Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | DIOGO COELHO DE SOUSA LEITÃO | ||
| Descritores: | HOMICÍDIO QUALIFICADO EXCESSO DE LEGÍTIMA DEFESA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Sumário: | Sumário: (da responsabilidade do Relator) I. O n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal contém uma enumeração não taxativa de circunstâncias susceptíveis de revelar a referida especial censurabilidade ou perversidade do agente; a construção deste tipo agravado do crime consagra a chamada técnica dos exemplos-padrão. II. Esta técnica permite que, por exemplo, o tribunal não qualifique um homicídio que, formalmente, caberia numa das alíneas do n.º 2 por entender que, in concreto, não se assiste a uma especial censurabilidade na forma como foi cometido; como, de igual modo, poderá o tribunal qualificar um homicídio que, à partida, não se incluiu em nenhuma das circunstâncias elencadas naquele n.º 2. III. Não comete homicídio qualificado o agente que, escondido com medo do agressor – pessoa corpulenta, alcoolizada e que se mostrava agressiva –, ouvindo grande gritaria que aquele estaria a matar um terceiro (seu amigo), agarra numa faca de cozinha que estava à mão e se precipita sobre a vítima, debruçada sobre o terceiro a quem agredia, para mais tendo antes tentado chamar a polícia através do 112. IV. Esta actuação configura antes uma situação de excesso de legítima de defesa, pois o recurso empregado era o único idóneo a fazer parar a agressão, que era actual e ilícita, não obstante poder ter-se bastado com uma ou duas facadas, sendo que a terceira foi aquela que causou, de forma directa e necessária, a morte da vítima. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I–Relatório No âmbito do processo comum (Tribunal de Júri) n.º 64/24.1JAFUN, a correr termos no Juiz 1 do Juízo Central Criminal do ... – Tribunal Judicial da Comarca da ..., o arguido AA, ali melhor identificado (actualmente detido), foi submetido a julgamento, tendo a final sido proferido Acórdão que decidiu, na parte que releva, condena-lo pela prática como autor material de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. h), ambos do Código Penal (em concurso aparente com um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 86.º, n.º 1, al. d), 2.º, n.º 1, al. m), e 3.º, n.ºs 1 e 2, al. ab), estes da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro), na pena de 18 (dezoito) anos de prisão. * Inconformados com a decisão, o arguido e o Ministério Público interpuseram recurso para este Tribunal da Relação, cujo objecto delimitaram nos seguintes moldes (transcrição das respectivas conclusões): Arguido 1. O presente recurso versa sobre matéria de direito. 2. O recorrente não se pode conformar com o douto acórdão que o condenou pela prática de um crime de homicídio qualificado p.p. pelos artigos 131.º e 132.º n.º 2 al. h) do Código Penal, na pena de 18 anos de prisão. 3. O ora arguido considera ter existido uma incorreta aplicação do direito aos factos, pugnando pela subsequente alteração da qualificação jurídica do tipo de crime em causa. 4. Da análise da prova documental e testemunhal refletida nos factos dados como provados, podemos concluir com segurança que não se verifica a qualificativa prevista no artigo 132.º n.º 2 al. h) do Código Penal. 5. Tendo-se apurado que o motivo da atuação do arguido foi potenciado pela insistência de provocações agressivas e agressões físicas provocados pela malograda vítima. 6. O sinal distintivo da qualificação do homicídio é a especial censurabilidade ou perversidade da conduta do agente. 7. Tem de revelar algo que transcenda a censurabilidade inerente a um crime de homicídio para além da já invulgar perversidade que revela aquele que mata outro ser humano. 8. Entende o recorrente que o Tribunal “a quo” pecou por ter descurado o motivo que determinou a prática do crime. 9. Provado que ficou que foi a vítima que se deslocou ao local onde o arguido tinha estado a trabalhar todo o dia e que na altura dos factos ainda estava a trabalhar apesar da barraca já estar encerrada ao público. 10. Provado ainda que foi a vítima que sem qualquer motivo provocou de forma agressiva o arguido e causou distúrbios no seu local de trabalho. 11. Provado que os amigos da vítima que se encontravam no local não conseguiram apesar de terem tentado demovê-lo das suas ações ilícitas. 12. Provado que a vítima era um indivíduo possante fisicamente e que era conflituoso e que tinha sido militar de carreira e que a data dos factos se encontrava alcoolizado. 13. Provado que o arguido se refugiu na barraca, local do seu trabalho e que em resultado da atuação delituosa da vítima o arguido telefonou ao 112 a solicitar a presença os agentes da Polícia no local. 14. Provado que o arguido permaneceu na barraca onde trabalhou no dia dos factos, local de venda de espetada e de frago assado, onde existiam muitas facas inclusive a que foi utilizada na prática dos factos. 15. Provado ainda que o arguido muniu-se da faca e saiu da barraca quando ouviu gritos “estão a matar o BB” e ainda que o arguido presenciou a vítima a agredir o BB (indivíduo de estatura mediana) tendo ido em seu socorro e defesa. 16. Não obstante o Tribunal a quo desvalorou o confronto físico provocado pela vítima e atuação do arguido em defesa do seu patrão que estava a ser agredido. 17. Não estamos perante uma ação do arguido, mas perante uma reação ao confronto físico entre a vítima e o BB (patrão e amigo do arguido). 18. Posto isto, não podia o Tribunal “a quo” dar como provado que o arguido atuou sem aviso prévio, de forma traiçoeira atendendo a que o arguido infringiu primeiro, dois golpes na vítima, percetíveis por esta, atendendo a natureza do objeto utilizado, e que não a demoveram de manter as agressões. 19. O motivo do crime foi o arguido malogradamente ter sido induzido no sentido que o BB estava em risco de vida e ter ido em sua defesa, quando aquele estava a ser agredido pela vítima. 20. Não obstante o Tribunal a quo decidiu, ainda assim condenar o arguido pela prática como autor material de um crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 131.º, 132.º n.º 2 al. h) do C.P., na pena de 18 anos de prisão. 21. Atendendo ao motivo da atuação do arguido não resulta verificada a especial censurabilidade ou perversidade da conduta do agente. 22. Neste contexto não deveria o douto Tribunal ter relegado para segundo plano a contenda física iniciada pela vítima e a atuação do arguido de agir em defesa de terceiro. 23. Ao fazê-lo prejudica sobremaneira o arguido, dando a entender que este agiu apenas com base numa mera discussão ligeira. 24. O arguido não atinge a vítima de forma traiçoeira, mas antes no âmbito de uma contenda física propiciada pela própria vítima. 25. Até porque, no desenrolar das agressões sofridas pelo BB o arguido infringiu dois golpes superficiais à vítima percetíveis, atendendo a arma utilizada. 26. Assim, o terceiro golpe que se veio a revelar fatal, não foi realizado pelo arguido de forma traiçoeira. 27. Resulta que a atuação do arguido é absolutamente incompatível com um tipo de culpa para efeitos de qualificação, pelo que claudicou o tribunal na determinação da norma aplicável ao caso concreto. 28. A utilização da faca como a que foi utilizada pelo arguido e nas circunstâncias em que ocorreram os factos não integra o conceito jurídico-penal de meio particularmente perigoso. É notório que a dita faca constitui um objecto de uso corrente pelo arguido na sua atividade profissional que também pode ser utilizado como arma letal de agressão, sem que também, possa integra-se no conceito jurídico-penal de meio particularmente perigoso, ou insidioso. 29. As facas, as armas, os ferros, são objetos que pela sua natureza são letais e adequados a causar a morte a um ser humano. 30. A faca utilizada pelo arguido na prática dos factos não extravasa as características dos objetos mencionados anteriormente. Na verdade, uma faca com uma lâmina mais pequena que a utilizada pelo arguido é perfeitamente adequada a causar a morte a terceiros. 31. A qualificativa prevista na alínea h) do n.º 2 do artigo 132.º do C.P. foi prevista para situações reveladoras de especial censurabilidade, tais como a utilização de motosserras, veículos armadilhados com engenhos explosivos ou até armas de grande calibre. 32. Na verdade, o recurso a armas de fogo, facas, paus entre outros instrumentos são utilizados e adequados a causar a morte. 33. Atenta a dinâmica do sucedido é patente não ter resultado provado que o arguido tenha revelado qualquer especial censurabilidade ou perversidade suscetíveis de justificar aquela qualificação. 34. Analisadas as circunstâncias fácticas consideradas provadas pelo Tribunal apenas podemos considerar a subsunção da conduta do agente ao crime de homicídio simples p.p. pelo artigo 131.º do C.P. cuja moldura penal é dos 8 aos 16 anos de prisão. 35. Razão pela qual s defende que a pena aplicável não deveria ultrapassar os 12 anos de prisão. Por Dever de Patrocínio 36. Mas mesmo que assim não se considere entende-se que a pena aplicada foi deveras injusta e injustificável. 37. Dá-se por reproduzido o relatório social do arguido. 38. Assim sendo incorreu o Tribunal “a quo” em erro de julgamento quanto a pena aplicada. 39. Por se revelar exagerada e desproporcional aos factos praticados pelo ora recorrente. 40. O arguido foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado p.p. pelos artigos 131.º e 132.º n.º 2 al. h) cuja moldura penal é de 12 a 25 anos e foi condenado numa pena de 18 anos de prisão. 41. O arguido apesar de ter antecedentes criminais não são os mesmos deveras significativos atendendo as penas aplicadas a que não pode ser alheio o período temporal, entretanto decorrido. 42. O arguido mostra-se socialmente e profissionalmente inserido tem o apoio de familiares e amigos que o visitam no estabelecimento prisional onde se encontra atualmente. 43. O arguido é de origem de uma família de fracos recursos económicos e com problemas de violência doméstica. 44. O arguido tem fraca escolaridade e dificuldades a nível intelectual. 45. É uma pessoa habitualmente pacata que tem vindo a acatar as regras impostas no Estabelecimento Prisional não tendo sido alvo de processos disciplinares. 46. Atentas as circunstâncias atenuantes resultantes dos factos provados no que concerne ao motivo e a origem dos atos praticados e salvo o devido respeito por opinião contrária, defende-se que a pena aplicada ao arguido pelo crime de homicídio qualificado mostra-se excessiva, demasiado severa e desproporcionada, porquanto os 18 anos de prisão em nada contribuem para a ressocialização do arguido em sociedade e excede a medida da culpa atendendo a que este atuou no âmbito de defesa de terceiro. 47. Razão pela qual se defende que a pena não deve ultrapassar os 14 anos de prisão. 48. O Tribunal “a quo” incorreu na violação na aplicação do disposto nos artigos 131.º e 132.º n.º 2 al. h) e ainda do artigo 40.º, n.º 1 e 2 , 71.º e 72.º todos do C.P. Nestes termos e nos mais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso tudo com as legais consequências, designadamente, deve a decisão condenatória ser substituída por outra que altere a qualificação jurídica, condenando o arguido pelo crime de Homicídio Simples p.p. pelo artigo 131.º do C.P. Por dever de patrocínio, se assim não se entender deverá a pena ser reduzida para o seu limite mínimo legalmente previsto por a pena aplicada se revelar excessiva, injusta e desproporcional, excedendo a medida da culpa. Como é de JUSTIÇA Ministério Público I. No âmbito dos presentes autos o Tribunal a quo, para além do mais, condenou o arguido AA, como autor material e na forma consumada, da prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido no termos conjugados dos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2, alínea h), do Código Penal em concurso aparente com um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido nos termos conjugados dos artigos 86.º, n.º 1, alínea d), 2.º, n.º 1, alínea m) e 3.º, n.º 1 e n.