Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25615/19.0T8LSB.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: FRESTA IRREGULAR
SERVIDÃO
JANELAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: i\ A fresta irregular - por não reunir as condições do artigo 1363/2 do CC – não beneficia do regime do art. 1363/1 do CC.
ii\ Logo, pode ser mandada tapar, mesmo que o vizinho atingido não pretenda construir nem contramuro, nem uma casa.
iii\ No entanto, se se verificarem os pressupostos da usucapião, o dono do prédio com as frestas irregulares adquire uma servidão sui generis.
iv\ Sui generis porque tal servidão não impede o vizinho de construir até à estrema, tapando as aberturas, mas impede-o de pedir que seja posto termo às frestas irregulares, ou que sejam reconduzidas aos limites legais.
v\ Pressupõe-se que a noção de janela tenha um conteúdo material: as janelas permitem que alguém veja através delas, para cima, para baixo e para os lados e, ainda, que se debruce nela (seguiu-se a exposição de Menezes Cordeiro, na linha de Manuel Henrique Mesquita).
vi\ Não tendo o vizinho perdido o poder de construir até à estrema, o facto de o fazer não corresponde a um facto ilícito que possa conduzir ao direito a uma indemnização, nem a lei atribui tal direito em consequência da construção que tape as frestas irregulares.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

MP, MP e NP intentaram uma acção comum contra JT (falecido - foi habilitada a já também ré) e ML, pedindo a condenação dos réus à reposição da situação existente antes do começo das obras realizadas no seu prédio acima identificado, promovendo o destapamento das janelas do prédio dos autores, ou em alternativa, no pagamento de uma indemnização aos autores, por danos patrimoniais e não patrimoniais, em valor não inferior a 24.000€ e ainda numa sanção compulsória pecuniária de 35€ diários por cada dia de atraso na reposição da situação existente antes do começo das obras.
Fundam tal pedido no entendimento de que as aberturas tapadas pela nova construção no prédio dos réus têm a natureza de janelas, beneficiando o prédio dos autores de servidão de vistas. A tapagem de tais aberturas seria ilícita, pelo que os autores teriam direito a exigir a reposição da situação anterior.
Os réus, na parte que ainda importa, contestaram: excepcionaram a prescrição do direito dos autores à indemnização; e impugnaram: no essencial: as aberturas invocadas pelos autores não passam de frestas irregulares pelo que os réus não estavam impedidos de construir até à estrema.
Depois de realizada a audiência final foi proferida sentença julgando improcedente acção e, em consequência, absolvendo os réus do pedido de demolição da obra e reposição da situação anteriormente existente e declarando prescrito o pedido alternativo de indemnização formulado pelos autores, dele se absolvendo os réus.
Os autores recorrem contra a sentença, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1\ Encontra-se incorrectamente julgado o ponto de facto que considera que os autores tiveram conhecimento da tapagem das janelas no início de Novembro de 2016;
2\ Deveria ter sido dado como provado que os autores não tiveram conhecimento da tapagem das janelas antes de Dezembro de 2016, por altura do Natal desse ano.
Concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da perfilhada na sentença recorrida
3\ Depoimento da testemunha AA, nas passagens indicadas e ausência absoluta de contraprova.
4\ A Sr.ª juíza a quo adquiriu a sua convicção com base, não em qualquer elemento de prova, que, de resto não indica em momento algum, mas, sim, na sua percepção da ocorrência de factos, que, no caso dos autos, foi inadequada e resulta de uma análise enviesada e parcial do conjunto da prova produzida.
5\ É contrária à prova produzida, não resultando sequer de qualquer elemento de prova produzida, a conclusão da Sr.ª juiz a quo que os autores tiveram conhecimento da tapagem da janela no início de Novembro de 2016.
6\ Relativamente à prova da data do conhecimento da tapagem, a interpretação que a Sr.ª juiz a quo perfilhou do ónus de prova imposto aos autores — no exercício da respectiva liberdade de conformação quanto à repartição do ónus de prova pelas partes transformou o ónus imposto aos autores num ónus desproporcional, enquanto concretizador do princípio do Estado de Direito Democrático, e que em última ratio consubstancia uma violação aos princípios do processo equitativo e do acesso ao direito.
