diligência, declarações para memória futura, pode, ou até deve ser ordenada. Contudo, ambos os regimes partem sempre do pressuposto de que já existe constituição de arguido nos autos de inquérito. Senão vejamos:
Artigo 271.º - Declarações para memória futura:
“1 - Em caso de doença grave ou de deslocação para o estrangeiro de uma testemunha, que previsivelmente a impeça de ser ouvida em julgamento, bem como nos casos de vítima de crime de tráfico de órgãos humanos, tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual, o juiz de instrução, a requerimento do Ministério Público, do arguido3, do assistente ou das partes civis, pode proceder à sua inquirição no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.
(…)
3 - Ao Ministério Público, ao arguido, ao defensor e aos advogados do assistente e das partes civis são comunicados o dia, a hora e o local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.
Depois tivemos a consagração especial quanto às declarações para memória futura também no Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei n.º 130/2015, de 04 de Setembro:
“Artigo 24.º - Declarações para memória futura
1 - O juiz, a requerimento da vítima especialmente vulnerável ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 271.º do Código de Processo Penal.
2 - O Ministério Público, o arguido, o defensor e os advogados constituídos no processo são notificados da hora e do local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.
(…)”.
E, igualmente, no Regime Jurídico Aplicável à Prevenção da Violência Doméstica, aprovado pela Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro:
“Artigo 33.º -Declarações para memória futura
1 - O juiz, a requerimento da vítima ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.
2 - O Ministério Público, o arguido, o defensor e os advogados constituídos no processo são notificados da hora e do local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.
3 - A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo a vítima ser assistida no decurso do ato processual pelo técnico de apoio à vítima ou por outro profissional que lhe tenha vindo a prestar apoio psicológico ou psiquiátrico, previamente autorizados pelo tribunal.
4 - A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida o Ministério Público, os advogados constituídos e o defensor, por esta ordem, formular perguntas adicionais.
5 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 352.º, 356.º, 363.º e 364.º do Código de Processo Penal.
6 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a declarações do assistente e das partes civis, de peritos e de consultores técnicos e acareações.
7 - A tomada de declarações nos termos dos números anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar.”
Também no que respeita às advertências previstas no artigo 134.º do Código de Processo Penal, a lei refere expressamente a existência de relação familiar com o arguido, não abrangendo a figura do suspeito, senão veja-se:
“Artigo 134.º - Recusa de depoimento
1 - Podem recusar-se a depor como testemunhas:
a. Os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os afins até ao 2.º grau, os adotantes, os adotados e o cônjuge do arguido;
(…).
Isto significa que, em nenhum dos preceitos que regulam o regime das declarações para memória futura (art. 271.º CPP), nem na norma que prevê a faculdade de recusa de depoimento (art. 134.º CPP), se contempla a possibilidade de extensão da respetiva aplicação à figura do suspeito.
Uma tal solução resulta de uma interpretação extensiva, que apesar de tudo, se encontra salvaguardada na admissão de uma interpretação extensiva - cf. art. 11.º do CC, aplicável em processo penal por força do art. 4.º do CPP.
Importa, no entanto, sublinhar que não está aqui em causa reapreciar a decisão que admitiu a diligência de declarações para memória futura — decisão essa que foi proferida e transitou em julgado.
A questão que agora se coloca consiste apenas em determinar se a decisão recorrida, ao recusar aplicar a advertência prevista no artigo 134.º do CPP, se mostra ou não conforme à lei, na interpretação extensiva que o Ministério Público defende, e a decisão recorrida indeferiu.
Com efeito, não pode esquecer-se que se trata de uma diligência cuja finalidade é a produção antecipada de prova a ser utilizada em julgamento. Por essa razão, para aferir da sua validade e eficácia processual, impõe-se uma apreciação integrada do regime, isto é, da articulação entre a disciplina das declarações para memória futura e o regime das advertências legais previstas no artigo 134.º do CPP.
Reforça este entendimento a constatação de que, em conexão direta com a presente matéria, tem sido amplamente debatido na jurisprudência dos tribunais superiores se o depoente que dispõe da faculdade de recusar o depoimento ao abrigo do artigo 134.º do CPP pode, ou não, em fase de julgamento, alterar a sua posição e manifestar a vontade de não depor.
Sobre esta questão, a jurisprudência tem-se dividido: alguns acórdãos sustentam que não é admissível essa alteração de posição, enquanto outros a consideram possível. A divergência tem sido de tal modo relevante que deu origem à instauração de um processo de uniformização de jurisprudência, encontrando-se pendente em fase de julgamento, na sequência da existência de decisões contraditórias — designadamente, um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa num sentido e outro do Tribunal da Relação de Coimbra em sentido oposto (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-09-2025)4.
Isto é, do AUJ a produzir, poderá nem sequer ser possível alterar ou dar sem efeito o teor do depoimento prestada em declarações para memória futura, reforçando-se assim que as garantias de defesa dadas ao suspeito sejam em tudo iguais às dadas ao arguido na fase das declarações para memória futura.
Neste sentido, o Tribunal da Relação de Lisboa já consagrou o entendimento das dificuldades constitucionais inerentes a esta situação, também à luz da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, no Acórdão de 07-11-2024, sumariado, na parte que aqui releva, nos seguintes termos:
“3. As declarações para memória futura podem ser realizadas sem que previamente haja constituição de arguido, mesmo que exista já um suspeito individualizado nos autos e não se verifiquem quaisquer especiais razões de urgência na feitura da diligência.
4. Esse procedimento, sendo formalmente válido no momento em que tem lugar, é problemático do ponto de vista do caráter equitativo do processo, avaliado este no seu conjunto, sobretudo quando as declarações para memória futura constituírem prova única ou decisiva e a testemunha não vier a ser ouvida em audiência de julgamento.
