Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | SANDRA OLIVEIRA PINTO | ||
| Descritores: | INSOLVÊNCIA DOLOSA ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO CONDIÇÕES | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/21/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | I- A atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar. Para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, “vulgares” ou “comuns”, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios. II- Não tendo o Tribunal recorrido considerado que qualquer das assinaladas circunstâncias revelasse uma acentuada diminuição da ilicitude do facto ou da culpa do agente ou, ainda, da necessidade de pena, não tinha que referir expressamente que não existia fundamento para atenuar especialmente a pena, precisamente porque, como já expusemos, uma tal atenuação se configure como excecional, e, por isso, a sua justificação carece de demonstrar-se pela positiva, o que não aconteceu. III- A suspensão da execução da pena de prisão pode ser condicionada ao cumprimento de deveres e regras de conduta, cuja imposição deve estar sujeita a uma dupla limitação: a de que eles sejam compatíveis com todo o asseguramento possível dos direitos fundamentais do condenado; e a de que o seu cumprimento seja exigível no caso concreto, sendo critério essencial que se encontrem numa relação estrita de adequação e de proporcionalidade com os fins preventivos almejados. IV- É evidente a razoabilidade e adequação do dever imposto pelo Tribunal a quo, destinado a garantir que a censura ínsita na condenação não passa despercebida ao arguido, posto que, no tempo que mediou desde a prática dos factos, se vem mostrando deveras insensível ao sofrimento causado pela sua conduta. V- Se, porventura, vier a ocorrer incumprimento, haverá oportunidade, no regular funcionamento do regime legal que se deixou exposto, de averiguar se esse hipotético incumprimento compromete, ou não, as finalidades da suspensão. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa * I. Relatório 1. No Juízo Local Criminal de Torres Vedras (Juiz 1) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, foi julgado o arguido AA, filho de BB e de CC, natural da freguesia da ..., concelho de Torres Vedras, nascido a ........1943, divorciado, comerciante, atualmente reformado, residente na ..., tendo sido condenado, após comunicação de alteração não substancial dos factos, por sentença datada de 10.03.2025 pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelos artigos 14.º, 26.º, 227.º, n.ºs 1, alínea a) e 3 e 229.º-A do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão. Mais se decidiu suspender na sua execução, pelo período de 4 (quatro) anos, a referida pena de prisão e sujeitar a suspensão à condição de o arguido efetuar o pagamento do valor devido a título de indemnização aos demandantes, devendo demonstrar o pagamento do valor mínimo de € 1.200,00 (mil e duzentos euros) mensais, fazendo semestralmente prova disso nos autos, ao abrigo do disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1, 2 e 5 e 51.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal. Foi ainda decidido “julgar os pedidos de indemnização civil nos autos formulados parcialmente procedentes por provados e, em consequência, condenar o demandado AA a pagar aos demandantes DD, EE e FF as seguintes quantias: - DD: • € 13.467,41 (treze mil quatrocentos e sessenta e sete euros e quarenta e um cêntimos); • quantia a liquidar equivalente às retribuições vencidas desde .../.../2013 e até ao trânsito em julgado da sentença laboral sem prejuízo do desconto dos valores referidos nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho; até ao limite do pedido formulado; • Acrescidas de juros de mora contados da data da notificação à taxa supletiva civil até integral pagamento quanto à quantia liquidada e vincendos quanto à quantia a liquidar. - EE • € 23.095,87 (vinte e três mil e noventa e cinco euros e oitenta e sete cêntimos); • quantia a liquidar relativa a retribuições vencidas desde .../.../2013 e até ao trânsito em julgado da sentença laboral sem prejuízo do desconto dos valores referidos nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho; • quantia a liquidar relativa aos proporcionais de retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de natal do ano de cessação do contrato; até ao limite do pedido formulado; • Acrescida de juros de mora contados da data da notificação à taxa supletiva civil até integral pagamento quanto à quantia liquidada e vincendos quanto à quantia a liquidar. - FF • € 8.490,00 (oito mil quatrocentos e noventa euros); • quantia a liquidar relativa aos subsídios de férias e de natal devidos nos anos de 1999 a 2003 e 2005 a 2012; • quantia a liquidar relativa a retribuições vencidas desde .../.../2013 e até ao trânsito em julgado da sentença laboral sem prejuízo do desconto dos valores referidos nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho; até ao limite do pedido formulado; • Acrescida de juros de mora contados da data da notificação à taxa supletiva civil até integral pagamento quanto à quantia liquidada e vincendos quanto à quantia a liquidar”. * 2. Inconformado com a decisão final condenatória, dela interpôs recurso o arguido, pedindo que seja especialmente atenuada a pena em que foi condenado, e revogada a condição da suspensão da respetiva execução, por considerá-la de cumprimento impossível. Extraiu da respetiva motivação as seguintes conclusões: “[…] 3 - A douta sentença não teve em consideração o tempo decorrido entre a data dos factos e a decisão proferida. 4 - Menciona essa circunstância na da determinação da medida da pena mas não explicita de forma clara, se tal circunstância depõe a favor ou contra o arguido. 5 - Passaram mais de 12 anos desde os factos até hoje. 6 - O tempo decorrido constitui uma atenuante, nos termos do artigo 72º nº2 alínea d) do Código Penal, o que não foi tido em consideração pelo Tribunal. 7 - A boa conduta do arguido pode inferir-se pela ausência de antecedentes criminais registados, pelos depoimentos das testemunhas abonatórias e pela sua integração familiar. 8 - A douta sentença recorrida não teve tal circunstância em atenção, não atenuado especialmente a pena aplicada ao arguido com base neste pressuposto. 9 - Nem tão pouco justificou a não aplicação desta atenuante, sendo totalmente omissa quanto a este instituto. 10 - A suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido, foi sujeita à condição de este pagar mensalmente aos Assistentes a quantia de 1200,00€. 11 - Tal condição é impossível de cumprir. 12 - Os factos 31) a 36), dados como provados, demonstram que o arguido não dispõe de capacidade financeira que lhe permita realizar este pagamento. 13 - A imposição de tal condição, conjugada com o facto referidos, condena o arguido numa pena de prisão efetiva pelo não pagamento dos valores em dívida. 14 - A presente decisão contradiz-se, uma vez que se por um lado faz um juízo de prognose favorável ao arguido, e suspende a pena de prisão, por outro condiciona tal suspensão ao pagamento de valores que o arguido é incapaz de cumprir. 15 - Não se mostra previsível que o arguido, com a idade que tem, os problemas de saúde que lhe estão diagnosticados e a incapacidade de que padece, venha a encontrar atividade profissional que lhe permita efetuar tal pagamento. 16 - A sujeição da suspensão da execução da pena a esta condição, significa que, decorridos 4 anos, sobre o trânsito em julgado da sentença, o arguido terá de cumprir a pena de prisão efetiva de 3 anos. 17 - Com a presente decisão, o arguido, condenado a uma pena de prisão efetiva, tendo a douta sentença proferido uma condenação para o futuro. 18 - Esta é uma condição impossível, que o Tribunal fixou, mas que o arguido nunca poderá cumprir. 19 - Os 1200,00€ mensais que o arguido deveria pagar aos Assistentes, destinam-se a liquidar os valores das indemnizações concedidas. 20 - A quantia concretamente devida aos Assistentes encontra-se apenas parcialmente liquidadas. 21 - É impossível o arguido proceder a tal liquidação. 