Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
43/23.6JBLSB.L1-5
Relator: PEDRO JOSÉ ESTEVES DE BRITO
Descritores: RAPTO
EXTORSÃO
CO-AUTORIA
CUMPLICIDADE
RESPONSABILIDADE CIVIL
REPARAÇÃO OFICIOSA DA VÍTIMA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/21/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I. Uma das finalidades que tem que presidir ao crime de rapto é a finalidade extorsionária (cfr. art.º 161.º, n.º 1, al. a), do C.P.), isto é, forma de enriquecimento ilegítimo, pois a expressão “extorsão” é usada pela lei penal no seu sentido técnico, havendo, assim, que recorrer ao art.º 223.º do C.P. para a interpretar;
II. O objeto do crime de extorsão é o ato de disposição patrimonial, entendido de uma forma ampla, abrangendo qualquer meio de transferir um valor pecuniário de uma esfera jurídica para outra, podendo, assim, consistir numa ação, numa omissão ou numa mera tolerância;
III. Se o contributo de cada um dos agentes envolvidos aparece, não como mero favorecimento de um facto alheio, mas como uma parte de uma atividade total e, assim, em que as ações de uns se revelam como um perfeito complemento da atuação dos outros, fica afastada a mera cumplicidade (cfr. art.º 27.º do C.P.);
IV. Na coautoria (cfr. art.º 26.º, 3.ª parte, do C.P.), a decisão conjunta de divisão de tarefas indispensáveis para a realização objetiva do facto pode ser tácita, não é necessário que cada comparticipante intervenha em todos os atos a praticar, nem todos os contributos precisam de ser típicos ou em si mesmos causais, não sendo indispensável que todos os coautores se encontrem presentes no lugar onde se vai dar a execução material;
V. Se da factualidade provada resulta uma decisão comum de cometer o facto, globalmente considerado, um conhecimento recíproco do papel a desempenhar por cada um dos agentes, independentemente do momento da prática de cada um desses atos e do seu executor, não se está perante uma coautoria sucessiva que pressupõe que o acordo de algum dos intervenientes só tenha ocorrido após o início da realização do facto por outros;
VI. O acordo pressuposto na coautoria não se confunde com a elaboração conjunta do plano comum ou projeto criminoso que, assim, pode ser criado ou ordenado por um e aceite pelos demais;
VII. Deve ser punido como coautor (cfr. art.º 26.º, 3.ª parte, do C.P.) o agente que, mesmo não estando presente no lugar em que se deu a execução material do facto, levada a cabo por outros plenamente responsáveis, a ordenou e dirigiu, interessando-se pela sua efetiva realização, ainda que à distância, uma vez que a sua atuação terá que ser encarada, juntamente com os demais agentes, como o exercício do domínio (funcional) do facto;
VIII. Sendo vários os autores do facto ilícito, todos eles respondem pelos danos que hajam causado (cfr. art.º 490.º do C.C.), sendo solidária a sua responsabilidade (cfr. art.º 497.º, n.º 1, do C.C.), pelo que não tendo o lesado concorrido para a produção daqueles (cfr. art.º 570.º do C.C.), o “papel e grau de intensidade” que um dos coautores teve na produção dos danos não conduz à diminuição do montante indemnizatório a suportar por aqueles e a receber pelo lesado, podendo apenas, em abstrato, ter reflexo nas relações internas com os demais autores do facto ilícito a nível de direito de regresso (cfr. art.º 497.º, n.º 2, do C.C.);
IX. A reparação oficiosa dos prejuízos sofridos, no caso das vítimas especialmente vulneráveis, é uma obrigação do tribunal, que tem lugar mesmo que aquelas não tenham deduzido pedido de indemnização civil ou tal requerido, presumindo o art.º 16.º, n.º 2, do Estatuto da vítima, de forma inilidível, que estão verificadas as particulares exigências de proteção da vítima a que se refere o art.º 82.º-A, n.º 1, do C.P.P., sendo que tal arbitramento só não ocorrerá se a respetiva vítima a tal expressamente se opuser.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório:

I.1. Da decisão recorrida:
No âmbito do processo comum coletivo n.º 29/22.8GALNH, que corre termos no Juízo Central Criminal de Almada - Juiz 6, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em 09-04-2025 foi proferido e depositado acórdão pelo qual:
AA foi condenado na pena única de 13 anos de prisão, resultante de cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares:
- 8 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, als. a) e b), do Código Penal (C.P.) (ofendido BB);
- 7 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, al. b), do C.P. (ofendido CC);
- 7 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, als. a) e c), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, al. b), do C.P. (ofendido DD1;
EE foi condenado na pena única de 10 anos de prisão, resultante de cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares:
- 8 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, als. a) e b), do C.P. (ofendido BB);
- 7 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, al. b), do C.P. (ofendido CC);
FF foi condenado na pena única de 12 anos de prisão, resultante de cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares:
- 7 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, als. a) e b), do C.P. (ofendido BB) ;
- 6 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2,al. b), do C.P. (ofendido CC);
- 6 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, als. a) e c), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, al. b), do C.P. (ofendido DD);
- 3 anos de prisão pela prática de 1 crime de roubo, em coautoria, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do C.P.; e
- 2 anos de prisão pela prática de 1 crime de tráfico de menor gravidade, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22-01, por referência à Tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal;
GG foi condenado na pena única de 11 anos de prisão, resultante de cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares:
- 7 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, als. a) e b), ambos do C.P. (ofendido BB);
- 6 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, al. b), do C.P. (ofendido CC);
- 6 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, als. a) e c), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, al. b), do C.P. (ofendido DD);
- 3 anos de prisão pela prática de 1 crime de roubo, em coautoria, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do C.P.; e
- 2 anos de prisão pela prática de 1 crime de tráfico de menor gravidade, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22-01, por referência à Tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal;
HH foi condenado na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão, resultante de cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares:
- 6 anos e 6 meses de prisão pela prática de 1 crime de rapto, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, als. a) e b), do C.P. (ofendido BB);
- 6 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, al. b), do C.P. (ofendido CC);
- 1 ano e 6 meses de prisão pela prática de 1 crime de tráfico de menor gravidade, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22-01, por referência à Tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal;
II foi absolvido de 1 crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º e 131.º, do C.P. e de 1 crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, por referência às tabelas I-B e I-C anexas ao mesmo diploma legal, cuja prática lhe havia sido imputada, e condenado na pena única de 9 anos de prisão, resultante de cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares:
- 7 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, em c-autoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, als. a) e b), do C.P. (ofendido BB);
- 6 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, al. b), ambos do C.P. (ofendido CC);
- 2 anos de prisão pela prática de 1 crime de detenção de arma proibida, em autoria material e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, als. c) e e), da Lei n.º 5/06, de 23-02;
E, por fim, JJ foi condenado pena única de 9 anos e 6 meses de prisão, resultante de cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares:
- 6 anos e 8 meses de prisão pela prática de 1 crime de rapto, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, als. a) e b), do C.P. (ofendido BB);
- 6 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, al. b), do C.P. (ofendido CC);
- 6 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, als. a) e c), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, al. b), do C.P. (ofendido DD).
CC havia deduzido pedido de indemnização civil contra AA, EE, FF, GG, II, HH e JJ pedindo a condenação destes no pagamento de quantia de EUR 16 000, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação e até efetivo e integral pagamento.
Por aquela decisão foi tal pedido de indemnização civil julgado parcialmente procedente e, em consequência, os demandados AA, EE, FF, GG, II, HH e JJ foram condenados a pagar solidariamente ao demandante a quantia de EUR 14 000 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da decisão e até efetivo e integral pagamento, absolvendo os demandados do demais peticionado.
AA, EE, FF, GG, II, HH e JJ foram ainda condenados a pagar solidariamente a BB, que não deduziu qualquer pedido de indemnização civil, a quantia de EUR 14 000 a título de reparação pelos prejuízos àquela causados, que será tida em conta em eventual ação que venha a conhecer de pedido de indemnização civil, nos termos dos arts. 82.°-A, 67.º A, n.º 1, al. b) e n.º 3 do C.P.P., 16.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 130/2015 de 04-09.
Finalmente, AA, FF, GG e JJ foram ainda condenados a pagar solidariamente a DD, que não deduziu qualquer pedido de indemnização civil, a quantia de EUR 11 000 a título de reparação pelos prejuízos àquela causados, que será tida em conta em eventual ação que venha a conhecer de pedido de indemnização civil, nos termos dos arts. 82.°-A, 67.º A, n.º 1, al. b) e n.º 3 do C.P.P., 16.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 130/2015 de 04-09.
I.2. Dos recursos:
I.2.A. Do recurso interposto pelo arguido AA:
I.2.A.a. Do recurso:
Inconformado com a decisão, o arguido AA dela interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
I. O presente recurso é interposto, que condenou o arguido AA pela prática, em co-autoria, de três crimes de rapto, previstos e punidos pelo artigo 161.º, n.º 1, alíneas a) e c), e n.º 2, alínea a), por referência ao artigo 158.º, n.º 2, alíneas a) e b), todos do Código Penal, na pena única de 13 anos de prisão.
II. E ainda o condenando os arguidos de forma solidária ao pagamento de €14.000,00 (catorze mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo ofendido CC e da quantia de € 14.000 (catorze mil euros) para a vítima BB, a título de danos não patrimoniais sofridos pela mesma, e da quantia de €11.000 (quatro mil euros) para a vítima DD, face às agressões físicas e ameaças de que foi vítima.
III. O tribunal recorrido imputou ao arguido AA a co-autoria do crime de rapto de BB, com base na suposta participação activa do mesmo na abordagem e constrangimento da vítima no momento inicial da sua captura.
IV. No entanto, essa conclusão é invalidada pelo próprio depoimento da vítima BB, que foi claro ao afirmar em audiência que AA não usou qualquer forma de violência ou coacção para o levar consigo, contrariamente, ao que foi dado como provado no acórdão.
V. Contudo, ficou dado como provado que o Ofendido foi levado “à força e contra a sua vontade”, o que de facto não aconteceu.
VI. Tal falta de coerência e exactidão entre a prova produzida e a qualificação jurídica adoptada pelo tribunal a quo faz o facto provado n.º 6 sofrer na sua raiz de erro na apreciação da prova e, sobretudo, um erro de direito na subsunção dos factos aos preceitos legais aplicáveis, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP.
VII. E não se provando, como não se provou, que AA tenha constrangido fisicamente BB para o levar à ...;
VIII. A decisão do tribunal recorrido assenta numa errónea qualificação da conduta de AA ab initio e como co-autor do crime de rapto de BB, sustentando tal conclusão na ideia de que o arguido exerceu algum tipo de intendência ou liderança sobre os restantes intervenientes.
IX. Essa conclusão é infundada, contrariada pela prova produzida e desprovida dos requisitos legais previstos no artigo 26.º do Código Penal.
X. A essência da co-autoria consiste em que cada comparticipante quer causar o resultado como próprio, mas com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas.
XI. A cumplicidade diferencia-se da co-autoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através do auxílio físico (material) ou psíquico (moral).
XII. O arguido surge associado ao episódio do rapto de BB essencialmente por;
XIII. Ter abraçado a vítima junto ao ..., num gesto que o tribunal entendeu como de "contenção" ou "controlo"; mas que na verdade foi de cumprimento e sem qualquer propósito coactivo.
XIV. Ter apertado, no primeiro momento do Ofendido BB na casa, o pescoço da vítima, pedindo-lhe que revelasse o paradeiro da dita mala, sendo esse o único acto que a própria vítima conseguiu individualizar como conduta violenta do arguido, durante o tempo do seu rapto.
XV. Estar presente no local onde posteriormente ocorreram as agressões praticadas por cerca de 15 indivíduos não identificados, não mais estando presente em todas as demais, incluindo os demais dias em que esteve privado da sua liberdade.
XVI. Nenhuma destas circunstâncias permite concluir pela co-autoria, como já expendido o gesto no ... foi ambíguo e não teve natureza coerciva, podendo ser interpretado como gesto de familiaridade ou tranquilização, tal como a prova não desmentiu;
XVII. O apertão no pescoço foi isolado e não seguido de qualquer conduta agressiva subsequente por parte do arguido que não comandou, incentivou ou dirigiu a ação colectiva.
XVIII. A narrativa construída pelo acórdão sobre uma alegada "liderança informal" de AA não encontra correspondência na prova produzida e pelo contrário, ao longo de todo o processo, é possível identificar diversas condutas autónomas e espontâneas de outros arguidos, que organizam deslocações, instruem outros participantes e tomam decisões logísticas; sem qualquer consulta ou anuência do arguido.
XIX. O arguido não detinha qualquer capacidade de comando ou influência hierárquica, nem tinha meios para controlar o grupo envolvido, que actuava com grande autonomia e impulsividade, tal como resulta da violência exercida por indivíduos não identificados.
XX. Nada no processo indica que o arguido AA tenha exercido esse domínio, em primeiro lugar por não ser sequer ele o proprietário da referida fracção, em segundo por não ter potenciado senão o acompanhamento do ofendido a fracção e ter segundo o ofendido lhe apertado e pescoço e perguntado sobre a mala supra referida.
XXI. A sua conduta é, na melhor das hipóteses, um contributo acessório, sem adesão a qualquer plano de rapto ou agressão, e em total desconhecimento da verdadeira intenção dos demais, até ao momento em que estas começam a acontecer.
XXII. De forma expressa, BB declarou ter sido agredido por cerca de 15 indivíduos, mas apenas identificou alguns deles, nomeadamente EE, GG, FF e HH, sendo que o arguido AA não foi nomeado como participante em qualquer uma das agressões físicas descritas, nem durante a vigilância ou castigos infligidos com cintos, paus ou sacos na cabeça
XXIII. Esta ausência total de individualização da actuação do arguido após o momento inicial afasta-o da execução típica do crime de rapto, que exige não apenas uma contribuição inicial, mas um envolvimento continuado no domínio da privação da liberdade, caracterizando-se como crime permanente.
XXIV. O Tribunal a quo, justifica a condenação com base na figura da co-autoria sucessiva e no entendimento de que o arguido “aderiu à ação dos demais e anuiu na permanência da vítima em cativeiro” (cf. pág. 41).
XXV. Tal raciocínio extrapola os limites da prova e transforma uma presunção de adesão tácita em responsabilidade objectiva, violando os princípios da culpa (art. 40.º, n.º 2 do CP) e da legalidade (art. 1.º, n.º 3 e art. 29.º da CRP).
XXVI. A única conduta que se pode imputar a AA — a agressão inicial à entrada da fracção, não preenche os requisitos típicos do crime de rapto, e não permite inferir adesão a um plano criminoso colectivo, sobretudo quando, o arguido não participou das agressões subsequentes; não foi reconhecido pela vítima no período de cativeiro; e não há qualquer indício de que tenha incentivado, dirigido ou executado qualquer fase posterior da privação da liberdade ou sequer influenciado a sua libertação.
XXVII. A co-autoria exige um domínio funcional do facto, isto é, que o agente contribua de modo essencial para a realização do plano criminoso, nada no processo indica que AA tenha exercido esse domínio, sendo a sua conduta é, na melhor das hipóteses, um contributo acessório, sem adesão a qualquer plano de rapto ou agressão, e em total desconhecimento da verdadeira intenção dos demais.
XXVIII. O próprio acórdão reconhece que a vítima identificou agressores directos, como EE, GG, FF e HH, mas não incluiu AA entre os seus captores ou agressores, nem o viu durante a imposição de castigos (cf. págs. 9 a 12 do acórdão).
XXIX. Esta omissão factual é incompatível com a afirmação de co-autoria e leva a defesa do arguido a indagar como é possível sustentar que o arguido teve um papel central ou organizador, quando nenhuma das condutas mais graves, que integram o tipo de crime, lhe foi imputada directa ou indirectamente pela vítima?
XXX. A condenação de AA pressupõe que o mesmo conhecia o plano de rapto e adesão às agressões subsequentes.
XXXI. Contudo, não há qualquer prova de que tal conhecimento existisse, nem antes, nem durante os factos.
XXXII. Pois não resulta do globo da matéria provada ou daquela que tenha suportado a decisão com o saber de experiencia comum que, o arguido soubesse que BB seria alvo de qualquer tipo de castigo; que tenha participado no transporte, planeamento ou vigilância da vítima; ou que tenha interagido com os agressores durante a execução do crime.
XXXIII. O simples facto de o arguido estar presente no início dos acontecimentos, sem prática de actos típicos posteriores, não autoriza qua tale a sua equiparação a autor material ou moral dos factos.
XXXIV. Ademais, idade de AA contrasta com a de vários outros co-arguidos, nomeadamente, EE, HH, ... ou FF, indivíduos mais velhos, com maior experiência e apontados como executores directos de diversos actos, e que demonstraram, na prática, ter capacidade própria de decisão, organização e acção.
XXXV. Em momento algum o foi identificada ou provada qualquer ordem, directriz ou sinal de comando emanado de AA.
XXXVI. As mensagens, apresentadas em sede de julgamento e que servem de alegado suporte a esta ideia de liderança, não demonstram qualquer hierarquia, antes revelando uma interacção entre pares, sem subordinação .
XXXVII. Um dos elementos mais demonstrativos da incongruência da tese de liderança e co- autoria imputada a AA é o número de indivíduos mencionados pelas vítimas, o próprio acórdão refere que os momentos de cativeiro e agressão contaram com a participação de grupos numerosos — BB menciona ter sido agredido por cerca de 15 pessoas, e CC fala de diversos intervenientes com comportamentos activos, sem nunca identificar AA como instigador ou controlador desses actos.
XXXVIII. Coloca-se então uma questão fundamental: Entende-se então que, AA liderava este grupo, estará a assumir que um jovem com menos de 21 anos comandava também estas duas dezenas de indivíduos, muitos dos quais nunca chegaram sequer a ser reconhecidos pelas vítimas?
XXXIX. A tentativa do tribunal a quo de imputar co-autoria com base em numa alegada adesão tácita e continuidade omissiva, em contexto grupal, representa um desvio inaceitável ao princípio da legalidade e da culpa, porquanto transforma a imputação penal num juízo de ilação sem suporte em actos de execução típicos, ou sequer comandos.
XL. Condenou o tribunal a quo de forma cincada, ao responsabilizar o arguido como co- autor com base em ambiguidades, suposições ou presenças físicas que, isoladamente, não preenchem os requisitos dos artigos 26.º e 158.º do Código Penal.
XLI. E menos ainda se pode agravar a medida da pena com base numa alegada liderança implícita, quando é o próprio processo que demonstra que AA era um dos mais novos, sem histórico de comando ou poder decisório sobre os restantes, alguns com idade, experiência e perfil muito mais propensos à iniciativa própria.
XLII. E em consequência o acórdão recorrido padece de erro notório na apreciação da prova, vício a que se refere a alínea c) do n. 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
XLIII. Pois ante o depoimento da testemunha e ofendido, não se podia ter concluído como se concluiu no facto provado n.º 6.
XLIV. Requerendo-se nessa medida, a V.Exas mui respeitosamente, que se reformule a decisão recorrida, nos termos coincidentes com a verdade material e que provem, outrossim que o arguido não usou de violência ou coação para acompanhar o ofendido BB à ...
XLV. Assim, e também não se verificando qualquer dos requisitos legais para a co-autoria ou autoria por liderança, e sendo o papel do arguido marginal e não essencial, impõe-se a sua absolvição do crime de rapto de BB ou, subsidiariamente, a requalificação da sua conduta como de cumplicidade, nos termos do artigo 27.º do Código Penal.
XLVI. Sendo afastada, nos termos do art.º 412.º n.º 2 c) do CPP, a qualificação jurídica da conduta do arguido como co-autoria no crime de rapto de BB, e a sua actuação reavaliada nos termos do artigo 27.º do Código Penal, como cúmplice do crime perpetrado.
XLVII. E, com base na atenuação especial aplicável nos termos do artigo 72.º, n.º 2, alínea c), bem como nos princípios da proporcionalidade e da culpa, seja reduzida a pena concreta aplicada, com reflexo no cúmulo jurídico final.
XLVIII. Da análise do acórdão a quo, conclui-se que, a condenação do Arguido/Recorrente pelo crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 161º, nº. 1, a) e c) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, b), ambos do Código Penal na pessoa do ofendido CC, na pena de 6 (seis) anos de prisão, baseou-se no depoimento do demandante CC, pois mais nenhuma prova foi carreada para os autos nesse sentido.
XLIX. Do depoimento do Ofendido, consegue-se percepcionar que o recorrente encontrava- se no locus delicti, acompanhado das pessoas que trouxeram o Ofendido e mais outras vinte pessoas não identificadas.
L. O Ofendido não consegue sequer individualizar qualquer agressão do arguido AA, como faz com os demais arguidos.
LI. E atribui-lhe a liderança do “grupo”, em virtude de dinâmicas anteriores onde alegadamente comprou estupefaciente na casa onde era cativo.
LII. Nunca autonomizando se o seu rapto foi por este ordenado ou sequer orquestrado e identificando outros arguidos como mandantes do facto típico.
LIII. A identificação do arguido como o condutor do veículo que transportou o ofendido carece de robustez probatória, pois não foram encontrados vestígios lofoscópicos na viatura associada a AA, nem outros elementos objectivos que corroborem tal envolvimento directo.
LIV. Nos autos é apresentado e concluído que, no dia ..., dois dias depois do alegado transporte, no âmbito do Serviço de Prevenção, Inspectores da Polícia Judiciária, após visualizarem a viatura ... denunciada pelo rapto da vítima CC na via pública, foram em seu encalce e abordaram a mesma.
LV. Sendo que após a entrega da viatura foi possível realizar exame pericial, com maior incidência ao interior da mesma, nomeadamente zona traseira, onde CC foi transportado, para a eventual presença de vestígios hemáticos, mas sem resultado útil. (ver relatório a fls. 180 a 188).
LVI. Esta ausência total de vestígios materiais é reveladora da falta de fiabilidade da versão apresentada pela vítima, que admitamos pudesse estar confusa devido às agressões sofridas.
LVII. Ademais, o facto de a vítima ter afirmado em audiência que foi ameaçada à saída do carro contradiz o facto provado segundo o qual a ameaça teria ocorrido antes de sair da casa onde foi agredido (cfr. Facto Provado n.º 47) página 10 do Acórdão a quo), pondo em crise a fiabilidade da prova usada para sustentar a participação do arguido.
LVIII. Estes elementos retiram credibilidade à versão acolhida pelo Tribunal e reforçam a dúvida razoável quanto à participação efectiva do arguido, não podendo ser superados com base em presunções ou regras de experiência, sob pena de violar o princípio "in dubio pro reo".
LIX. Mas mesmo ante a existência de tais lacunas e contradições, sempre se dirá que a ser provada a conduta do arguido nos termos provados, leva à requalificação jurídica da actuação do arguido como cúmplice, nos termos do artigo 27.º do CP, por eventual auxílio moral ou logístico, mas não como co-autor.
LX. Consequentemente, e sendo requalificada a actuação como cumplicidade, impõe-se também a reformulação da medida da pena aplicada, nos termos dos artigos 27.º e 73.º do CP, com redução proporcional da sanção.
LXI. O arguido/recorrente não praticou actos de execução nos termos do artigo 22.º, n.º 2, do CP, nem deteve qualquer domínio funcional sobre o facto global.
LXII. E é manifesta a ausência de intervenção concreta em actos idóneos a realizar o tipo de crime de rapto.
LXIII. A decisão do tribunal recorrido enferma de erro de subsunção jurídica dos factos ao tipo legal de co-autoria, ao imputar ao arguido AA a prática de um crime de rapto em co-autoria sem que se verifiquem os pressupostos legais dessa forma de comparticipação.
LXIV. Nos termos do artigo 26.º do Código Penal, só é co-autor quem toma parte directa na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro ou outros. Isto implica a prática de actos de execução e a existência de um plano comum que o arguido tenha subscrito e executado.
LXV. No caso dos autos, não foi produzida prova segura de que o arguido tenha participado na decisão, na organização ou na execução do crime, nem que tivesse intervindo em momento essencial para a concretização do rapto.
LXVI. A sua alegada participação foi acessória, indirecta e não decisiva, pois segundo a vítima esteve presente quando esta era agredida, bem apesar de nunca o ter agredido, nem participado da sua subtracção anterior e alegadamente o ter transportado momentos depois de esta ser agredida.
LXVII. A requalificação impõe-se, por erro de direito na subsunção jurídica dos factos aos preceitos legais aplicáveis, no presente caso os do artigo 26.º do CP.
LXVIII. E nessa medida, requer-se a requalificação da actuação de AA como a de mera cumplicidade, nos termos do artigo 27.º do CP, caso se entenda existir algum contributo para o facto.
LXIX. Pelo que se requer a absolvição do arguido quanto à co-autoria do crime de rapto de CC, e caso se entenda demonstrada alguma forma de participação, que a sua condenação, nos termos do art.º 412.º n.º 2 c) do CPP seja reduzida para a de cúmplice, com as legais e devidas consequências na medida da pena.
LXX. Requer-se, por isso aos Venerandos Desembargadores, mui respeitosamente, em caso de procedência da requalificação, a consequente redução da pena concretamente aplicada, com reflexos também no cúmulo jurídico final, nos termos do art. 77.º do Código Penal.
LXXI. Da análise do acórdão a quo, depreende-se que a condenação do Arguido/Recorrente pelo crime de rapto na pessoa do ofendido DD, na pena de 6 (seis) anos de prisão, baseou-se na compilação da seguinte factualidade dada como provada: Enquanto esta situação decorria, FF proferiu a expressão “O BI mandou tirar a t-shirt da boca dele”; Perante tal expressão, GG disse a FF “És mesmo burro, a dizer o nome do patrão em frente a ele”; ; (parágrafo 93 do Acórdão página 12).
LXXII. Sendo que da confluência destes respectivos factos com o teor dos itens 67 a 80 (fls. 97 verso a 99 verso do apenso C e sessão 702 a fls. 115-116 do apenso B, levaram o Tribunal a quo a concluir pelo envolvimento e posição de liderança, no alegado rapto de DD do Recorrente.
LXXIII. Contudo tal factualidade não tem a virtualidade de provar o que se pretende ver provado, e no entendimento do Recorrente, outro não pode ser o entendimento judicial senão aquele que conduza à sua integral absolvição..
LXXIV. A vítima DD não o identificou, como tendo estado presente em nenhum momento do rapto, ou em qualquer dos locus delicti:
LXXV. A tentativa de atribuir a AA um papel de chefe ou mandante do grupo, neste rapto em particular carece de qualquer sustentação fáctica.
LXXVI. Pois a vítima, além de não enquadrar o recorrente em qualquer momento originário do crime, diz não o conhecer e nem o relacionar com qualquer momento prévio do alegado crime.
LXXVII. O acórdão recorrido não apresenta qualquer elemento probatório, objectivo ou minimamente fundamentado, que sustente essa liderança ou sequer tenta provar o momento em que os alegados planos de rapto foram delineados ou ordenados.
LXXVIII. Ademais, é por demais flagrante, a confusão propositada, entre aquela que seja a alegada posição de liderança num alegado esquema de tráfico que o Tribunal a quo tentou, sem sucesso carrear para os autos, e a posição de liderança neste rapto em particular.
LXXIX. Da matéria de facto provada concernente ao presente rapto denota-se que a actuação de AA é inexistente em relação aos demais envolvidos, sem evidência de qualquer comando hierárquico.
LXXX. Não tendo sido descrita qualquer reunião preparatória, distribuição de tarefas ou poder de decisão atribuído ao recorrente.
LXXXI. Pelo que daqui, apenas se pode concluir pela não intervenção do arguido a que mote seja.
LXXXII. O arguido não esteve presente aquando do rapto da vítima, não esteve presente aquando das ofensas à integridade da vítima, ou das tentativas de contacto e extorsão subsequentes e muito menos promoveu o acesso ilegítimo ao telemóvel da vitima ou contacto com os seus familiares
LXXXIII. A imputada chefia ou liderança não é corroborada por nenhuma declaração em audiência, escuta, documento, mensagem ou testemunho.
LXXXIV. A interpretação subjectiva de que "BI" é sinónimo de "patrão" ou "chefe" não tem fundamento probatório, sendo meramente especulativa.
LXXXV. Nenhum co-arguido, em qualquer momento, afirmou que recebia ordens de AA, nem que este coordenasse ou dirigia os actos em causa.
LXXXVI. Sendo esta tentativa de liderança funcional recriada pelo Tribunal a quo é, pois, um artifício argumentativo não fundado em qualquer prova, violando os princípios da individualização da culpa e da responsabilidade pessoal penal.
LXXXVII. É ainda conjecturado pelo Tribunal a quo que, os factos 93) e 94) foram confirmados igualmente por DD (parágrafo 5 e 6 do Acórdão página 82).
LXXXVIII. Ora, tal não corresponde, à verdade, das declarações de DD, apenas se pode concluir que a única ordem dada pelo individuo “Bi” é que seja retirada a t-shirt da boca da vítima.
LXXXIX. Relacionar essa única ordem, ou quiçá pedido circunstancial, com a direcção total do crime e de todos os pormenores do iter criminis não encontra correspondência com a prova presente no acervo probatório que enforma o acórdão ora recorrido.
XC. E nem pode ser o subproduto da experiência comum, pois nada aponta que o móbil do crime tenha sido minimamente, relacionado com o arguido.
XCI. A convicção do tribunal a quo assenta em inferências subjectivas sem suporte factual, que tentam presumir uma liderança do Arguido que não tem reporte na verdade material.
XCII. Sendo que o único evento que o leva a presumir que este determinado “Bi” teria algum poder de direcção nos factos, seria a ordem dada para que lhe fosse retirada uma t- shirt da boca.
XCIII. Mas como é que deste facto, mesmo em confluência com o teor dos itens 67 a 80 (fls. 97 verso a 99 verso do apenso C e sessão 702 a fls. 115-116 do apenso B, se pode concluir que o arguido dominava toda a cadeia de eventos que levou à subtracção e rapto da vítima?
XCIV. Quando nenhum co-arguido reconheceu esse papel ao recorrente, mesmo quando admitiram eles próprios terem tido intervenção neste rapto.
XCV. E que nenhum dos produtos do crime, o acervo de bens que foi subtraído à vítima DD, alguma vez foi encontrada na posse do recorrente, ou em publicações online, como aconteceu com os demais arguidos envolvidos.
XCVI. Nem nos fotogramas a fls. 603 e 604 e vídeo a fls. 1483 dos autos principais onde surge retratado o arguido GG e a testemunha KK e em que este último surge com peças em ouro, alguma vez surge ou é mencionado o arguido AA.
XCVII. Ademais, o próprio arguido FF confirmando que lá vivia à data da prática destes factos e que lá estava quando trouxeram o DD, imputou toda a actuação sobre este vítima a uma pessoa que identifica por “LL” e não “MM”.
XCVIII. Nunca identificando o arguido AA como mandante ou sequer interveniente deste crime em particular.
XCIX. Sendo que terá sido este indivíduo e outros que o acompanhavam que bateram em DD com chapadas e com o cabo de uma vassoura e diziam ao DD para lhes dar dinheiro em troca de sua liberdade.
C. Em nenhum momento do longo percurso crimógeno destes factos é notório que o recorrente alguma vez direccione os mesmos.
CI. Não se tendo provado que tenha ordenado a subtracção da vítima de sua casa, ou que lhe infligissem dor ou tortura, ou que se requer exigissem qualquer condição para a sua libertação posterior, o que veio a acontecer também sem qualquer intervenção do arguido.
CII. Ora as regras da experiência comum, ditam que pelo menos neste último momento o arguido se mandante, devia ter uma intervenção, o que nunca aconteceu.
CIII. Assim, nessa medida entende o recorrente que foi violado pelo acórdão a quo os limites do artigo 127.º do Código de Processo Penal não tendo sido respeitadas as regras da lógica e da experiência comum.
CIV. Com os factos provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, ou seja mesmo que se dê como provado que foi AA que mandou remover a t-shirt da boca da vítima (facto provado n.º 93), não se pode concluir que o arguido tenha tido uma posição de liderança ou sequer conluio com os demais intervenientes, ficcionando toda uma cadeia de comando.
CV. E em consequência o acórdão recorrido peca por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício a que se refere a alínea a) do n. 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
CVI. Requerendo-se nessa medida, a V.Exas mui respeitosamente, a nulidade da decisão no que concerne a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP, e a consequente absolvição do arguido no que concerne ao rapto de DD.
CVII. Mas caso assim não se entenda, sempre se dirá que; e tendo em conta todo o supra expendido que,
CVIII. O arguido foi condenado sem prova inequívoca da sua participação nos factos; relembre-se que a nunca a sua participação ou ordem foi admitida por nenhum dos demais intervenientes no NUIPC 56/23.8JBLSB, arguidos ou vítima.
CIX. Sendo que a responsabilidade penal foi atribuída sem prova de actuação dolosa concreta; do arguido sobre a vítima DD.
CX. Não tendo sido relatado pela vítima, uma única intervenção dolosa em que o arguido estivesse sequer presente.
CXI. Não se demonstrando, de igual forma que o arguido tivesse conhecimento ou vontade de cooperação com os autores do rapto; e de outra banda, não foi feita subsunção jurídica válida dos factos a uma conduta penalmente relevante por parte do arguido, a não ser a alegada ordem de retirar uma peça de roupa da boca da vítima.
CXII. Porém sobressai desta afirmação uma dúvida razoável de interpretação que sobretudo belisca este entendimento, pois a montante desta falta de presença doa arguido no percurso criminal, não foi provado uma única ordem ou acto de execução do crime realizada ou pedida por este.
CXIII. A não ser é claro, que fosse retirado uma peça de roupa da boca da vítima, o que por si só não pode prova, coma certeza exigida, que o arguido tivesse qualquer tipo de domínio do facto.
CXIV. Nessa medida, entende o recorrente que foram igualmente, violados os princípios da legalidade (artigo 1.º e 29.º da CRP), o princípio da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2 da CRP): e princípio da culpa (artigo 1.º do Código Penal e art. 30.º, n.º 3 da CRP):
CXV. Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Ex.ª suprirá, requer-se a V. Ex.ªs, mui respeitosamente, se dignem revogar a condenação de AA pelo crime de rapto referente a DD; absolvendo o recorrente de forma integral da condenação pela prática desse crime.
CXVI. O arguido AA contava 20 anos de idade à data dos factos, enquadrando-se, portanto, na definição de jovem adulto prevista no artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 401/82.
CXVII. A personalidade e condições de vida do arguido revelam, ademais, um quadro que deve ser particularmente valorizado no contexto da aplicação do regime especial.
CXVIII. O arguido vivia, à data dos factos, exclusivamente com o seu pai, com quem trabalhava diariamente numa oficina, exercendo actividade profissional honesta e regular.
CXIX. Tal situação decorre da perda recente da sua mãe, facto que o afectou profundamente a si e à sua estrutura familiar e emocional, agravando a sua vulnerabilidade afectiva e a sua dependência do núcleo familiar restante.
CXX. Tendo apenas encontrado alguma estabilidade no seu hodierno relacionamento com a sua namorada NN, que abonou a favor da sua personalidade.
CXXI. Trata-se de um jovem claramente dedicado à família, trabalhador, e inserido num projecto de vida construtivo, que apenas por influências externas e pelas vicissitudes da vida, se viu envolvido nos factos em apreço.
CXXII. A aplicação de uma pena de 13 anos de prisão a um jovem com este perfil é desproporcional e contrária aos fins das penas e da reinserção social que a Constituição impõe.
CXXIII. A Sentença recorrida não procedeu, no entendimento da defesa de AA, à análise da aplicabilidade do regime penal especial para jovens adultos, omitindo a ponderação dos pressupostos legais e a fundamentação necessária para a eventual não aplicação do referido regime.
CXXIV. O Tribunal a quo escolheu não valorar ou sequer validar a possibilidade de uma ressocialização de um jovem, sem antecedentes criminais no tipo de crime em questão.
CXXV. Não acreditando na ressocialização deste jovem delinquente, o que diga-se é todo o propósito da Lei Penal e do aludido decreto.
CXXVI. Mas também não justificando esse descrédito, pois apesar de identificar o evidente apoio familiar do arguido, remata-o com “apesar de possuir apoio familiar certo é que o arguido na data da prática dos factos já possuía um antecedente criminal por condução sem habilitação legal”.
CXXVII. Ora tais premissas, aliadas com a apresentada alegada gravidade da actuação não podem por si só justificar a não aplicação do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro.
CXXVIII. Pois se, o “Regime Penal aplicável a jovens delinquentes”, não se aplicar a jovens delinquentes então a que jovens se aplicará?
CXXIX. A aplicação do regime penal especial para jovens adultos implica a atenuação especial da pena, nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal.
CXXX. Nessa medida, por não fundamentar devidamente a não aplicação do Decreto-lei 401/82, e optar, indevidamente pela sua não aplicação incorreu o Tribunal a quo em vício gerador de nulidade vis, omissão de pronúncia sobre o regime especial para jovens adultos nos termos art. 379.º, n.º 1, al. c) do CPP.
CXXXI. Nessa medida requer-se a V:Exas mui respeitosamente, que se declare a nulidade da decisão recorrida e que, em consequência, a sentença seja revogada ou reformada, com aplicação do regime especial para jovens adultos e reponderação da medida da pena.
O referido recurso foi admitido por despacho de 20-05-2025.
I.2.A.b. Da resposta:
A este recurso respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, pugnando pela sua improcedência, concluindo da seguinte forma:
1. Confrontado com a matéria de facto dada como provada no douto Acórdão, a qual serviu de alicerce à sua condenação, pretende o recorrente colocá-la em causa.
2. O artigo 412.º, do C.P.P., sob a epígrafe “Motivação do recurso e conclusões”, dispõe que, n.º 3.: “Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
d) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
e) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
f) As provas que devam ser renovadas.
n.º 4. - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b), e c), do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3, do art. 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
3. Na motivação de recurso que apresenta o arguido não especifica os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida, nem tão pouco as provas que devem ser renovadas e, muito menos, indica concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
4. Não o fazendo, não cumprindo os referidos preceitos legais, mostrando-se violado o artigo 412.º, n.º 3, do C.P.P., não deve o recurso ser apreciado nessa vertente.
5. Considerando os factos julgados provados com a respetiva fundamentação, é perfeitamente possível ao homem médio alcançar o percurso lógico que levou o Tribunal a formar a sua convicção, neles vertida.
6. Ao fixar a matéria de facto nos exatos termos em que o fez, o tribunal valorou criteriosa e corretamente a prova pessoal produzida em julgamento, à luz das regras da lógica, da experiência comum e da normalidade da vida a que estava vinculado, sem extravasar os poderes/deveres que emergem dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
7. Da leitura do texto do acórdão recorrido – designadamente na parte atinente à matéria de facto provada e aos meios de prova determinantes da convicção do tribunal – não resulta que o tribunal tenha considerado provados factos que, manifestamente, de harmonia com as regras da lógica e da experiência comum, estejam incorretos ou não possam ter acontecido da forma descrita.
Não padece, pois, o acórdão recorrido, do vício do erro notório na apreciação da prova.
8. Em bom rigor, ao invocar os vícios previstos nas als. a), e c), do n.º 2, do art.º 410.º, do C.P.P., o Recorrente está na verdade apenas a exprimir a sua divergência relativamente à apreciação da prova efetuada pelo tribunal a quo, pretendendo sobrepor a sua visão pessoal sobre aquilo que se provou à convicção que o tribunal formou no uso do poder de livre apreciação da prova conferido pelo art.º 127.º, do C.P.P..
9. Para alcançar a sua convicção o tribunal não procedeu de forma inadmissível ou arbitrária, nem incorreu em interpretação do princípio da livre apreciação da prova (contemplado no art.º 127.º do C.P.P.) ofensiva de qualquer preceito constitucional.
10. Por conseguinte, deverá a matéria de facto fixada na primeira instância permanecer inalterada.
11. A matéria de facto provada, permite imputar ao arguido AA, os referidos crimes em coautoria como vimos a defender. Efetivamente, e apesar de não terem sido todos os arguidos, em todas as situações que foram buscar e transportar os ofendidos com o propósito de lhes extorquir dinheiro, é seguro afirmar que todos sabiam o motivo do seu cativeiro, bem como sabiam que era esse o motivo pelo qual tinham que agredir e ameaçar os ofendidos, nos termos dados como provados.
Cada um dos arguidos, mesmo aqueles que inicialmente não usaram da violência e ameaça para fazerem os ofendidos entrar nas viaturas, e para os transportar para as respetivas casas onde ficaram cativos, aderiram sucessivamente ao plano quando, cientes do objetivo inicial, também agrediram os ofendidos ou os ameaçaram para que estes entregassem o dinheiro, ficando tal situação claramente evidenciada das várias expressões que proferiam para com os ofendidos, sabendo que as suas condutas integravam a realização de um plano, bem sabendo que os ofendidos estavam privados da sua liberdade de locomoção e eram agredidos e ameaçados para que lograssem obter vantagem patrimonial de forma ilícita, situações que ficarem bem patentes na matéria de facto assente quanto ao arguido AA, quer quanto à sua intervenção quer quanto sua posição de chefia.
12. Face aos factos julgados provados – que, conforme se defendeu, devem permanecer inalterados – é manifesto que estamos perante a prática por banda do arguido, além do demais não impugnado, do cometimento:
- Pela prática em co-autoria material de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo artº 161º, nº. 1, a) e n.º 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, a) e b), ambos do Código Penal (ofendido BB) e
- Pela prática em co-autoria material de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo artº. 161º, nº. 1, a) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, b), ambos do Código Penal (ofendido CC).
13. Não foi violado o princípio In dubio pro reo porquanto, da leitura do texto do acórdão recorrido não resulta de forma alguma – e muito menos de forma evidente – que no espírito do julgador tenha subsistido qualquer dúvida sobre os factos imputados ao Recorrente; nem tal dúvida é imposta, objetivamente, pelas regras da experiência comum, atenta a coerência lógica dos factos dados como provados e destes com a fundamentação de facto contida no acórdão.
14. O douto acórdão não padece do vicio de falta de fundamentação, já que contém todos os elementos a que alude o artigo 374.º, n.° 2, do Código de Processo Penal (CPP), que dispõe sobre os "requisitos da sentença"
- relatório – n.º l;
fundamentação – n.º 2;
- dispositivo ou decisão.
O n.º 2, do referido preceito legal indica os elementos que têm de integrar a fundamentação, da qual deve constar uma «exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
A fundamentação da sentença consiste na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão.
O “exame crítico" das provas consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
A integração das noções de ‘’exame crítico" e de "fundamentação implica, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razoes de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.
15. Compulsado o douto Acórdão não se alcança onde resulta a alegada falta de fundamentação, e ou qualquer outro vício, ou qualquer outro elemento que devesse constar da referida peça processual e não conste.
16. Aliás, o douto Acórdão além de conter todos os requisitos a que alude o art. 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mostra-se exaustivamente completo na parte da fundamentação, não deixando transparecer qualquer dúvida sobre os motivos da condenação imposta ao arguido.
17. O vício previsto na al. a), do n.º 2, do art.º 410.º, do C.P.P. existe quando os factos julgados provados na sentença/acórdão não são bastantes para sustentar a decisão de direito proferida, porque o tribunal, podendo investigar outros factos essenciais a essa decisão, não o fez.
Ora, da leitura do acórdão recorrido, efetuada à luz das regras da experiência comum, não é possível extrair a existência de qualquer lacuna na investigação e fixação de factos essenciais para o preenchimento dos crimes julgados verificados, suscetível de afetar a justeza da condenação do Recorrente por tais ilícitos, nem para uma conscienciosa determinação da medida concreta das penas parcelares e única.
Na verdade, o tribunal investigou e consignou no acórdão recorrido todos os factos essenciais para a decisão da causa, pelo que não se verifica o vício previsto na al. a), do n.º 2, do art.º 410.º, do C.P.P..
18. Andou bem o Tribunal a não aplicar o DL n.º 401/82, de 23 de setembro – regime especial para jovens adultos tendo fundamentado de forma profícua o sentido da sua decisão.
Os fatores que podiam beneficiar o arguido (família e outros), já preexistiam na data dos factos mas nunca constituíram qualquer tipo de impedimento para a prática dos factos por banda deste arguido, sendo que sua conduta em termos de ilícitos criminais, tem vindo a assumir um grau de gravidade crescente, assumindo o mesmo nos factos ilícitos pelos quais foi condenado nos presentes autos uma posição de chefia, a que acresce a gravidade das condutas mesmo numa comarca em que grassa a criminalidade violenta (felizmente), porém é difícil surgirem atos de tamanha violência e crueldade.
19. De sopesar ainda neste particular, o sofrimento e as consequências para os ofendidos muito significativas, atendendo aos dias de doença sofridos pelos ofendidos por BB CC e por DD, as consequências graves na vida de todos os ofendidos, a intensa dor e medo que sentiram em consequência da atuação dos arguidos, os traumas que este tipo de conduta deixou, indo ao ponto de BB se mudar para o norte do país e DD mudar de casa.
O arguido, em conjunto com os demais, não se limitaram a privar de liberdade os ofendidos e de os ameaçar, para além das agressões com murros e pontapés, perpetradas em grupo, usaram ainda instrumentos para bater, como paus, cabos de eletricidade que deixaram vergões no corpo das vítimas, com especial enfoque em CC que tem as costas todas vergastadas e, por fim, queimaram o corpo de BB e de DD com a lâmina de uma faca, indo ao ponto de os ameaçar com armas de fogo, o que demonstra uma enorme insensibilidade ao direito, desprezo pelo outro, pelo seu sofrimento, pela sua condição humana o que releva enormes carências de sociabilização por parte dos arguidos, em especial por banda deste arguido que tinha uma posição de chefia.
20. Posto que o Tribunal, e bem, afastou a existência de um “sério” prognóstico de que dela possam resultar “vantagens” para uma (melhor) reinserção social do jovem condenado.
21. No douto Acórdão, para efeitos das penas concretas aplicadas ao arguido, foram exaustivamente ponderados os critérios consignados no art. 71.º, do Código Penal, pelo que considerando todos os factos provados, a pena aplicada ao arguido, é adequada à culpa, e às exigências de prevenção geral e especial que no caso concreto se fazem sentir.
22. Andou bem em nossa opinião o Tribunal a quo ao impor a condenação nos termos precisos em que o fez.
23. As penas aplicadas ao arguido, parcelares e única, são adequadas às exigências de prevenção geral e especial que no caso concreto se fazem sentir.
Se nos presentes autos fossem impostas ao arguido penas de natureza diferente ou inferiores às aplicadas, tais penas não realizavam de forma eficaz a proteção dos bens jurídicos que o tipo legal de crime visa salvaguardar, bem como a necessidade de demover o arguido da prática de futuros crimes.
24. As quantias fixadas a titulo de indemnização são justas e adequadas a reparar os danos causados e mostram-se conformes com a jurisprudência atual.
I.2.B. Do recurso interposto pelo arguido EE:
I.2.B.a. Do recurso:
Também inconformado com a decisão, o arguido EE dela interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
1. Das declarações prestadas pelo arguido não resultaram qualquer indício da prática de factos criminosos por aquele, sendo que o arguido não tem de convencer o tribunal de que não cometeu o crime, ao contrário do que refere o acórdão “as declarações prestadas pelo arguido na audiência de julgamento não convenceram minimamente o Tribunal,
2. Resta como única prova- para a imputação para a prática dos factos ao aqui recorrente resulta o depoimento dos ofendidos uma vez que são os “únicos com razão de ciência direta sobre a toda a factualidade em causa”
3. O tribunal a quo não valorou os depoimentos indiretos das testemunhas OO (companheira do arguido), e PP que relataram que o aquilo o arguido lhe transmitiu e que a mãe da testemunha lhe transmitiu via telefone, no caso da primeira, bem como que sabem resulta somente do fato de ter estado perto do local da prática dos crimes, no caso da segunda, não tendo nunca assistido a nenhum episódio de violência física ou verbal perante os ofendidos.
4. Aos autos foi junto relatórios médicos, exames periciais que sustentam o alegado pelos ofendidos, bem como outras testemunhas que também não tinha conhecimento da dinâmica dos fatos dentro casa sita na ...
5. O acórdão ora recorrido “vive” do depoimento dos ofendidos que se revelaram, aos olhos do Tribunal, absolutamente sinceros e objetivos, mas contudo, não valorou e não considerou:
6. Não existirem outros meios de prova, nomeadamente testemunhas com conhecimento direto dos factos
7. Não se nega as agressões e o fato de ambos os ofendidos terem sido agredidos, mas nega-se sim a participação do arguido nas mesmas. O facto de a testemunha PP não concretizar com uma certeza absoluta o dia e ano do episódio em que ocorre, mas recordando-se que em relação ao arguido praticamente todos os dias o via no local, e que, sabe que pelas 19h00 ou 19h00 e pouco o cumprimentou, como era apanágio, uma vez que passeava o cão todos os dias e que no dia ... era o dia em que a sua filha fazia anos; cf. sessão de julgamento de 07.04.2025 15:44 16:02 - (5:41) Eu pergunto-lhe se o senhor esteve nessa casa ou perto dessa casa nesse dia. (5:46) Se recorda. (5:48) Supostamente estive perto dessa casa. Sim, supostamente é capaz porque eu vivo ali perto e costumo passear o cão e ali é (5:57) o sítio onde é que eu levo o cão, que é um sítio onde é que não passam carros. (6:01) O senhor normalmente é capaz dia 2? (6:04) Todos os dias, todos os dias passo ali. (6:06) Todos os dias. (6:07) Todos os dias. (6:10) Onde é que o senhor reside? (6:42) Olha, e o senhor disse que costumava estar com o cão, é isso? (6:45) Costumo passear com o cão. (6:46) Passear com o cão. (6:47) E a que horas é que... (6:47) Nesse dia, pronto, ou nos dias, se não me engano em vários dias, (6:51) a que horas é que o senhor costumava, ou neste dia, (6:55) recorde, passear com o cão? (6:56) É a mesma hora que sempre. (6:58) Entre as 6h30, 7h, 6h, 7h15, é a hora... (7:02) Entre as 18h e 19h15? (7:05) Sei. (7:06) Até às 8h é a hora que eu saio com o cão. (7:07) E durante esse trajeto, o senhor costumava passar na habitação que foi dita, (7:12) perto dessas imediações? (7:14) Diga. (7:15) No trajeto com o cão. (7:17) Se o senhor costuma, nesse trajeto, (7:20) costuma passar perto da casa que lhe foi preferida? (7:23) Eu passo e paro lá perto. (7:24) Porque o sítio onde eu largo o cão é mesmo perto da casa. (7:27) Não é só passar, eu paro lá perto. (7:28) Olha, o senhor PP consumia já agora? (7:33) Chegou a consumir nessa casa alguma vez? (7:34) Não. (7:35) Por isso que está assim? (7:35) Não. (7:36) Olha, nesse dia, o senhor disse que supostamente sim, (7:41) não sei se recorda ou não recorda, (7:42) é importante que eu faça um apelo à sua memória. (7:48) Sim, foi depois do feriado, e o de ..., (7:51) e calhou numa terça-feira, o dia ... de ... de 2023. (7:57) Estou-lhe a dizer porque este 24 foi uma quarta, (8:00) e este ano será uma sexta porque … (8:02) Se recorda em alguma coisa especial, (8:06) quando passou, (8:08) se recorda da hora, (8:09) entre as 6h30 e 7h15, (8:12) se recorda de ter visto o EE o na rua? (8:15) Na rua? (8:16) Na rua, ou perto da casa, nessa casa, nas imediações.. (8:20) Eu vi-lhe por acaso... (8:23) Se interagiu com ele, se não interagiu, (8:26) se cumprimentou uma vez que o conhece, (8:28) eu pergunto-lhe. (8:29) O que é que se recorda disso? (8:31) Ah, eu recordo-lhe de me ver, vi-lhe, (8:34) cumprimentei-lhe, normal, (8:35) ele passou, (8:37) passou um bocado, voltou a passar por mim, (8:38) e foi embora. (8:40) Eu também estava a atenção no cão, (8:41) porque eu estou sempre atento no cão, não... (8:43) Olha, recorda-se alguma coisa em particular relativa, (8:45) recorda-se de ter visto o Sr. EE? (8:46) Sim, sim. (8:48) Não se recorda em a hora, (8:49) se era mais próximo das 7h, se era mais próximo das 6h? (8:52) Não sei. (8:53) É entre essa hora, é a hora que eu saio com o cão, (8:55) só por isso é que eu sei que é essa hora. (8:57) O Sr. EE se recorda que estava acompanhado? (9:00) Não. (9:55) O Sr. disse que viu-o a sair das imedcações, correto? (9:59) Viu-o a sair daquele local? (10:01) Não, não lhe vi a sair. (10:02) E ele a passar? (10:03) A passar. (10:04) Ele passou por mim, (10:06) eu estava a atender o meu cão. (10:08) Porque ali tem muitos cães, eu tenho que estar atendendo o meu cão. (10:10) E depois passou de novo por mim. (10:12) Não vi onde é que ele foi. (10:14) Digo uma coisa, é essa parte que eu não percebi. (10:15) Quando passou outra vez por si, (10:18) estava na direção de ir para a residência, (10:21) viu-o a vir, apelhado, (10:24) foi dentro de alguma viatura, (10:26) se recorda, o que é que se recorda disso? (10:28) Quando passou para mim a vir, (10:29) estava a vir na direção da tal casa, (10:31) onde é que eu passo com o cão. (10:32) Mas depois não sei se foi para lá, se foi para trás, (10:34) porque não passa a casa, (10:37) é um sítio com várias saídas. (10:38) E depois a vir, veio do mesmo sítio, não sei de onde. (10:41) Ou seja, o senhor o manteve naquele local durante algum tempo (10:44) e viu-o por duas vezes, é isso? (10:46) Estive ali 3, 4 minutos para o cão fazer as necessidades, (10:50) foi o tempo que eu estive ali. (10:51) Percebeu-se quantos minutos? (10:53) 3, 4 minutos para ir, não tenho a certeza. (10:56) Foi o tempo do cão fazer as coisas. (10:58) Então, mas o senhor vê no órgão, (10:59) quem não percebeu foi ele. (11:01) Então, o senhor vê-lo, se não dá jeito, (11:03) a passar na direção, (11:04) não sabe se foi para aquela casa, (11:05) efetivamente, aquela casa para a seta a tal PP, (11:10) vai na direção daquela casa, (11:12) e 3, 4 minutos, no máximo, não volta. (11:16) Para ir, não posso especificar o tempo certo, (11:19) porque eu estava atento ao cão, (11:20) eu estava à espera que o cão fizesse as coisas, (11:21) mas foi pouco tempo, não tenho a certeza, foi pouco tempo. (11:25) Vou-lhe perguntar uma coisa. (11:27) O senhor PP, (11:29) já descreveu como é que foi este encontro (11:32) do EE e do senhor? (11:33) Aconteceu mais alguma coisa? (11:36) Naquele dia? (11:36) Sim. (12:18) Eu consigo-lhe dizer isso, (12:19) porque o senhor agora falou-me do dia, mais ou menos, (12:21) e eu lembro que dia 1 é feriado, (12:22) é o aniversário da minha filha. (12:25) Mas isso eu não coloquei em causa. (12:27) Desde aí, é por isso que eu estou a dizer. 12:28) O senhor que me perguntou, (12:29) eu como faço essa rotina todos os dias, (12:31) levo o cão à rua todos os dias... (12:32) Faz-se uma razão para nós não nos recordarmos (12:34) que é uma coisa que fazemos todos os dias. (12:37) Como assim? (12:38) Pronto. (12:39) Se é uma coisa habitual... (12:40) Se é uma coisa que eu faço todos os dias... (12:41) Se é que o senhor me diga que aconteceu alguma desgraça, (12:43) ou algo que tivesse chamado a atenção, (12:46) especificamente a atenção do senhor... (12:48) O senhor não me explicou aqui. (12:51) Mas eu não vou lhe explicar o quê. (12:53) O que me lembro é como eu faço. (12:54) Como fiz nesse dia 2, fiz dia 3, fiz dia 5, fiz normal. (13:06) O senhor PP... (13:06) Faço todos os dias. (13:07) Pois é. (13:08) Mas quando é uma coisa que nós fazemos, (13:10) sempre que vemos aquela pessoa, (13:11) ou praticamente todos os dias, certo? (13:13) Sim. (13:14) A minha pergunta é como é que o senhor se recorda, (13:17) especificamente neste dia, (13:18) que esteve ou não esteve. (13:19) Mas eu não me recordei especificamente. (13:22) O senhor, doutora, é que me disse que foi para dia 2. (13:24) Eu disse, possivelmente, porque eu todos os dias faço o mesmo. (13:27) Então isso é diferente. (13:29) Eu só faço isso dia 1, dia 2. (13:30) Eu vejo eles quase todos os dias. (13:32) Mas isso é diferente. (13:33) É que o senhor, doutora... (13:34) Eu não lhe garanti... (13:36) Não fui eu que disse. (13:37) Olha, foi dia 2 que eu lhe vi. (13:38) Não fui eu que disse isso. (13:40) O senhor disse dia 2. (13:41) Eu disse, supostamente, dia 2, porque eu faço isto dia 2. (13:43) Já percebi, senhor PP. (13:43) Eu tinha percebido, mal, mal... (13:45) Eu... (13:46) Que isto tinha acontecido no dia 2. (13:50) Não estou a perceber, doutora. (13:51) Eu tinha percebido. (13:52) O senhor tinha dito. (13:53) Mas não fui eu que disse. (13:55) Pois. (13:55) Mas eu deduzo. (13:57) Faço à pergunta do doutor... (13:59) Que era... (14:00) Que isto tinha acontecido no dia 2. (14:02) O senhor não me consegue dizer se isto foi no dia 2. (14:05) Eu estou-lhe a dizer. (14:06) Como eu disse. (14:06) O senhor, doutor, disse no dia 2. (14:07) Eu respondi. (14:08) Eu faço isso todos os dias. (14:10) Dia 2, dia 3. (14:10) Eu levo sempre o cão à rua. (14:12) Supostamente... (14:13) …vejo-os todos os dias. (14:15) Se vi... (14:15) Naquele dia vi, não é? (14:16) Vi, vi... (14:17) Vi eu, vi... (14:17) Vi eu todos. (14:18) Mas só que eles não são pessoas que eu convido-os todos os dias. (14:20) Eu cumprimento, tudo bem. (14:22) O EE é o único. (14:23) Quando falo mais, que andamos de mota... (14:26) Doutor... (14:27) Bom... (14:27) São mais de duas questões. (14:29) Muito rapidamente. (14:30) Então o senhor... (14:31) Vamos lá ver se entendemos. (14:33) O senhor... (14:33) O senhor está-me a dizer é que não consegue... (14:36) Ou consegue... (14:37) Não consegue concretizar com 100% de certeza... (14:40) Que naquele dia ..., dia seguinte ao aniversário da sua filha... (14:45) Que terá visto o EE naquele... (14:47) Que terá visto o EE, que terá sido naquele dia. (14:51) Eu vi... (14:51) Agora, dia ... (14:53) Eu vi naquele dia. (14:55) Dia 2 vi. (14:57) Agora... (14:58) Mas o senhor viu ou não viu? (15:00) Mas eu nunca disse que eu não vi. (15:01) Eu disse que eu vi. (15:02) Agora a senhora está-me a dizer que eu garanti que eu vi dia 2. (15:04) Eu não me disse que dia 2. (15:05) Dia ... (15:06) Eu... (15:07) Deve ser eu que deve estar com algum problema. (15:10) Deve ser eu. (15:10) Posso-lhe fazer pergunta? (15:11) É provável que tenha visto, é isso? (15:13) É provável porque eu faço todos os dias a mesma coisa. (15:16) É possível. (15:17) Mas não tem 100% de certeza? (15:18) Não tenho certeza 100%. (15:19) Mas é provável porque todos os dias eu faço a mesma coisa e todos os dias vejo eles. (15:22) É normal. (15:32) Olha, já agora... (15:33) E no âmbito dessa interação que teve com o senhor EE... (15:36) O senhor viu que ele estava apiado? (15:38) Ou estava com algum carro? (15:41) Quando foi no sentido contrário que disse? (15:43) Não, estava apeado. (15:52) Olha, já agora, fazendo um apelo de memória... (15:55) E reportando ao mês de ... de 2023... (15:57) Pronto, não entendo ou não, memória de elefante. (15:59) O senhor tem noção se via o senhor EE todos os dias? (16:02) A essa hora que ia passear o cão. (16:06) Costumava vê-lo quase todos os dias ou o dia 5? (16:08) Quase todos os dias. (16:09) Quase todos os dias eu via. (16:15) E última questão. (16:17) Relativamente a esse dia ..., (16:20) onde é essa possibilidade de ter visto, (16:21) uma vez que via todos os dias, (16:22) ou praticamente …
8. O facto de a testemunha OO também ter confirmado que naquele dia, o mesmo ter saído do local de trabalho, pelas 19h-19h30 e ter chegado pelas 20h00, uma vez que telefonou para a sua mãe que estava no café e trabalhava igualmente no café da mesma, levam a que se cria a dúvida do envolvimento do arguido nos fatos ilícitos em que são vítimas os ofendidos. Vejamos... Cf. sessão de julgamento de 22-01-2025– das 15:54 até ás 16:18. Fiquei a saber (1:39) No dia que isto aconteceu (1:40) Eu estava grávida (1:41) Tive uma gravidez de risco (1:43) No entanto, ele é que ajudava a minha mãe no café (1:47) Neste dia (1:47) Ele chegou a casa por volta de quase 8 da noite (1:51) Mas antes disso eu liguei a minha mãe (1:53) Para saber como estava o movimento do café (1:55) Ela disse não (1:56) No dia que eu ainda não percebi (1:57) No princípio de ... (1:58) Quando isto aconteceu (2:01) Foi no dia ...(2:04) Não, no princípio de maio (2:07). Eu liguei a minha mãe (2:13) Perguntei como estava o movimento no café (2:14) Ela disse não (2:15) Olhe, agora tem movimento (2:16) O EE está aqui a ajudar-me (2:17) Mas ele deve sair por volta das 7, 7 e meia (2:19) Foi o que aconteceu (2:20) Ele saiu (2:21) Antes de ir para casa (2:22) Esteve neste apartamento (2:24) Foi lá fumar (2:25) Prontos (2:26) E (2:27) Encontrou lá situações que (2:29) Prontos, já tinha acontecido (2:30) Chegou a casa (2:31) Por volta de quase 8 (2:33) 8 e tal (2:33). A sua mãe estava no café (2:47). Com o EE (2:48) Sim, ele estava ali a ajudar (2:50) Porque eu não podia (2:55) A sua mãe transmitiu (2:56) Que o EE tinha que sair por volta das 7 e meia (2:59) Sim, que ia sair (3:09) Depois o EE chega a casa (3:10) A que horas? (3:11) Quase 8 (3:12) 8 e 10 (3:13). Por aí, um quarto (3:15) Perto das 8 (3:16) Sim (3:18). Chegou por volta das 8 (3:51) Mas não sabe a hora que saiu (3:53) Deve ter sido às 7, 7 e... (3:54) 7 e tal (3:55) 7 e meia, por aí (3:58) Como é que a senhora sabe (3:59) Que foi para aquela casa fumar? (4:01) Porque ele disse-me (4:04) Passou por lá (4:09) Disse-lhe mais alguma coisa (4:10) Que tenha acontecido lá nessa casa? (4:12) Sim, disse-me que chegou lá e... (4:14) Foram duas pessoas espancadas (4:20) Disse o quê? (4:21) Foram duas pessoas espancadas? (4:22) Sim, bateram duas pessoas (4:30) E o que é que aconteceu depois? (4:32) Disse-lhe... (4:32) E prontos, eu vi que ele ficou assim (4:34) Meio incomodado (4:35) Não quis falar, estava... (4:37) Disse-lhe, mas o que é que se passou de concreto? (4:38) Ele disse, olha, não sei (4:39) Cheguei ali, encontrei duas pessoas (4:40) Uma delas meio ensanguentada (4:42) Bateram-lhe, prontos (4:43) Não sabe o que é que se passou (4:44) E eu tentei perguntar mais alguma coisa (4:46) Ele não quis dizer, não... (4:47) Prontos, não quis tocar mais no assunto (4:51) Não quis falar mais do assunto? (4:52) Não (4:53) Porque eu até pensei que fosse no café (4:55) Que eu disse... (4:56) Pensei que tiveram ali a pancada no café (4:59) Mas depois vi que não foi no café (5:01) Não falou mais do assunto? (5:02) Não (5:03) Olha, vou fazer-lhe uma pergunta (5:05) Isto foi o que lhe contou naquele dia? (5:06) Sim (5:08) Olha, a senhora... (5:14) A senhora conhece alguma das vítimas? (5:16) Sim, o CC (5:19) CC? (5:20) CC (5:20) E conhece o CC de onde, o Sr. CC? (5:22) Do café (5:24) Ele ia lá de vez em quando vender (5:25) Ah, agora do café, diga-me uma coisa (5:26) O café, como é que se chama o seu café? (5:28) Café do Norte (5:28) Café do Norte, e fica onde? (5:30) De frente à paragem dos autocarros, mesmo (5:33) No terminal (5:36) É o terminal que... (5:37) Vale da AMoreira? (5:38) Sim (5:40) Bom, e conhece-o? (5:41) Há quanto tempo é que conhecia-o desde... (5:44) Praticamente desde que eu tinha ali o café (5:45) Há quanto tempo a senhora tinha o café? (5:47) Ou que tem o café à data de hoje, por exemplo? (5:50) Desde a data que isto aconteceu mais um ano atrás (5:54) Desde de ...de 2023? (5:56) Sim, mais um ano (5:56) Ou seja, ... de 2022, será? (5:58) Sim, sim (5:59) Ou seja, explorava o café, é isso? (6:02) Sim (6:04) Como é que se chama o café? (6:06) Café do Norte (6:06) Café do Norte (6:08) Doutora, também estou cansado, não é por nada (6:10) Eu só estou a perguntar (6:11) Não, é que eu não me lembrava já (6:13) Café do Norte, ao pé dos terminais
9. A lei não fixa as regras de valoração do depoimento indireto, quando tal valoração é admissível, devendo entender-se, face ao princípio geral da livre apreciação da prova estabelecido no art. 127º, do C. Processo Penal, que o depoimento deve ser avaliado conjuntamente com a demais prova produzida, incluindo o correspondente depoimento direto, quando tenha sido prestado, tudo conforme a livre apreciação e as regras da experiência comum portanto, sem qualquer hierarquia de valoração entre um e outro (cfr. neste sentido, Acs. do STJ de 20/11/2002, CJ, X, III, 232, Ac. da R. do Porto de 07/11/2007, já citado e Ac. da R. de Évora de 30/01/2007, proc. nº 2457/06-1 in http://www.dgsi.pt; contudo, em sentido contrário, cfr. Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 349 e ss.).
