Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
791/15.4T9MFR.L1-5
Relator: ALDA TOMÉ CASIMIRO
Descritores: PRESCRIÇÃO
PENA DE MULTA
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/21/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I. O prazo de prescrição da pena de multa suspende-se desde o despacho judicial que autoriza o pagamento da multa em prestações e cessa com o vencimento da primeira das prestações não pagas, uma vez que a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento de todas.
II. O pagamento, voluntário, de prestações da multa tem que ser entendido como acto de execução da multa, por isso dotado do mérito de despoletar o efeito interruptivo da prescrição da pena.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,

No âmbito do Processo Comum (Singular) com o nº 791/15.4T9MFR que corre termos no Juízo Local Criminal de Mafra, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi a arguida AA condenada, por sentença proferida em 6.11.2017, notificada em 25.07.2019, transitada em 30.09.2019, pela prática de um crime de furto, p. e p. pelo art. 203º do Cód. Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 6 (seis euros).
Posteriormente, foi proferido despacho a considerar não ter ocorrido prescrição do procedimento criminal e da pena aplicada.
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Sem se conformar com a decisão que declarou não ter ocorrido prescrição da pena, a arguida interpôs recurso onde pede que se revogue o despacho recorrido e se declare a prescrição da pena que lhe foi aplicada, extinguindo-se a responsabilidade criminal.
Para tanto apresenta as seguintes conclusões:
a. A ora Recorrente foi condenada, por sentença proferida em 06 (seis) de Novembro de 2017, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00€ (seis euros), o que perfazia uma multa total de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros);
b. A Sentença transitou em Julgado a 30-09-2019;
c. Tendo a Recorrente arguido a prescrição da pena de aplicada, nos termos do art. 122.º, n.º 1, al. d) do CP, decorridos que estão 4 (quatro) anos desde o trânsito em Julgado da sentença, veio o Tribunal a quo, mediante Despacho do qual se recorre, indeferir o requerido;
d. Em suma, o Tribunal a quo aderiu à promoção do Magistrado do Ministério Público, no sentido que considerou estar preenchida causa de suspensão do prazo, nos termos do art. 125.º, n.º 1, al. d) CP, pois a Arguida solicitou o pagamento a prestações da multa, o que foi deferido por despacho em 26-01-2021 em 20 prestações mensais;
e. Não pode a Recorrente conformar-se com tal entendimento, como supra ficou exposto;
f. Primeiramente, porque o Tribunal a quo (e o Magistrado do Ministério Público) parecem olvidar que a Recorrente não efetuou todos os pagamentos a que se encontrava adstrita no âmbito do pagamento a prestações da multa;
g. Tendo realizado 5 (cinco) pagamentos, no valor de 375,00€ (trezentos e setenta e cinco euros);
h. Foi-lhe deferida a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, a qual a Recorrente não chegou a iniciar, nos termos dos autos;
i. No entanto, ainda que a Recorrente iniciasse o cumprimento da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, tal não suspenderia o prazo para efeitos de prescrição da pena aplicada;
j. Após incumprimento da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, foi convertida a pena em 125 (cento e vinte e cinco) dias de prisão subsidiária;
k. Pelo que se questiona a Recorrente qual foi o percurso cognitivo que conduziu o Tribunal a quo à conclusão que existiu uma dilação no pagamento da multa aplicada, conforme dispõe o art. 125.º, n.º 1, al. d) CP?
l. É que para existir dilação é necessário que haja efetivamente uma prestação e que essa prestação seja diluída ou prolongada no tempo;
m. Ora, se a Recorrente incumpriu o pagamento a prestações e não cumpriu a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, tanto que a mesma foi convertida em pena de prisão, como pode o Tribunal a quo justificar ou enquadrar uma dilação no pagamento da multa?