22 - É impossível determinar o montante realmente em dívida a cada Assistente. 23 - No caso do Assistente DD, se o arguido lhe entregar 400,00€ mensais (o que apenas por mera hipótese se refere, uma vez que como supra exposto o arguido não dispões de condições económicas para isso), receberia o Assistente 19.200,00€. 24 - Quantia claramente superior ao valor líquido apurado. 25 - O que consubstanciaria um prejuízo irreparável para o arguido. 26 - O douto tribunal a quo, sujeitou a suspensão da pena aplicada ao arguido a uma condição impossível e ilíquida, a qual o arguido não tem quaisquer condições de satisfazer. 27 - A suspensão da pena aplicada ao arguido acabará por vir a ser revogada. 28 - Tal revogação consubstanciará a prisão do arguido pelo não pagamento de dívidas. 29 - O que é inconstitucional à luz da lei fundamental portuguesa, cf. acórdão nº 440/87 do Tribunal Constitucional e viola diversos normativos internacionais. 30 - A decisão deve ser revogada, pois viola o disposto nos artigos 71º e 72º do Código Penal, 1º; 18º n.º 2 e 27º nº 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, o artigo 6º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artigo 1º do Protocolo nº 4 Adicional à referida Convenção. Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente ser a douta sentença revogada. Assim se fazendo V. Exas. a costumada JUSTIÇA.” 3. O recurso foi admitido por legal e tempestivo. 4. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso interposto, pugnando pela respetiva improcedência, concluindo nos seguintes termos: “1. É a presente resposta ao recurso interposto por AA da sentença proferida em 10.03.2025, que o condenou, pela prática do crime de insolvência dolosa, p. e p. pelos artigos 14.º, 26.º, 227.º, n.ºs 1, alínea a) e 3 e 229.º-A, do Cód. Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos e sujeita à condição de o arguido efectuar o pagamento do valor devido a título de indemnização aos demandantes, devendo demonstrar o pagamento do valor mínimo de € 1.200,00 (mil e duzentos euros) mensais, fazendo semestralmente prova disso nos autos; 2. Não se conformando com tal, interpôs o arguido o presente recurso, defendendo, em suma, que a sentença não teve em consideração o tempo decorrido entre a data dos factos e a decisão e a condição aplicada é impossível de cumprir por não se mostrar “(…) previsível que o arguido, com a idade que tem, os problemas de saúde que lhe estão diagnosticados e a incapacidade de que padece, venha a encontrar actividade profissional que lhe permita efectuar tal pagamento”, pugnando pela revogação da sentença proferida por violação do disposto nos artigos 71.º e 72.º, do Cód. Penal, 18.º, n.º 2 e 27.º, n.ºs 1 e 2 da CRP, 6.º, n.º 1 da CEDH e artigo 1.º do protocolo n.º 4 adicional à CEDH; 3. Compulsado o recurso apresentado, constata-se que a questão suscitada é, em síntese, a seguinte: a ausência de consideração, na medida da pena, do tempo volvido entre a data da prática dos factos e a decisão e, por outro lado, a condição a que ficou sujeita a suspensão da execução da referida pena de prisão. 4. Cotejados os normativos em causa temos que o crime de insolvência dolosa agravado é punido com pena de prisão de 1 (um) mês e 10 (dez) dias até 6 (seis) anos e 8 (oito) meses, ou com pena de multa de 13 (treze) dias até 800 (oitocentos) dias; 5. Ora, contrariamente ao que refere o Recorrente, a determinação da medida da pena foi devida e cautelosamente ponderada pelo Tribunal; 6. Todavia, invoca o Recorrente que devia ter sido aplicado o instituto da atenuação especial da pena, considerando eu decorreu muito tempo desde a data da prática dos factos; 7. O que, no nosso entendimento, não pode proceder; 8. Como defende a Jurisprudência, “O fundamento da atenuação especial da pena consiste na diminuição acentuada da ilicitude, na diminuição acentuada da culpa e ainda na diminuição acentuada da necessidade da pena e, portanto, das exigências de prevenção1.”, salientando-se ainda “(…) que o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena2”; 9. O que, manifestamente, não se verifica no caso em apreço, não bastando que, para tal, tenha decorrido muito tempo desde a data da prática dos factos; 10. Conforme o Tribunal a quo deixou patente na sentença recorrida, as necessidades de prevenção geral são muito elevadas “considerando, por um lado, o sinal que importa transmitir à comunidade, que muitas vezes trata com alguma indiferença este tipo de criminalidade e, por outro e principalmente, o sinal que a comunidade espera da punição deste crime” e as necessidades de prevenção especial também, atenta a “(…) a personalidade revelada na prática dos factos [que] apresenta-se fortemente contrária ao direito, considerando o modo evidente e exuberante com que atuou, transferindo todo o património, ainda de valor e em quantidade consideráveis, como resulta dos factos provados, para terceiros. Não se denota, também, qualquer autocensura pela prática dos factos (o que se extrai da circunstância de não ter o arguido procurado, de qualquer modo, pagar aos trabalhadores os créditos laborais). Por fim, a circunstância de o arguido, pese embora a sua idade e estado de saúde, continuar a exercer atividade remunerada, tendo pessoas a trabalhar para si, desmontando carros, vendendo peças, etc., o que acentua estas exigências.” 11. Termos em que se justifica que no caso sub judice não tenha sido aplicada a atenuação especial da pena a que alude o artigo 72.º, do Cód. Penal; 12. Depois, insurge-se o Recorrente contra a condição a que foi sujeita a suspensão da execução da pena de prisão por considerar que a mesma é de impossível cumprimento; 13. Afigura-se-nos, todavia, que a sentença proferida não merece qualquer reparo quanto a este propósito; 14. Por um lado, bem andou o Tribunal a quo ao decidir suspender a execução da pena de prisão aplicada, considerando a inserção familiar do arguido, a sua saúde débil e a ausência de antecedentes criminais, por outro, igualmente bem andou ao condicionar a suspensão da execução da referida pena ao pagamento da indemnização devida aos trabalhadores; 15. Ora, de acordo com a sentença proferida nos autos, o arguido aufere uma reforma no valor de € 400,00 (quatrocentos euros), uma reforma do estrangeiro no valor de € 100,00 (cem euros) mensais, continua a efectuar negócios de compra e venda de veículos, retirando desta actividade em média cerca de € 400,00 (quatrocentos euros) mensais, a companheira aufere € 300,00 (trezentos euros) de reforma, auferem um apoio social no montante de € 100,00 (cem euros) e recebem, ainda, € 200,00 (duzentos euros) referentes a uma renda, o que se traduz num rendimento mensal de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros); 16. Sendo que, de acordo com a sentença, não suporta qualquer despesa com renda, água, luz ou gás; 17. Donde resulta que improcede o alegado pelo arguido que se encontra numa situação de fragilidade económica, sendo impossível, por ora, efectuar o juízo de que o arguido irá, necessariamente, incumprir a condição que lhe foi imposta; 18. Termos em que se afigura que a sentença proferida não merece qualquer reparo, devendo ser mantida na sua íntegra. Por tudo quanto se expôs, entende o Ministério Público que o recurso ora em apreço não merece qualquer provimento, devendo improceder na totalidade, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos. Assim decidindo, farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!” 