Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19991/24.0T8LSB-F.L1-8
Relator: ANA PAULA OLIVENÇA
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
INDEFERIMENTO LIMINAR
DIREITO INCOMPATÍVEL
POSSE EM NOME PRÓPRIO
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
DIREITO À HABITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário: (elaborado pela relatora - art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
1. A aferição da titularidade de direito incompatível com o acto judicialmente ordenado, terá de ser feita considerada a função e a finalidade concreta do direito alegadamente ofendido, e da diligência ou acto judicial que alegadamente o ofende;
2. Quanto aos meros detentores, a posse de terceiro incompatível com o acto de penhora ou outro acto dela ofensivo que justifica a dedução de embargos de terceiro é a que é exercida em nome próprio, ou seja a geradora da presunção de titularidade do direito incompatível com o acto judicial ofensivo, em conformidade com o estabelecido no art. 1268º, nº 1, do CCivil;
3. Os beneficiários da protecção que, legalmente é deferida à casa de morada de família são os cônjuges ou os unidos de facto;
4. Não é constitucionalmente exigível que o direito à habitação se realize pela imposição de limitações intoleráveis e desproporcionadas de direitos constitucionalmente consagrados de terceiros.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízes que compõem a 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
A. deduziram contra, B e C, oposição mediante embargos de terceiro, pedindo a suspensão da efectivação da decisão tomada no procedimento cautelar que constitui o apenso “A”, que ordenou a entrega do imóvel -XX- à 1ª embargada, pedindo,
que o mesmo lhe seja entregue, livre e desocupado de pessoas e bens, bem como todas as chaves de acesso ao mesmo e o reconhecimento do direito de posse, uso e habitação dos embargantes sobre o imóvel em causa nos autos principais.
Alegaram, para além do mais, serem filhos do embargado, C, tendo, em 24 de Fevereiro de 2025, tomado conhecimento de que havia sido judicialmente determinada a entrega do imóvel onde, após o divórcio daquele, vivem, e que em sede de regulação de responsabilidades parentais ficou estabelecido aí residirem, em semanas alternadas.
Alegam que aquele bem é a sua casa de morada de família, já que ali pernoitam quando estão com o seu progenitor, tomam refeições, recebem amigos e familiares e passam ocasiões festivas, sendo que é ai que passam a maior parte do tempo, o que é conhecimento da embargada sociedade.
Referem terem sido esbulhados e que, quanto a si, a sentença proferida no apenso A é inoponível.
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Os embargos foram liminarmente indeferidos
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Devidamente notificados e com tal decisão não se conformando, vieram os embargantes interpor recursos de apelação (individualmente mas cujo teor é idêntico) alinhando as seguintes conclusões:
«a) A decisão recorrida encontra-se inquinada por pressuposto errado do qual o M.mo Juiz a quo partiu, e que viciou todo o percurso percorrido na douta sentença recorrida, até neste aresto se chegar à decisão que ora se impugna, nomeadamente, que os Embargantes apenas residem no imóvel dos autos “…em fins de semana alternados, com o mesmo.”;
b) O que os Embargantes alegaram foi que, para efeitos de cumprimento do acordo de regulação dos poderes parentais, residem no imóvel dos autos em semanas (e não em fins de semana) alternados. O que é totalmente diferente;
c) Mas mais importante que isto, é que alegaram que o imóvel dos autos constituía a sua casa de morada de família e que é o lugar onde passam a maior parte do seu tempo, nomeadamente, pelas razões invocadas no art.º 42º da petição de embargos, sendo aqui que está instalado o centro da sua vida familiar e onde se encontra localizado o seu lar, que partilham com o seu pai;
d) Os Embargantes vivem e residem todos os dias no prédio objecto dos presentes autos. Como se demonstra até pelo acervo documental conexo com o prédio, em que a Embargante “aparece” sempre referida;
e) Nem podia ser de outra forma, pois a casa da Mãe dos Embargantes tendo apenas dois quartos, ocupados pela Mãe e pela sua irmã M…, não tem espaço para receber, sequer, um dos Embargantes, muito menos os dois ao mesmo tempo;
f) Na verdade, o tempo que passam em casa da mãe é, novamente, pelos motivos aduzidos no referido art.º 42º da petição inicial de embargos e acima reproduzidos, actualmente, residual, sendo no imóvel dos autos que, com carácter de efectiva (quase absoluta) permanência, adoptam os comportamentos descritos nos arts.º 46º a 52º da petição inicial de embargos.