n. Com o devido respeito, lavrou em erro o despacho proferido do qual se recorre, porquanto inexiste causa de suspensão do prazo de prescrição previsto no art. 122.º, n.º 1, al. d) CP, devendo considerar-se prescrita a pena aplicada à Recorrente desde, pelo menos, 30-09-2024;
o. Caso assim não se entenda, o que apenas se equaciona em benefício da discussão, deverá ainda assim considerar-se a pena prescrita desde, pelo menos, 28 de Fevereiro de 2025, tendo como referência para efeitos de suspensão única e exclusivamente os meses nos quais houve efetivamente prestação mensal nos autos;
p. Salvo o disposto no artigo antecedente, e por mera cautela de patrocínio, não deverá considerar-se provada qualquer outra causa de interrupção ou suspensão;
q. Pelo que se requer, com o devido respeito (que é muito) que o despacho recorrido que indeferiu a prescrição da pena aplicada à Recorrente seja substituído por outro que declare a extinção da pena aplicada, por prescrição da pena, declarando assim a extinção da responsabilidade criminal da Recorrente e o arquivamento dos autos.
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A Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso e apresentando a seguinte conclusão:
- Afigura-se-nos que a decisão encontra-se devidamente fundamentada e o Tribunal aplicou correctamente a legislação portuguesa quanto à prescrição da pena, sendo inatacável.
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Nesta Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer onde afirmou acompanhar e subscrever a Resposta do MP junto da 1ª Instância.
Efectuado o exame preliminar, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Fundamentação
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«Considerando o trânsito em julgado da decisão proferida nestes autos, é manifesto que a prescrição do procedimento criminal não se mostra aplicável no caso vertente – cfr. artigo 122.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
No que tange à prescrição da pena, considerando as causas de interrupção e suspensão que se verificam no caso vertente e previstas nos artigos 125.º e 126.º, do Código Penal, as quais expressamente alude a promoção que antecede, não se tem, tão pouco, por verificada a invocada prescrição da pena, razão por que se indefere o requerido.»
A promoção para que remete o despacho recorrido é a seguinte:
«Requerimento que antecede:
Quanto à prescrição do procedimento criminal não nos pronunciaremos, dado que estamos perante uma condenação transitada em julgado, pelo que tal não tem qualquer cabimento nesta fase processual.
Relativamente à pena, vejamos.
A arguida foi condenada pela prática do crime de furto, na pena de 250 dias de multa, decisão transitada em julgado a 30/09/2019.
Nos termos do artigo 122.º, n.º1, alínea d), do Código Penal, tal pena prescreve no prazo de 4 anos.
No entanto, há que atentar às causas de interrupção e suspensão desse prazo previstas nos artigos 125.º e 126.º, do Código Penal.
Mormente verifica-se que a arguida solicitou o pagamento a prestações da multa, o que foi deferido por despacho de 26/01/2021 em 20 prestações mensais. Tal é causa de suspensão do prazo de prescrição, nos termos do artigo 125.º, n.º1, alínea d), do Código Penal.
A arguida efectuou o pagamento de 4 prestações, o último dos quais a 9/08/2021. Data do último facto interruptivo do prazo de prescrição nos termos do artigo 126.º, n.º1, alínea a), do Código Penal. Pelo que a pena a prescrever apenas ocorrerá a 9/08/2025, caso nenhum outro facto interruptivo ou suspensivo do prazo ocorra (a que acresce ainda o período de suspensão por dilação de pagamento de multa).
Entendemos assim, que considerando tal prazo de prescrição e causas de interrupção e suspensão, a pena não se encontra prescrita, pelo que promovo se indefira o requerido.»
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Apreciando…
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Em questão está a contagem do prazo de prescrição da pena de multa.
Relativamente aos prazos de prescrição da pena rege o art. 122º do Cód. Penal que:
1 - As penas prescrevem nos prazos seguintes:
a) Vinte anos, se forem superiores a dez anos de prisão;
b) Quinze anos, se forem iguais ou superiores a cinco anos de prisão;
c) Dez anos, se forem iguais ou superiores a dois anos de prisão;
d) Quatro anos, nos casos restantes.