º 2, alínea ab) da lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 18 (dezoito) anos de prisão. II. O Tribunal a quo decidiu reabrir a audiência de julgamento para comunicar uma alteração não substancial de factos vertidos na acusação. III. Se bem que concordamos com a necessidade de aditamento de novos factos, entendemos que alguns deles não poderiam ter sido dados como provados, nos termos em que o foram sendo que outros há que deveriam ter sido dados como provados e não o foram. IV. IV. Concretamente, quanto ao facto (da factualidade dada como provada) “9. O arguido, entretanto, regressou à barraca, conhecida como “Barraca”, montada pelo referido BB para “venda de comes e bebes” durante as festividades e onde havia prestado serviço nesse dia, a preparar e a assar frangos, na qual permaneceu.” , temos para nós, face à prova produzida decorrente da discussão da causa, que a redação utilizada não espelha exatamente a ocorrência dos acontecimentos, o que por sua vez impede uma perceção o mais conforme possível à verdade material. V. Na verdade, resulta das declarações do arguido, bem como dos depoimentos das testemunhas CC, DD e EE não que o arguido apenas tenha regressado à barraca, mas ao invés, o arguido, com medo da vítima FF refugiou-se no interior da barraca, cujas transcrições se remete para a motivação. VI. Analisados os depoimentos prestados e bem assim as declarações do arguido, facilmente se constata que o arguido AA não regressou à barraca, mas antes refugiou-se no interior da barraca com medo do FF. VII. Agora quanto ao facto (da factualidade dada como provada) “13. Tendo-lhe sido dito pelo operador que tinha que ligar para a Proteção Civil e estando-lhe a ser fornecido o número para esse efeito, desligou a chamada, sem que esse número lhe fosse dado na íntegra, não sem antes afirmar, em voz baixa, “Esse já vai levar uma facada!”, referindo-se a GG.”, cremos que o Tribunal a quo incorre em lapso quando dá como provado o segmento sem que esse número lhe fosse dado na íntegra, pois que analisada a transcrição da conversa entre o arguido e a emergência médica – 112, facilmente se constata que quando a chamada foi desligada já a emergência tinha fornecido o número pretendido e duas vezes. VIII. Com efeito, analisado o Auto de transcrição de registo de chamada, cf. a fls. 370 e 371, referente ao CD constante a fls. 379, verifica-se que operador da emergência diz uma primeira vez o número para o qual o arguido deveria ligar ..., bem como resulta da conversa que o arguido menciona que não consegue marcar o número e pede para que liguem diretamente e após lhe terem dito que não podiam ligar diretamente para a polícia, informam novamente do mesmo número (...) e completo, pois que constam os nove dígitos na transcrição, sendo este número da Polícia de Segurança Pública – PSP .... IX. A transcrição é audível no CD constante a fls. De suporte 379. X. Com efeito, cremos que se trata de um mero lapso do Tribunal a quo, pois que perante a prova não podia ter dado como provado tal segmento, constante do ponto 13 dos factos dados como provados, sem que esse número lhe fosse dado na íntegra. XI. Assim, é nosso entendimento que tal segmento deverá ser eliminado dos factos dados como provados. XII. Por outro lado, e atendendo a esse segmento dado como provado, entendeu o Tribunal a quo, na sua motivação, que o arguido, revelou-se afinal, desinteressado em tal comparência, já que não deu todos os passos necessários para a conseguir considerando, assim, que o arguido ao desligar a chamada sem que o operador da emergência o informasse do número completo, perdeu o interesse no pedido de apoio que estava a fazer. XIII. Ora, pelos mesmos motivos, entendemos que o Tribunal a quo não poderia ter concluído dessa forma, tanto mais, que o arguido nessa chamada telefónica já tinha dito que não conseguia marcar o número, tendo, por tal razão, solicitado que ligassem diretamente para a polícia. XIV. Acresce que resulta dos elementos de prova mencionados que o arguido, após desligar a chamada da emergência, efetua de imediato outras duas chamadas que não foram atendidas. XV. Com efeito, não poderia o Tribunal a quo ter chegado a tal conclusão por total ausência de suporte probatório. Aliás, os elementos probatórios indicam o sentido diametralmente oposto. XVI. Quanto ao facto (da factualidade dada como provada) “16. Então, muniu-se de uma faca de talhante, com 42,5 centímetros de comprimento total, e uma lâmina com 30,2 centímetros de comprimento e com a largura máxima de 4,7 centímetros, de gume curvo, bem afiado, que se encontrava no interior da “Barraca, por baixo do balcão de corte de carne, guardada numa caixa.”, cremos que o Tribunal a quo não poderia ter dado como provado que a faca utilizada se encontrava por debaixo do balcão de corte de carne, guardada numa caixa. XVII. Não obstante a testemunha HH no seu depoimento ter referido que antes de se ir embora arrumou as facas dentro de uma caixa, designadamente a faca que foi apreendida e utilizada pelo arguido para desferir os golpes na vítima FF, perante a demais prova, cremos que não poderia o Tribunal a quo ter ficado convencido, com a segurança exigida, de que no momento em que o arguido pegou na faca ele encontrava-se guardada dentro de uma caixa debaixo do balcão. XVIII. Porquanto, a testemunha HH foi o primeiro a ir embora, continuando outras pessoas no interior da barraca a arrumar, procedendo à limpeza e à preparação para o dia seguinte continuarem o trabalho. XIX. Por outro lado, resulta do relatório n.º ..., cf. a fls. 43 a fls. 56, elaborado pelo especialista da polícia científica, concretamente a fls. 53 e 54 que no interior da “Barraca” encontravam-se diversas facas idênticas à usada pelo arguido para desferir os golpes. XX. Da inspeção judiciária realizada não resultou que estivessem facas guardadas numa caixa por debaixo do balcão. XXI. Acresce que resulta das declarações prestadas pelo arguido que quanto se muniu com a faca, esta encontrava-se no balcão e que “pegou na que estava mais à mão”. XXII. Por outro lado, nenhuma das testemunhas inquiridas e que estiveram no interior da Barraca após o HH se ter ido embora corroborou que as facas deste estivessem guardadas numa caixa debaixo do balcão, no momento em que o arguido pegou nela. XXIII. Com efeito, não obstante a testemunha HH ter referido que antes de se ir embora deixou as facas arrumadas dentro de uma caixa, a verdade é que concatenando as declarações do arguido, os depoimentos das mencionadas testemunhas, cuja credibilidade não foi posta em causa, com as fotografias constantes do relatório n.º ..., e tendo em conta que a testemunha HH foi o primeiro a ir embora da “Barraca” quando ainda não estava arrumada, cremos que não poderia o Tribunal a quo dar como provado que o arguido quando se muniu da faca, esta encontrava-se por baixo do balcão de corte de carne, guardado numa caixa. XXIV. Analisado o facto (da factualidade dada como provada) 21. Após a agressão perpetrada, o arguido abandonou rapidamente o local, sem prestar qualquer assistência à vítima que, rapidamente, se esvaía em sangue e, pese embora, não se possa dizer que não corresponde a uma verdade exclusivamente objetivada, cremos que, conjugado com a omissão de outros factos, não permite uma perspetiva cabal e exata. XXV. Consideramos que resultou demonstrado que o arguido após ter desferido os golpes não se apercebeu da iminência da morte da vítima FF. XXVI. Analisadas as declarações do arguido, bem assim do assistente II e cotejando com os depoimentos das testemunhas, cujas transcrições se remete para a motivação, resulta ser verosímil que o arguido não se tenha apercebido da iminência da morte, após lhe ter desferido os golpes mortais. XXVII. É certo que que após os golpes desferidos, o arguido abandonou rapidamente o local e não prestou qualquer assistência à vítima que se esvaía em sangue, no entanto, considerando que, não obstante os golpes desferidos, a vítima FF ainda caminhou cerca de cem metros em passo rápido, não anunciou de qualquer forma a gravidade do seu estado, o que demonstra a real probabilidade de o arguido não se ter apercebido da iminência da morte da vítima FF. XXVIII. Assim levar à factualidade assente que Após a agressão perpetrada, o arguido abandonou rapidamente o local, sem prestar qualquer assistência à vítima que, rapidamente, se esvaía em sangue, sem levar também à mesma factualidade que o arguido desconhecia a iminência da morte da vítima, parece-nos que desvirtua a perspetiva do decorrer dos acontecimentos e não permite uma imagem global dos factos tão próxima da verdade material quanto possível. XXIX. Neste conspecto, é nosso entendimento que este facto dado como provado deverá ser complementado com o facto de o arguido desconhecer a iminência da morte da vítima FF. XXX. Consideramos também que, face à prova produzida, não poderia o Tribunal a quo ter dado como provado facto constante do ponto 23 (da factualidade dada como provada) - 23. Após, dirigiu-se a sua casa, tirou as roupas que envergava e procurou lavá-las, de forma a ocultar a prova do crime que acabara de praticar. XXXI. Deseja já se diga que o arguido não tirou as roupas que envergava, mas apenas a camisa, o que resulta das declarações prestadas pelo arguido, pela testemunha agente da Polícia de Segurança Pública, JJ, cuja transcrição se remete para a motivação e ainda da reportagem fotográficas, cf. relatório de exame n.º ...-E ..., fls. 138/160. XXXII. Concatenados tais elementos de prova infere-se do auto de diligências com o suspeito, e reportagem fotográficas, cf. relatório de exame n.º ...-E ... que o arguido apenas tinha colocado a camisa que utilizara nesse dia num balde de água, sendo que ainda se encontrava com as mesmas calças vestidas. XXXIII. Da reportagem fotográfica, cf. a fls. 138/160 resulta que efetivamente se encontravam outras peças de roupa também dentro de alguidares com água. XXXIV. O arguido esclareceu que tirou a camisa, tal como fazia habitualmente, não tendo lavado a roupa, mas colocado de molho, que “era do frango”. XXXV. Não se percebe, porque tal não é dito pelo Tribunal a quo, a razão de neste particular não ter sido dada credibilidade às declarações do arguido, quando na verdade, os elementos de prova indiciam exatamente o oposto. XXXVI. O próprio arguido assume que tinha escondido a faca e, voluntariamente, indica o local à Polícia de Segurança Pública que procede à respetiva apreensão, sendo visível a olho nu vestígios hemáticos, cf. depoimento da testemunha JJ. XXXVII. Ora, não faz qualquer sentido o arguido não ter tentado ocultar os vestígios da faca e pretender ocultar eventuais vestígios da camisa. XXXVIII. A corroborar, o auto de notícia elaborado pela Polícia de Segurança Pública – PSP ... (fls. 239 e ss), do qual consta que o arguido assumiu a autoria dos golpes desferidos com a respetiva faca e que informou o local onde havia escondido a faca, tendo a mesma sido encontrada e apreendida, cf. respetivo auto e reportagem fotográfica. XXXIX. Por outro lado, não se verifica qualquer premissa que permita tal silogismo, id est, não há qualquer elemento de prova que sustente tal facto dado como provado, os elementos de prova existentes apontam exatamente em sentido inverso. XL. Desde logo, o arguido não tirou as roupas, mas apenas a camisa. XLI. É verdade que a colocou num alguidar com água. XLII. No entanto, o arguido explicou que é prática comum colocar a sua roupa em água, o que efetivamente é corroborado pela reportagem fotográfica, na qual se verifica mais do que um alguidar com diversas peças de roupa do arguido. XLIII. Neste conspecto, entendemos que o Tribunal a quo não poderia ter dado como provado os factos constante do ponto 23 da factualidade dada como assente, concretamente, que o arguido “Após, dirigiu-se a sua casa, tirou as roupas que envergava e procurou lavá-las, de forma a ocultar a prova do crime que acabara de praticar.”, porquanto, não há elementos de prova que sustentem tais factos, ao invés, os elementos de prova existentes indiciam que as declarações do arguido em sentido contrário correspondem à verdade. XLIV. Face à prova produzida, consideramos que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que o arguido quando decidiu pegar na faca e sair da barraca foi impelido pelos gritos audíveis que anunciavam a morte de BB e bem assim quando o menor KK chegou à sua beira assustado a dizer “Está a matar o BB”. XLV. Tal resulta das declarações, bem como do depoimento das testemunhas e bem assim, da audição da chamada para a emergência médica, ainda da cota de fls. 563 “ouvem-se vozes e gritos do que se assemelham a vozes de indivíduos do sexo feminino e ainda vozes do sexo masculino, porém o seu conteúdo ou identificação, continuam impercetíveis ”. XLVI. Assim, o douto Acórdão não teve isto em consideração para os efeitos do artigo 71.