g) Ora, no contexto da alteração (que se requer) deste segmento da decisão recorrida, a decisão julga-se deverá ser outro, desde logo, porque o M.mo Juiz a quo ignorou os direitos que são conferidos aos Embargantes e que advêm do facto do imóvel dos autos constituir a sua morada de família;
h) É que a casa de morada de família, pela sua dimensão e importância particular e global no âmbito da sociedade em que vivemos, tem merecido das nossas instâncias superiores um tratamento cuidado, sendo pacificamente reconhecido que os titulares de tal direito merecem protecção da nossa Lei do nosso direito, o qual pode ser exercido através de embargos de terceiro (como fizeram os Embargantes no presente caso) - Atente-se a este propósito, no Ac. RL de 07/03/2003, disponível para consulta em www.dgsi.pt:;
i) Mas, ainda que se entendesse que a circunstância do imóvel do autos ser a casa de morada de família dos Embargantes não lhes dava qualquer direito sobre aquele prédio (em desacordo, como resulta do trecho do douto Acórdão acima citado, com o entendimento que sobre esta matéria tem tido a nossa jurisprudência) - o que se admite por mera cautela de patrocínio -, a verdade é que, ainda assim, por via do direito de habitação que igualmente invocaram, deveriam os embargos de terceiro ter sido recebidos (e, após a tramitação dos autos, ser julgados procedentes);
j) No processo de divórcio por mútuo consentimento identificado no art.º 30º dos embargos de terceiro, no acordo sobre o destino a dar à casa de morada da família (que foi homologado), foi consignado que esta ficaria localizada na Rua …, ou seja, no imóvel dos autos, o qual, como foi alegado, é propriedade exclusiva do seu pai, o Embargado C;
k) A homologação deste acordo, juntamente com a homologação do divórcio por mútuo consentimento, resolveu a questão de direito material regulada no art.º 1793º do CC em torno da atribuição da casa de morada de família;
l) Existem, aliás, múltiplas formas de dar execução a tal direito que, em função das circunstâncias, pode ser conferido a qualquer dos cônjuges. Umas dependem do facto de o bem imóvel em causa ser bem comum do casal ou bem próprio (como é o caso) de algum dos cônjuges; outras do facto de a casa de morada de família estar instalada em imóvel sujeito a contrato de arrendamento ou mesmo a um contrato de comodato. Em qualquer dos casos, importa sempre considerar os efeitos que, dentro dos limites legais, podem resultar do acordo de vontades estabelecido pelos cônjuges interessados relativamente à regulação dessa esfera de interesses;
m) No caso, a cedência gratuita por parte do cônjuge proprietário da utilização do imóvel para habitação do outro cônjuge (e dos filhos de ambos) poderia encontrar acolhimento na figura do direito real de habitação que produz eficácia erga omnes, como é típico dos direitos reais;
n) Já no direito real de habitação prevalece o objetivo de satisfazer a necessidade de habitação do usuário e da sua família (art.º 1484º do CCivil), de modo semelhante ao que, por via legal, está previsto no art.º 2103º-A do mesmo diploma legal;
o) No caso em apreço, é como direito real de habitação que deve ser qualificado o acordo a que os autos se reportam, tal como, noutra situação semelhante, foi assumido no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08/05/2013, proc.1064/11, www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere, além do mais, que: “O direito constituído por acordo feito no processo de divórcio por mútuo consentimento entre a ré e o seu ex-marido que teve por objeto a utilização da casa de morada de família, destinando esta à habitação da ré tendo em conta (e por medida) as suas necessidades e da sua família ao tempo em que o divórcio foi decretado, é um verdadeiro e próprio direito real de habitação (arts. 1484º, 1485º e 1490º CC)”;
p) O direito real de habitação encontra cobertura legal nos arts.º 1484º e ss. do CCivil, sendo que a sua constituição por via de contrato também é assegurada pelo art.º 1440º, ex vi art.º 1485º, ambos do CCivil, sendo que o acordo foi apresentado perante o conservador do registo civil para a sua homologação e por este foi homologado nos seus precisos termos, mantendo-se até esta data eficaz independentemente do registo (n.º 1, do art.º 4º do CRP);
q) Ora, nos temos da parte final do n.º 1, do art.º 1484º do CCivil, o direito de habitação que se constitui do modo acima exposto, aproveita ao Embargantes, na qualidade de familiares do respectivo titular;
r) E por ser assim, os Embargantes são, também pela via do direito de habitação, titulares de um direito incompatível com a ordem de entrega do imóvel dos autos que nestes foi ordenada executar;
s) Importa referir, quanto à invocada circunstância do Embargado C ser dono e legitimo proprietário do imóvel dos autos, que no âmbito do processo que corre termos no douto Juízo Central Cível de Lisboa, Juiz 20, sob o proc.XXX, este reclama para si a propriedade do prédio dos autos, por via da usucapião, pedindo naqueles autos, que seja declarado que é o único dono e legítimo proprietário do prédio urbano dos autos;
t) Ora, peticionando-se nos presentes autos a procedência dos embargos, também, através do reconhecimento a favor dos Embargantes do direito de habitação sobre o prédio em apreço, por via, igualmente, da constituição deste direito no escopo do que foi convencionado e depois homologado no processo de divorcio por mútuo consentimento acima referido, acerca da atribuição da casa de morada de família, e que teve como pressuposto que esta era (e é) propriedade do Embargado C, tem todo o interesse para o que aqui se discute, saber se o pedido formulado pelo Embargado C no proc.xxx é, ou não, procedente;
u) Por outro lado, como acima se deixou plasmado, o direito de habitação assim constituído, ou seja, pelo acordo outorgado no divórcio acerca da morada de família, também pode derivar da qualidade de arrendatário de ambos os cônjuges ou de apenas um
v) Deste modo, discutindo-se nos autos principais à providência cautelar a que se apensaram os presentes embargos a validade de um contrato de arrendamento que terá sido outorgado entre o Embargado C e a sociedade …, também o desfecho desta acção terá implicações directas na decisão a tomar nestes autos;
w) Ou seja, ainda que venha a ser declarada a nulidade do contrato de arredamento, sobeja sempre e decorrente dessa nulidade, a acção de usucapião, onde o Embargado C reclama a propriedade do imóvel, resultante da posse alegada na referida acção de usucapião e que se consubstancia nos dois elementos necessários para o efeito: o corpus (que, como elemento externo/material, se identifica com a prática de atos materiais sobre a coisa, ou seja, com o exercício de certos poderes de facto sobre ela, de modo contínuo e estável) e o animus (que, como elemento interno/psicológico, se traduz na vontade ou intenção do autor de na prática de tais atos se comportar como titular ou beneficiário do direito correspondente a esses atos realizados)