2 - O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 118.º
Porém, os prazos fixados no art. 122º do Cód. Penal estão sujeitos a suspensões e interrupções, nos termos dos arts. 125º e 126º do mesmo Código.
Dispõe o art. 125º do Cód. Penal que:
1 - A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;
b) Vigorar a declaração de contumácia;
c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou
d) Perdurar a dilação do pagamento da multa.
2 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.
E dispõe o art. 126º do mesmo Código que:
1 - A prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se:
a) Com a sua execução; ou
b) Com a declaração de contumácia.
2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
3 - A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.
A recorrente mostra-se condenada pela prática de um crime de furto, p. e p. pelo art. 203º do Cód. Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa.
Atenta a medida da pena concretamente aplicada e o disposto no art. 122º, 1 d), do Cód. Penal, a mesma prescreve no prazo de 4 anos.
Considerando que, nos termos do art. 122º, 2, do Cód. Penal, “o prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena” e que a sentença condenatória transitou em julgado em 30.09.2019, importa averiguar se ocorreu alguma causa de suspensão ou interrupção do prazo de prescrição.
Compulsados os autos, verifica-se que a arguida/recorrente solicitou o pagamento a prestações da multa, o que foi deferido por despacho de 26.01.2021, em 20 prestações mensais, tendo a arguida satisfeito o pagamento de 5 prestações.
Tal é causa de suspensão do prazo de prescrição, nos termos da alínea d) do nº 1 do art. 125º do Cód. Penal.
Cumpre, então, saber quais as balizas temporais desta suspensão.
Sendo a dilação do pagamento da multa uma das situações em que o Estado está objectivamente impossibilitado de executar a pena, no caso de deferimento do pagamento da multa em prestações essa impossibilidade inicia-se com o despacho judicial que autoriza o pagamento da multa em prestações e cessa com o vencimento da primeira das prestações não pagas, uma vez que a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento de todas [neste sentido cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.09.2013 (Proc. 585/06.8GEOER-A.L1-3), de 7.02.2017 (Proc. 25/10.8PTSNT-A.L1-5) e de 12.07.2017 (Proc. 325/12.2PDLSB.L1-3), pesquisáveis em www.dgsi.pt].
O que se compreende: enquanto perdurou a hipótese de a pena ser cumprida pelo pagamento faseado da multa esteve excluída a possibilidade de execução da pena; esgotado o período estabelecido para o pagamento da multa, e se esta não houver sido liquidada, o prazo volta a correr de novo.
Assim, temos que o prazo de suspensão da prescrição da pena esteve suspenso desde 26.01.2021 (data do despacho judicial que autorizou o pagamento da multa em prestações) até 15.07.2021 (data limite para o pagamento da 1ª das prestações não pagas e que determinou o vencimento das restantes) – é verdade que depois deste limite a arguida procedeu ao pagamento de mais duas prestações, mas nesse momento já se tinham vencido todas as prestações em falta, pelo que os pagamentos deverão ser contabilizados para efeitos de pagamento da multa, mas não com influência na suspensão do prazo.
Ou seja, ocorreu uma suspensão da prescrição da pena por 5 meses e 19 dias.
Contudo, importa ainda averiguar se ocorreu alguma causa de interrupção da prescrição.
Nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 126º do Código Penal, a prescrição da pena interrompe-se com a sua execução.
É jurisprudência pacífica, desde há muito, que esta referência a “execução” não exige uma execução coerciva, exercida pelo Tribunal.
Efectivamente, a execução aludida, no que se refere à pena de multa, apenas pode ser entendida como a sua liquidação/pagamento.