5. Neste Tribunal, a Exma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416º do Código de Processo Penal, apresentou parecer, nos seguintes termos: “Começando pela questão do recurso à atenuação especial da pena, entende-se que, ainda que sob o nº. 2 al. d) se faça referência ao decurso do tempo como uma das circunstâncias suscetível de justificar o recurso a tal instituto, não é possível concluir-se no sentido de uma diminuição acentuada da necessidade da pena, salientando-se que, vendo-se a questão por outro prisma, apesar do decurso do tempo, o arguido não procurou reparar, mesmo que apenas parcialmente, o prejuízo causado aos credores. Entende-se assim que as exigências de prevenção não se mostram acentuadamente diminuídas. Conforme vem sendo entendido, o recurso à atenuação especial da pena apenas deve ocorrer em situações absolutamente excecionais, sendo que a circunstância do tempo decorrido desde a data da prática dos factos pode e deve assumir relevância na determinação da medida concreta da pena, sendo um elemento a favor do arguido. Assim considerou o STJ no acórdão de 24 de março de 2022, acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4f95f5d423006e3780258810003af793?OpenDocument, que estatui: “I - Quando o legislador dispõe sobre a moldura penal para um certo tipo de crime, prevê as diversas modalidades e graus de realização do facto, desde os da menor até aos da maior gravidade pensáveis, de modo que, em todos os casos, a aplicação da pena concretamente determinada possa corresponder ao limite da culpa e às exigências de prevenção. Quando, em hipóteses especiais, existem circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição, relativamente ao complexo “normal” dos factos visados pela moldura penal, o legislador procedeu à substituição dessa moldura penal por outra menos severa. Para além de outros casos, expressamente previstos na lei de atenuação especial da pena, o legislador, consagrou, na parte geral do Código Penal, uma cláusula geral de atenuação especial da pena, nos seus arts. 72.º e 73.º. II - A jurisprudência tem sido exigente na aplicação do art. 72.º do CP, limitando a atenuação especial da pena a casos extraordinários ou excecionais de acentuada diminuição da ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. III - Uma vez que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar, pois para a generalidade dos casos, para os «casos normais», lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios (…)” Neste sentido, estatui igualmente o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29 de junho de 2011, acessível em https://jurisprudencia.pt/acordao/117224/, que “A atenuação especial da pena só pode ter lugar, em casos extraordinários ou excepcionais, isto é, quando é de concluir que a adequação à culpa e às necessidades de prevenção geral e especial não é possível dentro da moldura geral abstracta escolhida pelo legislador para o tipo respectivo. Ou seja, é na acentuada diminuição da ilicitude ou da culpa, ou nas exigências da prevenção, que radica a autêntica ratio da atenuação especial da pena, sendo as circunstâncias enumeradas no n° 2 do artº 72º CP, meramente indicativas.” No que respeita à segunda questão suscitada pelo arguido, considera-se assistir-lhe razão. O crime de insolvência dolosa, p. e p. pelo artº. 227º. nº. 1 al. a) e nº. 3 e 229º.-A do Código Penal, é punido com pena de prisão de 1 mês e 10 dias até 6 anos e 8 meses ou com pena de multa de 13 dias até 800 dias, sendo que o tribunal recorrido estava limitado à aplicação de uma pena máxima de 5 anos de prisão. Foi aplicada ao arguido a pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 4 anos, mediante a condição de pagamento aos demandantes do valor de indemnização devido, à razão mensal de € 1.200,00. O recurso interposto pelo arguido cinge-se à questão relativa à condição de suspensão fixada. Nos termos do disposto no artº. 50º. nº. 2 do CP, o tribunal se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, prevendo o artigo seguinte, sob o seu nº. 1 al. a) poder ser imposto o dever de pagamento, dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, estatuindo o nº. 2 que, “Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado, obrigações cujo cumprimento não seja razoável de lhe exigir”. Não se discorda das exigências de prevenção geral que se fazem, no caso, sentir, salientadas pelo tribunal, sendo que, não obstante, o facto de terem já decorrido cerca de 12 anos desde a prática dos factos não pode deixar de relevar. Quanto a esta questão relevam também as suas condições pessoais do arguido, a idade avançada de quase 82 anos e as doenças de que padece. Por outro lado, há que considerar os rendimentos do mesmo, sendo que o cumprimento da obrigação de pagamento mensal da quantia determinada pelo tribunal aos demandantes, acarretaria que o mesmo (assim como o seu agregado familiar), ficasse com o rendimento disponível de apenas € 300,00. Não se considera, perante tais circunstâncias, que seja razoável a exigência do cumprimento de tal obrigação, nos termos determinados pelo tribunal. Entende-se assim que deverá a condição de suspensão da pena ser alterada, substituída por outra que, de acordo com o prudente critério do tribunal, se considere ajustada, nomeadamente o pagamento da quantia total de € 5.000,00 a cada um dos demandantes, parcelada em montante não superior a € 500,00 mensais. Pelo exposto, considera-se ser de dar provimento parcial ao recurso.” Foi cumprido o artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, sendo que apenas os assistentes FF, EE e DD, apresentaram resposta, manifestando discordância com a posição expressa e pugnando pela total improcedência do recurso. * II. questões a decidir Com a conformação que é dada ao objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, podemos afirmar que as questões a apreciar são as seguintes: - violação do disposto no artigo 72º do Código Penal, por não ter sido especialmente atenuada a pena imposta ao arguido: - violação do artigo 51º, n 2º do Código Penal, respeitante ao condicionamento da suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento mensal do valor de € 1.200,00 (mil e duzentos euros) aos assistentes. * III. Da decisão recorrida Com interesse para a apreciação do recurso, consta da decisão recorrida: “A. Fundamentação de facto Factos provados: Da prova produzida e com interesse para a decisão da causa resultou provado que: 1) A sociedade ... é uma sociedade comercial unipessoal por quotas, constituída em .../.../1999, com capital social no valor de um milhão e quinhentos mil escudos, com sede em ..., concelho de …, e com objeto social de comércio de …. 2) O arguido AA sempre foi o único sócio e gerente da referida sociedade desde a sua constituição até ao seu cancelamento, que ocorreu em .../.../2016, cabendo-lhe única e exclusivamente tomar todas as decisões relacionadas com a sociedade. 3) A sociedade ... era proprietária dos: I. veículos com matrícula ..-..-XX desde .../.../2004; PD-..-.. desde .../.../2005 e ..., sobre o qual recaía reserva de propriedade a favor do ...; II. imóveis: a. fração autónoma designada pelas letras AF, correspondente ao rés do chão esquerdo do Bloco C, composto por bar, instalações sanitárias, casa de máquinas e logradouro com piscina, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, descrito na ... sob o número ..., da freguesia de …, inscrita na matriz sob artigo ..., com valor patrimonial de €43.389,93, inserida num prédio sito na ...; b. fração autónoma designada pelas letras AQ, correspondente à cave do Bloco B, composta por área comercial de apoio, com uma divisão e instalações sanitárias, inscrita na respetiva matriz sob o artigo 14399, com valor patrimonial de €117.150,00, inserida num prédio sito na ...; e c. fração autónoma designada pelas letras AP, correspondente à cave do Bloco C, composta por área comercial de apoio, com uma divisão e instalações sanitárias, inscrito na matriz sob o artigo 14399, com valor patrimonial de €96.767,62, inserida num prédio sito na .... 4) Em data não concretamente apurada, mas que se situa nos finais de 2012, o arguido, sabendo que as instalações da sociedade ... seriam encerradas em virtude de não possuir licenciamento para atividade de armazenamento, tratamento ou valorização de metais não preciosos (decorrente da entrada em vigor da Lei n.º 54/2012, de 06 de setembro), delineou um plano para dissipar património da referida sociedade, transferindo a propriedade dos bens da esfera jurídica desta para a esfera jurídica de terceiros, para que os credores da sociedade não satisfizessem os créditos que sobre esta detinham. 5) Assim, na execução do referido plano, o arguido no dia: a. .../.../2012 transferiu a propriedade do veículo, com matrícula ..-..