Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1489/23.5T8VFX.L1-4
Relator: PAULA POTT
Descritores: CATEGORIA PROFISSIONAL
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/14/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Carreira de enfermagem – Categoria profissional que exprime de modo mais aproximado o estatuto profissional da trabalhadora – Transmissão de estabelecimento – Artigos 115.º, 118.º e 285.º do Código do Trabalho – Artigos 7.º, 10.º - B, 11.º, 12.º e 14.º Decreto Lei n.º 247/2009 de 22.9
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Recorrente/autora
AA, titular do número de identificação fiscal ..., com domicílio na ...
Recorrido/réu
Hospital de Vila Franca de Xira, titular do número único de identificação fiscal e pessoa colectiva …, com sede em Estrada Carlos Lima Costa, 2, 2600-009 Vila Franca de Xira,

Acordam em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
Sentença recorrida
1. Por sentença de 29.7.2024 (referência citius 158882906), o 2.º Juízo do Trabalho de Vila Franca de Xira, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, (doravante também Tribunal de primeira instância, Tribunal recorrido ou Tribunal a quo), proferiu a seguinte decisão:
“V – Dispositivo
Termos em que, com a fundamentação de facto e de direito acima enunciada, se decide julgar a presente parcialmente procedente por provada e em consequência:
a) Declarar que à autora, em execução do contrato de comissão de serviço, é devido desde 01-11-2021 o pagamento de isenção de horário de trabalho em valor correspondente a duas horas de trabalho suplementar por semana;
b) Condenar a ré a pagar à autora a quantia de 3 961,48€ (três mil, novecentos e sessenta e um euros e quarenta e oito cêntimos) a título de isenção de horário de trabalho entre 01-11-2021 e 30-04-2023, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4,00%, calculados sobre o valor de cada prestação mensal devida, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
c) Condenar a ré a pagar à autora as prestações de isenção de horário de trabalho vencidas e vincendas após 01-05-2023 acrescidas de juros de mora à taxa anual de 4,00%, calculados sobre o valor de cada prestação mensal devida, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
d) Julgar quanto ao mais a acção improcedente por não provada, nessa parte absolvendo a ré do pedido;
e) Condenar, na proporção dos seus decaimentos, autora e ré nas custas da acção;
f) Fixar, nos termos do disposto nos artºs 296º, nº 1, 297º nº 1 e 2, 299º nº 1, 305º nº 1 e 306º nº 2 do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 1º nº 2 al a) do Código de Processo do Trabalho, à acção o valor de 30.000,01€.”
Alegações da recorrente
2. Inconformada com a sentença mencionada no parágrafo anterior, a recorrente (trabalhadora), dela veio interpor o presente recurso (cf. referência citius 15710680 de 30.9.2024), formulando o seguinte pedido:
“deve a sentença ser revogada na parte por este impugnada, sendo reconhecido que a Apelante tem a categoria profissional de “Enfermeiro Gestor”, sendo o Apelado condenad[o] a reconhecê-lo e a indicar essa categoria profissional em todos os documentos onde a categoria profissional deva ser indicada.
3. O recurso tem por objecto a matéria de direito e nas suas alegações, vertidas nas conclusões, a recorrente impugna a sentença recorrida com base nos argumentos que o Tribunal a seguir sintetiza:
• A recorrente na qualidade de trabalhadora celebrou um contrato de trabalho em 13.2.2013 com a empresa Escala Vila Franca S.A., tendo a posição de empregadora sido transmitida para o recorrido em 1.6.2021, nos termos dos artigos 3.º, 15.º e 18.º do DL 33/2021 e do artigo 285.º nºs 1 e 3 do Código do Trabalho (CT);
• Resulta dos factos provados 7 a 25, que as funções desempenhadas pela recorrente para a empresa transmitente e para o recorrido, correspondem, na totalidade, ao conteúdo funcional de “Enfermeiro gestor” definido pelo artigo 10.º-B do DL 247/2009, de 22/09, na redacção do DL 71/2019;
• Dos documentos 5 e 6 juntos à petição inicial junta em primeiro lugar e do documento 19 junto à petição inicial aperfeiçoada resulta que a recorrente desempenhava as funções de enfermeira gestora, pelas quais foi avaliada;
• Na óptica da recorrente, o Tribunal a quo não levou em conta o seguinte: “A categoria profissional corresponde ao essencial das funções desempenhadas pelo trabalhador, e que o mesmo se obrigou a efectuar pelo contrato de trabalho, ou pelas alterações decorrentes da sua dinâmica, podendo revestir a acepção de categoria-função e categoria-estatuto” (cf. conclusão F do recurso);
• A sentença impugnada, ao não reconhecer que a recorrente tem a categoria profissional de “Enfermeiro gestor” violou o disposto nos artigos 3.º n.º 1, 15.º e 18.º do DL 33/2021, 118.º e 285.º n.ºs 1 e 3 do CT e 10.º-B do DL 247/2009.
Contra-alegações do recorrido
4. O recorrido (empregador) contra-alegou (cf. referência citius 15831092 de 25.10.2024), pugnando pela improcedência do recurso, defendendo, em síntese:
• Contrariamente ao que alega a recorrente, dos documentos juntos respeitantes às avaliações que lhe foram feitas nos anos de 2018, 2019 e 2020, resulta que a recorrente desempenhou nesse período funções de “Enfermeira” e não “Enfermeiro Gestor”;
• Nos termos do artigo 342.º do Código Civil (CC) impende sobre a recorrente o ónus de alegar e provar a sua categoria de enfermeira especialista, o que, à luz do regime previsto no artigo 8º nºs 3 e 4 do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, aprovado pelo DL 104/98, pressupõe a prova do tempo de exercício de funções como enfermeira especialista e a existência de um procedimento de selecção mediante concurso, como prevê a Portaria 153/2020 e como exige o artigo 47.º nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP);
• Não tendo a recorrente provado tais pressupostos, não merece censura a sentença recorrida.
Parecer do Ministério Público
5. O digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal da Relação, emitiu parecer (cf. referência citius 22433473 de 12.12.2024), ao abrigo do disposto no artigo 87.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (CPT), pugnando por que seja negado provimento ao recurso, em síntese, pelos seguintes motivos:
• Os documentos relativos à avaliação de desempenho da recorrente nos anos de 2018, 2019 e 2020 não referem as funções de gestão, não servindo para prova do alegado exercício ininterrupto das funções inerentes à categoria profissional de “Enfermeiro gestor”;
• Impende sobre a recorrente demonstrar, não só a sua categoria de enfermeira especialista, mas também o tempo de exercício dessas funções e a existência de um procedimento de seleção, o que a mesma não fez.
6. O recorrido respondeu ao parecer mencionado no parágrafo anterior, acompanhando-o, ao passo que a recorrente respondeu a esse parecer concluindo como nas alegações (cf. referências citius 727044 de 20.12.2024 e 729219 de 7.1.2025).
Questão prévia: junção de documentos às alegações de recurso
7. A recorrente juntou dois documentos às alegações de recurso:
• Uma declaração emitida pelo Instituto de Acção Social das Forças Armadas, datada de 20.4.2022, que descreve as funções desempenhadas pela recorrente nessa entidade;
• A cópia de uma página do Diário da República, 2.ª Série, de 7.6.2010 contendo, além do mais, um extracto do despacho 9526/2010 do Instituto de Acção Social das Forças Armadas.
8. Nas contra-alegações, o recorrido não impugnou os documentos juntos às alegações.
9. Os documentos em crise foram emitidos antes em 28.4.2023, data em que foi intentada a presente acção (cf. referência citius 3712384).
10. A junção de documentos ao recurso de apelação convoca a aplicação do disposto nos artigos 425.º e 651.º do Código de Processo Civil (CPC). Na interpretação desses preceitos o Tribunal acompanha a seguinte jurisprudência (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 6640/12.8TBMAI.P2.S1, ponto II do sumário):
(...)
II - A junção de documentos na fase de recurso não só é excecional como depende da alegação e prova, por parte do apresentante de uma de duas situações:
(i) da impossibilidade de apresentação do documento até ao encerramento da discussão em primeira instância, exigindo-se, neste caso, a demonstração pelo interessado na sua junção da superveniência objetiva (por o documento se ter formado depois daquele momento) ou subjetiva (por o documento, não obstante existir anteriormente, só se ter tornado conhecido do apresentante em momento posterior ao encerramento da discussão e por razões que, num quadro de normal diligência, revelem a impossibilidade do mesmo ter tido conhecimento anterior da existência do documento);
(ii) da junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento em primeira instância, ou seja, quando o julgamento da primeira instância tenha introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional. (...)”.