5. Isto porque, à luz do art.º 6º, nº 3, alínea d) da CEDH, uma das garantias mínimas do Arguido é a de «interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação», o que não se satisfaz com a presença, aquando das declarações para memória futura, de um(a) defensor(a) oficiosamente nomeado(a) ao denunciado ainda não Arguido, com quem este não pôde ter qualquer contacto prévio.
6. Esse direito de «interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação» tem com efeito de traduzir-se, em princípio, numa oportunidade real e efetiva, e não meramente teórica ou ilusória, de desafiar a prova contra si apresentada e, em particular, de testar a confiabilidade e a veracidade do depoimento produzido que o comprometa.
7. A valoração substantiva, em audiência de julgamento, das declarações assim prestadas, para ser conforme às exigências do processo equitativo, apenas pode ocorrer se a falta do devido contraditório tiver sido contrabalançada ao longo do processo por via de mecanismos que permitam uma adequada e justa avaliação da fiabilidade da prova em causa.
8. De entre estes fatores de reequilíbrio da equidade do processo, há a considerar os seguintes, para que aponta exemplificativamente a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos: (a) se o tribunal apreciou o depoimento com cautela e rigor, justificando de forma detalhada as razões pelas quais a testemunha lhe mereceu credibilidade; (b) se o depoimento foi registado em vídeo, de tal forma que todos os sujeitos processuais possam ter observado o comportamento da testemunha aquando da sua inquirição e formar a sua própria impressão sobre a respetiva credibilidade; (c) se existe prova corroborante provinda de pessoas a quem a testemunha não ouvida em audiência tenha reportado os eventos em discussão imediatamente ou pouco depois de os mesmos terem ocorrido; (d) se há outro tipo de provas, nomeadamente periciais; (e) se existe a descrição de eventos semelhantes por parte de outras testemunhas, particularmente se estas tiverem sido ouvidas em audiência; (f) se a Defesa teve a possibilidade de colocar questões à testemunha de forma indireta, por exemplo por escrito, no decurso do julgamento; (g) se o arguido teve a oportunidade de dar a sua própria versão dos factos e levantar quaisquer dúvidas sobre a credibilidade da testemunha ausente, apontando qualquer incoerência ou inconsistência do seu depoimento ou razões que possa ter para estar a mentir.”5
De fato, esse entendimento jurisprudencial tem sido de forma unânime afirmado nos arestos do TEDH, citando-se, a título de mero exemplo, os seguintes:
- Processo Al‑Khawaja e Tahery c. Reino Unido [GC], 15.12.2011 (n.os 26766/05 e 22228/06), que afirma que quando a condenação assenta, em medida ‘única ou decisiva’, em depoimento não sujeito a contraditório, devem existir ‘fortes fatores de compensação’ que garantam a equidade global do julgamento, enunciando um teste em três etapas para a utilização de depoimentos de testemunhas não inquiridas em audiência: (i) ‘razões válidas’ para a não comparência; (ii) se a prova foi ‘única ou decisiva’; (iii) existência de ‘suficientes fatores de compensação’. Violação declarada por inexistirem salvaguardas adequadas6.
- Processo S.N. c. Suécia, 02.07.2002 (n.º 34209/96), que afirma que em crimes sexuais contra menores, a proteção da vítima pode justificar a utilização de entrevistas videogravadas, desde que a defesa tenha oportunidade efetiva de colocar questões (direta ou indiretamente)7.
- Processo Lucà c. Itália, 27.02.2001 (n.º 33354/96), que afirma que “se uma condenação se basear exclusiva ou decisivamente em declarações feitas por uma pessoa relativamente às quais o arguido não teve oportunidade de interrogar ou as examinou durante a investigação ou durante o processo judicial principal, os direitos de defesa são limitados numa medida incompatível com os direitos do arguido garantidos pelo art. 6 CEDH”8.
Pode, pois, concluir-se que face ao artigo 6.º da CEDH, não havendo um contraditório material, mas sim meramente formal, tem-se entendido de forma unânime na jurisprudência do TRDH que estamos perante a violação do princípio equitativo e do respeito pelos direitos do arguido a uma defesa plena.
E foi precisamente este entendimento jurisprudencial que o Tribunal Constitucional veio recentemente consagrar no Acórdão n.º 424/2025, de 15 de maio de 2025, quando se pronunciou sobre a constitucionalidade da interpretação que admite o uso de declarações para memória futura mesmo em situações em que ainda não se encontra constituído arguido, mas apenas suspeito, em que o Ministério Público não fundamenta a opção de ainda não ter constituído arguido.
Embora tenha concluído pela não inconstitucionalidade dessa interpretação, o Tribunal colocou um conjunto de exigências reforçadas, sublinhando a necessidade de salvaguarda acrescida dos direitos de defesa.
Designadamente, afirmou o seguinte:
Porque «Ora, o núcleo essencial do contraditório reconduz-se, de acordo com a jurisprudência constitucional, ao facto de que “nenhuma prova deve ser aceite na audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efetiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar”. Com efeito, “não se garante uma defesa efetiva se não houver possibilidade real de serem contrariadas e contestadas todas as afirmações ou elementos trazidos aos autos pela acusação (v., entre outros, os acórdãos n.ºs 434/87, 172/92 e 372/2000, 279/2001, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt)»”.
Acrescentado depois ainda o aresto que “a omissão da constituição do suspeito como arguido no momento em que a lei o impunha (cf., designadamente, os artigos 58.º, n.º 1, alínea a), e 272.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, que estabelecem a obrigatoriedade de no inquérito se constituir e interrogar como arguido a pessoa contra a qual haja fundada suspeita da prática de um crime, salvo se não for possível notificá-la) constitui a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal, consubstanciada na insuficiência do inquérito por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios. Tal nulidade não pode deixar de afetar o ato de prestação de declarações para memória futura, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, por ter sido suprimida a possibilidade de o suspeito conhecido e o defensor que este escolheria estarem presentes. Este vício acarretará necessariamente a proibição da valoração das declarações prestadas9.”