10. Mas o Juiz não pode valorar as provas como lhe apetece, julgar de acordo com o humor do momento, determinado por um convencimento exclusivamente subjetivo. A livre convicção do julgador não significa arbítrio ou decisão irracional. Pelo contrário, na tarefa de valoração da prova exige-se uma apreciação crítica e racional, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência, bem como, na perceção da personalidade dos depoentes e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio in dubio pro reo, tudo para que dela resulte uma convicção do julgador objetivável e motivável, únicas características que lhe permitem impor-se dentro do processo e fora dele.
11. A atuação do princípio da livre apreciação da prova e o seu controlo, pressupõe a indicação na sentença dos meios de prova e o seu exame crítico, pois só desta forma pode ser avaliado o processo lógico e racional que, eventualmente conjugado com as regras da experiência, conduziu o tribunal a uma determinada decisão de facto.
12. Assim, o ponto de partida para sindicar a observância deste princípio situa-se na fundamentação da decisão de facto e, muito particularmente, nos motivos de facto que fundamentam a decisão, entendidos como os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinados sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência (Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal, 228 e ss.).
13. Assim, a convicção alcançada pelo tribunal a quo e expressa na fundamentação de facto terá de ter apoio razoável na prova gravada para o efeito indicada, conjugada com os demais elementos de prova existentes e atendíveis.
14. Ora, no que concerne ao depoimento das testemunhas, com o devido respeito por opinião diversa, ao não se alicerçar nos depoimentos indiretos das testemunhas, o Tribunal a quo fez perigar a certeza jurídica necessária para a condenação do arguido.
15. Até porque, desde logo, as testemunhas referem que o arguido não estaria dentro da casa sita na ..., e estaria no café a laborar e á hora que saiu e encontrou a testemunha PP, bem o curto período de tempo que esteve dentro de casa, coloca em causa a sua atuação e comparticipação quanto á prática dos fatos delituosos.
16. Desde logo, não é admissível ao Tribunal retirar um qualquer juízo ou conclusão por o arguido se ter limitado a negar os factos que lhe eram imputados, pois apresentou uma “justificação lógica e plausível” para não ter participado nos mesmo
17. Em conclusão, das declarações do arguido e dos depoimentos das testemunhas, por todos os motivos supra evocados, não podem ser descartados, por si só, alicerçando a condenação do arguido ora recorrente, já que é manifestamente insuficiente para demonstrar a matéria considerada como provada, os depoimentos dos ofendidos, nomeadamente, o que foi provado nos pontos 9,11,17,21,22,23,27,30,32,37,41,46,48,51 e 53 do acórdão recorrido.
18. A dúvida a favor do arguido – por não ter sido ilidida a presunção de inocência – refere-se aos factos que integram o objeto do processo, e pressupõe que, produzida a prova, o tribunal, e só o tribunal, tenha ficado na incerteza quanto à verificação ou não, de factos relevantes para a decisão.
19. Dos depoimentos das testemunhas não se pode retirar que o arguido tenha praticado os crimes pelo qual foi condenado. Na verdade, tais depoimentos fornecem elementos que nos permitam aferir da não prática dos factos e por isso, de algum modo poderia o arguido ser condenado com fundamentos dele retirados.
20. E, salvo o devido respeito por opinião diversa, mais nenhuma prova existe nos autos – insiste-se- que possa de alguma forma incriminar o arguido ora recorrente na prática dos factos que vinha acusado, sem ser pelos depoimentos dos ofendidos
21. Assim, analisados que estão os elementos de prova que serviram de fundamento ao Tribunal a quo para dar como provados os factos em prejuízo do arguido foi incorretamente julgada a factualidade mencionada nos pontos 9,11,17,21,22,23,27,30,32,37,41,46,48,51 e 53 supra.
22. Pelo exposto e ao contrário do que concluiu o douto Acórdão recorrido, impõe-se decisão diversa da proferida, por não existir suporte probatório suficiente que autorize dar tais factos como provados.
23. Invoca-se ainda a violação do artigo 127º, do Código de Processo Penal, sedo que o artigo 127º do Código de Processo Penal dispõe que “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Mas isto implica, como acentua Frederico Marques, que se impõe no julgador que, nos seus juízos, proceda com bom senso e sentido de responsabilidade, pois o livre convencimento “não se confunde com o julgamento por convicção íntima, uma vez que o livre convencimento lógico e motivado é o único aceite pelo moderno processo penal”.
24. Segundo Cavaleiro de Ferreira, as “…regras da experiência…” “São definições os juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto sub judice, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerça, mas para além dos quais tem validade”.
25. Também segundo Cavaleiro de Ferreira, a livre convicção “é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade”. Nesse sentido, Teresa Beleza afirma que “O valor dos meios de prova (...) não está legalmente preestabelecido. Pelo menos tendencialmente, todas as provas valem o mesmo”.
26. Corresponde isto a dizer que, a livre apreciação da prova terá sempre subjacente uma motivação ou fundamentação - o substrato racional da convicção que dela emerge. Ou, como escreve Marques Ferreira, “Tal princípio assenta nas regras da experiência e em critérios lógicos, de modo que a convicção da entidade que aprecia livremente a prova se mostre racional, nada arbitrária ou meramente impressionista”
27. Ou, como refere o Prof. Figueiredo Dias, o julgador ao apreciar livremente a prova exerce uma “liberdade de acordo com dever”, ou seja, “o dever de perseguir a chamada verdade material de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e controlo”.
28. Assim, importante, parece-nos, é realçar que o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, não liberta o julgador das provas que se produziram nos autos, ou da sua falta, sendo com base nelas que terá de decidir, circunscrevendo-se a sua liberdade à livre apreciação dessas mesmas provas dentro dos parâmetros legais, não podendo estender essa liberdade até ao ponto de cair no puro arbítrio.
29. Com efeito, nenhuma prova foi produzida em tribunal que permitisse concluir, de forma fundamentada e não arbitrária, que o arguido ora recorrente, praticou os crimes de que vinha acusado e pelo qual foi condenado numa pena única, em cúmulo jurídico, de 10 anos de prisão
30. Na verdade, pelos motivos que já alegamos aquando da impugnação da matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo retirou conclusões que, em nosso entender e salvo o devido e merecido respeito por opinião contrária, são manifestamente abusivas e subjetivas.
31. Por outro lado, o Tribunal a quo, ao assim proceder, violou ainda, de forma cremos que clamorosa, o princípio constitucional “in dúbio pró reo”.
32. De facto, o Acórdão recorrido, para dar como provados os factos aqui em crise, cingiu-se a presumir a culpabilidade do arguido, porem, tal presunção está constitucionalmente vedada ao Tribunal. Na verdade, o Tribunal a quo, em face da falta de prova competente contra o arguido, poderia (e deveria) presumir apenas um facto – a sua inocência!
33. Assim foi aviltado, por aquele Tribunal, o princípio in dúbio pro reo. Por outro lado, caso assim não entenda, o tribunal violou o disposto no artigo 40.º, n.º e 71.º, n.º 2 do CP.
34. Há que ter em atenção, tal como dado provado, que: 159) Este relacionamento é descrito pelo casal como positivo, verificando-se alguma ascendência da com panheira sobre o arguido, no sentido de este alterar a sua trajetória de vida e alcançar estabilização pessoal. 162) O arguido tem uma filha de cinco anos de idade, fruto de um relacionamento anterior entretanto terminado, a qual vive com a mãe no ..., sendo que o arguido contribui regularmente em termos monetários para o sustento da sua filha.163) Esta integrava regularmente o seu agregado familiar, aos fins de semana, continuando a manter contacto próximo com a família paterna durante a reclusão do arguido. 164) Profissionalmente, EE trabalhava, havia cerca de um ano, no café pertencente à companheira, localizado no ..., seu meio social de inserção. 165) Com o 7º ano de escolaridade, a experiência profissional do arguido está relacionada maioritariamente com o desempenho de atividade no setor da construção civil apontando o próprio, também, a experiência de um ano como ajudante de motorista e, entre 2016 e 2018, como operador da linha de montagem no parque .... 166) No entanto, em 2018, o arguido sofreu um acidente que o deixou temporariamente incapacitado para trabalhar, executando apenas tarefas pontuais como ajudante da construção civil, sendo pago à tarefa. 167) Em termos socioeconómicos, a mesma é estável, a recuperar de um período mais instável decorrente da pandemia causada pela Covid-19. 168) O arguido auferia o ordenado mínimo nacional no âmbito da sua atividade e, como principal despesa do agregado, tem o pagamento da renda da casa, no valor de 800,00 euros mensais. 169) Atualmente, a situação encontra-se novamente instável em virtude da reclusão de EE, contando a companheira com o apoio de familiares da própria e do arguido. 170) Relativamente à problemática aditiva, o arguido efetuou consumos de haxixe desde a adolescência, sendo que também tem historial de consumos de cocaína. 171) EE veio para Portugal com os irmãos, após o falecimento do progenitor, para se juntar à mãe, que já cá vivia com o filho mais novo, que padece de um atraso no desenvolvimento cognitivo. 172) A progenitora procurou facultar àquele melhores condições de acesso a cuidados educativos e de saúde tendo contado para tal, com o apoio do arguido. 173) Após a libertação, pretende retomar a vivência familiar com a companheira, continuando a trabalhar com a mesma no café ou no ramo imobiliário ao qual aquela se dedica e pretende estabelecer no futuro por conta própria. 175) As principais repercussões da atual situação jurídico-penal no arguido serão sobretudo ao nível familiar, manifestando o mesmo um impacto psicológico elevado por se encontrar privado de acompanhar o processo educativo filhos e de os apoiar financeiramente. 176) O arguido tem revelado sentimentos de tristeza e culpa pelo impacto da situação de reclusão na família. 177) Não se encontra integrado em qualquer atividade escolar, formativa e/ou laboral, apesar de já ter formulado pedido para estudar, e não constam sanções averbadas no seu registo disciplinar. 179) Tem beneficiado de suporte sociofamiliar incondicional recebendo visitas da companheira, mãe, filhos e irmãos no estabelecimento prisional.
35. Tendo tudo isto em consideração, e não esquecendo a idade do arguido à data da prática dos factos, e a gravidade dos fatos, é de concluir que as penas parcelares fixadas se mostram algo excessivas, afigurando-se justas e adequadas às finalidades de prevenção e proporcionais à culpa do arguido/recorrente, a pena de 6 anos e 10 meses por cada um dos dois crimes de rapto consumados.
36. A medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico tem uma especificidade própria. Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal mais abrangente. Por outro, tem lugar uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do art. 71.º do CP. Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
37. Ponderando, enfim, em conjunto os factos e a personalidade do arguido, bem como as exigências de prevenção geral, trata-se de crimes muito graves, muito acima do patamar médio da criminalidade, que começam a surgir com alguma frequência no nosso país, devendo procurar devolver-se à comunidade a confiança nos bens jurídicos violados, e, especial, que assume particular relevo – a conduta do arguido impõe uma necessidade de prevenção especial acentuada, tendo em atenção a gravidade do quadro factual da sua conduta e o não ter ainda interiorizado o seu desvalor.
38. Tendo em conta todo o circunstancialismo descrito e, dentro dos limites mínimo de 7 anos de prisão e máximo de 15 anos de prisão, entendeu-se adequado aplicar ao arguido uma pena unitária de 10 anos de prisão.
39. Aceitando-se que seja grave a ilicitude global dos factos - dada a gravidade dos factos (mesmo sem se deixar de ter em conta que se tratou de um período provado de cerca de 23 dias) e a personalidade que o arguido demonstrou com a sua participação no acompanhamento ou supervisão -, e que, por isso, sejam grandes as exigências de prevenção geral, já não se aceita que as exigências de prevenção especial tenham o significado que lhes foi dado pelo tribunal recorrido, pois que o arguido não tinha antecedentes criminais mas de natureza diversa, os factos provados não apontam para uma tendência criminosa da sua parte (de expressão de um modo de vida fala o ac. do STJ de 23/09/2009, publicado sob o nº. 210/05.4GEPNF.S2) e o arguido estava razoavelmente inserido familiar e laboralmente.
40. Assim, dentro de uma moldura abstrata para a pena única que vai dos 7 anos a 15 anos, não se vê razões para
41. Considera-se antes que as exigências de prevenção geral não permitiriam uma pena única inferior a 6 anos nem uma pena superior a 10 anos, sendo que a culpa, em sentido lato, do arguido, também não permitiria a ultrapassagem desse limite. E dentro destes limites, de uma moldura de prevenção, as exigências de prevenção especial, de grau médio, impõem a fixação da pena única em 8 anos e 6 meses-
42. Por outro lado, nunca foi apurado de quem efetivamente pertencia a mala com o dinheiro, pelo que também não foi provado que o arguido EE fosse o proprietário da mala, ou que tivesse ascendência sobre os demais arguidos.
43. Como sublinha HANS-HEINRICH JESCHECK, “a responsabilidade penal pela actuação num ambiente grupal exige prova segura da integração do agente num plano comum com consciência da sua contribuição essencial” (Tratado de Derecho Penal, 5.a ed., p. 686), pelo que salvo o devido respeito não se fez prova que o mesmo fosse o líder daquele ou outro grupo, não se podendo afirmar que o mesmo dava ordens aos demais coarguidos, pelo que a sua atuação deverá ser julgada de acordo com a sua comparticipação e intensidade de atuação, de acordo com a medida da culpa e com a ilicitude dos seus atos, e não como uma hipotética liderança sobre os demais co arguidos, pelo que também aqui deverá, por este motivo, a medida concreta da pena ser comprimida.
44. Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do arguido/recorrente, entende-se justa, adequada e proporcional, para o arguido a pena única de 8 anos e 6 meses de prisão.
I.2.B.b. Da resposta:
A este recurso respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, pugnando pela sua improcedência, concluindo da seguinte forma:
1. Confrontado com a matéria de facto dada como provada no douto Acórdão, a qual serviu de alicerce à sua condenação, pretende o recorrente colocá-la em causa.
2. O artigo 412.º, do C.P.P., sob a epígrafe “Motivação do recurso e conclusões”, dispõe que, n.º 3.: “Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
d) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
e) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
f) As provas que devam ser renovadas.
n.º 4. - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b), e c), do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3, do art. 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
3. Na motivação de recurso que apresenta o arguido não especifica os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida, nem tão pouco as provas que devem ser renovadas e, muito menos, indica concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
4. Não o fazendo, não cumprindo os referidos preceitos legais, mostrando-se violado o artigo 412.º, n.º 3, do C.P.P., não deve o recurso ser apreciado nessa vertente.
5. Considerando os factos julgados provados com a respetiva fundamentação, é perfeitamente possível ao homem médio alcançar o percurso lógico que levou o Tribunal a formar a sua convicção, neles vertida.
6. Ao fixar a matéria de facto nos exatos termos em que o fez, o tribunal valorou criteriosa e corretamente a prova pessoal produzida em julgamento, à luz das regras da lógica, da experiência comum e da normalidade da vida a que estava vinculado, sem extravasar os poderes/deveres que emergem dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
7. Da leitura do texto do acórdão recorrido – designadamente na parte atinente à matéria de facto provada e aos meios de prova determinantes da convicção do tribunal – não resulta que o tribunal tenha considerado provados factos que, manifestamente, de harmonia com as regras da lógica e da experiência comum, estejam incorretos ou não possam ter acontecido da forma descrita.
Não padece, pois, o acórdão recorrido, do vício do erro notório na apreciação da prova.
8. Em bom rigor, ao invocar os vícios previstos nas als. a), e c), do n.º 2, do art.º 410.º, do C.P.P., o Recorrente está na verdade apenas a exprimir a sua divergência relativamente à apreciação da prova efetuada pelo tribunal a quo, pretendendo sobrepor a sua visão pessoal sobre aquilo que se provou à convicção que o tribunal formou no uso do poder de livre apreciação da prova conferido pelo art.º 127.º, do C.P.P..
9. Para alcançar a sua convicção o tribunal não procedeu de forma inadmissível ou arbitrária, nem incorreu em interpretação do princípio da livre apreciação da prova (contemplado no art.º 127.º do C.P.P.) ofensiva de qualquer preceito constitucional.
10. Por conseguinte, deverá a matéria de facto fixada na primeira instância permanecer inalterada.
11. A matéria de facto provada, permite imputar ao arguido EE os referidos crimes em coautoria como vimos a defender.
Efetivamente, e apesar de não terem sido todos os arguidos, em todas as situações que foram buscar e transportar os ofendidos com o propósito de lhes extorquir dinheiro, é seguro afirmar que todos sabiam o motivo do seu cativeiro, bem como sabiam que era esse o motivo pelo qual tinham que agredir e ameaçar os ofendidos, nos termos dados como provados.
Cada um dos arguidos, mesmo aqueles que inicialmente não usaram da violência e ameaça para fazerem os ofendidos entrar nas viaturas, e para os transportar para as respetivas casas onde ficaram cativos, aderiram sucessivamente ao plano quando, cientes do objetivo inicial, também agrediram os ofendidos ou os ameaçaram para que estes entregassem o dinheiro, ficando tal situação claramente evidenciada das várias expressões que proferiam para com os ofendidos, sabendo que as suas condutas integravam a realização de um plano, bem sabendo que os ofendidos estavam privados da sua liberdade de locomoção e eram agredidos e ameaçados para que lograssem obter vantagem patrimonial de forma ilícita, situações que ficarem bem patentes na matéria de facto assente quanto ao arguido EE, quer quanto à sua intervenção quer quanto sua posição de chefia.
12. Face aos factos julgados provados – que, conforme se defendeu, devem permanecer inalterados – é manifesto que estamos perante a prática por banda do arguido, além do demais não impugnado, do cometimento:
- Pela prática em co-autoria material de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo artº 161º, nº. 1, a) e n.º 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, a) e b), ambos do Código Penal (ofendido BB) e
- Pela prática em co-autoria material de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo artº. 161º, nº. 1, a) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, b), ambos do Código Penal (ofendido CC).
13. Não foi violado o princípio In dubio pro reo porquanto, da leitura do texto do acórdão recorrido não resulta de forma alguma – e muito menos de forma evidente – que no espírito do julgador tenha subsistido qualquer dúvida sobre os factos imputados ao Recorrente; nem tal dúvida é imposta, objetivamente, pelas regras da experiência comum, atenta a coerência lógica dos factos dados como provados e destes com a fundamentação de facto contida no acórdão.
14. O douto acórdão não padece do vicio de falta de fundamentação, já que contém todos os elementos a que alude o artigo 374.º, n.° 2, do Código de Processo Penal (CPP), que dispõe sobre os "requisitos da sentença"
- relatório – n.º l;
- fundamentação – n.º 2;
- dispositivo ou decisão.
O n.º 2, do referido preceito legal indica os elementos que têm de integrar a fundamentação, da qual deve constar uma «exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
A fundamentação da sentença consiste na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão.
O “exame crítico" das provas consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
A integração das noções de ‘’exame crítico" e de "fundamentação implica, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razoes de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.
15. Compulsado o douto Acórdão não se alcança onde resulta a alegada falta de fundamentação, e ou qualquer outro vício, ou qualquer outro elemento que devesse constar da referida peça processual e não conste.
16. Aliás, o douto Acórdão além de conter todos os requisitos a que alude o art. 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mostra-se exaustivamente completo na parte da fundamentação, não deixando transparecer qualquer dúvida sobre os motivos da condenação imposta ao arguido.
17. No douto Acórdão, para efeitos das penas concretas aplicadas ao arguido, foram exaustivamente ponderados os critérios consignados no art. 71.º, do Código Penal, pelo que considerando todos os factos provados, a pena aplicada ao arguido, é adequada à culpa, e às exigências de prevenção geral e especial que no caso concreto se fazem sentir.
18. Andou bem em nossa opinião o Tribunal a quo ao impor a condenação nos termos precisos em que o fez.
19. As penas aplicadas ao arguido, parcelares e única, são adequadas às exigências de prevenção geral e especial que no caso concreto se fazem sentir.
Se nos presentes autos fossem impostas ao arguido penas de natureza diferente ou inferiores às aplicadas, tais penas não realizavam de forma eficaz a proteção dos bens jurídicos que o tipo legal de crime visa salvaguardar, bem como a necessidade de demover o arguido da prática de futuros crimes.
20. As quantias fixadas a titulo de indemnização são justas e adequadas a reparar os danos causados e mostram-se conformes com a jurisprudência atual.
I.2.C. Do recurso interposto pelo arguido FF:
I.2.C.a. Do recurso:
Inconformado com a decisão, também o arguido FF dela interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
1º Por acórdão de 09/04/2025, foi o arguido, aqui recorrente, condenado:
- Pela prática, em co-autoria material, de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 161º, nº. 1, a) e nº. 2, a), por referência ao artigo 158º, nº. 2, a) e b), ambos do Código Penal, na pena parcelar de 7 (sete) anos de prisão (ofendido BB);
- Pela prática, em co-autoria, material de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 161º, nº. 1, a) e nº. 2, a), por referência ao artigo 158º, nº. 2, b) ambos do Código Penal, na pena parcelar de 6 (seis) anos de prisão (ofendido BB);
- Pela prática, em co-autoria material, de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 161º, nº. 1, a) e c) e nº. 2, a), por referência ao artigo 158º, nº. 2, b), ambos do Código Penal, na pena parcelar de 6 (seis) anos de prisão (ofendido DD);
- Pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº. 1, do Código de Penal, na pena parcelar de 3 (três) anos de prisão; e
- Pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de menor gravidade, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 25º, a), do Dec. Lei nº 15/93, de ..., por referência à Tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal, na pena parcelar de 2 (dois) anos de prisão.
Em cúmulo jurídico das precedentes penas, na pena unitária de 12 (doze) anos de prisão.
2º Foi, ainda, condenado nos pedidos de indemnização civis deduzidos pela demandante ..., pela demandante ..., pelo demandante CC e nas compensações fixadas às vítimas BB e DD, ao abrigo do disposto no artigo 82-A do CPP.
3º Não pode o arguido conformar-se com a decisão recorrida.
4º No que concerne à condenação do arguido pelo crime de rapto (BB), na pena de 7 anos de prisão (factos provados 1 a 26, 47 a 62 com a motivação (Cfr. fls. 51 a 64), o tribunal tentou-se provar, salvo melhor opinião, que o arguido esteve envolvido concertadamente com outros arguidos no rapto.
5º No interior da habitação da ..., encontravam-se cerca de 15 indivíduos, entre eles o arguido, aqui recorrente.
6º Relatou genericamente o ofendido que foi agredido por todos os arguidos com pontapés, murros, com barrotes de madeira, chicoteado com os fios elétricos, queimado com a lâmina aquecida de um cutelo, bem como deram lhe com a TV na cabeça.
7º No entanto, das suas declarações, bem como da fundamentação não se precisa nenhuma ação concreta, nem se destaca um papel particular e relevante por parte do arguido FF, sendo importante apurar o papel do arguido, se é que o teve.
8º Ainda assim, tribunal condenou-o na mesma pena que aplicou a outros arguidos e acima da pena aplicada a dois deles, sendo certo que o recorrente não tem condenações registadas por este tipo de crime.
9º O que leva a concluir que ocorre insuficiência da prova e erro notório na apreciação da prova.
10º No que concerne à condenação do arguido pelo crime de rapto (CC), na pena de 6 anos de prisão (factos 1, 2, 3, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45 e 46 com a motivação (Cfr. fls. 51 a 64), o tribunal teve em conta apenas o depoimento do ofendido que referiu ter sido agredido.
11º No entanto, este não destacou um papel particular e relevante por parte do arguido FF, sendo importante apurar o papel do arguido, se é que o teve.
12º O que leva a concluir que ocorre insuficiência da prova e erro notório na apreciação da prova.
13º No que concerne à condenação do arguido pelo crime de rapto (DD), na pena de 6 anos de prisão (factos 65 a 79 e fundamentação de fls. 73 a 85), diz-se que o arguido lhe fez um “mata leão” e que foi agredido e queimado.
14º O que leva a concluir igualmente pela insuficiência da prova e erro notório na apreciação da prova para a condenação por este crime.
15º Quanto à co-autoria, exige-se, de acordo com o nº 3 do artigo 26º do CP, para além de uma decisão conjunta, uma participação direta de cada um dos co-autores na execução do crime.
16º Todavia, a partir da fundamentação não se consegue perceber quais as provas que levara o tribunal a concluir quanto ao envolvimento e vontade do arguido FF na prática dos factos.
17º Na verdade, não conseguimos descortinar na motivação o que determinou a convicção do tribunal quanto aos atos de participação do arguido nos factos e ao seu grau de envolvimento nos factos antes praticados pelo demais arguido, que é determinante para aferir quanto ao acordo e vontade do mesmo no conjunto dos factos praticados e acordados com o demais arguido.
18º Por conseguinte, não se encontrando o acórdão recorrido fundamentado, ocorrendo, assim, falta de fundamentação, em relação à convicção do tribunal, quanto à participação e grau de participação do arguido nos factos, é, nesta parte, nulo, nos termos do disposto nos artigos 379º, nº 1, alínea a), e 374º, nº 2, ambos do CPP.
19º Assim, quanto aos três crimes de rapto, da prova produzida nos presentes autos, impunha-se ao Tribunal a quo uma decisão que não condenasse o arguido pela prática dos mesmos, em consequência de não ter sido feita prova suficiente de que o arguido tivesse praticado factos suscetíveis de consubstanciar a prática desse crime, não estando preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime, antes, eventualmente, pelos atos concretos de ofensas que o mesmo que possa ter praticado, enquadrando, assim, num crime de outra natureza.
20º No que concerne à condenação do arguido pelo crime de roubo, na pena de 3 anos de prisão (facto 79 e motivação de fls. 78 e 79) tentou-se provar, salvo melhor opinião, que foi o arguido quem subtraiu as peças em ouro e outros pertences de DD.
21º A prova produzida assenta apenas no depoimento do ofendido.
22º Porém, da fundamentação lê-se que este ofendido não precisou quem lhe subtraiu tais as peças e, no interior da viatura, para além do ofendido DD circulavam mais quatro indivíduos.
23º E pelos fotogramas, a fls. 603 e 604 e vídeo a fls. 1483 dos autos principais, surge retratado o arguido GG e a testemunha KK e em que este último surge com peças em ouro que DD identifica como suas pelos pormenores constantes das mesmas – fio com libra de ouro.
24º Não existe qualquer prova em que o arguido FF surja na sua posse com peças em ouro do ofendido.
25º Desta forma, ocorre prova insuficiente e erro notório na apreciação da mesma para condenação.
26º Relativamente ao crime de tráfico de menor gravidade, na pena de 2 anos de prisão (factos provados 113, 124, 211 e 212), o arguido negou que procedesse à venda de estupefaciente, sendo apenas consumidor (Cfr. ponto 212 e fls. 44 do acórdão/fundamentação de fls. 85/88).
27º O Tribunal a quo deu erradamente como provado o facto 113 com base nas declarações do arguido GG que não podem ser valoradas para a condenação.
28º A testemunha BB relatou que o saco verde com 22 embalagens de estupefaciente encontrava-se na sala da habitação em causa. No entanto, nessa habitação pernoitava o GG e um outro individuo e o FF vivia lá.
29º Tal casa era, no entanto, frequentada por muitos indivíduos que lá iam consumir, e não é o facto do arguido FF lá viver razão suficiente para se chegar à conclusão de que a droga era sua.
30º O arguido nunca esteve ligado no tráfico de estupefacientes que se efetuava naquela habitação e nunca foi condenado por vender produto estupefaciente.
31º As conversações (tidas entre o FF e HH), bem como os vídeos extraídos do telemóvel daquele também não permitem tal conclusão.
32º A apreensão das comunicações contidas no telemóvel que foi apreendido ao arguido segue o regime previsto no artigo 17º da Lei nº 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime).
33º O artigo 34º da CRP consagra o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio e da correspondência.
34º Há que considerar também o disposto no artigo 179.º do CPP, sendo que a consequência para a violação da referida norma é considerar a prova obtida proibida.
35º Prevê o artigo 17º da Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, a nulidade expressa absoluta que se traduz na proibição de prova.
36º O acórdão recorrido padece, nesta parte, de erro notório na apreciação da prova quanto aos factos provados (pontos 113 e 124).
37º Além disso, ocorre ausência de fundamentação em relação aos factos 124, 211 e 212.
38º As penas parcelares fixadas por cada um dos crimes e a pena única fixada mostra-se elevada e desproporcional, não levando em conta as condições de vida, económicas e profissionais do arguido.
39º Entre outras, o facto do arguido se encontrar familiarmente e profissionalmente inserido.
40º O arguido tem apoio familiar, sendo que sua companheira e o progenitor estão disponíveis para o ajudar a recuperar a sua saúde e a sua vida, e este último arranjar-lhe-á trabalho quando sair do estabelecimento prisional (cfr. fls. 90 e Ponto 3.2 – Da Determinação da Medida da Pena, fls. 132/33).
41º E o arguido também ele manifestou acordo em buscar tratamento médico à sua dependência que tem vindo a lutar a maior parte da sua vida (cfr. Ponto 3.2 – Da Determinação da Medida da Pena, fls. 132/33).
42º Não tem antecedentes criminais registados por crimes de natureza idêntica (cfr. cfr. Ponto 3.2 – Da Determinação da Medida da Pena, fls. 132).
43º Entendemos, assim, que o arguido e recorrente não deve ser condenado pelos três crimes de rapto, bem como pelo crime de roubo e de tráfico de menor gravidade.
44º No entanto, caso assim se não entenda, sempre se dirá que se verifica erro na aplicação concreta das penas pela circunstância de não terem sido levadas em consideração as circunstâncias que militam a favor do arguido.
45º Por conseguinte, deverá ser-lhe aplicada uma pena mais justa e proporcional às circunstâncias descritas, de acordo com o disposto no artigo 71º do Código Penal, que não deverá ultrapassar as penas parcelares de 4 (quatro) anos para cada um dos crimes de rapto (ofendidos BB, CC e DD), 2 (dois) anos para o crime de roubo e 1 (um) ano para o crime de tráfico de menor gravidade.
46º Não devendo ultrapassar a pena única de 6 (seis) anos, por se entender, que desta, forma se realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a proteção dos bens jurídicos ofendidos e a reintegração do agente na sociedade.
47º Quanto aos pedidos de indemnização civil deduzidos, para haja a obrigação de indemnizar é necessário que se verifique um facto, a ilicitude do mesmo, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre os factos e os danos, pressupostos, esses, da responsabilidade civil aquiliana (artigo 483º do CC).
48º Nos termos do artigo 129º do Código Penal, a indemnização de danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.
49º Sendo absolvido, “O pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem sempre de ser fundamentado na prática de um crime. Se o arguido for absolvido desse crime, o pedido cível formulado só poderá ser considerado se existir ilícito civil ou responsabilidade fundada no risco (responsabilidade extracontratual).” (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02/02/2021, proferido no âmbito do processo nº 10684/18.8T9LSB.L1-5, relator Jorge Gonçalves).
50º Todavia, em caso de condenação, ainda assim, entende-se que o valor indemnizatório fixado ao ofendido CC mostra-se desajustado e desproporcional e não deverá ultrapassar o montante de € 5.000.
51º Por último, relativamente à Compensação fixada às vítimas BB e DD (artigo 82º-A do CPP e 483º do Código Civil), há que considerar que estes não deduziram pedido de indemnização civil, não obstante terem, para o efeito, sido notificados.
52º As referidas compensações oficiosamente fixadas não devem proceder, neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07/11/2016, proc. nº 965/15.8PBBRG.G1, publicado em www.dgsi.pt, “(…)
53º Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se o douto acórdão recorrido, com as legais consequências
I.2.C.b. Da resposta:
A este recurso respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, pugnando pela sua improcedência, concluindo da seguinte forma:
1. Confrontado com a matéria de facto dada como provada no douto Acórdão, a qual serviu de alicerce à sua condenação, pretende o recorrente colocá-la em causa.
2. O artigo 412.º, do C.P.P., sob a epígrafe “Motivação do recurso e conclusões”, dispõe que, n.º 3.: “Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
d) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
e) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
f) As provas que devam ser renovadas.
n.º 4. - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b), e c), do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3, do art. 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
3. Na motivação de recurso que apresenta o arguido não especifica os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida, nem tão pouco as provas que devem ser renovadas e, muito menos, indica concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
4. Não o fazendo, não cumprindo os referidos preceitos legais, mostrando-se violado o artigo 412.º, n.º 3, do C.P.P., não deve o recurso ser apreciado nessa vertente.
5. Considerando os factos julgados provados com a respetiva fundamentação, é perfeitamente possível ao homem médio alcançar o percurso lógico que levou o Tribunal a formar a sua convicção, neles vertida.
6. Ao fixar a matéria de facto nos exatos termos em que o fez, o tribunal valorou criteriosa e corretamente a prova pessoal produzida em julgamento, à luz das regras da lógica, da experiência comum e da normalidade da vida a que estava vinculado, sem extravasar os poderes/deveres que emergem dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
7. Da leitura do texto do acórdão recorrido – designadamente na parte atinente à matéria de facto provada e aos meios de prova determinantes da convicção do tribunal – não resulta que o tribunal tenha considerado provados factos que, manifestamente, de harmonia com as regras da lógica e da experiência comum, estejam incorretos ou não possam ter acontecido da forma descrita.
Não padece, pois, o acórdão recorrido, do vício do erro notório na apreciação da prova.
8. Em bom rigor, ao invocar os vícios previstos nas als. a), e c), do n.º 2, do art.º 410.º, do C.P.P., o Recorrente está na verdade apenas a exprimir a sua divergência relativamente à apreciação da prova efetuada pelo tribunal a quo, pretendendo sobrepor a sua visão pessoal sobre aquilo que se provou à convicção que o tribunal formou no uso do poder de livre apreciação da prova conferido pelo art.º 127.º, do C.P.P..
9. Para alcançar a sua convicção o tribunal não procedeu de forma inadmissível ou arbitrária, nem incorreu em interpretação do princípio da livre apreciação da prova (contemplado no art.º 127.º do C.P.P.) ofensiva de qualquer preceito constitucional.
10. Por conseguinte, deverá a matéria de facto fixada na primeira instância permanecer inalterada.
11. A matéria de facto provada, permite imputar ao arguido FF os referidos crimes em coautoria como vimos a defender.
Efetivamente, e pesar de não terem sido todos os arguidos que foram buscar e transportar os ofendidos com o propósito de lhes extorquir dinheiro, é seguro afirmar que todos sabiam o motivo do seu cativeiro, bem como sabiam que era esse o motivo pelo qual tinham que agredir e ameaçar os ofendidos, nos termos dados como provados.
Cada um dos arguidos, mesmo aqueles que inicialmente não usaram da violência e ameaça fazerem os ofendidos entrar nas viaturas, e para os transportar para as respetivas casas onde ficaram cativos, aderiram sucessivamente ao plano quando, cientes do objetivo inicial, também agrediram os ofendidos ou os ameaçaram para que estes entregassem o dinheiro, ficando tal situação claramente evidenciada das várias expressões que proferiam para com os ofendidos, sabendo que as suas condutas integravam a realização de um plano, bem sabendo que os ofendidos estavam privados da sua liberdade de locomoção e eram agredidos e ameaçados para que lograssem obter vantagem patrimonial de forma ilícita.
12. Face aos factos julgados provados – que, conforme se defendeu, devem permanecer inalterados – é manifesto que estamos perante a prática por banda do arguido, do cometimento por banda do arguido FF em co-autoria material de:
- um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 161º, nº. 1, a) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, a) e b), ambos do Código Penal (ofendido BB).
- um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 161º, nº. 1, a) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, b) ambos do Código Penal (ofendido CC).
- um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 161º, nº. 1, a) e c) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, b), ambos do Código Penal (ofendido DD).
- um crime de roubo, p. e p. pelo Artº. 210º, nº. 1, do Código de; e
- um crime de tráfico de menor gravidade, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 25º, a), do DL 15/93 de ..., por referência à Tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal.
13. Da leitura do texto do acórdão recorrido não resulta de forma alguma – e muito menos de forma evidente – que no espírito do julgador tenha subsistido qualquer dúvida sobre os factos imputados ao Recorrente; nem tal dúvida é imposta, objetivamente, pelas regras da experiência comum, atenta a coerência lógica dos factos dados como provados e destes com a fundamentação de facto contida no acórdão.
14. O douto acórdão não padece do vicio de falta de fundamentação, já que contém todos os elementos a que alude o artigo 374.º, n.° 2, do Código de Processo Penal (CPP), que dispõe sobre os "requisitos da sentença"
- relatório – n.º l;
- fundamentação – n.º 2;
- dispositivo ou decisão.
O n.º 2, do referido preceito legal indica os elementos que têm de integrar a fundamentação, da qual deve constar uma «exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
A fundamentação da sentença consiste na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão.
O “exame crítico" das provas consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
A integração das noções de ‘’exame crítico" e de "fundamentação implica, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razoes de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.
15. Compulsado o douto Acórdão não se alcança onde resulta a alegada falta de fundamentação, e ou qualquer outro vício, ou qualquer outro elemento que devesse constar da referida peça processual e não conste.
16. Aliás, o douto Acórdão além de conter todos os requisitos a que alude o art. 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mostra-se exaustivamente completo na parte da fundamentação, não deixando transparecer qualquer dúvida sobre os motivos da condenação imposta ao arguido.
17. No douto Acórdão, para efeitos das penas concretas aplicadas ao arguido, foram exaustivamente ponderados os critérios consignados no art. 71.º, do Código Penal, pelo que considerando todos os factos provados, a pena aplicada ao arguido, é adequada à culpa, e às exigências de prevenção geral e especial que no caso concreto se fazem sentir.
18. Andou bem em nossa opinião o Tribunal a quo ao impor a condenação nos termos precisos em que o fez.
19. As penas aplicadas ao arguido são adequadas às exigências de prevenção geral e especial que no caso concreto se fazem sentir.
Se nos presentes autos fossem impostas ao arguido penas de natureza diferente ou inferiores às aplicadas, tais penas não realizavam de forma eficaz a proteção dos bens jurídicos que o tipo legal de crime visa salvaguardar, bem como a necessidade de demover o arguido da prática de futuros crimes.
20. As quantias fixadas a titulo de indemnização são justas e adequadas a reparar os danos causados e mostram-se conformes com a jurisprudência atual.
I.2.D. Do recurso interposto pelo arguido HH:
I.2.D.a. Do recurso:
Inconformado com a decisão, também o arguido HH dela interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
1. Quanto ao crime de tráfico de menor gravidade, na forma consumada, p. e p. pelo artº. 25º, al. a), do DL 15/93 de ..., por referência à Tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal, o arguido foi condenado na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
2. O art. 40.º, n.º 1, do CP, estabelece que a finalidade primária da pena é a de tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, de reinserção do agente na comunidade. À culpa cabe a função de estabelecer um limite que não pode ser ultrapassado.
3. No caso do ora recorrente, as finalidades da prevenção especial positiva no que ao ilícito em causa caso não podem justificar a aplicação de uma pena que frustre as da prevenção geral de integração. Atenta a natureza, a gravidade do ilícito e as circunstâncias em que o arguido cometeu o crime, deve concluir-se que não existem razões sérias para não acreditar que decorrem vantagens para a reinserção social do arguido, em não oposição com as exigências de prevenção geral.
4. Porém, e ao contrário do sopesado pelo tribunal a quo, a conduta anterior aos factos do recorrente ora em apreciação, o seu passado criminal, sem antecedentes criminais no seu C.R.C, não afasta, decisivamente, a possibilidade de lhe ser aplicada uma pena de prisão efetiva parcelar quanto a este crime de tráfico de menor de gravidade pelo limite mínimo.
5. A personalidade do arguido não se tem, pois, revelado, refratária a uma normal convivência social de acordo com as regras do direito, em especial no que respeita ao consumo e disseminação de cannabis, uma vez que tendo estado em prisão preventiva, deixou de estar envolvido em atividade delituosa ligada ao tráfico de estupefaciente.
6. IA natureza e gravidade do crime praticado pelo arguido, de delinquência média.
7. O grau de ilicitude dos factos não é muito relevante.
8. O grau de culpa é mediano.
9. Não ficou provada a personalidade do arguido no sentido da perigosidade para voltar a delinquir, quando e ao contrário, está demonstrada a sua integração social.
10. As exigências de prevenção geral são elevadas, desde logo pela grande frequência com que continua a ser praticada em todo o País. Mas o sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada pelo arguido, numa situação como esta, não é posto em causa pela aplicação de uma pena de prisão efetiva pelo mínimo legal – 1 ano, pois o crime em causa não se relaciona diretamente com a prática e dina dos outros dois crimes pelos quais veio a ser condenado, sendo que aliás, o mesmo apesar de não ter atividade laboral como trabalhador regular, o que é certo é que o mesmo era trabalhador informal, bem como consumidor de cannabis.
11. Pelo que violou o acórdão o artigo 40.º e o artigo 71.º., n.º 2, ambos do Código Penal quanto á medida concreta da pena aplicada quanto ao ilícito de trafico de menor gravidade. Por outro lado,
12. Mal andou o arguido na qualificação jurídica imputando a prática de dois crimes de rapto ao arguido como coautor material.
13. A coautoria sucessiva ocorre quando um crime é iniciado por um agente e, posteriormente, outro agente se junta à empreitada criminosa, com a intenção de contribuir para a sua consumação. É como uma adesão "em andamento" ao crime, onde o segundo agente entra no processo depois do início da ação.
14. O dolo específico do crime de rapto supõe uma especial intenção finalística que apenas se conforma com a modalidade de dolo direto. A privação da liberdade tem de ser determinada com a finalidade de exercer sobre a vítima alguma das ações especificamente referidas na lei (art.161º, nº1, do Código Penal), independentemente dessa ação vir a ser conseguida.
15. Entende-se o recorrente não atuou com esse dolo especifico (plus) do rapto, mas apenas com a intenção de agredir a vítima CC, pelo que o mesmo cometeu em autoria o crime (menos grave) de ofensa á integridade física qualificada, p. p. pelo art.145.º, nº .1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal, e não o crime de rapto praticado pelos outros arguidos.
16. Das declarações do arguido resulta que no dia ...-...-2023 encontrava-se no interior da referida habitação no quarto em frente à casa de banho com cerca de 5 ou 6 pessoas. Na sala da casa estavam mais 7 ou 8 pessoas e também havia mais pessoas na cozinha e no quarto ao lado do quarto onde se encontrava e os ofendidos CC e BB chegaram à habitação, em momentos diferentes, sendo que BB chegou primeiro, mas quando este já lá se encontrava e foram colocados no quarto ao lado da casa de banho.
17. Apercebeu-se que estava a haver uma discussão dentro do referido quarto e viu mais pessoas a entrar no referido quarto, sendo que a discussão estaria relacionada com o desaparecimento de uma mala do interior daquela casa.
18. A testemunha BB refere que os arguidos e mais indivíduos que não logrou identificar o rodearam tendo sido agredido de forma indiscriminada, sendo que sentiu que foi agredido por muitas pessoas que estavam naquele quarto, entre as mesmas todos os arguidos, sendo que o próprio arguido HH confirmou que BB estava rodeado no referido quarto por diversas pessoas e que estava a ser agredido com socos e pontapés, sendo que ele próprio desferiu um pontapé no peito da testemunha, tendo confirmado o motivo pelo qual estavam a agredir BB Apesar de HH ter confessado que deu apenas um pontapé, ao que julga, no peito de BB este último foi claro ao referir que foi atingido por este arguido com vários pontapés na zona da cara e não no peito.
19. Mais uma vez, o depoimento deste ofendido mereceu credibilidade até porque demonstrou imparcialidade ao referir que este arguido apenas o agrediu naquelas circunstâncias de tempo e lugar e apenas com pontapés, sendo que após o mesmo lhe ter agredido com pontapés referiu que não o viu mais nem naquele dia, nem nos dias seguintes em que permaneceu naquela habitação.
20. Vista na sua globalidade, a matéria de facto dada por provada permite uma demarcação da conduta do arguido em relação ao domínio do facto; a intervenção do arguido foi claramente e meramente periférica, antes tomando parte apenas e tão só no momento em que a vítima BB chegou ao quarto, tendo saído do quarto e não mais voltado, nem não o vigiou.
21. Pelo que dar-se como provado que o arguido aderiu ao plano inicial de raptar ambas as vítimas, ou que tenha aderido a ele, não resulta dos fatos dados como provados.
22. O arguido, efetivamente, não comparticipou no iter executivo, mas apenas e tão só, atuou com o propósito de agredir os dois ofendidos, mas nunca com o intuito de raptar ambos os ofendidos.
23. Que veio a saber de que que tinha desaparecido uma mala com dinheiro falso, e dinheiro verdadeiro, para dar uma banhada num negócio de droga, resulta dos fatos dados como provados, o que é certo é que a atuação do arguido foi muito menos intensa quanto a ambos os ofendidos, sendo que até se demarcou e não estava presente num segundo momento quanto ao ofendido BB, e não mais regressou ao imóvel, desde a data de ........2023 onde ocorreram os fatos.
24. O juiz não deve construir ou inventar regras de experiência para cada caso, mas socorrer- se da interação social para as encontrar e, no caso particular da prova do dolo, deve deitar mão àquelas regras que se aplicam em sociedade para as atribuições mútuas de conhecimentos entre cidadãos.
25. Ora, no caso particular, nenhum dado externo permite afiançar que até as vítimas terem chegado ao local onde se encontravam parte dos arguidos e demais pessoas que não se lograram identificar, o recorrente tomara a decisão de raptar as vítimas.
26. Até esse momento, a conduta do arguido é suscetível de várias interpretações quanto à finalidade da deslocação das vítimas (sequestro), ficando uma dúvida fundada e insanável a esse respeito.
27. Entre elas, desde logo, a possibilidade de a sua atuação ter feito para simplesmente maltratar fisicamente as vítimas, como o fez, após ter constatado que estas não assumiam a autoria pelo desaparecimento das malas.
28. No mínimo, até esse momento, a finalidade do comportamento delinquente motivada pela mera ofensividade, em relação às vítimas, é tão plausível quanto a intenção de sequestrar ou raptar que lhe é imputada, o que deveria ter criado no julgador pelo menos a dúvida que, por ser razoável e objetiva, deveria ter sido resolvida a favor do arguido quanto ao dolo especifico do rapto, ficando nessa parte quanto muito á intenção de agredir o corpo, ou coagir os ofendidos em revelar a autoria do desaparecimento da mala de dinheiro, ou quanto muito o minus da intenção concertada de privação da locomoção da vítima e integrar o tipo objetivo e subjetivo do crime de sequestro.
29. Como pode o tribunal a quo chegar á conclusão que o arguido, ora recorrente sabia que a vítima BB teria ficado em cativeiro, se até saiu da casa, e não esteve presente num segundo momento, e nem o vigiou… nem mais voltou regressou à casa sita na ...;
30. O tipo subjetivo do rapto pressupõe, além do mais, a verificação do dolo base relativamente à ação e também ao resultado da privação da liberdade de locomoção da pessoa transferida.
31. Assim, deverá considerar-se como não provados os pontos 116, 118 e 119 dos fatos dados como provados.
32. Pelo que ao integrar a conduta do arguido na figura da comparticipação, fez o tribunal a quo errónea interpretação do artigo 26.º do Código Penal, bem como do artigo artº 161º, nº. 1, a) e n.º 2, a), por referência ao artigo 158.º, nº. 2, a) e b), ambos do Código Penal (ofendido BB) e um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo artº. 161º, nº. 1, a) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, b), ambos do Código Penal (alínea c) do nº2 do artº 412 do CPP). Todavia, poderá se considerar que:
33. Não podia ser dado como provado que o mesmo raptou, ou agrediu a vítima CC, nomeadamente os pontos:
34. 35) De seguida, e a fim de conseguirem perceber do paradeiro da mochila, QQ, FF, GG, HH e outros indivíduos que ali se encontravam e que não se logrou identificar, começaram a desferir vários pontapés, que acertaram em todo o corpo de CC;
36) Tendo FF e HH, a determinado momento, pegaram num pau de madeira e desferiram vários impactos nas costas de CC;
35. Mas sim, dado como provado que 35) De seguida, e a fim de conseguirem perceber do paradeiro da mochila, QQ, FF, GG e outros indivíduos que ali se encontravam e que não se logrou identificar, começaram a desferir vários pontapés, que acertaram em todo o corpo de CC;
36) Tendo FF a determinado momento, pegaram num pau de madeira e desferiram vários impactos nas costas de CC;
36. Esta conclusão estriba-se na conjugação das declarações do recorrente e do coarguido QQ e das próprias declarações do ofendido – CF Sessão de julgamento - 17-10-2024 – 76m08s A 79M37S - Declarações de CC – Questionado sobre se o arguido HH terá pegado num pau, que lhe deu com um pau, que o terá agredido com um pau, se era o mesmo pau do senhor FF, ou era outro, o demandante afirmou que era outro pau, um estrado de cama e acha que foi nas costas, quando estava no chão, quando caiu para o chão, viu-o a afastar-se de mim, teve ao pé de mim, e viu a levantar a mão, e viu a afastar-se depois, sendo cerca de 5 pessoas, todos ao molho… Bateu-lhe com o pau ou com outras coisas… Estava de costas. Por isso também bateu, protegeu a cabeça, e estava encolhido, deitado no chão. Só o … é que não lhe bateu. O HH não mais o agrediu. Ficou só no quarto…
37. Aliás das declarações do arguido HH, o mesmo questionado pela Juiz nega que tenha agredido, respondendo não – sessão de julgamento de 22.01.2025 - 15m56s a 16m02s.
38. Ora, salvo o devido respeito, extravasa as regras de experiência comum, bem como as regras científicas, da física, que alguém deitado de costas com a mão na cabeça, consiga perceber que um determinado objeto empunhado por um terceiro tenha ou não sido desferido uma pancada nas costas.
39. Pelo que, o fato de o arguido ter empunhado um pau e ter.se aproximado do mesmo e depois se ter afastado pode presumir duas coisas que o agrediu efetivamente com o pau com que estava munido, ou que efetivamente não o agrediu, pelo que nesta parte mal andou o tribunal a quo em conferir credibilidade a esta parte das declarações do demandante, pois a pessoa não tinha condições reais de perceber ou identificar o agressor ou o objeto da agressão com segurança. Relativamente á posição corporal: Se a vítima estava de costas, no chão encolhido, com as mãos na cabeça, como ela pode afirmar com certeza quem foi o agressor ou o que foi usado na agressão? Há ausência de contato visual – a testemunha viu o objeto, sentiu o impacto, mas havia outros paus… isso é subjetivo. Pelo que sem mais provas, o tribunal devia ter concluído por uma situação de dúvida quanto á participação do arguido no alegado rapto do demandante CC, pelo que impunha a sua absolvição.
40. Caso o recurso ora apresentado tenha mérito quanto aos argumentos invocados, e a moldura penal da pena atinja o limiar de 5 anos de prisão, deverá se optar pela suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do art. 50.º do CP, porquanto o arguido é primário, sendo jovem, inserido familiarmente e socialmente, com trabalho precário, com alguma assunção do desvalor da sua conduta.
41. Subjacente à suspensão da execução da pena de prisão está sempre um juízo de prognose favorável, traduzido numa expectativa fundada, mas assente num compromisso responsável com o condenado, de que a mera censura do facto e a ameaça da prisão sejam bastantes para que não sejam cometidos novos crimes.
42. O juízo de prognose favorável reporta-se ao momento em que a decisão é tomada e pressupõe a valoração conjunta de todos os elementos que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido.
43. A conjunção de necessidades de prevenção geral face aos bens jurídicos lesados e cuja validade das normas que os protegem tem de ser reafirmada, com outras de prevenção especial que as qualidades da personalidade do arguido não infirmam, permitem preencher o juízo de prognose favorável quanto à sua capacidade para não voltar a delinquir.
I.2.D.b. Da resposta:
A este recurso respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, pugnando pela sua improcedência, concluindo da seguinte forma:
1. Confrontado com a matéria de facto dada como provada no douto Acórdão, a qual serviu de alicerce à sua condenação, pretende o recorrente colocá-la em causa.
2. O artigo 412.º, do C.P.P., sob a epígrafe “Motivação do recurso e conclusões”, dispõe que, n.º 3.: “Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
d) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
e) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
f) As provas que devam ser renovadas.
n.º 4. - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b), e c), do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3, do art. 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
3. Na motivação de recurso que apresenta o arguido não especifica os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida, nem tão pouco as provas que devem ser renovadas e, muito menos, indica concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
4. Não o fazendo, não cumprindo os referidos preceitos legais, mostrando-se violado o artigo 412.º, n.º 3, do C.P.P., não deve o recurso ser apreciado nessa vertente.
5. Considerando os factos julgados provados com a respetiva fundamentação, é perfeitamente possível ao homem médio alcançar o percurso lógico que levou o Tribunal a formar a sua convicção, neles vertida.
6. Ao fixar a matéria de facto nos exatos termos em que o fez, o tribunal valorou criteriosa e corretamente a prova pessoal produzida em julgamento, à luz das regras da lógica, da experiência comum e da normalidade da vida a que estava vinculado, sem extravasar os poderes/deveres que emergem dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
7. Da leitura do texto do acórdão recorrido – designadamente na parte atinente à matéria de facto provada e aos meios de prova determinantes da convicção do tribunal – não resulta que o tribunal tenha considerado provados factos que, manifestamente, de harmonia com as regras da lógica e da experiência comum, estejam incorretos ou não possam ter acontecido da forma descrita.
Não padece, pois, o acórdão recorrido, do vício do erro notório na apreciação da prova.
8. Em bom rigor, ao invocar os vícios previstos nas als. a), e c), do n.º 2, do art.º 410.º, do C.P.P., o Recorrente está na verdade apenas a exprimir a sua divergência relativamente à apreciação da prova efetuada pelo tribunal a quo, pretendendo sobrepor a sua visão pessoal sobre aquilo que se provou à convicção que o tribunal formou no uso do poder de livre apreciação da prova conferido pelo art.º 127.º, do C.P.P..
9. Para alcançar a sua convicção o tribunal não procedeu de forma inadmissível ou arbitrária, nem incorreu em interpretação do princípio da livre apreciação da prova (contemplado no art.º 127.º do C.P.P.) ofensiva de qualquer preceito constitucional.
10. Por conseguinte, deverá a matéria de facto fixada na primeira instância permanecer inalterada.
11. A matéria de facto provada, permite imputar ao arguido HH os referidos crimes em coautoria como vimos a defender.
Efetivamente, e pesar de não terem sido todos os arguidos que foram buscar e transportar os ofendidos com o propósito de lhes extorquir dinheiro, é seguro afirmar. todos sabiam o motivo do seu cativeiro, bem como sabiam que era esse o motivo pelo qual tinham que agredir e ameaçar os ofendidos, nos termos dados como provados.
Cada um dos arguidos, mesmo aqueles que inicialmente não usaram da violência e ameaça fazerem os ofendidos entrar nas viaturas, e para os transportar para as respetivas casas onde ficaram cativos, aderiram sucessivamente ao plano quando, cientes do objetivo inicial, também agrediram os ofendidos ou os ameaçaram para que estes entregassem o dinheiro, ficando tal situação claramente evidenciada das várias expressões que proferiam para com os ofendidos, sabendo que as suas condutas integravam a realização de um plano, bem sabendo que os ofendidos estavam privados da sua liberdade de locomoção e eram agredidos e ameaçados para que lograssem obter vantagem patrimonial de forma ilícita.
12. Face aos factos julgados provados – que, conforme se defendeu, devem permanecer inalterados – é manifesto que estamos perante a prática por banda do arguido, além do demais não impugnado, do cometimento:
- Pela prática em co-autoria material de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº 161º, nº. 1, a) e n.º 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, a) e b), ambos do Código Penal (ofendido BB) e
- Pela prática em co-autoria material de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 161º, nº. 1, a) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, b), ambos do Código Penal (ofendido CC);
- Pela prática, em autoria material de um crime de tráfico de menor gravidade, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 25º, al. a), do DL 15/93 de ..., por referência à Tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal.
13. Não foi violado o princípio In dubio pro reo porquanto, da leitura do texto do acórdão recorrido não resulta de forma alguma – e muito menos de forma evidente – que no espírito do julgador tenha subsistido qualquer dúvida sobre os factos imputados ao Recorrente; nem tal dúvida é imposta, objetivamente, pelas regras da experiência comum, atenta a coerência lógica dos factos dados como provados e destes com a fundamentação de facto contida no acórdão.
14. O douto acórdão não padece do vicio de falta de fundamentação, já que contém todos os elementos a que alude o artigo 374.º, n.° 2, do Código de Processo Penal (CPP), que dispõe sobre os "requisitos da sentença"
- relatório – n.º l;
- fundamentação – n.º 2;
- dispositivo ou decisão.
O n.º 2, do referido preceito legal indica os elementos que têm de integrar a fundamentação, da qual deve constar uma «exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
A fundamentação da sentença consiste na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão.
O “exame crítico" das provas consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
A integração das noções de ‘’exame crítico" e de "fundamentação implica, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razoes de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.
15. Compulsado o douto Acórdão não se alcança onde resulta a alegada falta de fundamentação, e ou qualquer outro vício, ou qualquer outro elemento que devesse constar da referida peça processual e não conste.
16. Aliás, o douto Acórdão além de conter todos os requisitos a que alude o art. 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mostra-se exaustivamente completo na parte da fundamentação, não deixando transparecer qualquer dúvida sobre os motivos da condenação imposta ao arguido.
17. No douto Acórdão, para efeitos das penas concretas aplicadas ao arguido, foram exaustivamente ponderados os critérios consignados no art. 71.º, do Código Penal, pelo que considerando todos os factos provados, a pena aplicada ao arguido, é adequada à culpa, e às exigências de prevenção geral e especial que no caso concreto se fazem sentir.
18. Andou bem em nossa opinião o Tribunal a quo ao impor a condenação nos termos precisos em que o fez.
19. As penas aplicadas ao arguido são adequadas às exigências de prevenção geral e especial que no caso concreto se fazem sentir.
Se nos presentes autos fossem impostas ao arguido penas de natureza diferente ou inferiores às aplicadas, tais penas não realizavam de forma eficaz a proteção dos bens jurídicos que o tipo legal de crime visa salvaguardar, bem como a necessidade de demover o arguido da prática de futuros crimes.
20. As quantias fixadas a titulo de indemnização são justas e adequadas a reparar os danos causados e mostram-se conformes com a jurisprudência atual.
I.2.E. Do recurso interposto pelo arguido JJ:
I.2.E.a. Do recurso:
Por fim, também inconformado com a decisão, o arguido JJ dela interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
4. O Douto Tribunal Recorrido, Imputa ao aqui Recorrente, em co-autoria material de 3 (três) crimes de rapto, na forma consumada, previsto e punível pelo art. 161.º, n.º 1, al. a), e nº. 2, al. a), por referência ao artº. 158.º, n.º 2, als. a), e b), do Código Penal, como se aquele Recorrente, tivesse tido parte direta na execução respetiva, nomeadamente que tivesse tomado, de forma livre e consciente, (bem sabendo que a sua conduta era prevista e punível por lei), uma “decisão” com os demais Arguidos, para a respetiva execução, e a tivesse levado a cabo, quando todos os factos evidenciados, indicavam que aqueles procuravam saber quem tinha conhecimento acerca da pessoa que se apropriara duma mala de dinheiro (cfr. acima, 1., a 1.1.2.), só que essa intenção não é quadrada pelo crime de extorsão, do art. 223.º, do CP, porque não implica nenhum ato de disposição patrimonial, mas sim uma confissão ou informação, esta, afeta ao crime de tortura, do art. 243.º, n.º 1, al. a), do CP, (cfr. acima, 1.1.3., a 1.1.4.).