º n.º 2, do Código Penal. XLVII. A nossa discordância também se reporta à qualificação jurídico-penal efetuada pelo Tribunal a quo e, por conseguinte, à medida concreta da pena. XLVIII. Consideramos que não se encontra verificada a 2.ª proposição da alínea h), do n.º 2, do artigo 132.º, do Código Penal, a qual foi considerada para qualificar o crime de homicídio. XLIX. Entende o Ministério Público que o Tribunal a quo não deveria ter considerado que a utilização da faca consubstanciava um meio particularmente perigoso, nos termos da 2.ª proposição da alínea h), do n.º 2, do artigo 132.º, do Código Penal. L. Considerou o Tribunal a quo que o homicídio foi praticado através de um meio particularmente perigoso, porquanto foi cometido com uma faca, cujo comprimento total é de 42,5 centímetros, a lâmina com 30,2 centímetros de comprimento e com a largura máxima de 4,7 centímetros, de gume curvo, bem afiado. LI. O Tribunal a quo socorre-se de um único acórdão para fundamentar a sua decisão – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 3 de dezembro de 2012 (Processo n.º 1947/11.4JAPRT.P1), relatado por Joaquim Gomes. LII. Não obstante o labor científico do mencionado aresto, cremos que a situação fática não se assemelha à dos presentes autos. LIII. O meio utilizado (faca com uma lâmina de comprimento 30,2 centímetros, de gume curvo e bem afiado) é perigoso pela potencialidade específica que tem para causar dano à vida. LIV. A lei refere-se, todavia, não apenas a meio perigoso, mas a meio particularmente perigoso. Por conseguinte, tal meio (instrumento, método ou processo), para além de dificultar de modo exponencial a defesa da vítima, tem de ser suscetível de criar perigo para outros bens jurídicos importantes; tem que ser um meio que revele uma perigosidade muito superior ao normal, marcadamente diverso e excecional em relação aos meios mais comuns que, por terem aptidão para matar, são já de si perigosos ou muito perigosos, sendo que na natureza do meio utilizado se tem de revelar já a especial censurabilidade do agente, cf. v.g., o acórdão do STJ, na CJ (STJ), ano VIII (2000), pág. 241. LV. O mencionado normativo impõe não apenas um meio perigoso, mas um meio particularmente perigoso, o que significa que tem de ser suscetível de criar perigo para outros bens jurídicos importantes; tem que ser um meio que revele uma perigosidade muito superior ao normal, marcadamente diverso e excecional em relação aos meios mais comuns que, por terem aptidão para matar, são já de si perigosos ou muito perigosos. LVI. Não é o facto de se considerar a faca grande ou a grandeza do golpe perpetrado que faz do meio utilizado na prática do homicídio um “meio particularmente perigoso”. LVII. Por outro lado, também não é pelo facto de a vítima estar desarmada e não se encontrar alertada para a detenção desse instrumento pelo agressor que o torna particularmente perigoso. LVIII. Uma faca com uma lâmina de comprimento 30,2 centímetros, de gume curvo e bem afiado no cometimento de um homicídio não é em si um instrumento que possa ter esse estatuto, apesar da sua letalidade. LIX. Não está inscrito na natureza das coisas e, assim, deva ser razoável para o Direito que uma faca com 30 centímetros de lâmina, nomeadamente a utilizada, para além da letalidade inerente à necessária idoneidade para matar, haja de ser um meio particularmente perigoso, como o seria, claramente, uma motosserra, entre outros. LX. Não são as circunstâncias da utilização que hão de tornar o instrumento particularmente perigoso; é o instrumento em si que há de ter um elevado potencial de letalidade e, por conseguinte, uma perigosidade acrescida independentemente das concretas condições de utilização; “uma perigosidade muito superior à normal nos meios usados” - neste sentido, Figueiredo Dias, “Comentário do Código Penal”, 1ª ed., Tomo I, página 37, referindo que “não cabem seguramente no exemplo-padrão e na estrutura valorativa revólveres, pistolas, facas ou vulgares instrumentos contundentes ”. LXI. Ademais não se conhece os pormenores das circunstâncias da sua utilização. Nem são as circunstâncias da utilização que, de per se, hão de tornar o instrumento particularmente perigoso; é o instrumento em si que há de ter um elevado potencial de letalidade e, por conseguinte, uma perigosidade acrescida independentemente das concretas condições de utilização. LXII. Não nos devemos olvidar que na generalidade os meios usados para matar são perigosos e mesmo muito perigosos. Ora, quando a lei exige que o meio seja particularmente perigoso, há que concluir que se impõe uma perigosidade muito superior à normal nos meios usados para matar, não cabendo no leitbild e na estrutura valorativa do conteúdo do conceito revólveres, pistolas, bem como de facas. LXIII. É certo que pistolas, facas e outros instrumentos contundentes são meios, métodos ou instrumentos perigosos ou mesmo muito perigosos, no entanto, não cabem na estrutura valorativa, fortemente exigente, do exemplo-padrão, quando estamos na análise da prática de um crime de homicídio. LXIV. Neste sentido, discordando da qualificação efetuada pelo Tribunal a quo, remete-se para a jurisprudência e doutrina indicada e transcrita na motivação que aqui se dá por reproduzida. LXV. Ante o exposto, é nosso entendimento que não se verifica o preenchimento da alínea h), do n.º 2, do artigo 132.º, do Código Penal. LXVI. Não obstante, em nosso entendimento, ainda que se considerasse verificado o preenchimento objetivo da h), do n.º 2, do artigo 132.º, do Código Penal, a análise global dos factos e do comportamento do arguido, não passaria no crivo da cláusula geral de especial censurabilidade ou perversidade do n.º 1 do artigo 132.º, do Código Penal. LXVII. O tipo qualificado do crime de homicídio previsto no artigo 132.º, do Código Penal traduz um especial tipo de culpa, exigindo ao mesmo tempo a concorrência de, pelo menos, uma das circunstâncias identificadas com os exemplos-padrão constantes das várias alíneas do n.º 2, ou de uma circunstância estruturalmente análoga, e a comprovação de que dessa ou dessas circunstâncias resulta uma maior censurabilidade ou perversidade do agente. LXVIII. Com efeito, a verificação de alguma ou algumas circunstâncias qualificativas previstas no n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, de per se, não determinam a qualificação do crime. Ou seja, não é pelo facto de se verificar o preenchimento de alguma das alíneas que, automaticamente, há agravação do crime. É mister que além da verificação de alguma das alíneas, tal seja suscetível de revelar uma especial censurabilidade ou perversidade do agente, conforme preceitua o n.º 1 do artigo 132.º do Código Penal. LXIX. De acordo com a doutrina e jurisprudência mencionada na motivação, há que avaliar a conduta global do agente com vista a perscrutar uma especial censurabilidade, que o faça distinguir dos casos vulgares. LXX. Vertendo ao caso em apreço, temos que o Tribunal a quo esgrima-se, em jurisprudência e doutrina, para fundamentar a verificação do preenchimento da alínea h), do n.º 2, do artigo 132.º, do Código Penal, no entanto, queda-se na fundamentação da verificação da cláusula geral do n.º 1, do mesmo normativo, que impõem a verificação da especial censurabilidade ou perversidade. LXXI. Pois que não se percebe, porque não é dito, quais as circunstâncias que permitiram revelar essa especial censurabilidade ou perversidade. LXXII. Cremos que a argumentação que fundamentou a verificação do preenchimento da alínea h), do n.º 2, do artigo 132.º, do Código Penal, não poderá servir, para, simultaneamente, dar-se por verificada, também, a cláusula geral prevista do n.º 1, do artigo 132.º, do Código Penal. LXXIII. O trecho redigido pelo Tribunal a quo, neste particular é uma alusão geral, que em bom rigor poderia constar de uma qualquer decisão, porque na verdade é destituído de conteúdo, sobretudo numa situação como a dos presentes autos, em que se ponderou a legítima defesa. LXXIV. Com todo o respeito, não nos parece suficiente fazer uma referência geral, dizendo que o arguido revelou qualidades particularmente desvaliosas e censuráveis (…), sem fazer qualquer referência às concretas circunstâncias que permitiram inferir tais qualidades, para fundamentar a verificação de uma especial censurabilidade ou perversidade, como impõe o n.º 1, do artigo 132.º, do Código Penal. LXXV. Não nos podemos esquecer que a conduta já seria desvaliosa e censurável, pois que dúvidas não há que o arguido praticou um crime de homicídio. LXXVI. No entanto, é necessário indicar quais as concretas circunstâncias que permitiram concluir que a morte provocada pelo arguido foi de uma forma especialmente desvaliosa (especial censurabilidade) ou que o arguido manifesta uma culpa intensa e qualidades especialmente desvaliosas (especial perversidade). LXXVII. O Tribunal a quo não analisou as circunstâncias que revelaram especial censurabilidade ou perversidade, através de uma ponderação global das circunstâncias externas e internas presentes no facto concreto. LXXVIII. Como é óbvio, o comportamento do arguido é grave, como é grave qualquer comportamento do qual resulte a prática de um homicídio, no entanto, considerando a situação dos presentes autos e as circunstâncias em que o mesmo se verificou, somos do entendimento que o Tribunal a quo não poderia dar como verificada a cláusula geral ínsita no n.º 1, do artigo 132.º, do Código Penal. LXXIX. O arguido, foi confrontado pela vítima, indivíduo corpulento, com 1,89 metros de altura e com o peso de 102 quilogramas, alcoolizado, pois que apresentava uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,94 g/l, (+/- 0,25 g/l), com suspeitas de ter efetuado furtos no seu palheiro, chama-o de ladrão e profere outras expressões de teor ameaçador, manifestando um comportamento violento e agressivo, pois que arremessou mesas e cadeiras. LXXX. O arguido, assim como as demais pessoas que aí se encontravam presentes e presenciaram o comportamento da vítima ficaram com medo. O arguido convencido que a vítima o pretendia agredir, foi-se esconder dentro da barraca, atrás do balcão. LXXXI. Continuou a ouvir gritos dos familiares do seu patrão e apercebeu-se que se mantinha a agitação e o grande alarido da confusão criada pela vítima. LXXXII. O arguido tenta telefonar à Polícia de Segurança Pública, telefona ao seu patrão, BB, dando-lhe conta do sucedido e telefona para o 112 a pedir a polícia no local, tendo-lhe sido dito que teria que ser o próprio a chamar, mesmo o arguido tendo mencionado que não conseguia marcar o número. LXXXIII. O arguido continua a ouvir gritos, designadamente, CC, mãe do seu patrão BB, que dizia que o seu filho estava morto, apercebendo-se assim, que a vítima estava a agredir o BB. LXXXIV. Concomitantemente. o menor KK dirigiu-se ao interior da barraca onde encontrava o arguido a chama-o a dizer que “estavam matando o BB”. LXXXV. É nestas circunstâncias que o arguido sai da barraca, munido com uma faca, cuja lâmina tem 30,2 centímetros e pratica o crime. LXXXVI. É certo, quanto a nós, que o arguido não avaliou corretamente as circunstâncias, e que o golpe desferido no pescoço manifesta total desproporção e afasta a legítima defesa. Todavia, cremos que o juízo de culpabilidade não ultrapassa o juízo de culpabilidade contido na moldura penal atinente ao homicídio previsto e punido nos termos do artigo 131.º, do Código Penal. LXXXVII. Não nos podemos esquecer que o arguido atuou sob pressão exercida pelas circunstâncias externas, causadoras da diminuição da sua capacidade de decisão e que limitou a reflexão sobre o seu comportamento e consequências. LXXXVIII. Ora este quadro de atuação não permite concluir que o comportamento do arguido, isto é, a morte causada pelo arguido foi provocada de uma forma especialmente desvaliosa ou que o arguido manifesta qualidades especialmente desvaliosas. LXXXIX. De facto, analisada os acontecimentos cronologicamente, verifica-se que, numa primeira atuação, quando confrontado com um comportamento agressivo por parte da vítima, a atitude do arguido não é de fazer frente ou retorquir, pelo contrário, o mesmo refugia-se dentro da barraca e tenta acionar os meios ao seu dispor para pedir ajuda, nomeadamente a linha de emergência. Apenas, num segundo momento, motivado pelos gritos de ajuda e que anunciavam a morte do seu amigo e patrão BB e concomitantemente apercebendo-se que o pedido de ajuda saiu logrado, é que toma a decisão de atuar. XC. Veja-se que o arguido quando confrontado pela vítima, não reagiu, ao invés, foi-se esconder e pedir ajuda, o que é demonstrativo de que ficou com medo, como o mesmo refere nas suas declarações e que não foi movido por sentimentos/emoções esténicos. XCI. Por tudo quanto se deixou dito, neste particular, é entendimento do Ministério Público que estamos perante um homicídio, previsto e punido nos termos do artigo 131.