11. Daqui resulta que, na prática, para que a junção de documentos ao recurso seja admissível, ou a recorrente demonstra a impossibilidade objectiva ou subjectiva da junção dos documentos até ao encerramento da discussão em primeira instância, o que não é o caso, ou a sentença da primeira instância introduz um elemento novo que torna necessária a junção da prova documental adicional, o que é o caso, pelos motivos a que a seguir explicados nos parágrafos 24 e 25, para cujo teor o Tribunal remete.
12. Motivos pelos quais, nos termos do artigo 651.º n.º 1 parte final do CPC, ex vi artigo 87.º n.º 1 do CPT, o Tribunal admite a junção dos documentos mencionados no parágrafo 7.
Delimitação do âmbito do recurso
13. Tem relevância para a decisão do recurso a seguinte questão, vertida nas conclusões:
A. Estatuto profissional correspondente à categoria de enfermeira gestora
Factos
14. Os factos provados e não provados serão a seguir agrupados, respectivamente, em dois parágrafos, antecedidos da numeração/alíneas, pelas quais foram designados na sentença recorrida, para facilitar a leitura e remissões.
15. Factos provados
1. Em 04-12-2012, a autora celebrou com Escala Vila Franca – Sociedade Gestora de Estabelecimentos, SA, um contrato de trabalho por tempo indeterminado, nos termos do Código do Trabalho, para exercício da sua actividade profissional de enfermeira, por conta e sob a direcção e autoridade da referida sociedade e com início em 15-02-2013.
2. A Escala Vila Franca, SA geria o Hospital de Vila Franca de Xira através de contrato de gestão celebrado em 25 de Outubro de 2010, em regime de parceria público-privada (PPP), entre o Estado Português, representado pela Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo I. P. (ARSLVT, I. P.).
3. As funções então contratadas com a autora compreendiam programar, executar e avaliar os cuidados gerais de enfermagem, requeridos pelo estado de saúde do indivíduo, família e comunidade, no âmbito da patologia, prevenção, tratamento e reabilitação da doença e tipo de intervenção do serviço.
4. Sendo acordado que acessoriamente à actividade contratada referida a autora exercia as funções de Coordenação da Unidade de Psiquiatria.
5. O trabalho seria de 40 horas semanais em regime de turnos, de acordo com as escalas a definir pela direcção dos respectivos serviços e de acordo com as necessidades dos mesmos
6. Como retribuição eram-lhe pagos 2.600,00€ ilíquidos, a que acresceria o montante mensal ilíquido de 300,00€ a pagar catorze vezes por ano pelo exercício da função acessória de coordenação da Unidade de Psiquiatria, quanto tal exercício se mantiver, suplemento que a partir de Dezembro/2021 deixou de ser liquidado quando a autora celebrou contrato trabalho em comissão serviço.
7. Nos anos de 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, a autora para além das funções inerentes às categorias de enfermeiro e de enfermeiro especialista, tinha funções de planeamento, organização, direcção e avaliação dos cuidados de enfermagem, utilizando um modelo facilitador do desenvolvimento organizacional e promotor da qualidade e segurança.
8. A autora geria os recursos da unidade ou serviço, optimizando as respostas às necessidades em cuidados de saúde das pessoas, grupos e comunidade, defendendo os princípios do Serviço Nacional de Saúde, bem como o respeito pela ética e pela deontologia do exercício da enfermagem.
9. Geria os recursos humanos funcionalmente dependentes em função das necessidades de cuidados, nomeadamente através da elaboração de planos de trabalho, escalas e planos de férias, optimizando a eficiência e a produtividade.
10. Criava as condições para um trabalho cooperativo e de efectiva articulação da equipa multiprofissional e um ambiente de trabalho saudável na unidade ou serviço, salvaguardando a dignidade e autonomia de exercício profissional e promovendo o desenvolvimento pessoal e profissional dos enfermeiros.
11. Garantia uma prática de enfermagem na unidade ou serviço baseada em normas de boas práticas e na melhor evidência disponível.
12. Garantia a implementação dos processos de melhoria contínua da qualidade dos cuidados de enfermagem e participar nos processos de acreditação e certificação.
13. Promovia uma cultura de segurança na prestação de cuidados de saúde, gerindo os riscos na sua unidade ou serviço, integrando grupos de trabalho e comissões nesta área.
14. Promovia a divulgação de informação relevante para o exercício profissional de enfermagem na unidade ou serviço.
15. Responsabilizava-se pela valorização de competências da equipa que geria, facilitando e promovendo os processos formativos de acordo com as directrizes institucionais.
16. Avaliava o desempenho profissional dos enfermeiros e enfermeiros especialistas, bem como colaborava, quando adequado, na avaliação de desempenho de outros profissionais que estivessem funcionalmente dependentes.
17. Implementava auditorias internas com vista à melhoria da qualidade dos cuidados de saúde prestados.
18. Promovia o desenvolvimento da investigação e inovação em enfermagem, envolvendo a equipa na utilização dos resultados para a melhoria da qualidade dos cuidados e criação de valor.
19. Promovia a formação pré e pós-graduada da enfermagem, criando condições facilitadoras do processo de ensino e aprendizagem.
20. Garantia a documentação da prática clínica e a monitorização de indicadores sensíveis aos cuidados de enfermagem, com o recurso às tecnologias de informação.
21. Participava na determinação dos postos de trabalho de trabalhadores enfermeiros e enfermeiros especialistas a prever no mapa de pessoal para a unidade ou serviço, tendo em vista os cuidados de enfermagem a prestar, baseada em instrumentos de cálculo validados, que garantam a segurança na prestação de cuidados de enfermagem.
22. Participava, em articulação com a direcção do serviço, no processo de contratualização interna relativo à respectiva unidade ou serviço.
23. Participava na determinação das necessidades de recursos materiais e equipamentos para a prestação de 8 cuidados na unidade ou serviço, tendo em conta critérios de custo, efectividade e segurança.
24. Emitia pareceres, exercer funções de assessoria técnica e participar nas comissões de escolha de materiais e equipamentos para a prestação de cuidados.
25. Sendo estas as funções que a autora exercia quando da extinção do contrato de gestão de parceria público-privada que Escala Vila Franca, SA celebrara com o Estado Português que passou, em 31-05-2021, a exercer para a ré.
26. Em 02-12-2021 autora e ré celebraram contrato de comissão de serviço, com efeitos a 1 de Novembro de 2021, a fim de a autora exercer funções de Enfermeira “responsável” do Serviço de Medicina, Sala Sul, piso 4.
27. O referido contrato foi celebrado em regime de isenção de horário e com termo quando concluído o procedimento concursal para nomeação de enfermeiro gestor, retomando a autora a sua categoria de origem com a cessação do mesmo.
28. Em 22 de Julho de 2022, a Autora solicitou à ré que, ao abrigo do artigo 106.º, n.ºs 1 e 3, alínea c) do CT a informasse sobre qual era a sua categoria profissional o que nunca foi respondido pela ré.
29. Dos recibos de remuneração da autora consta como categoria profissional “enfermeira”
30. Nunca foi paga qualquer prestação a título de Isenção de Horário de Trabalho à autora desde que foi celebrado o contrato de trabalho em comissão de serviço.
31. A Autora cumpre um período normal de trabalho de oito horas por dia, cinco dias por semana, com início às 8.00horas e termo às 16.00 horas.
32. O valor da retribuição base da autora era de 3 400,00€ em 2021, de 3 430,60€ em 2022 e de 3 499,21€ em 2023.
16. Factos não provados
Nenhuns.
Quadro legal relevante
17. Para a apreciação do recurso tem relevo, essencialmente, o quadro legal seguinte:
Código do Trabalho ou CT
Artigo 115.º
Determinação da actividade do trabalhador
1 - Cabe às partes determinar por acordo a actividade para que o trabalhador é contratado.
2 - A determinação a que se refere o número anterior pode ser feita por remissão para categoria de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou de regulamento interno de empresa.
3 - Quando a natureza da actividade envolver a prática de negócios jurídicos, considera-se que o contrato de trabalho concede ao trabalhador os necessários poderes, salvo se a lei exigir instrumento especial.
Artigo 118.º
Funções desempenhadas pelo trabalhador
1 - O trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que se encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida actividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional.