4.1. Ainda sob outra perspetiva, o Douto Tribunal Recorrido, está vinculado às figuras das intenções determinantes, mormente a de submeter a vítima a extorsão, e correspetiva disposição patrimonial, (cfr. acima, 1.1. 5.), sendo certo que, nos termos dos arts. 41.º, n.º 1, e 71.º, 2, do CP, teria que ter em conta a medida da culpa do Recorrente, na dosimetria da medida da pena, ora, nem nunca sequer se provou em juízo a intenção específica da extorsão, o que se viu, foi Tribunal (cfr. acima, 1.1.6., 1 1.1.7.), omitir a valorização da exuberante diminuição da culpa do Arguido, face ao consumo contínuo e descontrolado de variadas drogas, lícitas e ilícitas, como consta do Relatório Social/RS do Recorrente, lido em juízo pela Mmma. Juíza Presidente (cfr. acima, 2.), evidenciador de perturbação da vontade, (cfr. acima 2.1.), adveniente das perturbações do foro psiquiátrico, (cfr. acima, 2.1.1., e 2.1.2.), e a omissão do uso do RS, nos termos do art. 370.º, n.º 1, do CPP, e da falta de autonomia do Requerente (cfr. acima, 2.1.3., e
2.1.4.). Em violação do art. 40.º, n.º 2, do CP (princípio da culpa – cfr. acima, 2.1.4.1.). 4.2. A Vítima DD, foi incapaz de colocar o aqui Recorrente, na posição de seu agressor, ou de qualquer forma, como seu transportador, não tendo o primeiro, relatado nenhuma violência, por parte do segundo, o que é compatível com as declarações prestadas por este, que afirma ter visto a Vítima, e ter-lhe oferecido água e comida, (cfr. acima, 2.1.5.), deste modo, não resultaram evidências, de factos integrantes da previsão do rapto (art. 161.º, n.º 1, al. a), e nº. 2, al. a), por referência ao artº. 158.º, n.º 2, als. a), e b), do CP), pelo que o Tribunal a quo devia ter absolvido o segundo, (cfr. acima, 2.1.6.), optando pelo in dubio, (cfr. acima, 2.1.7.), seguindo pela interpretação, em consonância, do art. 32.º, n.º 2, da CRP, ao invés de decidir com insuficiente matéria de facto provada, cfr. art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, (cfr. acima, 2.1.8.), o que se dirá, outrossim, a respeito da assente – coautoria (cfr. acima, 2.1.9.).
4.3. O problema de raiz, da Douta Sentença Recorrida, implica a oração: nullum crimen – nulla poena - sine lege penali - praevia – scripta - et stricta, preceito ínsito no normativo do art. 29.º, n.º 1, da CRP, que proíbe a interpretação, direta, ou indireta, que implique a extensão da norma incriminadora, (cfr. acima, 1.1.8.), também aplicável ao art. 26.º, par. único, primeira parte, do CP, (cfr. acima, 1.1.9.), e ainda, à intenção específica do crime de rapto, cuja falta impede a aplicação desse crime, por referência às Vítimas, BB, e CC, e a consequente impossibilidade jurídica da comparticipação, (cfr. acima, 1.2.), intenção, aquela, que deveria ter ficado provada em juízo, e tal não se viu, (cfr. acima, 1.2.1.), despesa probatória, a cargo do MP, (cfr. acima, 1.2.2.), o qual, deveria ter demonstrado, em honra do disposto no art. 32.º, n.º 2, da CRP, donde se depreende, cumprir à acusação provar acima de dúvida razoável, de que o arguido é culpado, e não o fez, (cfr. acima, 1.2.3.).
4.4. Não estando em causa, rigorosamente um ónus da prova, cabendo ao Juiz o esclarecimento da verdade, na interpretação do art. 32.º, n.º 2, da CRP, de acordo com o peso ético da dignidade humana, (cfr. acima, 1.2.4.), é esperado daquele, por outro lado, a aplicação do direito a factos (cfr. acima, 1.2.5.), e nessa sequência, a fls. 96, do Douto Acórdão Recorrido, as respetivas conclusões, careceria de alicerce fáctico, ao invés duma conclusão de facto, como sucedeu, ao arrepio do princípio da legalidade, (cfr. acima, 1.2.6.), por não ter arrimado a objetividade dos factos, à factispécie da al. a), do n.º 1, do art. 161.º, do CP (cfr. acima, 1.2.7.), o que implicaria, a prova de que, o objetivo dos Arguidos, era forçar as Vítimas, a dispor do seu património, ou de terceiro, à sua responsabilidade (cfr. acima, 1.2.8.).
4.5. 4.5. Existirá, a final, contradição insanável, entre fundamentação e a decisão, nos termos da al. b), do n.º 2, do art. 410.º, do CPP, quanto aos factos provados, 13 – 21 – 26 – 51 – e – 116, indicadores duma intenção específica, (cfr. acima, 3.), inconciliável com a interpretação das normas conjugadas, do art. 161.º, n.º 1, al. a), e nº. 2, al. a), por referência ao artº. 158.º, n.º 2, als. a), e b), do CP, de forma a lá incluir o elemento da tortura, previsto no art. 243.º, n.º 1, al. a), do CP, em ultraje ao princípio da legalidade, previsto no art. 29.º, n.º 1, da CRP, (nullo crimen…), e dessa forma é, aquela interpretação, substancialmente inconstitucional. (Cfr. acima, 3.1.).
(…)
5. Dar curso à realização da Audiência, (em obediência à necessidade de a requerer, nos termos do art. 419.º, n.º 3, al. c), primeira parte, do CPP), nos termos conjugados dos arts. 435.º, par. único, e 411.º, n.º 5, do CPP.
I.2.E.b. Da resposta:
A este recurso respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, pugnando pela sua improcedência, concluindo da seguinte forma:
1. Confrontado com a matéria de facto dada como provada no douto Acórdão, a qual serviu de alicerce à sua condenação, pretende o recorrente colocá-la em causa.
2. O artigo 412.º, do C.P.P., sob a epígrafe “Motivação do recurso e conclusões”, dispõe que, n.º 3.: “Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
d) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
e) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
f) As provas que devam ser renovadas.
n.º 4. - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b), e c), do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3, do art. 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
3. Na motivação de recurso que apresenta o arguido não especifica os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida, nem tão pouco as provas que devem ser renovadas e, muito menos, indica concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
4. Não o fazendo, não cumprindo os referidos preceitos legais, mostrando-se violado o artigo 412.º, n.º 3, do C.P.P., não deve o recurso ser apreciado nessa vertente.
5. Considerando os factos julgados provados com a respetiva fundamentação, é perfeitamente possível ao homem médio alcançar o percurso lógico que levou o Tribunal a formar a sua convicção, neles vertida.
6. Ao fixar a matéria de facto nos exatos termos em que o fez, o tribunal valorou criteriosa e corretamente a prova pessoal produzida em julgamento, à luz das regras da lógica, da experiência comum e da normalidade da vida a que estava vinculado, sem extravasar os poderes/deveres que emergem dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
7. Da leitura do texto do acórdão recorrido – designadamente na parte atinente à matéria de facto provada e aos meios de prova determinantes da convicção do tribunal – não resulta que o tribunal tenha considerado provados factos que, manifestamente, de harmonia com as regras da lógica e da experiência comum, estejam incorretos ou não possam ter acontecido da forma descrita.
Não padece, pois, o acórdão recorrido, do vício do erro notório na apreciação da prova.
8. Em bom rigor, ao invocar os vícios previstos nas als. a), e c), do n.º 2, do art.º 410.º, do C.P.P., o Recorrente está na verdade apenas a exprimir a sua divergência relativamente à apreciação da prova efetuada pelo tribunal a quo, pretendendo sobrepor a sua visão pessoal sobre aquilo que se provou à convicção que o tribunal formou no uso do poder de livre apreciação da prova conferido pelo art.º 127.º, do C.P.P..
9. Para alcançar a sua convicção o tribunal não procedeu de forma inadmissível ou arbitrária, nem incorreu em interpretação do princípio da livre apreciação da prova (contemplado no art.º 127.º do C.P.P.) ofensiva de qualquer preceito constitucional.
10. Por conseguinte, deverá a matéria de facto fixada na primeira instância permanecer inalterada.
11. A matéria de facto provada, permite imputar ao arguido QQ os referidos crimes em coautoria como vimos a defender.
Efetivamente, e pesar de não terem sido todos os arguidos que foram buscar e transportar os ofendidos com o propósito de lhes extorquir dinheiro, é seguro afirmar. todos sabiam o motivo do seu cativeiro, bem como sabiam que era esse o motivo pelo qual tinham que agredir e ameaçar os ofendidos, nos termos dados como provados.
Cada um dos arguidos, mesmo aqueles que inicialmente não usaram da violência e ameaça fazerem os ofendidos entrar nas viaturas, e para os transportar para as respetivas casas onde ficaram cativos, aderiram sucessivamente ao plano quando, cientes do objetivo inicial, também agrediram os ofendidos ou os ameaçaram para que estes entregassem o dinheiro, ficando tal situação claramente evidenciada das várias expressões que proferiam para com os ofendidos, sabendo que as suas condutas integravam a realização de um plano, bem sabendo que os ofendidos estavam privados da sua liberdade de locomoção e eram agredidos e ameaçados para que lograssem obter vantagem patrimonial de forma ilícita.
12. Face aos factos julgados provados – que, conforme se defendeu, devem permanecer inalterados – é manifesto que estamos perante a prática por banda do arguido, além do demais não impugnado, do cometimento:
- em co-autoria material de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 161º, nº. 1, a) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, a) e b), ambos do Código Penal (ofendido BB.
- em co-autoria material de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 161º, nº. 1, a) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, b) ambos do Código Penal (ofendido CC.
- em co-autoria material de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 161º, nº. 1, a) e c) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, b), ambos do Código Penal (ofendido DD).
13. Não foi violado o princípio In dubio pro reo porquanto, da leitura do texto do acórdão recorrido não resulta de forma alguma – e muito menos de forma evidente – que no espírito do julgador tenha subsistido qualquer dúvida sobre os factos imputados ao Recorrente; nem tal dúvida é imposta, objetivamente, pelas regras da experiência comum, atenta a coerência lógica dos factos dados como provados e destes com a fundamentação de facto contida no acórdão.
14. O douto acórdão não padece do vicio de falta de fundamentação, já que contém todos os elementos a que alude o artigo 374.º, n.° 2, do Código de Processo Penal (CPP), que dispõe sobre os "requisitos da sentença"
- relatório – n.º l;
- fundamentação – n.º 2;
- dispositivo ou decisão.
O n.º 2, do referido preceito legal indica os elementos que têm de integrar a fundamentação, da qual deve constar uma «exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
A fundamentação da sentença consiste na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão.
O “exame crítico" das provas consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção. A integração das noções de ‘’exame crítico" e de "fundamentação implica, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razoes de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.
15. Compulsado o douto Acórdão não se alcança onde resulta a alegada falta de fundamentação, e ou qualquer outro vício, ou qualquer outro elemento que devesse constar da referida peça processual e não conste.
I.3. Do parecer:
Foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação.
Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer através do qual se pronunciou no sentido do indeferimento da audiência requerida pelo recorrente QQ, por o mesmo não ter especificado os pontos da motivação do recurso que interpôs e que pretendia ver debatidos e, no mais, propugnou pela improcedência de todos os recursos, incluindo o interposto por aquele, acompanhando as respostas apresentadas pelo Ministério Público em 1.ª instância.
I.3. Da tramitação subsequente:
Tendo sido dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (C.P.P.), foi apresentada resposta ao dito parecer, pelo recorrente QQ que veio indicar que, nos termos e para os efeitos do art.º 411.º, n.º 5, 2.ª parte, do C.P.P., pretendia ver debatidos os pontos insertos na conclusão 4.1. da sua peça recursiva.
Efetuado o exame preliminar, foi indeferida a realização da audiência requerida pelo arguido QQ.
Colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.
II. Fundamentação:
II.1. Dos poderes de cognição do tribunal de recurso:
Está pacificamente aceite na doutrina (cfr., por exemplo, MESQUITA, Paulo Dá, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, 2024, Livraria Almedina, pág. 217; POÇAS, Sérgio Gonçalves, in “Processo Penal – Quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, Julgar, n.º 10, 2010, pág. 242; SILVA, Germano Marques da, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª edição, 2000, pág. 335) e jurisprudência (cfr., por exemplo, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-02-2024, processo n.º 105/18.1PAACB.S13) que, sem prejuízo do conhecimento oficioso de determinadas questões que obstem ao conhecimento do mérito do recurso (cfr., por exemplo, art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P.), são as conclusões que delimitam o seu objeto e âmbito, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19-10-1995, para fixação de jurisprudência, in Diário da República n.º 298, I Série A, de 28-12-1995, págs. 8211 e segs.4).
Na verdade, se o objeto do recurso constitui o assunto colocado à apreciação do tribunal de recurso e se das conclusões obrigatoriamente devem constar, se bem que resumidas, as razões do pedido (cfr. art.º 412.º, n.º 1, do C.P.P.) e, assim, os fundamentos de facto e de direito do recurso, necessariamente terão de ser as conclusões que identificam as questões que a motivação tenha antes dado corpo, de forma a agilizar o exercício do contraditório e a permitir que o tribunal de recurso identifique, com nitidez, as matérias a tratar.
II.2. Das questões a decidir:
II.2.A. Da correção de lapsos:
No dispositivo do acórdão recorrido consta que o recorrente AA foi condenado na pena única de 13 anos de prisão, resultante de cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares:
- 7 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, als. a) e b), do Código Penal (C.P.) (ofendido BB);
- 6 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, al. b), do C.P. (ofendido CC);
- 6 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, als. a) e c), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, al. b), do C.P. (ofendido DD).
Contudo, na fundamentação jurídica exarada no acórdão recorrido, consta que foram determinadas, quanto àquele, as seguintes penas parcelares:
- 8 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, als. a) e b), do Código Penal (C.P.) (ofendido BB);
- 7 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, al. b), do C.P. (ofendido CC);
- 7 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, als. a) e c), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, al. b), do C.P. (ofendido DD).
Acresce que, também quanto ao recorrente AA, de acordo com a fundamentação da determinação da pena única, a pena única de 13 anos de prisão foi fixada numa moldura de 8 anos no seu limite mínimo e de 22 anos no seu limite máximo (8+7+7=22).
Ora, tendo em conta que a pena única tem como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (cfr. art.º 77.º, n.º 1 e n.º 2 do C. P.), facilmente se constata que as penas parcelares corretas são as que ficaram exaradas na fundamentação e não no dispositivo do acórdão recorrido.
Trata-se, pois, de um mero lapso de escrita em que incorreu o tribunal recorrido, sendo o mesmo evidenciado pelo próprio texto do acórdão recorrido e que é suscetível de correção oficiosa por esta instância de recurso, nos termos do art.º 380.º, n.ºs 1, al. b), e 2, do C.P.P.
Pelo exposto, no dispositivo do acórdão recorrido, no que se refere às penas parcelares aplicadas ao recorrente AA, onde consta:
- 7 (sete) anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, als. a) e b), do Código Penal (C.P.) (ofendido BB), deve passar a ler-se 8 (oito) anos de prisão;
- 6 (seis) anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, al. b), do C.P. (ofendido CC), deve passar a ler-se 7 (sete) anos de prisão; e
- 6 (seis) anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, als. a) e c), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, al. b), do C.P. (ofendido DD), deve passar a ler-se 7 (sete) anos de prisão.
II.2.B. Do objeto dos recursos:
À luz dos poderes de cognição desta instância (cfr. II.1.), são as seguintes as questões a conhecer, pela ordem da prevalência processual sucessiva que revestem:
A. Se o acórdão recorrido é nulo (cfr. II.4.A.): por falta de fundamentação no que se refere à decisão sobre a matéria de facto (cfr. arts. 97.º, n.ºs 1, al. a), 2, 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.P.) (cfr. II.4.A.a.) ou por omissão de pronúncia no que se refere à atenuação especial da pena previsto no art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23-09 (cfr. arts. 97.º, n.ºs 1, al. a), 2, e 379.º, n.º 1, al. c), do C.P.P.) (cfr. II.4.A.b.);
B. Se o acórdão recorrido padece de qualquer um dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P. (cfr. II.4.B.): insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude a al. a), daquele preceito legal (cfr. II.4.B.a.), contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, a que alude a al. b), do mesmo (cfr. II.4.B.b.) ou erro notório na apreciação da prova, a que alude a al. c), do referido preceito legal (cfr. II.4.B.c.);
C. Se há erro de julgamento, nos termos do art.º 412.º, n.º 3, do C.P.P. (cfr. II.4.C.);
D. Enquadramento jurídico-penal dos factos apurados (cfr. II.4.D.): Dos crimes de rapto qualificados (cfr. II.4.D.a.) e da intervenção dos recorrentes AA, HH e QQ nos crimes de rapto qualificados: coautoria ou cumplicidade (cfr. II.4.D.b.);
E. Do regime dos jovens adultos (cfr. II.4.E.):
F. Da dosimetria das penas (cfr. II.4.F.):
G. Da suspensão da execução da pena única de prisão aplicada ao recorrente HH (cfr. II.4.G.);
H. Se o quantum indemnizatório atribuído a CC é desajustado e desproporcional (cfr. II.4.H.); e
I. Se o arbitramento oficioso de uma quantia reparadora a BB e DD ficava dependente de estes tal terem requerido e da verificação dos pressupostos estabelecidos no art.º 82.º-A do C.P.P. (cfr. II.4.I.).
II.3. Ocorrências processuais com relevo para apreciar as questões objeto dos recursos:
Ora, com relevo para o definido objeto do recurso, e resultante dos atos processuais a seguir assinalados, importa atentar no seguinte:
II.3.A. Da matéria de facto considerada no acórdão recorrido (cfr. ref.ª 444520342 de 09-04-2025):
É a seguinte a matéria de facto considerada pelo tribunal de 1.ª instância:
2.1 – Matéria de facto provada:
De relevante para a discussão da causa, resultou o seguinte circunstancialismo fáctico:
NUIPC 43/23.6JBLSB
1) CC e BB eram conhecidos, em virtude de frequentarem os mesmos locais no ... e na ...;
2) Os mesmos eram consumidores habituais de produtos estupefacientes;
3) Assim, no âmbito de tal relação, no dia ...-...-2023, estiveram ambos na casa de CC, sita na ...;
4) Nesse mesmo dia, ao início da tarde, BB abandonou aquele local, a fim de ir comprar droga para consumir;
5) Próximo das 16h00, BB encontrava-se à porta do prédio sito na ...
6) Nesse momento, AA, abordou-o e colocou o braço sobre o pescoço de BB, deixando-o sem possibilidade de defesa, dizendo “Vamos lá em cima que quero falar contigo” e levando-o à força e contra a sua vontade, para a habitação sita na ...
7) Aquela casa era arrendada aos familiares de QQ, residindo o mesmo naquele local;
8) BB já havia estado várias vezes nesta casa, em virtude de ali já se ter deslocado para comprar droga para consumir, porque se tratava de um local de venda de tal produto;
9) Na referida casa, encontravam-se cerca de 15 (quinze) indivíduos, entre eles, QQ, EE, FF, GG, II e HH, não tendo sido possível, ainda, identificar os demais;
10) Assim que entrou na casa, AA levou BB para um quarto;
11) Também ali entraram QQ, EE, FF, GG;
12) Acto contínuo, AA apertou o pescoço de BB com as duas mãos, tendo-o encostado à parede e tendo começado a sufocá-lo;
13) Enquanto praticava tais factos, AA perguntou a BB “Roubaste uma mala com 10.000,00€?”;
14) Nesse momento, todos os indivíduos referidos supra e que se encontravam no interior do quarto, começaram a desferir murros e pontapés, acertando-lhe em vários locais.
15) A determinada altura, alguns deles pegaram em ripas de madeira, tipo barrotes, e desferiram vários golpes no corpo de BB;
16) Seguidamente, BB foi levado por aqueles indivíduos para outro quarto que se localizava em frente àquele onde se encontrava, onde foi obrigado a despir-se;
17) Quando o mesmo já se encontrava despido, alguns dos indivíduos referidos supra, entre eles o arguido EE e o arguido FF, chicotearam-no várias vezes com fios elétricos;
18) EE foi o que mais vezes desferiu tais golpes;
19) Ainda nesse seguimento, GG aqueceu um cutelo num dos bicos do fogão, tendo queimado o corpo de BB em vários locais;
20) Perante tais agressões, BB acabou por ficar num estado de quase inconsciência;
21) Ainda nesse mesmo dia, pelas 17h00, QQ, EE e um outro indivíduo que não foi possível identificar, colocaram BB no interior de uma viatura de marca ..., modelo …, cor azul, cuja matrícula se desconhece, e se deslocaram até à residência de uma ex-companheira deste, sita na ..., a fim de procurarem a referida mala com o dinheiro;
22) Todavia, como ninguém ali se encontrava, voltaram a transportá-lo para a casa sita na ...
23) Posteriormente, QQ, EE e os dois outros indivíduos que não foi possível identificar, regressaram à mesma casa, tendo, desta feita, contactado com RR, filha da ex-companheira de BB;
24) Enquanto falavam com RR, os referidos indivíduos mantinham uma videochamada com BB;
25) A mochila com o dinheiro não foi encontrada naquele local;
26) Os indivíduos regressaram à residência para onde BB fora levado, tendo este último referido que CC estaria envolvido no desaparecimento da mala com o dinheiro;
27) Pelas 19h00 do dia ...-...-2023, QQ, EE, GG e FF, deslocaram-se à casa onde se encontrava CC, sita na ...
28) Ali chegados, os arguidos FF e QQ permaneceram no veículo em que os arguidos se fizeram transportar e os demais, entraram na casa onde se encontrava CC, onde efectuaram uma busca, a fim de encontrarem a referida mochila;
29) Durante esta situação, GG apoderou-se e fez seu um pau de madeira com punho, com pormenores azuis e encarnados, que se encontrava no interior da casa de CC;
30) Nesse seguimento, os indivíduos, através da força física, obrigaram CC a sair de casa e a entrar no interior de uma viatura, de marca ..., de cor preta e com vidros fumados que foi conduzida pelo arguido EE;
31) Tendo-o transportado para a casa sita ...;
32) No referido trajeto o arguido QQ desferiu pelo menos duas chapadas na face de CC e o arguido EE disse-lhe “filho da puta, vais ver quando chegarmos a casa”.
33) CC também já conhecia aquela casa, em virtude de a mesma ser um local de tráfico e consumo de drogas, tendo-se ali deslocado, várias vezes, para efectuar a compra daquele produto;
34) QQ e GG obrigaram-no, então, a entrar na referida casa, tendo-o transportado para um quarto, onde já se encontrava BB, e o obrigaram a tirar a roupa, tendo ficado apenas com a roupa interior;
35) De seguida, e a fim de conseguirem perceber do paradeiro da mochila, QQ, FF, GG, HH e outros indivíduos que ali se encontravam e que não se logrou identificar, começaram a desferir vários pontapés, que acertaram em todo o corpo de CC;
36) Tendo FF e HH, a determinado momento, pegaram num pau de madeira e desferiram vários impactos nas costas de CC;
37) AA e EE não o agrediram com murros no corpo, mas estavam presentes quando CC era agredido, tendo EE dito, várias vezes, para “não o marcarem”;
38) Também na mesma dinâmica, GG pegou num cabo eléctrico dobrado e desferiu várias chicotadas no corpo de CC, sendo que um desses golpes o atingiu junto do olho direito, levando-o a ficar prostrado no chão;
39) Durante esta situação, FF segurou uma arma, tipo caçadeira (vulgo shotgun), sem coronha;
40) As agressões supra referidas a CC, só pararam quando o mesmo começou a sangrar do olho de forma profusa;
41) O arguido EE ordenou ao arguido II que procedesse à limpeza doa sangue que se encontrava no chão.
42) Nesse momento, CC foi levado para a casa de banho, onde lavou a cara no lavatório, tendo-lhe sido dado um sutiã para fazer pressão na zona do olho e tentar estancar o sangue;
43) Após, ficou sentado num sofá que existia noutra divisão da casa;
44) Decorrido algum tempo, perto das 02h00 do dia ...-...-2023, CC foi colocado no interior de uma viatura de marca ..., modelo ... azul escuro, de matrícula AH-..-XS, a qual era conduzida por AA, que era acompanhado por mais dois indivíduos não identificados, os quais o deixaram na sua casa, tendo-lhe devolvido a chave de casa nesse momento;
45) Todavia, antes de CC sair da casa, AA disse-lhe que “Tratavam dele se ele fosse fazer queixa à Polícia”;
46) CC foi obrigado a permanecer no interior daquela casa pela atuação dos arguidos, tendo sido vigiado por AA, QQ, EE, FF, GG, II, HH, que asseguraram que o mesmo não pudesse dali sair;
47) De seguida, AA e os indivíduos que o acompanhavam regressaram à casa sita na ...
48) Ali chegados, BB voltou a ser agredido pelo grupo, não estando nesta altura já presente o arguido HH, com socos e pontapés, tendo EE referido para não o marcarem na cara;
49) Um dos arguidos presentes colocou-lhe um saco de plástico verde na cabeça, enquanto lhe batiam com as ripas de madeira, tipo barrote e lhe perguntava sobre a localização da mochila;
50) BB sentiu-se a sufocar, tendo, todavia, conseguido romper o referido saco de plástico;
51) Algum tempo depois, os arguidos acabaram por decidir que BB nada tinha a ver com a referida mochila, tendo EE decidido que as agressões cessariam, o que acabou por ocorrer;
52) Após as agressões físicas BB não foi libertado por forma a permitir a cura dos ferimentos resultantes das agressões perpetradas.
53) Como tal, BB foi mantido em cativeiro, sendo vigiado por QQ, EE, FF e II;
54) Enquanto esteve cativo, BB foi tratado, apenas, com os medicamentos “Betadine” e “Bepanthene”, tendo-lhe sido negado qualquer assistência médica;
55) Na primeira semana em que este em cativeiro, foi fornecida alimentação a BB em quantidades muito reduzidas, o que o obrigou a “a passar fome”;
56) Descartaram a roupa e documentação de BB;
57) Enquanto BB ainda se encontrava cativo, cuja data correta não foi possível apurar, estando sentado num sofá da sala, II, sem qualquer tipo de provocação ou razão aparente, apontou-lhe um revólver na direção da sua cabeça e depois no momento em que efetuou o disparo desviou tal trajetória para o lado, tendo o projétil passado a poucos centímetros da sua cabeça e acertando no sofá onde se encontrava sentado, onde ficou alojado;
58) BB foi libertado no dia ...-...-2023, tendo-lhe sido fornecida uma t-shirt, umas calças e uns ténis;
59) BB esteve cativo durante 23 (vinte e três) dias;
60) Desta situação, resultaram em BB, as seguintes lesões: cabeça – cicatriz linear na região occipital à esquerda da linha média, eucrómica, com 3 cm de comprimento; tórax – cicatriz grosseiramente triangular de limites bem definidos no quadrante superoexterno da mama direita, com 4x4 cm de maior dimensão, cicatriz triangular hipertrómica na região escapular esquerda, com coloração castanhada e avermelhada, de bordos retos e bem definidos, 9x7 cm de maior eixo vertical, contendo duas linhas hipercrómicas horizontais, paralelas entre si; membro superior direito – complexo cicatricial heterocrómico na região escapular direita e terço proximal do braço, com múltiplas cicatrizes, ligeiramente hipercrómicas e com áreas rosadas de limites bem definidos, numa área de 20x12 cm de maior eixo oblíquo para a frente e para fora; cicatriz triangular de vértice inferior, n terço proximal da face lateral do braço, hipercrómica acastanhada e rosada, com dois dos bordos ligeiramente curvos unindo-se no vértice inferior (sugestivo de lesão moldada de vértice da faca), com 8x6 cm de maior eixo horizontal; cicatriz triangular rosada no terço médio da face anterior do braço, de bordos retos e bem definidos, com 5x2 cm de maior eixo vertical; cicatriz heterocrómica no terço distal da face lateral do braço, com halo hipocrómico e centro hipercrómico e rosado, de limites bem definidos, 6x5,5 cm de maior eixo vertical; cicatriz arciforme de limites bem definidos no terço proximal na face interna do braço, com halo hipercrómico acastanhado e centro rosado, com 6,5x1,5 cm de maior eixo grosseiramente vertical; cicatriz irregular de bordos bem definidos na metade distal na face posterior do antebraço, heterocrómica com halo hipocrómico e centro arroxeado, ligeriramente hipercrómico, contendo duas áreas com crostas sero-hemáticas em resolução, com 14x3,5 cm de maior eixo vertical; membro superior esquerdo – escoriação linear com crosta hemática em reabsorção na metade superior da face lateral do braço, horizontal, com 2,5 cm de comprimento; membro inferior direito – cicatriz recente em forma de elipse com vértices em ambas as extremidades na face ântero-lateral da perna sugestiva de lesão moldada de lâmina (de elevada dimensão), com área totalmente cicatrizada hipocrómica ténue na metade distal e ainda em resolução cicatricial na metade proximal, hipercrómica rosada, com tecido elitelial em descamação, com cerca de 7x23 cm de maior eixo vertical;
61) Lesões essas que demandaram 45 dias para a sua consolidação médico-legal, com 20 dias de afetação da capacidade de trabalho geral.
62) Resultaram, ainda, cicatrizes permanentes no tronco, no membro superior direito e na perna direita;
63) Já CC, sofreu as seguintes lesões: face – hiperemia conjuntival do olho direito, nos quadrantes laterais; equimose arroxeada da pálpebra superior direita, com 2 cm de comprimento; ráquis – escoriação em fase cicatricial, irregular, na região supraescapular, com 1x2 cm de comprimento de maior dimensão horizontal; escoriação em fase cicatricial, em forma de U, com concavidade medial, na região paravertebral dorsal direita com 14 cm de comprimento; escoriação em face cicatricial, linear oblíqua, infero-lateral, na região escapular, com cerca de 15 cm de comprimento; membro superior esquerdo – escoriação em fase cicatricial, com forma de U, com concavidade superior, na face posterior do braço, com 10 cm de comprimento; membro inferior direito – escoriação em fase cicatricial, nacarada, linear, oblíqua, infero-posterior, na face posteromedial, com cerca de 3 cm de comprimento.
64) Lesões essas que ainda não se encontram estabilizadas.
NUIPC 56/23.8JBLSB
65) No dia ...-...-2023, DD residia num quarto arrendado na ...
66) Em data não concretamente apurada, mas próxima à referida no ponto que antecede, AA deu ordens a FF, GG e mais dois indivíduos que não possível identificar, para que abordassem e obrigassem DD a entrar numa viatura e, posteriormente, se deslocassem para uma casa resguardada, sita na ...;
67) Naquela data, pelas 08h30, DD saiu de casa e quando se encontrava a entrar para o interior da sua viatura, parqueada junto ao nº … da referida artéria, foi abordado por FF, GG e por mais dois indivíduos que não possível identificar;
68) Sendo que GG tinha uma pistola consigo e um outro dos indivíduos por identificar, tinha um revólver;
69) Acto contínuo, os mesmos ordenaram a DD que entrasse no interior de uma viatura de marca ..., matrícula ..-SX-.., dizendo “Sequestro, sequestro. Queremos o dinheiro. Entra no carro, Entra no carro”;
70) Esta viatura estava registada em nome de FF e, desde o dia ...-...-2023, a apólice do seguro da mesma é titulada por SS, pai de AA;
71) Como DD resistiu a tal ordem, começando a gritar por socorro FF aplicou-lhe um estrangulamento pelas costas, conhecido como “mata-leão”;
72) De seguida um dos indivíduos referido em 68) efectuou um disparo para o ar, o que o aterrorizou ainda mais;
73) Desse modo, os referidos indivíduos conseguiram obrigar DD a entrar no interior da viatura;
74) Ao volante da mesma ficou FF, tendo GG ficado no banco de trás, juntamente com DD;
75) Nessa altura, a visão de DD foi tapada com um passa-montanhas virado com a parte traseira do mesmo para a frente da sua face, tendo a viatura iniciado a sua marcha;
76) Durante a viagem, GG e outro indivíduo não identificado, desferiram vários murros na face de DD, bem como, várias coronhadas na cabeça;
77) Enquanto o faziam, proferiram as expressões “Vais morrer! Vamos cortar-te! Vamos cortar-te as orelhas e os dedos e vamos assar-te no pneu!”;
78) Ao mesmo tempo, exigiam-lhe um pagamento de 100.000,00€ (cem mil euros);
79) Durante o percurso efetuado, o arguido GG, atuando em conjugação de esforços e vontades com FF, utilizando a força física e o facto de DD se encontrar numa total impossibilidade de resistir, apoderaram-se e fizeram seus, um fio em ouro, em malha 3/1, com uma medalha, tipo libra com a figura de um cavalo de um lado, sem rebordo; um fio em ouro, em malha tipo trança, com medalha tipo meia libra, com a figura de um cavalo de um lado e com a malha de trança à volta da medalha, três anéis em ouro, meias libras, sendo que uma das figuras dos anéis será a ..., sendo que, nos outros dois, estavam figuras de um cavalo; um anel em ouro tipo “peso mexicano”, com figura de uma águia; uma pulseira em ouro, em malha centopeia, com uma medalha meia libra, com uma figura de um cavalo de um dos lados; dois brincos em ouro, ambos com formato de bola trabalhada e, ainda, um relógio em ouro, com mostrador de cor preta, da marca LACOSTE, tudo no valor não concretamente apurado mas superior a €102,00;
80) Cerca de 30 a 40 minutos depois, a viatura em que se faziam transportar cessou a marcha, tendo DD sido levado para o interior de uma casa, sita na ...;
81) Esta casa dista cerca de 60 metros da casa para onde BB e CC foram levados e onde foram mantidos cativos;
82) Já no interior da casa, os referidos indivíduos retiraram o gorro da cara de DD, permitindo-lhe ver que ali se encontravam, além de FF, GG e os dois indivíduos que não possível identificar e que o obrigaram a entrar no interior da viatura e ainda QQ;
83) Os arguidos FF e GG e os indivíduos não concretamente identificados, manusearam armas de fogo, designadamente, um revólver e uma pistola (que já haviam sido vistos aquando da sua abordagem), bem como, duas caçadeiras (vulgo shotgun), as quais lhe apontaram ao corpo;
84) De seguida, os referidos indivíduos efectuaram dois disparos no interior da casa, o que deixou DD completamente aterrorizado;
85) Enquanto esta dinâmica decorria, os indivíduos e os arguidos FF e GG perguntaram a DD se tinha amigos, irmãos ou algum outro familiar a quem pudesse telefonar para que pagassem o resgate;
86) Posteriormente, obrigaram DD a aceder ao seu perfil na rede social “instagram”, para poderem comunicar com TT, irmão de DD, através de mensagens de voz e videochamadas;
87) Assim, dessa forma, os indivíduos acima indicados, exigiram um resgate de 100.000,00€ (cem mil euros) e, posteriormente, alteraram para o valor de 200.000,00€ (duzentos mil euros);
88) Durante as negociações, os referidos indivíduos disseram que iriam matar DD.
89) O arguido QQ disse-lhe para entregar o dinheiro exigido que assim nada de mal lhe aconteceria, bem como lhe ofereceu comida e água.
90) Como as negociações não decorriam da forma que os arguidos FF e GG e os indivíduos não concretamente identificados pretendiam, os mesmos começaram a desferir golpes no corpo de DD, tendo, inclusive, utilizado um cano desmontado de uma caçadeira, bem como, coronhadas e socos na cabeça e na face de DD;
91) A intensidade destes golpes foi aumentando, tendo os arguidos FF e GG e os indivíduos não concretamente identificados indivíduos descritos supra, a determinada altura, aquecido uma faca num fogão e queimado o corpo de DD;
92) Ato contínuo DD começou a gritar e por isso meteram-lhe uma t-shirt na sua boca.
93) Enquanto esta situação decorria, FF proferiu a expressão “O BI mandou tirar a t-shirt da boca dele”;
94) Perante tal expressão, GG disse a FF “És mesmo burro, a dizer o nome do patrão em frente a ele”;
95) Os arguidos FF e GG e os indivíduos não concretamente identificados indivíduos identificados continuaram a insistir com DD para que pressionasse o irmão para obter o dinheiro do resgate, tendo um deles dito “Eu sei que tu tens o dinheiro. Eu vi-te em ... a gastar 57.000,00€”;
96) Nessa senda, obrigaram DD a telefonar aos seus amigos, a fim de lhes enviarem para o seu “instagram” códigos de levantamento através da aplicação MBWAY, em quantias de 200,00€ de cada vez;
97) Para a realização desses contactos, entregaram-lhe um telemóvel, onde se encontrava o cartão nº. ...;
98) Nesse seguimento, RR, a namorada de DD, gerou um código de levantamento em numerário, no valor de 100,00€;
99) Não satisfeitos com a situação, os referidos indivíduos disseram a DD que o iriam levar para o mato e iriam matá-lo;
100) No final da tarde do mesmo dia, obrigaram DD a colocar uma toalha na cabeça e a sair da casa;
101) DD foi obrigado a entrar na mesma viatura onde o haviam transportado anteriormente, sendo acompanhado por FF, GG e um outro indivíduo, ainda não identificado, sendo este o condutor;
102) Durante o percurso, FF, em virtude da condução descuidada por parte do condutor, disse-lhe “Ainda me vais estragar o carro”;
103) O percurso percorrido foi através da ..., de onde saíram no nó do ..., tendo entrado na ..., em direcção a ...;
104) No entanto, na zona de ..., designadamente, junto do nº. 5 da referida ..., junto ao estabelecimento “...”, obrigaram DD a sair da viatura;
105) Local onde o abandonaram e se colocaram em fuga;
106) Após, dirigiram-se ao supermercado ..., sito na ..., onde efectuaram o levantamento de 100,00€ numa máquina ATM ali existente, através da utilização de um código MBWAY criado por RR, a namorada de DD, e referido supra;
107) Das situações descritas supra, resultaram em DD as seguintes lesões: crânio – edema na região parietal direita (por baixo do couro cabeludo), com cerca de 5 cm de diâmetro e dor à palpação; pescoço – lesão rosada na face posterior do pescoço, de forma triangular, de bordos bem definidos retos, plana, de vértice superior e medial, com cerca de 3x3 cm de maiores dimensões; membro inferior esquerdo – lesão rosada na face ântero-lateral do terço médio da perna, em forma triangular de vértice para medial e anterior, de bordos bem definidos retos, modelada, plana, com vestígios de crosta acastanhada em reabsorção ao nível de cada bordo, oblíqua inferoanteriormente de 12x7cm de maiores dimensões; escoriação rosada na face lateral do terço inferior da perna, com cerca de 4x1cm de maiores dimensões;
108) Lesões essas que demandaram 30 dias para a consolidação médico-legal, com 15 dias de afectação de capacidade de trabalho geral e profissional;
109) As lesões que DD apresentava tinham características semelhantes às sofridas por BB e CC, designadamente, provocadas através da utilização de facas aquecidas e coronhadas na cabeça e no tronco;
110) No dia ...-...-2023, pelas 07h00, no ... II detinha um revólver, da marca “...”, com o número de série “…” e inscrição “…” junto ao gatilho, “…” na zona do cano e um saco em pano de cor preta, contendo no seu interior quatro munições de calibre .32 com a inscrição “…” e “32AUTO”;
111) II não era titular de licença de uso e de porte de arma de fogo, nem tem qualquer arma manifestada em seu nome;
112) Na mesma ocasião, II detinha cocaína (éster met.), com o peso líquido de 0,162g, suficiente para 1 dose diária;
113) Ainda no dia ...-...-2023, pelas 07h00, na ..., FF e GG detinham 22 (vinte e duas) embalagens com fecho hermético, em plástico, contendo cannabis, com o peso líquido de 46,284g, suficiente para 236 doses diárias, 1 (uma) embalagem com fecho hermético, em plástico, contendo cannabis, com o peso líquido de 0,613g, suficiente para 3 doses diárias, e 2 (duas) embalagens, com fecho hermético, em plástico, contendo cannabis, com o peso líquido total de 7,228g, suficiente para 36 doses diárias;
114) Também no dia ...-...-2023, pelas 07h00, na ..., HH detinha cannabis, com o peso líquido de 1,288g, suficiente para 6 doses diárias, uma bolsa tira colo da marca ..., contendo no interior 230,00€ (duzentos e trinta euros) em numerário e uma balança de precisão de pequenas dimensões;
115) Desde data não concretamente apurada, mas a partir do mês de ... de 2023 até ao dia ...-...-2023, HH procedeu à venda de cannabis a terceiros;
116) Nas situações descritas supra, AA, EE, QQ, FF, GG, II e HH agiram de forma concertada entre si, livre, deliberada e consciente, com o propósito, concretizado, de, através da força física, obrigarem BB, CC a entrarem no interior das viaturas descritas, dessa forma, levá-los para local resguardado e ali mantê-los reclusos, com a intenção de os obrigar, através de agressões e ameaças, a entregar-lhes a mala com dinheiro a que sabiam não ter direito e a provocar empobrecimento em igual medida, procedendo, para tal, de uma forma desumana e impiedosa;
117) Nas situações descritas supra, AA, QQ, FF e GG, agiram de forma concertada entre si, livre, deliberada e consciente, com o propósito, concretizado, de, através da força física, obrigarem DD a entrar no interior da viatura descrita e, dessa forma, levá-lo para local resguardado e ali mantê-lo recluso, com a intenção de o obriga, através de agressões e ameaças, a entregar-lhe dinheiro a que sabiam não ter direito e a provocar empobrecimento em igual medida, procedendo, para tal, de uma forma desumana e impiedosa;
118) Agiram, também, de forma livre, deliberada e consciente, com o intuito, alcançado, de molestar o corpo e a saúde de BB, CC e DD, de forma a deixá-los com marcas e sequelas, bem sabendo que os golpes que lhes aplicaram, acompanhados pela utilização de objectos em madeira e ferro, bem como, com facas quentes, eram perfeitamente aptos a alcançar tal resultado;
119) Nas situações descritas supra, AA, EE, QQ, FF, GG, II, HH agiram ainda, de forma livre, deliberada e consciente, com a finalidade, conseguida, de manter BB, CC cativos e, dessa forma, coartar a sua liberdade de movimentos, vigiando-os permanentemente e impedindo-os de abandonarem a casa onde se encontravam, tratando-os de forma humilhante e impiedosa, não lhes prestando qualquer cuidado médico, nem alimentando BB de forma suficiente na primeira semana de cativeiro, aumentando-lhes o sofrimento de forma desnecessária, apesar de estes não terem apresentado qualquer resistência;
120) Nas situações descritas supra, AA, QQ, FF e GG, agiram ainda, de forma livre, deliberada e consciente, com a finalidade, conseguida, de manter DD cativo e, dessa forma, coartar a sua liberdade de movimentos, vigiando-o e impedindo-o de abandonar a casa onde se encontrava, proferindo as expressões ameaçadoras supra referidas atentando contra o seu sentimento de segurança, tratando-o de forma humilhante e impiedosa, não lhe prestando qualquer cuidado médico, aumentando-lhe o sofrimento de forma desnecessária, apesar de este não ter apresentado qualquer resistência atentar contra o sentimento de segurança, bem sabendo que as suas condutas e expressões que utilizaram eram perfeitamente idóneas a alcançar tal resultado;
121) FF, GG agiram de forma concertada, livre, deliberada e consciente, com o objectivo, atingido, de, através da utilização da força física, se apoderarem dos fios, brincos, anéis e relógio de DD e fazê-los seus, bem sabendo que o mesmo se encontrava numa situação de absoluta subjugação, não tendo qualquer possibilidade de resistência a tais actos, bem como, que tais objetos não lhes pertenciam;
122) GG agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o intento, executado, de se apoderar e fazer seu um objecto em madeira que se encontrava no interior da casa de CC, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que agia contra a vontade do seu legítimo dono;
123) O arguido II agiu, ainda, de forma livre, deliberada e consciente, com o intuito, concretizado, de deter o revólver referido supra, conhecendo perfeitamente as suas características, bem sabendo que não tinha licença para tal, bem como, que não o podia fazer;
124) FF, GG, HH e II agiram de forma livre, deliberada e consciente, com o objectivo, alcançado, de deter a cannabis e a cocaína referidas supra, que os arguidos FF, GG e HH destinavam tal estupefaciente para venda, conhecendo todos perfeitamente a sua natureza estupefaciente, bem como, que a detenção e venda de tais substâncias era proibida;
125) AA, EE, QQ, FF, GG, II e HH sabiam perfeitamente que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Dos pedidos de indemnização:
126) Em consequência da conduta dos arguidos AA, EE, QQ, FF, GG, II e HH o ofendido CC foi assistido na ... onde foi-lhe prestado cuidados médicos fruto das lesões provocadas pelos arguidos.
127) Tais cuidados consubstanciaram-se em atendimentos de urgência, Tc- maxilo facial, do crânio, do abdómen superior, do tórax, pélvica, com suplemento de contraste endoveneso, e que importaram um valor global de €625,12 (seiscentos e vinte e cinco euros e doze cêntimos).
128) Em consequência da conduta dos arguidos AA, EE, QQ, FF, GG, II e HH o ofendido CC também foi assistido na ... onde foi-lhe prestado cuidados médicos fruto das lesões provocadas pelos arguidos.
129) Tais cuidados consubstanciaram-se em consulta de urgência e Tac das órbitas, sendo que importaram um valor global de €182,86 (cento e oitenta e dois euros e oitenta e seis cêntimos).
130) Em consequência da conduta dos arguidos AA, EE, QQ, FF, GG, II e HH, o ofendido CC sentiu e sente medo, dor intensa, perdeu orgulho e autoestima face às lesões que sofreu, sendo que em ...-...-2023 apresentava perda de acuidade visual no seu olho direito.
131) Em consequência da conduta dos arguidos AA, EE, QQ, FF, GG, II e HH, o ofendido BB sentiu e sente medo, tendo-se mudado para o norte do país.
132) Em consequência da conduta dos arguidos AA, QQ, FF e GG, o DD sentiu e sente medo, tendo mudado de habitação logo após estes factos.
*
Das condições económicas e sociais dos arguidos:
AA
133) À data dos factos dados como provados AA residia com os progenitores e uma irmã mais velha, num contexto socio familiar pautado por algumas fragilidades, mas assente numa boa relação entre os membros do agregado.
134) A progenitora com uma atitude mais exigente e normativa, embora afetivamente mais próxima de AA, encontrava-se á data com limitações de mobilidade e dependente de cadeira de rodas, ainda que executasse as tarefas domésticas.
135) O pai, o único elemento ativo do agregado, passava maioritariamente o tempo no trabalho e adotava relativamente ao arguido, uma postura mais permissiva e protetora.
136) A nível familiar regista-se ainda num período que antecedeu os acontecimentos associados ao presente processo, nomeadamente o facto de, durante o ano de 2022, AA ter realizado vida em comum com uma companheira na sua morada de família, o que contribuiu para alguma estabilização do seu modo de vida na época, situação que se veio, contudo, a alterar após o falecimento da mãe, a quem estava afetivamente ligado, e que ocorreu cerca de 3 meses antes da sua atual prisão preventiva.
137) Há data dos factos dados como provados AA trabalhava, junto do pai, que explorava por conta própria uma ….
138) Desse trabalho, auferia alguma compensação económica por parte do pai, que utilizava para as suas despesas pessoais (compra de roupas, saída com amigos e namorada) e para colaborar nas despesas de casa.
139) A situação económica da família pautava-se por algumas dificuldades, e assentava essencialmente na reforma de invalidez que a progenitora auferia, no valor de 220 euros, já que o progenitor não tinha rendimentos fixos dos trabalhos eventuais que executava localmente, para conhecidos.
140) A situação económica do agregado agravara-se contudo desde 2022 quando o pai deixou de trabalhar na oficina para apoiar a companheira , doente, e que veio posteriormente a falecer.
141) Após morte da mãe de AA, o progenitor passou por um período depressivo, começou a ingerir álcool em excesso e manteve-se, ainda temporariamente, sem trabalhar.
142) Esta situação contribuiu igualmente para que AA ficasse sem ocupação profissional, e simultaneamente sem a figura materna, que se constituía no seu caso, o elemento mais balizador e controlador da sua conduta, no contexto familiar.
143) Após o falecimento da mãe e com menos controle parental, verificou-se novamente uma maior reaproximação do arguido à sua rede de amizades local.
144) Atualmente essa situação familiar estará ultrapassada, tendo o pai retomado o mesmo ritmo de vida profissional e pessoal, apoiado pela irmã, que emigrou para a ... para trabalhar, no intuito de ajudar o pai a comprar uma outra habitação.
145) Pretendem deixar o bairro social onde residem e simultaneamente afastar AA da sua rede de amizades pró-criminal.
146) AA mantinha desde a sua juventude, um contacto de proximidade com grupos de pares do bairro onde residia, com os quais convivia sobretudo no período noturno e quando não estava com a namorada.
147) Esta rede de amizades, que se veio a consolidar ao longo dos anos, evidenciou uma tendência de AA para se associar a jovens com comportamentos menos normativos e para adotar condutas desajustadas, em contexto de grupo.
148) Essa forte vinculação ao grupo, constituiu-se como um fator desestabilizador da sua conduta já na fase escolar, onde ficou retido diversas vezes entre o 5º e 6º ano, por faltas injustificadas e comportamentos desadequados, não tendo completado o 6º ano de escolaridade.
149) O arguido manifestou, contudo, interesse na ---, frequentando desde os 8 anos clubes locais, onde treinava esta modalidade, tendo estado federado em 2015, pelo ….
150) Mais tarde tentou ingressar no ..., mas não foi admitido, devido ao baixo rendimento escolar apresentado, tendo abandonado o projeto de seguir carreira como …, sem outro projeto alternativo.
151) Em termos pessoais AA é um jovem tendencialmente reservado e imaturo, embora tenha efetuado alterações nesse seu comportamento desde que iniciou vida em comum com a atual companheira, em 2022, nomeadamente, permanece mais tempo em casa e faz mais atividades em família.
152) Encontra-se preso preventivamente no ... desde ... de 2023.
153) No ... já foi sujeito a dois procedimentos disciplinares por posse ilegal de telemóvel.
154) Ainda se encontra sem qualquer ocupação estruturada e ocupa-se essencialmente com atividades desportivas, e ginásio.
155) Tem contado com um suporte consistente por parte da família e em particular a companheira, tendo como projecto voltar a viver com esta em situação de liberdade, eventualmente na morada de família, onde o progenitor reside presentemente sozinho e mostra total disponibilidade para os acolher.
156) Em termos laborais e para além de poder dar continuidade ao trabalho junto do pai, AA apresenta como projeto trabalhar junto de um amigo, num …, para executar tarefas ligadas à ….
EE:
157) À data dos factos dados como provados, EE residia na ..., em habitação adquirida pela companheira, com a qual iniciou relação de namoro há cerca de cinco anos.
158) O agregado é composto pelo casal, a filha da companheira, de 17 anos, e as duas filhas em comum, gémeas, recém-nascidas na altura, atualmente com um ano de idade.
159) Este relacionamento é descrito pelo casal como positivo, verificando-se alguma ascendência da companheira sobre o arguido, no sentido de este alterar a sua trajetória de vida e alcançar estabilização pessoal.
160) O arguido veio da ..., de onde é natural, para Portugal, em 2009, quando contava com 15 anos de idade.
161) O agregado familiar era composto pela mãe e os três irmãos de EE, tratando-se este do segundo elemento da fratria.
162) O arguido tem uma filha de cinco anos de idade, fruto de um relacionamento anterior entretanto terminado, a qual vive com a mãe no ..., sendo que o arguido contribui regularmente em termos monetários para o sustento da sua filha.
163) Esta integrava regularmente o seu agregado familiar, aos fins de semana, continuando a manter contacto próximo com a família paterna durante a reclusão do arguido.
164) Profissionalmente, EE trabalhava, havia cerca de um ano, no … pertencente à companheira, localizado no ..., seu meio social de inserção.
165) Com o 7º ano de escolaridade, a experiência profissional do arguido está relacionada maioritariamente com o desempenho de atividade no setor da … apontando o próprio, também, a experiência de um ano como … e, entre 2016 e 2018, como … no parque ....
166) No entanto, em 2018, o arguido sofreu um acidente que o deixou temporariamente incapacitado para trabalhar, executando apenas tarefas pontuais como …, sendo pago à tarefa.
167) Em termos socioeconómicos, a mesma é estável, a recuperar de um período mais instável decorrente da pandemia causada pela Covid-19.
168) O arguido auferia o ordenado mínimo nacional no âmbito da sua atividade e, como principal despesa do agregado, tem o pagamento da renda da casa, no valor de 800,00 euros mensais.
169) Atualmente, a situação encontra-se novamente instável em virtude da reclusão de EE, contando a companheira com o apoio de familiares da própria e do arguido.
170) Relativamente à problemática aditiva, o arguido efetuou consumos de haxixe desde a adolescência, sendo que também tem historial de consumos de cocaína.
171) EE veio para Portugal com os irmãos, após o falecimento do progenitor, para se juntar à mãe, que já cá vivia com o filho mais novo, que padece de um atraso no desenvolvimento cognitivo.
172) A progenitora procurou facultar àquele melhores condições de acesso a cuidados educativos e de saúde tendo contado para tal, com o apoio do arguido.
173) Após a libertação, pretende retomar a vivência familiar com a companheira, continuando a trabalhar com a mesma no … ou no ramo … ao qual aquela se dedica e pretende estabelecer no futuro por conta própria.
174) EE deu entrada no ... em .../.../2023 e, em .../.../2023, foi transferido para o ..., onde se encontra na atualidade, à ordem dos presentes autos.
175) As principais repercussões da atual situação jurídico-penal no arguido serão sobretudo ao nível familiar, manifestando o mesmo um impacto psicológico elevado por se encontrar privado de acompanhar o processo educativo filhos e de os apoiar financeiramente.
176) O arguido tem revelado sentimentos de tristeza e culpa pelo impacto da situação de reclusão na família.
177) Não se encontra integrado em qualquer atividade escolar, formativa e/ou laboral, apesar de já ter formulado pedido para estudar, e não constam sanções averbadas no seu registo disciplinar.
178) Dedica-se à prática de atividade física regular.
179) Tem beneficiado de suporte sociofamiliar incondicional recebendo visitas da companheira, mãe, filhos e irmãos no estabelecimento prisional.
(…)
FF:
210) FF tem atualmente 32 anos de idade e o 12º ano de habilitações literárias.
211) Na data dos factos dados como provados FF estava numa situação de sem abrigo (desde ... de 2023, aquando da separação da ex-companheira) e pernoitava umas vezes na rua e outras em habitações devolutas do bairro ..., no concelho da ..., ou em casas de conhecidos.
212) Fruto da recaída em finais de 2022, início de 2023 quanto aos consumos de cocaína por parte do arguido e consumo excessivo de bebidas alcoólicas a relação que mantinha com a sua companheira terminou.
213) Tal união já se mantinha há cerca de 13 anos e da qual tem três filhos, com 12, 9 e 8 anos de idade.
214) O arguido é natural do ..., tendo iniciado o seu percurso laboral com 15 anos como … de …, onde trabalhou durante três anos, iniciando, posteriormente, atividade na área da ...
215) FF imigrou para Portugal com 27 anos de idade, na expetativa de alcançar melhores condições socioeconómicas, integrando, nessa altura, o agregado familiar do progenitor no ..., juntando-se posteriormente a este agregado a companheira e os filhos do casal.
216) Em território nacional o arguido manteve a atividade de … na área da …, sobretudo por conta de uma empresa intitulada de “…”, através da qual trabalhou em ... durante aproximadamente dois anos.
217) Na referida atividade em ... auferia cerca de €3200 mensais e em Portugal auferia cerca de €1300 mensais.
218) Quando o arguido regressou de … onde esteve a trabalhar o mesmo recaiu no consumo de cocaína (“crack”), despendendo diariamente com o seu consumo entre €50 a €100.
219) A ex-companheira do arguido tem desenvolvido atividade profissional de … e o agregado familiar dispunha de uma condição económica relativamente equilibrada, enquanto FF permaneceu profissionalmente ativo e antes de se envolver no consumo de estupefacientes.
220) FF encontra-se preso preventivamente desde o dia ........2023 à ordem do presente processo judicial.
221) A nível disciplinar FF tem neste momento a decorrer sete registos disciplinares em fase de inquérito, na sua maioria por ter sido encontrado na posse de substâncias proibidas no ....
222) O arguido tem vindo a estabelecer contacto telefónico regular com a ex-companheira e com os filhos, que o visitam no ....
(…)
HH:
236) Na data dos factos dados como provados o arguido residia com a avó que já é octogenária.
237) A dinâmica familiar era funcional na medida em que o arguido respeitava a avó e ajudava-a em trabalhos domésticos.
238) A mãe do arguido, que também já residiu com o mesmo, vive com o seu atual companheiro, na vila da ..., mas mantém uma relação próxima com HH.
239) O pai do arguido, que se separou da mãe quando este tinha dois anos de idade, reside em ... e não contacta com o arguido.
240) O arguido tem baixa escolaridade, não fez formação profissional, não procura ativamente emprego e consume estupefacientes.
241) O agregado familiar reside em casa arrendada ao ..., que apresenta boas condições de habitabilidade.
242) Localiza-se num bairro social, onde o arguido sempre residiu e onde estabeleceu as suas convivialidades e amizades, sendo que muitos destes jovens revelam problemas de adaptação social.
243) HH tem o 9º ano de escolaridade que concluiu no ....
244) Na comunidade tinha frequentado a escola até ao 8º ano pois, ainda que ingressasse na idade normal, teve insucesso escolar, elevado absentismo e abandono escolar.
245) Ainda frequentou um curso de formação profissional no ..., que também não concluiu.
246) Iniciou a sua vida profissional como indiferenciado, na … e já trabalhou em... e numa …
247) Ultimamente estava desempregado há cerca de um ano e, para fazer cobro a algumas despesas pessoais, apanhava … no ... que lhe conferia um rendimento diário de €20,00.
248) Este rendimento servia para os seus gastos pessoais, sobretudo de consumo de tabaco e canábis, cujos custos estima que seriam de €15,00 diários.
249) A sua sobrevivência a nível habitacional, vestuário e alimentar era assegurado pelo apoio da avó e da mãe.
250) HH não tinha uma atividade estruturada de ocupação de tempos livres, seja ela lúdica ou de formação pessoal.
251) Passava muito tempo com amigos do bairro, em cafés locais.
252) O arguido consumia canábis em forma de resina desde os 14 anos de idade.
253) Também já teve experiência de consumo de MDMA e ingeria cerveja com regularidade, várias vezes por dia.
QQ:
254) Na data dos factos dados como provados o arguido residia na ..., que é a casa que fora atribuída à mãe e padrasto a título de arrendamento ao ...
255) O arguido vive nesta habitação desde 2018, tendo ficado a viver sozinho depois de 2020, após o falecimento da mãe e, posteriormente, do padrasto.
256) Depois da detenção do arguido o apartamento ficou desocupado e, posteriormente, o irmão, de nome UU, passou ali a pernoitar algumas noites, continuou a pagar a renda de casa, que será de €54,00, bem como a água e a eletricidade.
257) QQ é natural de ..., onde viveu até aos 17 anos de idade.
258) A família veio para Portugal para melhorar as suas condições de vida.
259) A sua fratria é numerosa, tendo irmãos germanos, consanguíneos e uterinos num total de oito, que se encontram em ...e ....
260) O arguido viveu com VV, entre 2004 e 2014, têm dois filhos, de 19 e 14 anos de idade.
261) O filho reside com a irmão do arguido, WW e a filha emigrou, com a mãe para ....
262) QQ tem como habilitações literárias o 12º ano de escolaridade, concluído na ... na ..., através de um programa de formação de adultos.
263) O arguido tem formação prática de …, com …
264) Está desempregado há vários anos, pelo menos desde 2020.
265) O último trabalho que efetuou, foi na área da ... para o ..., da localidade do ....
266) Nesta situação de desemprego prolongado, a sua situação económico-financeira era muito precária, pelo que precisava da ajuda dos irmãos, que lhe pagavam a renda de casa e lhe davam alimentação.
267) Lograva obter algum dinheiro com a venda de sucata metálica que recolhia na rua.
268) QQ ocupava o tempo consumindo estupefacientes e a conviver com outros indivíduos consumidores de drogas.
269) Deambulava pelo bairro e frequentava “cafés” locais onde se encontrava com alguns amigos do bairro.
270) Estes amigos eram, sobretudo, consumidores e traficantes de estupefacientes.
271) Frequentemente utilizavam a casa do arguido para fazer consumos em grupo a ponto de, quando o arguido foi preso, os irmãos viram-se na contingência de fazer uma limpeza geral à casa e colocarem múltiplos objetos no lixo porque a casa estava imprópria para habitar.
272) O arguido começou a consumir canábis (erva) quando ainda estava em ...
273) Já depois dos 20 anos, em Portugal, começou a utilizar canábis em resina, ou pólen, também designada por haxixe e, em 2016 / 2017 passou a utilizar cocaína, em especial crack.
274) O arguido fumava cocaína cerca de seis vezes por dia e, muitas vezes, para estabilizar o humor, também consumia heroína.
275) QQ ainda consumia MDMA (é uma anfetamina) que utilizava para ter alucinações.
276) O arguido chegou a pedir ajuda médico-psicológica na Equipa Especializada de Tratamento do ..., tendo mesmo sido medicado com psicofármacos.
277) Existiu a possibilidade do arguido ingressar comunidade terapêutica, mas, por falta de motivação do arguido, nunca foi viável levar à prática este tipo de tratamento.
278) Já no ... também foi medicado e mantém tratamento.
279) O arguido mantem o apoio dos seus familiares.
280) No ... tem um comportamento ajustado.
Dos antecedentes criminais dos arguidos:
AA:
281) Por decisão proferida em 11-01-2023 e transitada em julgado em 02-03-2023 no âmbito do processo 97/22.2PFBRR, do JLC do Barreiro, J1 o arguido AA foi condenado pela prática em ...-...-2022 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03-01 na pena de 50 dias de multa à taxa diária de €5,50.
282) Por decisão proferida em 01-02-2024 e transitada em julgado em 04-03-2024 no âmbito do processo 753/20.0PBMTA, do JLC do Barreiro, J2, o arguido AA foi condenado pela prática em ...-...-2020 de três crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03-01 e um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153.º e 155.º, n.º 1als. a) e c), por referência ao art. 132.º, n.º 2, al. l), todos do C.P., na pena única de 180 dias de multa à taxa diária de €5,00, sendo que a referida pena foi declarada extinta em 07-11-2024.