-XX para GG, com quem vivia em união de facto; b. .../.../2012 transferiu a propriedade do veículo com matrícula PD-..-.. para HH, filho de GG, com quem vivia em união de facto; c. .../.../2013 registou provisoriamente a transmissão por compra, o que fez com base numa alegada promessa de compra e venda por € 80.000,00, propriedade das frações acima referidas – ponto 3, II, al. a) a c), para HH, filho de GG. 6) No dia .../.../2013 o arguido dispensou DD, FF e EE, trabalhadores da sociedade ..., desde a sua constituição, .../.../2004 e .../.../2001, respetivamente, entregando-lhes uma declaração de modelo RP – 5044-DGSS, consignando-se a cessação dos contratos nessa data com fundamento em extinção dos postos de trabalho, sem lhes entregar as quantias devidas a título de subsídios de férias/natal e retribuição em dívida, conforme infra se discriminará. 7) No dia .../.../2013 as instalações da sociedade ... foram encerradas pela GNR com fundamento na falta de licenciamento para a atividade de armazenamento, tratamento e valorização de metais. 8) Ainda na execução do mencionado plano, o arguido no dia .../.../2013 vendeu os imóveis referidos no ponto 3, II, al. a) a c), a II, JJ, KK e LL, pelo valor total de € 40.000,00. 9) No entanto, a sociedade ... não recebeu qualquer valor pela transferência dos referidos veículos, nem pela venda dos mencionados imóveis. 10) De igual modo, o arguido deu o destino que lhe aprouve ao veículo com matrícula .... 11) Com as condutas acima referidas, a sociedade ... ficou desprovida de bens e como tal impossibilitada de satisfazer os créditos dos seus credores, onde se incluem os seus trabalhadores, o que o arguido quis. 12) Atenta a conduta do arguido, os credores da sociedade ficaram impedidos de obter a cobrança coerciva dos seus créditos à custa do património daquela, pois o arguido esvaziou a esfera patrimonial da referida sociedade, deixando na mesma apenas o passivo. 13) A sociedade ... foi declarada insolvente, em .../.../2015, por sentença transitada em julgado no dia .../.../2015, no âmbito do processo n.º …, que correu termos no Juízo de Comércio de … – Juiz 2, Comarca de Lisboa Norte. 14) Em sede do referido processo de insolvência foi elaborada pelo Administrador Judicial nela nomeado a lista de credores reclamantes reconhecidos a que alude o artigo 129.º do CIRE, dela constando créditos privilegiados: laborais (verbas 1, 6 e 9), à … (verba 5), sendo os demais créditos comuns, nos termos do quadro que segue: Nome Crédito Valor Incumprimento • DD – Privilegiado € 23.296,54 • ... • ... – Comum € 28.602,08 • ... – Comum € 18.327,96 • … – Privilegiado € 59.458,63 e comuns € 34.387,80 • FF – Privilegiado € 24.119,78 • ... • ... – Comum € 16.908,20 • EE – Privilegiado € 38.744,30 • ... • ... – Comum € 928,45 15) Com a conduta acima descrita, o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o intuito concretizado de fazer desaparecer património da referida sociedade, nomeadamente os referidos veículos e imóveis, transferindo-os para terceiros, com vista a que os credores da sociedade não vissem os seus créditos satisfeitos, bem sabendo que as condutas por ele assumidas e praticadas lesavam os legítimos interesses dos credores da sociedade e lhes causariam, como causaram, graves prejuízos. 16) Mais sabia o arguido que a conduta acima descrita os credores da sociedade ..., DD, FF e EE, seus trabalhadores, se iriam ver privados de ser ressarcidos da totalidade dos seus créditos, como vieram, o que previu e quis. 17) Bem sabia que as condutas por ele assumidas e praticadas lesavam os legítimos interesses dos credores da sociedade acima referida e lhes causariam, como causaram, graves prejuízos, impedidos que ficaram de cobrar os seus créditos. 18) O arguido sabia que tais condutas eram proibidas e punidas criminalmente. Dos pedidos de indemnização civil 19) DD propôs ação de despedimento contra ... que correu sob o n.º … pelo Juízo do Trabalho de …, e onde, por decisão transitada em julgado em …/2014, se decidiu: a) Condenar a ré a pagar ao autor indemnização em substituição da reintegração no montante de € 12.390,01 (doze mil trezentos e noventa euros e um cêntimo). b) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 1.077,40 (mil e setenta e sete euros e quarenta cêntimos) a título de retribuição de férias não gozadas vencidas em .../.../2013 e respetivo subsídio de férias. c) Condenar a ré a pagar ao autor as retribuições vencidas desde .../.../2013 e até ao trânsito em julgado da sentença sem prejuízo do desconto dos valores referidos nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho. d) Condenar a ré a pagar ao autor juros de mora vencidos e vincendos à taxa anual de 4% sobre as quantias referidas em a) a c), vencidos desde .../.../2013 relativamente às mencionadas em a) e b) e desde a data de vencimento de cada uma delas relativamente às mencionadas em c), em ambos os casos até efetivo e integral pagamento. 20) EE propôs ação de despedimento contra ... que correu sob o n.º … pelo Juízo do Trabalho de …, e onde, por decisão transitada em julgado em …/2014, se decidiu: a) Condenar a ré a pagar ao autor indemnização em substituição da reintegração no montante de € 7.930,00 (sete mil novecentos e trinta euros). b) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 1.992,27 (mil novecentos e noventa e dois euros e vinte e sete cêntimos) a título de retribuição de cento e dez dias de férias não gozados. c) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 11.953,60 (onze mil novecentos e cinquenta e três euros e sessenta cêntimos) a título de subsídio de férias e de natais devidos até 2012. d) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 1.220,00 (mil duzentos e vinte euros) a título de retribuição e subsídio de férias vencidos a .../.../2013. e) Condenar a ré a pagar ao autor as retribuições vencidas desde .../.../2013 e até ao trânsito em julgado da sentença sem prejuízo do desconto dos valores referidos nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho. f) Condenar a ré a pagar ao autor os proporcionais de retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de natal do ano de cessação do contrato. g) Condenar a ré a pagar ao autor juros de mora vencidos e vincendos à taxa anual de 4% sobre as quantias referidas em a) a f), vencidos desde .../.../2013 relativamente às mencionadas em a), desde .../.../2013 relativamente às mencionadas em d) e desde a data de vencimento de cada uma delas relativamente às mencionadas em b), c), e) e f), em todos os casos até efetivo e integral pagamento. h) Absolver a ré do mais contra si peticionado na presente ação. 21) FF propôs ação de despedimento contra ... que correu sob o n.º … pelo Juízo do Trabalho de …, e onde, por decisão transitada em julgado em …/2014, se decidiu: a) Condenar a ré a pagar ao autor indemnização em substituição da reintegração no montante de € 6.790,00 (seis mil setecentos e noventa euros). b) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 970,00 (novecentos e setenta euros) a título de retribuição de sessenta dias de férias não gozados. c) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 730,00 (setecentos e trinta euros) a título de subsídio de férias e de natal devidos em 2004. d) Condenar a ré a pagar ao autor os subsídios de férias e de natal devidos nos anos de 1999 a 2003 e 2005 a 2012 cujo valor se relega para posterior execução de sentença. e) Condenar a ré a pagar ao autor as retribuições vencidas desde .../.../2013 e até ao trânsito em julgado da sentença sem prejuízo do desconto dos valores referidos nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho. f) Absolver a ré do mais contra si peticionado na presente ação. 22) Nenhuma das três referidas decisões foi até ao presente alvo de incidente de liquidação. 23) A sociedade ... nunca recebeu qualquer valor pela transferência dos veículos ou dos imóveis. 24) Os valores patrimoniais dos imóveis vendidos ascendem a € 40.310,00 quanto à fração AF avaliada em .../.../2010, € 117.150,00 quanto à fração AQ avaliada em .../.../2012 e € 93.270,00 quanto à fração AP. 25) No decurso do processo de insolvência não foram apreendidos quaisquer bens para a massa insolvente. 