2 - A actividade contratada, ainda que determinada por remissão para categoria profissional de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional.
3 - Para efeitos do número anterior e sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, consideram-se afins ou funcionalmente ligadas, designadamente, as funções compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional.
4 - Sempre que o exercício de funções acessórias exigir especial qualificação, o trabalhador tem direito a formação profissional não inferior a dez horas anuais.
5 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no número anterior.
Artigo 285.º
[Redacção dada pela Lei n.º 18/2021 de 8.4]
Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento
1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
3 - Com a transmissão constante dos n.ºs 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.
4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º, mantendo-o ao seu serviço, excepto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.
6 - O transmitente responde solidariamente pelos créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, bem como pelos encargos sociais correspondentes, vencidos até à data da transmissão, cessão ou reversão, durante os dois anos subsequentes a esta.
7 - A transmissão só pode ter lugar decorridos sete dias úteis após o termo do prazo para a designação da comissão representativa, referido no n.º 6 do artigo seguinte, se esta não tiver sido constituída, ou após o acordo ou o termo da consulta a que se refere o n.º 4 do mesmo artigo.
8 - O transmitente deve informar o serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral:
a) Do conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações;
b) Havendo transmissão de uma unidade económica, de todos os elementos que a constituam, nos termos do n.º 5.
9 - O disposto no número anterior aplica-se no caso de média ou grande empresa e, a pedido do serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, no caso de micro ou pequena empresa.
10 - O disposto no presente artigo é aplicável a todas as situações de transmissão de empresa ou estabelecimento por adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de seleção, no setor público e privado, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, produzindo efeitos no momento da adjudicação.
11 - Constitui contraordenação muito grave:
a) A conduta do empregador com base em alegada transmissão da sua posição nos contratos de trabalho com fundamento em transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou em transmissão, cessão ou reversão da sua exploração, quando a mesma não tenha ocorrido;
b) A conduta do transmitente ou do adquirente que não reconheça ter havido transmissão da posição daquele nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores quando se verifique a transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou a transmissão, cessão ou reversão da sua exploração.
12 - A decisão condenatória pela prática de contraordenação referida na alínea a) ou na alínea b) do número anterior deve declarar, respetivamente, que a posição do empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores não se transmitiu, ou que a mesma se transmitiu.
13 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 7, 8 ou 9.
14 - Aos trabalhadores das empresas ou estabelecimentos transmitidos ao abrigo do presente artigo aplica-se o disposto na alínea m) do n.º 1 do artigo 3.º e no artigo 498.º
Decreto Lei n.º 247/2009 de 22.9 (Estabelece o regime da carreira de enfermagem nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, bem como os respectivos requisitos de habilitação profissional e percurso de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica) doravante também DL 247/2009
Artigo 7.º
Categorias
1 - A carreira de enfermagem estrutura-se nas seguintes categorias:
a) Enfermeiro;
b) Enfermeiro principal.
2 - Os rácios dos enfermeiros principais na organização dos serviços, estruturados conforme a carreira aprovada pelo presente decreto-lei, e desenvolvidos em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, são estabelecidos em diploma próprio, no prazo de 30 dias após a entrada em vigor do presente decreto-lei.
Artigo 7.º
[Redacção do Decreto-Lei n.º 71/2019 de 27.5, em vigor a partir de 1.6.2019]
Categorias
1 - A carreira de enfermagem é pluricategorial e estrutura-se nas seguintes categorias:
a) Enfermeiro;
b) Enfermeiro especialista;
c) Enfermeiro gestor.
2 - As categorias referidas no número anterior devem estar expressamente previstas na caracterização dos postos de trabalho dos mapas de pessoal dos respetivos serviços ou estabelecimentos, discriminando-se a atividade a executar, bem como, tratando-se da categoria de enfermeiro especialista, qual o colégio de especialidade da Ordem dos Enfermeiros em que o seu ocupante deve estar inscrito.
3 - Para os efeitos previstos no número anterior, salvo situações excecionais, em que a segurança na prestação de cuidados de enfermagem determine outras necessidades, o número total de postos de trabalho correspondentes à categoria de enfermeiro especialista não deve ser superior a 25 % do total de enfermeiros de que o serviço ou estabelecimento careça para o desenvolvimento das respetivas atividades.
4 - A alteração do número de postos de trabalho depende de parecer prévio favorável dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da Administração Pública e da saúde.
5 - A previsão, nos mapas de pessoal, de postos de trabalho que devam ser ocupados por enfermeiros gestores depende da necessidade de gerir uma unidade ou serviço com, pelo menos, 10 enfermeiros.
6 - Os enfermeiros gestores podem acumular a gestão de duas ou mais unidades ou serviços, caso as mesmas, individualmente, não completem o número mínimo de enfermeiros previstos no número anterior.
Artigo 9.º
[Redacção do Decreto-Lei n.º 71/2019 de 27.5, em vigor a partir de 1.6.2019]
Conteúdo funcional da categoria de enfermeiro
1 - O conteúdo funcional da categoria de enfermeiro, desenvolvido com plena autonomia técnico-científica, é inerente às respetivas qualificações e competências em enfermagem e tem como foco o indivíduo, a família e a comunidade, ao longo de todo o seu ciclo de vida.
2 - Ao enfermeiro incumbe, designadamente:
a) Identificar necessidades de cuidados de enfermagem no âmbito da promoção de saúde, da prevenção da doença, do tratamento, da reabilitação e readaptação funcional e da paliação;
b) Planear os cuidados de enfermagem, tendo em conta as necessidades de cuidados identificadas, estabelecendo prioridades de acordo com os recursos disponíveis;
c) Prestar cuidados de enfermagem ao longo do ciclo de vida e nos três níveis de prevenção, documentando apropriadamente todas as intervenções e informações relevantes para a garantia da continuidade e qualidade dos cuidados e para a avaliação da sua eficiência;
d) Avaliar os cuidados de enfermagem, ajustando-os sempre que necessário;
e) Registar e produzir informação relativa ao exercício profissional, incluindo a relevante para os sistemas de informação;
f) Avaliar as suas intervenções, contribuindo para o desenvolvimento de uma prática baseada na evidência, tendo em vista a eficiência e qualidade dos cuidados de enfermagem, a autonomia e a valorização profissional;
g) Participar nos processos de decisão próprios da sua atividade integrando as equipas multidisciplinares;
h) Promover e participar em ações que visem articular as diferentes redes e níveis de cuidados de saúde;
i) Participar em processos formativos, contribuindo para a sua valorização profissional e para a valorização profissional dos seus pares;
j) Colaborar no processo de formação de estudantes de enfermagem;
k) Coordenar e supervisionar enfermeiros em contexto de integração profissional;
l) Supervisionar, quando adequado, a formação de outros perfis profissionais;
m) Participar e colaborar em projetos de investigação;
n) Integrar júris de procedimentos concursais para recrutamento.
Artigo 10.º-A
[Redacção do Decreto-Lei n.º 71/2019 de 27.5, em vigor a partir de 1.6.2019]
Conteúdo funcional da categoria de enfermeiro especialista
Para além do conteúdo funcional da categoria de enfermeiro, o enfermeiro especialista desenvolve competências próprias inerentes à sua área de especialização, competindo-lhe designadamente:
a) Identificar as necessidades em saúde do indivíduo, família, grupo ou comunidade, planear cuidados, coordenar e desenvolver intervenções em enfermagem na sua área de especialidade;
b) Prestar cuidados de enfermagem diferenciados e complexos, dentro da sua área de especialidade, ao longo do ciclo de vida e nos três níveis de prevenção, documentando apropriadamente todas as intervenções e informações relevantes para a garantia da continuidade e qualidade dos cuidados e para a avaliação da sua eficiência;
c) Avaliar as intervenções de enfermagem diferenciadas e complexas, ajustando-as sempre que necessário;
d) Avaliar as intervenções de enfermagem na sua área de especialidade, contribuindo para o desenvolvimento de uma prática baseada na evidência, tendo em vista a eficiência e qualidade dos cuidados de enfermagem, a autonomia e a valorização profissional;
e) Responsabilizar-se pela área de enfermagem, nas equipas multiprofissionais, no que diz respeito ao diagnóstico de enfermagem na sua área de especialidade e à consecução das intervenções delas decorrentes;
f) Exercer funções de consultadoria de natureza técnico-científica na sua área de especialidade;
g) Definir indicadores sensíveis aos cuidados de enfermagem na sua área de especialidade e monitorizar os resultados obtidos em articulação com o enfermeiro gestor ou com o que exerça funções de direção;
h) Coordenar a supervisão clínica de estudantes de enfermagem;
i) Coordenar a supervisão clínica de enfermeiros especialistas da sua área de especialidade;
j) Coordenar e supervisionar enfermeiros especialistas em contexto de integração profissional;
k) Coordenar, quando adequado, a formação de outros perfis profissionais;
l) Identificar oportunidades relevantes para a investigação em saúde, investigando ou colaborando em estudos de investigação e divulgando os seus resultados;
m) Colaborar nos processos de avaliação de desempenho dos enfermeiros e enfermeiros especialistas, desde que funcionalmente dependentes;
n) Participar em projetos institucionais na área da acreditação e certificação, gestão da qualidade e do risco, em particular na sua área de especialidade;
o) Integrar júris de procedimentos concursais para recrutamento de enfermeiros e enfermeiros especialistas na sua área de especialidade.