E conclui “não julgar inconstitucional a norma extraída dos n.ºs 1 e 2 do artigo 24.º da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro, na interpretação de que o juiz de instrução pode proceder à tomada declarações para memória futura sem que exista arguido constituído e sem que o Ministério Público, enquanto requerente, afirme e substancie no requerimento as razões, do lado da investigação, da vítima e do suspeito (…)”.
Remete, assim, o Tribunal Constitucional a apreciação do eventual vício para a audiência de discussão e julgamento, não qualificando a situação como uma inconstitucionalidade decorrente de violação do princípio do contraditório. Reconhece, contudo, que tal vício existe, mas não de forma definitiva, precisamente porque considera que pode ser suscitado e sanado pela defesa em sede de julgamento.
Nesse sentido, afirma que a testemunha pode sempre ser novamente inquirida em audiência, o que permitiria suprir a fragilidade decorrente da posição deficitária dos direitos de defesa do arguido, que naquele caso ocorreu, como aqui, designadamente quanto à igualdade de armas na produção da prova antecipada, resultante de não ter ainda adquirido a qualidade formal de arguido, que poderia e deveria já ter.
Todavia, esta posição mostra-se altamente discutível.
Primeiro porque o regime especial criado quanto ao crime de Violência Doméstica, p.e.p. no art. 152.º do Código Penal, consagra limitações muito fortes de ser admitido um pedido de novo depoimento da vítima, como sumariou o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08-02-2023, no Processo 617/20.7GBMTJ.L1-310:
“III- Em processos de violência doméstica, por força do estatuto de vítima especialmente vulnerável, a que se reportam os artigos 87-A/1-b) do CPP e 2º-b) da Lei 112/2009, de 16/9, é aplicável o regime especial decorrente dos artigos 21º/2- d) e 24º/6 da Lei 130/ 2015 de 04/09, (Estatuto da Vítima) relativo à prestação de declarações para memória futura, segundo o qual as vítimas só deverão prestar depoimento em audiência de julgamento se tal for indispensável à descoberta da verdade e não puser em causa a respetiva saúde física ou psíquica. IV- As normas invocadas configuram um regime especial em natureza dos crimes acusados, por se tratar de normas contidas em lei especial com vigência posterior à lei geral, e portanto revogadora desta última no âmbito da respetiva previsão normativa (artigo 7º/2, do Código Civil).V- Nos termos da legislação aplicável a inquirição de vítimas de violência doméstica, em sede de audiência de julgamento, apenas é legalmente admitida em caso de necessidade, devidamente justificada por despacho prévio que justifique a diligência, sob pena de ser cometida uma irregularidade que afeta o valor do ato praticado. VI- A recusa a depor por parte vítima deste tipo de crime, que prestou declarações para memória futura, e, sem justificação, foi chamada a depor em audiência, está subtraída ao regime do nº 6 do artigo 356º/CPP, porque ao inquiri-la o Tribunal praticou uma irregularidade relevante, que afeta os termos subsequentes à mesma, ou seja, a validade da recusa em depor.”
Para além do regime especial que dificulta a mesma ser novamente ouvida em julgamento, e a sanação dos vícios processuais eventualmente praticados aquando da tomada de declarações para memória futura, temos ainda a tese defendida por diversos tribunais de que não é possível à testemunha retirar o consentimento em julgamento para depor.
De fato, como acima se fundamentou, vários tribunais têm entendido que não poderá sequer ser atribuída ao depoente familiar, em julgamento, a faculdade de alterar a sua posição, ainda que vise tutelar direitos constitucionais fundamentais: por um lado, o direito à proteção da família; por outro, a proibição da autoincriminação indireta, subjacente à legitimidade de retirar o consentimento para a utilização, em julgamento, das declarações previamente prestadas para memória futura.
Resta, pois, aguardar a forma como o Supremo Tribunal de Justiça irá enquadrar definitivamente esta questão no âmbito do processo de uniformização de jurisprudência em curso, admitindo ou não a solução que tem vindo a ser perfilhada pelo Tribunal Constitucional.
No fundo, entendemos — também tendo presente a posição assumida por vários tribunais superiores, que rejeitam a possibilidade de a depoente familiar alterar posteriormente a sua posição, após ter declarado, em sede de declarações para memória futura, a vontade de depor — desde que não esteja preenchidos todas as exigência de um pleno contraditório, neste quadro jurisprudencial, configura, a ser admitida nesses termos, desde logo uma inconstitucionalidade, por violação do princípio do contraditório.
E, a este respeito, importa recordar que, no aresto do Tribunal Constitucional já referido (Acórdão n.º 424/2025), foi precisamente esta a posição assumida no voto de vencido do Senhor Conselheiro Dr. Afonso Patrão, o qual fundamentou, em síntese, nos seguintes termos:
“A restrição do direito ao contraditório na tomada de declarações para memória futura tem de ser excecional e limitar-se ao necessário para garantir os propósitos pretendidos com a sua previsão (n.º 2 do artigo 18.º da Constituição). Perante medidas com a mesma eficácia na tutela de outros interesses, será constitucionalmente ilegítimo que o legislador plasme a opção mais restritiva dos direitos fundamentais, que assim configurará uma sua compressão desnecessária.
É o que aqui sucede. Ao invés de estabelecer que a tomada de declarações para memória futura de vítimas especialmente vulneráveis depende da constituição prévia de arguido ou da apresentação pelo Ministério Público, enquanto requerente, das razões pelas quais não constituiu o suspeito como arguido (medida igualmente eficaz e identicamente célere), o legislador optou por uma solução injustificadamente restritiva das garantias de defesa constitucionalmente consagradas. Permite-se a realização daquela diligência sem acautelar o direito ao contraditório na sua extensão possível nem possibilitar o exercício do direito fundamental à escolha do defensor, não se vislumbrando qualquer razão que o fundamente.