7\ É a partir da data do conhecimento do direito que compete ao lesado que o prazo prescricional começa a correr (art. 498/1 CC).
8\ Havendo a presente acção sido intentada em 27/11/2019, forçoso será de concluir que o prazo de prescrição a que alude o art. 498/1 do CC não se completou.
9\ Não ocorre prescrição do direito que os autores pretendem ver assegurado nos presentes autos.
10\ As aberturas em causa nos autos, deveriam ter sido qualificadas como janelas e não como frestas;
11\ É o que resulta da análise das fotografias juntas como doc.4 junto com a PI.
12\ Pelas fotografias se mostra ― nitidamente― que as aberturas se encontram a uma altura muito inferior a 1,80m do sobrado e têm de dimensão muito mais que 15cm.
13\ Definindo o art. 1363/2 do CC como frestas, as aberturas que se situem a mais de 1,80m de altura do sobrado e tenham nas suas dimensões não mais do que 15cm, uma vez que as aberturas em causa nos autos têm dimensões muito superiores e altura muito inferior às referidas nesta disposição, então terão de ser consideradas como janelas e não frestas.
14\ Sendo janelas e constituída a servidão de vistas por usucapião, tal como alegado e considerada na matéria de facto a não alteração da configuração do prédio desde a sua construção (factos 5 e 10 dos factos provados), logo preenchidos os respectivos requisitos para a sua constituição, estava vedado aos réus a realização da construção e tapagem das janelas do prédio dos autores
15\ Assim sendo devia ter sido dado provimento ao pedido dos autores e os réus condenados em conformidade.
16\ Deve a sentença recorrida ser revogada e, em consequência, determinar-se o apuramento dos prejuízos dos autores, quando não se opte pela demolição, sendo a acção julgada procedente.
A ré não contra-alegou.
*
Questões que importa decidir: da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, da prescrição do direito à indemnização e do direito dos autores a exigir da ré a reposição da situação existente antes do começo das obras realizadas no prédio da ré (ou à indemnização alternativa).
*
Estão dados como provados os seguintes factos:
1\ Os autores são donos e legítimos possuidores do prédio urbano sito na Rua […] descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o número 001, da freguesia de S.
2\ Este prédio confina lateralmente com o prédio urbano sito na mesma rua, propriedade dos réus, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo 002 e descrito na CRP de Lisboa, com o número 003, da freguesia de S.
3\ Em 1949, o prédio dos réus sofreu obras de ampliação, tendo sido construído mais um piso.
4\ Nestas obras de ampliação foi igualmente construída uma chaminé encostada à empena do prédio dos autores.
5\ Volvidos 67 anos, em finais de 2016, os réus iniciaram novas obras de ampliação do seu prédio.
6\ Em 06/09/2016, após a demolição da cobertura do prédio dos réus, o arquitecto CF, na qualidade de fiscal de obra, remete uma carta aos autores indicando que, quando foi efectuado o levantamento arquitectónico para a realização do projecto de licenciamento, nem o autor do projecto nem os desenhadores tiveram acesso à cobertura do prédio dos réus, tendo feito o levantamento, visualmente, de longe e utilizando o bing maps.
7\ Na sua carta, o mesmo arquitecto refere que somente após a demolição da cobertura do prédio dos réus e, após início do levantamento da nova estrutura projectada, foi possível verificar a existência do que qualifica como frestas na empena. Salienta ainda que, tendo em conta o projecto em execução, estas “frestas” ficariam totalmente tapadas e que de tal facto deu conhecimento ao dono de obra.
8\ A obra foi executada.
9\ Tendo sido tapadas as aberturas na empena do prédio dos autores, no final de Outubro de 2016.
10\ Originalmente, o prédio dos autores era composto por dois conjuntos de aberturas na empena, cada um com duas colunas verticais em alvenaria e argamassa, deixando entre si três aberturas verticais de formato rectangular e estreito.
11\ Aquando das obras de construção anteriores, referidas em 3 e 4, realizadas no prédio dos réus, um dos conjuntos de aberturas foi tapado, tendo a «cicatriz» deixada na parede do prédio destes ficado à mostra com a demolição realizada para a execução da obra em 2016.