O que significa que tendo a recorrente efectuado o pagamento, voluntário, de prestações da multa, liquidando parte desta, tal acto tem que ser entendido como acto de execução da multa, “por isso dotado do mérito de despoletar o efeito interruptivo da prescrição da pena previsto na alínea a), do nº 1, do artigo 126º, do Código Penal” [cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7.02.2017 (Proc. 25/10.8PTSNT-A.L1-5), in www.dgsi.pt].
Fundamentando esta conclusão cita o mencionado acórdão:
«Elucida-nos o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de fixação de jurisprudência nº 2/2012, de 08/03/2012:
“(…) toda a pena criminal, por definição, envolve um sacrifício ou perda para o condenado, sacrifício ou perda que é de ordem patrimonial quando se trate de pena de multa. A execução da pena é a sua efectivação ou materialização; a pena está em execução a partir do momento em que o sacrifício que lhe é co-natural se concretiza na esfera de interesses ou valores do condenado. É desse modo que se cumprem as finalidades visadas com a execução da pena: a recuperação social do condenado e a defesa da sociedade. Tal como a execução da pena de prisão só se inicia com a privação da liberdade do condenado, também não há execução da pena de multa (fora dos casos de substituição por trabalho ou conversão em prisão subsidiária, figuras que aqui não estão em discussão) enquanto não houver perda patrimonial, consubstanciando-se esta num pagamento, voluntário ou coercivo, por conta do valor da multa. Por outras palavras, a pena entra em execução com o início do seu cumprimento. Em relação à pena de multa, parece ser esse o entendimento de BB quando, depois de referir o prazo de pagamento da multa, identifica o pagamento com a execução da multa: «Assim se indica o início do prazo para a execução voluntária da multa devida» (Lições de Direito Penal, Parte Geral, II, 1989, página 172)”.
Ou seja, a execução da pena tem lugar “com a sua materialização, com a efectivação do sacrifício nela implicado para o condenado, ou seja, com o começo do seu cumprimento”, posição também já ventilada por Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, UCE, 2ª edição, 2010, pág. 387, que menciona ser “só com o início do pagamento da pena de multa, isto é, só com o pagamento parcial da pena de multa se verifica a interrupção da prescrição da pena” e bem assim no Ac. R. de Évora de 15/10/2013, Proc. nº 1715/03.7PBFAR.E1, em www.dgsi.pt - “ultrapassado o dissídio jurisprudencial existente a propósito da “execução” da pena de multa deve entender-se hoje “a execução” da al. a) do nº 1 do artigo 125º do Código Penal como o cumprimento parcial (voluntário ou coercivo) da multa (…)”.»
Revertendo ao caso concreto, e considerando que a arguida/recorrente liquidou 5 das prestações da multa, forçoso é concluir que se iniciou a execução da pena, o que é causa da interrupção do prazo de prescrição da pena.
Assim, tendo a arguida/recorrente liquidado a última das prestações da multa em 4.12.2021 (liquidou prestações da multa em 7.03.2021, 6.04.2021, 7.06.2021, 9.08.2021 e 4.12.2021), nesta data ocorreu a interrupção do decurso do prazo prescricional, nos termos do art. 126º, nº 1, alínea a), do Cód. Penal, começando a correr novo prazo de quatro anos, conforme se estabelece no nº 2 deste normativo.
Assim, com esta interrupção, ocorrida em 4.12.2021, reiniciou-se o prazo de prescrição de quatro anos.
Há, porém, que ter em consideração o disposto no nº 3 no art. 126º do Cód. Penal, que estabelece que a prescrição da pena tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.
Sabido que a sentença condenatória transitou em julgado em 30.09.2019, a pena prescreveria em 30.09.2025. Mas como a este prazo acresce ainda o período de suspensão por dilação de pagamento da multa (5 meses e 19 dias), a pena apenas prescreverá em 19.03.2026, caso não ocorra outra causa de suspensão.
* * *
Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e confirmam o despacho recorrido.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

Lisboa, 21.10.2025
(processado e revisto pela relatora)
Alda Tomé Casimiro
Pedro José Esteves de Brito
Alexandra Veiga