Em consequência, creio que a norma que permite a tomada de declarações para memória futura sem arguido constituído e sem que o Ministério Público apresente as razões para ter omitido a constituição do suspeito como arguido é incompatível com o disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 32.º da Constituição, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º.”11
Lembre-se ainda que o princípio do processo equitativo e o princípio do contraditório não se confinam à fase de julgamento, mas projetam-se igualmente sobre o inquérito e a instrução, com valor reforçado em virtude da sua função estruturante, naquilo que se apelida de vinculação temática, que é efetuada logo no inquérito, e que condiciona todas as demais fases do processo penal.
As declarações para memória futura, conquanto materialmente atos de inquérito, constituem igualmente antecipação de atos próprios das fases de instrução e de julgamento, com influência determinante sobre a formação da convicção do tribunal.
Sucede que uma recolha probatória deficiente na fase de inquérito compromete irremediavelmente a investigação, conduzindo potencialmente a uma acusação injusta, a uma pronúncia infundada e, em última análise, a uma condenação iníqua. É que as fases subsequentes operam já sobre a base indiciária fixada no inquérito, recebendo dela o seu condicionamento estrutural.
Deste modo, se a verdade material for descurada no inquérito, dificilmente poderá ser recuperada nas fases posteriores, pois podemos concluir de forma comum que aquilo que nasce inquinado dificilmente se endireita: “o que começa mal, tarde ou nunca se endireita”. Em tais circunstâncias, pode tornar-se muito difícil assegurar um processo equitativo.
Foi exatamente isso que ocorreu no presente processo, pelo que importa agora apreciar o que resulta em concreto (na vida destas pessoas) do caso sub judice:
O Ministério Público não procedeu à constituição do suspeito como arguido, sem apresentar qualquer fundamentação para tal opção — e, de facto, ainda hoje não o constituiu arguido, decorridos já quase nove meses desde a notícia do crime.
Ora, já existiam fortes indícios da prática do ilícito criminal em investigação, concretamente do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º do Código Penal, ao qual foi atribuída uma classificação de perigo GRAVE. Estes mesmos elementos foram expressamente invocados pelo Ministério Público para fundamentar o requerimento da diligência de declarações para memória futura.
Contudo, do ponto de vista da proteção da vítima, a não constituição do suspeito como arguido traduz uma violação do disposto no artigo 58.º do CPP, bem como do regime especial previsto para o crime de violência doméstica (art. 152.º do Código Penal), que deve ser interpretado em conjugação com os n.ºs 1 e 2 do artigo 58.º do CPP.
Com efeito, o Regime Jurídico Aplicável à Prevenção da Violência Doméstica, à Proteção e à Assistência das Suas Vítimas, aprovado pela Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, prevê um conjunto de medidas de proteção que pressupõem necessariamente a constituição do arguido, permitindo ao Ministério Público promover a aplicação das medidas de coação adequadas, para além do simples Termo de Identidade e Residência.
Este enquadramento legal foi expressamente desenvolvido pela Procuradoria-Geral da República, na Diretiva n.º 5/2019, de 4 de dezembro, que consagra um conjunto de boas práticas destinadas a enfrentar a especificidade deste crime de natureza emocional, familiar e continuada, sublinhando a necessidade de uma intervenção urgente — fixada em 72 horas — para quebrar a situação pré-existente e prevenir a escalada de violência, que tantas vezes culmina em homicídio da vítima.
A gravidade do fenómeno é ilustrada pela estatística recente: desde o início de 2025 já se registaram 13 homicídios relacionados com violência doméstica; em 2024 e 2023 contabilizaram-se 22 mortes em cada ano; e em 2022 o número foi de 28 vítimas mortais.
Este crime deve ser igualmente compreendido à luz da nossa condição de homo sapiens, espécie que, como mamífero, possui um cérebro estruturado em três níveis funcionais: o neocórtex (responsável pelas funções racionais e cognitivas superiores), o sistema límbico (associado às emoções e afetividade) e o chamado cérebro réptiliano (núcleo instintivo, ligado a respostas automáticas de sobrevivência, como o impulso de ataque ou de fuga) (MACLEAN, 1990).
De fato, sob efeito de stress intenso, os centros superiores — límbico e cognitivo — tendem a ser inibidos, passando o cérebro réptiliano a assumir o comando. Nessa condição, emergem comportamentos de natureza instintiva e primária, regulados pela lógica binária do “atacar ou fugir”, frequentemente associados a respostas violentas.
Podemos ainda concluir, à luz do que hoje a ciência consagra, que o comportamento humano é em grande parte inconsciente — estimando-se que cerca de 95 a 97% da atividade comportamental decorre de processos inconscientes, embora orientada por um objetivo consciente.
Como refere Rodrigo Fonseca, 12 “o processamento do nosso racional é de 40 impulsos neurais por segundo, enquanto o nosso inconsciente processa 40 milhões”. Esta afirmação inspira-se na obra de Tor Nørretranders (The User Illusion: Cutting Consciousness Down to Size, 1999), onde o autor distingue a capacidade de processamento de 11 milhões de bits/segundo a nível inconsciente contra apenas 40 bits conscientes.
No mesmo sentido, o Prof. António Damásio concluiu já na sua primeira obra, O Erro de Descartes: Emoção, Razão e Cérebro Humano (DAMÁSIO, 1995), que a emoção e os processos corporais instintivos desempenham um papel determinante na formação da razão, não podendo esta ser compreendida como totalmente autónoma ou independente.
Importa sublinhar que este tipo de ilícito reveste particular gravidade, não apenas pela sua dimensão objetiva, mas também pelo enquadramento comportamental e relacional dos seus agentes, na medida em que atinge o núcleo essencial da vida familiar e compromete a própria unidade psíquica e emocional do indivíduo — no seu relacionamento consigo mesmo e com os seus.