x) Ou seja, é de admitir que as acções acima referidas e identificadas, são, subsidiariamente entre si, nos termos estipulados no art.º 272º do CPC, causa prejudicial a estes embargos de terceiros, por se discutir e pretender apurar naqueles processos factos ou situações que são elementos ou pressupostos da pretensão formulada na presente causa, dependente daquelas, sendo de admitir a suspensão da instância até à prolação de sentença transitada em julgado nos processos acima identificados (XXX e nos autos principais);
y) Os direitos que assistem aos Embargantes, independentemente do demais, ou seja, da virtualidade de fundamentarem, de forma autónoma, a procedência dos embargos em apreço, terão, ainda, de ser considerados como tendo uma dimensão superior e prevalecerem sobre os direitos que foram conferidos à Embargada sociedade pela decisão tomada no procedimento cautelar, os quais nem sequer são definitivos, mas sim, meramente cautelares;
z) Na verdade, colocando-se a questão no campo do confronto dos direitos em jogo, a busca do instrumento que melhor promova o valor supremo da dignidade da pessoa humana não pode deixar de constituir um instituto norteador da solução do caso concreto;
aa) E neste caso, é absolutamente inquestionável, que caso seja promovida a entrega do imóvel, estará posta em causa, de modo grave e intolerável, a dignidade dos embargantes;
bb) É ainda de se referir que a sentença recorrida ignorou um facto de sobeja importância para o objecto dos autos, que é o da Embargada … ser menor;
cc) Veja-se a este propósito, que o M.mo Juiz a quo fundamenta a decisão recorrida, também, no facto do Embargado … ser maior: “Deve-se, aliás, notar que, segundo se alega…o embargante já atingiu a maioridade, pelo que a defesa do entendimento processado sempre caberia de real sustentação fáctica.” O sublinhado é nosso;
dd) Nenhuma conclusão, no entanto, é extraída do facto do facto do Embargante … sendo maior, ser dependente da habitação dos autos para residir e, adicionalmente, e, ignorou o facto da Embargante … ser menor, não existindo qualquer pronúncia ou referência a estes factos, pelo a sentença é nula por omissão de pronuncia e/ou falta de fundamentação de facto;
ee) É que parece ser manifesto que os direitos invocados nos autos adquirem, por maioria de razão, pelo facto de ambos os Embargantes serem dependentes, particularmente, a nível da habitação fixada no imóvel dos autos e da ora Recorrente ser inclusivamente menor, o que confere, uma dimensão acrescida e uma importância adicional e renovada;
ff) Os interesses dos filhos menores terão de ser fundamentais na apreciação da decisão, especialmente porque está em causa a sua guarda, manutenção e educação, bem como, valores como os da vida social e a estabilidade emocional dos filhos;
gg) O M.mo Juiz a quo ao não se debruçar sobre o facto da Embargante … ser menor e dependente do imóvel dos autos para residir, e o Embargante … ser dependente do imóvel dos autos para habitar, deixou de tomar em consideração fundamento de facto que justifica a decisão (enquadrando-se esta falta na al. b), do n.º 1, do art.º 615º do CPC);
hh) E, deixou de ser pronunciar sobre questão que tinha de apreciar (ocorrendo nulidade da sentença, desta feita, por via da al. d) do n.º 1, do art.º 615º do CPC);
ii) Sendo que, num caso e outro, caso a sentença não fosse nula pelas razões expostas, a apreciação da questão em falta levaria a decisão totalmente diversa daquela que foi tomada e da qual se recorre;
jj) Não se pode ignorar que a ora Recorrente, para além de ser menor, depende financeiramente, exclusivamente, do seu pai, o ora Embargado C e da sua mãe, sendo que, para residir e para prosseguir os seus estudos sem transtornos, depende, in totum, do imóvel do seu pai (até porque, como acima se expôs, a casa da mãe não tem condições, no que a espaço se refere, para a receber e para esta ali permanecer por mais do que um ou dois dias seguidos).
kk) Esta dependência, e os efeitos que a eventual entrega do imóvel teria na vida de um menor, que, actualmente, tem a sua vida orientada e estabilizada, estuda com aproveitamento acima da média e que conta a sua habitação de sempre para ser o centro, o núcleo e a base da sua vida familiar e pessoal, não é, nem pode ser, visto como um pormenor de sobeja importância no contexto da apreciação de questões com a relevância daquelas que são objecto dos presentes embargos;
ll) Dai que, pela sua absoluta e manifesta relevância no âmbito dos presentes embargos de terceiro, a questão relacionada com o facto da ora Recorrente ser menor devia ter sido apreciada, e não tendo sido, isso determinou, nos termos acima melhor expostos, a nulidade da douta sentença recorrida.
Nestes termos,
E, nos melhores de Direito que Vª. Exas. Venerandos Desembargadores melhor suprirão, deve a douta sentença nos autos proferida, e, agora recorrida ser revogada e, em consequência, substituir-se por outra que receba os presentes Embargos de Terceiro, prosseguindo estes os seus regulares e ulteriores termos, sendo apreciadas todas as questões ali suscitadas.»
                                                             *
Notificadas as contrapartes, veio “…, Lda.” entretanto julgada habilitada nos autos que constituem o apenso E, por decisão de 16.5.2025,  em substituição da embargada “… - Gestão e Exploração Hoteleira, S.A.”, apresentar contra-alegações concluindo como segue:
« 1. De acordo com as conclusões dos recursos de apelação agora interpostos pelos embargantes, aqui recorrentes, e com os respetivos requerimentos de interposição dos recursos, é claro para a embargada, ora recorrida, que os mesmos têm por objeto a decisão contida no Despacho proferido pelo Tribunal a quo, a 9 de maio de 2025, com a referência n.º 445210724, por via da qual se indeferiu liminarmente a petição de embargos.
2. Porém, no que respeita aos fundamentos dos mencionados recursos de apelação, é manifesto que as conclusões do recurso, para além de serem prolixas, não especificam os fundamentos dos mesmos, nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 639.º do Código de Processo Civil,
3. Dito isto, fazendo um esforço interpretativo de tais conclusões, a recorrida conclui que os recorrentes suportam os seus recursos de apelação nos seguintes argumentos: (i) na nulidade do Despacho recorrido, por suposta falta de fundamentação da decisão de facto, (ii) na nulidade do Despacho recorrido, por hipotética omissão de pronúncia, (iii) na alteração de uma parte do Despacho equiparável à do relatório de uma sentença, com base num alegado erro de escrita, (iv) no (hipotético) facto de o prédio objeto dos autos ser a sua casa de morada de família, (v) no (hipotético) facto de a sua mãe ser titular de um direito real de habitação daquele imóvel e (vi) na existência de putativas causas prejudiciais a estes embargos de terceiro.