º, do Código Penal. XCII. Não obstante, cremos que o homicídio deverá ser agravado, nos termos do n.º 3, do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro – Regime Jurídico de Armas e Munições. XCIII. O legislador com a agravação prevista no artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, veio afirmar que há uma ilicitude agravada aquando da prática de um qualquer crime em que se utilize uma arma, salvo se a utilização da arma já é elemento do tipo de ilícito. XCIV. O uso da arma, comporta um fator de agravação da ilicitude em função da perigosidade para um bem jurídico ou para uma série de bens jurídicos criminalmente protegidos e, além disso, não constitui elemento típico do crime de homicídio, pois que este é um crime de execução livre, ao tipo de homicídio é indiferente a forma como o resultado morte ocorre. XCV. Considerando a jurisprudência indicada na motivação, e aplicando ao caso dos autos, importa concluir que o comportamento do arguido é subsumível à prática de um crime de homicídio agravado, previsto e punido pela conjugação dos artigos 131.º, do Código Penal e artigo 86.º, n.º 3, da Lei 5/2006, de 23 de fevereiro. XCVI. Por conseguinte, tendo o arguido praticado um crime de homicídio, previstos e punido nos termos do artigo 131.º, do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 86.º, n.º. 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro – Regime Jurídico das Armas e Munições, impõem-se uma nova dosimetria da pena concretamente aplicável, cuja moldura penal abstrata é dez anos e oito meses a vinte e um anos e quatro meses. XCVII. O arguido AA foi condenado na pena concreta de dezoito anos de prisão, numa moldura penal de doze a vinte e cinco anos. XCVIII. Como é óbvio, já seria expectável a nossa discordância, pois que já vem anunciada dos pontos que antecedem. XCIX. No entanto, e independentemente da qualificação jurídica, da (im)procedência do presente recurso, consideramos a pena de dezoito anos excessiva e desproporcional. C. De acordo com o artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal “A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa”, sendo a culpa um dos elementos fundamentais em sede de aplicação de penas, bem como o seu limite intransponível. CI. Estatui ainda o artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”. Importa, por isso, ponderar as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir. CII. Para além do Tribunal dever socorrer-se do critério global contido no artigo 71.º do Código Penal, deverá atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (porque estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente as circunstâncias referidas nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal. CIII. No caso vertente, são particularmente elevadas as exigências de prevenção geral, uma vez que está em causa a proteção do bem jurídico vida, sendo que o crime de homicídio assume exponencialmente proporção, com consequências irremediáveis, o que provoca justificado temor na comunidade, abala a confiança que esta deve ter na eficácia do sistema penal, e impõe, consequentemente, uma necessidade acrescida de dissuadir a prática destes factos pela generalidade das pessoas e de incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes. CIV. A ilicitude assume intensidade elevada, atentas as consequências dela resultantes no que respeita à total eliminação do bem jurídico de maior proteção pelo sistema penal. CV. Vertendo aos presentes autos, o arguido AA, desde o seu primeiro contacto com as autoridades reconheceu ter agredido a vítima com a faca apreendida, assumiu que tinha escondido a faca e voluntariamente indicou o local onde se encontrava, vindo esta a ser apreendida, ou seja, o arguido confessou os factos, é certo que com a reserva de que era para defender o seu amigo e patrão e que não se apercebeu do golpe desferido no pescoço, pois apenas pretendia “picar” para poder acabar com a contenda entre a o seu patrão BB e a vítima GG. CVI. Interpretada a totalidade da prova produzida à luz das regras da experiência comum, foram determinantes para a descoberta da verdade material as declarações do arguido, que, sem prejuízo das reservas que invocou, assumiu a prática dos factos, tendo feito um relato completo e esclarecedor quanto às circunstâncias em que os factos ocorreram, a arma que utilizou e as circunstâncias da sua utilização, e a motivação que o determinou, de, perante os gritos que anunciavam a morte do seu amigo e patrão BB o defender, relato cuja credibilidade não foi posta em causa, aliás, postura sempre consentânea, que também assumiu durante o inquérito perante as autoridades que procederam à investigação, cooperando com elas, designadamente, facultando à Polícia de Segurança Pública a faca, cuja localização indicou, e consentindo na realização de exames. CVII. Quanto às reservas manifestadas pelo arguido em julgamento, de que não pensou que podia causar a morte à vítima quando utilizou aquela faca e que apenas atuou convencido de que o seu amigo e patrão corria perigo, dizem respeito ao elemento subjetivo do tipo, ao dolo, que, tratando-se de um acontecimento do foro interno, tem que ser comprovado factualmente, o que só pode ser conseguido pelo julgador com recurso a factos objetivos, dos quais resulte suficientemente indiciada a intenção de matar, ou, com relevo para o caso dos autos, a admissão dessa possibilidade pelo agente e a sua conformação com ela. CVIII. Se inicialmente o arguido, mesmo tendo-se munido de uma faca com cerca de trinta centímetros de lâmina, poderia não ter a pretensão de tirar a vida à vítima FF, a verdade é que quando desferiu o golpe no pescoço, não poderia o arguido deixar de pretender tirar a vida, pois que ao desferir um golpe com uma faca com aquelas características no pescoço, onde passa uma importante via de drenagem do sangue da cabeça e pescoço, com destaque para a veia jugular interna que drena a maior parte do sangue do crânio e estruturas profundas da face e pescoço, como sucedeu, iria atingir a vida da vítima. CIX. Não obstante, dever-se-ão considerar todas as circunstâncias já referidas a propósito da especial censurabilidade ou perversidade. CX. Destarte, em face de todas as circunstâncias expostas, entende-se ser adequado, justo e consentâneo quer com as finalidades ínsitas à punição, quer com a medida da culpa e da consciência da ilicitude, aplicar ao arguido AA pela prática do crime de homicídio agravado, nos termos conjugados dos artigos 131.º, do Código Penal e artigo 86.º, n.º. 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro – Regime Jurídico das Armas e Munições, a pena de doze anos e seis meses de prisão. CXI. De tudo quanto antecede, consideramos que o Tribunal a quo fez uma incorreta apreciação e valoração da prova, incorrendo, assim, em erro de julgamento quanto à matéria de facto, e bem assim não procedeu à correta qualificação jurídico-penal e, nessa medida, violou as normas dos artigos 40.º, 71.º, 132.º, n.º 2, alínea h), todos do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, pelo que, deverá ser dado provimento a esta pretensão e, consequentemente deverá ser alterada a matéria de facto nos termos propostos; e bem assim a qualificação jurídica, condenando-se o arguido AA pela prática de um crime de homicídio, previsto e punido nos termos do artigo 131.º, do Código Penal, agravado, nos termos do artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de doze anos e seis meses de prisão. Vossas Ex.ªs, porém, decidirão como for de JUSTIÇA ! * Os recursos foram admitidos por despacho proferido a ... de ... de 2025, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo. * Notificados os sujeitos processuais, apenas o Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pronunciando-se pela procedência do mesmo. * Remetidos os autos a este Tribunal da Relação de Lisboa, pelo Procurador-Geral Adjunto foi lavrado Parecer, no qual adere à motivação apresentada em primeira instância. Não houve cumprimento do n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência a que alude o artigo 419.º do Código de Processo Penal, cumpre decidir. * II – FUNDAMENTAÇÃO São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal de primeira Instância (transcrição): Da Acusação, do Pedido de Indemnização Civil deduzido pelo Assistente e a sua mulher LL e Resultantes da Discussão da Causa 1. No dia ... de ... de 2024, em hora não concretamente apurada, mas posterior a 01H30 e anterior às 02H22, o arguido, AA, encontrava-se na ..., no ..., nas imediações da ..., por ocasião do arraial de ..., quando se apercebeu da presença de GG. 2. GG suspeitava que o arguido e BB iam para um seu palheiro, localizado no sítio da ..., em que estava a fazer obras com o objectivo de o transformar em casa de habitação, consumir heroína, aí deixando as seringas e, mais ainda, que daí subtraíam bens móveis de sua pertença. 3. GG estava à procura do arguido, bem como de BB, a fim de lhes pedir explicações acerca dessas subtracções, que estava convencido terem sido por eles cometidas. 4. Aquando dos factos, GG havia ingerido bebidas alcoólicas, revelando no momento da sua morte, uma taxa de alcoolemia no sangue de 1,94 (+ / - 0,25 g/litro), e estava exaltado e descontrolado. 5. Já o arguido, durante o dia, tinha consumido bebidas alcoólicas e heroína, droga de cujo consumo é dependente. 6. Contrariando todos os que o tentaram disso demover, GG estando no referido estado, quis, nessa circunstância, “pôr a situação em pratos limpos". 7. Assim, GG confrontou o arguido, chamando-o de ladrão e imputando-lhe as sobreditas subtracções, cuja prática ele negou e entrou pela "Barraca", onde deitou duas mesas ao chão. 8. Acedendo ao que lhe foi pedido, num primeiro momento, FF saiu do local e retomou o regresso a casa. 9. O arguido, entretanto, regressou à barraca, conhecida como “Barraca”, montada pelo referido BB para “venda de comes e bebes” durante as festividades e onde havia prestado serviço nesse dia, a preparar e a assar frangos, na qual permaneceu. 10. Apesar de tal lhe ter sido pedido pela sua namorada MM e amigos, por mais duas vezes, FF regressou ao local onde ficava a dita Barraca e ficou nas suas cercanias, recusando-se a ir para casa. 11. Dentro dessa barraca, o arguido contactou o sobredito BB, através do seu telemóvel, com o nº ..., pelas 02H72 a alertá-lo para a presença de GG no local e a dizer-lhe que ele estava à sua procura e a “armar confusões”. 12. Após, cerca. das 02H76, o arguido efectuou uma chamada pata a “...”, em que pediu a comparência da polícia no local, pois “estavam a ser ameaçados”; alertou para que havia muitas pessoas no local e para que, “Isto ainda vai haver mortos” e, referindo-se a BB, depreendendo-se que está a falar para alguém ali presente, disse ..o BB já vai aí, também aí; vai ver o BB que senão ele vai pegar com o BB”. 13. Tendo-lhe sido dito pelo operador que tinha que ligar para Protecção Civil e estando-lhe a ser fornecido o número para esse efeito, desligou a chamada, sem que esse número lhe fosse dado na íntegra, não sem antes afirmar, em voz baixa, “Esse já vai levar uma facada”, referindo-se a GG. 14. Quando BB chegou ao local, GG abeirou-se dele e começou a agredi-lo fisicamente. 15. Volvidos alguns minutos, anda no interior da aludida barraca, o arguido teve conhecimento de que GG estaria a agredir corporalmente o referido BB. 16. Então, muniu-se de uma faca de talhante, com 42,5 centímetros de comprimento total, e uma lâmina com 30,2 centímetros de comprimento e com a largura máxima de 4,7 centímetros, de gume curvo, bem afiado, que se encontrava no interior da “Barraca”, por baixo do balcão de corte de carne, guardada numa caixa. 17. Essa faca era uma das duas maiores das várias que existiam na dita Barraca, destinando-se ao corte de carne de vaca para “espetadinha”. 