Trata-se, com efeito, de uma forma de violência de especial intensidade e periculosidade, ocorrendo em contexto de forte carga afetiva e emocional, onde se conjugam sentimentos ambivalentes de dependência, frustração e domínio. Esta natureza relacional confere ao crime um caráter de elevada complexidade, pois a agressão não se dirige apenas ao corpo da vítima, mas à própria estrutura simbólica de segurança e pertença que sustenta as relações familiares.
Caracteriza-se ainda por uma tendência de continuidade e de escalada, traduzida na cristalização de padrões comportamentais reiterados e progressivamente agravados, frequentemente enraizados em mecanismos inconscientes de controlo e subjugação. Tal dinâmica, pela sua natureza cumulativa e evolutiva, confere ao ilícito um grau acrescido de perigosidade e de dano, tanto para a vítima como para o equilíbrio familiar e social em geral.
Daí a consagração, pelo legislador, de um regime processual especial no domínio dos crimes de violência doméstica e demais formas de violência interpessoal. Tal regime visa não apenas a recolha e preservação da prova relativa a factos pretéritos — como sucede com as declarações para memória futura — mas, sobretudo, a prevenção da continuidade da atividade criminosa e a salvaguarda imediata da integridade física e psicológica da vítima.
Neste contexto, impõe-se a constituição imediata de arguido logo que surjam indícios minimamente consistentes da prática do crime, sob pena de se frustrar a tutela preventiva que a lei expressamente visa assegurar. Essa constituição não é um mero formalismo processual: é condição essencial para que possam ser ponderadas e aplicadas, em tempo útil, medidas de coação adequadas e proporcionais, para além do simples Termo de Identidade e Residência, as quais garantem a proteção efetiva da vítima e a preservação da paz familiar e social.
A atuação célere das autoridades judiciárias, através da constituição de arguido e da eventual aplicação de medidas restritivas, protege não só a vítima, mas também o próprio agente, impedindo que este ceda a impulsos de natureza instintiva ou reativa — respostas de tipo primário, por vezes descritas como de matriz reptiliana — que o conduzem à repetição de comportamentos violentos e à escalada de danos pessoais e familiares.
Paralelamente, essa intervenção precoce assegura as condições mínimas de um exercício efetivo dos direitos de defesa, permitindo um contraditório material equilibrado e garantindo, em última análise, a criação de bases para um processo de responsabilização e ressocialização do agressor, finalidade última da intervenção penal num Estado de direito democrático.
No caso em apreço, não foram cumpridas as estatuições legais e hierárquicas aplicáveis. Não obstante, pretende ainda o Ministério Público que a produção antecipada de prova, realizada nestas condições, seja admitida para posterior utilização em julgamento.
Ora, acresce que admitir tal solução poderia agravar a situação da própria vítima. Com efeito, o suspeito passaria a ter acesso à declaração prestada pela sua mãe, manifestando a vontade de depor contra ele, no âmbito das declarações para memória futura. Como terá acesso ao teor das declarações.
Este facto assume contornos particularmente gravosos considerando que vítima e suspeito vivem em coabitação, para além do suspeito alegadamente estar a atravessar um quadro psíquico e profissional difícil (situação de desemprego e historial de consumos de estupefacientes), circunstâncias estas que foram expressamente descritas pela própria mãe nas informações recolhidas pela OPC.
Naturalmente, o defensor nomeado ao suspeito terá acesso tudo o que ocorrer na declarações para memória futura, e na gestão dessa informação, no cumprimento dos seus deveres profissionais, desde logo os previstos no artigo 95.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), impõe-lhe que o transmita ao suspeito, atento que dispõe n.º 1 desse art., onde se estatui que “o advogado deve defender com zelo, dedicação, lealdade e competência os direitos e interesses que lhe sejam confiados”, acrescentando o n.º 2 que o advogado deve informar o cliente sobre a evolução da causa, bem como dos riscos e custos associados.
É precisamente isso que o defensor deverá fazer, a fim de preparar a defesa do suspeito (futuro arguido).
Contudo, esta situação coloca o defensor numa posição institucionalmente contraditória e dilemática. Por um lado, não lhe é possível exercer uma defesa verdadeiramente eficaz, já que não conhece a versão dos factos segundo o suspeito e teve, naquele momento, o primeiro contacto com o inquérito — circunstância que, poderia expressivamente ter afirmado, pelo revelou na resposta junta aos autos, e a fez sentir que “caiu ali de paraquedas”.
Sem dúvida que tal realidade compromete a efetivação de um contraditório material, reduzindo-o a um contraditório meramente formal.
Por outro lado, ao cumprir estritamente os seus deveres deontológicos de informação e aconselhamento ao patrocinado, o defensor pode acabar por contribuir involuntariamente para a exposição acrescida da vítima a novos atos de violência, em razão da proximidade relacional e da coabitação entre esta e o suspeito.
Resumindo, dir-se-á que a extensão neste caso concreto para “suspeito” cria, assim, uma zona cinzenta processual em que se opera um aparente reforço de garantias, mas com efeitos perversos, e que podemos enumerar da seguinte forma:
- não protege eficazmente a vítima, que continua exposta e sem medidas cautelares;
- não reforça a defesa substancial do investigado, que não presta declarações e não participa com a sua versão nos esclarecimentos a solicitar à depoente;
- não serve a verdade material, pois não confronta narrativas com um contraditório sempre formal, mais do certo numa nomeação realizada na própria diligência.