26) O processo de insolvência foi declarado encerrado por decisão de .../.../2016 por insuficiência da massa insolvente. Outros factos relevantes para a decisão da causa 27) Atualmente o arguido não tem antecedentes criminais registados. 28) Vive com a companheira, GG, há mais de 30 anos. 29) Tem dois filhos, não comuns, com 60 e 53 anos. 30) A companheira também tem dois filhos, não comuns, com cerca de 50 anos. 31) Encontra-se reformado, auferindo uma reforma no valor de cerca de € 400,00. 32) Recebe ainda uma reforma do estrangeiro no valor de € 100,00 mensais. 33) Continua a efetuar negócios de …, retirando desta atividade em média cerca de € 400,00 mensais. 34) A companheira do arguido aufere uma reforma no valor de € 300,00. 35) Recebe ainda de renda € 200,00 em virtude de um terreno que tem arrendado. 36) O agregado familiar conta ainda com apoio social no valor de € 100,00 em virtude da incapacidade do arguido e dos cuidados prestados pela companheira. 37) O casal reside em casa que se encontra registada em nome do filho da companheira do arguido. 38) O agregado familiar não suporta qualquer despesa com renda, água, luz ou gás, sendo todas as despesas domésticas suportadas pelo filho da companheira do arguido. 39) Depois do encerramento da atividade da sociedade ..., o arguido não voltou a ser empresário. 40) No entanto, ocupa os seus dias em ... a supervisionar a atividade supra referida de … 41) O arguido padece de uma incapacidade de 60%. 42) Padece de diabetes tipo II, hipertensão arterial com hipertrofia do ventrículo esquerdo, doença renal crónica, tendo apenas um rim, neoplasia maligna do cólon (cancro do cólon), movimentos involuntários dos membros superiores, hipertrofia prostática benigna. 43) Necessita de algum apoio de terceiros para confeção de alimentação, na utilização da casa de banho, vestir e subir e descer escadas, porém, ainda executa o exercício da condução. 44) O arguido conta com apoio de amigos, que o consideram pessoa cordata. […] Escolha e determinação das medidas da pena Feito o enquadramento jurídico-penal dos factos sob apreciação e concluindo-se pelo preenchimento dos elementos objetivo e subjetivo do crime em apreço, há que determinar a pena a aplicar ao arguido. Nos termos do disposto pelo artigo 40.º do Código Penal, a finalidade primeira das penas reside na tutela dos bens jurídicos, devendo traduzir, a sua aplicação, a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da norma violada, sem perder de vista, na medida do possível, a reinserção social do arguido, ou seja, as exigências de prevenção e de repressão geral da criminalidade, por um lado, e, por outro, as exigências específicas, de socialização, de prevenção da prática de novos crimes. O crime de insolvência dolosa agravada, previsto no artigo 227.º, n.º 1, als. a), e 229.º-A do Código Penal, praticado pelo arguido, é punido com pena de prisão de 1 mês e 10 dias até 6 anos e 8 meses ou com pena de multa de 13 dias até 800 dias. Este tribunal está naturalmente limitado à pena de 5 anos de prisão. Em sede de critério de escolha da pena rege o artigo 70.º Código Penal, que estatui que o tribunal deve dar “preferência à pena não privativa de liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. No que respeita às exigências de prevenção geral, estas afiguram-se muito elevadas considerando, por um lado, o sinal que importa transmitir à comunidade, que muitas vezes trata com alguma indiferença este tipo de criminalidade e, por outro e principalmente, o sinal que a comunidade espera da punição deste crime. Já no que concerne às necessidades de prevenção especial, são estas também elevadas: é certo que o arguido não tem neste momento antecedentes criminais (não se podendo atender a qualquer condenação sofrida pela arguido, inclusive em pena de prisão efetiva, que já tenha sido apagada do seu certificado de registo criminal), é também certo que apresenta atualmente uma situação de saúde débil, com diversos problemas de saúde, conforme resulta dos factos provados, tendo já 81 anos, e beneficia de apoio familiar. Não obstante, por outro lado, a personalidade revelada na prática dos factos apresenta-se fortemente contrária ao direito, considerando o modo evidente e exuberante com que atuou, transferindo todo o património, ainda de valor e em quantidade consideráveis, como resulta dos factos provados, para terceiros. Não se denota, também, qualquer autocensura pela prática dos factos (o que se extrai da circunstância de não ter o arguido procurado, de qualquer modo, pagar aos trabalhadores os créditos laborais). Por fim, a circunstância de o arguido, pese embora a sua idade e estado de saúde, continuar a exercer atividade remunerada, tendo pessoas a trabalhar para si, desmontando carros, vendendo peças, etc., o que acentua estas exigências. Assim, as exigências de prevenção especial não se apresentam baixas e as exigências de prevenção geral não ficariam minimamente satisfeitas com a punição com uma pena de multa. A comunidade não compreenderia, nem aceitaria, que o arguido, que inclusivamente continua a trabalhar, que dissipou de modo flagrante todo o património societário, desfazendo-se de bens de valor elevado, colocando diversos bens em nome de pessoas que lhe são próximas, como a companheira ou o filho desta, fosse punido apenas com uma multa. Atento o que se deixa exposto, sopesando todos os fatores a que aludimos, entende o tribunal que a pena de multa não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, optando-se pela pena de prisão. * Efetuada a opção pela pena de prisão, importa agora determinar a sua medida concreta, o que é feito com recurso aos critérios plasmados no artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal, entre 1 mês e 10 dias e 5 anos (moldura abstrata até 6 anos e 8 meses). Das circunstâncias referidas no n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, reclama o caso concreto a ponderação das seguintes: - O grau de ilicitude é elevado considerando o modo de execução, a sua duração e as suas consequências – o tipo e o valor do património dissipado que resulta dos factos provados; - O dolo intenso com que atuou/o dolo direto; - A personalidade do arguido, revelada na prática dos factos e na circunstância de nada ter pago a título de créditos laborais aos seus então trabalhadores, muito desconforme ao direito; - O facto de o arguido continuar a trabalhar; - O tempo já volvido desde a data da prática dos factos; - A ausência de antecedentes criminais registados; - A integração familiar; - A sua idade avançada e o estado de saúde; - Importa ter em conta, por último, as exigências de prevenção geral já referidas, acentuadas. Tudo ponderado, entende-se adequada a fixação da pena de 3 (três) anos de prisão. * Das penas substitutivas Preceitua o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, finalidades estas que correspondem à proteção de bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade (cfr. artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal). A apreciação e decisão de suspensão da execução da pena de prisão, consubstanciando a aplicação de uma pena de substituição, traduz-se numa faculdade vinculada, devendo a mesma ser aplicada se verificados os pressupostos plasmados no citado artigo 50.