283) Por acórdão proferido em 11-04-2024 e transitado em julgado em 07-11-2024 no âmbito do processo 22/21.8PEBRR, do JCC de Almada, J4, o arguido AA foi condenado pela prática em ...-...-2021 de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/06, de 23-02 e um crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, com referência ao art. 132.º, n.º 2, al. h), 22.º e 23.º, todos do C.P. na pena de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos com regime de prova.
EE:
284) Por decisão proferida em 15-03-2018 e transitada em julgado em 30-04-2018 no âmbito do processo 115/17.6SCLSB, do JLPC de Lisboa, J2, o arguido EE foi condenado pela prática em ...-...-2017 de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art. 40.º, n.º 2, do D.L. n.º 15/93, de 22-01 na pena de 14 meses de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período, sendo que a referida pena foi integralmente perdoada em 01-09-2023.
285) Por decisão proferida em 24-10-2022 e transitada em julgado em 05-07-2023 no âmbito do processo 863/17.0PBMTA, do JCC de Almada, J1, o arguido EE foi condenado pela prática em ...-...-2018 de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, do D.L. n.º 15/93, de 22-01 na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, sendo que foi perdoado um ano de prisão ao arguido.
286) Por decisão proferida em 06-06-2018 e transitada em julgado em 05-09-2018 no âmbito do processo 231/18.7PBMTA, do JLC do Barreiro, J2, o arguido EE foi condenado pela prática em ...-...-2018 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 2, do D.L. n.º 2/98, de 03-01, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €5,00, sendo que a referida pena foi declarada extinta pelo cumprimento em 27-07-2020.
287) Por decisão proferida em 12-07-2018 e transitada em julgado em 01-10-2018 no âmbito do processo 325/18.9PBMTA, do JLC do Barreiro, J1, o arguido EE foi condenado pela prática em ...-...-2018 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 2, do D.L. n.º 2/98, de 03-01, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €5,00, sendo que a referida pena foi declarada extinta pelo cumprimento em 14-01-2019.
288) Por decisão proferida em 17-12-2018 e transitada em julgado em 29-01-2019 no âmbito do processo 393/14.2PBMTA, do JLC do Barreiro, J2, o arguido EE foi condenado pela prática em ...-...-2014 de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), do C.P., com referência ao art. 202.º, al. d), do mesmo diploma legal, na pena de 10 meses de prisão substituída por 300 dias de multa à taxa diária de €5,00, sendo que a referida pena foi declarada extinta pelo cumprimento em 02-07-2021.
289) Por decisão proferida em 29-04-2021 e transitada em julgado em 31-05-2021 no âmbito do processo 516/20.2PBMTA, do JLC do Barreiro, J1, o arguido EE foi condenado pela prática em ...-...-2020 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 2, do D.L. n.º 2/98, de 03-01, na pena de um ano e quatro meses de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período, com regime de prova e sujeita às seguintes obrigações: - comprovar no prazo de 3 meses a contar da data do trânsito em julgado que renovou a inscrição na escola de condução; comprovar no prazo de seis meses a contar da data do trânsito em julgado da decisão que se submeteu a exame teórico para obtenção da carta de condução; comprovar até ao final do período da suspensão da execução da pena que se propôs a exame prático ou tentou novamente o exame teórico caso tenha reprovado, sendo que a referida pena foi declarada extinta em 01-10-2022.
290) Por decisão proferida em 08-01-2019 e transitada em julgado em 22-02-2019 no âmbito do processo 57/18.8PEBRR, do JLC do Barreiro, J2, o arguido EE foi condenado pela prática em ...-...-2018 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 2, do D.L. n.º 2/98, de 03-01, na pena de seis meses de prisão substituída por 180 dias de multa à taxa diária de €5,00, sendo que a referida pena foi declarada extinta pelo cumprimento em 20-07-2020.
(…)
FF:
292) Por decisão proferida em 05-07-2023 e transitada em julgado em 20-09-2023 no âmbito do processo 418/21.5PBBRR, do JLC do Barreiro, J2, o arguido FF foi condenado pela prática em ...-...-2021 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 2, do D.L. n.º 2/98, de 03-01, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de €5,00.
293) Por decisão proferida em 06-11-2023 e transitada em julgado em 29-02-2024 no âmbito do processo 602/22.4PBBRR, do JLC do ..., J2, o arguido FF foi condenado pela prática em ...-...-2021 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 2, do D.L. n.º 2/98, de 03-01 e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, do C.P., na pena única de 180 dias de multa à taxa diária de €5,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de três meses e 15 dias.
294) Por decisão proferida em 03-07-2024 e transitada em julgado em 18-09-2024 no âmbito do processo 71/23.1PFBRR, do JLC do ..., J2, o arguido FF foi condenado pela prática em ...-...-2021 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 2, do D.L. n.º 2/98, de 03-01, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €5,00.
(…)
HH:
296) O arguido HH não possui antecedentes criminais registados.
QQ
297) Por decisão proferida em 23-01-2013, transitada em julgado em 26-02-2013 no âmbito do processo 492/11.2GABRR, do então 2.º juízo criminal do tribunal judicial do Barreiro, o arguido QQ foi condenado pela prática em ...-...-2011 de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, por referência ao art. 132.º, n.º 2, al. l), do C.P. na pena de cinco meses de prisão substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade, sendo que a referida pena foi declarada extinta em 22-07-2013.
298) Por decisão proferida em 24-04-2013, transitada em julgado em 24-05-2013 no âmbito do processo 327/11.6GABRR, do então 1.º juízo criminal do Tribunal Judicial do Barreiro, o arguido QQ foi condenado pela prática em ...-...-2011 de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, por referência ao art. 132.º, n.º 2, al. l), do C.P. na pena de cinco meses de prisão substituída por 150 dias de multa à taxa diária de €5,25, sendo que a referida pena foi declarada extinta em 23-10-2015.
299) Por decisão proferida em 26-06-2018, transitada em julgado em 01-10-2018 no âmbito do processo 187/17.3PFBRR, do JLC do Barreiro, J1, o arguido QQ foi condenado pela prática em ...-...-2017 de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos arts. 181.º, n.º 1, 184.º e 132.º, n.º 2, al. l), do C.P. na pena de 160 dias de multa à taxa diária de €5,00, sendo que a referida pena foi declarada extinta em 30-07-2019.
300) Por decisão proferida em 10-04-2019, transitada em julgado em 29-05-2019 no âmbito do processo 194/17.6PFBRR, do JLC do Barreiro, J2, o arguido QQ foi condenado pela prática em ...-...-2017 de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art. 40.º, n.º 1 e 2, do D.L. n.º 15/93, de 22-01 na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €5,00, sendo que a referida pena foi declarada extinta em 28-06-2021.
2.2 – Matéria de facto não provada:
a) Pelas 15h50 BB encontrava-se junto ao supermercado ..., sito na zona F, no ....
b) Que o arguido BB, nas circunstâncias de tempo e lugar referida em 26) disse que nada sabia do envolvimento de CC no desaparecimento da mala com notas.
c) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 28), os arguidos usaram de força física para entrarem na habitação onde se encontrava CC.
d) Que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 35) o arguido II bateu em CC.
e) Que FF acompanhava o arguido AA nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 44).
f) Ao terceiro dia de cativeiro EE colocou um saco de plástico verde na cabeça de BB, apertando-lhe a zona da traqueia com um tubo.
g) BB foi sendo agredido, por várias formas, durante três dias seguidos.
h) No dia 24-05-2023, FF desferiu novos golpes em BB, utilizando um barrote de madeira;
i) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 83) o arguido QQ manuseou armas de fogo as quais apontou à cabeça e corpo de DD.
j) Nas circunstâncias de tempo e lugar referida em 88) os arguidos FF e GG, conjuntamente com os indivíduos não concretamente identificados disseram a DD que matariam o seu irmão TT e os filhos, demonstrando que conheciam a realidade familiar dos mesmos.
k) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 90) o arguido QQ desferiu golpes no corpo de DD, tendo, inclusive, utilizado um cano desmontado de uma caçadeira, bem como, coronhadas e socos na cabeça e na face de DD, bem como aqueceu uma faca num fogão e queimou o corpo de DD;
l) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 100) os arguidos apontaram um revólver à cabeça de DD.
m) Entre o mês de ... e o dia ...-...-2023, HH efectuou a venda de cannabis a FF, duas a três vezes por semana, cobrando o valor de 5,00€ ou 10,00€ por cada venda, sendo que se encontrava com o mesmo numa paragem de autocarros, sita no ....
n) Também desde data não concretamente apurada, mas até ao mês de ...de 2023, II procedeu à venda de cannabis a FF, o qual também se encontrava na referida paragem de autocarro ou numa casa que existia ali perto.
o) EE e GG agiram de forma livre, deliberada e consciente, com o desígnio, materializado, de entrarem na casa de CC, através da utilização da força física, impossibilitando-o de impedir que tal ocorresse.
p) II agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito, alcançado, de disparar um tiro de revólver na direção da cabeça de BB e, dessa forma, atentar contra a vida deste, não o tendo concretizado, apenas por razões que lhe são alheias.
II.3.B. Dos motivos de facto, indicação e exame crítico das provas exarados no acórdão recorrido (cfr. ref.ª 444520342 de 09-04-2025):
É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo tribunal de 1.ª Instância:
O tribunal formou a sua convicção nas declarações daqueles arguidos que prestaram declarações em sede de audiência de julgamento e que foram FF, QQ, AA, II, EE e HH, bem como nas declarações que o arguido GG prestou em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido e cuja as declarações gravadas foram reproduzidas em sede de audiência de julgamento.
Atendeu-se, igualmente, aos depoimentos das testemunhas ouvidas nesta última sede, conjugada com a prova documental e pericial junto aos autos e em juízos de experiência comum.
Assim, o arguido GG apenas prestou declarações em sede de primeiro interrogatório judicial onde negou a prática dos factos que lhe são imputados. O arguido assumiu que a sua alcunha é “XX” e que vivia há cerca de 1 semana, contada da data em que este foi detido, na ..., sendo que antes já havia estado nessa habitação por uma vez para consumir haxixe e jogar playstation. Referiu que nessa casa vivia a testemunha YY, conhecido por “cota”.
Na casa sita na ... refere que esteve 3 ou 4 vezes, sendo que em ... de 2023 já frequentava aquele local e nesse local apenas consumia haxixe e jogava playstation. Confirmou que a casa em apreço pertence ao arguido QQ e era frequentada por muitas pessoas e naquela casa viu haxixe, mas não armas.
Menciona que não assistiu a qualquer confusão naquela casa, nem esteve na mesma com CC que conhece de vista.
Quanto ao estupefaciente que lhe foi apreendido na …. onde estava a pernoitar metade era seu e a outra metade pertencia ao arguido FF. Refere que ambos compraram a mesma por €150, sendo que adquiriram tal droga conjuntamente com outros dois indivíduos, sendo que cada um contribuiu com €50.
Mencionou, por fim, e quando confrontada com a foto 1 a fls. 358 refere que a mesma retrata o arguido e o a testemunha ZZ, sendo que naquelas circunstâncias esteve a jantar no ... com o mesmo e não o viu com qualquer fio de ouro.
Já o arguido AA em sede de audiência de julgamento referiu que conhecia o ofendido BB de morar na casa do QQ e de ser consumidor de estupefaciente, sendo que o ofendido CC é seu vizinho.
Nega que a sua alcunha seja “Bi”. Apesar de ter sido confrontado com fls. 68 verso do apenso C onde é transcrita um a mensagem que o arguido recebeu de um indivíduo associado à conta n.º ... e onde este chama o arguido por “Bi” o arguido continuou a negar que seja conhecido ou tratado por essa alcunha ou diminutivo.
Admitiu ser amigo de EE e conhecer de vista os arguidos GG, FF, II, HH e QQ, sendo que quanto a este último frequentou a sua casa, sita na ..., no ..., onde ia para conviver e jogar playstation, sendo que a referida casa tinha sempre a porta aberta, já que não tinha trinco. Refere que a casa em causa tinha mais quartos, mas desconhece se os mesmos tinham porta com chaves ou trinco.
Relativamente aos carros que utiliza o arguido mencionou que conduz um mercedes branco. Quanto ao ..., modelo X1, de matrícula AH-..-XS o arguido confirma que no dia ...-...-2023 foi abordado pela PJ quando conduzia o referido veículo e no seu interior estava o arguido FF, sendo que ambos estavam a regressar do treino que efetuaram juntos. O arguido ainda referiu que o citado veículo foi deixado na oficina de seu pai por AAA e o arguido acabou por utilizar a mesma.
O arguido nega qualquer intervenção quanto aos factos relacionados com o ofendido DD, sendo que nunca esteve sequer na casa sita na …, apesar de ter sido confrontado com o teor do auto de diligência a fls. 605-606.
Quanto à viatura … com matrícula ..-SX-.. o arguido refere que a mesma foi deixada pelo arguido FF na oficina de seu pai, BBB, para depois ter admitido que esta estava estacionada em frente à sua casa porque FF não pagou o concerto do carro efetuado pelo seu pai e este ficou com o carro, tendo o seu pai alterado o seguro do veículo para o seu nome.
Por fim, o arguido referiu que quando estava na garagem do seu pai viu o ofendido BB, tendo efetuado uma chamada por vídeo para o inspetor da PJ, CCC, a informar de tal facto, uma vez que sabia que a PJ andava à procura de BB. Mais refere que falou com BB para que este aguardasse pela chegada da PJ, mas este não quis esperar e foi embora. Referiu, ainda, que não reparou em qualquer lesão no corpo de BB.
Quanto ao arguido EE o mesmo referiu conhecer todos os arguidos e os ofendidos BB e CC por frequentarem o mesmo bairro, sendo mais próximo do arguido HH por o conhecer há mais anos. Mais referiu que não conhece o ofendido DD, nem nunca esteve na casa sita na …
Admite que frequentava a casa sita na ..., pois costumava deixar o seu cão durante o dia na referida casa com o QQ, dono da casa e que conhece por “...”. Igualmente ia à referida habitação para consumir haxixe, tendo visto na referida casa, algumas vezes, os ofendidos BB e CC, mesmo antes dos factos em causa nestes autos, tendo até comprado e levado comida para BB que na data estava numa situação de sem abrigo.
Menciona que nunca esteve na casa sita na ... (casa de onde foi levado CC).
No dia ...-...-2023 o arguido refere que saiu do café onde costumava ajudar a mãe da sua companheira pelas 19h00 e foi para a casa sita na ... para consumir haxixe e para ir buscar o seu cão. Quando lá chegou refere que a porta da habitação estava aberta com cerca de 20 pessoas no seu interior, sendo que foi até ao quarto onde se encontravam os ofendidos BB e CC e no seu interior estavam cerca de 10 pessoas. Menciona que viu estes ofendidos feridos. Questionou a quem lá estava o que se estava a passar e disseram-lhe que o BB ou o CC haviam subtraído uma mala e perante essa informação pegou no seu cão e saiu de imediato da casa não tendo lá permanecido mais de 5 minutos.
Terminou as suas declarações referindo que cerca de 2 a 4 dias após a data supra referida voltou à referida habitação e lá viu o ofendido BB sentado no sofá a jogar playstation estando o mesmo livre na sua pessoa e lá permanecendo voluntariamente, até porque a referida habitação não tem fechadura na porta de entrada, nem nos quartos.
Quanto ao arguido FF o mesmo refere que viveu nos meses de ... e ... de 2023 na habitação sita na ..., no ..., casa pertença de QQ que conhece por “...”.
No dia ...-...-2023 encontrava-se no interior da referida habitação a consumir cocaína (“crack”) e nesse dia existiu um problema relacionado com o desaparecimento de uma mala com dinheiro, cujo desaparecimento imputavam ao ofendido BB, não tendo querido prestar mais esclarecimentos quanto a tal factualidade.
Nega que procedesse à venda de estupefaciente, sendo que era apenas consumidor. Foi consumidor de cocaína cozida (“crack) durante três ou quatro anos em que residiu no .... Em 2019 vem para Portugal e esteve abstinente do consumo de estupefacientes durante cerca de 6 anos, tendo recaído no início de 2023, após ter regressado de ..., onde este emigrado a trabalhar.
Confirma que o veículo mercedes de matrícula ..-XS-.. é seu, tendo adquirido o veículo através de pagamento em prestações. Mais esclareceu que colocou o veículo para reparar na oficina do pai de AA e autorizou que o mesmo andasse com o referido veículo.
Menciona que conheceu o arguido AA no início do ano de 2023 e que apenas conhece o arguido EE de vista de o ver no bairro a jogar à bola, nunca o tendo visto na casa de QQ supra referida.
Admite que a sua alcunha é “…” e que GG tem a alcunha de “XX”.
Conhece o arguido II e HH também pelo facto dos mesmos frequentarem a casa de QQ.
Quanto ao ofendido BB o arguido refere que o mesmo pediu ajuda a QQ para ficar a viver na sua casa porque havia sido posto na rua pela sua companheira e não tinha onde viver, tendo este ficado a viver na casa cerca de dois meses, já após o arguido FF ter deixado de viver naquela casa.
Mais acrescentou que o BB quando chegou à casa de QQ já vinha todo queimado e magoado, sendo que CC também se encontrava nesse estado.
Quanto ao ofendido DD o arguido FF admite que esteve com este ofendido na …, no ..., sendo que FF também viveu nessa casa três meses antes dos factos que envolvem o ofendido DD.
Refere que conheceu o ofendido DD através de um indivíduo que identifica com a alcunha de “LL” e que foi este, conjuntamente com outros dois indivíduos que não identifica mas que refere serem de Lisboa e que estavam encapuçados, que no dia ...-...-2023 obrigou DD a permanecer na referida habitação.
Menciona que DD estava todo batido e magoado, sendo que no interior da referida habitação os referidos indivíduos deram chapadas e bateram com o pau da vassoura no corpo de DD para que este lhes desse o dinheiro devido pela droga.
Nega que tenha deito qualquer mata leão ao DD.
Confrontado com os fotogramas a fls. 528-534 reconhece a habitação em causa e confirma que corresponde à habitação para onde levaram o ofendido DD. Menciona que o carro fotografado a fls. 84-87 do apenso 56/23.8JBLSB é o seu, mas refere que era o tal indivíduo “LL” que usava o seu veículo.
Foi, igualmente, também confrontado com fotograma a fls. 227 do citado apenso e mencionou que foi o “LL” que lhe pediu para este levantar o dinheiro transferido para libertar o DD, dizendo-lhe que esse dinheiro era para a gasolina do carro.
Quanto ao arguido II o mesmo refere que conhece o arguido AA por terem frequentado a mesma escola e os demais arguidos do bairro.
Menciona que começou a frequentar a casa sita na ..., no ..., casa pertença de QQ que conhece por “...” no final do ano de 2022 até ser detido, sendo que lá ia diariamente, sendo QQ que mandava na referida casa.
Ia à referida habitação para consumir haxixe, sendo habitual outras pessoas frequentarem a referida casa para consumirem estupefacientes, entre elas os arguidos EE e HH, este último em poucas ocasiões. Menciona que na referida casa guardava-se estupefaciente e viu na mesma armas de fogo pequenas
Não conhece o ofendido DD, nem nunca esteva na casa sita na …., no ..., nada tendo a ver com a factualidade que envolve este ofendido.
Quanto ao ofendido BB conhece-o porque este frequentava a casa de QQ e o ofendido CC conhece apenas de vista.
Quanto aos factos ocorridos no dia ...-...-2023 na casa de QQ, o arguido II refere que não se encontrava na habitação desde o início da factualidade e que quando chegou a casa o ofendido BB, que vivia na referida casa há cerca de uma semana, encontrava-se dentro da casa de banho a tomar banho, sendo que na casa em causa, nesse momento, encontravam-se mais de 10 pessoas.
O arguido BB refere que depois se ausentou de casa por cerca de 30 a 40 minutos e quando voltou à referida casa viu que CC já se encontrava no interior do quarto que fica no lado esquerdo ao pé da casa de banho. O mesmo encontrava-se sentado no chão, com as mãos livres, a agarrar um olho de onde sangrava.
No referido quarto encontrava-se, igualmente, o ofendido BB e o mesmo estava ferido - queimado na perna e com hematomas na cara.
No referido quarto estavam pelo menos 6 pessoas a falar com o CC, sendo que QQ encontrava-se no interior da habitação.
Mais refere que a porta do quarto em causa estava aberta, não tendo a referida porta fechadura, mas tinha grades na janela e que havia muito sangue no chão, sendo que CC também apresentava sinais de ter sido agredido e gritava. Confrontado com fotogramas de fls. 52-54 onde são visíveis as lesões que o ofendido CC ostentava o mesmo refere que apenas visionou as lesões que este tinha na cara, já que CC tinha uma t-shirt vestida e que foi QQ quem ajudou CC a tratar da ferida que este tinha junto ao olho.
Referiu, ainda, que decidiu limpar o sangue que estava no chão, sendo que ninguém lhe ordenou tal ação. Nesse momento CC foi levado para a cozinha e pensa que depois para a sala.
Menciona que quando CC saiu daquela casa à noite, não sabe se sozinho ou se acompanhado, tendo o ofendido BB permanecido na referida habitação livremente, saindo para ir ao café comer e comparar tabaco, sendo que BB acabou por desaparecer da referida habitação semanas após ter sido ferido, não tendo mais voltado à referida casa.
Menciona que não sabe porque BB não procurou ajuda médica, sendo que existia naquela casa “bepanthene” e “betadine”.
Quanto ao facto constante em 57) o arguido nega o mesmo, sendo que decidiu experimentar uma arma de fogo pequena que um indivíduo de etnia cigana trouxe e que a mesma disparou acidentalmente, não sabendo que esta estava carregada. Menciona que ele, o BB e mais dois indivíduos encontravam-se sentados no sofá localizado em frente à TV a jogar playstation e o disparo acabou por acertar um outro sofá – o beije, que estava a cerca de 2 metros de BB, tendo este último começado a rir.
Confessa a detenção da arma e munições referidas no ponto 110, sendo que confessa que não tinha licença de uso e porte de armas conhecendo a ilicitude da sua conduta.
Também confessa onde se encontrava a arma a munições. Quanto ao estupefaciente apreendido na sua habitação refere que o mesmo não era seu.
Quanto ao arguido HH:
O mesmo referiu que conhece todos os arguidos do bairro, o mesmo ocorrendo com os ofendidos CC e BB, sendo que já se cruzou com estes últimos na casa sita na ..., no ... nas poucas vezes que lá se deslocou para consumir haxixe, tendo-os encontrado também a consumir estupefacientes.
No dia ...-...-2023 encontrava-se no interior da referida habitação no quarto em frente à casa de banho com cerca de 5 ou 6 pessoas. Na sala da casa estavam mais 7 ou 8 pessoas e também havia mais pessoas na cozinha e no quarto ao lado do quarto onde se encontrava.
Os ofendidos CC e BB chegaram à habitação, em momentos diferentes, sendo que BB chegou primeiro, mas quando este já lá se encontrava e foram colocados no quarto ao lado da casa de banho.
Apercebeu-se que estava a haver uma discussão dentro do referido quarto e viu mais pessoas a entrar no referido quarto, sendo que a discussão estaria relacionada com o desaparecimento de uma mala do interior daquela casa.
Perante isso refere ter ido para a sala e depois saiu para tomar um café e quando regressou foi ao quarto onde se encontrava o ofendido BB para ver o que se estava a passar. Aí refere ter visto muita gente rodeando o ofendido BB e a darem murros e pontapés no corpo daquele. Menciona que se aproximou de BB e também ele deu um pontapé em BB, pensa que no seu peito. Ao efetuar esta conduta o arguido HH refere que se apercebeu que estava a agir mal e por isso abandonou aquela habitação. Regressou à mesma, horas depois, e verificou que ainda estavam muitas pessoas com o BB no interior do referido quarto – entre 7 a 10 pessoas. Conjuntamente com BB estava também o CC, sendo que este último confrontava BB com o facto deste estar a mentir ao ter dito que havia sido ele que tinha subtraído a mala daquela casa.
As pessoas que se encontravam naquele quarto desferiram socos e pontapés no corpo de CC e mesmo quando estava prostrado no chão os mesmos continuaram a bater-lhe com murros e pontapés, tendo CC ficado a sangrar do sobrolho.
Nega ter batido em CC e não viu quem queimou o CC ou quem bateu com fios elétricos ou paus, sendo que saiu daquele quarto e cerca de 10 a 15 minutos depois abandonou a referida habitação, não tendo mais voltado à mesma porque se consciencializou da gravidade do que havia ocorrido no interior daquela habitação.
O arguido confessou a detenção do estupefaciente referido no ponto 114, sendo que refere que o mesmo era para o seu consumo.
Exerceu o seu direito ao silêncio quanto à atividade de venda de estupefaciente que lhe é imputada na acusação.
Por fim, o arguido QQ referiu que conhece os co-arguidos por serem seus amigos, sendo que CC e BB também eram seus amigos que costumavam frequentar a sua casa sita na ..., onde costumavam consumir estupefaciente. Também confessou que a sua alcunha é “...”.
No dia ...-...-2023 o arguido admite que se encontrava na sua habitação e que na mesma estavam muitas pessoas, não tendo querido identificar onde estavam os demais co-arguidos.
Refere que houve uma confusão na sua casa e que se prendia com o facto de quererem saber onde se encontrava uma mala com papéis a imitar notas que seria utilizada para enganar outros traficantes de estupefacientes e que havia desaparecido.
Mencionou, ainda, que BB chegou a sua casa de forma voluntária e que lá foi para conviver consigo. Quanto ao BB refere que convidou o mesmo para viver na sua casa, mas este recusou.
Julgaram que havia sido BB que havia subtraído a citada mala e perguntaram ao mesmo pelo paradeiro da mala.
BB foi levado para um quarto da sua casa (que identifica com sendo o retratado a fls. 360 como quarto 1) onde foi agredido com murros, pontapés, sendo que o arguido QQ refere que apenas bateu em BB com as mãos. Eram um grupo grande pessoas, cerca de 10, que rodearam BB e lhe bateram.
Confirma que uma das pessoas desse grupo que não quis identificar aqueceu uma faca no lume e encostou a mesma às costas de BB para que este dissesse onde estava a mala, sendo que o arguido confirma o estado físico de BB 24 dias após os factos como sendo aquele retratado a fls. 190 a 194.
Nega que o arguido HH tivesse agredido o arguido BB e que o arguido EE, apesar de estar presente na casa no momento em que BB estava a ser agredido, tivesse agredido o mesmo. Nega que AA sequer estivesse presente na sua casa no dia dos factos.
QQ referiu que o ofendido BB permaneceu entre 20 a 25 dias na sua casa, mas de forma voluntária, para curar as suas lesões, sendo que era QQ quem efetuava os curativos às feridas de BB com Betadine e Bepanthene.
Mais referiu que BB estava livre na sua pessoa para sair da sua casa após as agressões, sendo que este chegou a sair, ainda que por poucas vezes, para ir ao café. Saiu pela primeira vez da sua casa cerca de 7 a 10 dias após o dia em que foi agredido (...-...-2023), sendo que lhe deram comida no período em causa.
BB após ser agredido acabou por referir que a mala estava com CC.
Perante isto o arguido QQ refere que foi sozinho até à casa onde estava a viver CC, sita na ..., mas o mesmo não se encontrava na sua habitação. Depois ele e mais dois indivíduos andaram à procura de CC e encontraram-no na Zona F, tendo-o levado para a sua casa.
O arguido foi confrontado com fotograma de um pau a fls. 206 e que foi encontrado na casa de QQ e que CC reconheceu como tendo o mesmo sido retirado da habitação onde este se encontrava. Em resposta o arguido QQ referiu julgar que o referido pau havia sido levado por CC para a sua casa.
O arguido QQ referiu que confrontou o CC com o desaparecimento da mala, sendo que este estava rodeado por cerca de 10 pessoas e todas lhe bateram quando este estava num dos quartos. Refere que deu pontapés e murros em CC para evitar que as pessoas que estavam à procura da mala o espancassem até à morte e por isso tomou a dianteira das agressões. Confirma que algumas pessoas que rodeavam CC bateram-lhe com paus e fios elétricos.
O arguido referiu que CC ficou ferido no sobrolho tendo sangrado muito e, por isso, levaram-no para a casa de banho para o limpar. Depois levaram-no para a cozinha e depois para a sala.
Não se recorda se alguém transportou o CC para casa ou se ele foi sozinho.
Antes de CC sair de sua casa disse ao mesmo para não fazer queixa à polícia do sucedido porque esta situação estava ligada a tráfico de estupefacientes.
Quanto aos factos que envolvem o ofendido DD o arguido QQ refere que não conhece este ofendido e que conhece a casa sita na ..., como pertencendo a YY que é seu amigo.
Apenas se deparou com DD no interior da casa de seu amigo YY com as mãos amarradas a uma cadeira e a porta da habitação estava apenas encostada. Perguntou se ele queria água ou comida, o que este recusou. Nega que tenha ido buscar DD a Lisboa e também a factualidade constante dos pontos 83 e 84 da acusação, sendo que DD não tinha qualquer pano na sua boca.
Refere que não ouviu conversas entre DD quaisquer outros indivíduos, sendo que QQ apenas lá permaneceu durante cerca de 10 a 20 minutos e nesse período não estava mais ninguém com o DD, nem chegou ninguém.
Mencionou, ainda, que não viu ninguém a bater em DD ou a exigir-lhe dinheiro. Refere que viu, naquelas circunstâncias de tempo e lugar armas de fogo, mas as mesmas não foram apontadas ao DD. Viu uma arma de fogo de calibre 6,35 e uma caçadeira de canos serrados em cima de uma mesa, tendo confirmado que as armas que lá se encontravam eram aquelas que surgem fotografadas a fls. 111 do apenso 56/23.8JBLSB, sendo que era nessa habitação que eram guardadas as referidas armas por ser um local mais calmo e pertencer a uma pessoa mais velha.
Perante tais declarações o arguido QQ foi confrontado com os fotogramas a fls. 130-133 do apenso 56/23.8JBLSB que retratam as lesões de DD, sendo que QQ refere que não se apercebeu que DD tivesse tais lesões quando o viu no interior da habitação supra referida.
Por fim, QQ referiu que a sua casa não tem fechadura na porta de entrada, nem nos quartos e que usa um pau para fechar a porta de entrada.
Mais referiu que AA é conhecido pela alcunha de “Bi”.
Apesar das declarações destes arguidos que ou negaram a prática dos factos ou minoraram a sua participação os factos em causa resultaram provados com base nas declarações dos ofendidos, conjugados com a análise de prova pericial e documental, com base nos depoimentos das demais testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento e ainda com base em regras de experiência comum.
Assim, no que diz respeito aos factos que envolvem o ofendido BB:
Quer o ofendido CC, quer o ofendido BB confirmaram os factos constantes em 1) a 4) e 8), sendo que os próprios arguidos confirmaram que conheciam estes ofendidos do bairro e por serem consumidores de estupefacientes, frequentando a casa sita na ....
Quanto ao facto de naquela habitação se proceder à venda de estupefaciente tal facto resultou das próprias declarações destes ofendidos, sendo que o arguido FF confirmou não só que aquela casa era utilizada como local de consumo, mas também na mesma era guardado estupefaciente. Acresce que, como veremos, o motivo que levou às agressões de a CC e BB prendeu-se com o desaparecimento de uma mala com dinheiro (falso e verdadeiro) que se destinava a ser utilizada como meio de pagamento para aquisição de estupefaciente – isso mesmo foi confirmado pelo arguido QQ e pelos ofendidos CC e BB.
Aliás, a venda de estupefaciente naquela habitação gerou uma investigação no âmbito do processo 19/23.3PEBRR onde o arguido II foi condenado por acórdão transitado em julgado quanto ao mesmo pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, de 22-01, sendo que um dos locais de venda utilizado por este arguido era precisamente a habitação onde vivia QQ e sita na ....
Assim, deu-se como provado o facto constante em 8).
O facto 7) foi confessado pelo arguido QQ e resultou unanimemente das declarações dos demais co-arguidos.
Quanto aos factos constantes em 5), 6), 9) a 26), 47) a 59), 116), 118), 119) e 125) os mesmos resultaram das declarações de BB que confirmou os mesmos. BB confirmou que foi abordado pelo “Bi” (que reconhece como sendo a pessoa fotografada a fls. 149 e que corresponde ao arguido AA) quando se encontrava à porta do prédio sito na ... (e não no local referido em a) dos factos não provados) tendo este colocado o braço em cima do pescoço e referiu o constante em 6), tendo este sido claro que apenas acompanhou o “Bi” por ter sido obrigado com esse gesto físico de AA, tendo ido contra a sua vontade para a habitação sita na ...
Mesmo instado no sentido de apurar se esse colocar de braço sobre o pescoço seria um mero gesto de “aconchego”. A testemunhas descreveu que o “aconchego” foi colocar o braço sobre o pescoço e apertou-o contra si. Instada a explicar se não quisesse acompanhar AA à referida casa a testemunha se poderia tê-lo feito, a mesma foi clara ao referir que foi obrigada a ir. Assim, não está em causa um mero “aconchego” de afeto, mas um ato de violência física que se mostrou suficiente para esta testemunha ficar com medo e não resistir.
Que quem efetuou tal conduta foi o AA resultou das declarações de BB que o identificou como “Bi”, reconhecendo-o em sede de audiência de julgamento na referida fotografia a fls. 149 (sendo que os arguidos foram afastados da audiência de julgamento face ao medo que esta testemunha sentia).
Apesar do arguido AA ter negado que é conhecido como “Bi” tal resultou provado, não só com base nas declarações desta testemunha, mas também das declarações da testemunha DDD, chefe da polícia judiciária que conhece o arguido AA no âmbito das suas funções e que confirmou que “Bi” era a alcunha do mesmo e das próprias declarações do arguido QQ, sendo que tal facto resulta também da análise de fls. 68 verso do Apenso C onde se transcreve uma mensagem que o arguido AA rececionou no telemóvel que lhe foi apreendido e onde o mesmo é identificado por um indivíduo associado à conta n.º ... na referida mensagem por “Bi” (“Bi tens como falar com os teus putos do lavradio? (…)”). Também a fls. 75-75 verso do citado apenso consta uma conversação, via Whatsapp, de AA com um indivíduo com username de “Ze” em que este último para além de apelidar AA de “boss” identifica-o como “Bi” (“fala Bi”).
Também da sessão 625 e 681 referente ao número ..., fls. 107-109 do apenso B é possível identificar a referência ao arguido “Bi” e a sua ligação que o arguido FF e HH tinham com o mesmo.
Assim, dúvidas inexistem que AA era conhecido no seu meio por “Bi” e que foi o mesmo que levou BB para dentro da habitação em causa.
Quanto a quem se encontrava na referida habitação o ofendido BB confirmou que dentro da referida habitação quando entrou com AA encontravam-se cerca de 15 indivíduos entre eles os arguidos QQ, EE, FF, GG, II (que o ofendido conhece por “…”) e HH, infirmando as declarações dos arguidos AA, GG e EE que referiram nem sequer estarem presentes na referida habitação na data em causa, sendo que EE referiu que apenas esteve por poucos minutos naquela casa e já após estarem presentes CC e BB.
Tentou a defesa do arguido EE referir que o mesmo, no momento temporal em que ocorreram estes factos, estava a trabalhar no café explorado pela sua companheira, sendo que terá saído do café cerca das 19h30 e que chegou a casa pelas 20h00 – vide depoimento de OO, companheira do arguido, que relatou que a sua mãe lhe transmitiu que nesse dia o arguido EE saiu do café onde este estava a ajudar a sua mãe pelas 19h30.
O depoimento desta testemunha não mereceu qualquer credibilidade, neste ponto, tendo em conta a parcialidade que demonstrou no seu depoimento.
A testemunha em causa referiu que viu BB, na primeira semana de ..., já depois do dia ...-...-2023, e que não viu nenhuma das lesões documentadas a fls. 190-194, o que era manifestamente impossível face à localização das mesmas e à gravidade destas.
Aliás, é o próprio arguido QQ que refere que EE encontrava-se naquela habitação naquelas circunstâncias de tempo e lugar e que BB, mesmo passados cerca de 20 dias, apresentava o estado em que foi fotografado e cujos fotogramas constam a fls. 190-194 e que o mesmo saiu pela primeira vez da sua casa cerca de 7 a 10 dias depois de ter sido agredido, o que derruba a credibilidade desta testemunha que tem um laço íntimo com o arguido EE.
Acresce que a testemunha PP, amigo de EE, ouvida após comunicação da alteração não substancial de factos, referiu que viu EE naquele dia entre as 18h00 e as 19h15 a se dirigir no sentido da casa sita na ... e cerca de 3 a 4 minutos o mesmo regressou, sozinho e apeado.
Confrontada a testemunha do motivo porque se recordava de tal acontecimento ocorrido há quase dois anos a mesma referiu que não poderia garantir que tal factualidade tenha ocorrido no dia ...-...-2025, mas apenas que via o EE quase todos os dias, não sabendo se o viu naquela data, acrescentando que nada de revelante ocorreu para fixar a sua atenção ou memória.
Ora, esta testemunha não infirma, minimamente, as declarações do ofendido BB, pois nem consegue garantir com certeza se viu EE no dia ...-...-2023, mas apenas que era habitual vê-lo naquele local naquele horário.
Quanto a GG, BB foi claro ao descrever a atuação deste arguido, tendo sido ele que lhe queimou com um cutelo/faca aquecida no bico do fogão, lembrando-se, claramente, de tal atuação por ter tido consequências muito dolorosas para si, o que vai de encontro com as regras de experiência comum que tenha fixado a atuação de GG.
A testemunha BB refere que uma vez no interior da habitação em causa o arguido AA apertou o seu pescoço, sufocando-o e questionou-lhe pela bolsa com os €10.000, o que vai de encontro com o referido pelos arguidos QQ e FF que referiram que tais agressões ocorreram para que BB e CC revelassem onde estava a referida mala com dinheiro, que julgavam que os mesmos haviam subtraído.
Para que BB revelasse onde estava a referida mala a testemunha refere que lhe levaram para um quarto da casa e depois descreveu as diversas agressões de que foi vítima, nos termos dados como provados, por parte de todos os arguidos, com pontapés, murros, com os barrotes de madeira, chicotear com os fios elétricos, queimado com a lâmina aquecida de um cutelo, sendo que quem o queimou foi o arguido GG, bem como deram-lhe com a TV na cabeça, provocando uma ferida na mesma.
O depoimento da mesma mostra-se totalmente consentâneo com as lesões que o ofendido apresentava quando foi fotografado a fls. 190-194 e do relatório pericial de dano corporal a fls. 429-432 verso – queimaduras com forma de lâmina grande e larga, típicas da forma de lâmina de um cutelo, vergões típicos de ser chicoteado e cicatriz extensa no topo da cabeça onde a testemunha refere que foi agredida com o ecrã da televisão -, bem como com os objetos que foram apreendidos na casa em causa – barrotes de madeira, fios elétricos, televisão – vide auto de busca e apreensão a fls. 199-201 e fotogramas a fls. 202-219 e relatório pericial referente à inspeção judiciária da habitação sita na ... a fls. 354-390, sendo que a testemunha descreveu por referência aos fotogramas constantes a fls. 354-390 onde foi agredido, como foi agredido e com que objetos.
A testemunha também confirma que todos os arguidos lhe agrediram, o arguido AA ao apertar-lhe o pescoço e os demais com socos, pontapés nos termos dados como provados, sendo que na referida habitação obrigaram-no a despir-se tendo sido chicotado e queimado quando se encontrava sem roupa (permanecendo apenas de roupa interior).
A testemunha identifica EE como tendo sido aquele que lhe chicoteou com os fios elétricos de forma persistente, o GG queimou-lhe com a lâmina aquecida do cutelo, QQ com socos e pontapés e o arguido HH com pontapés – que estes arguidos admitem –, o arguido II também com socos e pontapés.
A testemunha refere que os arguidos e mais indivíduos que não logrou identificar o rodearam tendo sido agredido de forma indiscriminada, sendo que sentiu que foi agredido por muitas pessoas que estavam naquele quarto, entre as mesmas todos os arguidos, sendo que o próprio arguido HH confirmou que BB estava rodeado no referido quarto por diversas pessoas e que estava a ser agredido com socos e pontapés, sendo que ele próprio desferiu um pontapé no peito da testemunha, tendo confirmado o motivo pelo qual estavam a agredir BB. O mesmo foi confirmado pelo arguido QQ que refere que tomou a iniciativa de agredir este ofendido por forma a que os demais não o matassem com pancada.
Apesar de HH ter confessado que deu apenas um pontapé, ao que julga, no peito de BB este último foi claro ao referir que foi atingido por este arguido com vários pontapés na zona da cara e não no peito.
Mais uma vez, o depoimento deste ofendido mereceu credibilidade até porque demonstrou imparcialidade ao referir que este arguido apenas o agrediu naquelas circunstâncias de tempo e lugar e apenas com pontapés, sendo que após o mesmo lhe ter agredido com pontapés referiu que não o viu mais nem naquele dia, nem nos dias seguintes em que permaneceu naquela habitação.
Acresce que do relatório pericial fls. 1829-1829 verso resulta que dos fios/cabos elétricos encontrados na casa em causa e que BB refere que foram utilizados para o chicotear foi possível extrair de um deles um perfil de ADN compatível com o de FF, o que demonstra que este utilizou o mesmo para agredir o ofendido como referido por este, sendo que do relatório pericial a fls. 1096-1098 verso resulta que o ecrã (LCD) apreendido na habitação em causa foi recolhido vestígios biológicos compatíveis com o perfil de ADN de BB, o que reforça e confirma o depoimento da testemunha BB e a atuação em co-autoria destes arguidos.
BB confirmou que fruto de tais agressões ficou num estado de quase inconsciência – facto 20) – o que é compatível com a brutalidade das agressões a que foi sujeito, comprovadas pelas lesões que, mais de 20 dias depois de ter sofrido as mesmas, apresentava (vide fotogramas a fls. 190-194).
Os factos 21) a 25) foram confirmados pela testemunha BB, sendo que o seu depoimento é também corroborado, no que diz respeitos aos factos 23) a 25), pelo depoimento da testemunha EEE, vizinha de RR, filha da ex-companheira de BB, que confirmou ter visto dois indivíduos de etnia negra, um deles com rastas, à porta de casa de RR, sendo que estavam à procura de uma mala ou saco preto. Esta testemunha também se apercebeu que tais indivíduos estavam em chamada telefónica (não se apercebendo se por vídeo chamada) com BB, já que reconheceu a voz de BB, uma vez que este era seu vizinho quando habitava com a mãe de RR.
A testemunha foi clara ao referir que ela até andou à procura da referida mala com RR, mas não a encontraram, tendo tais indivíduos abandonado o local.
Assim, foi da conjugação deste depoimento, com o depoimento de BB que se deu como provada a factualidade em causa, sendo que BB não hesitou em identificar os arguidos que foram à casa de RR, pessoas que conhecia bem, cujas características físicas não destoam das descritas pela testemunha EEE quanto aos indivíduos que se deslocaram à casa de RR.
O facto 26) foi confessado pelo arguido QQ, sendo que BB confirmou que lhe falaram de CC no que diz respeito ao desaparecimento da mala, motivo pelo qual este último quando chegou à habitação em causa foi colocado no mesmo quarto onde este estava e foi, também ele, agredido.
Já não resultou provado que BB tenha negado aos arguidos a participação de CC no desaparecimento da mala (facto não provada b)), até, como referiu o arguido QQ e foi confirmado por CC, este último, quando já se encontrava na casa e ciente do motivo pelo qual tinha sido para ali levado e agredido, discutiu com BB por ter sido ele que tinha mencionado o seu nome como alguém que teria a mala em causa – facto 26).
Mas as agressões a BB não se ficaram por aqui.
Como bem foi referido por esta testemunha o mesmo foi, ainda, agredido uma segunda vez, já após terem regressado da casa de RR – factos 47) a 51).
O ofendido BB é claro ao referir que foi novamente agredido com socos e pontapés, tendo nessa altura EE dito a quem lhe estava a agredir para não o marcarem na cara.
BB foi isento ao ponto de referir que neste momento temporal HH não o agrediu não o tendo mais visto naquela casa após ter sido agredido na primeira vez.
BB também descreveu como um dos arguidos presentes neste momento temporal, não sabendo concretizar qual, lhe colocou um saco de plástico na cabeça enquanto lhe tornavam a agredir com as ripas de madeira, tipo barrote, o que fez com que este sentisse que estava a sufocar, tendo conseguido romper o saco, momento em que EE ordenou que as agressões cessassem, o que foi acatado – factos 49) a 51).
Esta testemunha é também isenta ao ponto de ter referido que esta foi a última vez que o agrediram fisicamente, daí ter-se dado como não provado os factos constantes em g) e h). BB também não confirmou a factualidade constante em f).
Quanto aos factos 52) a 59) os mesmos foram, mais uma vez, confirmados pelo depoimento de BB.
Apesar do que foi referido pelos arguidos que prestaram depoimento na audiência de julgamento e que afirmam que BB após as agressões estava livre na sua pessoa e que foi ele que optou ficar a residir naquela habitação por não ter para onde ir, sendo que a casa em causa não tinha qualquer fechadura, estando as portas abertas, o que permitiria o arguido sair daquele local, certo é que essa versão dos factos foi infirmada pelo depoimento deste ofendido, sendo que esta versão dos arguidos vai contra as mais básicas regras de experiência comum.
Alguém que é transportado contra a sua vontade para um local onde é agredido durante várias horas de forma selvática – batido com pontapés, socos, paus, é chicoteado com cabos de eletricidade e é queimado, em vários locais do seu corpo, com uma lâmina aquecida de uma arma branca e ainda é ameaçado, nos termos constantes no facto 57), por muito que não tenha para onde ir não iria permanecer naquele local, arriscando-se a voltar a ser agredido ou até a perder a sua vida.
O ofendido BB referiu que mal foi liberto ainda hesitou em apresentar queixa, por medo, mas acabou por fazê-lo e mal conseguiu foi para o ... onde vive numa situação de sem abrigo.
Note-se que não foi a situação de não ter onde morar que impediu BB de fugir do ..., pelo que também não seria o facto deste não ter onde morar que levaria BB a permanecer naquela habitação onde tanto tinha sofrido com as agressões praticadas pelos arguidos, pessoas que já conhecia de frequentarem, precisamente, tal habitação.
Aliás, é o próprio arguido QQ que confirma que imediatamente antes destes factos havia convidado BB a viver naquela casa, mas que este recusou. Ora, se mesmo antes destes factos BB recusou viver naquela casa onde, aliás, teria fácil acesso, ao estupefaciente de que é dependente, muito menos faz sentido que aceitasse ficar naquela casa após ter sido agredido da forma que se deu como provado.
Acresce que é o próprio arguido QQ que refere que BB ficou na sua casa, pelo menos, 20 dias após estes factos e que nos primeiros 7 dias o mesmo não conseguia sair de casa, face aos seus ferimentos. O que este arguido nega é que este estivesse privado de liberdade.
Alegou a defesa dos arguidos que BB não foi privado da sua liberdade enquanto lá permaneceu com base no facto da casa não ter fechaduras nas portas e pelo facto deste ter sido visto poucos dias após estes factos a circular livremente pelo bairro do ....
O ofendido BB refere que o quarto onde foi retido não tinha fechadura na porta, mas a porta tinha um cadeado que fechava a mesma.
Por outro lado, o quarto em causa tinha grades na janela o que impedia que o mesmo fugisse – facto confirmado pelas declarações do arguido II que referiu que o quarto em causa tinha uma janela, mas a mesma tinha grades.
Todos os arguidos referiram que a casa não tinha fechaduras em nenhuma das portas, sendo que QQ referiu que fechava a porta de entrada com um pau que encostava à mesma.
Tentou a defesa de HH e EE sustentar a versão dos arguidos nesta parte com a junção de um vídeo das buscas efetuadas na referida habitação no dia ...-...-2023 (link do vídeo constante no requerimento da defesa destes arguidos datado de ...-...-2024 – ref. 50827128).
A visualização do referido vídeo não infirma, de todo, o depoimento de BB já que do mesmo apenas se logra verificar que a porta de entrada da habitação está aberta, desconhecendo-se se esta tem ou não fechadura ou trinco (vê-se a maçaneta da porta) e quanto aos demais quartos da habitação e no se refere à existência ou não de cadeados nas portas ou trincos o vídeo em causa nada esclarece.
Do vídeo o que se logra ver é que as janelas da habitação têm gradeamento e apenas uma delas não tem esse gradeamento, sendo que esta corresponde à janela da cozinha e não à do quarto onde se encontrava BB. Isso mesmo também resulta dos fotogramas a fls. 356-357.
Da análise dos fotogramas referentes à inspeção judiciária à referida habitação e em concreto ao quarto identificado como quarto 1 a fls. 386, quarto que BB referiu ser aquele em foi agredido e depois fechado, também não se logra infirmar as declarações deste ofendido.
O que se logra concluir é que é nessa divisão da casa onde mais vestígios hemáticos foram encontrados e cujo perfil de ADN é idêntico ao perfil de BB – vide relatório pericial referente à inspeção judiciária da habitação sita na ... a fls. 354-390 e relatório pericial referente à identificação os perfis de ADN encontrados nos vestígios e objetos recolhidos na referida habitação – fls. 1096-1098, o que sustenta, mais uma vez, o relato deste ofendido.
Por outro lado, e como foi referido pelos ofendidos CC e BB e confirmado pelas testemunhas FFF e GGG, consumidores de estupefacientes, naquela casa vendia-se estupefaciente, sendo que é o próprio arguido QQ que confessa que na sua casa também existiam armas.
Ora, uma casa com droga e armas num bairro como o ... onde a criminalidade é elevada vai contra as mais básicas regras de experiência comum que aquela habitação não tivesse o mínimo de segurança para armazenar o estupefaciente e as armas.
Quanto ao facto alegado pela defesa dos arguidos de que BB foi visto a circular livremente no bairro poucos dias após o dia ...-...-2023 e que foi confirmado pelos arguidos e pelo depoimento de OO, companheira do arguido EE, como vimos, o depoimento desta testemunha não mereceu qualquer credibilidade, neste ponto, tendo em conta a parcialidade que demonstrou.
A testemunha em causa referiu que viu BB, na primeira semana de ..., já depois do dia ...-...-2023, e que não viu nenhuma das lesões documentadas a fls. 190-194, o que era manifestamente impossível face à localização das mesmas e à gravidade destas – note-se que este ofendido para além da grave queimadura que tem na perna direita, tem duas queimaduras no braço direito que seriam visíveis a olho nu e uma grande cicatriz no topo da sua cabeça.
Aliás, é o próprio arguido QQ que refere que EE encontrava-se naquela habitação naquelas circunstâncias de tempo e lugar e que BB, mesmo passados cerca de 20 dias, apresentava o estado em que foi fotografado e cujos fotogramas constam a fls. 190-194 e que o mesmo saiu pela primeira vez da sua casa cerca de 7 a 10 dias depois de ter sido agredido, o que derruba a credibilidade desta testemunha que tem um laço íntimo com o arguido EE.
Tendo em conta a extensão, localização e gravidade das queimaduras sofridas por BB e da dimensão da ferida que sofreu na sua cabeça, lesões visíveis nos fotogramas a fls. 190-194 com mais de 20 dias passados desde que BB sofreu as mesmas e tendo em conta que para o tratamento de tais queimaduras e ferida apenas foi utilizado “Betadine” e “Bepanthene” tornar-se-ia muito difícil, mesmo que BB estivesse livre na sua pessoa, deste andar de forma normal pelo bairro sem que se notasse as graves lesões que tinha.
Tentou a defesa explorar o teor de fls. 71 (auto de diligência externa) para confirmar que BB foi visto a deambular livremente pelo bairro no período em causa.
O teor de tal aditamento foi esclarecido pelos inspetores HHH, III e JJJ.
Da conjugação dos seus depoimentos resulta que o inspetor IIIcontatou o arguido AA para aferir se o mesmo sabia do paradeiro de BB, facto confirmado pelo próprio arguido AA. Cerca das 17h00 do dia ...-...-2023 o referido inspetor recebe uma videochamada, via whatsapp, de AA onde lhe transmitiu que havia visto BB na rua. Mais esclareceu que no momento da chamada AA encontrava-se na rua e filmou alguém que o mesmo disse ser BB, mas que o inspetor não logrou reconhecer já que apenas viu a pessoa de trás, a ir-se embora do local, tendo apenas visibilidade para o peito e para as pernas, estando o mesmo de t-shirt e de calças de ganga. A testemunha em causa foi clara que não logrou ver claramente a cara da pessoa e também não consegue afirmar se a mesma tinha lesões, se cambaleava a andar, nem mesmo logrou referir as características da pessoa em causa, não tendo sequer a certeza que se tratasse de um indivíduo de raça caucasiana. Perante esta chamada comunicou o teor da mesma ao inspetor chefe JJJ.
Por seu lado, a testemunha JJJ confirmou o que lhe foi transmitido pelo inspetor CCC, tendo também confirmado que, apesar dessa informação, não ficaram convencidos que BB já estivesse livre e por isso continuaram nesse mesmo dia com diligências junto do ... para tentar recolher informações sobre o paradeiro de BB.
Por fim, o inspetor KKK foi claro ao referir que foi ele o autor do auto de diligência externa a fls. 71, sendo que ao reler o seu teor afirma que o mesmo não estava inteiramente correto e a sua redação deveu-se ao estado de cansaço em que se encontrava, já que em nenhum momento, quer os inspetores CCC e JJJ lhe afirmaram que viram e reconheceram BB. A identificação da pessoa que AA filmou na vídeo chamada apenas foi por este indicada, sendo que AA (que é a “fonte” humana referida a fls. 71) é que afirmou não ter dúvidas que aquela pessoa era BB.
Também esta testemunha referiu que apesar do que foi transmitido por AA o mesmo não ficou convencido que BB já estivesse liberto e por isso as diligências para aferir do seu paradeiro continuaram.
Assim, da análise destes depoimentos resulta que a afirmação de que BB estava livre proveio de AA, pessoa interessada em que a PJ não continuasse a investigar do paradeiro de BB.
AA foi alertado pelo inspetor chefe, …, para o desaparecimento de BB, e face à sua participação nos factos de que este último foi vítima, claramente montou este estratagema para ludibriar a investigação.
Alguém com a gravidade das lesões de BB não anda de forma normal na rua. Acresce que é o próprio arguido QQ que afirma que BB não saiu nos primeiros 7 dias da sua casa, tendo sido ele que ajudou o mesmo a tratar das suas feridas.
Toda esta sua atuação só reforça a credibilidade das declarações deste ofendido que nada tem a ganhar com o desfecho deste processo, tanto mais que nem deduziu pedido de indemnização.
Por fim, diga-se que o depoimento deste ofendido tem lógica até visto à luz das regras de experiência comum. Face à gravidade das lesões de BB é normal que os arguidos não pretendessem que o mesmo ficasse imediatamente liberto para que terceiros não vissem e o questionassem sobre o seu estado ou que BB fosse apresentar queixa demonstrando todas as lesões que apresentava. Note-se que, como referiu BB, os arguidos foram ao ponto de descartar a roupa que este tinha vestido e a sua documentação pessoal, tudo numa tentativa de apagar registos da sua atuação.
A testemunha BB descreveu com precisão todo o tempo que esteve privado da liberdade, sendo enfático ao referir que na primeira semana passou fome, já que lhe deram muito pouca comida e nem um analgésico para as dores lhe deram. Também foi claro ao identificar quem o guardou durante este período.
Mas a objetividade desta testemunha vai ao ponto de referir que esta situação de lhe darem pouca comida apenas perdurou cerca de uma semana, já que depois EE passou a trazer-lhe comida diariamente.
O que fica por explicar cabalmente é a atuação da PJ ao não intervir mais cedo junto da habitação em causa, sendo que CC foi claro ao referir que BB havia ficado retido na referida habitação. Pelos inspetores em causa foi referido que efetuaram diligências no bairro para aferir do paradeiro de BB e que só não proveram por intervir junto da referida habitação pois a mesma estava sob vigilância no âmbito do processo 19/23.3PEBRR, do JCC de Almada, J5, em que estava a ser investigado a atividade na referida residência de tráfico de estupefaciente.
O que se poderá questionar é a opção que foi tomada pela investigação, mas tal opção não pode e nem deve beliscar a credibilidade deste ofendido que de forma espontânea, clara e até objetiva descreveu os factos de que foi vítima, apesar da gravidade dos mesmos e de todo o sofrimento que passou e que ainda hoje o assombra.
Esta vítima apesar de claramente aterrorizada não se inibiu que depor e de identificar não só a atuação de cada um dos arguidos, mas também o motivo que levou a que estes agissem desta forma e a atividade de tráfico que estava por detrás desta atuação e que se desenrolava naquela casa, que como veremos está na gênese da atuação em co-autoria destes arguidos.
O facto constante em 57) resultou provado com base no depoimento de BB e da análise da prova documental e pericial a fls. 354-390.
Como vimos o arguido II negou a prática destes factos e referiu que decidiu experimentar uma arma de fogo pequena que um indivíduo de etnia cigana trouxe e que a mesma disparou acidentalmente, não sabendo que esta estava carregada. Menciona que ele, o BB e mais dois indivíduos encontravam-se sentados no sofá localizado em frente à TV a jogar playstation e o disparo acabou por acertar um outro sofá – o beije, que estava a cerca de 2 metros de BB, tendo este último começado a rir.
Esta versão do arguido foi totalmente infirmada pelo depoimento do ofendido BB, sendo que o seu depoimento mostra-se ancorado no relatório pericial de inspeção judiciária efetuada à habitação de QQ e onde é possível verificar-se no sofá que BB refere que estava sentado um orifício (vestígio n.º 5) que trespassa por completo o encosto e cuja origem é compatível com um disparo de arma de fogo. Da análise de tal vestígio logrou-se estabelecer uma trajetória provável do projétil que provocou a perfuração no encosto do sofá, sendo que tendo como referência o observador na posição do atirador, essa trajetória foi de cima para baixo. O projétil evoluiu perfurando a face anterior do encosto do sofá, percorrendo o seu interior até sair na face posterior do encosto do sofá.
Ora as conclusões constantes do referido relatório pericial mostram-se totalmente consentâneas com o depoimento do ofendido, quer no que diz respeito à dinâmica do tiro (de cima para baixo, sendo que II estava de pé quando apontou a arma à cabeça do ofendido), quer quanto à posição do ofendido (sentado com a cabeça no encosto do sofá).
Acresce que nenhum outro vestígio compatível com tiro foi encontrado em outro sofá, o que derruba a versão do arguido.
Por fim, diga-se que o ofendido havia sido brutalmente agredido pelos arguidos, entre eles o arguido II e, como tal, vai contra as mais básicas regras de experiência comum que este ofendido estivesse a conviver pacificamente com este arguido que havia participado nas agressões bárbaras de que foi vítima e muito menos que risse quando um tiro é disparado pelo mesmo dentro da habitação onde este estava cativo.
O que não se logrou provar é que II pretendesse atentar contra a vida de BB. Aliás, é o próprio ofendido que de forma imparcial refere que o arguido agiu dessa forma apenas para o intimidar, já que atendendo à distância próxima com que disparou se quisesse atingi-lo não falharia o alvo, sendo que esta conduta do arguido II insere-se em mais uma das condutas ameaçadoras e até de tortura psicológica de que foi alvo enquanto permaneceu em cativeiro.
Assim deu-se como não provado o facto p).
Quanto à atuação dos arguidos sobre o ofendido CC:
Os factos 27) a 33) foram confirmados pelo depoimento de CC que apesar de ter confessado estar com medo, até porque havia sido ameaçado para retirar a queixa que fez nestes autos, logrou descrever com precisão e isenção os factos tais como os mesmos resultaram provados.
Assim, CC explicou o motivo de estar a residir temporariamente na habitação sita na ... bem como o facto de ter aberto a porta da habitação quando bateram, cerca das 19h00, por achar que era a dona da referida habitação.
Assim, não resultou provado que os arguidos em causa tenham usado a força física para entrarem na referida habitação, tendo CC aberto, voluntariamente, a porta de casa – factos não provados c) e o).
CC foi claro ao referir que conhecia os arguidos, já antes destes factos e pelo facto de frequentar a casa sita na ..., no ..., onde costumava adquirir estupefaciente. Também foi isento ao ponto de referir que no dia em causa havia consumido cocaína (crack), no total de duas quartas (€20), a última das quais, por volta da hora do almoço, sendo que quando chegaram os arguidos já não estava alterado pelo consumo de tais substâncias já que o efeito do seu consumo, naquela quantidade apenas lhe durava cerca de 15 minutos.
Ora, tendo em conta que o consumo deste tipo de estupefaciente atua sobre o sistema nervoso central, provocando aceleração dos batimentos cardíacos, aumento da pressão arterial, dilatação das pupilas, suor intenso, tremores, excitação, maior aptidão física e mental, sendo os efeitos psicológicos de euforia, sensação de poder e aumento da auto-estima a perceção da realidade por parte deste ofendido nunca poderia estar distorcida pelo consumo deste tipo de estupefaciente.
Tendo a testemunha sido clara quanto à identificação de quem entrou na casa onde se encontrava e quem estava no carro para onde foi transportado, conhecendo os arguidos mesmo antes destes factos o tribunal concedeu total credibilidade ao seu depoimento em detrimento das declarações do arguido QQ que referiu que CC foi encontrado na rua, na Zona F, no ....
Esta testemunha foi clara ao referir que conhece os arguidos AA, EE, II, HH e QQ há mais de 10 anos de contatar com os mesmos no ...e os arguidos GG e FF cerca de 1 mês antes destes factos de os ver diariamente na habitação de QQ, habitação essa que descreveu com pormenor, tendo sido a mesma que efetuou o croqui a fls. 98 e que corresponde à real configuração da habitação como podemos verificar do relatório de inspeção à referida habitação a fls. 354-390.
Note-se que CC reconheceu pessoalmente os arguidos AA (fls. 1562-1563), GG (fls. 1031-1032), FF (fls. 1036-1037), II (fls. 1552-1553), HH (fls. 1554-1555) e EE (fls. 1556-1557), sendo que conhece QQ da casa em causa, facto confirmado pelo próprio arguido QQ que até assumiu que é conhecido pela alcunha “...”, nome pelo qual CC o trata.
Assim, dúvidas inexistem quanto ao facto de CC conhecer todos os arguidos, inexistindo qualquer possibilidade do mesmo ter confundido a identificação dos mesmos.
CC também foi claro ao referir que os arguidos que entraram na sua casa revistaram a mesma e que GG levou dessa casa um pau de madeira com punho, com pormenores azuis e encarnados.
Tal pau foi apreendido no interior da casa sita na ..., no Vale da Amoreira – vide auto de apreensão a fls. 199-201, fotogramas a fls. 206 – sendo que o mesmo foi reconhecido pelo ofendido CC como sendo o pau que retirado da sua habitação face às suas características específicas (punho com pormenores azuis e encarnados) – vide auto de reconhecimento de objetos a fls. 263.