Ora, em crimes de violência doméstica, como já referido, tendencialmente permanentes ou continuados, o efeito desta leitura jurisprudencial é ainda mais grave:
- a vítima é forçada a depor contra alguém com quem continua a coabitar;
- o defensor transmite ao suspeito o conteúdo do depoimento;
- a ausência de medidas de coação agrava o risco de retaliação imediata;
- a advertência prevista no artigo 134.º do Código de Processo Penal, quando aplicada neste contexto, não visa proteger a liberdade da vítima, mas antes funciona como um meio de pressão antecipada, impedindo-a de exercer posteriormente o direito de recusa de depoimento que a lei lhe confere, sendo usada sem que exista ainda arguido constituído, apenas para prevenir a invocação futura dessa prerrogativa — finalidade, aliás, expressamente assumida na promoção do Ministério Público que requereu a diligência —, o que desvirtua a razão de ser da norma e constitui uma limitação indevida de um direito de proteção, em violação dos princípios do processo equitativo e do contraditório.
O resultado alcançado é, portanto, contrário ao desígnio da lei: em vez de se reforçar a proteção da vítima, acabam por agravar-se as condições de dano e de risco, convertendo-se uma medida concebida como protetora em verdadeiro fator de vulnerabilidade acrescida.
Dispõe o artigo 58.º, n.º 1, do CPP que “quem for chamado a prestar declarações na qualidade de suspeito, ou contra quem for dirigido ato processual que implique a sua audição, deve ser constituído arguido”.
No caso em apreço, está em causa a realização de uma diligência de prova destinada a ser utilizada em audiência de julgamento.
Ora, é certo que o artigo 53.º do CPP, ao consagrar as competências do Ministério Público enquanto titular do inquérito — “dirige a investigação e exerce a ação penal” —, lhe reconhece uma discricionariedade técnica, designadamente quanto ao momento adequado para a constituição do suspeito como arguido.
Contudo, essa discricionariedade não é absoluta, devendo ser exercida em conformidade com o equilíbrio constitucional entre, por um lado, a proteção da vítima, e, por outro, as garantias de defesa do arguido.
No caso sub judice, como se demonstrou supra, esse equilíbrio não foi observado, com sacrifício de ambos os bens jurídicos que o regime legal pretende tutelar.
De outro modo, e como se afigura no caso presente, a situação converte-se num fator de distorção processual, que simultaneamente fragiliza a tutela penal da violência doméstica, em particular a proteção da vítima, e configura uma violação grave do direito do arguido ao contraditório. A tudo isto acresce ainda o comprometimento da própria finalidade última do processo penal: a descoberta da verdade material.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 424/2025, designadamente o voto de vencido já supra citado, e ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07-05-2024, Proc. n.º 76/24.5SXLSB-A.L1-5, rel. Rui Coelho.13.
Embora se tenha também o entendimento que, por razões de tutela de outros direitos legalmente consagrados, designadamente os especiais de proteção da vitima, é admissível a aplicação da figura também a suspeitos, importa reconhecer que, admitindo-se a primeira, as declarações para memória futura, terá igualmente de se admitir a segunda, a advertência do art. 134.º CPP.
No entanto, neste quadro jurídico-factual, a excecionalidade da figura das declarações para memória futura e da advertência prevista no artigo 134.º do CPP relativamente a familiares do suspeito, dado que não tem qualquer respaldo na lei, exige para ser admitida esse equilíbrio com os princípios de um processo equitativo e a garantia de que há um pleno contraditório, o que, como já referido, aqui está muito longe de ter sido atingido.
Assim, a diligência em apreço, considerando todos os vícios supra demonstrados, e tendo ainda em conta o regime especial aplicável ao crime de Violência Doméstica, previsto no artigo 152.º do Código Penal e concretizado no Regime Jurídico de Prevenção da Violência Doméstica, aprovado pela Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro — regime este que, na prática, impossibilita que a testemunha possa ser novamente inquirida em sede de julgamento e que manifeste de forma eficaz a recusa a depor —, configura, nas condições concretas acima expostas, uma violação dos princípios estruturantes de um processo equitativo e do pleno contraditório previsto designadamente no seguintes normativos:
• Na Constituição da República Portuguesa (CRP): artigos 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 1, e 32.º, n.º 5;
• Na Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH): artigos 6.º, n.º 1, e 6.º, n.º 3, alíneas b), c) e d); e
• No Código de Processo Penal (CPP): artigos 32.º, 61.º, n.º 1, alíneas b) e c), 98.º, 327.º, n.º 2, e 340.º.
Assim sendo, conclui-se que não pode proceder a interpretação defendida pelo Ministério Público nas suas alegações de recurso, no sentido de estender ao suspeito a aplicação da advertência prevista no artigo 134.º do Código de Processo Penal, designadamente quando não se encontram garantidos, desde o inquérito, os direitos inerentes a um efetivo contraditório e a um processo equitativo. Tal interpretação, além de carecer de suporte legal, traduz-se numa inversão do sentido protetivo da norma e acaba por desproteger a própria vítima, como acima se demonstrou. Acresce que nada obsta a que a advertência, quando legalmente admissível, possa ser realizada ulteriormente, em sede de julgamento, fase em que eventuais vícios processuais poderão e deverão ser sanados, assegurando-se então a plenitude das garantias de defesa e de justiça material.
Tudo ponderado, conclui-se que não pode deixar de improceder o recurso interposto pelo Ministério Público, mas sim se impõe a confirmação da decisão recorrida.
III.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Criminal em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.
Não são devidas custas.

Lisboa, 9-10-2025
(Assinado eletronicamente pelo coletivo, e integralmente revisto pelo relator)
Joaquim Manuel da Silva
Ana Marisa Arnêdo (Declaração de voto)
Jorge Rosas de Castro (Voto vencido)
*
1.º Adjunto:
Declaração de voto
Votei a decisão, em suma, pelos seguintes motivos:
A prestação de declarações para memória futura, tratando-se de vítimas especialmente vulneráveis, tem por objectivo que essas declarações sejam tomadas em conta no subsequente e eventual julgamento.