18. Em acto contínuo, o arguido abandonou a mencionada barraca e, ao aperceber-se da veracidade da situação descrita em 14., dirigiu-se a GG, abeirou-se deste, o que fez pelas suas costas e, munido da faca acima referida, desferiu-lhe três golpes com essa faca atingindo GG, primeiro, duas vezes, uma na zona lombar, outra no flanco direito e, por ultimo, na zona do pescoço, aqui com um corte único, efectuado da frente para trás e ligeiramente para cima. 19. Como consequência da conduta do arguido, sofreu GG as lesões traumáticas melhor descritas no relatório de autópsia médico legal, aqui dado por integralmente reproduzido, nomeadamente: a. Ao nível do pescoço: i. Hábito externo: ferida incisa (ferida nº 1) na região cervical lateral direita, ligeiramente oblíqua para trás e para cima e com visualização de músculos e tendões seccionados, medindo 22 centímetros de comprimento e com extremidade posterior mais profunda, apresentando um entalhe milimétrico em ambos os bordos da ferida a este nível; ii. Músculos: secção parcial do músculo esterno-cleido-mastoideu direito, com integridade apenas das fibras musculares mais anteriores, e secção completa dos músculos escalenos e paravertebrais direitos, todas com infiltração sanguínea dos bordos e em correspondência com a ferida nº 1 descrita no hábito externo; iii. Vasos e nervos: secção completa da veia jugular interna direita, com grande afastamento dos topos e rodeada de infiltração sanguínea, em correspondência com a ferida nº 1 descrita no hábito externo; artérias carótidas comuns íntegras, sem sinais de aterosclerose. b. Ao nível do abdómen: i. Hábito externo: ferida incisa (ferida nº 2) no flanco direito, próximo ao rebordo costal, oblíqua infecto-posteriormente, medindo 10 centímetros de comprimento e 4 centímetros de afastamento de bordos, com extremidade medial romba e lateral angulosa e com cauda milimétrica a este nível, apresentando um entalhe no bordo superior da ferida; ferida incisa superficial na região lombar, à esquerda da linha média, transversal, medindo 7 centímetros de comprimento; várias escoriações lineares e paralelas entre si na região lombo-sagrada, à esquerda da linha média, oblíquas ínfero-medialmente, ocupando uma área de 10 cmx9cm. ii. Hábito interno: Paredes: trajecto em túnel em correspondência a ferida nº 2 descrita no hábito externo, em direcção ascendente e para a esquerda, rodeado de infiltração sanguínea e atingindo o músculo recto abdominal direito, junto ao rebordo costal; peritoneu e cavidade peritoneal: continha 50 centímetros cúbicos de sangue na loca hepática; epíplon: discreta infiltração sanguínea do grande epíplon a nível do cólon transverso, próximo do trajecto formado pela ferida n" 2 descrita to hábito externo. c. Ao nível da coluna vertebral e medula: i. Vértebras e estruturas articulares: fractura do processo transverso direito de C5, rodeada de infiltração sanguínea e em correspondência com a ferida nº 1 descrita no hábito externo. 20. As sobreditas lesões foram causa directa, necessária e adequada da morte de GG, verificada às 03H35 desse dia ... de ... de 2024, no ..., do .... 21. Após a agressão perpetrada, o arguido abandonou rapidamente o local, sem prestar qualquer assistência à vítima que, rapidamente, se esvaía em sangue. 22. O arguido escondeu a faca utilizada e, mais tarde, veio a indicar às autoridades policiais o local onde a pusera, onde foi encontrada. 23. Após, dirigiu-se a sua casa, tirou as roupas que envergava e procurou lavá-las, de forma a ocultar a prova do crime que acabara de praticar. * 24. Ao desferir os golpes acima descritos nas zonas do corpo de GG atrás identificadas, agiu o arguido animado pelo propósito de lhe tirar a vida, recorrendo a objecto corto-contundente com uma lâmina de grandes dimensões, sem sequer dar à vítima a possibilidade de se defender e bem sabendo que as regiões atingidas, concretamente, a região carotidiana ou lateral do pescoço, aloja vasos sanguíneos e músculos cujo corte podia, facilmente, provocar a morte, o que logrou. 25. Adicionalmente, sabia o arguido que a faca que empunhava e que usou como objecto de agressão, pelas suas características e, designadamente, pelo comprimento do seu gume cortante, era idónea a provocar lesões susceptíveis de conduzir à morte da vítima, o que ocorreu. 26. Mais estava o arguido ciente de que, não obstante a referida faca estar afecta a uma finalidade específica, a usava para propósito e em local incompatíveis com o seu normal emprego, não justificando a sua posse, bem sabendo que, nessas circunstâncias, a sua detenção e utilização não lhe eram permitidas, o que não o impediu de agir como supra descrito. 27. Em toda a sua conduta, agiu o arguido de forma consciente e voluntária, sendo sabedor da sua censurabilidade e punibilidade criminais e tendo a liberdade necessária para se conformar com a sua actuação. * 28. BB, na sequência da agressão perpetrada pelo GG, foi assistido no ..., onde deu entada no dia .../.../2024, às 11.14 Horas, e se queixou de dores no cotovelo direito e negou outras queixas. Submetido a exame de imagiologia, com duas incidências, nesse cotovelo, não foram aí detectados sinais de fractura/luxação, tendo-lhe sido retirada a imobilização desse membro. Medicado, foi-lhe dada alta administrativa às 12.02 Horas do referido dia. 29. Mais tarde, em .../.../2024, na sequência de uma ressonância magnética feita a esse cotovelo, constatou-se apresentar aí uma fractura, provavelmente subaguda, da tacícula radial. * 30. BB e o arguido são amigos desde há cerca de 20 anos sendo aquele também seu empregado. 31. GG, tinha 1,89 m de altura e pesava 102kg. 32. BB tem 1,67 metros de altura. 33. O arguido mede 1,80 metros. * Do Pedido de Indemnização Civil deduzido pelo assistente e a sua mulher, LL * 34. II nasceu em .... 35. LL nasceu ... de ... de 1967. 36. GG nasceu em ... de ... de 1987. 37. II e a sua consorte, LL são os únicos herdeiros do seu filho, GG (adiante também designado apenas por GG), falecido no dia ... de ... de 2024, no estado de solteiro, maior, sem descendentes, nem qualquer disposição de bens por morte. 38. GG era o filho mais velho de uma fratria de três. 39. Ferido de morte, GG ainda foi rua abaixo à procura do pai II que, na altura, se encontrava a algumas dezenas de metros a encerrar outra barraca de “comes e bebes” onde havia estado a colaborar nesse dia, aí acabando por sucumbir, esvaído em sangue. 40. II viu-se impotente para fazer o que quer que fosse para salvar o filho que muito amava. 41. Devido à violência da agressão, bem como à extensão e gravidade das lesões sofridas, mormente na jugular, o malogrado GG teve a percepção clara de que não conseguiria resistir aos ferimentos infligidos e que a sua morte estava eminente, tendo sofrido dores atrozes e excruciantes, bem como momentos de pânico e angústia indescritíveis. 42. À data da morte era uma pessoa robusta e saudável, de grande nobreza de carácter, alegre, extrovertido. 43. Tinha uma vontade enorme de viver e de se realizar plenamente em termos familiares e profissionais. 44. Os ora demandantes muito se reviam no seu falecido filho e por ele nutriam grande amor cujo regresso definitivo à sua terra natal aguardavam ansiosamente e com o qual contavam como ampoio na sua velhice. 45. Os demandantes constituíram uma família muito unida e existia um óptimo relacionamento entre eles e o falecido. 46. O decesso inesperado e em circunstâncias trágicas do filho primogénito, GG, causou aos ora demandantes um desgosto incomensurável e uma profunda tristeza. 47. Dele privados de forma abrupta, os demandantes ficaram inconsoláveis, tendo chorado amargamente a sua perda. 48. Ainda hoje não conseguem reprimir o choro quando imaginam as circunstâncias em que o filho morreu, chegando a dizer que já perderam o interesse que tinham pela vida. 49. Desde a morte trágica do filho, os demandantes evidenciam graves complicações psicológicas, apresentando ambos uma depressão pós-traumática desde a altura da sua morte, o que determina a necessidade de efectuarem terapia psicológica. 50. Entre o momento em que foi perpetrada a agressão e aquele em que sobreveio a morte do desditoso GG, mediaram alguns minutos. 51. Os demandantes despenderam a importância de 3.130,00 € com o funeral do seu filho GG. 52. Na altura em que foi esfaqueado, o falecido envergava uma camisa de algodão e umas calças de ganga, no valor estimado de 35,00 € cada, que ficaram irremediavelmente danificadas em consequência dos golpes desferidos pelo demandado civil, bem como uns botins de camurça, que também se perderam, num valor em concreto não apurado. 53. À data da morte, o referido GG exercia funções de ... de cofragens na ..., onde auferia cerca de 1.800,00 € líquidos mensais. 54. Desse valor, contribuía com cerca de 300,00 € mensais para o pagamento de despesas domésticas de luz, água e gás, bem como de sustento dos pais, nomeadamente, aquisição de alimentação e vestuário. 55. E assim sucedia na medida em que o progenitor é inválido, auferindo uma pensão no valor de 473,01, € mensais. por seu turno, a progenitora, doméstica, aufere, em média, cerca de 22,50 € mensais como bordadeira. * Do Pedido de Indemnização Civil deduzido pelo “SESARAM EPE” * 56. Os cuidados de saúde que o “SESARAM, EPE” prestou ao ofendido, GG, no serviço de urgências no Hospital ..., no ..., no dia ... de ... de 2024, importaram na quantia de € 112,07. * Resultantes da Discussão da Causa * De acordo com o Relatório Social a ele referente: 57. O arguido encontra-se no ... desde .../.../2024, na condição de preso preventivo à ordem do processo em apreço. À data, vivia sozinho, numa casa construída pelos progenitores num terreno pertença de uma herança, em precárias condições de habitabilidade. 58. Situa sua origem no meio onde residi a à datada prisão onde, aparentemente, não detinha conflitos interpessoais de maior e manifestava conformismo quanto à condição socioeconómica desfavorecida em que sempre viveu. 59. Foi o primeiro de uma fratria de quatro irmãos e é o único que permaneceu no meio de origem, tendo em conta que dois irmãos migraram para ... continental e uma irmã emigrou para o ... unido. Fez menção a dois períodos fora do país a trabalhar, mas não se adaptou. 60. Da sua história de vida, destaca como tendo sido marcante o ambiente de violência doméstica, alcoolismo e pobreza dos pais. Pouco frequentou a escola, não tendo sequer adquirido competências elementares de leitura e escrita. 61. Não chegou a constituir família, mencionando apenas um relacionamento marital durante 2 anos de que não resultaram filhos. Apresenta-se como um indivíduo com uma rede familiar frágil, na medida em que os progenitores já faleceram e os irmãos se encontram geograficamente afastados. Não obstante, ainda apresenta vínculos e conta com apoios de outros familiares, designadamente, tias. 62. Assegurava a sua independência económica, graças a hábitos de trabalho indiferenciado, regular, entre a construção civil, padaria e em barracas de comidas montadas em festas populares da região. 63. Denota algumas limitações nos recursos cognitivos, são parcos os seus interesses e no seu percurso de vida houve referência a hábitos de consumo de bebidas alcoólicas e substâncias estupefacientes (heroína), embora sem comprometimento do trabalho e da autossuficiência. O próprio desvaloriza esta problemática, nunca tendo procurado ajuda. 64. Não é referenciado pelos OPC como um indivíduo desordeiro, conflituoso ou propenso a comportamentos agressivos. 65. Encara com relativo conformismo o actual confronto com o sistema de justiça penal, expressando, no entanto, sentimentos de medo por eventuais retaliações da família da vítima. 66. Em contexto prisional revela um comportamento regular. Frequenta a escola – 1º ciclo e beneficia de apoio psicofarmacológico. 