Artigo 10.º-B
[Redacção do Decreto-Lei n.º 71/2019 de 27.5, em vigor a partir de 1.6.2019]
Conteúdo funcional da categoria de enfermeiro gestor
Para além das funções inerentes às categorias de enfermeiro e de enfermeiro especialista, ao enfermeiro gestor, cujo conteúdo funcional integra, na generalidade, as funções de planeamento, organização, direção e avaliação dos cuidados de enfermagem, utilizando um modelo facilitador do desenvolvimento organizacional e promotor da qualidade e segurança, compete ainda e em especial:
a) Gerir os recursos da unidade ou serviço, otimizando as respostas às necessidades em cuidados de saúde das pessoas, grupos e comunidade, defendendo os princípios do Serviço Nacional de Saúde, bem como o respeito pela ética e pela deontologia do exercício da enfermagem;
b) Gerir os recursos humanos funcionalmente dependentes em função das necessidades de cuidados, nomeadamente através da elaboração de planos de trabalho, escalas e planos de férias, otimizando a eficiência e a produtividade;
c) Criar as condições para um trabalho cooperativo e de efetiva articulação da equipa multiprofissional e um ambiente de trabalho saudável na unidade ou serviço, salvaguardando a dignidade e autonomia de exercício profissional e promovendo o desenvolvimento pessoal e profissional dos enfermeiros;
d) Garantir uma prática de enfermagem na unidade ou serviço baseada em normas de boas práticas e na melhor evidência disponível;
e) Garantir a implementação dos processos de melhoria contínua da qualidade dos cuidados de enfermagem e participar nos processos de acreditação e certificação;
f) Promover uma cultura de segurança na prestação de cuidados de saúde, gerindo os riscos na sua unidade ou serviço, integrando grupos de trabalho e comissões nesta área;
g) Promover a divulgação de informação relevante para o exercício profissional de enfermagem na unidade ou serviço;
h) Responsabilizar-se pela valorização de competências da equipa que gere, facilitando e promovendo os processos formativos de acordo com as diretrizes institucionais;
i) Avaliar o desempenho profissional dos enfermeiros e enfermeiros especialistas, bem como colaborar, quando adequado, na avaliação de desempenho de outros profissionais que estejam funcionalmente dependentes;
j) Implementar auditorias internas com vista à melhoria da qualidade dos cuidados de saúde prestados;
k) Promover o desenvolvimento da investigação e inovação em enfermagem, envolvendo a equipa na utilização dos resultados para a melhoria da qualidade dos cuidados e criação de valor;
l) Promover a formação pré e pós-graduada da enfermagem, criando condições facilitadoras do processo de ensino e aprendizagem;
m) Garantir a documentação da prática clínica e a monitorização de indicadores sensíveis aos cuidados de enfermagem, com o recurso às tecnologias de informação;
n) Participar na determinação dos postos de trabalho de trabalhadores enfermeiros e enfermeiros especialistas a prever no mapa de pessoal para a unidade ou serviço, tendo em vista os cuidados de enfermagem a prestar, baseada em instrumentos de cálculo validados, que garantam a segurança na prestação de cuidados de enfermagem;
o) Participar, em articulação com a direção do serviço, no processo de contratualização interna relativo à respetiva unidade ou serviço;
p) Participar na determinação das necessidades de recursos materiais e equipamentos para a prestação de cuidados na unidade ou serviço, tendo em conta critérios de custo, efetividade e segurança;
q) Emitir pareceres, exercer funções de assessoria técnica e participar nas comissões de escolha de materiais e equipamentos para a prestação de cuidados.
Artigo 11.º
[Redacção do Decreto-Lei n.º 71/2019 de 27.5, em vigor a partir de 1.6.2019]
Condições de admissão
1 - O exercício de funções no âmbito da carreira especial de enfermagem depende da obtenção do título profissional atribuído pela Ordem dos Enfermeiros.
2 - Para admissão à categoria de enfermeiro é exigida a titulação em cédula profissional definitiva, atribuída pela Ordem dos Enfermeiros.
3 - A admissão para a categoria de enfermeiro especialista faz-se de entre os enfermeiros, com pelo menos quatro anos de exercício profissional, detentores do título de enfermeiro especialista exigido para o preenchimento do correspondente posto de trabalho.
4 - A admissão para a categoria de enfermeiro gestor faz-se de entre enfermeiros especialistas, com três anos de exercício de funções na especialidade correspondente à do serviço ou unidade a que respeita o posto de trabalho a ocupar, e preferencialmente habilitados com formação em gestão de serviços de saúde.
Artigo 12.º
[Redacção do Decreto-Lei n.º 71/2019 de 27.5, em vigor a partir de 1.6.2019]
Recrutamento
1 - O recrutamento para os postos de trabalho sujeitos ao regime do Código do Trabalho, correspondentes à carreira de enfermagem, incluindo mudança de categoria, é feito mediante processo de selecção com observância do disposto no artigo 11.º do presente decreto-lei.
2 - Os requisitos de candidatura e a tramitação do processo de selecção previstos no número anterior são regulados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
3 - Na sequência de procedimento concursal para recrutamento de trabalhadores necessários à ocupação de postos de trabalho na carreira de enfermagem, a determinação do posicionamento remuneratório do candidato realiza-se nos termos do artigo 38.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na sua redação atual, com a especificidade prevista nos números seguintes.
4 - No recrutamento para as categorias de enfermeiro especialista e de enfermeiro gestor, o posicionamento remuneratório faz-se para a primeira posição remuneratória da respetiva categoria.
5 - Caso o candidato aufira remuneração igual ou superior à da primeira posição remuneratória das categorias de enfermeiro especialista e de enfermeiro gestor, o posicionamento remuneratório faz-se na posição remuneratória que na estrutura remuneratória da categoria para a qual se faz o recrutamento corresponda o nível remuneratório superior mais aproximado.
Artigo 14.º
Reconhecimento de títulos e categorias
Os títulos atribuídos pela Ordem dos Enfermeiros no âmbito da profissão de enfermagem, bem como as categorias de carreira, são oponíveis para a elegibilidade necessária aos procedimentos de recrutamento e mudança de categoria previstos nas normas aplicáveis.
Decreto Lei n.º 104/98 de 21.4 (Ordem dos Enfermeiros e respectivo Estatuto) doravante também DL 104/98
Artigo 3.º
[Redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 104/98, de 21.4]
Atribuições
1 - A Ordem tem como desígnio fundamental promover a defesa da qualidade dos cuidados de enfermagem prestados à população, bem como o desenvolvimento, a regulamentação e o controlo do exercício da profissão de enfermeiro, assegurando a observância das regras de ética e deontologia profissional.
2 - São atribuições da Ordem:
a) Zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de enfermeiro, promovendo a valorização profissional e científica dos seus membros;
b) Assegurar o cumprimento das regras de deontologia profissional;
c) Contribuir, através da elaboração de estudos e formulação de propostas, para a definição da política da saúde;
d) Definir o nível de qualificação profissional dos enfermeiros e regulamentar o exercício da profissão;
e) Atribuir o título profissional de enfermeiro;
f) Efectuar o registo de todos os enfermeiros;
g) Proteger o título e a profissão de enfermeiro, promovendo procedimento legal contra quem o use ou exerça a profissão ilegalmente;
h) Exercer jurisdição disciplinar sobre os enfermeiros;
i) Promover a solidariedade entre os seus membros;
j) Fomentar o desenvolvimento da formação e da investigação em enfermagem, pronunciar-se sobre os modelos de formação e a estrutura geral dos cursos de enfermagem;
l) Ser ouvida em processos legislativos que respeitem à prossecução das suas atribuições;
m) Prestar a colaboração científica e técnica solicitada por qualquer entidade nacional ou estrangeira, pública ou privada, quando exista interesse público;
n) Promover o intercâmbio de ideias, experiências e conhecimentos científicos entre os seus membros e organismos congéneres, nacionais ou estrangeiros, que se dediquem aos problemas da saúde e da enfermagem;
o) Colaborar com as organizações de classe que representam os enfermeiros em matérias de interesse comum, por iniciativa própria ou por iniciativa daquelas organizações.