Assim, deram-se como provados os factos constantes em 29) e 122).
Também descreveu como foi levado para o interior do carro – agarram-no pelos braços – não tendo este resistido a tal atuação porque sabia que se resistisse iria ser agredido até porque lhe disseram que BB havia dito que era ele quem tinha a mala com o dinheiro. Aliás, também para sair do veículo em que foi transportado e que a testemunha foi clara ao referir que era conduzida por EE, também foi agarrado pelos braços pelos arguidos QQ e GG e levado para o mesmo quarto onde já se encontrava BB já todo batido e ferido. CC sabia para onde estava a ser transportado e se não fosse obrigado a ir para aquela casa não haveria necessidade de lhe agarrar nos braços para fazer que este acompanhasse aqueles arguidos para a referida habitação.
Assim, conclui-se que CC foi transportado e levado para aquela habitação contra a sua vontade, usando os arguidos em causa a sua superioridade física, por estarem em maior número e desta forma agarrarem nos braços do mesmo, conduzindo-o para onde os arguidos combinaram entre si e tendo sido obrigado a lá permanecer pelos arguidos que CC identificou sem qualquer dúvida, tendo-se dado como provado o facto 46).
Quanto aos factos 34) a 45) os mesmos foram, mais uma vez, confirmados, na íntegra, pelo depoimento assertivo de CC, sendo que o seu depoimento mostra-se consentâneo com o depoimento de BB e com a prova documental e pericial que enumeraremos.
CC para além de ter identificado quem o levou para o interior do primeiro quarto onde acabou por ser agredido foi explícito ao referir que no mesmo quarto já se encontrava BB já todo batido e ferido, sendo que o mesmo estava apenas com roupa interior, sendo que a si também lhe obrigaram a tirar a roupa, tendo ficado apenas com a roupa interior – tudo em consonância com o referido pela testemunha BB.
Depois CC descreveu com rigor e com o detalhe que lhe foi possível (isto atendendo à forma como foi agredido e ao número de pessoas que lhe agrediram) não só o motivo pelo qual foi agredido, bem como quem lhe agrediu e como – factos 35), 36) e 38), tendo identificado cada um dos arguidos que lhe agrediu.
CC foi claro ao referir que II não o agrediu mas estava presente no grupo e foi ele que limpou o sangue do chão quando tal foi ordenado pelo arguido EE – facto 41).
Tendo em conta a presença de II naquele local, o seu papel na agressão prévia de BB estando em causa o mesmo motivo – o desaparecimento da mala com o dinheiro – o tribunal não teve quaisquer dúvidas em dar como provado a participação de II em co-autoria com os demais arguidos, ainda que este não tenha agredido fisicamente CC.
Este arguido estava presente e com a sua presença fez com que CC permanecesse naquele local contra a sua vontade, sendo que em nenhum momento temporal o arguido II demarcou-se da atuação dos demais arguidos, o que podia fazer facilmente saindo daquele local e chamando a polícia.
A descrição que CC faz da forma como foi agredido mostra-se totalmente conforme com as lesões que o mesmo apresentava quando foi liberto, lesões mostram-se fotografadas a fls. 52 a 54, sendo que o mesmo apresenta vergões pelo corpo, com especial enfoque nas costas, compatíveis com a utilização de cabos elétricos dobrados, com características idênticas aos apreendidos naquela habitação – vide o já relatório pericial da inspeção judiciária efetuada àquela habitação a fls. 354 a 390.
Esta testemunha também foi clara ao referir que FF e HH o agrediram com um pau de madeira e que foi GG que ao desferir várias chicotadas no seu corpo, um desses golpes o atingiu junto do olho direito, levando-o a ficar prostrado no chão e a sangrar de forma abundante. Tal lesão resulta também do relatório pericial de avaliação do dano corporal deste ofendido a fls. 314-317 e dos fotogramas a fls. 52-54.
Aliás, é o próprio arguido QQ que confirma a forma como CC é agredido, ainda que não tenha querido identificar quem o fez, tendo apenas assumido que ele desferiu pontapés e murros em CC.
O facto 39) foi confirmado por CC ainda que tenha referido que este arguido não lhe apontou a arma, mas que detinha e segurava a mesma.
Os factos 42) e 43) foram confirmados por este ofendido e pelos arguidos QQ e II.
Os factos constantes em 44) e 45) os mesmos resultaram da conjugação dos depoimentos do fendido CC, de AAA, da informação a fls. 15 a 20 e auto de notícia a fls. 2-10 (com especial enfoque para fls. 8 e 9), sendo que o mesmo foi confirmado pelo depoimento de HHH e de KKK, inspetores da Polícia Judiciária e ainda fotogramas da viatura a fls. 182-186.
O ofendido confirmou a referida factualidade, indo ao ponto de confirmar a marca do veículo utilizado para o transportar de volta a casa e que, efetivamente, corresponde à marca do veículo em causa.
Tal veículo conforme decorre da prova documental a fls. 15 a 20 foi alugado pela testemunha AAA de ...-...-2023 a ...-...-2023, tendo esta testemunha confirmado que no segundo mês em que tinha a viatura cedeu-a ao arguido AA por 2 ou 3 semanas e que nesse período a mesma teve uma avaria em ...-...-2025 e perante isso, a testemunha devolveu o veículo à locadora.
Decorre do auto de diligência a fls. 165, confirmado pelo depoimento da testemunha DDD, inspetor chefe da PJ, que a viatura em causa foi, efetivamente, entregue nas instalações da ... no dia ...-...-2023, tendo recebido assistência técnica por bateria descarregada no dia ...-...-2023.
Acresce que no dia ...-...-2023, um dia após o ofendido CC ter sido restituído à liberdade, o arguido AA foi visto por inspetores da PJ dentro do citado veículo conjuntamente com o arguido FF, tendo os mesmos sido abordados e identificados pelos inspetores – vide auto de notícia a fls. 2-10 (com especial enfoque para fls. 8 e 9), sendo que o mesmo foi confirmado pelo depoimento do inspetor da PJ, HHH.
O próprio arguido AA, em sede de audiência de julgamento, confirmou que utilizou o referido veículo e que era ele que conduzia o mesmo quando foi abordado pela PJ, estando consigo FF.
Acresce que a testemunha CC foi clara e precisa ao identificar o arguido AA como tendo aquele que conduzia o veículo em causa, bem como tendo sido este arguido que proferiu as expressões constantes em 45). Esta testemunha não teve quaisquer dúvidas em identificar este arguido não só porque já o conhecia bem antes dos factos, como reconheceu a sua voz, tendo sido AA que no trajeto para a sua casa mais falou.
Face ao exposto, deram-se como provados os factos constantes em 44) e 45).
Já não resultou provado que FF acompanhasse AA nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 44), uma vez que tal factualidade não foi confirmada por este ofendido e inexiste outra prova que confirme a mesma. Assim, justificou-se a não prova do facto constante em e).
Os factos 60) a 62) resultaram da análise do exame pericial de avaliação de dano corporal a fls. 429-432 verso e os factos contantes em 63) e 64) assentaram na análise da ficha de urgência a fls. 172-176, 759-763 e da análise do exame pericial de avaliação de dano corporal a fls. 314-316.
Que todos estes arguidos agiram em comunhão de esforços e vontades e mediante plano entre eles traçados com vista a descobrirem o paradeiro da mala com o dinheiro e com notas falsas que havia desparecido daquela habitação resulta de toda a factualidade objetiva já supra descrita, sendo que todos estes arguidos, mesmo o arguido II pelos motivos que já referimos, aceitaram os atos que cada um praticou, sempre com o mesmo fim.
Todos estes arguidos estão ligados entre si pelo envolvimento no tráfico de estupefacientes que se efetuava naquela habitação. Note-se que o arguido II foi condenado no âmbito do processo 19/23.3PEBRR, do JCC de Almada, J5 por vender estupefaciente naquela habitação, sendo que no âmbito da busca efetuada à referida habitação foi apreendido produto estupefaciente o que vai de encontro ao que foi referido pelo ofendido CC que frequentava a referida habitação para adquirir estupefaciente para o seu consumo.
Por seu turno, e ainda que não se mostre acusado nestes autos, resulta do exame ao telemóvel que é de AA, o seu envolvimento no tráfico de estupefacientes – vide auto de exame ao conteúdo de telemóvel a fls. 68-79 verso do apenso C. Das conversações tidas através das aplicações Signa e whatsapp e imagens nelas constantes resulta claro esse envolvimento do arguido.
Note-se, com relevo para estes factos, temos uma conversação que este arguido tem com indivíduo que tem como nome de utilizador “LLL” – de ...-...-2023 a ...-...-2023 em que o arguido afirma que tem “notas boas para a gente dar aí uma banhada”, insistindo para que “LLL” sugira alguém, pelo que este sugere um indivíduo do MMM ou do ..., intitulado “...”.
Ora, o que esteve na gênese dos raptos de BB e CC foi, precisamente, o desaparecimento de uma mala que tinha dinheiro destinada a dar uma “banhada” a um traficante, como bem esclareceu o arguido QQ, sendo que os arguidos FF, EE e HH sabiam que as agressões a estes ofendidos estavam ligadas ao facto de ter desaparecido uma mala com dinheiro da casa sita na ....
Apenas os arguidos GG (em sede de primeiro interrogatório) e o arguido II referiram que não sabiam o motivo de tais agressões, mas, mais uma vez, as declarações dos mesmos não mereceram a mínima credibilidade.
Tais arguidos estavam presentes durante tais agressões e participaram nas mesmas, sendo que o arguido GG teve um papel preponderante ao queimar BB com a lâmina aquecida de uma arma branca.
Acresce que eram frequentadores assíduos da referida casa pelo que era impossível que não soubessem do plano e o motivo das agressões.
Assim, todos os arguidos conheciam o motivo que levou a ser implementado o plano de raptar e de torturar estes ofendidos por forma a que estes devolvessem a referida mala com dinheiro que serviria para dar uma “banhada” a um traficante.
Ora, como referiu o inspetor BB neste expediente quem recebe tal mala acaba por receber menos dinheiro verdadeiro do que o devido já que é enganado com a mistura de dinheiro falso e dinheiro verdadeiro. No entanto, é sempre junto dinheiro verdadeiro pois só assim o ardil funcionará. Aliás, só assim se justifica todo este plano engendrado e executado pelos arguidos, pois se se tratasse de meras notas falsas não se exporiam desta forma, correndo até o risco de se descobrir a atividade a que se dedicavam.
Todos os arguidos não podiam deixar de saber que tais ofendidos estavam retidos naquele local contra a sua vontade, sendo continuamente agredidos de forma violenta e degradante, indo ao ponto de terem obrigado os ofendidos a despirem a sua roupa e ficarem de roupa interior enquanto eram espancados e chicoteados e o arguido BB queimado, tudo com o fito destes dizerem onde estava a referida mala com dinheiro e devolveram-na.
Assim, deram-se como provados os factos contantes em 116), 118), 119), 122 e 125).
Quanto à prevalência dos arguidos EE e AA na execução desta atuação:
CC foi claro ao referir que EE disse, várias vezes, que quem mandava naquela casa era ele, bem como a mostrar o estupefaciente a terceiro, referindo que era de boa qualidade. Também refere que viu AA a trazer estupefaciente e armas para aquela casa.
O depoimento deste ofendido vai de encontro à conduta que cada um destes arguidos assumiu no rapto destes ofendidos. EE tinha uma função de liderança, pois é ele que ordena que não marquem o ofendido, ou que as agressões cessem. Também é ele que ordena a II que limpe o sangue que estava no chão, fruto das feridas provocadas nestes ofendidos.
Também da sessão 61 do alvo ..., fls. 92-93 do apenso B resulta uma conversação entre o arguido HH e um indivíduo não identificado em que este solicita a HH que lhe arranje estupefaciente e que já havia falado com EE e que o mesmo havia dado autorização para ir buscar o estupefaciente – “Tenho aqui dez pauzitos meu. Arranja-me duas cenas”. Tendo também transmitido a HH nessa sequência que “Eu já falei com o EE. Eu tive hoje com ele à tarde nas bombas. E eu até lhe falei: opá diz lá ao rapaz meu pra mim ir buscar à vontade. Ele: eu vou dizer-lhe, não te preocupes.”
Por outro lado, da análise do telemóvel da testemunha NNN a fls. 60-65 verso resulta que apesar de QQ ser o dono de facto daquela habitação ele próprio era maltratado e de certa forma “praxado” nos termos constante das imagens a fls. 65.
A posição de liderança de AA também resulta da análise das mensagens constantes da aplicação instagram constante do telemóvel do arguido AA – vide apenso C, fls. 68 verso-69. Ainda que tais mensagens sejam datadas com data posterior aos factos são próximas dos mesmos e demonstram a continuação do papel deste arguido.
Inexistem quaisquer dúvidas quanto ao facto deste telemóvel pertencer ao arguido, pelo teor das mensagens nele constantes.
Apesar do nome atribuído a este telemóvel de marca iphone ser “iphone da OOO”, o seu teor comprova que este pertencia a AA, sendo que PPP é a companheira atual do arguido AA, tal como a mesma confessou em sede de audiência de julgamento.
Assim, o arguido AA tem uma conversa com “QQQ” nos dias 14 e 15-11-2023 sobre uma situação ocorrida com um indivíduo de nome “FF” referindo que este indivíduo “só faz merda aqui no lavradio” e que se encontrava na companhia de “um dos teus putos que tem uma tatuagem no pescoço”, sendo que AA responde que “já vamos resolver”, esclarecendo que “ele é meu puto”, sendo que termina dizendo que “ele vai vos pedir desculpa”.
Também recebeu mensagens de um indivíduo associado à conta n.º ... referindo “Bi tens como falar com teus putos do ...? Eles vieram aí fazer confusão na minha casa. (…) Acho que só tu podes flr com eles.”
Também através da aplicação Whatsapp um utilizador “Zé” que o trata por “Boss”.
Da sessão 625 fls. 107-108 do apenso B resulta a ligação de FF e de HH com AA que apelidam de “Bi”, sendo que tal ligação também resulta do teor dos autos de diligência de fls. 605-607 e 806-813.
Tal posição de liderança do arguido AA resulta também do teor da sessão 702 a fls. 115-116 do apenso B onde HH é chamado por um indivíduo não identificado referindo que “…” – o arguido FF – quer falar com ele, mas que tem que ser rápido porque estão saindo em missão – “nós tá indo naquela missão lá do Bi lá, nós tá indo pegar o cavalo agora.”
Também é AA que ao deixar CC em liberdade diz se ele fosse fazer queixa à polícia que tratavam dele e na situação do rapto de DD é o próprio FF que refere que “O Bi mandou tirar a t-shirt da boca dele”, ao que é repreendido por GG por dizer o nome do patrão em frente de DD, demonstrando a relação entre estes arguidos e o arguido AA.
A relação de liderança de AA para com o arguido FF também resulta dos itens 67 a 80 (fls. 97 verso a 99 verso do apenso C) e que através de uma sequência de mensagens de texto, fotografia e ficheiro áudio, trocadas entre este arguido e o seu progenitor (em ...-...-2023) o primeiro se queixa que AA o vai expulsar de casa - na altura o arguido FF estava a residir na ... -, porque o mesmo levou os filhos para aquele local. Justificou a situação ao progenitor dizendo “Eu sei que não é o lugar deles, até o Bi brigou comigo (…) vai lá buscar seus filhos, a altas horas da noite (…) trás para cá para uma boca dessa de aqui. Quantas vezes eu te falei que não quero filhos seus aqui em cima (…).” Ora, a expressão “boca” é comumente utilizada para designar um local onde se vende droga.
Essa conversação também destrói as declarações do arguido AA quando refere que nunca esteve na casa sita na ... e que nada tem a ver com a mesma, sendo que do auto de diligência a fls. 605-606 o mesmo é visto junto à referida casa.
Quanto à atuação sobre o ofendido DD (P. 56/23.8JBLSB) - factos 65) a 109), 120), 117), 118), 120), 121) e 125):
A referida factualidade resultou provada com base nas declarações do ofendido DD, conjugado com os depoimentos das testemunhas RRR, SSS, OO, TTT, UUU, TT, KK, VVV e os inspetores da PJ, DDD e BB, bem como com a prova documental e pericial que se elencará em infra.
Relevante para esta factualidade também foram as declarações dos arguidos FF e QQ.
O ofendido DD confirmou a factualidade constante em 65), sendo que o seu depoimento, nesta parte, foi confirmado pelo depoimento da testemunha OO, dona da casa onde DD habitava.
DD confirmou como saiu de casa cerca das 08h30 em direção à sua viatura que confirmou ser a fotografada a fls. 57 do apenso 56/23.8JBLSB, sendo que também confirmou que a sua viatura estava estacionada em segunda fila, tal como retratado a fls. 57, e que quando se preparava para entrar na sua viatura foi subitamente abordado por três indivíduos que tinham vestidos passa-montanhas e pelo menos duas armas de fogo, uma pistola e um revólver.
O arguido refere que, posteriormente, logrou identificar um desses indivíduos como sendo GG, sendo que era ele que detinha uma pistola. Esclareceu que antes nunca tinha visto GG, mas pela sua voz e pelo facto deste, depois de estar já na casa sita na ..., ter tirado o passa- -montanhas logrou identifica-lo, até porque no trajeto que fizeram até à referida habitação GG seguia ao seu lado no banco de trás e agrediu-o com murros e com a coronha da arma na cabeça, pelo que fixou a sua voz.
Acresce que o ofendido DD reconheceu presencialmente o arguido GG como um dos autores destes factos, não tendo qualquer dúvida na sua identificação – vide auto de reconhecimento a fls. 1033-1035 dos autos principais.
A testemunha refere que um dos indivíduos desse grupo profere a expressão constante no facto 69) e é aí que DD começa a gritar por socorro e a debater-se para não ser metido dentro do carro referido em 69).
Perante esta atitude de resistência DD refere que o condutor do veículo saiu do mesmo e efetua-lhe uma manobra para o esganar, feito por trás, vulgarmente conhecido por “mata leão”, e de seguida um dos indivíduos que o abordaram disparou um tiro para o ar, o que deixou ainda mais aterrorizado e fez com que o referido grupo lograsse introduzi-lo dentro do carro.
DD também logrou identificar o indivíduo que lhe efetuou o “mata leão” e que ia a conduzir o veículo como sendo o arguido FF, sendo que reconheceu o mesmo como um dos autores dos factos – vide auto de reconhecimento pessoal a fls. 1038 a 1040 dos autos principais.
O depoimento deste ofendido é secundado pelos depoimentos de RRR, OO, TTT, UUU e SSS, todas testemunhas presenciais de, pelo menos, parte destes factos e que descreveram os mesmos com isenção e objetividade até porque, com exceção de OO, não conheciam o ofendido DD e muito menos os arguidos.
A testemunha RRR explicou que quando se encontrava a passear os seus cães, próximo das 08h30 da manhã, junto ao local retratado a fls. 84 do apenso 56/23.8JBLSB, viu um indivíduo encapuçado a correr com uma arma na mão e por isso escondeu-se atrás dos carros estacionados não tendo visto mais o que ocorreu, mas logrou ouvir alguém a debater-se e a gritar por socorro, a pedir por ajuda e depois ouviu um barrulho típico de um disparo de arma de fogo e, logo de seguida, viu um carro a sair daquele local, tendo apontado a matrícula do mesmo.
Após esse carro ter saído do local viu um carro parado em segunda fila com a porta aberta, sendo que reconheceu o carro como pertencente a um vizinho que poucos dias depois destes factos mudou-se.
Por sua vez, a testemunha OO confirmou que DD viveu na sua casa cerca de 1 ano e que no dia dos factos ouviu o DD a sair de casa cerca das 08h30 (ouviu a porta de casa a fechar-se) e, logo de seguida, ouviu gritos provindos da rua – era alguém a gritar “socorro, ajudem-me” - e por isso foi à varanda sua sala, sendo que a sua casa situa-se no 1.º andar, e viu três indivíduos de costas, com cabeça tapada, dois deles agarravam no DD para metê-lo na parte de trás de um carro que estava parado em segunda fila.
A testemunha refere que DD debateu-se para evitar entrar no veículo, mas os dois indivíduos forçaram a sua entrada no veículo e gritavam “entra no carro”. Havia ainda um outro indivíduo que conduzia o referido carro que identifica como sendo um ... cinzento, sendo que lograram meter DD no interior do veículo e fugiram do local.
OO esclarece que viu DD no final da tarde desse mesmo dia e que o mesmo tinha a cara toda inchada, o pescoço queimado, o que se mostra de acordo com as lesões que o ofendido tinha quando foi assistido – vide fotogramas a fls. 130-133 do apenso 56/23.8JBLSB que retratam as lesões que DD ostentava no dia ...-...-2023 e exame pericial de avaliação do dano corporal em direito penal a fls. 484-485 verso.
Também foi clara ao referir que no dia seguinte DD saiu de sua casa, deixando de morar na mesma por sentir medo de permanecer na referida morada.
A testemunha TTT que era vizinha do ofendido DD referiu que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 66) despertou com o barulho de tiros e ouviu um rapaz a gritar “socorro, ajudem-me vão-me matar”. Perante isso a testemunha refere que vai à janela de sua casa e viu um rapaz a ser empurrado para dentro de carro de marca Mercedes, cor cinzenta, e outros dois empurravam-no e ordenavam que este entrasse para dentro do carro, batendo-lhe. Um dos indivíduos que estava a empurrar o outro rapaz para dentro do carro tinha uma pistola na mão e deu com a mesma na cabeça do rapaz que resistia a entrar dentro do carro. Esta testemunha também referiu que viu dentro de um outro veículo que estava parado em segunda fila uns chinelos.
Perante esta situação que decorreu muito rapidamente a testemunha foi clara ao referir que anotou a matrícula do veículo Mercedes que levou o rapaz e que posteriormente soube que era o seu vizinho DD, sendo que ao ser confrontada com as declarações que prestou em inquérito a fls. 71 do apenso para avivamento da memória quanto à matrícula confirmou que a mesma era ..-SX-...
A testemunha SSS, vizinha de DD, também presenciou parte dos factos da sua casa que fica num primeiro andar, tendo sido clara quando refere que ouviu barulho de um tiro e alguém a gritar por socorro e é aí que subiu o estore da sua porta e viu três rapazes, que não consegue identificar, que estavam a agredir um outro para que este entrasse num veículo, estando esta último a resistir a tal atuação. Os três indivíduos agrediam fisicamente o rapaz ao mesmo tempo que o empurravam para dentro do veículo. Julga que um dos rapazes que estava a bater tinha algo na mão que utilizava na agressão, mas não conseguiu ver o que seria.
A testemunha refere que tais indivíduos lograram meter o rapaz no carro e saíram daquele local.
A testemunha UUU apresentou um depoimento com teor idêntico à testemunha TTT, sendo que confirmou que foi ele que tirou as fotos a fls. 84-87 do apenso, tendo descrito que foi no carro Mercedes com matrícula ..-SX-.. que três indivíduos meteram um rapaz à força, utilizando agressões físicas para o efeito, sendo que este gritava por ajuda enquanto os indivíduos gritavam para ele entrar no carro, tendo sido disparados tiros.
Ora, os depoimentos destas testemunhas, nos seus aspetos essenciais, comprovam as declarações do ofendido DD quanto à dinâmica dos factos, o que reforça a sua credibilidade.
Não só descrevem como o mesmo pediu por ajuda e como foi agredido, como a presença de armas de fogo, já que todas ouviram barulho típico de disparos de armas de fogo, o que é consentâneo com o involucro de munição 7,65 encontrado próximo de onde estava parado o veículo da vítima – vide fotogramas a fls. 57-59 e auto de apreensão a fls. 54 dos autos apensos e exame pericial ao involucro deflagrado a fls. 1573-1576 dos autos principais.
Por outro lado, DD não teve qualquer dúvida ao identificar como autores destes factos os arguidos GG, nos termos já supra referidos, e o arguido FF que seria quem conduzia o veículo Mercedes de matrícula ..-SX-.., sendo que DD viu o mesmo a sair do lado do condutor e identificou o mesmo como aquele que o estrangulou por trás, efetuando uma manobra vulgarmente denominada por mata leão.
As declarações de DD também surgem sustentada pelo facto deste veículo de matrícula ..-SX-.. estar registada em nome do arguido FF, facto confessado por este arguido e resultante da ficha de registo automóvel da viatura em causa a fls. 88-89 e ficha de seguro a fls. 90, sendo que desde o dia ...-...-2023, a apólice do seguro da mesma passa a ser titulada por SS, pai de AA – vide fls. 863-864 – facto 70).
O que FF refere é que emprestou tal veículo a um indivíduo de nome “LL” e era ele que andava com o mesmo. Ora, como veremos em infra estas declarações do arguido FF não mereceram qualquer credibilidade já que este não só participou nesta parte do rapto de DD, como também o agrediu na casa sita na ..., no ..., onde ele estava a habitar, como ainda foi ele que se dirigiu ao supermercado ... em ... e efetuou um levantamento de €100 numa máquina ATM ali existente, através do MBWAY criado por RR, namorada de DD – vide auto de visionamento de imagens a fls. 225-230 do apenso.
Os factos 75) a 78) foram integralmente confirmados pelo depoimento DD, sendo que descreveu com precisão não só como se foi apercebendo que estavam a passar na ... pelo barulho típico que o carro faz ao passar pelas grelhas de metal que lá existem, bem como as expressões ameaçadoras que lhe foram ditas e o dinheiro que lhe era exigido. Mais uma vez o depoimento desta testemunha mereceu toda a credibilidade não só pela forma estruturada como prestou o mesmo, bem como pelas mensagens escritas e fotos que depois tais indivíduos enviaram para o irmão de DD, TT – vide fls. 110-120 do apenso.
O facto 79) foi confirmado pelo depoimento do ofendido DD, sendo que o mesmo descreveu com pormenor as peças em ouro que lhe foram subtraídas, sendo que o seu depoimento surge sustentado pelo depoimento do seu irmão TT que descreveu as peças de ouro de seu irmão e que o mesmo tinha gosto em usar as referidas peças.
DD confirmou que as referidas peças surgem retratadas a fls. 199-200 e das mesmas é possível verificar os pormenores das referidas peças em consonância com o descrito por DD.
O depoimento de DD também surge sustentado pelos fotogramas a fls. 603 e 604 e vídeo a fls. 1483 dos autos principais onde surge retratado o arguido GG e a testemunha KK e em que este último surge com peças em ouro que DD identifica como suas pelos pormenores constantes das mesmas – fio com libra de ouro.
A testemunha KK confirmou que efetivamente esteve com GG no ..., tendo-se encontrado com o mesmo por mero acaso. Também referiu que apenas conhecia GG de vista, mas que nesse dia em que se encontraram no ... o GG lhe emprestou o fio de ouro que o mesmo tem na foto.
Ora, este depoimento não mereceu a mínima credibilidade até pela incoerência das suas declarações. Ninguém empresta um fio de ouro valioso como o que ZZ tem no fotograma em causa a alguém que apenas conhece de vista e que casualmente se encontram quando estão de férias no ....
Quanto ao valor das referidas peças o ofendido referiu que as referidas peças valeriam cerca de €10.000. No entanto, tal valor não é sustentado no seu depoimento por nenhum outro elemento, designadamente o peso das peças, a idade das mesmas, ou mesmo eventuais faturas de aquisição das referidas peças.
Assim, ainda que não se tenha logrado apurar em concreto qual o valor global de tais peças, certo é que tendo em conta o número de peças subtraídas o seu valor seria sempre superior a €102.
O facto 80) foi confirmado pelo depoimento de DD, sendo que o seu depoimento mostra-se corroborado pelo auto de reconhecimento de locais efetuado por esta testemunha e constante a fls. 203 e 204 do apenso, sendo que esta testemunha elaborou o croqui da referida habitação que consta a fls. 197 do apenso e que se mostra de acordo com a reportagem fotográfica da referida habitação a fls. 205-207 do processo apenso e ao relatório pericial referente à inspeção judiciária da habitação sita na ..., no ... a fls. 633 a 656 dos autos principais.
Note-se que esta testemunha referiu que nunca havia estado naquele local, mas logrou identificar com precisão o mesmo, indo ao ponto e indicar um cachecol de um clube desportivo que foi depois, efetivamente, identificado na inspeção que se efetuou a esta habitação.
Que a vítima foi levada para a referida habitação resulta também das próprias declarações do arguido QQ que confirmou a presença deste naquela casa e os vestígios hemáticos recolhidos do tampo da cadeira onde DD refere ter estado quando era agredido que correspondiam ao perfil identificativo desta vítima – vide relatório de exame pericial referente à identificação dos perfis de ADN encontrados nos vestígios e objetos recolhidos a fls. 1096-1098.
O facto 81) resulta da conjugação das respetivas inspeções judiciárias efetuadas a ambas as habitações, bem como da consulta da aplicação “Google Maps”.
Os factos constantes em 82) a 91) resultaram do depoimento de DD que descreveu todas as agressões e ameaças que sofreu na referida habitação, tendo sido claro ao referir que dentro da habitação encontravam-se não só os arguidos GG e FF que o haviam transportado para a referida habitação, mas também QQ, que já se encontrava no interior da habitação, e mais dois indivíduos.
DD referiu que um desses indivíduos seria o arguido HH. Mas instado para descrever o mesmo a testemunha apenas logrou referir que seria um indivíduo brasileiro, com cerca de 1,70 cm, 1,75 cm. Ora, o arguido HH não é brasileiro, nem tem qualquer sotaque que levasse a que a vítima pudesse concluir que o mesmo tivesse nacionalidade brasileira. Inexiste qualquer reconhecimento presencial efetuado por esta testemunha quanto ao arguido HH, pelo que o reconhecimento fotográfico não se mostra válido porque não seguido de reconhecimento presencial.
Face às declarações imprecisas desta testemunha quanto à identificação do arguido HH (que nem sequer se mostra acusado da prática destes factos) entende-se que nesta parte as declarações de DD não têm consistência.
Já quanto à atuação dos arguidos FF e de GG inexistiu qualquer dúvida ou imprecisão nas declarações desta testemunha, sendo que a mesma mostra-se, absolutamente, sustentada por diversos elementos probatórios, como já referimos, sendo que a testemunha foi clara ao referir que depois de estarem em casa estes arguidos acabaram por tirar as máscaras/passa-montanhas que tinham quando o abordaram junto à sua habitação sendo que, como vimos, DD reconheceu pessoalmente estes arguidos como autores destes factos.
Note-se que o arguido FF vivia naquela habitação na data destes factos, conforme foi confirmado pelo depoimento de VVV, proprietário da habitação em causa. Acresce que na busca efetuada na referida habitação foi encontrado o cartão de autorização de residência de FF e diversos documentos que o identificam – vide auto de apreensão a fls. 522-526 e fotogramas a fls. 527-534.
Aliás, o próprio arguido FF confirmou que lá vivia na data da prática destes factos e que lá estava quando trouxeram o DD, imputando toda a atuação sobre este ofendido a uma pessoa que identifica por “LL”, sendo que terá sido este indivíduo e outros que o acompanhavam que bateram em DD com chapadas e com o cabo de uma vassoura e diziam ao DD para este dar o dinheiro da droga.
Também QQ confirmou que DD estava naquela casa com as mãos amarradas numa cadeira, não tendo querendo dizer quem viu na referida casa para além de DD.
DD descreveu a atuação de cada um destes arguidos, sendo que foi claro ao referir que QQ não lhe agrediu (tendo-se dado como não provados os factos constantes em i) e k), mas que referiu as expressões constantes em 89), sendo que os arguidos FF e GG e os demais indivíduos não identificados manusearam armas de fogo que lhe apontaram ao corpo, ameaçando-o que o matavam, tendo, inclusivamente disparado dois tiros, tudo com o fito dele dar o dinheiro que estes exigiam, tendo confirmado os valores que pediam. Também o agrediram nos termos dados como provados em 90).
No entanto, este ofendido não confirmou a factualidade constante em j), nem qualquer outro elemento probatório confirmou o mesmo, tendo a referida factualidade resultada como não provada.
A atuação de QQ ao pressionar que DD desse o dinheiro (facto 89), demonstrando que estava ciente do motivo pelo qual DD fora raptado e não tendo o mesmo se demarcado da atuação dos demais arguidos, chamando, por exemplo a polícia, ou socorrendo DD por outro meio, faz com que se entenda que o mesmo acabou por aderir ao plano existente entre os arguidos FF, GG e AA, agindo todos eles em co-autoria e tendo QQ aceite os atos praticados pelos demais co-arguidos nesta situação quanto ao rapto de DD.
DD também referiu que o obrigaram a aceder ao seu perfil na rede social “instagram”, para poderem comunicar com TT, irmão de DD, através de mensagens de voz e videochamadas por forma a conseguir também através deste o dinheiro que pretendiam.
O depoimento de DD é sustentado pelos fotogramas a fls. 111-114 do apenso sendo que, como vimos, tais mensagens e vídeos foram enviados pelos autores destes factos para o irmão de DD, a testemunha TT. Dos mesmos é visível indivíduos encapuçados com várias armas de fogo, um deles aponta uma caçadeira, tipo “shot gun”, sendo que o pânico de DD é evidente quando este escreve em resposta nas mensagens a fls. 114 do apenso diz “por favor mano eles vão me matar”. Tal estado de pânico é descrito pelo seu irmão TT que falou com DD quando este estava retido naquela habitação. Esta testemunha também confirmou que o seu irmão estava amarrado e tinha sinais de estar queimado, sendo que os autores destes factos pretendiam que ele arranjasse dinheiro como condição de libertar o seu irmão.
DD confirmou, igualmente, que o queimaram com a lâmina de uma faca que aqueceram no bico do fogão, tendo este gritado de dor e que levou a que tivessem metido uma t-shirt na boca de DD.
Mais uma vez, a credibilidade do depoimento de DD é total tendo em conta que as lesões que este apresentava quando foi medicamente assistido são compatíveis com o tipo de agressão que o descreve que sofreu – vide fotogramas a fls. 130-133 dos autos apenso, exame pericial de avaliação do dano corporal de DD a fls. 484 a 485 verso dos autos principais, ao que acresce os vestígios hemáticos recolhidos no tampo da cadeira encontrada na habitação em causa correspondentes ao perfil de ADN de DD a fls. 1096-1098.
Assim, deram-se como provados os factos constantes em 84) a 92).
Os factos 93) e 94) foram confirmados igualmente por DD. Note-se que DD não conhece AA e nem tinha como saber quem seria o “Bi”, mas mesmo assim fixou este nome, porque, precisamente, entendeu que quem mandava naquele grupo seria o tal “Bi”.
Como vimos já em supra “Bi” era a alcunha do arguido AA e entende-se que foi este arguido quem deu ordens aos arguidos FF e GG para raptarem DD e agir da forma como resultou provada – facto 66).
Pelos motivos que redigimos em supra AA tinha um papel de liderança no que se refere a estes arguidos e aos outros do grupo que se dedicavam ao tráfico de estupefaciente e detinha armas nos termos supra referidos.
Aliás, QQ foi claro ao referir que era ali que guardavam as armas de fogo por ser a casa de um “cota” e por ser mais calmo guardar este tipo de objetos naquela casa, sendo que dos fotogramas a fls. 111-114 é possível verificar-se naquela casa várias armas de fogo.
Por outro lado, aquela casa fica a cerca de 60 metros da casa sita na ..., casa onde decorria o tráfico de estupefaciente e para onde foram raptados os ofendidos CC e BB, sendo clara a participação de AA no rapto e agressões de que estas vítimas foram vítimas.
Acresce, a forma como DD foi queimado com uma lâmina de uma faca aquecida foi o mesmo método utilizado para agredir BB, não sendo um método comum de agressão, sendo que quem queimou BB foi o arguido GG, arguido que também estava presente e agrediu DD da mesma forma.
Por fim, diga-se que não se vê qualquer outra interpretação para o que foi dito por FF e depois pela repreensão que foi dada por GG. Se tal não correspondesse à verdade GG não teria necessidade de repreender FF pelo deslize que teve.
Acresce que a relação de liderança de AA para com o arguido FF também resulta dos itens 67 a 80 a fls. 97 verso a 99 verso do apenso C já supra analisada e que através de uma sequência de mensagens de texto, fotografia e ficheiro áudio, trocadas entre este arguido e o seu progenitor (em ...-...-2023) o primeiro se queixa que AA o vai expulsar de casa - na altura o arguido FF estava a residir na ... -, porque o mesmo levou os filhos para aquele local. Justificou a situação ao progenitor dizendo “Eu sei que não é o lugar deles, até o Bi brigou comigo (…) vai lá buscar seus filhos, a altas horas da noite (…) trás para cá para uma boca dessa de aqui. Quantas vezes eu te falei que não quero filhos seus aqui em cima (…).” Ora, a expressão “boca” é comumente utilizada para designar um local onde se vende droga.
Assim, não teve este tribunal quaisquer dúvidas em dar como provada o papel de liderança nestes factos do arguido AA, sendo que o facto do mesmo não ter sido visto no local pela testemunha DD não belisca esta interpretação, até porque um líder não “suja as mãos”, antes manda executar.
Os factos constantes em 95) a 99) os mesmos foram confirmados por DD, sendo que os factos constantes em 97) e 98) foram também confirmados pelo depoimento da testemunha TT e resulta da análise do documento a fls. 115 dos autos apensos.
Os factos constantes em 99) a 105) foram descritos pelo ofendido DD. O seu depoimento mostra-se sustentado no exame pericial realizado à viatura Mercedes de matrícula ..-SX-.. a fls. 1570-1571 verso de onde resulta que dentro do citado veículo foram recolhidos vestígios biológicos, de origem hemática, no banco traseiro, identificando-se o perfil de ADN da vítima DD.
Ora, no seu depoimento DD descreve como estava a sangrar e o facto de o terem colocado uma toalha à cabeça e obrigado o mesmo, através de força física – agarrando-o- a entrar na parte de trás do carro, cuja matrícula viu quando os arguidos o abandonaram, sendo o seu depoimento consentâneo com os vestígios encontrados nesse veículo que, recorde-se, estava registado em nome do arguido FF e em ...-...-2023 a titularidade do seguro do mesmo foi alterada para BBB, pai do arguido AA.
Apenas não se logrou provar que naquelas circunstâncias de tempo e lugar os arguidos tenham apontado um revólver à cabeça de DD para que este entrasse na viatura. Tal factualidade não foi confirmada por este ofendido e nenhum outro elemento provatório a confirmou.
Assim, resultou não provada a al. l).
Também a sustentar a versão dos factos deste ofendido temos a camisola que DD vestia nestas circunstâncias de tempo e lugar e que o mesmo despiu já no estabelecimento ... por estar muito ensanguentada – vide auto de diligência a fls. 125-129 do processo apenso e reportagem fotográfica à referida camisola a fls. 175-176 do processo apenso.
O depoimento de DD quanto ao trajeto que os arguidos efetuaram mostra-se também conforme com o auto de diligência a fls. 125-129 do processo apenso, sendo que nele a testemunha indica onde foi liberta pelos arguidos.
O facto 106) resultou provado com base no auto de visionamento de imagens do ..., de fls. 225 a 230 do processo apenso onde claramente é possível ver-se o arguido FF a dirigir-se ao multibanco ali existente para proceder ao levantamento de €100 através da utilização de um código MBWAY que, como referiu a testemunha TT, foi criado por RR, namorada de DD – vide fls. 115 dos autos apensos e dados bancários referentes ao levantamento desse valor na ATM instalada na loja do ... em causa – fls. 222-224 do processo apenso.
Os factos 107) a 109) assentaram na análise dos fotogramas a fls. 130 a 133 do processo apenso e no exame pericial de avaliação do dano corporal em direito penal referente às lesões da vítima DD a fls. 484-485 verso dos autos principais, sendo que, como vimos, também esta vítima apresentada ferimentos de queimaduras provocados pela lâmina aquecida de uma arma branca, e também levou coronhadas na cabeça lesões também sofridas por BB e já supra analisadas.
Os factos 110) a 111) foram confessados pelo arguido II e assentam, igualmente, no auto de diligência a fls. 946-947, auto de buca e apreensão a fls. 950-952 e respetivos fotogramas a fls. 953-966, 971-975, confirmados pelo depoimento de HHH, inspetor da PJ, bem como no exame pericial efetuado à arma de fogo a fls. 1937-1939, informação do departamento de armas e explosivos da PSP a fls. 976-977 de onde resulta provado o facto 110).
Por fim, quanto ao estupefaciente apreendido a este arguido (facto 112) temos o exame pericial a fls. 1593-1594 e o auto de buca e apreensão a fls. 950-952 e respetivos fotogramas a fls. 953-966, 971-975, confirmados pelo depoimento de HHH, inspetor da PJ.
Assim, apesar do arguido ter negado a detenção deste estupefaciente a mesma resulta clara dos referidos elementos probatórios.
O facto 113) resultou provado com base nas declarações do arguido GG (prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial) - sendo que as suas declarações só a si podem afetar não se extraindo da mesma qualquer conclusão quanto à detenção deste estupefaciente quanto ao arguido FF, dado que inexistiu contraditório das mesmas quanto à defesa do arguido FF -, bem como no auto de apreensão a fls. 997-998, fotogramas a fls. 1000-1015 e exame pericial ao estupefaciente apreendido – vide fls. 1513.
GG confessou que detinha o estupefaciente em causa naquelas circunstâncias de tempo e lugar, sendo que apenas metade do referido estupefaciente era seu.
O teor do referido auto de apreensão foi confirmado pelo depoimento da testemunha BB, inspetor da PJ, que confirmou que o saco verde com 22 embalagens de estupefaciente e o casaco fotografado a fls. 1005 que continha 2 sacos de plástico de pequena dimensão com canábis encontrava-se na sala da habitação em causa, sendo que na mesa de tal divisão encontrava-se mais haxixe e sacos de plástico de pequena dimensão idênticos aos usados para acondicionar o estupefaciente que se encontrava dentro do saco verde e do casaco.
Na referida habitação e naquelas circunstâncias de tempo e lugar encontrava-se a pernoitar GG e um outro indivíduo, sendo que FF vivia na mesma, facto confirmado pelo depoimento da testemunha VVV, dono da casa, e que também resulta dos objetos apreendidos na referida casa como o cartão de autorização de residência de FF, uma carta de envio de certificado de matrícula para o arguido FF e o seu telemóvel, cujo teor foi analisado a fls. 90-100 do apenso C e que demonstra, claramente, que o telemóvel pertencia ao arguido FF.
Se é certo que o saco de plástico verde com maior quantidade estava junto ao local onde GG dormia, também é certo que havia canábis em outros locais da sala e ainda sacos de plástico vazios idênticos aos que serviram para embalar aquele estupefaciente que foi apreendido.
Acresce que das conversações e vídeos extraídos do telemóvel de FF – fls. 90 a 100 do apenso C – é claro o envolvimento de FF na venda de estupefaciente – vide ficheiros áudios n.ºs 1 a 3 – GG refere ao arguido FF sobre o desaparecimento de dinheiro e de “ganza” da casa; itens 5 a 9 – ficheiros áudio trocado entre o arguido FF e um indivíduo identificado como ZZ, onde falam de algo mesurado em gramas e de dinheiro, sendo que tendo em conta que FF naquele período temporal não tinha qualquer atividade laboral, nem outra fonte de rendimento – vide informação de serviço remetida pela Autoridade tributária a fls. 1524 a 1551 e informação fiscal a fls. 1262-1262 verso – tal conversação está ligada com o tráfico de estupefaciente.
Por outro lado, e tendo em conta informação de serviço remetida pela autoridade tributária a fls. 1524 a 1551 e informação fiscal a fls. 1262-1262 verso de onde se conclui que o arguido não tinha outra fonte de rendimento – no ano de 2023 apenas tinha como rendimento de trabalho dependente o montante de €2730,62, aliado ao facto do mesmo ter procedido a diversas transferências de valores monetários e surgir com quantias consideráveis de dinheiro nos vídeos (fls. 1013 – comprovativo apreendido no quarto de FF e itens 4, 12, 13-15, 17-21, 63 a fls. 90 verso-97 verso do apenso C de comprovativos de transferências e imagens de quantias monetárias, algumas com o arguido a manuseá-las) indicam que o arguido se dedicava à venda de estupefaciente.
O arguido refere que naquele período temporal viveu das economias que juntou enquanto trabalhou em .... No entanto, tais declarações não correspondem à verdade, pois o arguido era consumidor de “crack”, facto confessado pelo arguido e confirmado pela sua companheira WWW. Acresce que esta testemunha confirmou que o arguido quando se encontrava em ... enviava-lhe praticamente todo o dinheiro que este ganhava e era, inclusivamente, a mesma que enviava para o ... dinheiro para a filha de FF. Assim, era WWW que geria as economias e não o arguido, facto que foi também confessado pelo arguido.
Sabendo que o mesmo havia recaído nos consumos de droga WWW colocou-o para fora de casa e como tal nunca lhe iria dar as economias que juntaram, mas antes referiu que lhe deu dinheiro suficiente para ele arrendar um quarto, o que não se compatibiliza com os valores transferidos pelo arguido, conjuntamente com os consumos de cocaína do arguido, nem muito menos com o ter adquirido o veículo mercedes de matrícula ..-SX-.., ainda que a prestações, face ao valor de mercado desse veículo – cerca de €14.000, conforme referido pelo depoimento de BB, inspetor da polícia judiciária, tanto mais que o arguido não tinha carta de condução, como o próprio confessou.
Acresce que da sessão n.º 625, do alvo ..., de ...-...-2023 (fls. 107-108 do apenso B) retira-se que a conversação ocorrida entre o arguido FF e HH está ligada ao tráfico de estupefaciente. Na mesma o arguido FF refere que está com o Bi e que estava perguntando sobre o “bagulho”, que estava com “€30 do cara aqui na mão e vim ganhar €10”. Na sequência da conversa FF fala em tirar meia grama e HH responde que vai tirar. FF confirma “Então tira, vai-se colocar corte mano.
Também da sessão 684, do mesmo alvo, fls. 111-112 um indivíduo não identificado pede “uma grama para cheirar no dinheiro”, o que claramente é cocaína a HH, sendo que HH refere que já falou com “…” (alcunha de FF) e que não tem. Esta conversação demonstra a ligação de HH e de FF na venda de estupefaciente.
Acresce que a testemunha BB confirmou que comprou a FF haxixe e a GG cocaína (crack), sendo que CC refere ter comprado a GG cocaína (crack).
Face ao supra referido e tendo em conta a ligação de FF com o arguido GG, o facto deste estupefaciente não ser todo de GG e ainda o supra referido entende-se que aquele estupefaciente referido em 112) também pertencia ao arguido FF.
Os factos 114) e 115) resultaram provados com base no teor do auto de apreensão a fls. 918-919, fotogramas a fls. 921-933, exame pericial ao estupefaciente apreendido a fls. 1513, bem como com base nas transcrições das escutas telefónicas constantes do apenso B.
De facto, da sessão 733 a fls. 12-31, numa conversação entre o tio de HH e a sua mãe esta última refere que HH anda a “vender droga”, que anda sempre naquilo. Também refere que HH tinha em casa sacos pequenos de plástico tipicamente usados para embalar cocaína e que andava metido naquilo “até aos cabelos”. Nessa sequência a mãe de HH telefona-lhe e preocupada com o rumo de HH questiona-lhe no sentido de saber quando vai mudar de vida ao que o mesmo responde que “só precisava de mais esse dinheiro” e que não vai aceitar nada dessas coisas. A mãe de HH então responde “o problema é que tu voltas a aceitar sempre” (sessão n.º 751 fls. 32-41 do apenso B).
Também da sessão 61 a fls. 92-94 do apenso B um indivíduo não identificado pede duas doses de estupefaciente a HH, sendo que refere que já falou com EE e que o mesmo disse que este podia ir buscar à vontade.
Da sessão 102 a fls. 98-99 também outro indivíduo não identificado pede a HH estupefaciente e este responde “tenho aqui, só que não tá preparado ainda” e refere que tal indivíduo quer preparar, tendo este respondido que não, que não tem instrumentos para isso, concluindo para o HH arranjar então a droga.
O mesmo ocorre com a sessão 681 a fls. 109-110 do apenso B e com a sessão 684, fls. 111-112 e sessão 696, fls. 113-114, sendo que nestas duas últimas o consumidor apesar de ter pedido a HH estupefaciente este negou a venda dizendo que não tinha e que queria dormir.
Assim, resulta claro que, pelo menos no período em causa balizado pela primeira escuta analisada e a detenção do arguido HH este deteve e procedeu à venda de estupefaciente a terceiro, sendo que este arguido não tinha uma atividade laboral estruturada, facto que a sua mãe se queixava e que resulta das transcrições das sessões em que a mesma é interveniente, contrariando o referido pelas testemunhas XXX, YYY, madrinha de HH e ZZZ, amiga de HH.
Acresce que da informação fiscal da autoridade tributária e aduaneira a fls. 1262-1262 verso resulta que o mesmo não tinha qualquer rendimento declarado e não tinha qualquer atividade profissional registada, nem prédios em seu nome ou relação fiscal com outros sujeitos passivos, ou outros rendimentos de trabalho dependente, ou pagamento de quaisquer subsídios ou pensões.
Já não resultou provado que este arguido procedesse à venda de estupefaciente a FF – facto não provado m). Não se mostrou possível ouvir-se FF como testemunha e inexiste qualquer outro elemento probatório que confirmasse tal factualidade.
O mesmo se diga quanto ao facto não provado n), relativo ao arguido II.
Quanto aos factos referentes do pedido de indemnização os mesmos resultaram provados com base no que já se referiu em supra quanto à atuação de cada dum dos arguidos, na análise das fichas de urgência de cada um dos ofendidos que foram assistidos nas demandantes e na análise dos documentos a fls. 1987 e 1995.
Quanto aos factos 130) a 132) os mesmos foram confirmados pelos próprios ofendidos, sendo que os mesmos decorrem até de juízos de experiência comum já que quem passa pela experiência de ser raptado, agredido selvaticamente, ameaçado com armas e quanto ao ofendido BB, encarcerado durante várias semanas, sentirá medo extremo, angústia, até desespero e, principalmente, dor.
No que diz respeito a CC da análise da ficha de urgência a fls. 762 resulta que CC quando foi observado na data em causa apresentava diminuição da sua acuidade visual fruto das lesões sofridas por ação dos arguidos, facto que foi confirmado pelo ofendido, sendo que as suas lesões não se mostram consolidadas.
Quanto à mudança de BB para o norte do país tal facto resultou das suas declarações, sendo que esta testemunha foi ouvida através de vídeo conferência num tribunal do norte do país.
Quanto à mudança de habitação de DD a mesma foi confirmada pelo mesmo e pelos depoimentos de seu irmão, TT e da testemunha OO, dona da casa onde DD vivia quando ocorreram estes factos.
Atendeu-se às declarações dos arguidos quanto às suas condições pessoais e ao teor dos seus relatórios sociais, sendo que para a prova das mesmas e do seu caráter atendeu-se, quanto ao arguido AA, à testemunha PPP, namorada do arguido que referiu que este arguido auxiliava o seu pai na oficina do mesmo. Quanto ao arguido EE à testemunha OO, companheira do arguido que descreveu o seu caráter, tendo referido que é um excelente pai e que auxiliava a sua mãe no café que explorava. Quanto ao arguido FF atendeu-se às testemunhas WWW, companheira do arguido e FF, pai do arguido, sendo que ambos descreveram o esforço que o arguido encetou para se libertar do vício que prende, sendo que durante vários anos esteve abstinente do mesmo, refez a sua vida, trabalhou, para depois, deitar tudo a perder voltando a recair. Mesmo assim, estas testemunhas estão disponíveis para auxiliar o arguido a recuperar a sua saúde e a sua vida.
Quanto a este arguido também atendeu-se ao depoimento de AAAA, que morou na casa deste arguido de ... e ... de 2022 e que descreveu o arguido como um bom pai e que auxiliava a sua companheira. No entanto, este depoimento não foi muito relevante já que esta testemunha não viu a recaída do arguido no consumo de drogas e a sua nova entrada no mundo do tráfico, sendo que esta testemunha nem se apercebeu que o arguido consumia estupefacientes.
Quanto ao arguido HH atendeu-se aos depoimentos de BBBB, vizinha do arguido, YYY, madrinha do arguido e ZZZ, amiga do arguido por este ser sobrinho do seu cunhado e, por fim, CCCC, amigo de HH que descreveram o arguido como um bom filho, que ajudava muito a sua avó e que nos últimos tempos não tinha trabalho fixo, fazendo biscates, mas pretendia arranjar trabalho fixo e refazer a sua vida.
II.3.C. Do enquadramento jurídico-penal exarado no acórdão recorrido (cfr. ref.ª 444520342 de 09-04-2025):
É a seguinte a fundamentação da qualificação jurídico-penal dos factos provados no acórdão recorrido:
Cumpre aferir se a factualidade dada por assente permite integrar o tipo de crimes por que vêm os arguidos acusados.
(…)
Do crime de rapto:
O artigo 161º/1, do CP determina que comete rapto como quem, por meio de violência, ameaça ou astúcia, raptar outra pessoa com a intenção de, entre o mais, submeter a vítima a extorsão.
Nos termos do n.º 2 caso se verifiquem as situações previstas no n.º 2 do art. 158.º, o agente é punido com pena de prisão de três a 15 anos.
São imputados aos arguidos as qualificativas presentes no art. 152.º, n.º 2, al. a), quanto às condutas praticadas contra o ofendido BB e al. b) quanto às condutas praticadas contra todos os ofendidos.
A al. a) em causa ocorre quando a privação da liberdade durar mais de dois dias e a al. b) quando a privação da liberdade for precedida ou acompanhada de ofensa à integridade física grave, tortura ou qualquer outro tratamento cruel, degradante ou desumano.
O crime de rapto constitui um tipo de crime conta a liberdade pessoal e de intenção específica - a privação da liberdade tem de ser determinada com a finalidade de exercer sobre a vítima alguma das ações que são especificamente referidas na lei, entre as quais submeter a vítima a extorsão - artigo 161º, nº 1, alínea a) do Código Penal.
Constitui, assim, elemento essencial do crime de rapto, que integra o tipo (elemento subjetivo do tipo - cfr., v. g., Claus Roxin, "Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Fundamentos de la Estructura de la Teoria del Delito", ed, Civitas, 1997, pág. 311-312), uma específica intenção, que qualifica, rectius, diferencia tipicamente a privação de liberdade em relação à privação de liberdade (fundamentalmente o mesmo bem jurídico) no crime de sequestro - artigo 158º do Código Penal, embora o rapto pareça exigir um plus típico que consiste na transferência da vítima de um lugar para outro (cfr. Taipa de Carvalho, "Comentário Conimbricense ao Código Penal", I, pág. 402-403 e 428).
Assim, o que caracteriza e distingue o rapto do sequestro é a conduta e os meios de a praticar. A conduta do rapto pressupõe e exige (diferentemente do sequestro) a transferência da vítima de um lugar para o outro diferente. A segunda diferença está nos meios: violência, ameaça ou astúcia (crime de execução vinculada ou de processo típico), diferentemente do crime de sequestro que não tipifica os meios, utilizando a cláusula geral “de qualquer forma a privar da liberdade”.
Em termos de elemento subjetivo o mesmo preenche-se por qualquer forma de dolo, desde que dirigida à intenção de, no caso, submeter a vítima a extorsão.
O crime em apreço é qualificado caso se verifiquem as situações previstas no art. 158.º, n.º 2 e 3, do C.P. (art. 161.º, n.º 2).
No caso em apreço apenas está em causa o n.º 1, al. a) e n.º 2, do art. 160.º, por referência às alíneas a) e b), do n.º 2 do art. 158.º - mais concretamente quando para a prática do crime de rapto for empregue contra a vítima tortura, tratamento cruel, degradante ou desumano ou durar por mais de dois dias.
Quanto à circunstância “tortura ou outro tratamento cruel, degradante ou desumano”, abrange toda uma multiplicidade de violências (excluídas as ofensas corporais graves) ou sofrimentos físicos ou psíquicos. De acordo com o art. 243º-3, pode considerar-se “tortura, tratamento cruel, degradante ou desumano, o acto que consista em infligir sofrimento físico ou psicológico agudo, cansaço físico ou psicológico grave, ou no emprego de produtos químicos, drogas ou outros meios, naturais ou artificiais, com intenção de perturbar a capacidade de determinação ou a livre manifestação de vontade da vítima”.
Tais circunstâncias qualificam o sequestro e o rapto e consequentemente, agravam a pena estabelecia para o tipo fundamental de crime de rapto, consubstanciando um maior desvalor da ação e por isso o dolo do agente tem que abranger a circunstância qualificadora.
Tendo em conta a matéria de facto dada como provada entende-se que a al. b) do n.º 1, do art. 161.º, não se mostra, de todo, preenchida, sendo que esta implica que o rapto tenha sido cometido com intenção de cometer crime contra a liberdade e autodeterminação sexual da vítima.
Ora, o rapto dos ofendidos BB, CC e DD não foi efetuado com intenção de praticar contra os mesmos crimes dessa natureza pelo que a al. b) do n.º 1 do art. 161.º do C.P. não se mostra preenchida.
Já quanto a al. a) do n.º 1 da norma em análise a mesma mostra-se preenchida uma vez que os ofendidos BB, CC e DD foram levados para as respetivas casas (sitas na ... e na ...), contra a sua vontade, tendo os arguidos usado de violência física, intimidação e ameaça para lograr que estes fossem movimentados para as respetivas habitações e uma vez dentro das mesmas as ameaças e agressões físicas continuaram tudo no intuito de BB e CC entregarem a mala com dinheiro que os arguidos procuravam e que tinha dinheiro e, no caso de DD, para que este lhes entregassem dinheiro.
Ao longo do período em que estiveram cativas as vítimas ainda foram obrigados a entrar em viaturas contra a sua vontade.
Assim, estas vítimas foram raptadas – contra a sua vontade, sendo sujeitas a violência física e intimidação, foram transferidas de um lugar para o outro, para uma situação em que ficaram ao desamparo, à mercê dos comportamentos dos arguidos, tendo sido vergastadas, batidas e as vítimas BB e DD queimadas com a lâmina aquecida de armas brancas, tudo com uma finalidade – obter dinheiro de DD e reaver a mala com o dinheiro.
Os arguidos FF, GG, QQ e AA sabiam que o valor monetário que exigiam a DD, usando para tal de ameaça e agressões físicas, era ilegítimo por não lhes ser devido, facto que bem sabiam.
Por sua vez, os arguidos AA, EE, QQ, FF, GG, II e HH agiram da forma dada como provada contra os ofendidos BB e CC com o intuito destes entregarem a mala com dinheiro que havia desaparecido da casa para onde estes ofendidos foram levados.
Não se apurou que tenham sido estes ofendidos os autores do furto de tal mala com dinheiro que serviria para dar uma “banhada” num negócio de droga. Mas mesmo que tivessem sido estes ofendidos que subtraíram aquela mala com dinheiro sempre existiria extorsão, isto tendo em conta o modo como estes arguidos elegeram para reaver a mala com dinheiro. Tal meio foi ilícito porque sujeitou estes ofendidos a agressões físicas e ameaças.
Na verdade, a ameaça com um mal importante do crime de extorsão previsto no art. 223.º, do C.P., como elemento objectivo do tipo de crime em análise, terá que referir-se a um dano ou um prejuízo relevante para o destinatário, pelo que tanto pode corresponder a um facto ilícito típico como a um acto lícito. O essencial é que se apresente como adequada a constranger o visado a fazer a pretendida disposição patrimonial.
O “mal importante” mencionado na norma que tipifica o crime de extorsão tanto pode ser um mal lícito ou ilícito, justo ou injusto, pois que a ameaça com um meio legal não pode ser feita para obter um efeito ilegal.
Face ao exposto, inexistem dúvidas que os arguidos através da sua conduta movimentaram estas vítimas para outro lugar contra a sua vontade, tendo usado para tal de violência física e de ameaça, tudo com o intuito de lograrem obter destes ofendidos dinheiro, de forma ilícita, facto que os arguidos sabiam e pretendiam, tendo para tal atuado mediante um plano traçado entre eles e cada um dos arguidos aceite as condutas dos demais porque inseridas no plano traçado.
Assim, mostra-se preenchida a al. a) do n.º 1, do art. 160.º.
Quanto às condutas praticadas contra o arguido DD mostra-se também preenchida a al. c), já que os arguidos AA, FF, GG e QQ, agindo mediante plano traçado entre eles, exigiram a DD e depois ao seu irmão um valor pelo resgate de DD.
Quanto à qualificativa prevista no art. 161.º, n.º 2, por referência ao art. 158.º, n.º 2, al. a) e b), ambos do C.P.:
Quanto a al. a) do art. 158.º, n.º 2, a mesma mostra-se preenchida quanto ao crime de rapto de que BB foi vítima, tendo em conta que este esteve bem mais que dois dias privado da sua liberdade.
Quanto à al. b) do n.º 2 do art. 158.º entende-se que a mesma mostra-se preenchida quanto às condutas que as vítimas BB, CC e DD foram vítimas.
Note-se que quanto a BB e CC os mesmos uma vez no interior da habitação foram obrigados a despir-se, ficando apenas em roupa interior. Depois foram metidos num quarto onde foram sucessivamente espancados pelos arguidos e por outros indivíduos não identificados, sendo que para além de socos e pontapés em diversas partes do corpo, inclusive na cabeça, ainda usaram cabos de eletricidade para os chicotear de forma brutal tal como documentam as imagens das lesões destas vítimas, com especial enfoque para CC, como também os agrediram com paus.
Quanto ao ofendido BB as agressões ainda foram mais graves pois também utilizaram um monitor de uma televisão para o agredir na cabeça, provocando uma ferida no referido local. Acresce que BB foi queimado em diversas partes do seu corpo com uma lâmina de uma arma branca e depois foi deixado dentro da casa para onde foi levado sem qualquer tratamento médico adequado, nem sequer lhe foi dado um analgésico – apenas foi-lhe fornecido betadine e Bephantene – e mesmo na primeira semana esta vítima, enquanto estava a recuperar destas lesões, o mesmo passou fome, sendo que a quantidade de comida que lhe foi dada não era suficiente para as suas necessidades.
Acresce as ameaças com arma a que foi sujeito – o facto do arguido BB ter apontado uma arma em direção à cabeça desta vítima e depois no último instante desviar a trajetória quando dispara - constitui um ato vil de tortura psicológica.
Quanto ao arguido DD o mesmo foi transportado para a habitação referida nos factos provados com a cabeça tapada, foi ameaçado com armas. Uma vez no interior da habitação para a qual foi transportado o mesmo continuou a ser ameaçado com armas de fogo, sendo que já no interior da habitação foram disparados dois tiros o que aterrorizou esta vítima, já que julgou que lhe matavam se não entregasse o dinheiro que os arguidos FF, GG e QQ, em conjugação de esforços e vontades com o arguido AA, exigiam. Também foi agredido, inclusivamente com partes de armas e, por fim, também ele foi queimado com uma lâmina aquecida de arma branca. Enquanto o queimavam e porque esta vítima gritava de dor ainda lhe colocaram uma t-shirt na boca.