Por assim ser, por se configurarem como uma antecipação do julgamento, deverá exigir-se que na tomada de declarações para memória futura seja, por regra, garantido o funcionamento do contraditório pleno e, outrossim, sequencialmente, a observância do arquétipo processual penal previsto para a fase de julgamento.
Só se assim for, estamos em crer, se obviará a que, posteriormente, na fase de julgamento se venha a suscitar, oficiosamente ou a requerimento, a pertinência e/ou a necessidade de reinquirição das testemunhas, com o inerente ónus da revitimização.
Todavia, o que se vem verificando é que o Ministério Público, invariavelmente e como ocorreu no caso dos autos, sem invocação de quaisquer circunstâncias justificativas, requer a realização da tomada de declarações para memória futura sem a prévia constituição de arguido, exigindo, concomitantemente, que na realização das mesmas sejam aplicáveis ao suspeito as regras processuais previstas para o arguido. Note-se, aquele concreto suspeito que o Ministério Público não constituiu como arguido, apesar de estarem reunidas as condições de identificação e localização e cuja omissão de constituição, fundada em putativas razões de discricionariedade táctica, não foi justificada ao Juiz de Instrução.
Vale por dizer que, a realização da tomada de declarações para memória futura, nestas requeridas circunstâncias, na ausência injustificada e propositada do contraditório pleno, compromete, ab initio e inexoravelmente, a utilidade e validade da diligência e defrauda a real natureza da tomada de declarações para memória futura, pois que, como é sabido, está em causa, tendencialmente, prova pré-constituída.
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28 de Janeiro de 2025, processo n.º 148/24.6GAENT-A.E1, in www.dgsi.pt., que: «I. As provas devem, por princípio, ser produzidos perante o arguido em audiência pública, sendo que as exceções a esta regra, como sucede nas declarações para memória futura (artigo 271.º, do CPP), não podem afetar os direitos de defesa.
II. As declarações para memória futura constituem produção de prova testemunhal, e poderão ser valoradas em julgamento.
III. Nos casos em que o inquérito corra contra pessoa não determinada – por o suspeito não estar ainda identificado – ou sendo conhecida a sua identidade, não tenha sido possível constituí-lo arguido, é admissível a recolha de declarações para memória futura.
IV. Podendo excecionalmente admitir-se a realização de tal diligência antes da constituição de arguido, nas situações em que o suspeito sendo conhecido e localizável, mas em que o MP, por razões de discricionariedade tática na investigação, opta por retardar o interrogatório e a constituição de arguido, se fundadamente se demonstrar ser proporcional e razoável sacrificar o respeito pelo princípio do contraditório pleno aos interesses da realização da justiça e descoberta da verdade material.
V. Sem tal ressalva, quando o suspeito é conhecido e localizável e não foi constituído arguido, propositadamente, para que não exerça os direitos que lhe são garantidos pelos artigos 18.º, § 2.º, 20.º, § 4.º e 32.º, § 5.º da Constituição e 6.º, § 1.º da CEDH, não podem produzir-se tais declarações».
Na verdade, não nos assolam dúvidas de que, «Sem grave quebra do princípio da lealdade, nem o Ministério Público, nem o órgão de polícia criminal, podem cair na tentação de omitir a constituição de arguido, retardando-a com o único propósito ou objectivo de, por este meio ardiloso, o arguido e o seu defensor (que aquele tem o direito de escolher - art.º 32.º, n.º3 da Constituição da República) serem afastados da produção antecipada de prova (...)»14.
«A restrição do direito ao contraditório na tomada de declarações para memória futura tem de ser excecional e limitar-se ao necessário para garantir os propósitos pretendidos com a sua previsão (n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).
(…) a tomada de declarações para memória futura sem arguido constituído e sem que o Ministério Público apresente as razões para ter omitido a constituição do suspeito como arguido é incompatível com o disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 32.º da Constituição, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º»15
Ana Marisa Arnêdo
*
2.º Adjunto:
Voto vencido
A questão que se põe nos autos e a que importa responder é esta e apenas esta: num processo em que não há ainda arguido constituído, mas em que o suspeito está identificado, devem ou não as pessoas referidas no art. 134º, nº 1 do Código de Processo Penal ser advertidas da faculdade de recusarem o depoimento?
Perguntando de outra maneira: num processo em que não há ainda arguido constituído, mas em que o suspeito está identificado, têm ou não as pessoas referidas no art. 134º, nº 1 do Código de Processo Penal o direito de recusarem o depoimento?
Já tomei posição sobre esta matéria no acórdão do Proc. nº 913/23.1PALSB-A.L1, de 20/06/2024 (www.dgsi.pt), concluindo no sentido oposto ao do projeto: a palavra «arguido» tem que ser dotada, neste contexto, de um alcance material coerente com os valores que o legislador pretende proteger com a norma e em consonância, aliás, com jurisprudência do TEDH que ali cito, radicada no art. 8º da CEDH.
O acórdão assenta numa vulnerabilidade, que é, smo, a de outros acórdãos também, como o relatado pelo Colega Rui Coelho, que cita: o seu ponto de partida é o arguido.
Ora eu acho que é a testemunha.
Se um pai é chamado a depor como testemunha num processo crime em que um dos seus filhos é o suspeito conhecido, é obrigado a prestar depoimento e a comprometê-lo…?
Não é inteiramente sensato que se pergunte a este pai, e é só isto e nada mais o que está em causa, se quer depor?
O art. 134º do Código de Processo Penal existe com um único e bem humano propósito: proteger a testemunha do dilema moral com que poderá ser confrontada, entre «trair um dos seus», incriminando-o, ou «mentir», cometendo um crime de «falsidade de testemunho», e em qualquer caso sofrer e prestar-se a consequências pessoais, familiares ou judiciais.
Impor-lhe que preste depoimento pode ser uma violência moral e ética e é por isso que o legislador introduz aqui um travão ao poder estadual de investigar e apurar a verdade, dando à testemunha a possibilidade de optar: sim ou não ao depoimento?