3 - Incumbe ainda à Ordem representar os enfermeiros junto dos órgãos de soberania e colaborar com o Estado e demais entidades públicas sempre que estejam em causa matérias relacionadas com a prossecução das atribuições da Ordem, designadamente nas acções tendentes ao acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde e aos cuidados de enfermagem.
Artigo 8.º
[Redacção actual, alterada pela Lei 111/2009 de 16.9]
Títulos
1 - O título de enfermeiro reconhece competência científica, técnica e humana para a prestação de cuidados de enfermagem gerais.
2 - O título de enfermeiro é atribuído ao membro, titular de cédula profissional, inscrito na Ordem nos termos do artigo anterior.
3 - O título de enfermeiro especialista reconhece competência científica, técnica e humana para prestar cuidados de enfermagem especializados nas áreas de especialidade em enfermagem, reconhecidas pela Ordem.
4 - O título de enfermeiro especialista é atribuído ao detentor do título de enfermeiro, após ponderação dos processos formativos e de certificação de competências, numa área clínica de especialização, nos termos do regulamento da especialidade, aprovado pela Ordem e homologado pelo membro do Governo responsável pela área da saúde.
5 - Os títulos atribuídos nos termos dos n.os 2 e 4 são inscritos na cédula profissional.
Decreto Lei 33/2021 de 12.5 (Cria o Hospital de Vila Franca de Xira E.P.E.) doravante também DL 33/2021
Artigo 2.º
Âmbito
1 - É criada a entidade pública empresarial com a denominação de Hospital de Vila Franca de Xira, E. P. E., pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial.
2 - O Hospital de Vila Franca de Xira, E. P. E., integra o Serviço Nacional de Saúde (SNS) para efeitos de aplicação do disposto no Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro, na sua redação atual, que estabelece os princípios e regras aplicáveis às unidades de saúde que integram o SNS com natureza de entidade pública empresarial, regendo-se também pelo regime jurídico do setor público empresarial.
Artigo 3.º
Sucessão
1 - O Hospital de Vila Franca de Xira, E. P. E., sucede na universalidade de bens, direitos e obrigações que, em 31 de maio de 2021, reverteriam para a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I. P. (ARSLVT, I. P.), com a extinção, na parte respeitante ao estabelecimento hospitalar, do contrato de gestão do Hospital de Vila Franca de Xira (Contrato de Gestão), celebrado, ao abrigo do regime de parceria público-privada, entre o Estado Português, representado pela ARSLVT, I. P., e a Escala Vila Franca - Sociedade Gestora do Estabelecimento, S. A. (Escala Vila Franca).
2 - A sucessão pelo Hospital de Vila Franca de Xira, E. P. E., no processo de reversão ao abrigo do Contrato de Gestão, deve assegurar a plena continuidade da operação do estabelecimento hospitalar.
3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a sucessão ocorre por mero efeito da lei, independentemente de quaisquer formalidades, assumindo o Hospital de Vila Franca de Xira, E. P. E., as posições jurídicas que seriam assumidas pela ARSLVT, I. P., com a cessação do Contrato de Gestão.
4 - O Hospital de Vila Franca de Xira, E. P. E., assume ainda as posições contratuais da Escala Vila Franca nos subcontratos celebrados com terceiras entidades, relativamente aos quais a ARSLVT, I. P., ou outra entidade por esta indicada, manifeste a intenção de assumir a posição contratual da Escala Vila Franca.
Artigo 15.º
Transmissão de trabalhadores
1 - A posição do empregador nos contratos de trabalho celebrados pela Escala Vila Franca, em vigor no momento da transmissão da gestão do estabelecimento hospitalar, transmite-se para o Hospital de Vila Franca de Xira, E. P. E., nos termos do disposto no artigo 285.º do Código do Trabalho, aprovado em anexo à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual.
2 - Os trabalhadores com vínculo de emprego público que, no momento da transmissão da gestão do estabelecimento hospitalar, estejam a exercer funções no estabelecimento hospitalar do Hospital de Vila Franca de Xira são reafetos ao Hospital de Vila Franca de Xira, E. P. E., mantendo o respetivo estatuto jurídico funcional e sendo criado um mapa de pessoal com o número de postos de trabalho correspondentes, nos termos e para os efeitos do regime previsto no artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro, na sua redação atual, e demais disposições legais aplicáveis.
Decreto Lei n.º 133/2013 de 3.10 (Regime Jurídico do Sector Público Empresarial) doravante também DL 133/2013
Artigo 17.º
Regime laboral
1 - Aos trabalhadores das empresas públicas aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho.
2 - A matéria relativa à contratação coletiva rege-se pela lei geral.
Doutrina e jurisprudência que o Tribunal leva em conta
18. O Tribunal leva em conta os seguintes elementos, mencionados na fundamentação:
Doutrina
António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.º Edição, Almedina
Jurisprudência disponível em dgsi.pt
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 6640/12.8TBMAI.P2.S1
Apreciação do recurso
A. Estatuto profissional correspondente à categoria de enfermeira gestora
19. A título liminar o Tribunal começa por clarificar o seguinte.
20. A recorrente/autora, na petição inicial, formulou os dois pedidos seguintes (cf. petição inicial aperfeiçoada junta com a referência citius 13797490 de 22.5.2023):
“(...) deve a presente acção ser julgada procedente, declarando-se:
(a) que a Autora tem a categoria de “enfermeiro gestor”;
(b) que a Autora tem direito a receber compensação por isenção de horário de trabalho desde 1 de Novembro de 2021, no valor correspondente a duas horas de trabalho suplementar por semana;”
21. O presente recurso tem por objecto apenas a parte da sentença recorrida que julgou improcedente e absolveu o recorrido do pedido formulado na alínea a) transcrita no parágrafo anterior. Com efeito, a recorrente no requerimento pelo qual interpôs o presente recurso, restringiu o seu objecto a essa parte da decisão – cf. artigo 635.º n.º 2 do CPC.
22. Por tal motivo, fora do objecto do recurso, por já ter sido apreciado pela sentença recorrida na parte não impugnada, fica a apreciação do contrato de comissão de serviço (cf. artigo 161.º do CT), mencionado no facto provado 26.
23. Convém também sublinhar que não incidindo o presente recurso sobre a matéria de facto, o Tribunal da Relação não procede à reapreciação dos documentos 5 e 6 juntos à petição inicial apresentada em primeiro lugar, nem do documento 19 junto à petição inicial aperfeiçoada, referidos pelas partes nas respectivas alegações e contra-alegações, excepto se ocorrer violação de uma regra de direito material probatório que determine a modificação oficiosa da decisão sobre a matéria de facto (cf. artigo 662.º n.º 1 do CPC) ou se de tais documentos resultarem factos não incluídos no elenco dos apreciados pelo Tribunal a quo, que devam ser levados em consideração na elaboração do presente acórdão (cf. artigos 607.º e 663.º n.º 2 do CPC), situações que, porém, não se verificam no presente recurso.
24. Dito isto, a fundamentação da sentença recorrida que é posta em crise pela argumentação da recorrente é, no essencial, a seguinte:
“Pretendendo a autora que lhe seja reconhecida a categoria profissional de enfermeiro-gestor, sendo esta uma categoria prevista numa profissão que é objecto de regulamentação legal de aptidões e habilitações, sobre a mesma recai o ónus de demostrar a verificação dos requisitos legais e não apenas a demostração do trabalho que realiza – cfr art.º 342º nº 1 do Código Civil.
Em concreto incumbia também à autora alegar e demonstrar a sua categoria de enfermeira especialista (cfr art.º 8º nº 3 e 4 do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, aprovado pelo DL 104/98, de 21-04), o tempo de exercício de funções nessa especialidade e a existência de um procedimento de selecção.