Depois esta vítima ainda foi novamente transportada para outro local onde acabou por ser abandonada à sua sorte, sendo que efetuou esse trajeto todo ferido e uma toalha na cabeça.
O comportamento dos arguidos em cada uma destas situações descritas é especialmente censurável a todos os títulos.
Na verdade, é inequívoco que o modo de actuação atrás descrito revela especial crueldade e desprezo pela dignidade humana, integrando, portanto, o conceito de tortura ou outro tratamento cruel, degradante ou desumano.
Tratamento cruel, para efeitos da al. b) do n.º 2 do art. 158.º do CP, é aquele que causa angústia, aflição ou sofrimento ao atingido, e desumano é o que demonstra falta de compaixão (Ac. do STJ de 28-05-1998, Proc. n.º 209/98, in SASTJ, Bol. n.º 21), sendo que a tortura a forma mais grave de tratamento cruel e desumano.
Com efeito, merece a integração em tal conceito toda a actuação que, para além da privação da liberdade constitua uma séria ofensa à dignidade da pessoa humana e que exceda o meio mínimo necessário para levar a cabo a privação da liberdade.
Desde o encerramento destes ofendidos num quarto onde foram barbaramente agredidos com paus, socos e pontapés, foram chicoteados e, por fim as vítimas BB e DD queimados, sendo que ainda obrigaram BB e CC a despirem-se, temos uma sucessão de actos que atentam gravemente contra a dignidade da pessoa humana e que sem qualquer hesitação merecem a qualificação de tratamento cruel e desumano e ainda como tortura no que diz respeito aos ofendidos BB e DD.
Quanto ao ofendido BB o grau de tortura e de tratamento cruel e desumano ainda foi maior porque potenciaram o sofrimento do mesmo ao não lhe permitir tratamento médico adequado e até a fazer com que este passasse forme na primeira semana em que esteve em cativeiro.
Importa por consequência concluir que está preenchida a qualificativa prevista no art. 161.º, n.º 2, al. a), por referência ao art. 158.º, n.º 2, al. b) e quanto aos factos praticados contra o ofendido BB mostra-se também preenchida a al. a), do n.º 2 do art. 158.º, tendo em conta o período de tempo que este ofendido esteve privado da sua liberdade.
Também em termos subjetivos o crime em apreço mostra-se preenchido.
Nas situações descritas nos factos provados, AA, EE, QQ, FF, GG, II e HH agiram de forma concertada entre si, livre, deliberada e consciente, com o propósito, concretizado, de, através da força física, obrigarem BB, CC e DD a entrarem no interior das viaturas descritas para, dessa forma, levá-los para local resguardado e ali mantê-los reclusos, com a intenção de os obrigar, através de agressões e ameaças, a entregar-lhes a mala com dinheiro (quanto aos ofendidos BB e CC) e o dinheiro (quanto ao ofendido DD) a que sabiam não ter direito e a provocar empobrecimento em igual medida, procedendo, para tal, de uma forma desumana e impiedosa.
Para conseguir tal desiderato os arguidos AA, EE, QQ, FF, GG, II e HH molestaram o corpo e a saúde de BB, CC e os arguidos AA, QQ, FF e GG o ofendido DD, de forma a deixá-lo com marcas e sequelas, bem sabendo que os golpes que lhes aplicaram, acompanhados pela utilização de objectos em madeira e ferro, bem como, com facas quentes, eram perfeitamente aptos a alcançar tal resultado, sendo que mantiveram tais ofendidos cativos, vigiando-os permanentemente e impedindo-os de abandonarem a casa onde se encontravam, tratando-os de forma humilhante e impiedosa, não lhes prestando qualquer cuidado médico, nem alimentando BB de forma suficiente na primeira semana de cativeiro, aumentando-lhes o sofrimento de forma desnecessária, apesar de estes não terem apresentado qualquer resistência.
Estando em causa um crime cujo bem jurídico é a liberdade de locomoção, bem jurídico pessoal os arguidos em causa cometeram tantos crimes quanto os bens jurídicos pessoais afetados.
Assim, os arguidos AA, EE, QQ, FF, GG, II e HH cometeram, cada um, dois crimes de rapto, sendo que aquele que tem como vítima BB é punido nos termos dos arts. 161.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a), por referência ao art. 158.º, n.º 2, als. a) e b), do C.P. e o referente ao ofendido CC é punido nos termos dos arts. 161.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a), por referência ao art. 158.º, n.º 2, al. b), do C.P..
Os arguidos AA, QQ, FF e GG cometeram ainda um outro crime de rapto, desta feita tendo como ofendido a vítima DD, crime previsto e punido no disposto no art. 161.º, n.º 1, als. a) e c), e n.º 2, al. a), por referência ao art. 158.º, n.º 2, al. b), todos do C.P..
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Da co-autoria:
Estatui-se no artigo 26.º do Código Penal que “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e, ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.
Por seu turno, é punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso” (artigo 27.º, n.º 1).
Em face da redação dos referidos preceitos legais, tem-se assinalado que a lei, autonomizando a autoria da mera cumplicidade, parte de um conceito “restritivo de autoria, segundo o qual é autor o agente que toma a execução «nas suas próprias mãos», de tal modo que dele depende decisivamente o se e o como da realização típica”, constando-se que “o autor não só tem o domínio objetivo do facto, como tem também a vontade de o dominar, numa unidade de sentido objetiva-subjetiva: o facto aparece «numa sua vertente como obra de uma vontade que dirige o acontecimento, noutra vertente como fruto de uma contribuição para o acontecimento dotada de um determinado peso e significado» objetivo” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal: Parte Geral – Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª ed., 2007, págs. 765 e 766; Jorge de Figueiredo Dias e Susana Aires de Sousa, Autoria mediata do crime de condução ilegal de veículo automóvel: anotação ao Acórdão da Relação de Lisboa de 24.11.2004, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 135.º, Março-Abril de 2006, n.º 3937, págs. 254 e 255). É a chamada teoria do domínio do facto.
Ora ― e muito especialmente nos crimes dolosos de ação ― “o domínio do facto pode exercer-se de diferentes formas e fundar, por conseguinte, diferentes modalidades da autoria, concretizadas no artigo 26.º: o domínio da ação está presente na autoria imediata, na medida em que o agente realiza, ele próprio, a ação típica (1.ª alternativa); o domínio da vontade do executante de quem o agente se serve para a realização típica firma a autoria mediata (2.ª alternativa); o domínio funcional do facto constitui o sinal próprio da coautoria, em que o agente decide e executa o facto em conjunto com outros (3.ª alternativa)”; e, por fim, “na sua quarta alternativa, o artigo 26.º pune ainda como autor «quem dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”, isto é, quem seja instigador do crime” (Jorge de Figueiredo Dias e Susana Aires de Sousa, Autoria cit., pág. 255).
Uma das modalidades ou formas em que se manifesta o domínio do facto (o mesmo é dizer a autoria) é a coautoria e esta forma de comparticipação criminosa que temos no caso concreto.
Efetivamente, nos termos do artigo 26.º deve ser punido (igualmente) como autor quem “tomar parte direta na sua (do facto) execução, por acordo ou conjuntamente com outro ou outros”. Há, aqui, um “condomínio do facto”, marcado quer pela decisão conjunta, quer pela execução conjunta, enquanto contribuição funcional de cada coautor para a realização típica”. De modo que a atuação de cada coautor se apresenta como “momento essencial do plano comum”, “constitui a realização da tarefa que lhe cabe na «divisão do trabalho»” para a realização do crime (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal cit., pág. 791).
Relativamente ao momento subjetivo da coautoria, à “decisão conjunta” de que fala a lei, basta a “existência da consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime” (José de Faria Costa, Formas do Crime, in Jornadas de Direito Criminal do Centro de Estudos Judiciários, pág. 170), que na sua forma mais nítida assume a forma de acordo prévio (que, no entanto, pode ser tácito, desde que manifestado em factos concludentes). Contudo, não se basta a lei com um qualquer acordo ― embora ele tenha sempre de existir ― até porque entre o mero cúmplice e o autor também há, em regra, um acordo: é necessário que fique demonstrado que todos os coautores têm, desde o início, desde o momento da decisão conjunta, o domínio do processo causal que conduz à realização do tipo, de tal modo que o contributo de cada um surja como uma parte da atividade total, como um complemento (programado) das ações dos demais coautores (neste exato sentido, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal cit., págs. 791 a 794).
À decisão conjunta deve acresce a “execução conjunta”, isto é, cada coautor deverá prestar uma contribuição objetiva para a realização típica, um efetivo exercício conjunto do domínio do facto.
Há, pois, uma combinação entre o domínio do facto com a “repartição de tarefas que assinala a cada comparticipante contributos para o facto que, podendo situar-se fora do tipo legal de crime, tornam a execução do facto dependente daquela mesma repartição”. De tal modo que de cada contributo objetivo depende o se e o como da realização típica, nas bastando que o agente coloque à disposição ou ofereça os meios de realização (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal cit., págs. 794 e 795).
Feitas estas considerações de natureza dogmática, abalancemo-nos ao caso dos autos.
Note-se que estando em causa um crime permanente ou duradouro é possível a coautoria sucessiva, a qual pressupondo, enquanto sucessiva, já iniciada a privação da liberdade, pode verificar-se até ao momento em que esta privação termina, isto é, até ao momento da libertação do sequestrado.
No caso, concreto ocorreu precisamente tal situação. Não foram todos os arguidos que foram buscar e transportar os ofendidos com o fito de lhes extorquir dinheiro, mas todos sabiam o motivo do seu cativeiro, bem como sabiam que era esse o motivo pelo qual tinham que agredir e ameaçar, nos termos dados como provados, os ofendidos.
Cada um dos arguidos, mesmo aqueles que inicialmente não usaram da violência e ameaça para transportar os ofendidos para as respetivas casas onde ficaram cativos, aderiram sucessivamente ao plano quando, cientes do objetivo inicial, também agrediram os ofendidos ou os ameaçaram para que estes entregassem o dinheiro, sabendo que as suas condutas integravam a realização de um plano, bem sabendo que os ofendidos estavam privados da sua liberdade de locomoção e eram agredidos e ameaçados para que lograssem obter vantagem patrimonial de forma ilícita.
Mesmo quanto ao arguido HH e não estando este já presente no momento temporal referido em 48) certo é que este em momento anterior aderiu ao plano e agrediu o ofendido BB da forma dada como provada, sabendo que este permaneceu cativo mesmo após este arguido ter saído daquela casa. O arguido HH não se demarcou deste comportamento que aderiu, pelo que se considera que também quanto a este mostra-se preenchida a co-autoria.
Ainda quanto a AA e no que diz respeito ao rapto de DD o mesmo é também ele co-autor do rapto sendo ele o autor mediato do mesmo, aquele que chefiou o rapto e ordenou FF, GG e QQ para procederem da forma dada como provada, no que diz respeito ao rapto.
Face ao exposto, os arguidos AA, EE, QQ, FF, GG, II e HH cometeram, em co-autoria material dois crimes de rapto, sendo que aquele que tem como vítima BB é punido nos termos dos arts. 161.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a), por referência ao art. 158.º, n.º 2, als. a) e b), do C.P. e o referente ao ofendido CC é punido nos termos dos arts. 161.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a), por referência ao art. 158.º, n.º 2, al. b), do C.P..
Os arguidos AA, QQ, FF e GG cometeram ainda em co-autoria material um outro crime de rapto, desta feita tendo como ofendido a vítima DD, crime previsto e punido no disposto no art. 161.º, n.º 1, als. a) e c), e n.º 2, al. a), por referência ao art. 158.º, n.º 2, al. b), todos do C.P..
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Da relação de concurso aparente entre o crime de rapto e crime de roubo:
Factos dados como provados resulta que os arguidos FF e GG agindo em comunhão de esforços e vontades atuaram da forma descrita em 79) e 121), apoderando-se através da utilização de força física dos objetos em ouro que DD tinha, bem sabendo que os mesmo não lhes pertenciam e que atuavam contra a vontade do seu legítimo dono que foi colocado pela atuação dos arguidos numa posição de impossibilidade de resistência quanto a tais condutas fruto das ameaças e agressões físicas de que foi alvo.
Assim, estes arguidos praticaram um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do C.P.
A questão que ora se coloca prende-se com a relação de concurso de crimes existente entre este crime de roubo e o crime de rapto praticados por estes arguidos.
A pluralidade de normas típicas concretamente aplicáveis ao comportamento global constitui sintoma legítimo ou presunção prima facie de uma pluralidade de sentidos autónomos daquele comportamento global e, por conseguinte, de um concurso de crimes efectivo, puro ou próprio. Casos existem, no entanto, em que uma tal presunção pode ser elidida porque os sentidos singulares de ilicitude típica presentes no comportamento global se conexionam, se intercessionam ou parcialmente se cobrem de forma tal que, em definitivo, se deve concluir que aquele comportamento é dominado por um único sentido de desvalor jurídico-social; por um sentido de tal modo predominante, quando lido à luz dos significados socialmente relevantes – dos que valem no mundo da vida e não apenas no mundo das normas –, que seria inadequado e injusto incluir tais casos na forma de punição prevista pelo legislador quando editou o art. 77.º.
O crime de roubo p. e p. pelo art. 210.º do CP é um crime complexo, composto por elementos em que concorrem o crime de furto agravado e simples – a vertente patrimonial do ilícito – e a sua particular componente pessoal, preponderante no tipo, sob a forma de violência – física ou psíquica –, ofensa à integridade física e impossibilidade de resistir por parte do ofendido, elementos esses numa relação de consunção, pela especialidade, constituinte da agravação punitiva face ao delito patrimonial.
O crime de sequestro p. e p. pelo art. 158.º, n.º 1, do CP é um crime de execução livre e permanente, cessando com a restituição da vítima à liberdade, admitindo qualquer meio adequado à privação da liberdade ambulatória, que deve ser absoluta, não bastando que seja dificultada, sendo o bem jurídico que visa proteger a liberdade de movimentos de outra pessoa, no sentido mais amplo de liberdade de deslocação actual potencial ou de auto ou heterolocomoção.
O rapto distingue-se deste ilícito por se traduzir numa acção de subtracção e transferência não consentida de uma pessoa para outro lado, ficando a vítima sob o domínio fáctico de outrem – cf. Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pág. 428.
Este ilícito é de execução vinculada, só podendo ser cometido através das acções enunciadas nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 161.º do CP – violência, ameaça ou astúcia –, intercedendo entre ele e o sequestro uma relação de especialidade: o rapto é um crime especial de sequestro, pelo que em concurso aquele afasta este, por força da lex specialis derrogat lex generalis – cf. Actas CP, Figueiredo Dias, 1993, pág. 241, e Ac. do STJ de 3004-1997 (CJSTJ, V, tomo 2, pág. 189).
Basta o dolo genérico no sequestro, mas não se prescinde de um dolo específico no rapto (art. 161.º, n.º 1, do CP), crime cortado em que o tipo subjectivo contém uma intenção de realização de um resultado que não faz parte do tipo objectivo mas que é provocado por uma ação ulterior a praticar pelo agente ou terceiro.
Como refere Figueiredo Dias (Direito Penal, Parte Geral, Tomo 1, 2.ª Ed., 1005 e ss.) o «critério de primacial relevo para a conclusão pela tendencial unidade substancial do facto – apesar da pluralidade de tipos legais violados pelo comportamento global – é o da unidade, segundo o sentido social assumido por aquele comportamento, do sucesso ou acontecimento (hoc sensu do “evento” ou “resultado”) ilícito global-final». Isto é, «quando o agente se propôs uma realização típica de certa espécie (…) e, para lograr (e consolidar) o desiderato, se serviu, com dolo necessário ou eventual de métodos, de processos ou de meios já em si mesmos também puníveis».
Ora, no caso em apreço temos dois crimes em que o modo de ação impõe o exercício de violência, sendo que o crime de roubo é um crime de resultado e o crime de rapto é um crime de intenção ou de resultado cortado na medida em que o tipo legal prevê para além do dolo do tipo, a intenção de produção de um resultado que, não faz parte do tipo de ilícito (Figueiredo Dias, Direito Penal, parte geral”, Tomo I, 2ª edição., págs 380-381). Não é, assim, necessária a verificação do resultado, basta que o agente tenha a intenção, no caso em apreço, de submeter a vítima a extorsão.
No caso concreto, os arguidos FF, GG, QQ e AA em comunhão de esforços e vontades planearam o rapto de DD com o intuito de lhe extorquir dinheiro, sendo que FF e GG foram os executores de tal plano, sendo AA o mandante.
A intenção primária destes arguidos era, assim, a prática de actos conducentes ao crime de rapto.
Ocorre que na execução de tais condutas os arguidos FF e GG, aproveitando a situação de subjugação de DD face às agressões e ameaças a que foi sujeito no âmbito do desenvolvimento do plano para o raptar, decidiram, também subtrair as peças de ouro que DD tinha consigo, intenção que executaram, sendo que o crime de roubo praticado por estes arguidos consumou-se.
No entanto, as agressões e as ameaças para lograrem obter dinheiro deste ofendido continuaram muito para além do momento em que se consumou o crime de roubo, mantendo-se esta vítima privada da sua liberdade mesmo após ter sido desapossado dos seus bens em ouro.
A jurisprudência tem-se debatido com esta questão de concurso de crimes, mas na perspetiva da relação entre o crime de roubo e de sequestro.
Apesar da controvérsia doutrinária, a jurisprudência tradicional do STJ, no que se reporta à relação entre o crime de roubo e o crime de sequestro, entende que quando a privação da liberdade excede a estritamente necessária para a execução do roubo, quando for desproporcionada para esse fim, quando se prolongar desnecessariamente para além da apropriação de bens, o crime de sequestro adquire autonomia, verificando-se um concurso efetivo de crimes.
Ora, idêntico raciocínio deve ser feito quanto à relação entre o crime de roubo e de rapto.
No caso concreto, após a consumação do crime de roubo, os arguidos FF e GG continuaram a viagem para a casa sita na ..., permanecendo o ofendido privado da sua liberdade de movimento, sendo que na referida habitação foi barbaramente agredido e ameaçado com armas de fogo em cumprimento da intenção inicial destes arguidos e de AA de extorquir dinheiro ao mesmo. Tal comportamento apenas cessou ao final da tarde quando os arguidos FF e GG o libertaram após já terem na sua posse um código de levantamento de dinheiro.
Assim, concluiu-se que a privação da liberdade de movimentos do ofendido ultrapassou a medida naturalmente associada à prática do roubo, pelo que tal privação de liberdade para os fins específicos do rapto não é consumida pelo crime de roubo, porque continuou para além da prática da subtração violenta dos bens móveis do ofendido. A duração da privação da liberdade que este ofendido sofreu não foi a necessária para a subtração que já tinha ocorrido, mas sim, para que estes arguidos e AA extorquissem dinheiro ao ofendido.
A vontade que, em concreto, animou o agente do crime, i.e. no desígnio criminoso, dos arguidos FF e GG foi para além da subtração do ouro, sendo que tal desígnio continuou no tempo em execução da intenção de extorsão de dinheiro a este ofendido.
Existe, pois, um concurso real ou efectivo entre o crime de roubo e o crime de rapto, sendo que o crime de roubo surge aqui como um crime de oportunidade praticado apenas pelos arguidos FF e GG, pois quanto ao arguido AA e QQ inexiste prova que estes tenham aderido a este comportamento dos arguidos.
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(…)
Do crime de tráfico de estupefacientes:
Os arguidos FF, GG, HH e II mostram-se acusados da prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, p. e p. pelos arts. 25.º, al. a), do D.L. 15/93, de 22-01, por referência à tabela I-C anexa ao mesmo diploma legal e o arguido II também por referência à tabela I-B.
O art. 21.º, n.º 1, do referido diploma, determina que: “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, ... vender (…) ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido ...”.
Por sua vez o art. 25.º dispõe que: “Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: ...”
Os casos previstos no art. 40.º são de consumo pelo que, atenta a matéria de facto apurada, não tem relevância para o caso sub judice, desde logo porque não resultou provado que o estupefaciente apreendido fosse destinado, exclusivamente, ao consumo próprio dos arguidos.
De todo o preâmbulo deste DL, que contém disposições penais que criminalizam a detenção, o tráfico e o consumo de estupefacientes, resulta que o escopo do legislador é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia.
Desta forma é possível distinguir diversos bens jurídicos protegidos com a incriminação do tráfico de estupefacientes: a vida, a integridade física, a liberdade de determinação dos consumidores de estupefacientes.
No entanto, todos eles podem ser englobados num bem abrangente: a saúde pública em geral.
Não requerendo que se verifique, em concreto, o dano na saúde de alguém, o crime - em razão do seu objecto formal ou jurídico - constitui um crime de perigo.
É um crime de perigo comum, porquanto a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos. É, ainda, um crime de perigo abstracto pois não exige o dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos com a incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos, abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para causar um perigo para um desses bens jurídicos.
Neste crime formal de perigo comum o bem jurídico tutelado é, como referimos, o da saúde pública, pelo que se consuma através de uma das acções aí descritas com a vontade livremente dirigida a essa acção, sabendo o agente que procede em discordância com determinação legal, não se exige que o agente actue com fim específico ou subjectivo. A este respeito, o Ac. do STJ de 23-09-92, acrescenta que: “o conhecimento do fim visado só pode interessar para efeitos de determinação da ilicitude do facto e, no caso de ser para consumo próprio, para a qualificação do crime”.
Pelo que, a ilicitude verifica-se com a simples detenção de substância estupefaciente que, pelas suas qualidades, é nociva para a saúde humana, pelo perigo que tal situação potencia.
Como resulta da factualidade apurada o arguido II no dia ...-...-2023 detinha 0,162 gramas de cocaína, suficiente para a elaboração de uma dose diária que não destinava ao seu consumo, conhecendo as características e natureza do estupefaciente em causa e que a sua detenção era proibida por lei – factos 112) e 124).
Por sua vez, os arguidos FF e GG detinham para venda um total de 50,125 gramas de cannabis, suficiente para a elaboração de 275 doses diárias individuais que destinavam a venda – vide factos 113) e 124).
Por fim, o arguido HH no período compreendido entre ...de 2023 até ...-...-2023 procedeu à venda de canábis a terceiros – factos 115) e 124).
Daí que a detenção pelos arguidos para cedência ou venda dos produtos estupefaciente supra referidos seja uma conduta ilícita.
Os arguidos conheciam as características do produto apreendido, não ignorando que a detenção, cedência e venda desse produto é uma actividade proibida por lei, pelo que o seu comportamento foi doloso. Encontra-se, assim, preenchido o elemento subjectivo, na modalidade de dolo directo do crime em referência, ficando assim demonstrada a tipicidade.
Chegados a este ponto, confrontamo-nos com o facto de as condutas dos arguidos se subsumirem em duas disposições legais.
Vejamos que relação existe entre estas:
O art. 21º, nº 1, do Dec. Lei 15/93 assume um cariz matricial em relação ao crime p. e p. no art. 25º do mesmo diploma legal, apenas quando se provem as contingências deste último artigo se afastará a conduta da previsão do art. 21º, nº 1.
O art. 25º do diploma em análise prevê, sob a epígrafe “Tráfico de menor gravidade”, um crime de tráfico privilegiado, ao dispor que será aplicada pena mais leve quando, apesar de a conduta ser incriminada pelo art. 21º, “a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente...”, exige do intérprete, fundamentalmente, que equacione se a imagem global do facto se enquadra ou não dentro dos limites da moldura fixada no art. 21º, sob pena de a reação criminal ser, à partida, desproporcionada.
Ao estatuir as molduras penais dos arts. 21º e 22º, o legislador previu as mais diversas formas e graus de realização do facto, desde os da menor até aos da maior gravidade pensáveis, tendo fixado, em função daquelas, o limite mínimo e, em função destes, o limite máximo da moldura penal respetiva, mas para além disso fixou as penas para casos que estão fora da previsão dos arts. 21º e 22º.
Consagrou para o efeito o critério da diminuição considerável da ilicitude do facto, adotando a denominada técnica dos exemplos-padrão, uma vez que só exemplificativamente fornece o substrato a partir do qual se poderá concluir por aquela diminuição sobre esta técnica.
Significa, isto, duas coisas fundamentais: por um lado, “os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações” são meramente indiciadores da consideravelmente diminuída ilicitude do facto; por outro, não sendo a enumeração esgotante, mas só exemplificativa, o tribunal pode concluir que a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída, apesar de o substrato que funda esta conclusão ser alheio à enumeração prevista no art. 25º., sendo que é a diminuição considerável da ilicitude do facto, o pressuposto fundamental de aplicação do art. 25º.
Lourenço Martins apelida o preceito de válvula de segurança do sistema, pois evita que situações de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que se utilize indevidamente uma atenuante especial.
Passemos em revista cada uma das circunstâncias previstas no art. 25º, em concreto, por forma a determinar a sua aplicabilidade ao caso sub judice.
Atinentes à própria ação típica: Quanto “aos meios utilizados”, os quais hão-de revelar a organização e a logística do agente: a matéria de facto apresenta-as como alguém que à data, dispondo direta e necessariamente de reduzida capacidade económica, pelo que sem «vocação» para um tráfico minimamente organizado. No que concerne “à modalidade ou circunstâncias da ação”, ou seja, qual a perigosidade para a difusão do tráfico: a figura aproxima-se mais do pequeno traficante de rua do que do simples traficante já com uma organização montada, até porque as quantidades de estupefacientes apreendidas não eram elevadas, sendo que quanto ao arguido II apenas temos uma única situação isolada no tempo em que apenas se logrou provar um tráfico de estupefaciente de muito diminuta dimensão.
Já quanto ao HH também em causa temos de uma actividade muito limitada no tempo e espaço, sendo que efetua venda direta a consumidores.
Respeitantes ao objecto da acção típica: A “qualidade” das plantas ou substâncias terá de ser entendida sempre numa dupla vertente: - A nocividade intrínseca da substância vetada por lei, por referência às tabelas anexas: poder aditivo, virtualidade para criar dependência física (além da psíquica), gravidade das síndromes de privação e abstinencial, riscos de intoxicação aguda, potencialidade criminógena, ...; - A da nocividade do concreto “produto” em si, o que supõe uma detalhada análise toxicológica do mesmo, com vista a determinar, além do princípio activo relevante em termos de “quantidade”, qual a percentagem de adulterantes (substâncias de «corte»), subprodutos de laboração , ...
Em causa temos canábis que causa danos à saúde de quem a consome, mas que não tem a danosidade social associada às chamadas “drogas duras”, nem tem o potencial das referidas drogas para gerar avultado lucro para quem as vende.
Quanto a II apenas se logrou provar a detenção de cocaína suficiente para apenas uma dose diária, sendo que a detenção é proibida uma vez que o arguido referiu claramente que a mesma não era para seu consumo, já que não lhe pertencia o que, como vimos, foi infirmado pela prova que se produziu em julgamento.
A “quantidade” determina-se pelo peso. No caso sub judice cerca 50,125 gr. de canábis (peso líquido) apreendida aos arguidos FF e GG que estes destinavam a venda e apenas 0,162 gramas de cocaína ao arguido II sendo que quanto a este arguido apenas se prova a mera detenção ilícita.
Em relação ao peso, alguns elementos de natureza sistemática podem assumir um papel referencial, vejamos; o disposto nos arts. 26º, nº 3, e 40º, nº 3, do D.L. 15/93, na redação trazida pela Lei n.º 55/2023 - Diário da República n.º 175/2023, Série I de 2023-09-08, em vigor a partir de 2023-10-01.
Se o traficante é encontrado na posse de quantidade superior à necessária para o consumo médio individual pelo período de cinco dias não beneficia de «estatuto» de traficante consumidor.
Por seu lado, nos termos do art. 40.º, n.º 3, do diploma em análise a aquisição e a detenção das plantas, substâncias ou preparações referidas no n.º 1 que exceda a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias constitui indício de que o propósito pode não ser o de consumo.
Feita a referência ao consumo médio individual, necessário se torna a sua concretização para um melhor entendimento da temática em análise. A quantidade a que o preceito alude há-de considerar os limites definidos pela portaria a que alude o nº 1 do art. 71º do D.L. nº 15/93.
Estabelece a Portaria nº 94/96, de 26 de Março, num mapa a que se refere o art. 9º o limite quantitativo máximo 0,5 gr. de canábis resina e de 0,03 para cocaína (éster met.).
Assim, de acordo com a referida portaria os arguidos FF e GG detiveram, em comunhão de esforços e vontades, canábis resina suficiente para 275 doses.
Tendo em conta a matéria de facto dada como provada entende-se que a conduta de ambos os arguidos ainda demonstra uma ilicitude num quadrante que não se mostra compatível com a aplicação do art. 21.º, aproximando-se do vulgar pequeno traficante de rua, pelo que a ilicitude das suas condutas não atinge o patamar exigido pelo art. 21.º do diploma em análise, mas antes preenche o tipo legal presente no art. 25.º.
Estamos, assim, em presença de circunstâncias que refletem uma ilicitude do facto que permite a integração do facto no aludido tipo de crime de tráfico de menor gravidade.
Aliás, numa perspetiva global do comportamento dos arguidos, esse tipo de crime corresponderá mais adequadamente à gravidade e censurabilidade da conduta.
Estes arguidos atuaram em comunhão de um mesmo desígnio e mediante de um plano entre eles traçado, sendo que atuaram na detenção para venda de tal estupefaciente em coautoria.
Quanto ao arguido HH não se prova, quanto à prática do crime em análise qualquer co-autoria, mas uma autoria material, sendo que ainda que resulte dos factos provados que no período entre ...de 2023 e ...-...-2023 este arguido dedicou-se à venda de estupefaciente, certo é que ao mesmo não foi apreendido estupefaciente.
No entanto, tendo em conta que tais vendas ocorreram diretamente a consumidores finais, não havendo uma mínima estrutura organizativa e o período a que se dedicou a esta atividade que se revelou curto entende-se que também quanto a este arguido a sua conduta insere-se no crime de tráfico de menor gravidade.
Todos estes arguidos conheciam as características das substanciais que detiveram, facto que quiseram e sabiam que a sua detenção e venda era proibida por lei.
Pelo exposto, os arguidos FF, GG e HH são jurídico-penalmente responsáveis, os dois primeiros como co-autores materiais e o último como autor material pelo crime p. p. pelo art. 25º, al. a), do D.L. 15/93, que se encontra numa relação de concurso aparente ou de normas (relação de especialidade) com o art. 21º desse diploma legal.
Não existem causas de justificação que excluam a ilicitude indiciada pelas tipicidades objectiva e subjectiva.
Em sede de culpa, o juízo de censurabilidade ético-social que recai sobre o agente em virtude de uma sua atitude de distanciamento com o dever ser jurídico-penal, quando devia e podia determinar-se de acordo com a norma e realizar a conduta esperada pelo direito, verifica-se que os arguidos são imputáveis, agiram com conhecimento da ilicitude e com liberdade de decisão e que não ocorrem causas de exclusão da culpa ou causas de desculpação.
Quanto ao arguido II, como vimos, resulta que este arguido detinha no dia ...-...-2023 0,162 gramas de cocaína – factos 112) e 124), sendo que esta conduta isolada do arguido se inseriria no crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade.
No entanto, e como resulta da certidão proveniente do processo 19/23.3PEBRR, a correr os seus termos no JCC de Almada, J5 este arguido já foi condenado por acórdão proferido em 13-12-2024 e transitado em julgado em 13-01-2025 pela prática no período compreendido entre Abril de 2023 a ...-...-2023 de um crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, de 22-01 pela detenção de venda de estupefacientes, entre os quais cocaína.
A questão que ora se coloca é se esta detenção de estupefaciente deve ser punida de forma autónoma tendo em conta a natureza de crime exaurido do crime de tráfico de estupefacientes.
Em causa está a detenção de cocaína, suficiente apenas para a elaboração de uma dose diária individual que ocorre muito antes da prolação do acórdão proferido no âmbito do processo 19/23.3PEBRR, a correr os seus termos no JCC de Almada, J5 e mesmo antes de deduzida acusação nesses autos (o que ocorreu em 21-11-2023).
O crime de tráfico de estupefacientes é o que vem sendo denominado de crime exaurido, ou seja, um crime que se consuma através da comissão de um primeiro ato de execução, que não corresponde a uma execução completa mas que se irá aperfeiçoando com a prática de novos factos, cada um integrando um hipotético novo crime do mesmo tipo matricial mas que é imputado à ação inicial.
Importa concretizar e delimitar a situação de vida a que se deve atender para resolver a questão da unidade ou pluralidade de facto e do(s) crime(s), não sem antes esclarecer o critério jurídico que se adoptará.
A identidade de facto releva ou interessa quando simultaneamente constituir identidade de crime. Por outras palavras, interessa, não o facto pelo facto, mas o facto com um conteúdo ou uma consequência normativos.
Temos para nós como boa, por conducente a resultado justo por via de correta interpretação da lei, a solução proposta por Figueiredo Dias para o problema da clarificação do mesmo crime e sua distinção de crime diverso, de forma a garantir o princípio do ne bis in idem, a proibição da dupla valoração e “o mandato de esgotante apreciação de toda a matéria tipicamente ilícita submetida à cognição de um tribunal num certo processo penal” (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª ed., 2007, p. 978).
Referimo-nos ao seu critério da unidade ou pluralidade de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global, que a partir de 2007 passou a integrar nas Lições, num capítulo (41º) dedicado à unidade e pluralidade de crimes (loc. cit., pp. 977-1041).
Aí esclarece Figueiredo Dias que “o crime por cuja unidade ou pluralidade se pergunta é o facto punível e, por conseguinte, uma violação de bens jurídico-penais que integra um tipo legal efetivamente aplicável ao caso. A essência de uma tal violação não reside pois nem por um lado na mera “ação”, nem por outro na norma ou no tipo legal que integra aquela ação: reside no substrato de vida dotado de um sentido negativo de valor jurídico-penal, reside (…) no ilícito-típico: é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal, que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta acepção, de crimes.” (loc. cit., pp. 988-989)
E acrescenta que “será a análise do significado do comportamento global que lhe empresta um sentido material (social) da ilicitude (…). Se apenas um tipo legal foi preenchido, será de presumir que nos deparamos com uma unidade de facto punível; a qual, no entanto, também ela, pode ser elidida se se mostrar que um e o mesmo tipo especial de crime foi preenchido várias vezes pelo comportamento do agente. Isto significa que o procedimento não pode em qualquer caso reduzir-se ao trabalho sobre normas, mas tem sempre de ser completado com um trabalho de apreensão do conteúdo de ilicitude material do facto” (loc. cit., pp. 990-991).
Como vimos o crime de tráfico é um crime exaurido, excutido ou de empreendimento, consumando-se logo no primeiro acto de execução, ou seja, “com a realização inicial do iter criminis” (assim Vaz Patto, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Org. Pinto de Albuquerque, José Branco, II, p. 487).
Os subsequentes actos de tráfico serão execução ou continuação de um mesmo crime já iniciado logo no início da actividade.
Assim, “é característica dos crimes exauridos a aplicação unitária e unificadora da sua previsão aos diferentes actos múltiplos da mesma natureza, uma vez que essa previsão diz respeito a um conceito genérico e abstracto (…). Diversos actos que constituiriam infracções independentes e potencialmente autónomas são, assim, tratados como um único crime, uma única realidade criminal que absorve esses actos. A prática destes crimes decorre normalmente durante lapsos de tempo prolongados e só raramente configura um acto esporádico” (Vaz Patto, loc. cit., ainda com indicação extensa de jurisprudência sobre o crime excutido).
Ora, no caso em concreto o arguido II desde pelo menos Abril de 2023 se vem dedicado à cedência/venda de estupefacientes (facto dado como provado no âmbito do processo 19/23.3PEBRR) e nem mesmo o facto de ter sido detido o impediu de continuar com a sua resolução criminosa. O arguido II adoptou sempre o mesmo modo de cedência/detenção de estupefaciente – de pequeno traficante de rua, sendo que até detinha um dos tipos de estupefaciente que no âmbito do processo 19/23.3PEBRR traficava.
Existe uma repetição de actos com a produção de sucessivos resultados e que têm por base um modo de actuar homogéneo por parte do arguido.
Face ao supra referido entendemos que o arguido II apenas pode ser punido pela prática de um único crime, uma vez que o crime de tráfico de estupefacientes é um tipo de crime exaurido, ou seja ainda que o arguido detenha ceda ou venda droga mais do que uma vez, apenas comete um crime de tráfico, por estarmos em face de crimes do tipo exaurido, sendo que esta factualidade podia e devia ter sido apreciada no âmbito do processo 19/23.3PEBRR onde o arguido acabou por ser condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo art. 21.º, do D.L. n.º 15/93, de 22-01, por referência às tabelas anexas II-A, I-C e I-B.
Nesse sentido a doutrina do Ac. do STJ de 18/04/1996, relatado pelo Sr. Conselheiro Sá Nogueira, in CJSTJ, II, p. 170, tirado com um voto de vencido, de cujo sumário citamos referiu-se a este propósito que: "... Crimes exauridos são aqueles que ficam consumados através da comissão de um só acto de execução, ainda que sem se chegar à realização completa e integral do tipo legal pretendido pelo agente. É uma figura criminal em que a incriminação da conduta do agente se esgota nos primeiros actos de execução, independentemente de os mesmos corresponderem a uma execução completa e em que a repetição dos actos como produção de sucessivos resultados, é, ou pode ser, imputada a uma realização única,' o resultado típico é obtido pela realização inicial da conduta ilícita, de modo a que a sua continuação, mesmo que com propósitos diversos do originário, se não traduz necessariamente na comissão de novas violações do respectivo tipo legal. Cada actuação do agente no crime exaurido traduz-se na comissão do tipo criminal, mas o conjunto das múltiplas actuações reconduz-se à comissão do mesmo tipo de crime e é normalmente tratada unificadamente pela lei e pela jurisprudência como correspondente a um só crime. São conhecidos noutras doutrinas por "delito de empreendimento ", "crimes que executam no resultado ou com o resultado" ou "crimes excutidos ", Enquadram-se nesta figura criminal, por exemplo, os crimes de uso de documento falso, de contrafacção de moeda e de tráfico de estupefacientes, nas suas diversas modalidades, em que cada actuação do agente se traduz na comissão do tipo criminal, mas o conjunto das múltiplas actuações do mesmo agente reconduz-se à comissão do mesmo tipo de crime. (...)
O facto de se tratar de crimes exauridos não é incompatível com a circunstância de as condutas que lhes estão subjacentes poderem traduzir actuações com intervalos temporais ou espaciais que permitam o desenvolvimento de processos autónomos, independentes entre si, a gerarem condenações autonomizadas. Assim, a circunstância de o arguido ser ou ter sido preso por mais de uma vez, no âmbito de um mesmo processo, por detenção de estupefacientes, não contém, por si só, a virtualidade de conduzir à conclusão prática de tantos crimes quantas as vezes em que se verificou a sua prisão. ".
Assim, o crime de tráfico de estupefacientes é um crime exaurido, no sentido de que a condenação de alguém pela prática de tal crime, referida a um determinado período de tempo, corresponde a uma apreciação global da sua atividade delituosa durante esse período, independentemente da falta de consideração de algum ou alguns factos parcelares praticados nessa época. Outros factos desse crime, praticados durante esse período, apesar de não conhecidos ou considerados na condenação anterior estão abrangidos pelo caso julgado que ele formou (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-06-1998, in Coletânea de Jurisprudência – acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Tomo III, pág. 167).
Ora, entende-se que a detenção de uma dose de cocaína por parte de II ainda se insere dentro da mesma atividade delituosa pelo qual este foi condenado no âmbito do processo 19/23.3PEBRR, cujo último ato de detenção de estupefaciente ocorre em ... e não é o facto do arguido ter sido acusado em processos diferentes que impede que se chegue a essa conclusão já que a imagem global do facto – atividade delituosa de detenção e venda de estupefaciente por parte deste arguido é a mesma, sendo que nestes autos detinha cocaína, um dos tipos de estupefaciente que vendia e cuja conduta foi apreciada no âmbito do processo 19/23.3PEBRR.
Assim, entende-se que a detenção deste arguido de uma dose de cocaína não pode ser autonomamente valorada em termos de uma nova condenação, já que esta sua atividade ainda deve ser considerada como sendo uma execução da atividade delituosa pelo qual o arguido foi condenado no âmbito do processo 19/23.3PEBRR.
Face ao exposto, a conduta do arguido II ao deter uma dose de cocaína não pode ser alvo de nova condenação, sendo que a mesma deve ser tida como integrante na condenação que o arguido II sofreu no âmbito do processo 19/23.3PEBRR pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo art. 21.º, do D.L. n.º 15/93, de 22-01, por referência às tabelas anexas II-A, I-C e I-B.
Conclui-se pela absolvição do arguido II quanto ao crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade que lhe era imputado. (…)”
II.3.D. Da fundamentação jurídica exarada no acórdão recorrido quanto à determinação das penas (cfr. ref.ª 444520342 de 09-04-2025):
Por fim, é a seguinte a fundamentação da decisão recorrida no que respeita à determinação das penas:
O Código Penal traça um sistema punitivo que arranca do princípio basilar de que as penas devem ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador.
Considerando o art. 161.º, n.º 1, al. a) e c) e n.º 2, al. a), por referência ao art. 158.º, n.º 2, al. a) e b), todos do C.P. encontramos uma pena de 3 a 15 anos de prisão.
Por sua vez quanto ao crime de roubo, p. e p. pelo 210.º, n.º 1, do C.P., encontramos uma pena de prisão de 1 a 8 anos.
O crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, al. a), do D.L. n.º 15/93, de 22-01 é punido com pena de 1 a 5 anos de prisão.
(…)
Em todos estes crimes é o legislador que afasta a aplicação da pena de multa, não havendo, no caso em apreço, de proceder-se à escolha da pena, mas apenas à determinação da medida da pena.
Quanto aos arguidos AA, GG e II estes na data da prática dos factos tinham menos de 21 anos, razão pela qual há que considerar a aplicação do regime penal especial para Jovens.
O juiz deve apreciar em concreto sobre as possibilidades de aplicação desse regime. Trata-se de um poder-dever de averiguar dos pressupostos de facto de aplicação do regime específico dos jovens delinquentes. Tem de resultar da sentença, sob pena de existir omissão de pronúncia - 379.º, n.º1, alínea c), do C.P.P.
O presente regime aplica-se a jovens que tenham cometido um facto qualificado como crime, sendo considerado jovem para efeitos deste diploma o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter atingido os 21 anos (art.º 1.º, n.º 1 e 2, do D.L. n.º 401/82, de 23 de Setembro).
Por sua vez o art. 4.º do citado D.L. refere que se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do C.P., quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
A atenuação especial da pena prevista no art. 4.° do DL 401/82 não se funda nem exige “uma diminuição acentuada da ilicitude e da culpa do agente” nem, contra ela, poderá invocar-se “a gravidade do crime praticado e/ou a defesa da sociedade e/ou a prevenção da criminalidade”. Pois que, por um lado, a lei não exige - para que possa operar – a «demonstração de» (mas a simples «crença em») «sérias razões» de que «da atenuação resultem vantagens para a [sua] reinserção social» (cfr. STJ 27-02-2003, recurso 149/03-5). E já que, por outro, «a atenuação especial da pena a favor do jovem delinquente não pressupõe, em relação ao seu comportamento futuro, um “bom prognóstico”, mas, simplesmente, um “sério” prognóstico de que dela possam resultar “vantagens” para uma (melhor) reinserção social do jovem condenado.
Tanto mais que, tratando-se de jovens delinquentes, são redobradas as exigências legais de afeiçoamento da medida da pena à finalidade ressocializadora das penas em geral. Efetivamente, se, quanto a adultos não jovens, a reintegração do agente apenas intervém para lhe individualizar a pena entre o limite mínimo da prevenção geral e o limite máximo da culpa, já quanto a jovens adultos essa finalidade da pena, sobrepondo-se então à da proteção dos bens jurídicos e de defesa social, poderá inclusivamente - bastando que “sérias razões” levem a crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado” - impor, independentemente da sua (menor) culpa, o recurso à atenuação especial da pena» (STJ 29-01-2004, recurso 3767/03-5): «O que o art. 9.º do CP trouxe de novo aos chamados jovens adultos foi, além do mais, a imperativa atenuação especial (“deve o juiz atenuar”), mesmo que o princípio da culpa o não exija, quando “haja razões sérias para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado” (art. 4.º do DL 401/82)» (ibidem). «A atenuação especial dos art.ºs 72.º e 73.º do CP, uma das principais manifestações do princípio da culpa (ou seja, o de que a pena, ainda que fique aquém do limite mínimo da moldura de prevenção, “em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa” - art. 40.º, n.º 2), beneficia, evidentemente, tanto adultos como jovens adultos. Mas, relativamente aos jovens adultos (art. 2.º do DL 401/82) - e, aí, a diferença -, essa atenuação especial pode fundar-se não só no princípio da culpa (caso em que essa atenuação especial recorrerá aos art.ºs 72.º e 73.º do CP) como, também ou simplesmente, em razões de prevenção especial (ou seja, de reintegração do agente na sociedade)» (ibidem). Nem poderá invocar-se, contra a atenuação especial da pena, o perigo de reincidência (a menos, claro, que esse perigo só possa concretamente debelar-se mediante um dissuasor reforço da pena de prisão).
Como se afirma no Ac. do STJ de 21-09-2006, proc. 3062-06 (relator Cons. Carmona da Mota), de onde respigámos esta jurisprudência, «Relativamente a jovens adultos, em suma, a atenuação especial da pena de prisão - quando (concretamente) aplicável – apenas será de afastar se contra-indicada por uma manifesta ausência de «sérias razões» para se crer que, dela, possam resultar vantagens para a reinserção social do jovem condenado.»
(…)
Por fim, quanto ao arguido AA o mesmo apesar de possuir apoio familiar certo é que o arguido na data da prática dos factos já possuía um antecedente criminal por condução sem habilitação legal e já após este factos foi condenado pela prática de outro crime de condução de veículo sem habilitação legal e pela prática de um crime de ameaça agravada numa pena única de multa.
Também foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada e um crime de detenção de arma proibida na pena única de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos com regime de prova.
Acresce que a atuação deste arguido foi muito grave, sendo que assumiu uma posição de líder no cometimento destes factos, pelo que se entende não aplicar a atenuação proveniente do disposto no art.º 4.º do Dec.-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro quanto ao arguido AA.
A aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade - art. 40.º, n.º 1, do C.P. Tais fins, vulgarmente designados como “prevenção geral positiva ou de integração” e “prevenção especial de socialização”, traduzem, o primeiro, o reforço da consciência comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida e, o segundo, a necessidade de, na aplicação da pena, o julgador efetuar um raciocínio de prognose quanto aos efeitos desta na futura conduta do delinquente, tendo em conta as exigências jurídico-constitucionais próprias de um Estado de Direito material, de intenção social, em que não há alternativa para a realização do dever de auxílio e de solidariedade em que se traduz a ação de socialização exercida sobre o delinquente.
A articulação entre ambas as finalidades faz-se de molde a que seja a prevenção especial a determinar, em último termo, a pena a aplicar, sem prejuízo de não poder descer abaixo do limiar mínimo de prevenção geral, sob pena de o ordenamento jurídico se pôr a si próprio em causa.
Do regime legal subjacente ao CP resulta que o critério de escolha da pena e a determinação da respectiva medida - 70º e 71º do CP, se valida no princípio de que o legislador se encontra limitado pela exigência do respeito pela dignidade da pessoa humana, pelas exigências de prevenção e que toda a pena tem de ter como suporte axiológico normativo uma culpa concreta. Princípio este que significa que não há pena sem culpa, e que a culpa decide sobre a medida da pena a aplicar a cada crime concreto, ou seja, a culpa é o pressuposto de validade e o limite da pena em relação a cada crime. Nas palavras de Figueiredo Dias , “A culpa (…) é o ponto de referência que o julgador não pode ultrapassar; até esse limite jogam então as considerações relativas à prevenção, geral e especial.”
Assim, a medida da pena determina-se em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção, no caso concreto (art. 71.º, n.º 1 do C.P.), atendendo-se a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2 do art. 71.º, do C.P.).
De acordo com os critérios do art. 71.º, foi apurado:
Quanto ao arguido AA:
Este arguido possui apoio familiar junto do seu pai e namorada, sendo que na data da prática dos factos auxiliava o seu pai na oficina de reparação de automóveis explorada por este último.
Apesar de tais fatores beneficiarem este arguido os mesmos já preexistiam na data dos factos e não foram impeditivos da prática dos factos por parte deste arguido.
A seu favor temos a sua idade, sendo que o mesmo tinha apenas 20 anos quando cometeu estes factos.
Contra si temos a elevada ilicitude culpa da sua conduta espelhada no facto deste assumir um papel de líder no cometimento destes factos por parte dos demais arguidos, face ao que já se referiu em supra, o que agrava a ilicitude e a sua culpa.
Tal ilicitude e culpa também são elevadas face à gravidade das condutas dadas como provadas. Mesmo numa comarca em que grassa a criminalidade violenta (felizmente) raramente encontramos atos de tamanha violência e crueldade.
O sofrimento e as consequências para estes ofendidos são significativos, sendo que este arguido reiterou a sua conduta em cada um dos atos praticados sobre estes ofendidos, sempre na posição de chefia e de líder de tal atuação, pelo que o seu dolo é muito intenso.
Face ao que se referiu em supra são também muito elevadas as exigências de prevenção geral quanto a este arguido face não só ao típico alarme que este tipo de condutas comporta, bem como ao elevado número de ilícitos desta natureza que são cometidos nesta comarca e quase sempre ligados ao mundo do tráfico.
Acresce que se impõe reforçar a vigência das normas comunitárias, sendo que deve ser severamente repudiado qualquer situação de justiça privada.
Quanto às exigências de prevenção especial as mesmas são muito elevadas quanto a este arguido. O arguido AA possui averbadas no seu registo criminal três condenações, duas por crimes de natureza estradal e um crime de ameaça em penas de multa e uma condenação, transitada em julgado em 07-11-2024 pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/06, de 23-02 e um crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos, com regime de prova.
Contra este ofendido temos os dias de doença sofridos por BB e por DD, sendo que para além de tais dias de doença temos as consequências graves na vida de todos os ofendidos que para além de intensa dor e medo que sentiram em consequência da atuação dos arguidos temos ainda os traumas que este tipo de conduta deixou, indo ao ponto de BB se mudar para o norte do país e DD mudar de casa.
Note-se que os arguidos não se limitaram a privar de liberdade estes ofendidos e de os ameaçar, para além das agressões com murros e pontapés, perpetradas em grupo, ainda usaram paus para bater, cabos de eletricidade que deixaram vergões no corpo das vítimas, com especial enfoque em CC que tem as costas todas vergastadas e, por fim, queimaram o corpo de BB e de DD com a lâmina de uma faca, indo ao ponto de os ameaçar com armas de fogo.
Este tipo de comportamento demonstra uma enorme insensibilidade ao direito, desprezo pelo outro, pelo seu sofrimento e condição humana o que releva enormes carências de sociabilização por parte dos arguidos, em especial deste arguido que tinha uma posição de chefia.
Quanto ao arguido EE:
Apenas foi apurado a favor deste arguido que o mesmo tem apoio familiar e que na data dos factos trabalhava no café explorado pela sua companheira e pela mãe desta. No entanto, tais elementos já se encontravam presentes na data da prática dos factos e não se mostraram suficientes para impedir o arguido de delinquir nos termos dados como provado. Aliás, na data dos factos a companheira do arguido estava grávida das suas duas filhas gémeas e nem mesmo esse facto levou a que o arguido refletisse e se abstivesse de delinquir.
A favor do arguido temos o seu bom comportamento prisional e de se encontrar, atualmente, abstinente do consumo de estupefacientes.
Contra si temos a elevada ilicitude culpa da sua conduta espelhada no facto deste assumir um papel de líder, conjuntamente com o arguido AA, no cometimento destes factos por parte dos demais arguidos, face ao que já se referiu em supra, o que agrava a ilicitude e a sua culpa.
Tal ilicitude e culpa também são elevadas face à gravidade das condutas dadas como provadas. Como referimos, mesmo numa comarca em que grassa a criminalidade violenta (felizmente) raramente encontramos atos de tamanha violência e crueldade.
O sofrimento e as consequências para os ofendidos BB e CC são significativos, sendo que este arguido reiterou a sua conduta em cada um dos atos praticados sobre estes ofendidos, sempre na posição de chefia de tal atuação, pelo que o seu dolo é muito intenso.
Face ao que se referiu em supra são também muito elevadas as exigências de prevenção geral quanto a este arguido face não só ao típico alarme que este tipo de condutas comporta, bem como ao elevado número de ilícitos desta natureza que são cometidos nesta comarca e quase sempre ligados ao mundo do tráfico.
Acresce que se impõe reforçar a vigência das normas comunitárias, sendo que deve ser severamente repudiado qualquer situação de justiça privada.
Quanto às exigências de prevenção especial as mesmas são muito elevadas quanto a este arguido. O arguido EE possui averbado no seu registo criminal quatro condenações por crimes de condução de veículo sem habilitação legal, três em penas de multa e uma em pena de prisão suspensa na sua execução, sendo que a referida pena foi extinta em 01-10-2022. Também possui uma condenação por crime de furto qualificado em 10 meses de prisão substituída por pena de multa, já declarada extinta pelo seu cumprimento e possui uma condenação, proferida em 24-10-2022, mas só transitada em julgado em 05-07-2024 pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, estando, atualmente, à ordem desses autos em cumprimento de pena.
Contra este ofendido temos os dias de doença sofridos por BB, sendo que para além de tais dias de doença temos as consequências graves na vida deste ofendido e de CC. Para além de intensa dor e medo que sentiram em consequência da atuação dos arguidos temos ainda os traumas que este tipo de conduta deixou, indo ao ponto de BB se mudar para o norte do país.
Também contra este arguido temos os dias de doença sofridos por BB que foram já consideráveis – 45 dias de doença, 20 dos quais de afetação da capacidade de trabalho geral.
Na verdade, BB esteve privado da sua liberdade 23 dias – muito para além dos dois dias que a lei impõe para a qualificativa presente no art. 158.º, n.º 2, al. a), do C.P., sendo que sofreu de forma atroz já que não só teve que suportar as dores provenientes das mazelas causadas pelos impactos de socos, pontapés e com paus e cabos de eletricidade ainda teve que suportar a convalescença das queimaduras que tinha no seu corpo, algumas já com alguma dimensão, apenas com betadine e bephantene, tendo ficado com cicatrizes permanentes no seu corpo que serão sempre uma lembrança daquilo que esta vítima passou em consequência da atuação destes arguidos.
Note-se que os arguidos não se limitaram a privar de liberdade estes ofendidos e de os ameaçar, para além das agressões com murros e pontapés, perpetradas em grupo, ainda usaram paus para bater, cabos de eletricidade que deixaram vergões no corpo das vítimas, com especial enfoque em CC que tem as costas todas vergastadas, sendo que EE foi quem mais contribuiu para tais lesões por fim, queimaram o corpo de BB com a lâmina de uma faca, indo ao ponto de os ameaçar com armas de fogo.
Este tipo de comportamento demonstra uma enorme insensibilidade ao direito, desprezo pelo outro, pelo seu sofrimento e condição humana o que releva enormes carências de sociabilização por parte dos arguidos, em especial deste arguido que tinha uma posição de chefia.
(…)
Quanto ao arguido FF:
A favor deste arguido temos o facto do mesmo não ter antecedentes criminais registados e ter apoio familiar, fator protetor que já existia antes da prática dos factos e que não impediu o arguido de delinquir.
Este arguido tinha a vida estruturada, tinha hábitos de trabalho e foi numa recaída de consumos de estupefaciente que perdeu o apoio da companheira que o expulsou de casa, tendo este arguido passado a conviver com os demais co-arguidos, embrenhando-se, cada vez mais, no mundo do tráfico de estupefacientes e da criminalidade associada ao mesmo.
O arguido tem três filhos menores e para além da companheira que está disponível para o ajudar, tem o apoio do pai que lhe arranjará trabalho quando este sair do estabelecimento prisional. O arguido também manifestou acordo em buscar tratamento médico à sua dependência que tem vindo a lutar a maior parte da sua vida.
Quanto à sua atuação em cada um dos raptos o mesmo teve uma participação relevante e deveras censurável, agredindo as vítimas e as ameaçando. Ele foi um dos arguidos que chicoteou o ofendido BB, bateu com um pau em CC e ameaçou com armas de fogo a vítima DD, tendo batido com partes de uma arma no seu corpo.
O seu comportamento foi, assim, reiterado e nem mesmo tendo participado e assistido ao sofrimento das vítimas BB e CC, fez com que não agisse da forma dada como provada quanto ao ofendido DD, tendo sido completamente imune ao seu sofrimento.
Assim, é elevada a sua culpa, ilicitude e tendo agido com dolo intenso.
Já quanto à sua atuação que integra o crime de tráfico de estupefaciente a gravidade da sua conduta têm-se, dentro do quadro de um crime de tráfico de menor gravidade, como mediana.
Quanto ao crime de roubo o mesmo tratou-se de um crime de oportunidade, sendo que a ilicitude é também mediana atendendo a que os arguidos aproveitaram-se do estado de inferioridade de DD que havia sido privado da sua liberdade, batido e ameaçado com arma de fogo para subtraírem tais peças em ouro as quais o ofendido tinha grande estima.
Face ao que se referiu em supra são também muito elevadas as exigências de prevenção geral quanto a este arguido face não só ao típico alarme que este tipo de condutas comporta, bem como ao elevado número de ilícitos desta natureza que são cometidos nesta comarca e quase sempre ligados ao mundo do tráfico.
Acresce que se impõe reforçar a vigência das normas comunitárias, sendo que deve ser severamente repudiado qualquer situação de justiça privada.
Quanto às exigências de prevenção especial as mesmas são muito elevadas quanto a este arguido. Apesar deste arguido ter antecedentes criminais pela prática de crimes de natureza rodoviária, tendo sido condenado três vezes em penas de multa, a gravidade do seu comportamento e a forma cruel como agrediu estes ofendidos demonstra alguém insensível ao sofrimento humano e até desprezo pelo outro, como se vida humana de pouco valesse.
Contra este ofendido temos os dias de doença sofridos por BB, sendo que para além de tais dias de doença temos as consequências graves na vida deste ofendido e de CC. Para além de intensa dor e medo que sentiram em consequência da atuação dos arguidos temos ainda os traumas que este tipo de conduta deixou, indo ao ponto de BB se mudar para o norte do país.
Também contra este arguido temos os dias de doença sofridos por BB que foram já consideráveis – 45 dias de doença, 20 dos quais de afetação da capacidade de trabalho geral - e para DD – 30 dias de doença, 15 dos quais de afetação da capacidade de trabalho geral.
Na verdade, BB esteve privado da sua liberdade 23 dias – muito para além dos dois dias que a lei impõe para a qualificativa presente no art. 158.º, n.º 2, al. a), do C.P. -, sendo que, como vimos, sofreu de forma atroz já que não só teve que suportar as dores provenientes das mazelas causadas pelos impactos de socos, pontapés e com paus e cabos de eletricidade ainda teve que suportar a convalescença das queimaduras que tinha no seu corpo, algumas já com alguma dimensão, apenas com betadine e bephantene, tendo ficado com cicatrizes permanentes no seu corpo que serão sempre uma lembrança daquilo que esta vítima passou em consequência da atuação destes arguidos.
O mesmo se diga quanto ao ofendido DD que também foi queimado com a lâmina de uma faca em ...-...-2023.
Assim, a conduta deste arguido foi reiterada também quanto ao ofendido DD, demonstrando que FF não se arrependeu, minimamente, de ter agredido da forma dada como provada BB e CC, já que repete esta conduta em dia diverso com o ofendido DD.
Note-se que os arguidos não se limitaram a privar de liberdade estes ofendidos e de os ameaçar, para além das agressões com murros e pontapés, perpetradas em grupo, ainda usaram paus para bater, cabos de eletricidade que deixaram vergões no corpo das vítimas, com especial enfoque em CC que tem as costas todas vergastadas, queimaram o corpo de BB e de DD com a lâmina de uma faca, indo ao ponto de os ameaçar com armas de fogo.
Este tipo de comportamento demonstra uma enorme insensibilidade ao direito, desprezo pelo outro, pelo seu sofrimento e condição humana o que releva enormes carências de sociabilização por parte dos arguidos.
Acresce que este arguido apenas cessou os seus consumos que o ligaram ao mundo da criminalidade ligada ao tráfico de estupefaciente quando foi detido, mesmo tendo em conta o apoio que beneficiou por parte da sua família e a experiência passado do arguido de anteriores consumos.
Assim, entende-se serem elevadas as exigências de prevenção especial.
(…)
Quanto ao arguido HH:
A favor deste arguido foi apurado que o mesmo não tem antecedentes criminais registados, possui apoio familiar, sendo forte a ligação deste arguido com a sua avó e a sua mãe, sendo que o mesmo era bem visto no meio onde se inseria.
Na data da prática dos factos este arguido mostra-se sem ocupação laboral.
Também a seu favor temos o curto espaço de tempo a que se dedicou ao tráfico de estupefaciente, estando em causa um tráfico de rua incipiente, sendo a ilicitude da sua conduta quanto a este crime próxima do limite mínimo.
Contra o arguido temos a gravidade da sua conduta ao agir em co-autoria com os demais arguidos e ao agredir nos termos dados como provados os ofendidos BB e CC, sendo graves as consequências para estes ofendidos.
Para além das sequelas permanentes que BB sofreu, temos as sequelas psicológicas graves que ambos os ofendidos padeceram - o pânico extremo, a dor atroz que sentiram ao serem agredidos não só com pontapés e murros, mas com paus, com cabos de eletricidade e outros objetos – televisão – e ainda o ofendido BB ao ter sido queimado com a lâmina aquecida de uma arma branca.
Assim, é elevada a ilicitude da sua conduta, bem como a sua culpa.
Quanto às exigências de prevenção geral as mesmas são elevadas face ao que já se referiu em supra, sendo enorme o alarme social que este tipo de condutas provoca na comunidade, importando reafirmar a validade das normas jurídicas violadas através do comportamento dos arguidos.
Relativamente às exigências de prevenção especial há que ter em conta que o arguido não possui antecedentes criminais, possui apoio familiar sólido, mas tal facto já existia antes da prática destes factos e não levou o arguido a se abster da prática destes factos.
É certo que o arguido, em sede de audiência de julgamento, reconheceu a gravidade das consequências sofridas pelos ofendidos BB e CC, tendo até reconhecido, parcialmente (numa pequena parte) a sua intervenção, ainda que tenha tentado diminuir a gravidade da mesma, mas não pode deixar-se de ter em conta que mesmo após ter agredido BB voltou a agredir CC sabendo que estes ofendidos estavam privados da sua liberdade, estavam apenas de roupa interior a serem espancados por várias pessoas pelo facto dos arguidos pretenderem que estes revelassem o paradeiro da mala com o dinheiro. Ciente disso tudo este arguido agrediu, da forma dada como provada ambos os arguidos, o que revela insensibilidade pelos mais básicos princípios de respeito pela vida e dignidade humanas.