12\ Os sótãos esquerdo e direito do prédio dos autores são providos de cinco janelas de mansarda.
13\ O prédio dos autores tem janelas no tardoz e na fachada, com configuração diferente das aberturas existentes na empena virada a sul.
14\ As janelas têm cantarias em pedra, bem desenhadas e de aparência uniforme, e caixilharias à face da parede de fachada.
15\ As aberturas que existem na empena virada a sul não têm cantarias, não têm ombreiras, e o peitoril é recuado.
16\ Cada um dos conjuntos de aberturas tinha uma padieira, que não se encontra nas restantes janelas.
17\ Em ambos os conjuntos de aberturas as padieiras estavam rematadas e suportadas nas colunas verticais.
18\ As caixilharias de madeira foram colocadas quase à face da parede interior, e não da fachada.
19\ Num dos conjuntos de aberturas, que anteriormente se encontrava tapado pelo prédio dos réus, uma das colunas foi substituída por uma cruzeta de ferro.
20\ As colunas existentes nas aberturas são, com elevadíssima probabilidade, contemporâneas da construção do prédio dos autores, sendo visível a uniformidade da argamassa que reveste as colunas em contraponto com a empena e a coloração das colunas face à empena.
21\ Estes conjuntos de aberturas permitem entrada de ar e alguma luz.
A fundamentação de Direito da sentença recorrida consta do seguinte, na parte que se refere ao direito dos autores:
Dispõe o art. 1362 do CC:
1\ A existência de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em contravenção do disposto na lei, pode importar, nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião.
2\ Constituída a servidão de vistas, por usucapião ou outro título, ao proprietário vizinho só é permitido levantar edifício ou outra construção no seu prédio desde que deixe entre o novo edifício ou construção e as obras mencionadas no n.º 1 o espaço mínimo de 1,5m, correspondente à extensão destas obras.”
Não há dúvidas de que os réus levantaram o seu edifício, não deixando entre este e as aberturas existentes no edifício dos autores o espaço de metro e meio.
No entanto, tal exigência legal apenas se aplica quando está em causa a existência de janelas, por exemplo.
Com efeito, e como previsto no art. 1363/1 “[n]ão se consideram abrangidos pelas restrições da lei as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar, podendo o vizinho levantar a todo o tempo a sua casa ou contramuro, ainda que vede tais aberturas.”
É, portanto, crucial saber se as aberturas existentes na empena do prédio dos autores podem ser qualificadas como janelas ou, pelo contrário, são frestas.
Para além das características descritas no art. 1363/2 as frestas são caracterizadas pela sua morfologia e função, sendo que aquela é, as mais das vezes, indiciadora desta. As frestas têm a função de permitir a entrada de luz e ar, pelo que as suas dimensões serão adequadas a tal fim: poderão consistir em aberturas estreitas, profundas, ou de tal forma altas que não permitem que um adulto, de altura média, possa ver o exterior, isto é, desfrutar as vistas.