Na falta de demonstração de tais pressupostos constitutivos do seu direito ao reconhecimento da categoria de enfermeiro gestor não pode a sua pretensão proceder.”
25. Por meio da referência, citada no parágrafo anterior, feita à exigência legal de a autora demonstrar a categoria de enfermeira especialista, o período de exercício de funções nessa categoria e a existência de um procedimento de selecção, como condições para poder aceder à categoria de enfermeira gestora que pretende que lhe seja reconhecida, a sentença recorrida introduziu na acção o elemento de novidade que torna necessária a consideração da prova adicional junta às alegações de recurso, para clarificar a situação em análise.
26. Assim, no que releva para a apreciação do presente recurso, extrai-se do documento 2 junto às alegações (cópia da publicação no Diário da República) e é um facto notório, do conhecimento geral, que não carece de alegação nem prova por se encontrar publicado no Diário da República (cf. artigo 514.º n.º 1 do CPC), que em 27.5.2010 foi autorizada a celebração de contrato em funções públicas por tempo indeterminado, entre o Instituto de Acção Social das Forças Armadas e a recorrente, após concurso interno no qual a recorrente foi seleccionada, para prover um dos lugares mencionados no mapa de pessoal do Instituto de Acção Social das Forças Armadas, na categoria profissional de enfermeira especialista, na área de enfermagem de reabilitação, da carreira de enfermagem.
27. Do documento 1 junto às alegações, que é um documento particular assinado, não impugnado, com o valor probatório previsto no artigo 376.º do Código Civil (CC), decorre que a recorrente foi nomeada enfermeira especialista do quadro do Instituto de Acção Social das Forças Armadas, após concurso interno geral de acesso, com efeitos em 27.5.2010, conforme publicação no Diário da República, e que pôs termo ao respectivo contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, com efeitos em 19.2.2013.
28. Pelo que, a recorrente comprovou que satisfez, mediante concurso público, as condições de acesso à categoria de enfermeira especialista – categoria então prevista no artigo 8.º n.º 3 do Decreto Lei n.º 104/98 (Ordem dos Enfermeiros e respectivo Estatuto), na redacção da Lei 111/2009 – e que exerceu funções nessa categoria no âmbito da execução do contrato de trabalho em funções públicas celebrado com o Instituto de Acção Social das Forças Armadas, entre 27.5.2010 e 19.2.2013.
29. O que sucede é que o objecto da presente acção não consiste no reconhecimento da categoria de enfermeira especialista para a qual a recorrente foi selecionada no âmbito do concurso interno organizado pelo Instituto de Acção Social das Forças Armadas, mas consiste, antes, em saber se no contrato individual de trabalho aqui em causa, celebrado com uma empresa privada, no âmbito de uma parceria público-privada em saúde, cuja empregadora transmitiu a posição contratual a uma entidade pública empresarial (o recorrido), estando a parceria em saúde e o recorrido integrados no sistema nacional de saúde:
i. A recorrente lançou mão da faculdade prevista no artigo 14.º do DL 247/2009, de opor títulos atribuídos pela Ordem dos Enfermeiros ou categorias de carreira, nomeadamente a de enfermeira especialista a que acedeu mediante concurso público noutra instituição, para ser elegível no recrutamento como enfermeira gestora no âmbito do contrato de trabalho aqui em crise ou para, no decurso desse contrato mudar de categoria para a categoria de enfermeira gestora, mediante a observância do procedimento exigido pelos artigos 11.º e 12.º do DL 247/2009;
ii. Ou se, ainda que isso não tenha sucedido, a recorrente logrou provar, como lhe cabia (cf. artigo 342.º n.º 1 do CC) que o seu estatuto profissional é melhor identificado pela categoria de enfermeira gestora pelo facto de existir uma discrepância entre as funções que exerceu e a categoria profissional mencionada no contrato de trabalho objecto da presente acção.
30. Para solucionar os dois problemas enunciados no parágrafo anterior o Tribunal leva a cabo a seguinte ponderação.
31. No que toca ao primeiro problema enunciado no parágrafo 29 (qualificação profissional da recorrente), o que resulta do facto provado 1 é que na celebração do contrato de trabalho aqui em causa a recorrente opôs o título de enfermeira que é atribuído pela Ordem dos Enfermeiros como se extrai do artigo 3.º n.º 2 – e) do DL 104/98 (na redacção original do diploma).
32. Porém, a recorrente não provou, como lhe cabia (cf. artigo 342.º n.º 1 do CC), que exerceu a faculdade prevista no artigo 14.º do DL 247/2009 de opor a categoria de carreira de enfermeira especialista a que tinha acedido mediante concurso público noutra instituição, no recrutamento que esteve na base da celebração do contrato de trabalho aqui em causa; nem resulta dos factos provados que durante a execução do contrato agora em questão a recorrente tenha oposto a categoria de enfermeira especialista para mudar de categoria para a categoria de enfermeira gestora, mediante participação em procedimento organizado pelo empregador nos termos dos artigos 11.º e 12.º do DL 247/2009.
33. Pelo que, nessa parte, a sentença recorrida não merece censura, não obstante a prova adicional cuja junção ao presente recurso foi admitida.
34. Para resolver o segundo problema enunciado no parágrafo 29, saber se com base na discrepância entre as funções exercidas e a categoria mencionada no contrato de trabalho, o estatuto profissional da recorrente é mais aproximado da categoria de enfermeira gestora, o Tribunal leva em conta os seguintes factores.
35. A categoria de “enfermeiro gestor”, que é a expressão constante do artigo 7.º n.º 1 – c) do DL 247/2009, na redação do DL 71/2019 que aqui também será referida como “enfermeira gestora”, em 15.2.2013, data da celebração do contrato de trabalho agora em causa, não estava prevista no DL 247/2009. As categorias da carreira de enfermagem previstas no artigo 7.º do DL 247/2009 na redacção em vigor à data da celebração do contrato de trabalho eram as de enfermeiro e enfermeiro principal. A categoria de enfermeiro especialista estava então prevista no artigo 8.º n.º 3 do Decreto Lei n.º 104/98, na redacção da Lei 111/2009.
36. Nesse contexto legal, tal como resulta dos factos provados 1 e 2, a recorrente celebrou com a empresa Escala Vila Franca – Sociedade Gestora de Estabelecimentos, SA, um contrato de trabalho por tempo indeterminado para exercício da actividade profissional de enfermeira, com início em 15.2.2013; essa empresa geria o Hospital de Vila Franca de Xira através de um contrato de gestão celebrado em 25.10.2010, em regime de parceria público-privada (PPP), entre o Estado Português, representado pela Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo I. P. (ARSLVT, I. P.).
37. Provou-se que num período de 9 anos (entre 2013 e 2022) a recorrente, durante 7 anos (nos anos de 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021) para além das funções inerentes à categoria de enfermeira, também exerceu funções de enfermeira especialista (categoria que passou a estar prevista também no DL 247/2009, por força das alterações nele introduzidas pelo o DL 71/2019, que entrou em vigor a partir de 1.6.2019) e as demais funções enunciadas nos factos provados 7 a 24.
38. Sendo o contrato de trabalho um contrato de execução continuada, ao longo da sua execução foram introduzidas alterações legislativas na classificação das categorias profissionais aqui em causa, que o Tribunal leva em conta na qualificação da situação de facto apurada nos factos provados 7 a 24. Tais alterações constam dos artigos 9.º, 10.º -A e 10.º -B do DL 247/2009 na redacção actual, introduzida pelo DL 71/2019. À luz desse quadro legal, as funções efectivamente exercidas pela recorrente durante cerca de sete anos (entre 2015 e 2021) combinam funções das seguintes categorias:
• Enfermeira, categoria cujo conteúdo funcional está enunciado no artigo 9.º do DL 247/2009 – eg. registar e produzir informação, como consta do facto provado 20, enquadra-se no artigo 9.º n.º 2 e); participar em processos de decisão próprios da sua actividade, como consta dos factos provados 22 e 23, enquadra-se no artigo 9.º n.º 2- g);
• Enfermeira especialista, categoria cujo conteúdo funcional está enunciado no artigo 10.º - A do Dl 247/2009 – eg. emitir pareceres, como consta do facto provado 24, enquadra-se no artigo 10.º - A – f);
• Enfermeira gestora, categoria cujo conteúdo funcional está enunciado no artigo 10.º-B do DL 247/2009 – eg. gerir recursos humanos, como consta dos factos provados 8 e 9, enquadra-se no disposto no artigo 10.º - B - a) e b); criar condições para um trabalho cooperativo, como conta do facto provado 10, enquadra-se no disposto no artigo 10.º-B – c).