º do Código Penal. Segundo FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal Português – Parte Geral. II As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Ed., 2009, p. 342), a par do pressuposto formal (aplicação de pena não superior a 5 anos de prisão), “a lei exige um pressuposto de ordem material, ou seja, a verificação, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do caso, de um prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido”. Como é consabido, à ponderação da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, enquanto medida de reação criminal autónoma, são alheias considerações relativas à culpa do agente, valendo exclusivamente as exigências emergentes das finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização. Assim, a opção por esta pena deverá assentar, em primeira linha, na formulação de um juízo positivo ou favorável à recuperação comunitária do agente através da censura do facto e da ameaça da prisão, sem a efetiva execução desta prisão, que ficaria suspensa, mas desde que esta opção não prejudique ou contrarie a necessidade de reafirmar a validade das normas comunitárias, ou seja, desde que o sentimento comunitário de crença na validade das normas infringidas não seja contrariado ou posto em causa com tal suspensão. No caso dos autos, tendo sido aplicada ao arguido a pena de três anos de prisão é certo estar verificado o pressuposto formal a que alude o normativo citado. Cumpre então aferir do preenchimento do pressuposto material. Considerando que o arguido se encontra familiarmente inserido, beneficiando de apoio próximo, a sua idade já muito avançada e o seu estado de saúde debilitado, e ainda a ausência de antecedentes criminais registados, não exige o efetivo cumprimento da pena, consideramos que a mera ameaça da prisão e a censura do facto se afiguram suficientes para evitar a recidiva criminosa do arguido e para recuperar a confiança comunitária na validade das regras jurídicas. As circunstâncias que se acabam de enunciar permitem a formulação de um juízo de prognose favorável à reintegração da arguida mediante a suspensão da execução da pena de prisão, pelo que deverá a pena de prisão aplicada ser suspensa na sua execução. Quanto ao período da suspensão, face ao disposto pelo artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal, consideramos adequado que o mesmo corresponda ao período de 4 anos, permitindo esse lapso temporal aferir, devidamente, se o arguido interiorizou o desvalor da sua conduta de modo a não voltar a incorrer no mesmo tipo de comportamento e a cumprir a condição a que infra se aludirá. No caso vertente, uma simples suspensão, sem mais, implicaria que os factos não tivesse uma resposta penal adequada. Assim, atenta a factualidade apurada, considera-se justificado e adequado à realização das finalidades de prevenção especial que se verificam in casu, subordinar a suspensão da pena ao pagamento, no período da suspensão, de indemnização aos lesados (artigos 50.º, n.º 2, e 51.º, n.º 1, al. a), do Código Penal), devendo o arguido entregar aos mesmos, no mínimo, € 1.200,00 por mês (€ 400,00 a cada um por mês ou € 1.200,00 rotativamente, por exemplo mês 5/2025 € 1.200,00 ao trabalhador DD, mês .../2025 € 1.200,00 ao trabalhador EE, mês .../2025 € 1.200,00 ao trabalhador FF e assim suceddivamente), valor que se afigura compatível com a sua atual situação económica, posto que, de acordo com o por si declarado e que se verteu nos factos provados, o seu agregado familiar, que não suporta qualquer despesa com habitação nem com despesas com água, eletricidade e gás, aufere mensalmente quantia de pelo menos € 1.500,00. Assim, deverá a pena de prisão aplicada ao arguido ser suspensa na sua execução, pelo período de 4 anos, e por se considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do arguido, deverá tal pena ficar condicionada ao pagamento aos ofendidos, no prazo de 4 anos, do valor das indemnizações devidas (a que infra nos reportaremos e no global ainda a liquidar), devendo, pelo menos, entregar a favor dos trabalhadores a quantia mensal de € 1.200,00 (artigos 50.º, n.ºs 1, 2 e 5, e 51.º, n.º 1, al. a), do Código Penal), comprovando nos autos, semestralmente, tais entregas.” * IV. Fundamentação iv.1. Da (não) atenuação especial da pena Reclama o recorrente a atenuação especial da pena por força do lapso de tempo já decorrido desde a prática dos factos, reputando violado o disposto no artigo 72º, nº 2, alínea d) do Código Penal. Cumpre apreciar. Como se sabe, o artigo 40º do nosso Código Penal, a propósito das finalidades das penas e medidas de segurança, estabelece que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração na sociedade” (nº 1), e que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (nº 2). O modo de determinação da medida da pena está legalmente definido, entre nós, no artigo 71º do Código Penal, que dispõe que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (nº 1) E ainda, “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.” (nº 2) “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.” (nº 3) O artigo 72º do Código Penal, por seu turno, estabelece os termos em que há lugar a atenuação especial da pena, a saber: “quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena” (nº 1). No nº 2 do mesmo preceito elencam-se, exemplificativamente, circunstâncias tendencialmente demonstrativas dessa acentuada diminuição da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena. No caso, entende o arguido que “[o] tempo decorrido constitui uma atenuante, …, o que não foi tido em consideração pelo Tribunal”, mais argumentando que “[a] boa conduta do arguido pode inferir-se pela ausência de antecedentes criminais registados, pelos depoimentos das testemunhas abonatórias e pela sua integração familiar”. Pretende o arguido, por via de tal alegação, acolher-se à previsão constante do artigo 72º, nº 2, alínea d) do Código Penal. A propósito das circunstâncias determinantes da atenuação especial da pena, ensina Paulo Pinto de Albuquerque3: “A diminuição acentuada da culpa revela que a culpa não é um mero juízo analítico, é um factum ético, de maior ou menor gravidade, consubstanciada numa atitude pessoal de contrariedade ou indiferença em relação ao bem jurídico protegido pela norma ou numa atitude pessoal de descuido ou leviandade. (…) A disposição é, neste sentido, excecional, pois depende da prova efetiva de uma atenuação acentuada («essencial») da culpa ou das necessidades de prevenção (já assim, José Osório, com a concordância de Eduardo Correia, in Actas/Eduardo Correia, 1965b: 129 e 133, e, posteriormente, Figueiredo Dias, 1993: 307, Leal-Henriques e Simas Santos, 2002: 857, e Miguez Garcia e Castela Rio, 2014: 376, anotação 6ª ao artigo 72º). Dito de outro modo, só pode haver lugar a atenuação especial da pena quando a ilicitude e a culpa do agente não atingem a gravidade pressuposta pela norma incriminadora.” Como se explica no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.03.20254, “Deste modo, foi criada pelo legislador uma válvula de segurança para situações particulares, que tem sido justificada nos seguintes termos: Quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo “normal” de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, aí teremos mais um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. São estas as hipóteses de atenuação especial da pena. Hipótese que em muitos casos o próprio legislador prevê, mas que a apontada incapacidade de previsão leva ainda a suprir com uma cláusula geral de atenuação especial. O funcionamento de uma tal válvula de segurança obedece a dois pressupostos essenciais, a saber: - Diminuição acentuada da ilicitude e da culpa, necessidade da pena e, em geral, das exigências de prevenção; - A diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá considerar-se relevante para tal efeito, isto é, só poderá ter-se como acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação das circunstâncias atenuantes se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. O que, por outras palavras, significa que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar. Para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, “vulgares” ou “comuns”, “lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios”5.” Ora, no caso dos autos, nem o decurso do tempo, nem o bom comportamento posterior à prática dos factos, afastam, para além da normalidade, a ilicitude dos factos ou a culpa do arguido. Por um lado, o bom comportamento e a ausência de notícia da prática de outros crimes corresponde à expectativa comunitária normal e, assim, a uma situação normal em que não se justifica a diminuição da moldura da pena. E, por outro lado, o que os autos mostram é que o arguido sabe, pelo menos desde 2014, que tem créditos a pagar aos trabalhadores que despediu (que correspondem a retribuições e outras prestações remuneratórias decorrentes dos contratos de trabalho e da respetiva cessação), e, tendo dissipado todo