4. Pois bem, apreciando estes supostos fundamentos que os apelantes utilizam para sindicarem a decisão recorrida, importa, desde já, expor que, em primeiro lugar, o Despacho aqui em questão não é nulo por falta de fundamentação,
5. Isto porque, não tendo o Tribunal a quo apreciado a veracidade dos factos alegados na Petição Inicial dos embargantes (trata-se de um despacho de indeferimento liminar que não tomou posição acerca dos factos alegados na Petição Inicial), o Despacho aqui em apreço não carecia de ser fundamentado de facto, sendo, ainda, patente que, num plano jurídico, o Tribunal recorrido justiçou a decisão objeto do presente recurso.
6. Consequentemente, não se verifica a invocada nulidade, por falta de fundamentação do Despacho atrás aludido.
7. Em segundo lugar, o mencionado Despacho também não é nulo, por omissão de pronúncia,
8. É que, o facto de a embargante … ser menor e o (alegado) facto de o embargante … ser dependente do prédio objeto dos autos não constituem questões que o Tribunal a quo se encontrasse obrigado a apreciar, na medida em que não se inserem na causa de pedir, nem tem qualquer tipo de relação com a pretensão deduzida por via dos embargos de terceiro.
9. Concomitantemente, não se verifica qualquer causa de nulidade do Despacho objecto dos recursos de apelação interpostos pelos embargantes, agora recorrentes.
10. Mas mais: em terceiro lugar, é patente que, tendo os recursos por objeto tão-somente as decisões proferidas pelos Tribunais, as partes dos despachos não equivalentes às decisões, nem aos seus fundamentos, não são sindicáveis, por via do recurso,
11. Pelo que, em circunstância alguma, poderão os recorrentes fundamentar uma revogação da decisão que indeferiu liminarmente a petição de embargos, com base no facto de, no seu entendimento, o Tribunal recorrido ter cometido um erro de escrita na parte introdutória do Despacho sub judice, erro, esse, que, diga-se, a verificar-se, apenas dará lugar a uma mera retificação do mencionado Despacho, nos termos do disposto no artigo 614.º do Código de Processo Civil, não determinando a alteração da decisão aqui colocada em crise.
12. Em quarto lugar, a casa de morada de família não atribui aos seus titulares qualquer direito real ou um direito pessoal de gozo,
13. Ou seja, mesmo que o prédio objeto dos autos fosse a casa de morada de família dos embargantes – o que não se aceita – certo é que, ainda assim, os mesmos não seriam detentores de um direito próprio sobre o prédio, incompatível com a diligência de entrega deste imóvel à sua proprietária.
14. Em quinto lugar, não obstante os aqui recorrentes agora se insurgirem e argumentarem que a sua mãe beneficia de um direito real de habitação do Palácio …, certo é que este (suposto) facto não foi alegado por aqueles na sua Petição Inicial,
15. E, mais do que isso, novamente, ainda que a mãe dos embargantes fosse titular de um direito real de habitação sobre o Palácio … – o que também não se aceita –certo é que, mesmo nessa eventualidade, os embargantes, aqui recorrentes, não logram invocar um direito próprio sobre o prédio que seja incompatível com a diligência de entrega do mesmo à sua proprietária.
16. Ora, se os embargantes, agora recorrentes, não alegaram nos autos um direito próprio, com tais caraterísticas, dúvidas não restam que se impunha ao Tribunal a quo indeferir liminarmente os embargos de terceiro, por estes se revelarem manifestamente improcedentes, decisão esta que é absolutamente inatacável.
17. Em sexto lugar, é patente que as ações judiciais invocadas pelos aqui recorrentes não configuram causas prejudiciais aos embargos de terceiro,
18. Porquanto (novamente), nessas ações, não se discute um direito próprio dos embargantes, ora recorrentes, relativamente ao prédio dos autos, direito esse que, aliás, repita-se, os recorrentes são incapazes de identificar.
19. Concomitantemente, em face do exposto, afigura-se à aqui recorrida que este Douto Tribunal ad quem deverá julgar improcedente os recursos de apelação interpostos pelos recorrentes, determinando a manutenção da decisão que indeferiu liminarmente os embargos de terceiro.
20. O que aqui, em primeiro lugar, expressamente se requer.
21. Por último, tendo em conta que os recorrentes litigam em má-fé, na medida em que, de uma forma reprovável/censurável, deduzem, nestes autos, pretensões que sabem não ter qualquer fundamento, alteram a realidade dos factos, praticam omissão grave do dever de cooperação e, de um modo geral, fazem um uso reprovável do processo, com o intuito de obter um fim ilegal (obstar à entrega do Palácio … à sua proprietária, que sabem ser devida) e de entorpecer a ação da justiça,
22. E que, em consequência dessa litigância de má-fé, a recorrida já sofreu um prejuízo com o valor de 150.258,15€ (cento e cinquenta mil, duzentos e cinquenta e oito euros e quinze cêntimos), consistente com o período em que a ordem de entrega do Palácio … se encontrou suspensa, em virtude da apresentação dos embargos de terceiro,
23. Prejuízo esse que, adiante-se, muito embora a recorrida seja do entendimento que a interposição destes recursos de apelação não implicará uma nova suspensão da ordem de entrega do Palácio …, poderá vir a aumentar, caso o Tribunal a quo decida suspender, por mais uma ocasião, a referida ordem de entrega, com fundamento na interposição destas apelações (o que, não obstante a posição da recorrida, não se poderá deixar de contemplar, por mero dever de cautela),
24. Deverão os embargantes, aqui recorrentes, serem, ao abrigo do disposto nos artigos 542.º, n.ºs 1 e 2, e 543.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, condenados a pagar uma indemnização à recorrida, com o valor de 150.258,15€ (cento e cinquenta mil, duzentos e cinquenta e oito euros e quinze cêntimos), eventualmente acrescida dos eventuais danos futuros que venham a ser sofridos pela recorrida, na hipótese de se vir a determinar uma nova suspensão da ordem de entrega do Palácio …, suportada na interposição dos presentes recursos de apelação, calculados pela multiplicação do montante de 3.339,07€ (três mil, trezentos e trinta e nove euros e sete cêntimos), por cada dia de eventual suspensão dessa ordem de entrega.