Pelo contrário, uma janela será uma abertura que permite também a entrada de luz e ar, mas as suas dimensões terão de permitir que uma pessoa desfrute das vistas. A forma como a janela se encontra edificada é indiciadora desta função: a existência de peitoril que permite que um adulto nele se debruce ou apoie; o enquadramento em cantaria, a existência de caixilharia colocada à face – ou praticamente à face – da fachada, são elementos de construção associados a uma janela, isto é, abertura que permite entrada de luz e ar, e desfrutar de vistas
(acórdãos [a identificação precisa de todos acórdãos, aqui como mais á frente, foi feita por este TRL com os links dentro dos parenteses rectos]
do TRL de 08/10/1998 [0035232 – só sumário]:
[…] III - As frestas, seteiras, ou/e óculos para luz têm apenas a função de permitir a entrada de luz e ar. As janelas, aberturas de maiores dimensões, dispõem de um parapeito que permitem desfrutar das vistas que elas proporcionam. (…)
do TRL de 20/11/2008 [8157/08-2]:
[…] 2. O conceito “janela”, para efeitos do artigo 1360/1 do CC, reconduz-se a aberturas que permitam não só a entrada de luz e ar, mas também a devassa sobre o prédio vizinho. Só este conceito de janela se adequa à dupla finalidade da restrição estabelecida no aludido preceito legal - evitar que o prédio vizinho seja facilmente objecto da indiscrição de estranhos, e impedir que ele seja facilmente devassado. 3. São qualificadas como frestas as aberturas muito estreitas, de modo a permitirem a entrada de luz ou da claridade e, não tendo estas todas as características definidas no art. 1363/2 do CC, também não satisfazem a finalidade justificativa da proibição ínsita no art. 1360/1 do CC, i.e., a devassa sobre o prédio vizinho. […]
do TRE 12/10/2017 [110/14.7TBETZ.E1]
Não obstante excederem quinze centímetros em todas as suas dimensões, devem ser qualificadas como frestas, embora irregulares, as aberturas, existentes na parede de um edifício, que não disponham de parapeito onde as pessoas possam apoiar-se, debruçar-se ou desfrutar de vistas, não permitam, através delas, projectar a parte superior do corpo humano, introduzir a cabeça de uma pessoa adulta, conversar com alguém que esteja do lado de fora ou visualizar o prédio vizinho, e tenham, como única função, permitir a entrada de luz e arejamento.
do TRE 02/03/2023 [32/22.8T8ELV.E1]:
I - As janelas distinguem-se das frestas não só pelas suas dimensões, mas também pelo fim a que umas e outras se destinam. II - As frestas são aberturas estreitas, cuja única função é permitir a entrada de ar e luz, sendo as janelas aberturas mais amplas, através das quais pode projectar-se a parte superior do corpo humano, e que dispõem de um parapeito onde as pessoas podem apoiar-se ou debruçar-se e desfrutar comodamente as vistas que proporcionam, olhando quer em frente, quer para os lados, quer para cima ou para baixo. […].
No caso em apreço, dos factos provados 10, 13 a 22 não resultam dúvidas em concluir que as aberturas em análise são frestas, e não verdadeiras janelas. O facto de se encontrarem “tapadas” por uma caixilharia colocada por dentro, à face da parede interior, não lhes confere a função ou a caracterização típica de janela. O que verdadeiramente importa é que se trata de aberturas estreitas, separadas por colunas, e com peitoril recuado. Trata-se de aberturas que permitem a entrada de ar e alguma luz, mas não desfrutar de vistas, ou, dado o peitoril recuado, sequer chegar à beira das mesmas e olhar para o exterior.
O facto de não se ter provado as dimensões destas aberturas, e se estas cumprem os limites impostos no art. 1363/2, não implica concluir que não se trata de frestas, mas apenas que estamos perante frestas irregulares; sempre estando em causa aberturas qualificáveis como frestas, a sua existência não é susceptível de criar uma servidão de vistas.
Dado o exposto, e não restando dúvidas de que as aberturas em causa constituem frestas, o dono do prédio contíguo não se encontra limitado pelo dever imposto no art. 1362/2 do CC, sendo-lhe permitido construir junto à linha divisória, ainda que tape as aberturas.
(acórdãos
do TRL de 08/10/1998 [0035232 – só sumário]:
[…] IV - Assim, as frestas, seteiras e óculos para luz e ar que desrespeitem as condições legais mencionadas, não devem qualificar-se como janelas, não deixam de ser frestas, seteiras ou óculos, embora irregulares. […] VII - Não perde o proprietário vizinho o direito de construir junto à linha divisória, mesmo que tape as referidas aberturas.
do TRL de 20/11/2008 [8157/08-2]:
[…] 7. As frestas ou janelas gradadas irregulares apenas dão origem, decorrido o prazo da usucapião, a uma servidão predial atípica, que confere ao respectivo titular o direito de manter aquelas aberturas nas condições irregulares, impedindo o dono do prédio serviente de pedir a sua modificação e harmonização com a lei, mas não lhe retira o direito de construir mesmo junto à divisória, ainda que as tape.