67. O apoio exterior foi reactivado com a sua reclusão, traduzindo-se nalgumas visitas das tias e de pessoas conhecidas, assim como contactos telefónicos com os irmãos. * 68. Por decisão proferida e transitada em julgado em ..., o arguido foi condenado, pela prática, em .../.../2017, de um crime de ameaça agravada, e, em ...,.../2017, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena única de 240 dias de multa, à taxa diária de €5,00, num total de € 1.200,00. Tendo essa pena sido convertida na prisão subsidiária, dela apenas cumpriu uma parte, já que pagou o remanescente da multa ainda em dívida, assim vindo a extinguir-se a totalidade da pena. Factos dados como não provados pelo Tribunal de Primeira Instância (transcrição): Da Acusação * A. O arguido efectuou a chamada para a “Linha de Emergência 112”, como atrás referido, depois de saber que o BB estava a ser agredido por GG. * Do Pedido de Indemnização Civil deduzido pelo assistente e a sua mulher, LL * B. O arguido escondeu a faca que utilizou nuns arbustos. C. GG veio a sucumbir nos braços do seu progenitor. D. GG havia prometido regressar, definitivamente, à sua terra natal muito em breve, sendo sua intenção ir residir na companhia dos pais. E. A camisa de algodão que o falecido envergava na altura em que foi esfaqueado valia 40,00 €, as calças de ganga, 60,00 € e os botins de camurça que calçava, 70,00 €. Motivação da decisão sobre a matéria de facto pelo Tribunal de Primeira Instância (transcrição): * O tribunal formou a sua convicção para fixar como provada e não provada a antecedente factualidade, na concatenação crítica do conjunto da prova produzida em julgamento e, bem assim, da prova pericial e documental e com que os autos foram instruídos, toda ela apreciada de acordo com o seu valor probatório e as regras da experiência, segundo dita o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do CPP. Dispõe este preceito legal que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, princípio da livre apreciação da prova que sofre limitações, nomeadamente no que respeita às provas documental e pericial. Por outro lado, impõe-se ainda ter presente que a lei admite presunções judiciais, que são as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, nos casos e temos em que é admitida a prova testemunhal (artigos 349º a 351º do Código Civil). A actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz, necessariamente, aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares ) e até, saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente. Isto é, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal. O mesmo é de dizer, de resto, quanto às declarações prestadas pelos arguidos, quer quando interrogados por autoridade judiciária quer em sede de julgamento. A congruência dos testemunhos e mesmo das declarações de arguidos, entre si, o grau de coerência com outras provas que existam e com outos factos objectivamente compagináveis, ou seja, a apreciação conjunta das provas, são elementos fundamentais para dar maior credibilidade a uma testemunha do que a outra, a um arguido do que a outro. Enfim, a livre apreciação que, se por um lado se afasta de um sistema de prova legal, i.e., baseada em regras legais predeterminantes do seu valor, por outro, não admite também uma apreciação fundada apenas na convicção íntima e subjectiva do julgador. A livre apreciação da prova significa que o tribunal está vinculado ao dever de perseguir a verdade material do caso concreto que é trazido à sua apreciação, de tal modo que esta, embora livre, há-de ser motivada e controlável, quer pelos destinatários da decisão quer pelas instâncias de recurso. Por isso se exige a explicitação do percurso lógico do julgador na decisão sobre a matéria de facto, que está na génese da sua convicção. A consequência deste sistema reflecte-se, desde logo, na possibilidade de formar o Tribunal a sua convicção na base do depoimento de uma testemunha, em desfavor do testemunho contrário, e fundar a convicção no dito por um declarante em desfavor de prova testemunhal, esta, em abstracto, com maior dignidade probatória. Como, lapidarmente, a este propósito, se escreveu no Ac. STJ de 16.01.2008, disponível em www.dgsi.pt, “A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projecção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízo de racionalidade de valor e métodos que determinaram a decisão; em outra perspectiva (intraprocessual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos para reapreciar uma decisão o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do raciocínio lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo.” Mas não se deve, contudo, ignorar que os princípios da imediação da oralidade, só possíveis em Audiência de Julgamento, carregam consigo uma carga de convencimento dificilmente transponível para a fundamentação, uma vez que só podem ser apreendidos na sua totalidade pelo julgador perante o qual as provas são produzidas. Na verdade, não se pode esquecer que “são os Juízes da 1ª Instância quem, de forma directa e “imediata”, podem observar as intransponíveis sensações que derivam das declarações e que obtêm, a partir do que os arguidos e das testemunhas disseram, do que calaram, dos seus gestos, da sua palidez ou do suor do seu rosto, das suas hesitações. É uma verdade empírica que frente a um mesmo facto diversos testemunhos presenciais, de boa-fé, incorrem em observações distintas” (assim o Ac. do TRL de 18/07/2013, acessível em wwwdgsi.pt). No caso concreto consideraram-se também as máximas indiciárias fazendo-se relevar o tipo de testemunhos prestados que, juntamente com os pontos cristalizados do lastro de coincidência das várias versões apresentadas, e com alto grau indiciário de probabilidade ou de verosimilhança, deram ao tribunal, na sua compreensão global, para aIém de toda a dúvida razoável, a verdade material, parcela dos factos dados como provados e não provados em julgamento. Faz-se aqui apelo à realidade das coisas - à mundividência dos homens e importa ainda, sinalizar antes de nos abalançarmos na motivação da factualidade provada e não provada, que a audiência de discussão e julgamento decorreu com o registo da prova (declarações do arguido assistente e depoimentos das testemunhas) em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do tribunal. Esta circunstância, permitindo uma ulterior reprodução desses meios de prova e um efectivo controlo do modo como o Tribunal formou a sua convicção, deve, nesta fase do processo, revestir-se de alguma utilidade, nomeadamente, dispensando o relato detalhado das declarações e depoimentos prestados. Deste modo, esse registo, será ponderado no cumprimento do estatuído no art.º 374, nº 2, do CPP, onde se impõe a exposição, tanto quando possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão sobre a matéria de facto, com o exame crítico das provas enumeradas. O Tribunal fundou-se, pois, nas regras de experiência e na ponderação de toda a prova, quer junta aos autos quer produzida em audiência, e no juízo sobre a certeza e a verdade material dos factos resultou, sobretudo, dos seguintes meios de prova abaixo descritos. * Isto dito, e concretizando, para dar como provada e não provada a factualidade supra descrita referente à actividade delituosa assacada ao arguido, seu circunstancialismo, consequências daí resultantes, designadamente, a morte de GG, percurso de vida deste e sua personalidade, seu relacionamento com os progenitores e o que para eles resultou da perda do seu filho o Tribunal teve em consideração os meios de prova infra elencados. Começando pelo arguido, AA, este prestou declarações em sede de Primeiro Interrogatório Judicial de Arguido Detido, que foram devidamente reproduzidas em julgamento. Aí, confirmou ter sido ele quem desferiu os golpes cristalizados nos autos na vítima mortal, GG Todavia, disse não o ter feito com intenção de o matar; só o queria “picar” para depois fugir; explicou que estava escuro, o seu amigo BB estava em perigo e a vítima, que era bastante forte (tinha 1,89m de altura e pesava 102 kg), “estava-se virando para ele”; só o queria “picar” nas mãos, repete, quando o BB estava no chão a pedir por amor de Deus (para não ser mais batido, depreende-se). Perante o assim referido, foi confrontado com as imagens de fls. 75, que revelam a extensão do golpe que fez no pescoço da vítima, reiterou que só o queria picar nas mãos quando o BB estava no chão, mas ele (o visado) deve ter sido mexido a mão. Adiantou não saber a razão da zanga entre o BB e FF e não os viu “brigar”, mas “o pequeno entrou pela barraca dentro a gritar que ele o tava matando” (sic); quando lá chegou ninguém tinha armas, nenhum deles tinha arma; estavam os dois a lutar e nenhum tinha facas. Mas o FF estava a dar porrada no BB, a quem reconhece na foto de fls. 62, que é fortezinho e pequenino (tem 1,67m altura). Insistiu que o BB estava no chão a “levar porrada do outro que tem uns 2 metros e um bom cabedal”. Justificou ter-se munido de uma faca porque “não podia com ele”, referindo-se a FF, “nem os dois juntos podiam com ele”. Disse que, antes disso, ligou para a polícia, quando antes fugiu para dentro da barraca, evitando confusões, onde ficou encostado à arca, de onde ligou também para o 112, porque o FF queria entrar na Barraca, queria rebentar o portão para lhe dar porrada. O arraial já estava a acabar, não havia polícia em lado nenhum, já as luzes estavam apagadas, o portão da barraca estava fechado e o FF, chegou lá para “pegar com ele”. Disse que o FF começou a “pegar” com ele primeiro e foi para dentro da barraca para ele se ir embora; as mulheres começaram a gritar que era para ele não entrar; a rapariga dele pedia-lhe: “FF por amor de Deus não faças isto”, mas ele queria entrar. Segundo referiu, FF “pegou” com ere quando passou na estrada quando o portão já estava fechado; primeiro pensou que fosse uma brincadeira e aproximou-se para ver, mas aí ele começou a querer rebentar o portão para entrar e vir agredi-lo; de dentro da zona da tenda da barraca ligou para o 112 e ficou dentro desse espaço; daí ligou também para o BB a dizer-lhe que o FF estava ali a armar confusões; ligou-lhe por ser seu amigo e seu patrão que era para ele vir, ao que o BB lhe respondeu “Deixa que eu já chego ai e já resolvo”; Do local onde estava percebeu que o BB estava a chegar; ouviu o barulho do carro a chegar e pensou: “Ele chegou”; logo a seguir o “pequeno”, o KK, que entrou na tenda a dizer que ele “tava matando o BB na rua”; as mulheres na rua já estavam fartas de gritar pata ele parar; estava a arrumar a carne na arca de atrás, pegou na faca e foi para a rua. Esclareceu que no lugar onde estava apenas havia facas de cortar frango, não dispondo de outro objecto para atacar FF, depreende-se), porque ele e o BB não conseguiam dar conta do FF devido à sua corpulência; quando lhe deu com a faca, o FF estava de pé e o BB estava no chão. Justificou que lhe deve ter acertado no pescoço quando o FF se estava a virar ao Levantar-se, pois virou-se para ele, “para lhe dar também”, logo depois de lhe ter “jogado a faca”, que o terá picado nas costas. Nessa sede, confrontado com os golpes que desferiu na vítima, não explicou como os produziu dizendo que apenas lhe “jogou a faca para o picar”, e para o BB e ele poderem fugir; Depois de ter acontecido tudo, o FF começou a andar para baixo, a “andar bem”, em direcção à barraca onde o pai dele tinha estado a trabalhar; pensou que o FF tivesse ido buscar gente da família para os virem agredir; por isso, ele e o BB foram pata a carrinha para fugirem dali com medo do regresso do FF e da família dele; por isso inverteram a marcha do carro e foram embora para casa, à pressa; Esteve em casa um bom pedaço, mas depois saiu e viu o carro da polícia em baixo, na casa do BB; recebeu logo uma chamada do BB a dizer-lhe que a polícia estava na sua casa; depois dessa chamada foi para casa, onde já estava a PSP, não sabe a que horas, mas foi logo de seguida, depois da aludida chamada. A luta na zona da barraca foi depois do fecho desta, mais ou menos às 03H00 e a PSP foi à casa dele peto às 04h00, logo depois da chamada do BB. Tinha bebido álcool e consumido heroína antes dos factos. A confusão começou porque o FF dizia ter imagens, num palheiro dele, de onde se retirava que ele e o BB lhe tinham “roubado argo”; negou ao FF ter feito tal coisa e até achou que se tratava de uma brincadeira; negou ter sido o autor de qualquer furto. Repetiu “não poder” com o FF e que estava a tremer com medo dentro da barraca; ele tinha cabedal e, se lhe desse uns pontapés, não era suficiente para defender o BB. Continuou a atestar que “não lhe deu para o matar”, pegou no que estava à mão, porque estava a guardar a carne na “arca e a faca de que muniu estava aí, em cima do balcão. De resto, dentro da barraca só havia facas. Mudou de camisa quando chegou a casa, que pôs de molho numa banheira. A faca, escondeu-a numa parede, com medo da polícia, quando os viu na casa