25. Isto, evidentemente, sem prejuízo de, nos termos artigo 542.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, os embargantes, por atuarem em litigância de má-fé, serem também condenados ao pagamento de uma multa processual, fixada entre 2 (duas) unidades de conta e 100 (cem) unidades de conta, em conformidade com o estatuído no artigo 27.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais.
26. O que aqui, em segundo lugar, expressamente se requer.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., se requer, muito respeitosamente, o seguinte:
a) Que sejam julgados integralmente improcedentes os recursos de apelação interpostos pelos recorrentes, mantendo-se, em consequência, a decisão impugnada por via dos mesmos, constante do Despacho proferido pelo Tribunal a quo, a 9 de maio de 2025, referência n.º 445210724, através da qual se indeferiu liminarmente a petição de embargos; e
b) Que, ao abrigo do disposto nos artigos 542.º, n.ºs 1 e 2, e 543.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, sejam os recorrentes condenados, como litigantes de má-fé, ao pagamento de uma multa processual, a fixar-se entre 2 (duas) unidades de conta e 100 (cem) unidades de conta, nos termos do disposto no artigo 27.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, bem como ao pagamento à recorrida de uma indemnização, com o valor de 150.258,15€ (cento e cinquenta mil, duzentos e cinquenta e oito euros e quinze cêntimos), eventualmente acrescida dos danos futuros que venham a ser causados à recorrida, caso a ordem de entrega do Palácio … venha a ser, novamente, suspensa com fundamento na interposição destes recursos de apelação, calculados pela multiplicação da quantia de 3.339,07€ (três mil,trezentos e trinta e nove euros e sete cêntimos), por cada dia que em que venha, eventualmente, a vigorar a suspensão dessa ordem de entrega.
Assim se fará a tão acostumada JUSTIÇA!»
                                                                         *
Os apelantes responderam ao pedido de condenação como litigantes de má fé, pedindo a sua improcedência.
                                                                         *
O recurso foi admitido e mostrando-se cumpridos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.
                                                                         *
2. Objecto do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso  (cfr. arts.635º, nº4, 639º, nº1 e 662º, nº2, todos do CPCivil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art.5º, nº3, do mesmo Código).
In casu cumpre decidir:
-nulidade do despacho recorrido, por falta de fundamentação da decisão de facto e/ou por omissão de pronúncia;
-do prédio objecto dos autos constituir a casa de morada de família dos embargantes;
-da mãe dos embargantes ser titular de um direito real de habitação do imóvel;
-da existência de causas prejudiciais a estes embargos de terceiro;
-litigância de má fé
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3. Fundamentação
3.1.Fundamentação de Facto
As incidências fáctico-processuais a considerar são as constantes do relatório.
3.2. Fundamentação de Direito
3.2.1.-nulidade do despacho recorrido, por omissão de pronúncia e/ou falta de fundamentação da decisão de facto;
Entendem os embargantes que a decisão não se pronunciou sobre o facto da Embragada … ser menor, pelo que, ter-se-á de considerar que a sentença é nula por omissão de pronúncia e/ou falta de fundamentação de facto.
Destaca o seguinte trecho da decisão:
« Deve-se, aliás, notar que, segundo se alega…o embargante já atingiu a maioridade, pelo que a defesa do entendimento processado sempre caberia de real sustentação fáctica.»
Sustentam, pois, os apelantes que « No contexto do entendimento vertido no trecho acima citado, importa saber qual a conclusão a que chegaria o M.mo Juiz a quo do facto da Embargada … ser menor; Só que, sobre este facto, repete-se, de relevância fundamental para a decisão a tomar nos presentes embargos (quer no que se refere ao seu recebimento, quer no que diz respeito à sua procedência), o M.mo Juiz a quo não se pronuncia.»
Estabelece o art.615º, nº 1 do aludido preceito de forma taxativa as causas de nulidade da sentença:
«1- É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido».
As causas de nulidade taxativamente enumeradas neste preceito não visam o chamado erro de julgamento e nem a injustiça da decisão, ou tão pouco a não conformidade dela com o direito aplicável, sendo coisas distintas, mas muitas vezes confundidas pelas partes, a nulidade da sentença e o erro de julgamento, traduzindo-se este numa apreciação em desconformidade com a lei.
Não deve, por isso, confundir-se o erro de julgamento com os vícios que determinam as nulidades em causa.
De facto, as decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, sendo a respectiva consequência também diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respectiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, são nulas nos termos do referido art.º 615º.
No que diz respeito à nulidade prevista no art. 615.º n.º 1, al. b), do CPCivil esta apenas se verifica quando a sentença não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. É, no entanto, entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, que só a falta absoluta de fundamentação que torne de todo incompreensível a decisão, releva para efeitos da sobredita nulidade.
No que toca à omissão por falta de fundamentação importa considerar que estamos em face de um despacho liminar prolatado em sede de embargos de terceiro e não de uma sentença ou despacho saneador-sentença, estando afastada, por tal,  e quanto à fundamentação de facto, o disposto no art.º 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPCivil, não oferecendo dúvidas que a exigência legal de fundamentação se realiza com a menção das razões que justificam o indeferimento. Veja-se, a propósito, o ac. da RE de 07-03-2024, proferido no proc. n.º 1610/23.3T8ENT-A.E1, disponível em www.dgsi.pt.