Se daí advém ou não algum constrangimento para a Defesa é questão que se põe a jusante e sobre a qual, aliás, o Ac. do TC nº 424/2025 que o acórdão cita acaba por responder, sem grandes dramas (o carácter equitativo do processo a final se verá…, o arguido pode vir a invocar o que entender quanto à regularidade ou validade da diligência…, a vítima pode ser ouvida em julgamento…, mecanismos de prova compensatórios…, etc., como de resto se menciona ainda, de algum modo, no acórdão desta Relação citado por referência à data de 7/11/2024).
A ideia de que o 134º do Código de Processo Penal fala em «arguido» e não em «suspeito» parece-me smo curta como argumento: demasiado presa à letra da lei…, avessa a um princípio de interpretação em conformidade com a CRP e a CEDH…, e além disso não esconde uma fragilidade lógica: não havendo arguido constituído e apenas um suspeito, porquê então a nomeação de um defensor nas declarações para memória futura, como, creio, quase toda a gente hoje defende que se faça? Ou quem acompanha a posição do acórdão defende que a diligência de declarações para memória futura, não havendo arguido constituído, deve decorrer sem nomeação de defensor?
Por fim, quanto à linha de argumentação ligada a uma ideia de proteção da própria testemunha, muito honestamente não alcanço a sua lógica à luz do objeto do presente recurso.
Entendendo, como entendo, que a testemunha goza da faculdade de recusar o depoimento, haja arguido constituído nos autos, ou haja apenas um suspeito já identificado, a decisão de depor é a ela e só a ela que cabe, no exercício da sua autonomia e do seu direito à reserva da vida privada.
Jorge Rosas de Castro

Doutrina citada:
DAMÁSIO, A. (1995). O erro de Descartes: emoção, razão e cérebro humano (14ª ed.). Lisboa: Europa-América.
MACLEAN, P. D. (1990). The Triune Brain in Evolution: Role in Paleocerebral Functions Hardcover. EUA: Springer.
NøRRETRANDERS, T. (1999). The User Illusion: Cutting Consciousness Down to Size. Lisboa: Penguin Publishing Group. Obtido de https://revistamarieclaire.globo.com/Comportamento/noticia/2013/05/especialista-em-inteligencia-emocional-da-dicas-para-dieta-funcionar.htm
Notas finais:
_____________________________________________________
1.[Online]. [Citado: 2025-09-24]. https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/7-645282
2.[Online]. [Citado: 2025-09-29]. https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20250424.html
3. Negrito e sublinhado é nosso, e igualmente infra.
4. Ac. do TRL de 15-09-2021 e o Ac. do TRC de 05-02-2025, cf. Ac. do STJ de 17-09-2025 - [Online]. [Citado: 2025-09-29]. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3dba2ac02a21906e80258d0900357f55?OpenDocument
5.[Online]. [Citado: 2025-09-29]. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/8c0f8cdc3bd7562380258bdd003a4543?OpenDocument&Highlight=0,MEM%C3%93RIA,FUTURA,SUSPEITO,JORGE,134
6.[Online]. [Citado: 2025-10-02]. https://www.bing.com/ck/a?!&&p=9296a329ce88cf484216c5ad011d55d3d8ed6117e94bd04cb2b7fe5999068526JmltdHM9MTc1OTM2MzIwMA&ptn=3&ver=2&hsh=4&fclid=295bc5a3-dc0d-6659-0574-d3c2dd7367bf&psq=Al%e2%80%91Khawaja+e+Tahery+c.+Reino+Unido&u=a1aHR0cHM6Ly9odWRvYy5lY2hyLmNvZS5pbnQvYXBwL2NvbnZlcnNpb24vcGRmLz9saWJyYXJ5PUVDSFImaWQ9MDAxLTkwNzgxJmZpbGVuYW1lPTAwMS05MDc4MS5wZGY
7.[Online]. [Citado: 2025-10-02]. https://www.bing.com/ck/a?!&&p=40f1372e192aac861dbc6e3f33b63abc61cca74fd3d3970b32c3212e500c8701JmltdHM9MTc1OTM2MzIwMA&ptn=3&ver=2&hsh=4&fclid=295bc5a3-dc0d-6659-0574-d3c2dd7367bf&psq=S.N.+c.+Su%c3%a9cia%2c+02.07.2002&u=a1aHR0cHM6Ly9odWRvYy5lY2hyLmNvZS5pbnQvYXBwL2NvbnZlcnNpb24vcGRmLz9saWJyYXJ5PUVDSFImaWQ9MDAxLTYwNTY0JmZpbGVuYW1lPTAwMS02MDU2NC5wZGYmbG9nRXZlbnQ9RmFsc2U
8.[Online]. [Citado: 2025-10-02]. TEDH n.º 33354/96 - 27 de fevereiro de 2001 (Lucà c. Itália) · hrr-strafrecht.de
9. Negrito e sublinhado é nosso
10.[Online]. [Citado: 2025-10-02]. https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/617-2023-...
11.[Online]. [Citado: 2025-09-29]. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/8c0f8cdc3bd7562380258bdd003a4543?OpenDocument&Highlight=0,MEM%C3%93RIA,FUTURA,SUSPEITO,JORGE,134
12. FONSECA, Rodrigo, [Online]. [Citado: 2025-09-30]. https://revistamarieclaire.globo.com/Comportamento/noticia/2013/05/especialista-em-inteligencia-emocional-da-dicas-para-dieta-funcionar.html
13.[Online]. [Citado: 2025-09-26]. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/6392f89cc9fc63d980258b1c005a88e3?OpenDocument
14. Cruz Bucho, Declarações para Memória Futura (elementos de estudo), 2012.
15. Declaração de voto de vencido de Afonso Patrão, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 424/2025, que nos merece integral concordância