o património da sociedade “...”, declarada insolvente em 2015, até à data não desenvolveu o mínimo esforço para, ao menos parcialmente, satisfazer alguma daquelas dívidas, não revelando qualquer arrependimento ou consciencialização dos prejuízos causados – e, pelo contrário, persistindo na sua desresponsabilização. Não há qualquer razão para considerar que o tempo já decorrido, por si só, seja apto a determinar uma diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente, e, menos ainda, da necessidade da pena, pelo que é manifesto que não se justifica a atenuação especial da pena, nos termos do artigo 72º do Código Penal. Na verdade, uma atenuação especial da pena em circunstâncias como as que os autos documentam, representaria uma benevolência incompreensível para a comunidade em geral, perante as persistentes inação e indiferença do arguido. Assim, face a todos os elementos de facto apurados nos autos – em que releva a frequência com que o crime em questão ocorre na sociedade, por um lado, mas também a indiferença e nula reparação patenteadas pelo arguido – mostra-se a pena fixada com respeito pelos parâmetros legais a que fizemos referência, inexistindo motivo para que deva ser alterada por este Tribunal de recurso. Acresce que, como se vê do texto da decisão recorrida, acima transcrito, não ocorre qualquer omissão por parte do Tribunal a quo: foram tidas em conta todas as circunstâncias relevantes para a determinação da medida da pena, incluindo o lapso de tempo decorrido desde a prática dos factos. O que se passa é que lhes não foi atribuído o significado que nelas pretende ver o arguido – mas isso não corresponde a um vício da decisão. Não tendo o Tribunal recorrido considerado que qualquer das assinaladas circunstâncias revelasse uma acentuada diminuição da ilicitude do facto ou da culpa do agente ou, ainda, da necessidade de pena, não tinha que referir expressamente que não existia fundamento para atenuar especialmente a pena, precisamente porque, como já expusemos, uma tal atenuação se configura como excecional, e, por isso, a sua justificação carece de demonstrar-se pela positiva, o que não aconteceu. Assim, não se divisando na decisão recorrida – no que tange à determinação da medida da pena – qualquer vício ou deficiência que deva ser conhecido oficiosamente, não cabe a este Tribunal de recurso introduzir qualquer alteração a este nível. Improcede, nesta parte, o recurso interposto. * iv.2. Da condição da suspensão da pena de prisão O recorrente discorda ainda da subordinação da suspensão da execução da pena de prisão à condição de proceder ao pagamento das indemnizações fixadas na decisão, mais concretamente, da obrigação de proceder a um pagamento mensal no valor de € 1.200,00, por considerar “tal condição impossível de cumprir”, e que, por consequência, tal redundará na sua prisão pelo não pagamento de dívidas. Mais adita que as quantias em dívida aos assistentes carecem de liquidação, e que lhe é impossível proceder à mesma, sendo por isso “impossível determinar o montante realmente em dívida a cada [a]ssistente”. Vejamos. Da análise do regime legal constante dos artigos 50º a 57º do Código Penal, e dos artigos 492º a 495º do Código de Processo Penal, resulta que a suspensão da execução da pena de prisão pode assumir três modalidades: suspensão simples; suspensão sujeita a condições (cumprimento de deveres ou de certas regras de conduta); suspensão acompanhada de regime de prova. Os deveres, visando a reparação do mal do crime, encontram-se previstos, de forma exemplificativa, no artigo 51º, nº 1, do Código Penal, enquanto as regras de conduta, tendo em vista a reintegração ou socialização do condenado, se encontram previstas, também a título exemplificativo, no artigo 52º, do mesmo diploma. Os deveres e as regras de conduta podem ser modificados até ao termo do período de suspensão, sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento, o que significa que o conteúdo da pena de suspensão da execução da prisão está sujeito, dentro dos limites legais, mesmo independentemente de incumprimento do condenado, a uma cláusula rebus sic stantibus (artigos 51º, nº 3, 52º, nº 4 e 54º, nº 3, todos do Código Penal). No que concerne ao incumprimento das condições da suspensão, há que distinguir duas situações, em função das respetivas consequências. Quando no decurso do período de suspensão, o condenado, com culpa, deixa de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta, ou não corresponde ao plano de reinserção, pode o tribunal optar pela aplicação de uma das medidas previstas no artigo 55º do Código Penal, a saber: fazer uma solene advertência; exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação; prorrogar o período de suspensão. Quando no decurso da suspensão, o condenado, de forma grosseira ou repetida, viola os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção, ou comete crime pelo qual venha a ser condenado e assim revele que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por intermédio desta, ser alcançadas, a suspensão é revogada (artigo 56º, nº 1, do Código Penal). A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença. Saliente-se que, conforme assinala Figueiredo Dias, entre as condições da suspensão de execução da prisão, subjacente mesmo à chamada suspensão simples, avulta a de o condenado não cometer qualquer crime durante o período de suspensão. O cometimento de um crime no decurso do período de suspensão é a circunstância que mais claramente pode pôr em causa o juízo de prognose favorável suposto pela aplicação da pena de suspensão6. Porém, nem mesmo o cometimento de crime desencadeia, de forma automática a revogação da suspensão, pois nos termos da alínea b), do nº 1, do aludido artigo 56º, mesmo a condenação por um crime cometido no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão só implica a revogação da suspensão se tal facto infirmar, de modo definitivo, o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão, quer dizer, se revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas7. Quanto aos deveres e regras de conduta que podem condicionar a suspensão da execução da pena de prisão, aponta Figueiredo Dias que a respetiva imposição deve estar sujeita a uma dupla limitação: a de que, em geral, eles sejam compatíveis com a lei, nomeadamente, com todo o asseguramento possível dos direitos fundamentais do condenado; e a de que, além disso, o seu cumprimento seja exigível no caso concreto8 - já assim era na vigência do artigo 49º, nº 2 do Código Penal de 1982, e mantém-se face à atual redação do artigo 51º, nº 2 do Código Penal, que estabelece que “Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”. Mais assinala o Ilustre Professor, «quanto à exigibilidade de que, em concreto, devem revestir-se os deveres e regras de conduta, o critério essencial é o de que eles têm de encontrar-se numa relação estrita de adequação e de proporcionalidade com os fins preventivos almejados»9. Importa destacar, com especial relevância para o caso que nos ocupa, que o artigo 51º, nº 1, alínea a) do Código Penal, aponta como um dos deveres suscetíveis de condicionar a suspensão da execução da pena de prisão, o de “Pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea”. É, pois, evidente que a imposição ao condenado do pagamento das quantias arbitradas aos demandantes a título de reparação tem acolhimento legal, inexistindo fundamento para que se considere tal imposição inexigível. Note-se que, conforme resulta da matéria de facto apurada no julgamento, o arguido AA continua a desempenhar atividade profissional, nomeadamente na compra e venda de veículos (mantendo outras pessoas ao seu serviço), além de auferir duas pensões de reforma e receber uma renda, pelo arrendamento de um terreno (factos 31 a 33, 35 e 40), cumprindo recordar, ainda, que os bens da sociedade “...” dissipados pelo arguido tinham um valor patrimonial total de € 250.730,00 (facto 24). E está também provado que o arguido “não suporta qualquer despesa com renda, água, luz ou gás, sendo todas as despesas domésticas suportadas pelo filho da [sua] companheira” (facto 38). Face a tais