Acresce que o arguido estava desempregado naquele período, consumindo canábis em forma de resina.
Assim, entende-se que, também quanto a este arguido, são elevadas as exigências de prevenção especial.
Finalmente, quanto ao arguido QQ:
Há que ter em conta que foi este o arguido que mais contribuiu para a boa decisão da causa, sendo que confessou parcialmente a sua conduta.
Também tem apoio dos seus familiares e mantém bom comportamento prisional, estando a ser medicado, mantendo tratamento à sua adição de estupefacientes.
No entanto, contra o arguido temos o facto do mesmo não ter emprego estruturado desde o ano de 2020, sendo que ocupava o seu tempo a consumir estupefacientes e a conviver com outros consumidores.
De facto, QQ na data da prática dos factos para além de consumir canábis em forma de resina também consumia, desde 2016/17 cocaína, com especial relevo para “crack” – cocaína cozida e anfetaminas.
O arguido chegou a pedir ajuda médico-psicológica no ..., tendo sido medicado com psicofármacos. Também teve a possibilidade de ingressar comunidade terapêutica, mas, por falta de motivação do arguido, nunca foi viável a concretização de tal tipo de tratamento.
Não obstante, o arguido após a sua reclusão à ordem destes autos, manteve tratamento à sua dependência, mantendo-se abstinente de consumos de estupefacientes, tendo mostrado vontade de manter o tratamento a que está sujeito.
Contra o arguido temos o grau da ilicitude da sua conduta e a o grau da sua culpa tendo em conta a sua atuação em cada uma das situações em que atuou como co-autor.
Assim, quanto à sua atuação em cada um dos raptos o mesmo teve uma participação relevante quanto às vítimas BB e CC, sendo que foi na sua casa e que os mesmos foram agredidos de forma bárbara, sendo que o arguido agrediu fisicamente estes ofendidos com murros e pontapés e permitiu que as agressões sucessivas e privação da liberdade destes ofendidos ocorresse na sua casa.
Quanto à sua atuação no que diz respeito ao ofendido DD a mesma foi menos ativa, mas acabou por aderir ao plano de rapto deste ofendido, pressionando-o a pagar o dinheiro exigido.
O seu comportamento foi, assim, reiterado e nem mesmo tendo participado e assistido ao sofrimento das vítimas BB e CC, fez com que não agisse da forma dada como provada quanto ao ofendido DD, tendo sido completamente imune ao seu sofrimento.
Assim, é elevada a sua culpa, ilicitude e tendo agido com dolo intenso.
Face ao que se referiu em supra são também muito elevadas as exigências de prevenção geral quanto a este arguido face não só ao típico alarme que este tipo de condutas comporta, bem como ao elevado número de ilícitos desta natureza que são cometidos nesta comarca e quase sempre ligados ao mundo do tráfico.
Acresce que se impõe reforçar a vigência das normas comunitárias, sendo que deve ser severamente repudiado qualquer situação de justiça privada.
Quanto às exigências de prevenção especial as mesmas são muito elevadas quanto a este arguido.
O arguido possui antecedentes criminais pela prática de crimes de ofensa à integridade física qualificada, tendo sido condenado em penas de prisão substituídas por penas de multa. Também foi condenado pela prática do crime de injúria agravada em pena de multa.
Contra este ofendido temos os dias de doença sofridos por BB e DD, sendo que para além de tais dias de doença, temos as consequências graves na vida destes ofendidos e de CC. Para além de intensa dor e medo que sentiram em consequência da atuação dos arguidos temos ainda os traumas que este tipo de conduta deixou, indo ao ponto de BB se mudar para o norte do país.
Também contra este arguido temos os dias de doença sofridos por BB que foram já consideráveis – 45 dias de doença, 20 dos quais de afetação da capacidade de trabalho geral - e para DD – 30 dias de doença, 15 dos quais de afetação da capacidade de trabalho geral.
Na verdade, BB esteve privado da sua liberdade 23 dias – muito para além dos dois dias que a lei impõe para a qualificativa presente no art. 158.º, n.º 2, al. a), do C.P. -, sendo que, como vimos, sofreu de forma atroz já que não só teve que suportar as dores provenientes das mazelas causadas pelos impactos de socos, pontapés e com paus e cabos de eletricidade ainda teve que suportar a convalescença das queimaduras que tinha no seu corpo, algumas já com alguma dimensão, apenas com betadine e bephantene, tendo ficado com cicatrizes permanentes no seu corpo que serão sempre uma lembrança daquilo que esta vítima passou em consequência da atuação destes arguidos.
O mesmo se diga quanto ao ofendido DD que também foi queimado com a lâmina de uma faca em ...-...-2023.
Assim, a conduta deste arguido foi reiterada também quanto ao ofendido DD, demonstrando que este arguido não se arrependeu de ter agredido da forma dada como provada BB e CC, já que repete esta conduta em dia diverso com o ofendido DD.
Note-se que os arguidos não se limitaram a privar de liberdade estes ofendidos e de os ameaçar, para além das agressões com murros e pontapés, perpetradas em grupo, ainda usaram paus para bater, cabos de eletricidade que deixaram vergões no corpo das vítimas, com especial enfoque em CC que tem as costas todas vergastadas, queimaram o corpo de BB e de DD com a lâmina de uma faca, indo ao ponto de os ameaçar com armas de fogo.
Este tipo de comportamento demonstra uma enorme insensibilidade ao direito, desprezo pelo outro, pelo seu sofrimento e condição humana o que releva enormes carências de sociabilização por parte dos arguidos.
Acresce que este arguido apenas cessou os seus consumos que o ligaram ao mundo da criminalidade ligada ao tráfico de estupefaciente quando foi detido, mesmo tendo em conta o apoio que beneficiou no ....
Assim, entende-se serem elevadas as exigências de prevenção especial.
Ponderando tudo o que se acaba de referir, e atendendo a moldura prevista para os crimes em causa, tenho por adequada a aplicação:
- Quanto ao arguido AA:
- Pela prática de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº 161º, nº. 1, a) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, a) e b), ambos do Código Penal (ofendido BB) a pena de 8 (oito) anos de prisão;
- Pela prática de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 161º, nº. 1, a) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, b), ambos do Código Penal (ofendido CC) a pena de 7 (sete) anos de prisão; e
- Pela prática de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 161º, nº. 1, a) e c) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, b), ambos do Código Penal (ofendido DD) a pena de 7 (sete) anos de prisão.
- Quanto ao arguido EE:
- Pela prática de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 161º, nº. 1, a) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, a) e b), ambos do Código Penal (ofendido BB) a pena de 8 (oito) anos de prisão e
- Pela prática de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 161º, nº. 1, a) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, b), ambos do Código Penal (ofendido CC) a pena de 7 (sete) anos de prisão.
- Quanto ao arguido FF:
- Pela prática em co-autoria material de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 161º, nº. 1, a) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, a) e b), ambos do Código Penal (ofendido BB) a pena de 7 (sete) anos de prisão.
- Pela prática em co-autoria material de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 161º, nº. 1, a) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, b) ambos do Código Penal (ofendido CC) a pena de 6 (seis) anos de prisão.
- Pela prática em co-autoria material de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 161º, nº. 1, a) e c) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, b), ambos do Código Penal (ofendido DD) na pena de 6 (seis) anos de prisão.
- Pela prática em co-autoria material de um crime de roubo, p. e p. pelo Artº. 210º, nº. 1, do Código de Penal na pena de 3 (três) anos de prisão; e
- Pela prática em co-autoria material de um crime de tráfico de menor gravidade, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 25º, a), do DL 15/93 de ..., por referência à Tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal na pena de 2 (dois) anos de prisão.
(…)
- O arguido HH:
- Pela prática em co-autoria material de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº 161º, nº. 1, a) e n.º 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, a) e b), ambos do Código Penal (ofendido BB) na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão e
- Pela prática em co-autoria material de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 161º, nº. 1, a) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, b), ambos do Código Penal (ofendido CC) na pena de 6 (seis) anos de prisão;
- Pela prática, em autoria material de um crime de tráfico de menor gravidade, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 25º, al. a), do DL 15/93 de ..., por referência à Tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
(…)
- Quanto ao arguido JJ:
- Pela prática em co-autoria material de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 161º, nº. 1, a) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, a) e b), ambos do Código Penal (ofendido BB) a pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão.
- Pela prática em co-autoria material de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 161º, nº. 1, a) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, b) ambos do Código Penal (ofendido CC) a pena de 6 (seis) anos de prisão.
- Pela prática em co-autoria material de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelo Artº. 161º, nº. 1, a) e c) e nº. 2, a), por referência ao Artº. 158º, nº. 2, b), ambos do Código Penal (ofendido DD) na pena de 6 (seis anos) de prisão.
*
De harmonia com o disposto no art. 77.º do C.P. torna-se necessário efetuar o cúmulo jurídico das penas parcelares impostas aos arguidos.
Como moldura do cúmulo temos:
Quanto ao arguido AA - limite máximo de 22 anos de prisão e como limite mínimo de oito anos de prisão.
Quanto ao arguido EE – limite máximo de 15 anos de prisão e limite mínimo de 8 anos de prisão.
Quanto aos arguidos FF e GG – limite máximo de 24 anos de prisão e limite mínimo de 7 (sete) anos de prisão.
Quanto ao arguido HH – limite máximo de 14 anos de prisão e como limite mínimo 6 anos e 6 meses de prisão.
(…)
Quanto ao arguido QQ – limite máximo de 18 (dezoito) anos e 8 (oito) meses de prisão e como limite mínimo 6 anos e 8 (oito) meses de prisão.
Tendo em conta a moldura penal abstrata dos cúmulos, suscetíveis, in casu, de ser aplicada, a matéria de facto apurada, designadamente o facto dos crimes terem sido cometidos num espaço temporal muito circunscrito, mas não deixando de ter em conta a gravidade da factualidade em causa e a personalidade evidenciada por cada um dos arguidos, não deixando de ter em conta a atuação e papel de cada um dos arguidos entendemos ajustado fixar a aplicação da pena única:
- de 13 (treze) anos de prisão quanto ao arguido AA;
- de 10 (dez) anos de prisão quanto ao arguido EE;
- de 12 (doze) anos de prisão quanto ao arguido FF;
(…)
- 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão quanto ao arguido HH;
(…)
- 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão quanto ao arguido QQ.
II.4. Da apreciação das questões objeto dos recursos:
Cumpre agora analisar as já elencadas questões suscitadas pelos recorrentes (cfr. II.2.B.):
II.4.A. Da nulidade do acórdão:
II.4.A.a. Da nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação (cfr. art.º 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.P.):
O recorrente FF pugna que o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação no que se refere à matéria de facto provada, nomeadamente “quanto aos atos de participação do arguido nos factos e ao seu grau de envolvimento nos factos antes praticados pelo demais arguidos” e a aspetos das suas condições pessoais (cfr. I.2.C.a.).
Em resposta, o Ministério Público pugna que o acórdão recorrido é exaustivamente completo na parte da fundamentação (cfr. I.2.C.b.).
O art.º 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.P. prevê a nulidade do acórdão (cfr. art.º 97.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do C.P.P.) que não contiver as menções referidas no art.º 374.º, n.º 2, e n.º 3, al b), do C.P.P.
Ora, “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei” (cfr. art.º 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa – C.R.P.), sendo que “os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão” (cfr. art.º 97.º, n.º 5, do C.P.P.).
Em decorrência do disposto no art.º 205.º, n.º 1, da C.R.P., e em coerência com o disposto no art.º 97.º, n.º 5, do C.P.P., o art.º 374.º, n.º 2, do C.P.P. estipula que “ao relatório segue-se a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
O dever de fundamentação das decisões judiciais é, sob o ponto de vista endoprocessual, um instrumento de racionalização técnica da atividade decisória do tribunal, com um triplo objetivo: fornecer ao julgador um meio de verificação e autocontrole crítico da lógica da decisão, permitir aos sujeitos processuais o perfeito conhecimento da situação objeto da decisão, habilitando-os a dela recorrerem, se tal entenderem, bem como, por fim, garantir que o tribunal superior, em caso de recurso, se encontra em posição de poder exprimir, em termos mais seguros, um melhor juízo sobre a decisão de 1.ª instância. Contudo, tal dever assume também uma finalidade extraprocessual, tornando possível um controlo externo sobre a decisão, garantindo a transparência do processo e da decisão, fazendo emergir o carácter legitimador do órgão que a profere, implicando prestação de contas e a responsabilização dos juízes (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-05-2022, processo n.º 1063/19.0GCALM.L2.S15).
Assim, ainda que de uma forma concisa, mas tanto quanto possível completa, devem ser expostas as razões que estiveram na base da convicção do tribunal segundo a qual é correta a versão dos factos por si acolhida e que ditou a escolha entre os factos que ficaram provados e aqueles que não ficaram provados. Para tal deverão ser indicadas e examinadas criticamente as provas que sustentaram a convicção do tribunal, o que impõe que sejam expostas as razões que estiveram na base das opções tomadas pelo tribunal sobre cada uma das provas produzidas e, assim, os motivos pelos quais atendeu a determinadas provas e aqueles pelos quais não atendeu a eventuais provas em sentido contrário.
Contudo, só existe violação do art.º 374.º, n.º 2, do C.P.P., se houver uma falta absoluta de tal fundamentação, isto é, se faltar qualquer um dos elementos estruturais elencados no citado preceito legal, não se verificando a nulidade em causa perante uma fundamentação deficiente (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-06-2023, processo n.º 8013/19.2T9LSB.L1.S16; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-09-2020, processo n.º 2774/17.0T8STR.E1.S17; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24-01-2018, processo n.º 388/15.9GBABF.S18; MENDES, António Jorge de Oliveira, in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 1181).
No presente caso, basta ler o acórdão recorrido para se concluir que o tribunal de 1.ª instância elencou os factos provados e não provados e, assim, o que apurou quanto à intervenção nos mesmos do recorrente FF, bem como quanto às suas condições pessoais (cfr. II.3.A.), tendo exposto as razões pelas quais efetuou tal seleção, dando conta dos motivos das opções tomadas sobre cada uma das provas produzidas, que conjugou entre si (cfr. II.3.B.).
Lendo o mencionado recurso o que fica evidente é que o referido recorrente não concorda com a fundamentação do tribunal recorrido. Contudo, uma fundamentação em desacordo com a argumentação expedida pelo recorrente também não conduz à nulidade em apreço (cfr. LOPES, José Mouraz, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, Livraria Almedina, 2022, pág. 798).
Assim, não se verifica a nulidade prevista nos arts. 97.º, n.ºs 1, al. a), e 2, 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.P.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso interposto pelo arguido FF (cfr. I.2.C.a.).
II.4.A.b. Da nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia (cfr. art.º 379.º, n.º 1, al. c), do C.P.P.):
O recorrente AA pugna que o acórdão recorrido está ferido de nulidade por omissão de pronúncia “por não fundamentar devidamente a não aplicação” do regime decorrente do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23-09 “e optar, indevidamente pela sua não aplicação” (cfr. I.2.A.a.).
No entanto, só será nulo o acórdão quando, na parte que agora importa, o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (cfr. arts. 97.º, n.ºs 1, al. a), 2, e 379.º, n.º 1, al. c), do C.P.P.).
Deste modo, a omissão de pronúncia ocorrerá quando o tribunal não aprecie e decida de questões que devesse conhecer, quer tenham sido suscitadas pelos sujeitos processuais, quer sejam de conhecimento oficioso, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respetivas posições, na defesa das teses em presença (cfr. LOPES, José Mouraz, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, Almedina, 2022, págs. 800 e 801; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S19).
Assim, a doutrina e jurisprudência distinguem entre questões e razões ou argumentos, sendo que a falta de apreciação das primeiras consubstancia a verificação da nulidade e o não conhecimento dos segundos será irrelevante.
Nessa perspetiva, basta ler o acórdão recorrido para se concluir que o tribunal de 1.ª instância ponderou se o referido recorrente devia ou não beneficiar da atenuação especial relativa a jovens nos termos previstos no art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23-09, tendo concluído pela não aplicação de tal regime (cfr. II.3.D.)
É evidente que o referido recorrente não concorda com a não aplicação de tal regime pelas razões que enumera, mas a mera discordância com tal decisão não significa que o acórdão recorrido padeça do vício que lhe é assacado, sujeitando-o, nessa parte, ao risco de ser revogado ou alterado, uma vez que o recurso que aquele interpôs também versa sobre a não aplicação do mencionado regime (cfr. II.4.E.).
Deste modo, improcede, nesta parte, o recurso interposto pelo arguido AA (cfr. I.2.A.a.).
II.4.B. Dos vícios a alude o art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P.:
As relações conhecem de facto e de direito (cfr. art.º 428.º do C.P.P.).
A decisão da matéria de facto pode ser sindicada em sede de recurso, desde logo, pela verificação dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P. que, de resto, são de conhecimento oficioso, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19-10-1995, para fixação de jurisprudência, in Diário da República n.º 298, I Série A, págs. 8211 e segs.10).
Tais vícios prendem-se com a matéria de facto que, no caso de verificação de algum deles, é ostensivamente insuficiente, assente em premissas contraditórias ou fundada em erro de apreciação, o que impede uma correta solução de direito (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-10-2015, processo n.º 230/10.7JAAVR.P1.S111; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-10-2008, processo n.º 08P306812).
Contudo, tratam-se de vícios que, nos termos da lei de processo (cfr. art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P.), têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Assim, neste caso, a apreciação da matéria de facto circunscreve-se ao que consta do texto da decisão recorrida, por si só considerada ou em conjugação com as regras da experiência comum, que assim servem para interpretar aquela, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos àquela, mesmo que constem do processo (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-05-2009, processo n.º 1182/06.3PAALM.S113; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-06-2008, processo n.º 07P437514).
II.4.B.a. Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (cfr. art.º 410.º, n.º, al. a), do C.P.P.):
Segundo o recorrente AA o acórdão recorrido padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, dado que “com os factos provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, ou seja mesmo que se dê como provado que foi AA que mandou remover a t-shirt da boca da vítima (facto provado n.º 93), não se pode concluir que o arguido tenha tido uma posição de liderança ou sequer conluio com os demais intervenientes, ficcionando toda uma cadeia de comando” (cfr. I.2.A.a.).
Já o recorrente FF embora, na motivação do recurso que interpôs, pugne que o acórdão recorrido padece do vício da insuficiência da matéria de facto provada a que alude o art.º 410.º, n.º 2, al. a), do C.P.P., acaba por concluir verificar-se uma “insuficiência da prova” (cfr. I.2.C.a.).
Finalmente, também o recorrente QQ entende verificar-se tal vício por falta de factos para a coautoria e por violação do princípio do in dubio pro reo (cfr. I.2.E.a.).
Nas respostas, o Ministério Público entende que o tribunal investigou e consignou no acórdão recorrido todos os factos essenciais para a decisão da causa, pelo que não se verifica o apontado vício (cfr. I.2.A.b., I.2.C.b. e I.2.E.a.).
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício a que alude o art.º 410.º, n.º 2, al. a), do C.P.P., ocorrerá quando os factos dados como provados são insuficientes para fundamentar a decisão de direito, não tendo, assim, o tribunal investigado toda a matéria de facto com interesse para a decisão, tendo em conta o objeto do processo, apesar de o poder e dever fazer (cfr. TRIUNFANTE, Luís Lemos, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, 2024, págs. 192 a 195; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05-12-2007, processo n.º 07P340615).
Seja como for, basta ler o acórdão recorrido para se concluir que a intervenção do recorrente AA na situação que envolveu DD não se limitou à referida no facto provado sob o ponto 93. (cfr. factos provados sob os pontos 65. a 115., 117., 118., 120. e 125., em particular os factos provados sob os pontos 66., 70., 93. e 94. – II.3.A.).
Tendo presente que a lei equipara as quatro formas de autoria (cfr. art.º 26.º do C.P.) e que, na coautoria, nenhum dos coautores necessita de preencher na sua pessoa a totalidade dos elementos típicos (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, 2.ª reimpressão, Coimbra Editora, 2012, pág. 794), da leitura da decisão recorrida não resulta a ausência de qualquer facto relevante, na matéria de facto provada, para a decisão alcançada, aí constando todos os factos relativos àquela concreta forma de autoria e aos elementos típicos dos crimes pelos quais o referido recorrente foi condenado (cfr. I.1.). Assim, do texto do acórdão recorrido não decorre que o tribunal recorrido tenha deixado de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão, tendo em conta o objeto do processo (cfr. art.º 339.º, n.º 4, do C.P.P.).
Por outro lado, afigura-se que o recorrente FF entende é verificar-se uma insuficiência da prova para os factos que, segundo ele, erradamente, foram dados como provados pelo tribunal recorrido, não aceitando, pois, a apreciação da prova levada a efeito pelo tribunal recorrido (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-10-2011, processo n.º 88/09.9PESNT.L1.S116). Mas, se assim é, esta questão nada tem a ver com o vício do art.º 410.º, n.º 2, al. a), do C.P.P., prendendo-se já com a impugnação da matéria de facto nos termos do art.º 412.º, n.º 3 do C.P.P. (cfr. II.4.C.)
Embora a violação do princípio in dubio pro reo possa configurar um vício da decisão recorrida, nomeadamente quando do texto da decisão recorrida, em conjugação com as regras da experiência comum, decorra que o tribunal, na dúvida que se instalou ou deveria ter instalado, optou por decidir contra o arguido, o mesmo configuraria o vício do erro notório na apreciação da prova a que alude o art.º 410.º, n.º 2, al. c), do C.P.P., e não aquele invocado pelo recorrente QQ (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-06-2023, processo n.º 1161/20.8PBSNT.L1.S117; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21-10-2020, processo n.º 1551/19.9T9PRT.P1.S118).
Seja como for, desde já se adianta que, no presente caso e com base no texto da decisão recorrida, tendo em conta a matéria de facto julgada provada e não provada quanto ao recorrente QQ (cfr. II.3.A.), bem como a respetiva motivação (cfr. II.3.B.), não se deteta qualquer estado de dúvida por parte do tribunal recorrido, antes dela resultando uma convicção segura, sendo que não se vislumbra que, com base no aí exarado, as regras da experiência comum impusessem qualquer estado de dúvida sobre a realidade a que se referem tais factos.
Improcedem, pois, neste segmento, os recursos interpostos pelos arguidos AA (cfr. I.2.A.a.), FF (cfr. I.2.C.b.) e QQ (cfr. I.2.E.a.).
II.4.B.b. Da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (cfr. art.º 410.º, n.º 2, al. b), do C.P.P.):
Entende o recorrente QQ verificar-se uma contradição insanável no que se refere aos factos provados sob os pontos 13., 21., 26., 51. e 116. quanto ao móbil dos crimes que vitimaram BB e o demandante CC que teria consistido em obter uma informação e/ou uma confissão e não numa finalidade extorsionária (cfr. I.2.E.a.).
A contradição insanável na fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão apenas ocorrerá quando exista uma incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados, entre os meios de prova invocados na fundamentação de facto ou entre a fundamentação e a decisão (cfr. SIMAS SANTOS, Manuel e LEAL-HENRIQUES, Manuel, in Recursos Penais, 9.ª edição, Rei dos Livros, 2020, pág. 78).
Assim, tal vício resulta da oposição entre factos provados entre si incompatíveis, entre a matéria de facto provada e a não provada, quando se dá como provado um determinado facto e da motivação da convicção resulta, face à valoração probatória e ao raciocínio dedutivo explanado, que seria oposta a decisão de facto correta ou quando a fundamentação de facto e de direito conduzem a uma determinada decisão final e no dispositivo da sentença ou acórdão consta decisão de sentido inverso (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 14-09-2021, processo n.º 436/18.0T9LRS.L1-519).
Nada disto se passa no presente caso. Na verdade, como resulta evidente da matéria de facto provada sob os pontos 1. a 64. e 116., 118., 119. e 125. (cfr. II.3.A.), os arguidos que participaram nos raptos de BB e CC pretendiam obter uma quantia monetária contida numa mala que entendiam estar sob o domínio daqueles. Ora, precisamente por isso, pretendendo que o domínio sobre tal dinheiro fosse transferido de BB e CC para os referidos arguidos, tal necessariamente implicava uma disposição patrimonial a efetuar por aqueles e que sempre se verificaria quer o dinheiro fosse entregue diretamente por BB e CC aos ditos arguidos, quer estes dele se apropriassem após aqueles terem fornecido a sua localização, caso em que tal seria tolerado por aqueles (cfr. CARVALHO, Américo Taipa de, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág. 345 § 14).
Improcede, pois, neste segmento o recurso interposto pelo arguido QQ (cfr. I.2.E.a.).
II.4.B.c. Do erro notório na apreciação da prova (cfr. art.º 410.º, n.º, al. c), do C.P.P.):
Segundo o recorrente AA o acórdão recorrido padece do vício do erro notório na apreciação da prova dado que, no seu entender, foi errada a apreciação da prova efetuada pelo tribunal recorrido, não se limitando, pois, ao que resulta do texto da decisão, mas entrando já na apreciação que faz da prova produzida (cfr. I.2.A.a.).
O mesmo vício, pelas mesmas razões, é apontado ao acórdão recorrido pelo recorrente FF (cfr. I.2.C.a.).
Nas respostas, o Ministério Público pugnou que a simples divergência relativamente à apreciação da prova efetuada pelo tribunal recorrido não configura o vício em apreço (cfr. I.2.A.b. e I.2.C.b.).
O erro notório na apreciação da prova ocorrerá, desde logo, quando o tribunal a valoriza contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo e evidente (cfr. TRIUNFANTE, Luís Lemos, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, 2024, págs. 199 a 204).
Porém, sob pena ficarem encobertas situações de erro clamoroso, ainda que porventura não acessíveis ao cidadão comum, impõe-se uma leitura mais abrangente de acordo com a qual ainda integrarão tal vício as situações de erro na apreciação da prova que, sem margem para dúvidas, ressaltam do texto da decisão recorrida, numa visão consequente e rigorosa no seu todo, nomeadamente da matéria de facto e da motivação da decisão de facto, ainda que nem sempre detetáveis por um simples homem médio sem conhecimentos jurídicos, mas que não escapam ao jurista com preparação normal (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21-10-2020, processo n.º 1551/19.9T9PRT.P1.S120; MADEIRA, António Pereira, in Código de Processo Penal comentado, Almedina, 2014, pág. 1359).
Ora, de facto, a alegada apreciação errada da prova, enquanto crítica ao exercício do julgamento de facto a que o tribunal recorrido chegou, não é caso de erro notório na apreciação da prova de que cuida a lei (cfr. POÇAS, Sérgio Gonçalves, in “Processo Penal – Quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, Julgar, n.º 10, 2010, pág. 2921). Na verdade, tal questão também nada tem a ver com o vício do art.º 410.º, n.º 2, al. c), do C.P.P., prendendo-se já com a impugnação da matéria de facto nos termos do art.º 412.º, n.º 3 do C.P.P. (cfr. II.4.C.).
Improcedem, pois, neste segmento, os recursos interpostos pelo arguido AA (cfr. I.2.A.a.) e pelo arguido FF (cfr. I.2.C.a.).
II.4.C. Do erro de julgamento:
A decisão da matéria de facto pode também ser sindicada em sede de recurso pela designada impugnação ampla da matéria de facto a que se refere o art.º 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do C.P.P.
O erro de julgamento, não estando restringido ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência de julgamento, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Contudo, o recurso da matéria de facto é um remédio jurídico para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida no processo de formação da convicção, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório, rigorosamente delimitado pela lei de processo aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-11-2011, processo n.º 158/09.3GBAVV.G2.S122).
Efetivamente, no sistema processual penal nacional o recurso é configurado como remédio jurídico processual referido a vícios concretos da decisão recorrida e não, no que concerne a decisões finais, como uma repetição do julgamento da primeira instância ou segundo julgamento, como se não tivesse existido o primeiro (cfr. MORÃO, Helena, in Direito Processual dos Recursos, Almedina, 2024 pág. 213).
Por isso mesmo é que, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas (cfr. art.º 412.º, n.º 3, do C.P.P.).
Sendo que, com relação às duas últimas especificações, quando as provas invocadas tenham sido gravadas, as mesmas devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (cfr. art.º 412.º, n.º 4, do C.P.P.), pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (cfr. art.º 412.º, n.º 6, do C.P.P.). Sobre esta indicação que impende sobre o recorrente, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão n.º 3/2012, de 08-03-2012, fixou jurisprudência no sentido de “visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do C.P.P., a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações23.
Assim, é desde logo exigida a indicação dos factos individualizados que constam da decisão recorrida e que se consideram incorretamente julgados.
Por outro lado, é também exigida a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida, com a explicitação da razão pela qual assim se entende. Na verdade, a utilização do verbo impor, com o sentido de “obrigar a”, não é anódina (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-05-2010, processo n.º 696/05.7TAVCD.S124). A utilização do verbo impor (cfr. art.º 412.º, n.º 3, al. b), do C.P.P.), que aponta para a obrigação de impreterivelmente se aceitar algo, e não do verbo permitir, que admite a existência de várias hipóteses, legitima a conclusão de que não basta estar demonstrada a mera possibilidade de existir uma solução em termos de matéria de facto alternativa à fixada pelo tribunal, o que, aliás, é comum verificar-se, sendo necessário que o recorrente demonstre que a prova produzida no julgamento só poderia ter conduzido, em sede de matéria de facto provada e não provada, à solução por si (recorrente) defendida, e não àquela consignada pelo tribunal recorrido (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 01-07-2025, processo n.º 114/24.1GASXL.L1-525). Deste modo, deve ser estabelecida uma relação entre o conteúdo específico de cada meio de prova ou de obtenção de prova suscetível de impor decisão diversa com o facto individualizado considerado incorretamente julgado (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16-11-2021, processo n.º 1229/17.8PAALM.L1-5). “Esta exigência corresponde, de algum modo, àquela que é exigida ao julgador para fundamentar os factos provados e não provados, porque do mesmo modo que o julgador tem o dever de fundamentar as decisões, também o recorrente tem que fundamentar o recurso” (cfr. acórdão do tribunal da Relação de Coimbra, de 12-07-2023, processo n.º 982/20.6PBFIG.C126).
Por fim, é exigido ainda que o recorrente refira as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as (se na ata da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados) ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos (quando na ata da audiência de julgamento se faz essa referência – o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens) (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 28-05-2013, processo n.º 94/08.0GGODM.E127).
O recurso da matéria de facto assim formulado permite que os poderes de cognição do tribunal de recurso se estendam à matéria de facto e que, sendo o recurso, nessa parte, procedente, venha a ser modificada a decisão quanto a ela tomada na 1.ª instância (cfr. art.º 431.º, al. b), do C.P.P.).
Por seu turno, o não cumprimento do ónus imposto pelo art.º 412.º, n.º 3, do C.P.P. obsta a que este tribunal de recurso possa reapreciar a matéria de facto.
Cumpre esclarecer que, caso a deficiência se verificar quer na motivação (corpo) do recurso quer nas respetivas conclusões, não é sequer viável o aperfeiçoamento das conclusões do recurso interposto. Na verdade, nesse caso, trata-se de uma deficiência da estrutura da motivação, equivalente a uma falta de motivação, que coloca em crise a delimitação do âmbito do recurso. De facto, nesse caso, não se trata de uma omissão de levar as especificações constantes do texto da motivação às conclusões, o que justificaria o convite à correção (cfr. art.º 417.º, n.º 3, do C.P.P.), mas sim de uma deficiência resultante da omissão na motivação dessas especificações, tratando-se, pois, de um vício que é insanável. Na verdade, o texto da motivação constitui o limite à correção das respetivas conclusões. Ora, nessas circunstâncias, dirigir, quanto à referida omissão, um convite de aperfeiçoamento do recurso interposto equivaleria à concessão ilegítima de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05-06-2008, processo n.º 08P188428; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-02-2006, processo n.º 05P440929; acórdão do Tribunal Constitucional n.º 259/2002, de 18-06-200230; acórdão do Tribunal Constitucional n.º 140/2004, de 10-03-200431).
O recorrente AA apenas especifica o facto provado sob o ponto 6., na parte em que refere que aquele agiu “levando-o [ou seja, BB] à força e contra a sua vontade” (cfr. II.3.A.), como incorretamente julgado. Na verdade, no seu entender, na apontada parte, tal facto deveria ser dado como não provado. Indica como prova que imporia essa conclusão e, assim, decisão diversa da recorrida, o trecho do depoimento de BB, prestado em audiência de julgamento, e compreendido entre os 13min14s e 14min02 (cfr. I.2.A.a.).
Contudo, ouvida a gravação da totalidade do depoimento prestado por aquela testemunha na sessão de dia ...-...-2024 da audiência de julgamento (cfr. art.º 412.º, n.º 6, do C.P.P.) constata-se que:
[12min34s]
Ministério Público: Olhe, então senhor BB, dito isto, o que é que se passou com o senhor, que o senhor acabou por ser levado lá para casa? Conte lá como é que isso foi?
BB: É assim, eu uma vez estive [impercetível] prontos [impercetível] e ia lá acima comprar haxixe para fumar e fui apontado por o BI. O BI meteu-me a mão no pescoço e chamaram-me lá dentro…
Ministério Público: Vá falando mais devagarinho que nós estamos a escrever o que o senhor diz, está bem? Pronto. O senhor foi comprar haxixe lá acima a esta casa, é isso?
BB: Sim, a essa casa.
Ministério Público: E depois foi abordado pelo BI. Meteu uma mão ao pescoço.
BB: Sim, meteu-me o braço ao pescoço e chamou-me lá dentro a dizer que queria falar comigo.
Ministério Público: Sim.
BB: E eles perguntaram pela bolsa, uma bolsa de 10 mil euros.
Ministério Público: Eles quem?
BB: O BI.
Ministério Público: Ok. Olhe isso foi à porta da casa?
BB: Sim, foi dentro de casa que eles me deram uma sova.
Ministério Público: Ah, já lá vamos à parte dentro de casa. Olhe, o senhor já explicou o que é que se passou à porta. Puseram-lhe a mão no pescoço, o BI. Olhe, mas foi quê? Tipo um mata-leão ou foi assim um abracinho fraco de conchego?
BB: Tipo um... Não foi um mata-leão, foi um... Foi assim de aconchego a dizer que queria falar comigo.
Ministério Público: Pronto. Olhe, e depois levou-o para a casa, foi senhor BB?
BB: Levou-me lá para um quarto lá para dentro.
[14min08s]
[01h08min36s]
Mandatário: Boa tarde. Eu queria fazer aqui algumas perguntas, se o senhor me fizer o favor de responder. Aqui, no começo do seu depoimento…
BB: Sim…
Mandatário: Ficou aqui uma confusão da maneira como você foi levado, pelo menos fiquei eu confuso em relação a isso, da maneira como o senhor foi levado para o apartamento. Porque às tantas o senhor disse que não havia sido um mata-leão, havia sido um aconchego. [impercetível].
BB: Sei que esse tal BI me [impercetível] a mão ao pescoço [impercetível].
Mandatário: Mas esse aconchego não foi violento, pois não?
Juiz Presidente: Senhor doutor eu vou descrever. A testemunha está a fazer um gesto com o braço de colocar o braço por cima do ombro, do seu ombro.
Colocou o braço por cima do seu ombro e apertou-o contra si?
BB: Sim, sim, nesta parte. Meteu-me o braço assim. Tipo assim, pronto. Tipo um conforto [impercetível] E depois pôs-me lá para dentro. E aí foi bem [impercetível].
Juiz Presidente: Olha, se o senhor quisesse não ir, conseguia não ir?
BB: Diga?
Juiz Presidente: Se o senhor quisesse não ir, conseguia não ir lá para dentro?
BB: Só até que eu…quando ia, a ir lá para dentro do bairro eles me chamaram. O BI. Meteu-me logo a mão assim ao pescoço. Precisamos de falar contigo. E aí eu cheguei lá dentro e fui caço de surpresa, que eu nem estava à espera.
Juiz Presidente: Senhor doutor tem que fazer a pergunta se ele foi de livre vontade ou se foi obrigado a isso, senhor doutor.
BB: Fui obrigado, fui obrigado, fui obrigado.
Mandatário: O senhor foi obrigado pelo BI a ir para a casa?
BB: Sim, sim, sim, sim.
Mandatário: Com um aconchego?
BB: Com um aconchego.
Mandatário: Ok.
BB: Eles... Nós queremos falar contigo. E aí eu fui para o quarto.
Mandatário: Sim, mas isso é o que aconteceu depois. Eu tou-lhe a perguntar…
BB: Eu fui apanhado de surpresa. Eu fui apanhado de surpresa. Não estava à espera. Fui apanhado de surpresa.
Mandatário: Ok, já percebi.
[01h10min42s]
Assim, daí resulta que, em audiência de julgamento, BB reproduziu, por gestos, o comportamento que o recorrente AA assumiu quando o abordou. Ora, da descrição que então foi feita de tal conduta, e que nenhum dos presentes pôs em causa, fica evidente que o mesmo consistiu numa agressão física, executada de surpresa, tendo sido absolutamente idónea a que o referido BB fosse conduzido para outro local, contra a sua vontade, independentemente das erróneas expressões que este acabou por utilizar para a qualificar.
Assim, o depoimento da testemunha BB não impõe decisão diversa da recorrida no que à referida parte do facto provado sob o ponto 6. diz respeito, pelo que não cumpre efetuar qualquer modificação ao dito facto provado.
No mais, é evidente que o recorrente AA não concorda com a apreciação da prova levada a efeito pelo tribunal recorrido, chegando a transcrever trechos de depoimentos de testemunhas prestados em sede de audiência de julgamento, identificando o segmento da respetiva gravação áudio. Contudo, o certo é que, quer na motivação (corpo) quer nas conclusões do recurso que interpôs, não especificou quaisquer outros concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, tendo-se limitado a procurar substituir a valoração da prova levada a cabo pelo tribunal recorrido pela sua própria visão da mesma, sem que esta se imponha àquela.
Desta forma, não tendo o recorrente AA cumprido o ónus que sobre si impendia, a consequência de tal deficiência estrutural irremediável não pode, pois, deixar de ser, nessa parte, a rejeição do recurso interposto (cfr. arts. 414.º, n.º 2, 417.º, n.º 6, al. b), e 420.º, n.º 1, al. b), do C.P.P.), conforme defendido pelo Ministério Público na resposta que apresentou (cfr. I.2.A.b.).
O recorrente EE limitou-se a defender, por atacado, que os factos dados como provados sob os pontos 9., 11., 17., 21., 22., 23., 27., 30., 32., 37., 41., 46., 48., 51. e 53. (cfr. II.3.A.) foram incorretamente julgados, devendo ter sido dados como não provados, baseando-se numa pessoal e diferente valoração das provas produzidas em audiência de julgamento, pugnando, genericamente, que se conferisse credibilidade à versão do próprio recorrente e das testemunhas OO e PP, em detrimento das declarações do demandante CC e do depoimento da testemunha BB, ou inverso do efetuado pelo tribunal recorrido (cfr. I.2.B.a.).
Analisando a motivação (corpo) e as conclusões do recurso que interpôs constata-se que o recorrente EE não alega, no que concerne aos factos provados e que considera incorretamente julgados, que a descrição que o acórdão recorrido faz do conteúdo das suas declarações e do demandante, bem como do depoimento das testemunhas elencadas, não corresponda ao que, na realidade, as mesmas declararam ou depuseram.
Ou seja, não especifica, como deveria ter feito, que, por exemplo, o tribunal recorrido deu como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha e a mesma nada declarou sobre o facto, que inexistia qualquer prova sobre um daqueles concretos factos dados por provados, que foi tido em conta para a prova de um daqueles factos um depoimento de uma testemunha sem razão de ciência da mesma que permitisse a prova do mesmo, ou que um facto foi dado como provado com base em provas insuficientes ou não bastantes para prova desse mesmo facto, nomeadamente com violação das regras de prova (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04-02-2016, processo n.º 23/14.2PCOER.L1-932).
A dita factualidade resultou demonstrada dos relatos do demandante e da testemunha BB que, de forma isenta, deram conta da experiência absolutamente traumática que vivenciaram, mostrando-se os mesmos concordantes entre si e sendo os mesmos corroborados, nomeadamente, pela prova pericial e documental junta aos autos. Ora, caso tal factualidade, não obstante tal prova, fosse dada como não provada apenas com base nas ilógicas declarações do recorrente EE quanto à sua intervenção, ao que percecionou naquela habitação no dia ...-...-2023 e passado 2 a 4 dias, no depoimento da sua companheira, que relatou a hora de chegada a casa do referido recorrente e o lhe foi dito pela sua mãe, bem como naquele outro prestado por PP, que referiu não ter certeza do dia em concreto dos acontecimentos que relatou, tal constituiria um erro notório na apreciação da prova que não passaria despercebido sequer ao mais comum dos cidadãos. Na verdade, são absolutamente certeiras, coerentes e lógicas as razões exaradas na motivação da decisão de facto pelas quais o tribunal recorrido entendeu que estes depoimentos não infirmavam o que resultava dos relatos do demandante e da testemunha BB e demais prova que os corroboram (cfr. II.3.B.).
Assim, a prova indicada pelo recorrente EE é inidónea para impor decisão diversa da recorrida no diz respeito à mencionada factualidade, pelo que não cumpre efetuar qualquer modificação à referida matéria de facto provada.
Por seu turno, o recorrente FF apenas especifica o facto provado sob o ponto 113. (cfr. II.3.A.) como incorretamente julgado (cfr. I.2.C.a.). Embora se socorra, para tentar demonstrar o seu entendimento, do que afirma resultar das declarações prestadas por si, por um coarguido e do depoimento de testemunhas que identifica, o certo é que nem na motivação (corpo) do recurso que interpôs nem nas respetivas conclusões identifica as concretas passagens de tais declarações e depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração daquele ponto da matéria de facto, transcrevendo-os ou indicando o segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos.
Acresce que na motivação (corpo) do recurso que interpôs, o recorrente FF chega a afirmar que “as declarações prestadas por um co-arguido não devem ser valoradas para o tribunal formar a sua convicção em relação a um facto que possa incriminar outro co-arguido”. Obviamente que as “declarações prestadas por um co-arguido” a que se refere são as declarações do agora condenado GG prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido. Por seu turno, o “outro co-arguido” que não podia ser incriminado por aquelas, a que também se refere, é o próprio recorrente FF.
Contudo, da fundamentação da decisão de facto constante no acórdão recorrido (cfr. II.3.B.), e que o recorrente FF, nessa parte, transcreve na motivação (corpo) do recurso que interpôs, resulta que o tribunal recorrido exarou e procedeu exatamente ao contrário do imputado pelo referido recorrente, ou seja, não valorou as declarações do agora condenado GG prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido em prejuízo do recorrente FF pelas razões aí enunciadas que, de resto, estão de acordo com o defendido na doutrina (cfr. ALBERGARIA, Pedro Soares de, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, Almedina, 2022, págs. 481 e 482).
Por outro lado, após enunciar o regime que resulta dos arts. 34.º da C.R.P., 17.º da Lei do Cibercrime e arts. 179.º do C.P.P., o recorrente FF não o aplica ao caso dos autos, limitando-se a afirmar na motivação (corpo) do recurso que interpôs que “suscita-nos, assim, sérias dúvidas quanto à legalidade da prova relativa às mensagens apreendidas no telemóvel do arguido e face a outros elementos de prova (…)”. Desta forma, verdadeiramente, quer na motivação (corpo) quer nas conclusões do recurso que interpôs o recorrente FF não afirma que ocorreu uma concreta violação de tal regime legal, sendo que, em todo o caso, de forma flagrante, ignora o que neste processo foi promovido pelo Ministério Público (cfr. ref.ª 433801035 de 14-03-2024) e decidido judicialmente (cfr. ref.ª 433889289 de 15-03-2024).
No mais, embora seja evidente que o recorrente FF não concorda com a apreciação da prova levada a efeito pelo tribunal recorrido, não especificou quaisquer outros concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, tendo-se limitado a procurar substituir a valoração da prova levada a cabo pelo tribunal recorrido pela sua própria visão da mesma, sem que esta se imponha àquela.
Desta forma, não tendo o recorrente FF cumprido o ónus que sobre si impendia, a consequência de tal deficiência estrutural irremediável não pode, pois, deixar de ser, nesta parte, a rejeição do recurso interposto (cfr. arts. 414.º, n.º 2, 417.º, n.º 6, al. b), e 420.º, n.º 1, al. b), do C.P.P.), conforme defendido pelo Ministério Público na resposta que apresentou (cfr. I.2.C.b.).
Também o recorrente HH especifica alguns pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados (cfr. I.2.D.a.): os factos provados sob os pontos 35., 36., 116., 118. e 119.(cfr. II.3.A.).
Contudo, no que se referem aos factos provados sob os pontos 116., 118. e 119., embora se referira às suas declarações, às declarações do demandante CC e ao depoimento da testemunha BB, nem na motivação (corpo) do recurso que interpôs nem nas respetivas conclusões identifica as concretas passagens das declarações e depoimentos a que se refere, transcrevendo-os ou indicando o segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos.
Assim, não tendo cumprido o ónus que sobre si impendia, a consequência de tal deficiência estrutural irremediável não pode, pois, deixar de ser, nesta parte, a rejeição do recurso interposto (cfr. arts. 414.º, n.º 2, 417.º, n.º 6, al. b), e 420.º, n.º 1, al. b), do C.P.P.), conforme defendido pelo Ministério Público na resposta que apresentou (cfr. I.2.D.a.).
No que se refere aos factos provados sob os pontos 35. e 36., o recorrente HH indica como prova que, no seu entender, impõe decisão diversa, segmentos das suas próprias declarações, bem como das prestadas pelo demandante CC, indicando, por referência à respetiva gravação, o início e termo desses segmentos.
Convém destacar que, analisando a motivação (corpo) e as conclusões do recurso que interpôs, constata-se que o recorrente HH não alega, no que concerne ao facto provado sob o ponto 35., e que considera incorretamente julgado, que a descrição que o acórdão recorrido faz do conteúdo das suas declarações e do demandante, não corresponda ao que, na realidade, aquele declarou e este depôs.
Ora, ouvida a gravação da totalidade das declarações prestadas pelo referido recorrente na sessão do dia 22-01-2025 da audiência de julgamento (cfr. art.º 412.º, n.º 6, do C.P.P.) constata-se que efetivamente o mesmo negou ter agredido o referido demandante33.
Contudo, sem mais, tal negação é insuficiente para infirmar o que o demandante afirmou ao descrever o que percecionou, e onde o tribunal se baseou para dar como provado, no que se refere ao dito recorrente, o facto provado sob o ponto 35. (cfr. II.3.A. e II.3.B.).
Acresce que da audição da gravação das referidas declarações do referido recorrente também resulta que o mesmo esclareceu que o demandante foi agredido, embora na sua versão por outras pessoas que ali se encontravam, tendo o mesmo, em consequência, caído ao chão, altura em que teria continuado a ser agredido por aquelas pessoas34. Deste modo, embora tenha negado ter agredido o demandante, o certo é que admitiu que estava presente no momento em que as agressões foram desferidas àquele.
Também ouvida a totalidade das declarações prestadas pelo demandante CC na sessão do dia 17-10-2024 da audiência de julgamento (cfr. art.º 412.º, n.º 6, do C.P.P.) constata-se que o mesmo, de forma espontânea, deu conta de o recorrente HH lhe ter batido com um pau35, que descreveu, tendo especificado ser um pau diferente do utilizado por outro coarguido, precisando que viu o referido recorrente aproximar-se de si e levantar a mão, altura em que se protegeu, principalmente a cabeça, tendo depois sentido uma pancada nas costas, após o que viu aquele recorrente afastar-se de si, embora o mesmo tenha permanecido na divisão onde tudo decorreu36.
Não se vislumbra como a conjugação dessas declarações possa conduzir a decisão diversa da recorrida no que se refere ao facto provado sob o ponto 36. (cfr. II.3.A.).
É certo que das referidas declarações do demandante resulta que, naquele momento que descreveu, eram várias as pessoas que o agrediam. Contudo, quando uma pessoa está a ser agredida por várias pessoas, caso uma outra se aproxime da vítima munida de um pau, levante a mão na sua direção, sentindo de seguida a vítima um impacto nas costas e, após, veja aquela afastar-se de si, permanecendo aquele na divisão onde tudo se passou, impõem as mais elementares regras da lógica que se conclua que essa pessoa também a agrediu. Na verdade, num contexto de agressão física, quando alguém não quer bater noutra pessoa não se mune de um pau, não se dirige para junto desta e não levanta a mão na sua direção. Tal comportamento é o que é adotado por alguém que também quer agredir essa pessoa. Acresce que o demandante sentiu uma pancada após a adoção, pelo referido recorrente, daquele comportamento, sendo, pois, o seu resultado. Convém ter presente que tal conclusão não é minimamente beliscada pelo facto de o demandante ter procurado proteger a cabeça. O gesto normalmente utilizado para tal efeito não consiste em tapar com as mãos os olhos, conduta que o demandante nunca afirmou ter feito, pelo que, como é evidente, aquele não deixou de ver, de ouvir e, sobretudo, de sentir.
Assim, a prova indicada pelo recorrente HH é inidónea para impor decisão diversa da recorrida no diz respeito à mencionada factualidade, pelo que não cumpre efetuar qualquer modificação à referida matéria de facto provada.
Por fim, é também evidente que o recorrente QQ não concorda com a apreciação da prova efetuada pelo tribunal recorrido, chegando a indicar o início e termo dos segmentos da gravação áudio de declarações e depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento que suportariam o seu entendimento divergente (cfr. I.2.E.a.). Contudo, quer na motivação (corpo) do recurso que interpôs quer nas respetivas conclusões não indica sequer os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados.
Assim, também não tendo cumprido o ónus que sobre si impendia, a consequência de tal deficiência estrutural irremediável não pode, pois, deixar de ser, nesta parte, a rejeição do recurso interposto (cfr. arts. 414.º, n.º 2, 417.º, n.º 6, al. b), e 420.º, n.º 1, al. b), do C.P.P.), conforme defendido pelo Ministério Público na resposta que apresentou (cfr. I.2.E.b.).
Este recorrente entende também verificar-se uma exuberante diminuição da culpa do arguido, face ao consumo contínuo e descontrolado da sua parte de várias drogas ilícitas e duras.
Embora da matéria de facto provada resulte que o mesmo era consumidor de estupefacientes (cfr. factos provados sob os pontos 268., 272. a 278. – II.3.A.), o que o tribunal recorrido considerou provado em face do relatório social ao mesmo referente e das suas próprias declarações prestadas em audiência de julgamento (cfr. II.3.B.), o certo é que nem daquele (cfr. ref.ª 40370889 de 11-09-2024) nem destas resulta qualquer facto que pudesse fundadamente fazer suspeitar que o mesmo, no momento da prática dos factos, padecesse de qualquer incapacidade para avaliar a ilicitude dos seus comportamentos ou de se determinar de acordo com essa avaliação, ou que tais capacidades estivessem sensivelmente diminuídas. Embora tal incapacidade, ou capacidade diminuída, não derive, sem mais, do consumo de estupefacientes, o certo é que a sua perceção requer especiais conhecimentos técnicos e científicos (cfr. art.º 151.º do C.P.P.) e, assim, uma perícia especializada (cfr. art.º 351.º do C.P.P.), sendo que, compulsados os autos, constata-se que o referido recorrente nunca requereu a sua realização.
Cumpre ainda salientar que resulta da matéria de facto dada como provada que o recorrente QQ chegou a pedir ajuda médico-psicológica na equipa especializada de tratamento do ..., tendo mesmo sido medicado com psicofármacos, e embora até tenha existido a possibilidade de ingressar numa comunidade terapêutica, tal não se concretizou, inviabilizando qualquer tratamento, por falta de motivação daquele (cfr. factos provados sob os pontos 276. e 277. – II.3.A.).
Seja como for, a referida modificação fática pretendida pelo recorrente pressupõe, desde logo, um aditamento à factualidade provada de factos que não constam do acórdão recorrido.
No entanto, a impugnação da matéria de facto, quando efetuada, não pode extravasar os limites vertidos no acórdão recorrido quanto à factualidade provada e não provada, fazendo-se por referência à matéria de facto efetivamente provada ou não provada e não àquela outra que o recorrente, colocado numa perspetiva interessada e não equidistante, entende que devia ser provada ou não provada (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21-03-2012, processo n.º 130/10.0JAFAR.F1.S137).
Assim, a impugnação ampla da matéria de facto, quando efetuada, restringe-se à matéria vertida na fundamentação factual do acórdão recorrido, nos termos previstos no art.º 374º, n.º 2, do C.P.P., só podendo incidir sobre os factos provados e/ou não provados.
O Tribunal Constitucional já decidiu não julgar inconstitucionais as normas dos arts. 410.º, n.º 1, 412.º, n.º 3, e 428.º do C.P.P., conjugados com os arts. 339.º, n.º 4, 368.º, n.º 2, e 374.º, n.º 2, do C.P.P., na interpretação de que não pode ser objeto da impugnação da matéria de facto, num recurso ordinário, a factualidade objeto da prova produzida na 1.ª instância, que o recorrente sustente como relevante para a decisão da causa, quando tal matéria não conste do elenco dos factos provados e não provados da decisão recorrida (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 312/2012, de 20-06-201238).
Cumpre salientar que, “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente” (cfr. art.º 127.º do C.P.P.).
Fora dos casos em que se está em presença de limitações probatórias legalmente impostas (cfr. arts. 126.º, 129.º, 130.º, 163.º, 169.º, do C.P.P.), possibilita-se, assim, ao julgador um âmbito de liberdade na apreciação de cada uma das provas atendíveis que suportam a decisão, norteado pelo princípio da descoberta da verdade material, mas tendo que ser guiado pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação que permita objetivar a apreciação feita.
Lido o acórdão recorrido mostra-se nela suficientemente objetivado e motivado o percurso adotado para a formação da convicção alcançada pelo tribunal recorrido (cfr. II.3.B.).
Na verdade, no âmbito da sua decisão sobre a matéria de facto, o tribunal recorrido expôs de forma criteriosa e completa o processo de formação da sua convicção, o que se traduziu não apenas na indicação dos meios de prova utilizados, como na enunciação das razões de ciência, da lógica e da experiência, reveladas ou extraídas da conjugação das provas produzidas, permitindo que um qualquer homem médio estranho ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas, compreenda o percurso de formação da convicção do tribunal recorrido quanto à verificação ou não dos vários factos objeto do processo, mesmo que com ele não concorde.
Assim, ao contrário do que defende o recorrente AA (cfr. I.2.A.a.) e parece ser defendido pelo recorrente EE (cfr. I.2.B.a.), o acórdão recorrido não desrespeitou o princípio da livre apreciação da prova conforme entendeu o Ministério Público nas respostas que apresentou (cfr. I.2.A.b. e I.2.B.b.).
Por outro lado, o princípio do in dubio pro reo, manifestação do princípio da presunção de inocência (cfr. art.º 32.º, n.º 2, da C.R.P.), constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida razoável sobre os factos. Na verdade, nesses casos, impõe-se decisão a favor do arguido (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03-06-2015, processo n.º 12/14.7GBSRT.C139).
Contudo, a dúvida em causa não é aquela que o respetivo recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas antes e apenas a dúvida que este não logrou ultrapassar (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10-12-2014, processo n.º 155/13.4PBLMG.C140).
Exigindo o referido princípio que o julgador se pronuncie de forma favorável ao arguido quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa, a sua violação exige que o mesmo tenha ficado na dúvida razoável sobre factos relevantes e, nesse estado, tenha decidido contra o arguido.
Mas, se assim é, a deteção da violação do referido princípio passa pela sua notoriedade, face aos termos da decisão, isto é, deve resultar inequivocamente do texto da decisão que o julgador, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao arguido, o considerou provado ou, inversamente, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto favorável ao arguido, o considerou não provado.
Ora, analisada a matéria de facto julgada provada e não provada (cfr. II.3.A.), bem como a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto (cfr. II.3.B.), não se deteta qualquer estado de dúvida, antes dela resultando uma convicção segura, sendo que também não se vislumbra que, na concreta situação dos autos, o tribunal recorrido devesse ter tido qualquer dúvida, pelo que não havia que lançar mão do princípio in dubio pro reo.
Assim, ao contrário do que parecem sugerir os recorrentes HH (cfr. I.2.D.a.) e QQ (cfr. I.2.E.a.), e é expressamente propugnado pelos recorrentes AA (cfr. I.2.A.a.) e EE (cfr. I.2.B.a.), o acórdão recorrido não desrespeitou o princípio do in dubio pro reo, conforme defendido pelo Ministério Público nas respostas que apresentou (cfr. I.2.A.b., I.2.B.b., I.2.D.b. e I.2.E.b.).
II.4.D. Do enquadramento jurídico-penal dos factos apurados:
II.4.D.a. Dos crimes de rapto qualificados:
Quer na motivação (corpo) quer nas conclusões do recurso que interpôs, o recorrente FF defende que da prova produzida nos presentes autos impunha-se uma decisão que não condenasse o arguido pela prática dos três crimes de rapto, “em consequência de não ter sido feita prova suficiente de que o arguido tivesse praticado factos suscetíveis de consubstanciar a prática desse crime, não estando preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime”, “antes” ou “eventualmente”, “pelos atos concretos de ofensas que o mesmo que possa ter praticados enquadrando, assim, num crime de outra natureza” (cfr. I.2.C.a.).
O recorrente HH considerou que, no que se refere aos factos que vitimaram o demandante CC, apenas teria cometido um crime de ofensa á integridade física qualificada, p. p. pelo art.º 145.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do C.P., e não o crime de rapto praticado pelos outros arguidos, dado que “não atuou com esse dolo especifico (plus) do rapto” (cfr. I.2.D.a.).
O recorrente QQ pugna pela não verificação do crime de rapto, no que se refere às vítimas BB e CC, por falta da finalidade extorsionária exigida pelo art.º 161.º, n.º 1, al. a), do C.P. (cfr. I.2.E.a.).
Na resposta, o Ministério Público entendeu estar correto o enquadramento jurídico-penal dos factos apurados no acórdão recorrido (cfr. I.2.C.b., I.2.D.b. e I.2.E.b.).
Seja como for, as referidas posições pressupunham uma modificação da matéria de facto que, como resulta do já exposto, não foi efetuada por esta instância (cfr. II.4.C.).
Mesmo que assim não se entendesse, no caso do recorrente FF, apesar de o mesmo defender ser outra a qualificação jurídica dos factos, não identifica concretamente qual, na sua visão, seria a correta, sendo que no C.P. são vários os crimes de ofensa à integridade física previstos (cfr. arts. 143.º a 152.º-B, do C.P.), isto partindo do pressuposto que era destes a que se referia ao utilizar a expressão “ofensas”. Ora, nesse contexto, dificilmente se poderia entender ter cumprido o ónus que sobre si impendia e que decorre do disposto no art.º 412.º, n.º 2, do C.P.P.
Na verdade, versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e
c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada (cfr. art.º 412.º, n.º 2, do C.P.P.).
Ora, nada disto foi feito pelo recorrente FF, pelo que tratando-se de uma deficiência que se verifica quer na motivação (corpo) do recurso quer nas respetivas conclusões, não é sequer viável o aperfeiçoamento das conclusões do recurso interposto, conforme também resulta do já exposto (cfr. II.4.C.).
Seja como for, nada impede que esta instância de recurso efetue oficiosamente uma alteração da qualificação jurídica, se tal se justificar (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/95, de 07-06-1995, para fixação de jurisprudência41; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-04-2008, processo n.º 07P419742; acórdão do Supremo tribunal de Justiça, de 15-02-2007, processo n.º 07P01543; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-02-2001, processo n.º 00P274544).
Embora não se repitam aqui todas as considerações tecidas pelo tribunal recorrido e pelas quais considerou verificados os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime de rapto qualificado, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, al. a), n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, als. a) e b), do C.P. (cfr. II.3.C.), independentemente do papel que os vários intervenientes desempenharam no seu cometimento, o que a seguir se abordará (cfr. II.4.D.b.), face também ao pontualmente referido pelos aludidos recorrentes, impõe-se efetuar apenas algumas breves precisões quanto a alguns dos elementos pertencentes ao tipo de ilícito subjetivo em causa.
Sob o ponto de vista subjetivo, o crime de rapto exige o dolo relativamente à ação e ao resultado de privação da liberdade da pessoa transferida, coativa ou astuciosamente, de um lugar para o outro. Contudo, exige o tipo legal de crime em apreço que o rapto tenha uma das finalidades referidas no art.º 161.º, n.º 1, als. a) a d), do C.P., embora a consumação do crime não exija a concretização de tal intenção (cfr. CARVALHO, Américo Taipa de, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2012, pág. 696 § 9).
Ora, entre essas intenções conta-se a finalidade extorsionária (cfr. art.º 161.º, n.º 1, al. a), do C.P.), isto é, forma de enriquecimento ilegítimo, pois a expressão “extorsão” é usada pela lei penal no seu sentido técnico, havendo, assim, que recorrer ao art.º 223.º do C.P. para a interpretar (cfr. SANTOS, Manuel José Carrilho de Simas, LEAL-HENRIQUES, Manuel de Oliveira, in Código Penal Anotado, 5.ª edição, Rei dos Livros, 2023, pág. 446).
Embora inegavelmente o objeto do crime de extorsão seja o ato de disposição patrimonial, este deve ser entendido de uma forma ampla, no sentido de abranger qualquer meio de transferir um valor pecuniário de uma esfera jurídica para outra (cfr. SANTOS, Manuel José Carrilho de Simas, LEAL-HENRIQUES, Manuel de Oliveira, in Código Penal Anotado, 5.ª edição, Rei dos Livros, 2023, pág. 1044), podendo, assim, consistir numa ação, numa omissão mas também, como resulta do já exposto (cfr. II.4.B.b.), numa mera tolerância (cfr. CARVALHO, Américo Taipa de, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág. 345 § 14).
É certo que, para haver extorsão, é ainda necessário que a disposição patrimonial se traduza num enriquecimento ilegítimo, para o agente ou para um terceiro, e um prejuízo, para a vítima ou para terceiro, o que impede que se qualifique como extorsão o constrangimento do ladrão à entrega do objeto furtado por parte da pessoa que foi vítima do crime de apropriação da coisa, caso em que este só poderia ser punido pelo crime cometido para levar a cabo tal constrangimento. Na verdade, nesse caso, procurando este reaver, mediante coação, a sua coisa, o ato de entrega desta, ou de tolerância à sua entrega, desde logo, não constituiria para o agente coator um enriquecimento ilegítimo, pese embora se constituísse autor do crime meio para o constrangimento (cfr. CARVALHO, Américo Taipa de, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, págs. 345 e 346 § 16).
Seja como for, no presente caso, não resulta da matéria de facto provada que BB ou o demandante CC se tenham apropriado da referida mala com dinheiro de forma ilícita ou que este fosse propriedade de algum dos arguidos (cfr. II.3.A.), tendo ficado demonstrada a referida finalidade extorsionária (cfr. facto provado sob o ponto 116. – II.3.A.).