39. Adicionalmente, decorre dos factos provados 15 a 28 que a recorrente exercia as funções combinadas das várias categorias mencionadas no parágrafo anterior quando terminou o contrato de gestão de parceria público-privada e, a partir de 31.5.2021, foi transmitida a posição contratual do seu empregador para o recorrido, com os efeitos previstos no artigo 285.º do CT (na redacção da Lei 18/21 de 8.4, em vigor na data da transmissão do estabelecimento pela empresa Escala Vila Franca – Sociedade Gestora de Estabelecimentos, SA para o recorrido).
40. Os contornos fácticos acima descritos convocam a aplicação dos vários preceitos legais que a seguir serão mencionados.
41. O contrato individual de trabalho celebrado entre a recorrida e a empresa Escala Vila Franca – Sociedade Gestora de Estabelecimentos, SA, rege-se pelo Código do Trabalho (cf. artigo 11.º do CT).
42. O Hospital de Vila Franca de Xira EPE (entidade pública empresarial) foi criado pelo DL 33/2021 de 12.5 – cf. artigo 2.º desse diploma legal.
43. O Hospital de Vila Franca de Xira, E. P. E., sucedeu na universalidade de bens, direitos e obrigações que, em 31.5.2021, reverteriam para a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I. P. (ARSLVT, I. P.), com a extinção, na parte respeitante ao estabelecimento hospitalar, do contrato de gestão do Hospital de Vila Franca de Xira celebrado ao abrigo do regime de parceria público-privada, entre o Estado Português, representado pela ARSLVT, I. P., e a Escala Vila Franca - Sociedade Gestora do Estabelecimento, S. A. (Escala Vila Franca) – cf. artigo 3.º do DL 33/2021.
44. Não tendo a recorrente vínculo de emprego público no momento da transmissão da gestão do estabelecimento hospitalar em causa, a posição do empregador no contrato de trabalho que a recorrente tinha celebrado com a empresa Escala Vila Franca – Sociedade Gestora de Estabelecimentos, S.A., transmitiu-se para o Hospital de Vila Franca de Xira, E.P.E., nos termos do disposto no artigo 285.º do CT, para o qual remete o artigo 15.º do DL 33/2021.
45. Por sua vez, o artigo 2.º n.º 2 do DL 33/2021 remete para o DL 18/2017 de 10.2 (Regime Jurídico e Estatutos Aplicáveis às Unidades de Saúde do Serviço Nacional de Saúde), que atualmente se encontra revogado pelo artigo 105.º do DL 52/2022 de 4.8 (Estatuto do Serviço Nacional de Saúde).
46. Porém, sendo o artigo 18.º do DL 18/2017 aplicável ratione temporis (cf. artigo 12.º do Código Civil), convém levar em conta que dele decorre o seguinte: o Hospital de Vila Franca de Xira, sendo uma E.P.E. (entidade pública empresarial) integrada no SNS (Serviço Nacional de Saúde) é uma pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial; rege-se pelo regime jurídico aplicável às entidades públicas empresariais previsto pelo DL 133/2013 de 3.10, com as especificidades na altura previstas no DL 18/2017 e nos Estatutos constantes dos anexos II e III ao DL 18/2017, bem como nos respetivos regulamentos internos e nas normas em vigor para o SNS que não contrariem as normas ali previstas; o regime fixado pelo DL 18/2017 e pelos Estatutos a ele anexos tem caráter especial relativamente ao disposto no regime jurídico do sector público empresarial, subsidiariamente aplicável com as devidas adaptações.
47. De acordo com o artigo 17.º n.º 1 do DL 133/2013 (Regime Jurídico do Sector Púbico Empresarial) que se mantém em vigor, ao contrato de trabalho aqui em causa, após a transmissão da posição de empregadora para o Hospital de Vila Franca de Xira, E. P. E. (recorrido), continua a aplicar-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho previsto no CT.
48. Assim, contrariamente ao que defende o recorrido, não existindo entre as partes uma relação jurídica de emprego público constituída por contrato de trabalho em funções públicas, não se aplica o regime previsto no DL 248/2009 de 22.9 (cf. artigo 2.º desse diploma legal) e, portanto, não se aplica ao contrato aqui em litígio o procedimento de selecção e mudança de categoria profissional previsto na Portaria 153/2020 (cf. artigo 1.º dessa portaria).
49. O contrato de trabalho em análise está, antes, coberto pelo âmbito de aplicação do DL 247/2009, como já foi acima referido, diploma que estabelece o regime da carreira de enfermagem nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, bem como os respectivos requisitos de habilitação profissional e percurso de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica. Com efeito, nos termos do artigo 2.º do DL 247/2009, esse diploma aplica-se aos enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho nos termos do Código do Trabalho, nas E.P.E. e nas parcerias em saúde, integradas no S.N.S., como sucede no presente caso.
50. Em consequência, as condições de admissão e o procedimento de recrutamento e mudança de categoria na carreira de enfermagem, previstos nos artigos 11.º e 12.º do DL 247/2009 aplicam-se ao caso em análise, quer no período em que esteve em vigor a parceria público-privada (parceria em saúde), quer depois de a posição da empregadora ter sido transmitida para o recorrido nos termos previstos no artigo 285.º do CT.
51. Por seu lado, o artigo 12.º n.ºs 1 e 2 do DL 247/2009 prevê que o recrutamento para os postos de trabalho sujeitos ao regime do Código do Trabalho, correspondentes à carreira de enfermagem, incluindo a mudança de categoria, é feito mediante processo de selecção com observância do disposto no artigo 11.º do DL 247/2009, sendo os requisitos de candidatura e a tramitação do processo de selecção regulados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
52. Tal como já foi acima mencionado, as categorias de enfermeiro e enfermeiro principal assim como o respectivo conteúdo funcional, em 15.2.2013, data da celebração do contrato de trabalho aqui em causa, estavam previstos nos artigos 7.º, 9.º e 10.º do DL 247/2009 na redacção original desse diploma, mas tal regime foi alterado, passando a estar previsto nos artigos 7.º, 9.º, 10.º - A e 10.º - B º do DL 247/2009 na redacção dada pelo DL 71/2019 de 2.5, que entrou em vigor em 1.6.2019.
53. Assim, enquanto o artigo 7.º n.º 1 do DL 247/2009, na redacção em vigor à data da celebração do contrato de trabalho, previa duas categorias na carreira de enfermagem, enfermeiro e enfermeiro principal, o artigo 7.º do DL 247/2009, na redacção dada pelo DL 71/2019, passou a prever que a carreira de enfermagem é pluricategorial e estrutura-se nas categorias de enfermeiro, enfermeiro especialista e enfermeiro gestor.
54. Feito este enquadramento, para saber se a recorrente tem razão quando reivindica o reconhecimento da categoria de enfermeira gestora, importa agora ponderar a actividade contratada, a natureza da categoria profissional aqui em causa e a função efectivamente exercida (cf. sobre a ponderação dessas noções, António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.º Edição, Almedina, páginas 320 a 339, doutrina que o Tribunal acompanha na análise que se segue).
55. Estando o contrato de trabalho em análise sujeito ao regime do Código do Trabalho, a posição jurídica da recorrente na organização da empresa que passou a integrar por força desse contrato – que constitui o seu estatuto jurídico – é determinada pela actividade contratada – cf. artigo 115.º do CT.
56. A designação sintética do género de trabalho que corresponde ao que é realmente feito pela recorrente, é a categoria. A categoria resulta de dois factores pré-contratuais: um ligado ao empregador, que é a vaga existente na organização/serviço de saúde em causa, que se define pela função ou serviços necessários; o outro ligado à trabalhadora, que consiste na profissão e qualificações profissionais da recorrente.
57. No que respeita à verificação dos dois factores pré-contratuais que fazem parte da categoria, mencionados no parágrafo anterior, convém levar em conta que o artigo 7.º do DL 247/2009 na redacção em vigor à data da celebração do contrato de trabalho aqui em causa não previa a categoria de enfermeiro gestor e não exigia, como sucede na redacção actual, que as categorias nele estabelecidas estivessem expressamente previstas na caracterização dos postos de trabalho dos mapas de pessoal dos respetivos serviços ou estabelecimentos.