do BB e escondeu-se com medo da família do FF poder ir à sua casa. Não pensou em entregar-se e em entregar a faca quando viu agentes da PSP na casa do BB. Em julgamento, as suas declarações pouco divergiram das anteditas. Aí reiterou que consumira álcool naquele dia (pelo menos 10 cervejas), mas, aquando dos factos, não estava embriagado, e consumira heroína, de que é dependente, às 11 horas, mas “ainda estava compensado” (em contradição com o que o próprio afirmou, quando disse que começava a entrar em abstinência 72 ou 13h depois do consumo de cada dose). Conhecia o arguido de vista, por ser seu conterrâneo, e tinha medo dele, porque ele tinha “manias de forte”, mas ele nunca se metera consigo. Confirmou a abordagem que lhe foi feita por FF, como antes referira, e que se escondera na barraca, de onde telefonou para o “112”. Referiu, todavia, que o FF não lhe bateu. Limitou-se a entrar na barraca, onde atirou com algumas mesas pata o chão, e saiu. Apercebeu-se de que queria voltar a entrar, mas já não o fez, permanecendo nas proximidades. Na barraca do Sargento estavam ainda a EE, a CC, e os sobrinhos destas, KK e NN. Com o FF estava a sua namorada, que o tentava acalmar e fazer com que ele saísse do local, sem êxito. Embora as barracas já estivessem encerradas, na rua ainda estavam uma 20 ou 30 pessoas. Admite que na sobredita chamada, para o “112”, quando diz “Esse já vai levar uma facada”, se está a referir ao malogrado FF. Ligou também ao BB, a avisar que o FF se encontrava ali, e a “fazer confusão”. A dado passo, o KK entrou na supra referida barraca a dizer que o FF estava a matar o BB. No sítio onde se encontrava não vê “a confusão e entre o FF e o BB”, só a ouve. Saiu, munido da faca apreendida nos autos, e que, segundo ele, estava em cima do balcão onde se cortavam as carnes, e com ela “picou o FF 3 vezes”. As duas primeiras, assumidamente, na zona lombar e no flanco direito, e a terceira, no pescoço, admite. Não porque tal quisesse, mas porque a vítima se virou. Quando confrontado com o facto de a etiologia e Iocalização deste golpe não ser compatível com a vítima estar de pé e de frente para si, bem ao invés, só podia estar de costas/lado para ele, acaba por admitir que surgiu pelas costas de OO, a quem nada disse, e que ele estava inclinado sobre BB, quando o “picou” as duas primeiras vezes e estava a pretender levantar-se e a virar-se para trás, na sua direcção, quando lhe desfere o último golpe. Continuou a dizer não o pretender matar e apenas querer defender o seu amigo de longa data e empregador quando assim actuou e que não teve a noção da gravidade dos ferimentos que lhe infligiu, até porque OO, de imediato, saiu dali a correr, na direcção da Barraca onde o seu pai tinha estado a trabalhar e onde ainda se encontraria. As ... tinham as luzes apagadas, mas a iluminação pública estava ligada, admitindo que via suficientemente bem para distinguir OO do BB. Confirma ter fugido do local, juntamente com o BB e familiares deste e, de novo, diz que o fizeram com medo de retaliações de FF e da sua família. II, assistente, pai da vítima, residente no ..., casado, disse ter sido ... da construção civil, mas estar reformado por invalidez. Referiu, em resumo, que no dia dos factos esteve a ajudar um amigo numa das Barracas de “comes e bebes” do ... Já tinham fechado, apagado as luzes, mas a iluminação pública estava ligada; estavam nas limpezas, e estaria meia dúzia de pessoas no local. Ele não viu nada. A PP, então namorada do seu filho, é que, na sua tese, assistiu a tudo. Referiu que, desde há anos que BB e o arguido iam consumir heroína para um palheiro do seu filho, que este estava a arranjar/remodelar, na serra para transformar numa casa. Do mesmo modo, ele e o seu filho suspeitavam que, também eles, andavam a furtar materiais destinados à reconstrução desse palheiro. A dado passo, ao ouvir o barulho vindo de cima, veio à rua viu o que era. Vê o seu filho a correr na sua direcção, que lhe diz “vê o que o AA e o BB me fizeram, pai!”. Apercebe-se de que o seu filho está ferido, mas não tem a noção da gravidade dos ferimentos que tinha. Assim, subiu a rua para tentar perceber o que se passara e ainda pôde ver a carrinha de 9 lugares, habitualmente conduzida pelo BB, a abandonar, depressa, o local. Volta atrás e vê o seu filho já morto, caído no chão. Confirmou como o seu filho era alegre, trabalhador, amigo de todos e por todos querido e um grande amparo para os seus pais, que o adoravam, assim como deu conta do incomensurável sofrimento resultante da sua morte, tudo tal qual se deixou evidenciado. Nos últimos anos estava emigrado na ..., onde era ... de cofragens e ganhava quase dois mil euros por mês. Aquando da sua morte estava de baixa médica, pois fora operado a duas hérnias nas virilhas. Ajudava-o a ele e à sua mulher com 300,00 ou 500,00 euros por mês, já que ele recebe uma reforma de € 420,00 mensais e esta última, bordadeira, aufere € 20 por mês, contando ambos com ere, o seu único filho varão, para os amparar na velhice. No que toca a prova testemunhal, JJ, Agente Principal da PSP na ..., que fez o Auto de Notícia, em resumo, confirmou tudo quanto nele cristalizou. Deslocaram-se ao locar dos factos, onde foram insultados à chegada, pensa que por pessoas próximas do falecido. Quando chegaram, FF estava a ser assistido numa ambulância, pela EMIR. Depois de examinarem o local foram à casa de BB e quer este, quer a sua mãe quer uma sua tia, quando confrontados com o esfaqueamento que ocorrera na sua barraca, disseram-lhes que apenas “tinha havido uma porrada”. Do mesmo modo, o BB disse ser dele o sangue existente no portão dessa barraca. O BB já tinha tomado banho, mas entregou-lhes a roupa que tirara, que tinha sangue. Todos desvalorizaram o ocorrido e o BB disse que levara uma “potrada” do FF; nenhum deles lhes falou no uso de qualquer faca. O BB apenas se queixou de dores num braço, mas não pediu assistência médica. Só mais tarde, já na ..., muito depois de ter sido confrontado com a morte de FF, é que BB comunicou, a outros colegas (ele saíra em diligências) que o arguido esfaqueara o FF, que disso o informaram. Sob sua sugestão, um colega da esquadra pôs o BB a telefonar ao arguido através do seu telemóvel. Este atendeu e, assim vêm a localizá-Io. Foi com um colega ao encontro dele e, com o seu auxílio, acabaram por encontrar a faca que ele utilizou e escondera, que tinha vestígios de sangue. Questionado, o arguido disse que não matara ninguém. Com uma faca, limitara-se a defender o seu patrão, mostrando-se incrédulo com a morte de FF. KK, também Agente principal da PSP na ..., que também se deslocou ao local dos factos, igualmente referiu que, quando chegaram, FF estava a ser assistido numa ambulância, pela EMIR. Deram-se conta da existência de um rasto de sangue desde perto da Barraca até ao local onde a vítima veio a desfalecer, onde ficou uma poça de sangue. Também ele se deslocou à casa do BB, que lhes disse que apenas houvera uma pequena desordem, “nada de especial”; a sua mãe (também mentindo), disse que nada sucedera. Já na ..., é ele que, tendo ficado com o BB, assiste à sobredita chamada telefónica para o arguido, que aquele acabou por indicar como o autor do esfaqueamento porque, no regresso a casa, no carro, lhe deu a entender que fizera uma asneira. QQ, Inspectora da Polícia Judiciária a exercer funções na ... desde ..., em suma, sendo eIa a titular da investigação, deu conta de toda a prova carreada para os autos e das conclusões que dela retirou, tudo como fez exarar no Relatório Final, da sua lavra. Também ela deu conta da existência de um rasto de sangue desde perto da Barraca até ao local onde a vítima veio a desfalecer, onde ficou uma poça de sangue e esclareceu que o sangue existente no cadeado do portão dessa barraca é do falecido FF (como pericialmente se comprovou), tendo sido lá deixado pelo BB, por contacto, quando fechou esse cadeado. RR, Inspector da polícia Judiciária que exerceu funções na ... de ... a ..., estando de prevenção, deslocou-se ao local dos factos, onde, também ele, destacou, do cenário que encontraram, o rasto de sangue nele existente, o que narrou ao tribunal. SS, Especialista da Polícia Científica da Polícia Judiciária, a exercer funções na ..., também ela se deslocou ao locar dos factos onde fez a Reportagem Fotográfica e o Relatório de Inspecção com que os autos foram instruídos, dando conta ao tribunal das percepções que assim colheu. Do mesmo modo, deu conta do rasto de sangue “ziguezagueante” aí deixado pela vítima, rasto que revela ter percorrido cerca de 100 metros desde o local onde foi mortalmente atingido (perto da Barraca) até àquele onde veio a sucumbir, onde deixou uma poça de sangue. BB, referiu ser amigo do arguido e do falecido FF há mais de 20 anos, sendo que o primeiro trabalhava para ... na “Barraca”, de que é o responsável. Em resumo, referiu que se ausentou dessa barraca já após a 07H30 da madrugada de .../.../2024, acompanhado da namorada TT e no carro dela, pata dar boleia a um “funcionário”, levando-o à sua casa, sita na ... e quando já regressavam à barraca, cerca das 02H00, recebeu chamada telefónica do AA a dizer que o FF estava na barraca “a fazer confusão”. Deu-lhe instruções para resolver as coisas e disse-lhe que estava a chegar. Confirmou que a barraca já estava encerrada ao púbrico, como as demais, e que o portão colocado na rede que circunda a barraca (que fecha com um cadeado) não estava fechado, só estaria encostado (portanto, qualquer um, incluindo o falecido FF, nela podia entrar, se o quisesse fazer. Quando chegou à zona da barraca, saiu do carro e dirigindo-se para a zona do portão começou a dizer à mãe, à sua tia EE ao KK, seu primo, e ao arguido, que tinham ficado a fazer limpezas e que estavam no interior da Barraca, para arrumarem tudo para se irem embora. No entanto, o FF que estava por ali, ao vê-lo, terá dito: “és mesmo tu” (sic), e acto contínuo, baixou-se e tentou dar-lhe uma cabeçada. Ao desviar-se para não ser atingido, caiu ao chão e aí permaneceu, dado que o FF o impedia de se levantar e ele foi rebolando pela estrada abaixo. Disse ainda gue, nessa circunstância, foi continuamente, sendo agredido pelo FF que lhe dava pontapés e socos (o certo é que, tendo dado entrada no Hospital na manhã seguinte disso não aparenta quaisquer sinais e idêntica conclusão se tira das fotografias que lhe foram tiradas após a contenda; de resto, naquele Hospital apenas se queixou de dores no cotovelo direito e negou outras queixas e, aí submetido a exame de imagiologia, com duas incidências, nesse cotovelo, não foram então detectados sinais de fractura/luxação). Não viu o arguido a aproximar-se deles e admite que o FF também o não terá visto, já que estava inclinado sobre ele, de costas para o arguido quando ele surge e o atinge. A dado momento e de repente, estando ele estendido no chão e o FF por cima de si, deu conta de que este parou de o agredir devido à intervenção do arguido. Nessa ocasião levantou-se e desferiu socos no FF, tendo ficado com as mãos cheias de sangue. Ainda assim, refere que não se deu conta de que ele estaria gravemente ferido. De repente, o FF pôs a mão no pescoço e começou a correr dali para baixo. Nessa sequência, ordenou à mãe, à sua tia EE, ao KK, seu primo, e ao arguidor que entrassem na sua carrinha, fechou o portão da barraca com o cadeado (daí este ter ficado, por contacto, com sangue da vítima) e levou-os a todos para as respectivas casas. Quis sair dali depressa, pois pensou que o FF pudesse regressar com familiares ou com alguma ferramenta para o agredir. Já no percurso pata casa, dentro da viatura o AA, que levava a faca apreendida nos autos no meio das pernas, disse-lhe que ia “comer uns 16 anos de cana” (sic). Pelo caminho, “queria jogar a faca fora”, mas ele não deixou. Clarificou que, na Barraca, havia muitas facas e o arguido usou uma das duas maiores aí existentes. O arguido tinha a função de “tratar” e assar os frangos que vendiam e a faca em causa era usada para o corte da carne de vaca pata fazer espetadas. Nessa noite, já na Esquadra da PSP, ligou ao arguido a dizer-lhe que a polícia “andava atrás dele”. UU, que namorava com FF há cerca de um ano e meio, reportado à data do decesso deste, resumidamente, de forma muito emotiva e com grande nervosismo, referiu ter estado sempre com ele no arraial, onde chegaram cerca das 21H30 e onde ficaram a conviver com amigos e a