Em todo o caso sempre se dirá que, caso não se verificasse qualquer uma das finalidades que sempre tem que presidir ao cometimento do crime de rapto (cfr. art.º 161.º, n.º 1, als. a) a d), do C.P.), tendo ocorrido uma ilícita privação da liberdade de locomoção de BB e do demandante, bem jurídico igualmente tutelado pelo crime de sequestro qualificado, sempre este se teria que ter por verificado (cfr. art.º 158.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), do C.P.; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-07-2005, processo n.º 05P210945; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de ...-...-2023, processo n.º 472/21.0JALRA.C146).
Por fim, estando as condutas aqui em causa tipificadas desde há muito na lei como crime e, assim, desde data anterior aos factos aqui em causa, não se vislumbra qualquer violação aos princípios constitucionais que regem a aplicação da lei criminal (cfr. art.º 29.º, n.º 1, da C.R.P.).
Improcedem, neste segmento, os recursos interpostos pelos arguidos FF (cfr. I.2.C.a.), HH (cfr. I.2.D.a.) e QQ (cfr. I.2.E.a.).
II.4.D.b. Da intervenção dos recorrentes AA, HH e QQ nos crimes de rapto qualificados: coautoria ou cumplicidade:
Os recorrentes AA, HH e JJ colocam em causa a qualificação do papel que desempenharam no seu cometimento dos 3 crimes de rapto qualificados como coautores, defendendo aquele que, quanto muito, seria apenas o de cúmplice (cfr. I.2.A.a., I.2.D.a. e I.2.E.a.).
O Ministério Público, nas respostas, pugnou que era de manter a qualificação como coautores de tais crimes (cfr. I.2.A.b., I.2.D.b. e I.2.E.b.).
É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução (cfr. art.º 26.º do C.P.).
Por seu turno, é punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso (cfr. art.º 27.º do C.P.).
Assim, o C.P., nos seus artigos 26.º e 27.º, define e equipara as diversas formas de autoria no primeiro daqueles preceitos legais e autonomiza a cumplicidade no segundo (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo/SOUSA, Susana Aires de, in “T.R.P., Acórdão de 24 de novembro de 2004. (Autoria mediata do crime de condução ilegal de veículo automóvel)”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 135, março-abril de 2006, n.º 3937, Coimbra Editora, pág. 255).
Contudo, para a correta interpretação de tais preceitos legais é essencial atender ao seu fundamento doutrinal, isto é, à teoria do domínio do facto (cfr. ROXIN, Claus, in Autoría y Dominio del Hecho em Derecho Penal, 7.ª edição, Marcial Pons, 2000 (tradução de Täterschaft und Tatherrschaft, de Joaquín Cuello Contreras e José Luis González de Murillo, a partir da 7.ª edição alemã, de 1999), § 17), conforme tem sido reconhecido pela doutrina nacional maioritária (citada em MORÃO, Helena, in Autoria e Execução Comparticipadas, Almedina, 2016, pág. 101, nota 198) e pela jurisprudência (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-12-2016, processo n.º 119/14.0GBPRG.G1.S147).
Segundo tal teoria é autor quem domina o facto, quem dele é senhor, quem toma a execução nas suas próprias mãos, de tal modo que dele depende decisivamente o se e o como da realização típica (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in “La instigación como autoria. Un requiem por la ‘participación’ como categoría de la dogmática jurídico-penal portuguesa?”, Homenage al Profesor Dr. Gonzalo Rodríguez Mourullo, Thomson/Civitas, 2005, pág. 346). Domínio esse positivo, porque traduzido na capacidade de o fazer prosseguir até à consumação, mas também negativo, porque igualmente traduzido na capacidade de o fazer gorar. Assim, o autor seria a figura central do acontecimento, possuindo, pois, o domínio objetivo do facto e a vontade de o dominar, numa unidade de sentido objetiva-subjetiva: numa vertente o facto aparece como obra de uma vontade que dirige o acontecimento e, noutra vertente, como fruto de uma contribuição para o acontecimento dotada de um determinado peso e significado.
Ora, na verdade, esse domínio pode exercer-se de diferentes formas e fundar, por conseguinte, diferentes modalidades de autoria, concretizadas no art.º 26.º do C.P.: o domínio da ação está presente na autoria imediata, na medida em que o agente realiza ele próprio a ação típica (primeira alternativa); o domínio da vontade do executante de quem o agente se serve para a realização típica firma a autoria mediata (segunda alternativa); o domínio funcional do facto constitui o sinal próprio da coautoria, em que o agente decide e executa o facto em conjunto com outro ou outros (terceira alternativa); e, finalmente, o domínio da decisão que constitui o sinal típico da instigação já que tendo produzido ou criado no executor a decisão de atentar contra um certo bem jurídico-penal através da comissão de um concreto ilícito típico, não obstante este o executar livremente, ainda aparece como obra daquele (quarta alternativa) (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo/SOUSA, Susana Aires de, in “T.R.P., Acórdão de 24 de novembro de 2004. (Autoria mediata do crime de condução ilegal de veículo automóvel)”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 135, março-abril de 2006, n.º 3937, Coimbra Editora, pág. 255).
Assim, em primeiro lugar, é autor imediato todo aquele que executa o facto ilícito típico, total ou parcialmente, pelas suas próprias mãos, por si mesmo, e não por intermédio de outrem ou juntamente com outros, tendo pois que preencher na sua pessoa a totalidade dos elementos objetivos e subjetivos do ilícito típico (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, 2.ª reimpressão, Coimbra Editora, 2012, págs. 759 e 775).
Em segundo lugar, é autor mediato aquele que, sendo plenamente responsável, não executa por si o facto ilícito típico materialmente mas sim por intermédio ou servindo-se de outrem que, por não ser plenamente responsável, age como instrumento daquele primeiro, ou seja, sob a sua influência ou numa posição subordinada, sendo pois o autor mediato o único dos dois que preenche na sua pessoa a totalidade dos elementos objetivos e subjetivos do ilícito típico (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, 2.ª reimpressão, Coimbra Editora, 2012, págs. 775 a 790).
Em terceiro lugar, é coautor todo aquele que domina o facto, não por si mesmo nem por intermédio de outro, mas sim em conjunto com outro ou outros. Para o efeito, é necessária a existência de uma decisão conjunta de divisão de tarefas indispensáveis para a realização objetiva do facto, podendo tal acordo ser expresso ou tácito e ocorrer antes do início da execução do facto ou após o seu início e até à sua consumação, nisso consistindo a coautoria sucessiva. Por seu turno, é também necessária uma execução conjunta, ou seja, que cada um dos comparticipantes execute a sua tarefa, assim tomando parte direta na execução, sendo a atuação de cada um deles elemento do todo indispensável à produção do resultado. No entanto, os diferentes contributos não têm que ocorrer simultaneamente ou no mesmo período de tempo, nem é indispensável que o coautor se encontre presente no lugar onde se vai dar a execução material. Por outro lado, não é necessário que cada um deles intervenha em todos os atos a praticar para a obtenção daquele resultado, podendo o contributo ser apenas parcial. Acresce que nem todos os contributos precisam de ser típicos ou em si mesmos causais. Assim, serão coautores todos os comparticipantes que contribuíram objetivamente para a realização típica do crime em causa, e não apenas favorecido um facto alheio, levando cada um deles a cabo, necessariamente e pelo menos, uma parte da atividade total de tal forma que a atuação de cada um deles seja complemento da dos demais, projetando a consciência e vontade de colaboração na realização do resultado típico do crime em causa, o que justifica que cada agente seja responsável pelo resultado global verificado como se fosse autor singular do mesmo, não necessitando nenhum deles de preencher na própria pessoa a totalidade dos elementos típicos (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo/SOUSA, Susana Aires de, in “T.R.P., Acórdão de 24 de novembro de 2004. (Autoria mediata do crime de condução ilegal de veículo automóvel)”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 135, março-abril de 2006, n.º 3937, Coimbra Editora, pág. 256; DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, 2.ª reimpressão, Coimbra Editora, 2012, págs. 791 a 797).
Finalmente, a quarta e última modalidade de autoria segundo o art.º 26.º do C.P. é a instigação. Instigador é aquele que produz ou cria de forma cabal no executor plenamente responsável a decisão de atentar contra um certo bem jurídico-penal através do cometimento de um concreto ilícito típico, se necessário inculcando-lhe a ideia, revelando-lhe a sua possibilidade, as suas vantagens ou o seu interesse, ou aproveitando a sua plena disponibilidade, e acompanhando de perto e ao pormenor a tomada de decisão definitiva pelo executor. Assim sendo, se o concreto ilícito típico cometido não pode deixar de ser visto como obra pessoal do executor, o certo é que, tendo o mesmo concretizado de forma plenamente responsável uma decisão criada ou produzida no seu espírito pelo instigador, pelo menos o início da execução daquele ilícito típico faz aparecer o mesmo, também e sobretudo, como obra desse instigador e dá ao contributo deste para o facto o carácter de corealização de um ilícito e não de mera participação no ilícito de outrem. Sem o instigador não haveria assim aquele crime. Assim, ocorre uma repartição do domínio do facto relativamente ao mesmo ilícito típico (fora dos casos da coautoria), erigindo, pois, o autor atrás do autor em figura central ou centro pessoal do acontecimento, justificando que sejam ambos responsabilizados penalmente (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo/SOUSA, Susana Aires de, in “T.R.P., Acórdão de 24 de novembro de 2004. (Autoria mediata do crime de condução ilegal de veículo automóvel)”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 135, março-abril de 2006, n.º 3937, Coimbra Editora, pág. 256; DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, 2.ª reimpressão, Coimbra Editora, 2012, pág. 799).
Por outro lado, de acordo com o citado art.º 27.º do C.P. será remetido para a cumplicidade todo o participante que não sendo autor, colabora no facto do autor, ou seja, que presta um contributo real ao facto do autor, seja qual for a espécie que um tal contributo assuma em concreto, pelo que o critério mínimo para assegurar a existência de cumplicidade é o de que, com ela, o facto do autor há de ter sido, pelo menos, facilitado, ou seja, que tal contributo aumente as hipóteses de realização típica por parte do autor (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal. Sumários e Notas das Lições ao 1.º ano do Curso Complementar de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito de 1975-1976, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1976, págs. 84 e 85).
No presente caso, é inegável que dos factos provados referentes aos crimes de rapto qualificados (cfr. II.3.A.) resulta que a atuação de cada um dos agentes não foi independente da levada a cabo pelos demais, o que, assim, impede que cada um deles seja apenas autor imediato.
Por outro lado, embora se aceite que da referida factualidade provada (cfr. II.3.A.) transpareça que, de entre os agentes, alguns deles assumiram uma posição preponderante (cfr., por exemplo, quanto ao recorrente AA, os factos provados sob os pontos 6., 10., 12., 13., 14., 37., 44., 45., 46., 47., 48., 66., 70., 93. e 94. – II.3.A.), o certo é que os demais são plenamente responsáveis sob o ponto de vista jurídico-penal, o que afasta a autoria mediata.
Acresce que o contributo de cada um dos agentes envolvidos em cada um dos crimes de rapto qualificados aparece, não como mero favorecimento de um facto alheio, mas como uma parte de uma atividade total e, assim, em que as ações de uns se revelam como um perfeito complemento da atuação dos outros, o que afasta a mera cumplicidade.
Na verdade, se uns levaram a cabo as condutas coativas que permitiram a transferência de cada uma das vítimas para local distinto daquele outro onde cada uma delas se encontrava livremente (cfr., quanto ao rapto que vitimou BB, no que se refere ao recorrente AA, o facto provado sob o ponto 6.; quanto ao rapto que vitimou o demandante CC, no que se refere ao recorrente QQ, os factos provados sob os pontos 27., 28., 30., 32. e 34. – II.3.A.), alguns daqueles, e também outros, garantiram e asseguraram a manutenção da privação da liberdade de locomoção de cada uma delas, levaram a cabo atos idóneos a ser alcançada a intenção que presidiu, em cada um dos casos, a tal deslocação e/ou impediram a fuga da respetiva vítima (cfr., quanto ao rapto que vitimou BB, no que se refere ao recorrente AA, os factos provados sob os pontos 10., 12., 13., 14. e 48., no que se refere ao recorrente HH, os factos provados sob os pontos 9. e 14. e no que se refere ao recorrente QQ, os factos provados sob os pontos 9., 14., 21., 23., 48. e 53.; quanto ao rapto que vitimou o demandante CC, no que se refere ao recorrente AA, os factos dados como provados sob os pontos 37., 44. a 46., no que se refere ao recorrente HH, os factos dados como provados sob os pontos 35., 36. e 46., e no que se refere ao recorrente QQ, os factos dados como provados sob os pontos 34., 35. e 46.; quanto ao rapto que vitimou DD, no que se refere ao recorrente QQ, os factos provados sob os pontos 82. e 89. – II.3.A.). Cumpre salientar que, no caso, a presença de várias pessoas no local onde a respetiva vítima foi mantida cativa, de acordo com a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, que no caso não se verificaram, é um comportamento por si só idóneo a mantê-la no espaço para onde foi coativamente transferida e neutralizar qualquer reação da sua parte.
Ora, perante cada um dessas situações externo-objetivas, caracterizada por um ajuste espontâneo e harmónico num comportamento que se revela exteriormente como sendo comum, os comportamentos adotados por cada um dos agentes envolvidos são efetivamente concludentes da existência de um acordo, de uma decisão comum de cometer o facto globalmente considerado.
Tal conclusão não é prejudicada pelo facto de, objetivamente, o contributo de alguns deles apenas ter ocorrido depois de a respetiva vítima ter sido transferida do local onde livremente se encontrava para um outro distinto (como aconteceu, quanto ao recorrente HH, no que diz respeito ao rapto que vitimou BB e ao rapto que vitimou o demandante CC e, quanto ao recorrente QQ, no que se refere ao rapto que vitimou BB e ao rapto que vitimou DD – II.3.A.), e ter terminado antes da respetiva vítima ter sido libertada (como aconteceu, quanto ao recorrente HH, no que se refere ao rapto que vitimou BB – cfr. facto provado sob o ponto 48. – II.3.A.).
Cumpre salientar que o Supremo Tribunal de Justiça, recorrendo à figura da coautoria sucessiva, já entendeu que deveriam ser punidos como coautores de um crime de rapto os agentes que, não tido intervenção na transferência da vítima para um local diferente daquele onde se encontrava livremente, por outros levada cabo, após dela terem tido conhecimento e de se inteirarem do plano só por aqueles urdido, garantiram e asseguraram a manutenção da privação da liberdade de locomoção da vítima, levaram a cabo atos idóneos a ser alcançada a intenção que presidiu à deslocação desta e impediram-na de fugir, decidindo então associar-se aos primeiros (cfr. acórdão do Supremo tribunal de Justiça, de 24-09-2020, processo n.º 4199/17.9JAPRT.C1.S148).
Seja como for, no presente caso, mantendo-se inalterada a matéria de facto provada (cfr. II.4.C.), o que ficou demonstrado é que o acordo que foi firmado entre todos os agentes logo incluiu a totalidade dos atos necessários à transferência da vítima, à manutenção da privação da sua liberdade de locomoção e ao impedimento da fuga, independentemente do momento em que cada um desses atos foi objetivamente praticado e de quem os levou a cabo (cfr. factos provados 116. a 120. e 125. – II.3.A.). Na verdade, da factualidade provada não resulta que o acordo de algum dos intervenientes só tenha ocorrido após o início da realização do facto por outros, pressuposto essencial à coautoria sucessiva. De facto, da factualidade provada resulta sim uma decisão comum de cometer o facto, globalmente considerado, um conhecimento recíproco do papel a desempenhar por cada um dos agentes, o que relaciona entre si as atuações parciais de cada um deles numa unidade de sentido que justifica a imputação recíproca dos comportamentos assumidos por cada um deles, a responsabilidade de cada um pelo facto global e, assim, também uma valoração diferente da consideração individual de cada atividade separada.
Ora, nessas circunstâncias, é evidente que a contribuição material em causa dos agentes que apenas tiveram efetiva intervenção após cada uma das vítimas ter sido transferida para local diferente daquele onde se encontrava livremente, e antes de cada uma delas ser libertada, é ainda o exercício do domínio do facto e, por conseguinte, parte do preenchimento do tipo.
Por outro lado, o acordo pressuposto na coautoria não se confunde com a elaboração conjunta do plano comum ou projeto criminoso, que pode ser criado ou ordenado por um e aceite pelos demais.
Ora, no que se refere ao último rapto, que vitimou DD, a execução do mesmo foi ordenada pelo recorrente AA (cfr. facto provado sob o ponto 66. – II.3.A.), tendo a deslocação daquele sido efetuada mediante a utilização de um veículo automóvel que, embora ainda registada em nome de um dos arguidos, já então possuía seguro de responsabilidade civil automóvel em nome do pai do recorrente AA (cfr. facto provado sob o ponto 70. – II.3.A. e II.3.B.).
Acresce que embora não tenha ficado demonstrado que o recorrente AA estivesse fisicamente presente quando DD foi transferido e aprisionado, o certo é que é inegável que, ainda assim, acompanhava a execução dos atos necessários para manter a privação da liberdade de locomoção deste e impedir a sua fuga. Na verdade, o recorrente AA deu ordens sobre o momento em que deveriam terminar atos que por outros foram praticados em relação a DD (cfr. facto provado sob o ponto 93. – II.3.A.). Ora, não tendo ficado demonstrado que o recorrente AA estivesse presente no momento em que os mesmos foram praticados, obviamente que, para assim ter atuado, teve que ser informado do que se estava a passar.
Para além disso, essas outras pessoas reconheciam ao recorrente AA a qualidade de “patrão” (cfr. facto provado sob o ponto 94. – II.3.A.). Na verdade, foi assim que uma delas a ele se referiu, sem que tal tenha aparentemente merecido a oposição das demais então presentes. Ora, não estando em causa uma organização formada para explorar um negócio lícito, como uma fábrica, oficina ou outro estabelecimento, naquele contexto, a utilização da dita expressão só pode ter sido com o significado de se referir “àquele que manda49.
Cumpre salientar que, embora seja evidente que o recorrente AA, no recurso que interpôs, conteste que a alcunha “BI” seja sinónimo de “patrão” ou “chefe”, no mesmo parece não repudiar que ela é utilizada para se referir à sua pessoa (cfr. I.2.A.a. e II.3.B.). Seja como for, o certo é a única pessoa que ordenou a execução do rapto de DD foi o recorrente AA (cfr. facto provado sob o ponto 66. – II.3.A.). Ora, referindo-se a expressão “patrão” à pessoa conhecida por “BI” e, por seu turno, tendo esta expressão sido mencionada como sendo o nome daquele (cfr. factos provados sobre os pontos 93. e 94. – II.3.A.), mesmo que se entendesse que o arguido AA, no recurso que interpôs, não reconheceu ser assim tratado, ter-se-ia que concluir ser “BI” a sua alcunha.
Assim, no que concerne a tal rapto ordenado pelo recorrente AA, a isso não se limitou a sua atuação, não tendo o mesmo, de todo, se desinteressado da sua efetiva realização, sendo ele que, inegavelmente, dirigiu, ainda que à distância, a sua execução, pelo que ficando afastada a instigação e a cumplicidade, erigiu-se como seu coautor.
Deste modo, os recorrentes AA e QQ são inegavelmente coautores dos 3 crimes de rapto qualificados e o recorrente HH é também coautor do crime de rapto qualificado que vitimou BB e do crime de rapto qualificado que vitimou o demandante CC.
Ora, tendo sido, por isso mesmo, a cada um deles aplicada uma pena, não se vislumbra como possa ter sido violado o art.º 30.º, n.º 3, da C.R.P.
Por fim, datando a redação do citado 26.º do C.P. desde data anterior aos factos aqui em causa, também não se vislumbra qualquer violação aos princípios constitucionais que regem a aplicação da lei criminal (cfr. art.º 29.º, n.º 1, da C.R.P.).
Improcedem, pois, neste segmento, os recursos interpostos pelos arguidos AA (cfr. I.2.A.a.), HH (cfr. I.2.D.a.) e QQ (cfr. I.2.E.a.).
II.4.E. Do regime dos jovens adultos:
O tribunal recorrido não aplicou o regime de jovens adultos decorrente dos arts. 1.º, n.ºs 1 e 2, e 4, do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23-09 ao recorrente AA tendo exarado no acórdão recorrido às razões pelas quais assim concluiu (cfr. II.3.D.).
Contudo, o recorrente AA entende que deveria beneficiar de tal regime dado que vivia, à data dos factos, exclusivamente com o seu pai, com quem trabalhava diariamente numa oficina, exercendo atividade profissional honesta e regular, perdeu recentemente a sua mãe, facto que o afetou profundamente a si e à sua estrutura familiar e emocional, agravando a sua vulnerabilidade afetiva e a sua dependência do núcleo familiar restante, tendo encontrado alguma estabilidade no seu hodierno relacionamento com a sua namorada, tratando-se de um jovem claramente dedicado à família, trabalhador e inserido num projeto de vida construtivo que apenas por influências externas e pelas vicissitudes da vida se viu envolvido nos factos em apreço (cfr. I.2.A.a.).
Em resposta, o Ministério Público entendendo que inexistem sérias razões para crer que da aplicação do aludido regime resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, pugna que se mostra fundada a não aplicação do mesmo ao dito recorrente (cfr. I.2.A.b.).
Quando o agente for jovem, isto é, quando à data da prática do crime tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos (cfr. art.º 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23-09), “se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado” (cfr. art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23-09).
O recorrente AA nasceu em 22-03-2003, tendo praticado os factos aqui em causa entre ...-...-2023 e ...-...-2023 (cfr. II.3.A.).
Sendo incontroverso que o mesmo possuía então idade superior a 16 anos e inferior a 21 anos de idade, cumpre aquilatar da pertinência ou inconveniência da aplicação de tal regime que, como resulta do exposto, não é nem obrigatória nem automática (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-01-2021, processo n.º 733/17.2JAPRT.G2.S150).
O legislador não consagrou o regime das disposições especiais para jovens, por consagrar, mas acolheu o ensinamento de outros ramos do saber que explicam que na adolescência e no início da idade adulta, os jovens adaptam-se ou não, melhor ou pior, em maior ou menor grau, às várias transformações que vivenciam, dado que, neste ciclo de vida, não raramente, os jovens enveredam por condutas ilícitas, mas em regra a criminalidade é um fenómeno efémero e transitório (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-10-2023, processo n.º 691/22.1JAPRT.S151).
No que diz respeito ao recorrente AA ninguém duvida que no caso a aplicação do regime penal especial para jovens era mais vantajoso para o mesmo. Mas não é isso que está em causa. Na verdade, como resulta do já exposto, o que está em causa é saber se, em concreto, se verificam sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do mesmo.
Percorrida a matéria de facto provada dela não resulta que os factos em causa nos autos tenham sido cometidos pelo recorrente AA apenas por influências externas (cfr. factos provados sob os pontos 1. a 109., 116. a 120. e 125. – II.3.A.). Por outro lado, não se vislumbra, nem o referido recorrente explica ou concretiza, quais foram afinal as “vicissitudes” da sua vida que o tenham compelido a raptar três pessoas. Certamente não o foi a lamentável morte da sua mãe, a quem estava afetivamente ligado, dado que tal trágico evento apenas ocorreu após os factos aqui em apreço (cfr. factos provados sob os pontos 136. e 152. – II.3.A.). Acresce que, o facto de atravessar, aquando da prática dos factos aqui em causa, um período de alguma estabilidade (cfr. factos provados sob os pontos 136. – II.3.A.) não foi suficientemente contentor, tendo o mesmo, em apenas 1 mês e 7 dias, cometido 3 crimes classificados pela própria lei de processo como criminalidade especialmente violenta (cfr. art.º 1.º, al. l), do C.P.P.). Por outro lado, não se pode também ignorar as desvaliosas características da sua personalidade que resultam da forte ligação que mantém desde há anos a jovens com comportamentos desajustados e menos normativos (cfr. factos provados sob os pontos 146. a 148. – II.3.A.), bem como da reduzida capacidade de colaboração, do descomprometimento com a execução das regras e da resistência ao seu cumprimento que ainda hoje evidencia, não obstante se encontrar privado de liberdade em contexto prisional (cfr. factos provados sob os pontos 152. e 153. – II.3.A.). Finalmente, tendo alcançado a imputabilidade em razão da idade em 22-03-2019 verifica-se que em cada um dos subsequentes anos e, assim, quando ainda não tinha atingido os 21 anos de idade, foi cometendo diversos crimes, denotando-se uma progressiva escalada na gravidade dos mesmos, percurso criminoso que só foi interrompido com a atual reclusão preventiva (cfr. factos provados sob os pontos 281. a 283. – II.3.A.).
Assim sendo, revelando o referido recorrente possuir uma personalidade propensa a adotar um comportamento desconforme ao direito, não se vislumbra como da dita atenuação possa resultar, de forma séria, a possibilidade de vantagens para a reinserção social do mesmo.
Deste modo, é absolutamente correta a decisão do tribunal recorrido de não aplicar ao recorrente AA o referido regime (cfr. II.3.D.).
Improcede, neste segmento, o recurso interposto pelo arguido AA (cfr. I.2.A.a.).
II.4.F. Da dosimetria das penas:
O recorrente AA pugna pela redução da pena parcelar aplicada pelo crime de rapto qualificado que vitimou BB, com base “na atenuação especial aplicável nos termos do artigo 72.º, n.º 2, alínea c), bem como nos princípios da proporcionalidade e da culpa”. No que se refere à pena aplicada pelo crime rapto qualificado que vitimou o demandante CC, entende que, sendo requalificada como cumplicidade a sua atuação, deveria ser reduzida para uma medida concreta inferior a 5 anos, nos termos dos arts. 27.º, n.º 2, e 73.º do C.P., devendo ser valorado “a menor ilicitude da conduta do arguido, a ausência de envolvimento directo na execução e desfecho do acto típico e a inexistência de prova segura sobre o transporte da vítima” (cfr. I.2.A.a.).
Já o recorrente EE, tendo em conta as suas condições pessoais e a sua idade à data dos factos, pugna que as penas parcelares aplicadas por cada um dos crimes de rapto qualificados por cuja prática foi condenado, pecam por serem excessivas, entendendo por justas, adequadas às finalidades de prevenção e proporcionais à sua culpa a pena parcelar de 6 anos e 10 meses de prisão por cada um deles. Por outro lado, e quanto à pena única, entende que não foi devidamente valorado o facto de não ter antecedentes criminais da mesma natureza, de não ter ficado demonstrado uma ascendência da sua parte sobre os demais coautores, de os factos provados não apontarem para uma tendência criminosa da sua parte e de, à data em que foram cometidos, estar razoavelmente inserido sob o ponto de vista familiar e laboral, pugnando pela aplicação de uma pena única de 8 anos e 6 meses de prisão (cfr. I.2.B.a.).
Por seu turno, o recorrente FF entende que as penas parcelares aplicadas por cada um dos crimes e a pena única fixada mostram-se elevadas e desproporcionais, não levando em conta circunstâncias que entende militarem a seu favor, nomeadamente a ausência de antecedentes criminais por crimes de natureza idêntica, a manifestada disponibilidade para efetuar tratamento médico à sua dependência, a sua inserção familiar e profissional à data dos factos, o facto de beneficiar de apoio familiar e a disponibilidade da companheira e do progenitor para o ajudar a recuperar a sua saúde e a sua vida, este último arranjando-lhe também trabalho para quando sair do estabelecimento prisional. Assim, entende que lhe deveriam ser aplicadas as penas de 4 anos de prisão por cada um dos 3 crimes de rapto qualificados, 2 anos de prisão pelo crime de roubo e 1 ano de prisão para o crime de tráfico de menor gravidade, não devendo a pena única ultrapassar os 6 anos de prisão (cfr. I.2.C.a.).
Por fim, o recorrente HH entende que, no que se refere à pena que lhe foi aplicada pelo crime de tráfico de menor gravidade deve a mesma ser reduzida para o limite mínimo, tendo em conta a ausência de antecedentes criminais, o facto de, à data dos factos, ser trabalhador informal e também consumidor de canabis, sendo que, com a sua reclusão preventiva, deixou de estar envolvido no tráfico de estupefacientes, a tal não se opondo as exigências de prevenção geral (cfr. I.2.D.a.).
Em resposta, o Ministério Público pugnou que as aplicadas são adequadas às exigências de prevenção geral e especial que no caso concreto se fazem sentir, alertando que penas inferiores às fixadas não realizavam de forma eficaz a proteção dos bens jurídicos que o tipo legal de crime visa salvaguardar, bem como a necessidade de demover a prática de futuros crimes (cfr. I.2.A.b., I.2.B.b., I.2.C.b. e I.2.D.b.).
No que se refere ao recurso interposto pelo recorrente AA, uma vez que o mesmo decaiu na sua pretensão de ver qualificada como cumplicidade a sua intervenção nos factos que ficaram provados (cfr. II.4.D.b.), não podem as penas parcelares de prisão aplicadas pelos dois referidos crimes de rapto qualificados ser atenuadas especialmente por força do disposto no art.º 23.º, n.º 2, do C.P.
Por outro lado, o tribunal de recurso apenas deverá intervir alterando a medida das penas em casos de manifesta desproporcionalidade na sua fixação ou quando os critérios de determinação da pena concreta imponham a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e da prevenção em face das circunstâncias do caso (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 197; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04-12-2024, processo n.º 2103/22.1T9LSB.S152; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31-10-2024, processo n.º 2390/18.0T9AVR.P1-S153; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-11-2023, processo n.º 808/21.3PCOER.L1.S154; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-05-2022, processo n.º 1537/20.0GLSNT.L1.S155; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-04-2022, processo n.º 192/19.5JAPDL.S156).
Incorrendo o recorrente AA, quer pelo crime de rapto qualificado que vitimou BB quer pelo crime de rapto qualificado que vitimou o demandante CC, numa pena de 3 a 15 anos de prisão (cfr. art.º 161.º, n.º 2, al. a), do C.P.), o tribunal recorrido condenou-o, quanto àquele, numa pena de 8 anos de prisão e, quanto a este, numa pena de 7 anos de prisão (cfr. II.2.A.).
Por seu turno, incorrendo o recorrente EE, por cada um dos dois crimes de rapto qualificados que cometeu, numa pena de 3 a 15 anos de prisão (cfr. art.º 161.º, n.º 2, al. a), do C.P.), o tribunal recorrido condenou-o numa pena de 8 anos de prisão, no que concerne ao que vitimou BB e numa pena de 7 anos de prisão, no que concerne ao crime que vitimou o demandante CC.
No que se refere ao recorrente FF, incorrendo o mesmo, por cada um dos 3 crimes de rapto qualificados que cometeu, numa pena de 3 a 15 anos de prisão (cfr. art.º 161.º, n.º 2, al. a), do C.P.), o tribunal recorrido condenou-o numa pena de 7 anos de prisão no que concerne ao que vitimou BB, numa pena de 6 anos de prisão no que concerne ao crime que vitimou o demandante CC e numa pena também de 6 anos de prisão no que concerne ao crime que vitimou DD. Por seu turno, incorrendo o mesmo numa pena de 1 a 8 anos de prisão pelo crime de roubo que cometeu (cfr. art.º 210.º, n.º 1, do C.P.), e que vitimou DD, o tribunal recorrido condenou-o numa pena de 3 anos de prisão. Finalmente, e no que concerne ao crime de tráfico de menor gravidade, incorrendo numa pena de 1 a 5 anos de prisão (cfr. art.º 25.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01), o tribunal recorrido condenou-o numa pena de 2 anos de prisão.
Por fim, e no que se refere ao recorrente HH, incorrendo numa pena de 1 a 5 anos de prisão pela prática do crime de tráfico de menor gravidade (cfr. art.º 25.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01), o tribunal recorrido condenou-o numa pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
Afigura-se que se mostram observados os critérios da culpa dos referidos agentes e das exigências de prevenção a que se terá que atender na tarefa de determinação da medida de cada uma das referidas penas, de acordo com a chamada teoria da moldura da prevenção ou da defesa do ordenamento jurídico (cfr. art.º 71.º, n.º 1, do C.P. e ANTUNES, Maria João, in Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, pág. 41 e segs.), onde:
- A prevenção geral de integração está incumbida de fornecer o limite mínimo, que tem como fasquia superior o ponto ótimo de proteção dos bens jurídicos e inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar (cfr. art.º 40.º, n.º 1, do C.P.);
- A culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva (cfr. art.º 40.º, n.º 2, do C.P.);
- Cabendo à prevenção especial, dentro dos referidos limites assim definidos, a determinação da medida concreta da pena, sendo de atender à socialização do agente.
Na verdade, outra não pode ser a conclusão caso se atenda a todas as circunstâncias que não fazendo parte do respetivo tipo legal de crime, deponham a favor ou contra os recorrentes, na medida em que se mostrem relevantes para a culpa ou para exigências preventivas (cfr. art.º 71.º, n.º 2, do C.P.).
No presente caso, são extremamente acentuadas as exigências de prevenção geral que se fazem sentir para se restabelecer a confiança na vigência e validade das normas violadas e que, assim, apontam para um mais severo sancionamento dos agentes deste género de criminalidade.
Na verdade, a criminalidade grupal e com recursos a armas (cfr. art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15-03) tem particular eco e ressonância social, sendo geradora de forte alarme social e de um profundo sentimento de intranquilidade e insegurança.
Ora, mesmo no que diz respeito ao crime de roubo em que incorreu o recorrente FF, não se pode ignorar que foi cometido quando a vítima se encontrava no interior de um veículo automóvel em andamento estando aquele acompanhado de mais 3 pessoas, duas delas munidas de armas de fogo (cfr. factos provados sob os pontos 67. a 69. e 70. a 79., – II.3.A.).
Por fim, e no que concerne aos crimes de tráfico de estupefacientes, é urgente a necessidade de desmotivar a sua prática tendo em conta o alarme social e o repúdio que suscita na nossa sociedade e os efeitos nefastos que nesta provoca, constituindo um dos fatores de maior perturbação social, quer pelos riscos para bens e valores fundamentais como a saúde física e psíquica dos destinatários de tal atividade, quer pelas ruturas familiares e fraturas na coesão social que provoca, com a proliferação de uma vasta criminalidade associada ao consumo de estupefacientes.
No que se refere aos crimes de rapto qualificados e crime de roubo, é extremamente elevado o grau de ilicitude dos factos cometidos, tendo em conta a destacada inferioridade numérica em que a respetiva vítima se encontrava ou foi colocada e a diversidade dos diferentes atos praticados.
Relativamente aos crimes de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, a ilicitude dos factos cometidos é mediana no que se refere ao recorrente FF, e até baixa no que se refere ao recorrente HH, desde logo em face do tipo de estupefaciente em causa (canabis), que não integra as denominadas “drogas duras”, sendo que, quanto ao recorrente FF, era maior a quantidade e o número de doses médias individuais que era possível extrair.
Por outro lado, é destacadamente grave o modo de execução no que concerne aos crimes de rapto qualificados diz respeito, desde logo pela subjugação das vítimas, a brutalidade e/ou forte intensidade das condutas levadas a cabo, coartando às vítimas qualquer possibilidade de se defenderem, sendo que, relativamente a BB, verificou também outra circunstância qualificativa (cfr. arts. 158.º, n.º 2, al. a), e 161.º, n.º 2, al. a), do C.P.), tendo o mesmo estado privado de liberdade de locomoção durante 23 dias (cfr. facto provado sob o ponto 59. – II.3.A.), quando o mínimo suposto pelo tipo para a qualificação é uma privação de liberdade por mais de 2 dias. Acresce que, no que concerne ao crime de roubo cometido pelo recorrente FF, não se poderá ignorar que atuou conjuntamente com outra pessoa e a completa submissão da vítima, que não teve qualquer possibilidade de se opor à subtração (cfr. facto provado sob os pontos 79., 121. e 125. – II.3.A.). Por fim, e no que aos crimes de tráfico de estupefacientes diz respeito, embora a atuação do recorrente FF se tenha limitado a um dia, não sendo a conduta efetivamente praticada das mais gravosas de entre as supostas pelo tipo legal, atuou conjuntamente com outra pessoa (cfr. factos provados sob os pontos 113., 124. e 125 – II.3.A.), sendo maior o período de tempo de atuação do recorrente HH que efetivamente levou a cabo uma das condutas típicas mais graves (cfr. factos provados sob os pontos 114., 115., 124. e 125. – II.3.A.).
As consequências causadas pelos crimes de rapto qualificados são também muito graves, intensas e diversificadas, tendo sido diversas as zonas do corpo atingidas e de relevo as consequências físicas e psíquicas causadas, algumas das quais, como é evidente, permanecerão (cfr. factos provados sob os pontos 60. a 64., 107. a 109. e 126. a 132. – II.3.A.). Por outro lado, e no que ao crime de roubo diz respeito, foram também vários os bens retirados (cfr. facto provado sob o ponto 79. – II.3.A.).
Acresce que não tendo existido quaisquer atos demonstrativos de arrependimento sincero do recorrente AA, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados, não poderá ter lugar a atenuação especial da pena a que alude o art.º 72.º, n.º 2, al. c), do C.P.
A culpa com que os recorrentes atuaram é notoriamente elevada. Na verdade, todos atuaram com a modalidade mais intensa do dolo, que se mostra direto, relevando os factos cometidos uma forte resolução criminosa, persistência na resolução tomada e reflexão sobre os meios empregues, relevando os factos cometidos personalidades altamente desfasadas do viver em sociedade. Pese embora os crimes de rapto qualificados tenham sido cometidos em coautoria, sendo pois imputável a cada um deles o resultado global como se tivesse sido obra exclusivamente sua, destaca-se de entre os demais o papel dos recorrentes AA e EE nos crimes que vitimaram BB e o demandante CC, tendo em conta o por eles executado e/ou ordenado (cfr. factos provados sob os pontos 6., 9., 10. a 14., 17., 18., 21., 23., 27., 28., 30., 32., 37., 41., 44., 45., 46. a 48. 51. e 53, – II.3.A.). Por outro lado, embora o recorrente HH não tenha estado presente durante toda a atuação sobre BB (cfr. facto provado sob o ponto 48. – II.3.A.), o certo é que, já depois deste ter sido transferido, aprisionado e agredido, participou em idêntica atuação sobre o demandante CC, e enquanto aquele continuava privado de liberdade de locomoção (cfr. factos provados sob os pontos 35., 36. e 46. – II.3.A.), tendo apenas admitido a sua intervenção numa muito pequena parte, procurando minimizá-la (cfr. II.3.B.). Por fim, o recorrente FF, no espaço de 1 mês e 7 dias cometeu, de forma similar, 4 crimes classificados pela própria lei de processo como criminalidade especialmente violenta (cfr. art.º 1.º, al. l), do C.P.P.; acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 04-11-2021, processo n.º 77/21.5JALSB-C.S157, e de 28-03-2018, processo n.º 622/17.0SYLSB-A58; DIAS, Maria do Carmo Silva, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Almedina, 2019, págs. 76 e 77), tendo ele próprio levado a cabo grande parte das selvajarias a que as vítimas foram sujeitas.
Ora, os factos cometidos relevam uma enorme falta de empatia com as vítimas e uma total insensibilidade ao seu sofrimento e, assim, desvaliosas características da personalidade das pessoas que os levaram a cabo, o que necessariamente é revelador de elevadas exigências de socialização.
É certo que à data dos factos o recorrente AA era jovem, trabalhava e atravessava por um período de estabilidade (cfr. factos provados sob os pontos 136. e 137. – II.3.A.), mas estas últimas circunstâncias não o impediram de praticar os graves crimes em causa nos autos, sendo que já não era primário à data dos factos (cfr. facto provado sob o ponto 281. – II.3.A.), tendo também já então cometido outros crimes pelos quais veio a ser posteriormente condenado (factos provados sob os pontos 282. e 283. – II.3.A.), o que é revelador de uma maior indiferença às penas e maior insusceptibilidade de ser por elas influenciado, afastando-o da prática de crimes.
É certo que à data dos factos o recorrente EE, que já contava com 30 anos de idade, trabalhava e estava integrado sob o ponto de vista familiar (cfr. factos provados sob os pontos 158. e 164. – II.3.A.), mas tais circunstâncias não foram suficientemente contentores. Milita também a seu favor o facto de atualmente, em reclusão, aparentemente manter bom comportamento (cfr. facto provado sob o ponto 177. – II.3.A.), mas trata-se de um comportamento exigível a quem cumpre pena num estabelecimento prisional (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-01-2022, processo n.º 129/13.5TASEI.C1.S159).
É também certo que, à data dos factos, o referido recorrente não havia sido condenado por crimes da mesma natureza aos aqui em causa. Contudo, ainda assim, já havia sido condenado pela prática de 7 crimes distintos, tendo-lhe sido aplicadas diferenciadas penas não detentivas (cfr. factos provados sob os pontos 284. a 290. – II.3.A.) que, desta forma, não tiveram o efeito desejado de o afastar da prática de crimes, o que, obviamente, é revelador de maiores exigências de socialização.
No que diz respeito ao recorrente FF, à data dos factos encontrava-se em situação de sem abrigo, fruto de uma recaída nos consumos de drogas e bebidas alcoólicas que conduziram à rutura da relação que mantinha há cerca de 13 anos e no seio da qual nasceram 3 filhos, todos menores (cfr. factos provados sob os pontos 211. a 213. – II.3.A.), o que não pode deixar de militar contra si.
Acresce que já havia cometido 3 crimes de distinta natureza e pelos quais viria a ser condenado posteriormente (cfr. factos provados sob os pontos 292. a 294. – II.3.A.), sendo que, não obstante se encontrar recluído preventivamente, o certo é que o comportamento que aí vem assumido evidencia uma reduzida capacidade de colaboração, um descomprometimento com a execução das regras e uma resistência ao seu cumprimento (cfr. facto provado sob o ponto 221. – II.3.A.).
Por fim, e no que se refere ao recorrente HH, não obstante ter, à data dos factos, ocupação laboral, ainda que informal, e manter forte ligação com a sua avó, já idosa, e com quem vivia (cfr. factos provados sob os pontos 236., 237. e 247. – II.3.A.), o certo é tais circunstâncias não o afastaram da prática deste género de criminalidade.
Milita a favor do recorrente HH o facto de não possuir antecedentes criminais (cfr. facto provado sob o ponto 296. – II.3.A.). No entanto, perante o cometimento de crimes tão graves como os em causa nos autos, tal circunstância não pode ter um efeito particularmente atenuante dado que tal é o expectável a todo o cidadão como modo de viver em sociedade (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-09-2021, processo n.º 1306/19.0JALRA.C1.S160; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31-10-1995, processo n.º 04807561).
Tudo ponderado, afigura-se que os critérios de determinação das penas parcelares concretas não impõem a sua correção a favor dos referidos recorrentes, atentos os parâmetros da culpa e da prevenção em face das circunstâncias do caso acima elencados.
Cada uma das penas únicas tem, considerando para o efeito as penas aplicadas parcelarmente ao recorrente em causa, como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes por ele cometidos e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes que cometeu (cfr. art.º 77.º, n.º 1 e n.º 2 do C. P.).
Assim, para o recorrente AA, tendo a moldura do concurso como limite mínimo 8 anos de prisão e como limite máximo 22 anos de prisão, jamais poderia ser aplicada uma pena única inferior a 8 anos de prisão conforme pretendido por aquele, o que pressupunha que as penas parcelares fossem aplicadas em medida inferior à fixada pelo tribunal recorrido, pretensão que não obteve provimento.
Por seu turno, para o recorrente FF, tendo a moldura do concurso como limite mínimo 7 anos de prisão e como limite máximo 24 anos de prisão, jamais poderia ser aplicada uma pena única inferior a 7 anos de prisão conforme pretendido por aquele, o que pressupunha que as penas parcelares fossem aplicadas em medida inferior à fixada pelo tribunal recorrido, pretensão que não obteve provimento.
Por fim, para o recorrente EE, tendo a moldura do concurso como limite mínimo 8 anos de prisão e como limite máximo 15 anos de prisão, inexistem circunstâncias que explicassem a aplicação de uma pena única apenas 6 meses acima do limite mínimo.
Cumpre salientar que, estabelecida a moldura penal do concurso, deve determinar-se a pena conjunta do concurso, dentro dos limites daquela. Tal pena será encontrada em função das exigências de culpa e de prevenção, tendo o legislador fornecido, para além dos critérios gerais estabelecidos no art.º 71.º do C. P., um critério especial: “Na determinação concreta da pena serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente” (cfr. art.º 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do C.P.).
Importa, pois, detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre os factos concorrentes, tendo em vista a totalidade da atuação do respetivo arguido como unidade de sentido, que possibilitará uma avaliação global e a “culpa pelos factos em relação” (cfr. MONTEIRO, Cristina Líbano, in “A Pena “Unitária” do Concurso de Crimes”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, n.º 1, págs. 162 e segs.). Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, pág. 286).
Na avaliação desta personalidade unitária do agente, releva, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência, ou eventualmente mesmo a uma carreira criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sendo que só no primeiro caso será de atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. No entanto, não pode ser esquecida a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do respetivo agente.
A concreta circunstância que deva servir para determinar a moldura penal aplicável ou para escolher a pena não deve ser de novo valorada para quantificação da culpa e da prevenção relevantes para a medida da pena, nisso se traduzindo o princípio da proibição de dupla valoração (cfr. art.º 71.º, n.º 2, do C.P. e DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 237).
Contudo, apesar de os princípios da culpa e da prevenção se refletirem na imagem global do facto para determinação da moldura penal aplicável, nada impede que tais princípios entrem de novo em conta, sem qualquer restrição, na operação de determinação da medida concreta da pena única em caso de concurso de crimes. Neste contexto, o princípio da proibição de dupla valoração não pode dizer-se violado (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 238).
Ora, no presente caso, e quanto ao recorrente EE, não obstante terem sido dois os crimes cometidos, os mesmos são da mesma natureza, com distintas vítimas, coincidindo temporalmente o seu cometimento, sendo caracterizados pelo elevadíssimo grau de ilicitude, muito acentuada gravidade do modo de execução, sendo preponderante o papel que o recorrente EE desempenhou, intenso o dolo com que atuou, denotando reflexão sobre os meios empregues, forte resolução criminosa, persistência na resolução tomada, falta de empatia e total falta de sensibilidade pelo sofrimento alheio o que, tendo em conta os seus antecedentes criminais, releva ainda sentimento de impunidade e falta de preparação para manter uma conduta lícita e, assim, características da personalidade do recorrente altamente desvaliosas e que evidenciam maiores exigências de socialização.
Assim, da imagem global dos crimes aqui em causa afigura-se que o conjunto dos factos em apreço não é reconduzível a uma mera pluriocasionalidade, sendo já demonstrativo de uma personalidade reveladora de uma facilidade para delinquir.
Deste modo, devendo ser de atribuir à pluralidade de crimes cometidos um efeito mais agravante dentro da moldura penal conjunta, é evidente que os critérios de determinação da pena única não impõem a sua correção a favor do recorrente EE, atentos os parâmetros da culpa e da prevenção, em face das circunstâncias do caso acima elencados.
Improcedem, pois, neste segmento, os recursos interpostos pelos arguidos AA (cfr. I.2.A.a.), EE (cfr. I.2.B.a.), FF (cfr. I.2.C.a.) e HH (cfr. I.2.D.a.).
II.4.G. Da suspensão da execução da pena única de prisão aplicada ao recorrente HH:
O recorrente HH pugnou pela suspensão da execução da pena única (cfr. I.2.D.a.).
Não tendo obtido provimento as pretensões do recorrente de absolvição de alguns dos crimes, que se alicerçava na impugnação da matéria de facto (cfr. II.4.C.), bem como na redução de uma das penas parcelares aplicadas (cfr. II.4.F.), tendo em conta o limite mínimo da pena única em que incorre por força da lei, ou seja, 6 anos e 6 meses de prisão (cfr. art.º 77.º, n.º 2, do C.P.), uma vez que a suspensão da execução da pena de prisão só é aplicável a penas de prisão aplicadas em medida não superior a 5 anos (cfr. art.º 50.º, n.º 1, do C.P.), é manifesto que não é legalmente possível suspender a execução da pena única aplicada.
Improcede, pois, neste segmento, o recurso interposto pelo arguido HH (cfr. I.2.D.a.).
II.4.H. Do quantum indemnizatório atribuído a CC:
O recorrente FF entende que o valor indemnizatório atribuído a CC mostra-se “desajustado e desproporcional”, não devendo ultrapassar a quantia de EUR 5 000, resultando da motivação (corpo) do recurso que interpôs que alicerça tal pretensão “face ao papel e grau de intensidade que o arguido possa ter tido na prática dos factos” (cfr. I.2.C.a.).
Convém ter presente que se forem vários os autores do ato ilícito, todos eles respondem pelos danos que hajam causado (cfr. art.º 490.º do Código Civil – C.C.), sendo solidária a sua responsabilidade (cfr. art.º 497.º, n.º 1, do C.C.). Porém, quanto ao direito de regresso, isto é, nas relações internas entre as pessoas responsáveis pelos danos, o mesmo existe na medida das respetivas culpas e das consequências que delas advieram, embora se presumam iguais as culpas das pessoas responsáveis (cfr. art.º 497.º, n.º 2, do C.C.).
Assim, perante a extrema gravidade dos danos causados (cfr. factos provados sob os pontos 63., 64. e 126. a 130. – II.3.A.), tendo sido vários os coautores do facto ilícito que os causaram e, desta forma, várias as pessoas responsáveis pelos danos causados, todos tendo agido dolosamente (cfr. factos provados sob os pontos 116., 118., 119. e 125. – II.3.A.), não tendo o lesado concorrido para a produção daqueles (cfr. art.º 570.º do C.C.), o “papel e grau de intensidade” que o referido recorrente teve na produção dos danos não conduz à diminuição do montante indemnizatório a suportar por aqueles e a receber pelo lesado.
Embora, em abstrato, o “papel e grau de intensidade” que o referido recorrente teve na produção dos danos pudesse possa ter reflexos na percentagem do montante indemnizatório que deveria assegurar nos termos expostos e, assim, apenas nas relações internas com os demais autores do facto ilícito, o certo é que, percorrida a matéria de facto provada, nela não se descortina que o recorrente FF tenha tido diminuto papel ou que a sua intervenção nos factos ilícitos levados a cabo tenha sido pouco intensa.
Na verdade, o recorrente FF foi um dos que se deslocou à casa onde se encontrava o demandante (cfr. facto provado sob o ponto 27. – II.3.A.), tendo aguardado no interior do veículo (cfr. facto provado sob o ponto 28.– II.3.A.), onde aquele foi introduzido mediante força física, insultado, ameaçado (cfr. factos provados sob os pontos 30. e 32. – II.3.A.) e transportado até outro local (cfr. facto provado sob o ponto 31. – II.3.A.), no qual foi obrigado por outros a entrar e onde, após ter sido por outros despido até ficar só com a roupa interior vestida (cfr. facto provado sob o ponto 34. – II.3.A.), foi agredido fisicamente, incluindo pelo recorrente FF. Na verdade, este, juntamente com os demais, desferiu-lhe pontapés por todo o corpo (cfr. facto provado sob o ponto 35. – II.3.A.), várias pancadas com um pau nas costas (cfr. facto provado sob o ponto 36. – II.3.A.), tendo chegado a segurar numa arma enquanto o demandante era chicoteado (cfr. factos provados sob os pontos 38. e 39. – II.3.A.). Obviamente que a presença do recorrente em todo este cruel episódio assegurou o bom sucesso do transporte e privação de liberdade do demandante, bem como que este suportasse todas as selvagerias a que foi sujeito (cfr. facto provado sob o ponto 46. – II.3.A.).
Por fim, convém ter presente que se devem evitar indemnizações miserabilistas a título de danos não patrimoniais e a que a determinação do seu montante exato, porque resultado de um juízo de equidade (cfr. art.º 496.º, n.º 1 e 462, do C.P.), só é passível de censura pelos tribunais superiores em casos de manifesta imprudência e falta de senso comum na sua fixação (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18-09-2014, processo n.º 3765/03.4PCAMD.L1-263; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 01-02-2012, processo n.º 6/06.6PTLRA.C164; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06-10-2009, processo n.º 17/07.4TBCBR.C165).
Ora, no presente caso, em face da elevadíssima ilicitude dos factos cometidos e do modo extremamente grave da sua execução, bem como do elevado grau de culpabilidade dos agentes e da situação económica destes e do lesado (cfr. arts. 494.º e 496.º, n.ºs 1 e 4, do C.C.), o montante indemnizatório nunca pecaria por excesso.
Improcede, pois, neste segmento, o recurso interposto pelo recorrente FF (cfr. I.2.C.a.).
II.4.I. Do arbitramento oficioso da uma quantia reparadora a BB e DD:
Por fim, o recorrente FF entende que o tribunal recorrido fixou uma compensação a BB e a DD, sem que estes tivessem deduzido pedido de indemnização civil, apesar de notificados para o efeito, bem como sem que se verificassem os pressupostos de que depende a aplicação do art.º 82.º-A do C.P.P., pelo que tais compensações não deviam proceder (cfr. I.2.C.a.).
Ora, de acordo com o disposto no art.º 16.º, n.º 2, do Estatuto da vítima:
Há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.
Por sua vez, o art.º 67.º-A, n.º 1, al. b), do C.P.P. que dispõe que:
1 - Considera-se:
(…)
b) 'Vítima especialmente vulnerável', a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social; (…)”
Finalmente, acrescenta o n.º 3, do art.º 67.º-A, do C.P.P. que:
3 - As vítimas de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1.
O crime de rapto integra a criminalidade especialmente violenta (cfr. art.º 1, al. l), do C.P.P. e DIAS, Maria do Carmo Silva, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Almedina, 2019, pág. 76), razão pela qual as vítimas do mesmo são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis (cfr. art.º 67.º-A, n.º 3, do C.P.P.).
Assim, a reparação oficiosa dos prejuízos sofridos, no caso das vítimas especialmente vulneráveis, é uma obrigação do tribunal, havendo sempre lugar ao arbitramento de uma quantia reparadora daqueles independentemente dos contornos concretos do crime, mesmo que a respetiva vítima não tenha deduzido pedido de indemnização civil ou tal requerido, presumindo a lei, de forma inilidível, que estão verificadas particulares exigências de proteção da vítima a que se refere o art.º 82.º-A, n.º 1, do C.P.P., sendo que tal arbitramento só não ocorrerá se a respetiva vítima a tal expressamente se opuser (cfr. MILHEIRO, Tiago Caiado, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Almedina, 2019, pág. 885; acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 22-11-2022, processo n.º 43/20.8GAPRL.E166; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18-05-2016, processo n.º 232/12.9GEACB.C267).
Não se tendo verificado tal oposição, nem o recorrente FF alega que a mesma se verificou, improcede, também neste segmento, o recurso por si interposto (cfr. I.2.C.a.).
II.5. Das custas:
Só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso (cfr. art.º 513.º, n.º 1, do C.P.P.), sendo o arguido condenado em uma só taxa de justiça, ainda que responda por vários crimes, desde que sejam julgados em um só processo (cfr. art.º 513.º, n.º 2, do C.P.P.), devendo a condenação em taxa de justiça ser sempre individual e o respetivo quantitativo ser fixado pelo juiz, a final, nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.) (cfr. art.º 513.º, n.º 3, do C.P.P.).
Assim, tendo ocorrido decaimento total, beneficiando ou não de apoio judiciário (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-05-2025, processo n.º 165/13.1GAMMV-A.C1-A.S168), nos termos do art.º 8.º, n.º 9, do R.C.P. e da Tabela III a ele anexa, cada um dos recorrentes deve ser condenado entre 3 UC e 6 UC a título de taxa de justiça, tendo em vista a complexidade da causa.
Ora, nessa ponderação, no presente caso, haverá que ter em conta o número de questões colocadas, menor no caso do recorrente EE, bem como a elevada complexidade de algumas delas. No entanto, também se terá que ter em conta a falta de razão de alguns recorrentes e/ou o facto de pugnarem por posição contrária à posição maioritária da doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores.
Tudo ponderado, julga-se adequado fixar a taxa de justiça em 4 UC para o recorrente EE e 5 UC para cada um dos demais.
III. Decisão:
Para além da correção do aludido lapso no dispositivo do acórdão recorrido já ordenada (cfr. II.2.A.) e de acordo com a qual, no dispositivo do acórdão recorrido, no que se refere às penas parcelares aplicadas ao recorrente AA, onde consta:
- 7 (sete) anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, als. a) e b), do Código Penal (C.P.) (ofendido BB), deve passar a ler-se 8 (oito) anos de prisão;
- 6 (seis) anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, al. b), do C.P. (ofendido CC), deve passar a ler-se 7 (sete) anos de prisão; e
- 6 (seis) anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, als. a) e c), e n.º 2, al. a), por referência ao art.º 158.º, n.º 2, al. b), do C.P. (ofendido DD), deve passar a ler-se 7 (sete) anos de prisão;
No mais, julgam-se totalmente improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos:
- AA;
- EE;
- FF;
- HH; e
- JJ;
mantendo-se na íntegra o acórdão recorrido.
Condenam-se cada um dos referidos recorrentes no pagamento das custas da sua responsabilidade, fixando-se a taxa de justiça devida pelo recorrente EE em 4 UC e por cada um dos demais em 5 UC.
Uma vez que os recorrentes AA, EE, FF e HH se encontram sujeitos à medida de coação de prisão preventiva, competindo à 1.ª instância o reexame dos seus pressupostos (cfr. art.º 414.º, n.º 7, do C.P.P.), nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 215.º, n.º 6, do C.P.P., dado que a confirmação em sede de recurso ordinário aí prevista não tem de ser uma condenação definitiva (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10-09-2014, processo n.º 588/11.0JACBR-C.C169), comunique, de imediato, ao tribunal recorrido, o presente acórdão.

Lisboa, 21-10-2025
Pedro José Esteves de Brito
Ester Pacheco dos Santos
Alda Tomé Casimiro
_______________________________________________________
1. cfr. II.2.A.
2. https://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/10/021-037-Recurso-mat%C3%A9ria-de-facto.pdf
3. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/458ff4110b557ba080258ac5002d2825?OpenDocument
4. https://files.dre.pt/1s/1995/12/298a00/82118213.pdf
5. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/90c6da39f801d65f8025884b00348994?OpenDocument
6. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d6878c2bc7f7366d802589c9002c619e?OpenDocument
7. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3df566a8bf3ab44580258640005ae93a?OpenDocument
8. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d311fcdd7d64134a802582200055e046?OpenDocument
9. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/716b1b216836db4c802579980057452c?OpenDocument
10. https://files.dre.pt/1s/1995/12/298a00/82118213.pdf
11. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/bb0548fc65976b3780257f56003708fe?OpenDocument
12. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9299baa044ce77f8802574f10034758d?OpenDocument
13. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/dfe0c3bfcb71d086802575e10056f0dc?OpenDocument
14. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/bd130c74d9153bf280257478005bb232?OpenDocument
15. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/854dfd19bd3f78b3802573e000363505?OpenDocument
16. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d69b3ff056cd3f6480257943005307d7?OpenDocument
17. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f95eebbfaf8d93eb802589c9002cf808?OpenDocument
18. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b598fde96a238c05802586550049aef9?OpenDocument
19. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/f0c25a9b3537c76f802587670035d4d5?OpenDocument
20. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b598fde96a238c05802586550049aef9?OpenDocument
21. https://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/10/021-037-Recurso-mat%C3%A9ria-de-facto.pdf
22. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/47eb7e0849111c6580257998003d0cef?OpenDocument
23. https://files.diariodarepublica.pt/1s/2012/04/07700/0206802099.pdf
24. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9ef00b0801a870188025773c004a035a?OpenDocument
25. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/e199bed9a8ea1bd280258cc300469742?OpenDocument
26. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/a9590b9e5e74c3c7802589fd0039aad7?OpenDocument
27. https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/8aea34f28f7f126780257de10056fbdc?OpenDocument
28. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a64f4961e6c64dd880257460002d2ac5?OpenDocument
29. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0ae30252aba119ee8025710f00448a14?OpenDocument
30. https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020259.html
31. https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040140.html
32. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/657c08333b1da02180257f5a004ad50e?OpenDocument
33. Cfr. 15min57s a 16min04s da gravação das referidas declarações.
34. Cfr. 15min06s a 15min57s da gravação das referidas declarações.
35. Cfr. 32min26s a 32min31s da gravação das respetivas declarações.
36. Cfr. 01h15min11s a 01h19min41s da gravação das respetivas declarações.
37. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c6f0aeb08e091933802579cf003bc639?OpenDocument
38. https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120312.html
39. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/e5eed034eb473c2380257db3004dbb26?OpenDocument https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/f97055e17739201d80257e62003405ff?OpenDocument
40. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/e5eed034eb473c2380257db3004dbb26?OpenDocument
41. https://files.dre.pt/1s/1995/07/154a00/42984300.pdf
42. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4c59c5f3654cd65b802574390050eba9?OpenDocument
43. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ad5d340657230671802572830053c502?OpenDocument
44. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/A163F85074E6D8F8802571240065D969
45. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/0/842ead8bac94d6ed802570d20041680e?OpenDocument
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47. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ed7bdc8dc863d69e8025808f003a7c85?OpenDocument
48. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4fa53a51441cf8a58025862900672b2d?OpenDocument
49. https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/patr%C3%A3o
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51. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/07cd618fa6e98dcd80258a54002e76a8?OpenDocument
52. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4f8f78e27d6cebf180258bea00384a26?OpenDocument
53. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8d23bfe6933133c680258bcb0050fff2?OpenDocument
54. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cd6d98b804277dc080258a6200375c3b?OpenDocument
55. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/deea6d084a733dfa802588470031b727?OpenDocument
56. http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a04a546a8b81bb3b8025881d00304eca?OpenDocument
57. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/17f75c23228c701e80258789003aab67?OpenDocument
58. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8ac04f8f9848e3b2802582e10049a29f?OpenDocument
59. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ac1318143fffc14f802587e3003d5d34?OpenDocument
60. http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d26ab26fbc63e75e8025875600336a27?OpenDocument
61. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/eef98c5812e6c1d5802568fc003b02d6?OpenDocument=&utm_source=chatgpt.com
62. E não n.º 3 como certamente por lapso é mencionado no recurso que o recorrente FF interpôs que, assim, não teve em conta a alteração introduzida ao art.º 496.º do C.C. pela Lei n.º 23/2010, de 30-08.
63. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/DB6034E0E363532F80257D8C004B3FED
64. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/9caeab69d17e4dfe802579a40036cd24?OpenDocument
65. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/0/c0819144897dac7d8025765e003c1cd4?OpenDocument
66. https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/142c69bf4da53d8e802589180054f824?OpenDocument
67. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/c5f52048df7b8d5f80257fbd0033abeb?OpenDocument
68. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5417ca4afdbcc7a780258c9600521d3f?OpenDocument
69. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/41d4ba698760918680257d540038efc6?OpenDocument