Ora, da decisão sob recurso, resulta que essa fundamentação foi produzida, tendo o tribunal recorrido analisado o conjunto das razões de facto e de direito aventados pelas partes em sede de requerimento inicial e mencionando os preceitos legais que entendeu serem aplicáveis, justificando por que considerava inexistir fundamento legal para atender a pretensão dos embargantes.
Veja-se que a razão do indeferimento liminar foi, em suma, a falta de alegação pelos requerentes de que a actuação de facto sobre o imóvel «foi comandada pela vontade conjunta de possuírem aquele bem como se fossem os titulares de qualquer direito real de gozo (mormente, o direito de habitação – artigo 1484.º do Código Civil) a cujo exercício corresponde a invocada posse.» sendo que « a mera detenção não é, com ressalva dos casos previstos na lei (vg. o disposto no n.º 2 do artigo 1037.º do Código Civil), passível de ser defendida mediante embargos de terceiro.»
Ainda se anota na decisão recorrida que « os beneficiários da protecção que, legalmente (v., exemplificativamente, o disposto no n.º 2 do artigo 1682.º-A do Código Civil), é deferida à casa de morada de família são os cônjuges ou os unidos de facto, como inculca a própria  definição deste conceito, emergente do n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 83/2019, de 3 de Setembro.
Nessa medida, perfila-se como inexacta a invocação de que os requerentes beneficiam dessa protecção. Deve-se, aliás, notar que, segundo se alega, o embargado é divorciado e que o embargante já atingiu a maioridade, pelo que a defesa do entendimento professado sempre caberia de real sustentação fáctica.»
Assim se há-de concluir que, defendendo o tribunal que os beneficiários da protecção que, legalmente é deferida à casa de morada de família são os cônjuges ou os unidos de facto -afastando os filhos, o tribunal está a pronunciar-se sobre a condição de ambos os embargantes, em nada arrepiando essa conclusão o facto de ter feito referência ao embargante maior.
Daqui decorre, que também não se verifica o vício da omissão de pronúncia, prevista na al.d)). A este respeito, importa esclarecer que tal vício resultará da violação do dever previsto no nº 2 do referido art.º 608º do CPCivil o qual prescreve que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não se pode ocupar senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Mas, a resolução das questões suscitadas pelas partes não se pode confundir com os factos alegados, os argumentos suscitados ou as considerações tecidas.
Ora, a decisão recorrida apreciou o pedido formulado pelos embargantes e a respectiva causa de pedir, concluindo pela manifesta improcedência daquele e pela falta de fundamento legal dos embargos na situação de facto alegada, não indicando os apelantes e em concreto, nenhuma verdadeira questão sobre a qual tivesse sido omitida pronúncia.
Importa, pois, concluir, que não existe qualquer nulidade.
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3.2.2. -do prédio objecto dos autos constituir a casa de morada de família dos embargantes;
Nos termos do disposto no art.º 590.º, n.º 1, do CPCivil, «Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no art.560º.»
Conforme decorre do disposto no art.342º, nº1, do CPCivil, «Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro».
A aferição da titularidade de direito incompatível com o acto judicialmente ordenado, terá de ser feita considerada a função e a finalidade concreta do direito alegadamente ofendido, e da diligência ou acto judicial que alegadamente o ofende. A noção de direito incompatível apura-se, assim, «no confronto da finalidade da diligência em causa, e é de considerar como tal, no confronto com qualquer das referidas diligências judiciais, o direito de terceiro idóneo a impedir a realização daquela função » Cfr. José Lebre de Freitas, «A Acção Executiva, Depois da reforma da reforma», 5.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 286.
O conceito de posse de terceiro incompatível com o acto de apreensão da coisa, afere-se nos termos do artº 1251º, do CCivil, ou seja, por via dos elementos do corpus e do animus.
Assim, a posse de terceiro incompatível com o acto de penhora ou outro acto dela ofensivo que justifica a dedução de embargos de terceiro é a que é exercida em nome próprio, ou seja, a geradora da presunção de titularidade do direito incompatível com o acto judicial ofensivo, nos termos do artigo 1268º, nº1, do Código Civil, não podendo ser deduzidos embargos de terceiro no caso de o terceiro, em relação à coisa afectada pela diligência judicial, apenas ser mero possuidor precário ou detentor. Cfr. Neste sent. Salvador da Costa, «Os incidentes da instância», 5ª edição, Almedina, pág. 201 e 207.
Tecidas as considerações de carácter genérico que importam, regressemos ao caso dos autos.
A decisão recorrida indeferiu liminarmente a petição de embargos, por ter entendido que as alegações de facto e de direito aí feitas não consubstanciavam fundamento legal para os embargos.
Os apelantes discordam, designadamente alegando que o imóvel em causa constitui a sua casa de morada de família, o que desde logo determina o recebimento dos embargos.
 Em sede de alegações recursórias defendem ter alegado que residem no imóvel em cumprimento do acordo de regulação dos poderes parentais, em semanas alternados e que o imóvel dos autos constituía a sua casa de morada de família e que é o lugar onde passam a maior parte do seu tempo. Justificam que «estudando ambos os Embargantes em Lisboa - o Embargante … frequenta, com aproveitamento e boas notas, o 3º ano de … e a Embargante …., também com aproveitamento e boas notas, frequenta o 10º ano no … -, também por esta razão, passam a esmagadora maioria do tempo no imóvel dos autos, já que, sendo este também localizado em Lisboa, a proximidade das respectivas escolas determina que optem por residir no imóvel dos autos em caracter de exclusiva permanência.
E é por isto, que é ali que se encontra integrada a sua casa de morada de família, onde está instalado o centro da sua vida familiar e onde se encontra localizado o seu lar, que partilham com o seu pai.»