circunstâncias de facto, ao contrário do alegado no recurso, não vemos que seja de todo evidente que o arguido não esteja em condições de cumprir a condição que lhe foi imposta. Como sustenta, em lugar paralelo, Anabela Miranda Rodrigues10: “(…) um juízo de prognose sobre a possibilidade de o condenado o vir ou não a cumprir deve ser indiferente para o juiz quanto à sua decisão de aplicar a pena de suspensão da pena. Para esta decisão, importa (apenas) que (a exigência contida n)o cumprimento dos deveres impostos se contenha dentro das margens de adequação e proporcionalidade à socialização e não afete os direitos fundamentais e a dignidade humana do condenado – vale por dizer, satisfaça a exigência de razoabilidade, que deve ser avaliada nestes precisos termos pelo juiz. Por seu turno, reunir as condições fácticas, reais, para cumprir um dever aplicado de acordo com estes critérios é algo que tem a ver com o condenado. O sofrimento que está ínsito no seu cumprimento, tratando-se de deveres que integram uma pena que, como pena autónoma, envolve uma dimensão de sofrimento exigível11, é totalmente razoável, quando serve a realização das finalidades de socialização e não viola os direitos fundamentais do condenado não afetados pela condenação ou coloca em causa a sua dignidade humana. Um juízo sobre a possibilidade do seu cumprimento é tão-só instrumental, na medida em que auxilia o juiz a avaliar o sofrimento contido no cumprimento do dever, mas não é decisivo para a sua aplicação. É, de resto, a esta luz que se justifica o regime geral previsto para a suspensão da pena pelo que se refere à possibilidade de modificação dos deveres impostos e às consequências legais que pode desencadear a falta de cumprimento, apenas culposo, dos deveres durante a sua execução12. É neste momento que, de uma perspetiva fáctica, as condições reais que rodeiam a possibilidade de cumprimento do dever se avaliam, para efeitos de fundamentar uma decisão do juiz – que é a decisão sobre se existe ou não culpa no seu incumprimento e sobre as consequências a retirar pelo que se refere à revogação ou extinção da suspensão.” Encarada a decisão por este prisma, é evidente a razoabilidade e adequação do dever imposto pelo Tribunal a quo, destinado a garantir que a censura ínsita na condenação não passa despercebida ao arguido, posto que, no tempo que mediou desde a prática dos factos, se vem mostrando deveras insensível ao sofrimento causado pela sua conduta. De outro lado, a preocupação com a razoabilidade da condição resulta evidente na decisão recorrida, que expressamente ponderou: “atenta a factualidade apurada, considera-se justificado e adequado à realização das finalidades de prevenção especial que se verificam in casu, subordinar a suspensão da pena ao pagamento, no período da suspensão, de indemnização aos lesados (artigos 50.º, n.º 2, e 51.º, n.º 1, al. a), do Código Penal), devendo o arguido entregar aos mesmos, no mínimo, € 1.200,00 por mês (€ 400,00 a cada um por mês ou € 1.200,00 rotativamente, por exemplo mês 5/2025 € 1.200,00 ao trabalhador DD, mês .../2025 € 1.200,00 ao trabalhador EE, mês .../2025 € 1.200,00 ao trabalhador FF e assim sucessivamente), valor que se afigura compatível com a sua atual situação económica, posto que, de acordo com o por si declarado e que se verteu nos factos provados, o seu agregado familiar, que não suporta qualquer despesa com habitação nem com despesas com água, eletricidade e gás, aufere mensalmente quantia de pelo menos € 1.500,00”. Resta acrescentar que o dever imposto se reporta ao pagamento das indemnizações devidas aos trabalhadores, e nada mais do que isso. Se, porventura, ficarem pagas antes de decorrido o período de suspensão da execução da pena, é evidente que o arguido não terá que continuar a fazer pagamentos mensais. De igual modo, não constitui qualquer obstáculo ao cumprimento da condição a circunstância de as quantias devidas aos assistentes só parcialmente se mostrarem liquidadas, desde logo, porque a liquidação dos restantes montantes, conhecida a data do trânsito em julgado das sentenças condenatórias, depende de simples operação aritmética (cuja concretização está inteiramente ao alcance do arguido, como não pode deixar de suceder com qualquer entidade patronal – qualidade que deteve e continua a deter), sendo, por outro lado, certo que parte significativa daquelas indemnizações é já líquida, não podendo existir quaisquer dúvidas quanto a esses montantes, que estão em condições de ser pagos de imediato. Nestes termos, como já tivemos ocasião de expor, a medida contra a qual o arguido se insurge, não só se mostra adequada a potenciar os objetivos da suspensão da execução da pena de prisão – pela responsabilização pelos atos cometidos e interiorização da respetiva censura – como não se mostra desproporcionada ou irrazoável, não existindo evidência de que o arguido não esteja em condições de a cumprir. Se, porventura, tal incumprimento vier a ocorrer, haverá oportunidade, no regular funcionamento do regime legal que se deixou exposto, de averiguar se esse hipotético incumprimento compromete, ou não, as finalidades da suspensão. Não é, contudo, de aceitar que tal prognóstico possa fazer-se desde já, porque, se à partida aceitarmos que o condenado não se mostra disponível para cumprir as obrigações que lhe foram impostas pelo Tribunal, então deveria equacionar-se a própria segurança do juízo de prognose formulado quanto à eficácia da pena de substituição escolhida… Pelo que se deixou dito, é manifesto que tal condição não pode considerar-se de cumprimento impossível e, menos ainda, inexigível, não merecendo censura a decisão recorrida ao impor a mesma. Em consequência, o recurso é de improceder também nesta parte. * V. Decisão Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando a sentença recorrida nos seus precisos termos. Fixa-se a taxa de justiça devida pelo recorrente em 4 (quatro) UC. D.N. * Lisboa, 21 de outubro de 2025 (texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal) Sandra Oliveira Pinto Ana Lúcia Gordinho João Grilo Amaral ____________________________________________ 1. Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de ........2020, relator Nuno Gonçalves, proferido no proc. n.º 55/19.4PDCSC.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt. 2. Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.06.2016, proferido no proc. n.º 162/11.1JAGRD.C1.S1, relator Manuel Augusto de Matos, disponível em www.dgsi.pt. 3. Comentário do Código Penal – à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª ed. atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2021, pág. 396. 4. No processo nº 62/19.7PHLRS.L1.S1, Relator: Conselheiro Jorge Raposo, acessível em www.dgsi.pt. 5. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime” (1993), pg. 192, 302, 306; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.1.2009, proferido no proc. 08P4029 e, mais recentemente, o acórdão de 27.1.2021, proferido no proc. 300/19.6GDTVD.L1.S1, entre muitos outros. 6. Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, pág. 355. 7. Neste sentido já se pronunciava Figueiredo Dias, na altura de jure condendo, ob. cit., pág. 357.↩︎ 8. Ob. cit., pág. 350. 9. Ob. cit., pág. 351. Vd., também, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01.07.2015, no processo nº 129/14.8GAVLC.P1, Relatora: Desembargadora Maria Dolores da Silva e Sousa, acessível em www.dgsi.pt. 10. Rodrigues, A. M. (2025). A suspensão da execução da pena de prisão no regime geral das infrações tributárias – o dever de imposição obrigatória de pagamento do imposto devido e acréscimos legais. Católica Law Review, 8(3), 13-29. https://doi.org/10.34632/catolicalawreview.2024.17600 11. São muito expressivos do que está em causa os exemplos a este propósito apontados por DIAS (1993), p. 351 (não seria adequado impor ao agente o reatamento de uma situação amorosa ou conjugal, tal como não seria proporcional impor-lhe uma apresentação diária a uma entidade oficial durante os cinco anos de suspensão ou muito distante do seu local de trabalho ou de residência). 12. Cf. Artigos 51.º, n.º 3, 55.º e 56.º, CP. |