58. Em qualquer dos casos, porém, o Tribunal deve apurar se se verificam os pressupostos pré-contratuais dos quais resulta a categoria. Ora a esse propósito a prova produzida nos autos não é abundante: por um lado, no que respeita ao factor pré-contratual dependente do empregador, provou-se apenas o que decorre da actividade contratada pelo empregador (funções de enfermeira e acessoriamente, funções de coordenação como ficou apurado nos factos provados 2 e 3); por outro lado, no que respeita ao factor pré-contratual dependente da trabalhadora, provou-se apenas a oposição, pela recorrente, do título profissional de enfermeira (como ficou apurado no facto provado 1).
59. Adicionalmente, o Tribunal leva em conta que a categoria exprime um género de actividade no qual deve caber a função principal atribuída à recorrente na organização – cf. artigo 118.º do CT.
60. No que respeita à categoria, o contrato de trabalho indica que a categoria da recorrente é enfermeira. Porém, apurou-se que na prática a recorrente exerceu de forma combinada as funções de várias categorias da carreira de enfermagem, como já foi acima explicado.
61. A esse propósito, convém recordar que o artigo 118.º n.º 2 do CT estabelece que empregador pode usar a força de trabalho da recorrente/trabalhadora, em funções afins ou conexas, que vão para além da actividade contratada, mas são delimitáveis a partir dela. No caso em análise trata-se de funções afins porque as funções exercidas estão incluídas na mesma carreira profissional de enfermagem – cf. artigos 118.º n.º 3 do CT e 7.º do DL 247/2009.
62. Também é importante sublinhar que a categoria não tem uma função delimitadora das tarefas exigíveis à trabalhadora/recorrente, nem isso está em causa no presente recurso. A esse propósito, decorre do artigo 115.º do CT que a vontade das partes é soberana, podendo elas combinar tarefas constantes do conteúdo funcional de diversas categorias de modo a ajustar as qualificações profissionais da trabalhadora às necessidades da empresa, quando contratam a actividade.
63. Ora, o que decorre dos factos provados 3 e 4 é que a actividade contratada foi a seguinte: as funções da recorrente compreendiam programar, executar e avaliar os cuidados gerais de enfermagem, requeridos pelo estado de saúde do indivíduo, família e comunidade, no âmbito da patologia, prevenção, tratamento e reabilitação da doença e tipo de intervenção do serviço; acessoriamente a recorrente exercia as funções de Coordenação da Unidade de Psiquiatria.
64. Dito isto, é a partir da actividade contratada que deve ser encontrada a categoria a atribuir à recorrente que exprima o género predominante de trabalho que foi objecto do contrato. Tal como já foi acima mencionado, a categoria não se reflecte numa definição rígida da actividade exigível à recorrente, mas tem antes por objectivo conferir à recorrente um certo estatuto profissional na empresa/organização hospitalar.
65. A dificuldade colocada no presente recurso consiste em saber qual das categorias da carreira de enfermagem exprime de modo aproximativo o núcleo central do objecto do contrato.
66. Para resolver essa dificuldade convém levar em conta que, no caso da carreira de enfermagem, a categoria assume a natureza de conceito normativo uma vez que o DL 247/2009 estabelece as várias categorias da carreira de enfermagem, o grau profissional e a descrição das funções correspondentes a cada uma delas e que isso deve ser conjugado com o regime previsto no DL 104/98.
67. Quando assume a natureza de um conceito normativo, a categoria converte uma realidade empírica num título de acesso a certos direitos, benefícios e garantias que integram o estatuto profissional.
68. Porém, pode não existir correspondência entre a realidade empírica, ou seja, entre as funções efetivamente exercidas, e o conceito normativo em causa. É precisamente isso que está em causa quando a recorrente reivindica o estatuto profissional em análise.
69. Cabe então ao Tribunal determinar a concreta posição da recorrente na empresa/organização hospitalar levando em conta que a designação categorial – enfermeira – constante do contrato de trabalho – é um indício do estatuto profissional, mas não é um factor decisivo. Esse indício deve ser ponderado a par de outros, desde que estejam disponíveis nos autos.
70. Dos factos provados 7 a 25 já acima analisados não decorre a quantidade de esforço ou tempo dedicado pela recorrente respectivamente a cada uma das funções que exercia, o que não permite apurar se ao longo da execução do contrato, as funções compreendidas no conteúdo funcional da categoria de enfermeira gestora foram exercidas a título principal. Ora, como cabia à recorrente o ónus de provar tais factos e como subsiste a dúvida sobre a sua realidade, na dúvida o Tribunal decide contra a parte a quem tais factos aproveitam, a saber, a recorrente (cf. artigos 342.º n.º 1 e 346.º parte final do CC e artigo 414.º do CPC).
71. Assim, dentro dos limites do provado, a vontade expressa pelas partes no contrato foi a de que a recorrente exerceria principalmente funções da categoria de enfermeira e acessoriamente funções de coordenação na Unidade de Psiquiatria. Não tendo a recorrente provado que foi contratada para um lugar de enfermeira gestora de acordo com a previsão do empregador, nem que exercia a título principal as funções de enfermeira gestora, o acordo das partes quanto ao exercício acessório de funções de coordenação numa unidade determinada constitui um indício adicional de que a categoria que exprime de modo mais aproximado o estatuto profissional da recorrente é a de enfermeira.
72. Pelo que, tendo em conta a actividade contratada, as funções efectivamente exercidas e os indícios acima ponderados, disponíveis nos autos, afigura-se que a categoria que exprime de modo mais aproximado o núcleo central do contrato de trabalho aqui em causa é a categoria de enfermeira prevista no artigo 7.º n.º 1 – a) do DL 247/2009.
73. Motivos pelos quais, improcede o presente recurso e mantém-se a decisão recorrida.
Em síntese
74. O Tribunal admite a junção ao recurso dos documentos mencionados no parágrafo 7, ao abrigo do disposto no artigo 651.º n.º 1 parte final do CPC.
75. Dos factos provados decorre que a recorrente durante cerca de 7 anos exerceu efectivamente funções combinadas correspondentes a várias categorias da carreira de enfermagem (definidas pelo DL 247/2009, nas sucessivas versões, conjugado com o DL 104/98), entre as quais, funções que fazem parte do conteúdo funcional da categoria de enfermeira gestora.
76. Não se apurou a quantidade de esforço ou tempo dedicado pela recorrente, respectivamente, a cada uma das funções que exercia, o que não permite apurar se ao longo da execução do contrato, as funções compreendidas no conteúdo funcional da categoria de enfermeira gestora foram exercidas a título principal. Cabia à recorrente fazer essa prova (cf. artigo 342.º do CC).
77. A vontade expressa pelas partes no contrato foi a de que a recorrente exerceria principalmente funções da categoria de enfermeira, prevista no artigo 7.º n.º 1 – a) do DL 247/2009 e, acessoriamente exerceria funções de coordenação da Unidade de Psiquiatria.
78. A designação categorial – enfermeira – constante do contrato de trabalho – é um indício do estatuto profissional da recorrente, mas não é um factor decisivo. Esse indício deve ser ponderado a par de outros, desde que estejam disponíveis nos autos.
79. O acordo das partes quanto ao exercício acessório de funções de coordenação da Unidade de Psiquiatria constitui um indício adicional de que a categoria que exprime de modo mais aproximado o estatuto profissional da recorrente é a de enfermeira.
80. A recorrente não provou, como lhe cabia, que foi contratada para um lugar de enfermeira gestora de acordo com as necessidades e previsão do empregador, nem que opôs o título profissional de enfermeira especialista a que acedera junto de outra instituição, quando celebrou o contrato de trabalho agora em análise, nem que alterou a sua categoria para enfermeira gestora no decurso do contrato, mediante observância do procedimento previsto nos artigos 11.º e 12.º do DL 247/2009.
81. Pelo que, dentro dos limites do provado e tendo em conta a actividade contratada, as funções efectivamente exercidas e os indícios acima ponderados, disponíveis nos autos, afigura-se que a categoria que exprime de modo mais aproximado o núcleo central do contrato de trabalho aqui em causa é a categoria de enfermeira prevista no artigo 7.º n.º 1 – a) do DL 247/2009.
82. Motivos pelos quais improcede o recurso e mantém-se a sentença recorrida.
Decisão
Acordam as Juízes desta secção em:
I. Julgar improcedente o recurso e manter a sentença recorrida.
II. Condenar a recorrente nas custas do recurso – artigo 527.º n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 87.º n.º 1 do CPT.

Lisboa, 14.5.2025
Paula Pott
Alda Martins
Eugénia Guerra