do TRC de 26/04/2022 [89/21.9T8PCV.C1]:
[…] II - A abertura de frestas sem as características indicadas na lei pode originar a aquisição, por usucapião, de uma servidão predial, consistente em ter o seu detentor o direito a mantê-las abertas em condições irregulares, sem que o vizinho o possa compelir a torná-las com as dimensões legais, mas não adquire o direito de servidão de vistas que impeça o vizinho de as tapar com a construção que leve a cabo do seu prédio.
também no sentido acolhido, acórdãos
do STJ de 07/02/2002 [ou melhor: de 19/09/2002, 02B2406] e
de 26/02/2004 [03B3498]
Termos em que se conclui pela improcedência do pedido de demolição da obra e reposição da situação existente, por a edificação realizada no prédio dos réus e que tapou as aberturas existentes na empena do prédio dos autores ser lícita.
*
Apreciação:
Depois da anotação parcialmente crítica de Agosto e Setembro de 1995 de Manuel Henrique Mesquita ao acórdão do STJ de 03/04/1991, publicada na RLJ 128, páginas 126 a 128 e 149 a 154, e de uma série de acórdãos (vários deles invocados por Menezes Cordeiro: do STJ de 19/09/2002, proc. 02B2406; do TRC de 09/02/2010, proc. 1506/03.5TBPBL.C1; do TRP de 22/02/2011, proc. 2583/08.8TBVCD.P1; do TRE de 28/02/2013, 459/07.5TBBJA.E1; do TRG de 15/11/2018, proc. 1724/15.3T8VRL.G1 [com ressalva para o abuso de direito]; e do TRP de 25/02/2021, proc. 5986/20.6T8VNG.P1) para além dos referidos na sentença recorrida, pode hoje dizer-se estabilizada “a doutrina da servidão sui generis ou da manutenção das frestas irregulares, mas sem prejudicar o ius aedificandi do vizinho”, tal como exposta por Menezes Cordeiro (Tratado de direito civil, XIV, Direitos reais, 2.ª parte, Almedina, 2022, páginas 504 a 523, especialmente páginas 520 a 522 e 509), doutrina aqui seguida, tal como também o foi pela sentença recorrida:
i\ A fresta irregular - por não reunir as condições do artigo 1363/2) –não beneficia do regime do art. 1363/1 do CC.
ii\ Logo, pode ser mandada tapar, mesmo que o vizinho atingido não pretenda construir nem contramuro, nem uma casa.
iii\ No entanto, se se verificarem os pressupostos da usucapião, o dono do prédio com as frestas irregulares adquire uma servidão sui generis.
iv\ Sui generis porque tal servidão não impede o vizinho de construir até à estrema, tapando as aberturas, mas impede-o de pedir para ser posto termo às frestas irregulares, ou que sejam reconduzidas aos limites legais.
v\ Pressupõe-se que a noção de janela tenha um conteúdo material: as janelas permitem que alguém veja através delas, para cima, para baixo e para os lados e, ainda, que se debruce nela (ou, nos termos de Manuel Henrique Mesquita, II da pág. 154: as janelas são aberturas mais amplas [que as frestas], com parapeito, no qual as pessoas podem debruçar-se, para descansar ou desfrutar as vistas, olhando quer em frente, quer para os lados, quer para cima ou para baixo).
Os factos que permitem a conclusão de que a abertura cumpre a função de permitir as vistas, preenchendo deste modo a previsão das normas que atribuiriam o direito do autor, são factos constitutivos e, por isso, o ónus da alegação e prova deles cabe ao autor (art. 342/1 do CC).
Ora, nenhum dos factos provados permite aquela conclusão e tendo em conta os factos 15 (o peitoril é recuado), 18 (As caixilharias de madeira foram colocadas quase à face da parede interior, e não da fachada) e 21 (Estes conjuntos de aberturas permitem entrada de ar e alguma luz), está indiciado o contrário: não se dá como provado que as aberturas permitam as vistas, e está provado que o peitoril não está colocado à face da fachada, mas é recuado, e é no fim dele, na face da parede interior, que as caixilharias das janelas estão colocadas.