Anote-se que a alegação constante do requerimento inicial não é totalmente coincidente com a aqui apresentada afirmando-se expressamente nos arts.46º e ss. da p.i. « é neste local que os Embargantes dormem nas semanas alternadas em que estão com o pai, o ora Embargado; É neste local que tomam as refeições nas semanas alternadas em que estão com o pai; É neste local, que os Embargantes passam os fins-de-semana e os dias feriados, nas semanas alternadas em que estão com o pai; É neste local que celebram o Réveillon e o Dia de Ano Novo, sempre que estas datas calham nas semanas alternadas que passam com o pai;.»
Ora, conforme bem anota a sentença recorrida, « Apesar das iteradas alusões à posse do imóvel, os requerentes jamais advogam que a actuação de facto sobre esse bem que, por eles, é alegadamente protagonizada, foi comandada pela vontade conjunta de possuírem aquele bem como se fossem os titulares de qualquer direito real de gozo (mormente, o direito de habitação – artigo 1484.º do Código Civil) a cujo exercício corresponde a invocada posse.»
Considerando o art. 1251º, do CCivil, que «Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, ou de outro direito real», era ónus dos embargantes alegar a factualidade susceptível de preencher, cumulativamente, os dois elementos definidores de posse: corpus e animus.
Limitam-se os apelantes a alegar o «corpus» não deduzindo factos susceptíveis de preencher o animus possidendi. Aliás, veja-se que os apelantes se referem à propriedade do imóvel como pertencendo ao seu pai (cfr. Art.38º da p.i.) e, sendo assim, afastada se mostra o recurso à presunção consagrada no nº2, do art.1252º do CCivil. A actuação dos embargantes apenas se poderá enquadrar na previsão do disposto no art.1253º do CCivil, sendo meros detentores. Nos termos do art. 1253º, a mera detenção, consiste no exercício de poderes de facto sobre a coisa sem animus possidendi, isto é sem intenção de agir como beneficiário do direito.
E quanto aos meros detentores, vem-se defendendo que a posse de terceiro incompatível com o acto de penhora ou outro acto dela ofensivo que justifica a dedução de embargos de terceiro é a que é exercida em nome próprio, ou seja a geradora da presunção de titularidade do direito incompatível com o acto judicial ofensivo, em conformidade com o estabelecido no art. 1268º, nº 1, do CCivil. Só o possuidor em nome próprio pode, pois, deduzir embargos de terceiro com fundamento na posse da coisa, devendo articular para o efeito os factos demonstrativos da sua posse, isto é, o corpus e o animus. Cfr. Carvalho Gonçalves, «Lições de Processo Civil Executivo», 2016, Almedina, pág. 327 e ss.; Lebre de Freitas, «A ação executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013», 7ª edição, Gestlegal, págs. 323 e seguintes.
Quanto à alegada protecção de que beneficiarão por se tratar, alegadamente, da casa de morada de família, a verdade é que os beneficiários da protecção que, legalmente é deferida à casa de morada de família são os cônjuges ou os unidos de facto. Cfr. Art.10º, nº3, da Lei nº83/2019, de 3/9.
E no mais, recupera-se por total adesão aos seus fundamentos o decidido em 1ª instância: « é seguro os direitos conferidos pelas alíneas a) a e) do n.º 6 do artigo 13.º do mesmo diploma (e que corporizam a aludida protecção em caso de despejo, entendendo-se como tal o «(…) procedimento de iniciativa privada ou pública para promover a desocupação forçada de habitações indevida ou ilegalmente ocupadas (…)» não têm um conteúdo que contenda com a entrega judicialmente decretada do imóvel em apreço.
Note-se, aliás, que a concretização desses direitos, na esteira das dimensões essencialmente perceptivas que emergem da conjugação entre o disposto no n.º 1 do artigo 65.º e o n.º 1 do artigo 67.º, ambos da Constituição da República Portuguesa, requer a intermediação do Estado, a quem o cidadão pode exigir o seu cumprimento nas condições e nos termos plasmados na lei. Acresce, por seu turno, que é comumente entendido, não é constitucionalmente exigível que o direito à habitação se realize pela imposição de limitações intoleráveis e desproporcionadas de direitos constitucionalmente consagrados de terceiros.
Refira-se, enfim, que os embargantes não alegaram quaisquer factos dos quais emerja a aquisição originária ou derivada do direito de habitação do imóvel em causa. O mero facto de ali residirem nos períodos temporais que passam com o embargado é, como se convirá, manifestamente insuficiente para o efeito. Temos assim que, nas alegações vertidas na petição inicial, não se colhe a existência de qualquer direito dos embargantes que seja incompatível com a entrega do imóvel à embargada, razão pela qual nem sequer cabe produzir a prova testemunhal arrolada e formular o juízo de probabilidade séria a que se refere a parte final do artigo 345.º do Código de Processo Civil.»

3.2.3.-da mãe dos embargantes ser titular de um direito real de habitação do imóvel;
Invoca também os embargantes que no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento, identificado no art.º 30º da petição inicial, foi apresentado acordo relativo à utilização da casa de morada de família em que ficou definido que iria ser instalada num imóvel habitacional de que o Embargado C era e é exclusivo proprietário, argumentando agora, que relativamente à mãe de ambos, esta, por via da homologação de tal acordo, é beneficiária de um direito real de habitação do imóvel, e que, assim sendo, a homologação deste acordo, juntamente com a homologação do divórcio por mútuo consentimento, resolveu a questão de direito material regulada no art.º 1793º do CC em torno da atribuição da casa de morada de família. Mais dizem que no caso em apreço, é como direito real de habitação que deve ser qualificado o acordo e, assim sendo, considerando o disposto na parte final do n.º 1, do art.º 1484º do CCivil, beneficiando a sua mãe de um direito real de habitação do imóvel, a si lhes aproveita, pelo que, também pela via do direito de habitação, são titulares de um direito incompatível com a ordem de entrega do imóvel dos autos que nestes foi ordenada executar.