Não sendo janelas, não importa que sejam frestas regulares ou irregulares (ou seja, não importa quer a sua localização quer as suas medidas – que não constam dos factos provados; note-se que os factos invocados pelos autores nas alegações de recurso, quanto à localização e medidas, apontam claramente para que não se trate de frestas regulares), porque em qualquer caso, mesmo que se tivesse constituído tal servidão (a das frestas irregulares), daí não decorreria “qualquer limitação no ius aedificandi” dos réus, “podendo construir mesmo até à linha divisória mesmo que tape[m] ou inutilize[m] as frestas” (entre aspas, estão frases da anotação de M. Henrique Mesquita, pág. 154; ainda no mesmo sentido da doutrina e de todos os acórdãos já citados acima, veja-se também, por exemplo, Mónica Jardim e Margarida Costa Andrade, Direito das coisas, casos práticos resolvidos, Coimbra Editora, 2015, págs. 75/76; o ac. do STJ de 01/04/2008, proc. 07A3114; e o ac. do TRC de 03/03/2015, proc. 335/13.2TBAGN.C1; contra a posição da doutrina e jurisprudência citadas, veja-se, de qualquer modo, Menezes Leitão, Direitos Reais, 2013, 4ª edição, Almedina, págs. 184-185, que continua a seguir a posição de Antunes Varela/Pires de Lima no CC anotado, vol. III, 2.ª edição, 1984, Coimbra editora, págs. 225-225, e o ac. do TRC de 26/01/2010, CJ.I, págs. 18-21, ou seja, continuam a defender que o proprietário que levante frestas irregulares pode adquirir por usucapião uma servidão atípica que lhe permite reagir contra qualquer acto do proprietário do prédio serviente que estorve o uso dessa servidão, designadamente a realização de construção que desrespeite os limites do art. 1362/2].
A tese dos autores corresponde a uma posição já antiga e ultrapassada, vinda do CC de Seabra, em que uma abertura não sendo fresta era uma janela [daí que digam nas alegações: “vem o art. 1363 do CC definir, por exclusão, o que deve ser considerado por janela], e não pode ser seguida depois do CC de 1966, face ao qual se faz a distinção entre janelas, frestas (regulares) e frestas irregulares e a noção de janelas depende da sua função (como o diz a doutrina e a jurisprudência citadas; contra, no entanto, veja-se José Alberto R. Lorenzo González, Limitações de vizinhança (de direito privado), SPB, 1997, pág. 146, e Restrições de vizinhança (de interesse particular), Quid Juris, 2003, pág. 111, que ainda considera que “tudo o que exceder estes limites [os dos artigos 1363 e 1364] cairá no âmbito do art. 1360”).
Não se tratando de um acto que os réus tenham perdido o poder de praticar, isto é, que pudesse ser impedido, os autores também não têm nenhum direito de indemnização derivado desse acto. Sendo que não há nenhuma norma legal que atribua tal indemnização a título de responsabilida- de por factos lícitos.
Não havendo o direito à indemnização, fica prejudicada a questão da prescrição do mesmo, tal como a da impugnação da decisão da matéria de facto relativa à prescrição [os autores, nas conclusões do recurso, não têm a referência a qualquer facto impugnado relativo às janelas – e teriam que o ter por força do art. 640/1a do CPC, para que pudesse ser considerado; para além disso, o que se retira das conclusões 10 a 12 é apenas que os autores, com as fotografias, pretenderiam provar que as aberturas se encontram a uma altura muito inferior a 1,80m do sobrado e têm de dimensão muito mais que 15cm, sem qualquer interesse face ao que já se disse; acrescenta-se ainda que os autores, no corpo do recurso – não nas conclusões - ainda falam nas alterações das suas aberturas mas, como se vê na conclusão 14, não põem em causa, antes aproveitam para a sua argumentação, “a considerada na matéria de facto a não alteração da configuração do prédio desde a sua construção (factos 5 e 10 dos factos provados), logo preenchidos os respectivos requisitos para a sua constituição”].
*
Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Custas, na vertente de custas de parte (não há outras), pelos autores.

Lisboa, 08/05/2025
Pedro Martins
Susana Maria Mesquita Gonçalves
Rute Sobral