Como é sabido, os recursos são meios a usar para se obter a reapreciação de uma decisão, já não para obter decisões sobre questões novas, ou seja, questões que não foram suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido, não sendo lícito invocar neles questões que não tenham sido objecto das decisões impugnadas. Sendo meios de impugnação de decisões judiciais (cfr. art. 627º do CPCivil), através deles visa-se reapreciar e modificar decisões já proferidas e não criá‑las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o tribunal superior com questões novas, salvo quanto às questões de conhecimento oficioso o que, não é o caso.
As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos e sob pena de supressão de um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida.
Apenas nesta sede, os apelantes alegam que a sua mãe beneficia de um direito real de habitação constituído sobre o imóvel para concluírem que sendo assim, dele beneficiam.
Ora, não estando em causa questão de conhecimento oficioso, está vedado ao tribunal conhecer da dita argumentação, por constituir questão nova.

3.2.4.-da existência de causas prejudiciais a estes embargos de terceiro.
Alegam os apelantes que o Tribunal recorrido devia ter ponderado suspender a instância, atenta as acções judiciais interpostas pelo embargado C, por via das quais este, por um lado, peticiona que seja declarado válido um contrato de arrendamento tendo por objecto o imóvel e, por outro lado, pede que seja reconhecido como proprietário do referido prédio.
De entre as questões de que o tribunal pode conhecer oficiosamente, está a suspensão da instância por virtude da pendência de causa prejudicial. A este respeito dispõe n.º 1 do art.º 279.º do CPCivil que «o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado».  Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra Editora, 1946, páginas 284 e 285; Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 2.º, 2.ª edição, 2008, Coimbra Editora, páginas 430 e 431.
Ora, o que, resulta da alegação recursória que se tratarão de acções que visam o reconhecimento de direitos do segundo embargado.
Nos presentes embargos trata-se de apreciar um direito próprio dos requerentes que existindo, seria incompatível com a diligência de entrega. As alegadas acções, conforme decorre do argumentário recursório, não se fundam em quaisquer direitos dos embargantes nem a eles se reconduziriam, conforme decorre da fundamentação de direito supra exarada e o procedimento cautelar de que os presentes autos constituem apenso mostra-se findo.
Assim, improcede a suspensão por alegada causa prejudicial.

3.2.5-Da condenação dos embargantes como litigantes de má fé:
Em face das alegações recursórias, cumpre apreciar, por fim, se se justifica, à luz do disposto no artigo 456 do CPCivil, a condenação dos embargantes por litigância de má fé.
Dispõe o n.º 1 deste preceito legal que tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária se esta a pedir. Por seu turno, o nº2, dispõe que se diz litigante de má fé quem com dolo ou negligência grave:
a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) tiver praticado omissão grave do dever da cooperação;
d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Ressalta deste preceito que, não só o dolo mas também a negligência grave relevam para tal efeitos.
A má fé a que respeita o artigo 456 do CPC deve ser apreciada numa dupla vertente: a má fé material ou substancial e a má fé instrumental.
A primeira abrange os casos de dedução de pedido ou de oposição cuja falta de fundamento se conhece, a alteração consciente da verdade dos factos ou a omissão de factos essenciais, abrangendo a segunda o uso reprovável do processo ou dos meios processuais para conseguir um fim ilegal, para entorpecer a acção de justiça ou para impedir a descoberta da verdade.
Abrange-se nos casos de má fé material, os casos de dedução de pedido ou de oposição que a parte sabe carecer de fundamento, e a alteração consciente da verdade dos factos ou a omissão de factos essenciais; a má fé material tem a ver com o uso reprovável do processo, ou dos meios processuais para prosseguir um fim ilegal, para entorpecer a acção da justiça ou para impedir a descoberta da verdade. Cfr. Neste sent.Ac. do S.T.J., de 5/12/1975; B.M.J., 252-105.
Em sede de conclusões recursivas, aponta a embargada sociedade que: «21. Por último, tendo em conta que os recorrentes litigam em má-fé, na medida em que, de uma forma reprovável/censurável, deduzem, nestes autos, pretensões que sabem não ter qualquer fundamento, alteram a realidade dos factos, praticam omissão grave do dever de cooperação e, de um modo geral, fazem um uso reprovável do processo, com o intuito de obter um fim ilegal (obstar à entrega do Palácio … à sua proprietária, que sabem ser devida) e de entorpecer a ação da justiça».
Ora, tendo, a questão da litigância de má fé sido suscitada perante este tribunal, não tendo o tribunal a quo procedido a tal apreciação oficiosa, a eventual má fé dos embargantes deverá ser apreciada em função da posição assumida por estes nesta fase de recurso.
Assim sendo, o que se verifica é que os embargantes pretendem fazer valer no processo direitos que crêem assistir-lhes e para os quais pretendem tutela jurisdicional. O tribunal não julgou pela procedência da sua pretensão porém, tal não basta por si só, para que se julguem preenchidos os requisitos da litigância de má fé.
O que se verifica é que, analisadas as alegações de recurso - ainda que sem razão, como se concluiu – discordaram do entendimento da 1ª instância e fazem-no no convencimento de que lhes assiste o direito que defendem e o direito ao recurso é um direito de que goza qualquer das partes que se considere prejudicada por uma decisão judicial.
A discordância na interpretação da lei e a insistência numa solução rejeitada na decisão recorrida não chega para caracterizar uma litigância de má fé, já que tal não basta para que se presuma uma actuação dolosa ou com culpa grave.
Já quanto à alegação de facto, conforme decorre da decisão recorrida, a mesma não foi apreciada, não tendo sobre a mesma sido produzida qualquer prova, tendo os embargos sido rejeitados por em fase liminar.
Em face do exposto, improcede o pedido de condenação como litigantes de má fé.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam as juízes deste tribunal da Relação julgar improcedente a apelação e, consequentemente, manter a decisão proferida em 1ª instância.
Custas a cargo dos apelantes.
Notifique e registe.
                                                             *
Lisboa, 09-10-2025,
(Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária)        
Dra. Ana Paula Nunes Duarte Olivença
Dra. Carla Matos
Dra. Maria Teresa Lopes Catrola