ingerir algumas bebidas alcoólicas até cerca das 02H00 da madrugada (já estavam todos alegres), sem que tivesse havido qualquer confusão ou zaragata Ao sair do arraial e quando se dirigiam para casa, no momento em que passavam pela “Barraca ...”, uma das barracas de comida e bebidas, o namorado disse-lhe “o ladrão está lá; não saio daqui sem falar com ele”. Só depois é que percebeu que o ora arguido estava no interior dessa barraca e sabia que essa barraca seria da família do indivíduo que, a par do arguido, ele suspeitava serem os autores dos furtos recentes de material agrícola ocorridos num palheiro que tinha na serra, que estava em obras. O FF não falou com o arguido; só fez barulho e bateu na porta da barraca com força. Nada mais. O VV, amigo do FF e que estava com eles, convenceu-o a sair dali, e foram embora, de novo em direcção às suas casas. Mas o FF estava irredutível e regressou à porta da barraca uma segunda e uma terceira vez, desta feita só com ela. Agora já não gritava, Ficou só a olhar fixamente para a barraca e nela não entrou, embora o pudesse fazer, pois o portão estava fechado, mas não trancado. Ficou muito traumatizada com a morte do seu namorado e não se consegue lembrar de mais nada com clareza. Só se recorda de se estar a levantar do chão, mas não sabe como e porquê caiu, de ver uma faca cheia de sangue, da cara do BB e de ver o FF a correr pela rua abaixo, onde ficava a barraca onde estava o seu pai. Foi a correr de encontro ao seu namorado, altura em que se cruza com o pai dele que vinha em sentido contrário ao seu, mas encontra-o já caído no chão, inanimado. Tal como o assistente, confirmou como FF era alegre, cheio de vida, trabalhador, amigo de todos e por todos querido e um grande amparo para os seus pais, que o adoravam, assim como deu conta do incomensurável sofrimento resultante da sua morte, tudo tal qual se deixou evidenciado. Confirmou que as calças e a camisa que ele então trajava valeriam € 30,00 a € 35,00 e não soube quantificar o valor das botas que então tinha calçadas. WW, militar da GNR, cunhado de FF (é casado com uma das suas irmãs), resumidamente, referiu que este, aquando da sua morte, estava de baixa médica, pois fora operado a duas hérnias nos testículos. Adiantou que, antes de emigrar para a ..., onde estava a trabalhar nos últimos anos, auferindo um salário de cerca de € 1.800,00 mensais, FF cumpriu serviço militar durante sete anos, tendo sido louvado duas vezes. Ajudava os seus pais, que têm uma frágil condição económica, mesmo quando não estava na ..., dando-lhes € 300,00 por mês, já que o pai recebe uma reforma de cerca de € 400,00 mensais e a mãe, bordadeira, aufere € 20 por mês. Sabe que a mãe está a receber apoio psicológico para lidar com a perda do filho. O pai não, porque a tal se recusa embora, na sua óptica dele muito precise. XX, Electricista de Automóveis, amigo de FF durante cerca de 15 anos, em resumo, também referiu que este, aquando da sua morte, estava de baixa médica, pois fora submetido a uma intervenção cirurgia. Estava emigrado num país nórdico, onde pensa que “ganhava bem” e, quando na ilha da ..., para onde queria regressa, ajudava o seu pai nos trabalhos agrícolas em terrenos da família. Classificou-o de bom amigo, correcto, dotado de bom carácter, prestável, trabalhador, alegre, expansivo e cheio de vontade de viver. A família era muito unida e os pais, que sofreram um enorme desgosto com a sua morte e ainda o choram, tinham nele um grande orgulho. YY, amigo de FF durante cerca de 30 anos, com quem disse lidar quase todos os dias, adiantou que ere era muito alegre, extrovertido, sempre disponível, cheio de amigos (cerca de 500 pessoas foram ao seu funeral) e tinha muita vontade de viver. Antes de emigrar para a ..., fizera serviço militar durante sete anos. A família era muito unida e ficou muito afectada com a sua perda. O pai e a mãe ficaram destruídos. CC, mãe de BB, Bordadeira, reformada por invalidez, referiu ser amiga do arguido desde há cerca de 15 anos e que este, também durante cerca de 15 anos, trabalhou na Barraca Barraca de “comes e bebes” do seu marido e agora, a cargo do seu filho. Referiu que, no dia dos factos, tinha estado a ajudar na barraca do filho Quando, pelas 01H30, a barraca encerrou, o BB saiu com a namorada para ir levar um ajudante a casa e ela, a EE, o arguido, o NN e o KK, ficaram a ultimar as arrumações e o fecho do espaço. Já tinham tudo mais ou menos arrumado quando passou um rapaz (o falecido FF) que implicou com o AA, que estava na rua a aguardar a chegada do BB para irem embora. Mencionou que o rapaz muito agressivo tendo, inclusive, esbofeteado o arguido (facto que este próprio não referiu, recorde-se, dizendo que o falecido não lhe bateu) e tentou impedi-lo de fechar a porta. Como o AA conseguiu correr o portão de acesso à esplanada da barraca e refugiar-se dentro desta, ela e sua cunhada EE ficaram no exterior a tentar impedir que FF nela entrasse. No entanto, este entrou na barraca várias vezes, na “zona da esplanada” e dizia, referindo-se ao arguido, “eu vou-te matar”. Um amigo tentou segurá-lo, mas ele “deslargou-se”. FF continuou junto à porta da barraca e, depois, ao lado dele, encontrava-se apenas uma rapariga (MM, a sua namorada) que, por diversas vezes, lhes pediu desculpa. Entretanto o seu filho chegou para os levar a todos para casa, mas, mal saiu do carro, começou a ser agredido por FF, com socos e pontapés, caindo ao chão. De cada vez que o seu filho se tentava levantar do chão, FF voltava a agredi-lo e a fazê-lo cair ao chão, e o seu filho ia rebolando pela rua abaixo (note-se que os já arás referidos elementos probatórios não dão suporte factual a uma tal intensidade das agressões perpetradas pelo falecido FF na pessoa de BB, designadamente a soco e a pontapé). Ao ver o seu filho rebolar pela rua, começou a gritar pedindo que chamassem a polícia e a dizer que o seu filho estava morto, estando em crer que acabou por desmaiar, pois estava muito nervosa com toda aquela situação só se recordando de a sua cunhada a dizer-lhe para tomar água. Confrontada com a pouca gravidade das lesões sofridas pelo seu filho, acabou por dizer ter dito que FF estava a matá-lo sem fundamento. Referiu não ter visto o arguido a agredir corporalmente FF. Adiantou, por último, que, na Barraca, quem tinha a função de cortar a carne de vaca para fazer espetadas era HH, sendo dele a faca utilizada pelo arguido. A este cabia a função de “tratar” dos frangos que vendiam grelhados. ZZ, Empresário do Ramo da Restauração, amigo do falecido FF durante 70 a 72 anos, referiu ter-se cruzado com este aquando dos factos. Ele estava embriagado, exaltado, a dizer palavrões e a dizer que o BB lhe andava a furtar coisas de um palheto/casa que estava a construir. Tentou acalmá-lo e convencê-lo a ir para casa, mas sem sucesso. AAA, namorada de BB, em súmula, confirmou que a função do arguido na “Barraca ...” era preparar e assar frangos. No dia dos factos terá assado 180 frangos. Estando muito nervosa quando prestou o seu depoimento, referiu apenas que, assim que chegaram ao local - logo após o encerramento ao público da barraca ela e o BB tinham ido, no seu carro, Ievar a casa um rapaz que tinha estado a ajudar nessa barraca – foram abordados por FF que se dirige ao BB e tenta dar-lhe uma cabeçada. Este, ao desviar-se, o que conseguiu fazer, caiu ao chão. Antes, já a empurrara a ela, fazendo com que, também ela caísse ao chão. O KK abraçou-a, a chorar e a dizer que FF ia matar o BB. Nada mais viu da refrega entre os dois e também não viu o arguido a agredir FF. Só viu o BB a dirigir-se a ela e foi-se embora pata casa, no seu carro. Antes viu um homem de camisa branca a correr pela estrada abaixo. EE, tia de BB e amiga do arguido, em resumo, disse ajudar na “Barraca”, onde faz o “bolo do caco”; já ao arguido, cabia a função de assar frangos; na noite dos factos estiveram a trabalhar até à 01H30. Logo após, começaram a tratar de fechar a barraca, tendo o BB, acompanhado de TT (sua namorada), ido dar boleia para casa a um ajudante. Quando regressou ao local mal saiu do carro, o BB foi logo abordado por FF que lhe dá uma cabeçada, fazendo-o cair ao chão, de onde já não “conseguiu sair”, pois aquele não o deixava levantar-se e começou a agredi-lo com socos e pontapés (recorde-se aqui de novo que os já supra aludidos elementos probatórios não dão suporte factual a uma tal intensidade das agressões perpetradas pelo falecido FF na pessoa de BB, designadamente a soco e a pontapé). Depois, empurrou a TT, também a fazendo cair para o chão. Vê o arguido sair da “Barraca” e “ir à careira por ali ah abaixo” e a aproximar-se do BB e de FF, por trás deste, quando ele está inclinado sobre o primeiro, que continua caído no chão. Surge perante o FF por trás, de lado, e é nessa circunstância que o agride. BBB, Operador de Armazém, amigo do falecido FF desde há cerca de dois anos reportados à data da sua morte, resumidamente, referiu que, na noite dos factos estiveram algum tempo juntos no ... eles os dois e as respectivas namoradas. Ele e o FF tinham bebido, cada um deles, três Whiskies com “Red Bull”. “Já estavam todos bebidos” e estavam a sair da festa e a dirigir-se às respectivas casas. Vinham a conversar normalmente, mas, quando estavam a passar em frente à “Barraca”, o FF “passou-se” (sic) e, “cara a cara” interpelou o arguido, que ali se encontrava, dizendo-lhe que ele e o BB lhe tinham “roubado” uma mangueira do seu palheiro e chamou-lhe ladrão. O arguido nada respondeu e ele conseguiu levar o FF dali para fora, de novo em direcção a casa. No entanto, depois de terem percorrido alguns metros pela estrada acima, o FF virou-se e correu para baixo de novo em direcção à dita Barraca, voltando a bater no portão e a interpelar os que ali se encontravam. Voltou a vir atrás do FF e, pela segunda vez, convenceu-o a dali sair e a subir consigo. Porém, novamente, depois de terem percorrido alguns metros, o FF voltou a correr para baixo e voltou a interpelar as pessoas que estavam naquela Barraca sendo, mais uma vez, seguido por ele. Nesta ocasião, mais uma vez tentou convencê-lo a irem embora, mas FF, julga que sem querer, ao afastá-Io, deu-lhe com o cotovelo no lábio e empurrou a sua namorada que também ali se encontrava e recusou-se a dali sair. Sentido, disse ao FF que se não se viesse embora com ele, a amizade deres terminaria ali. O FF começou a chorar, mas permaneceu no local que, de novo, se recusou a abandonar. Veio-se embora com a sua namorada e o FF ficou, agora apenas com a PP, a sua namorada. O FF, ainda que embriagado e exaltado, na sua presença, em nenhuma das ocasiões bateu no arguido e ameaçou de morte quem quer que fosse. Já depois de ter abandonado o local, disse à sua namorada para ligar à PP para saber como estavam as coisas, o que era fez, mas não conseguiram falar pois ouviu o FF dizer-lhe para desligar, ao que ela obedeceu. DD, Servente de ..., primo do BB silva e amigo do arguido desde há mais de cinco anos, em resumo, referiu que, juntamente com o seu irmão cristiano, com a sua tia CC, com o arguido, com o primo BB e a TT, namorada deste, estiveram a trabalhar na “Barraca” no dia dos factos. Já depois de terem fechado ao púbrico quando ele e o arguido estavam a levar o lixo para deixarem no caixote na parte de fora da barraca, quando estavam junto ao portão, surge o FF, acompanhado de três pessoas e, ao ver o arguido, disse-lhe: “É mesmo contigo que eu quero falar, e dá-lhe duas bofetadas e um murro (note-se, mais uma vez, retirando qualquer credibilidade à assim veiculada ocorrência de tais agressões físicas, que o próprio arguido taI não referiu e, acrescenta-se agora, a anterior testemunha, que depôs com louvável isenção, de forma isenta de reparos e com evidente ressonância afectiva e pesar pois, revelando ser muito amigo de FF, discutiu com ele pouco antes da sua morte inesperada, o que, seguramente, nunca esquecerá) e um amigo tentou acalmá-Io (seguramente, tratar-se-á do mesmo BBB). O AA ficou com medo e fugiu para dentro da tenda, onde se escondeu. Já no que respeita à contenda entre BB a FF, referiu que este surge e tenta dar-lhe uma cabeçada, mas não conseguiu atingi-lo porque ele se defendeu. No entanto, caiu ao chão e já não conseguiu levantar-se porque o FF estava inclinado sobre ..., a “dar-lhe com as mãos e com os pés. O AA, quando sabe o que está a suceder, sai da barraca com uma faca na mão, não diz nada, aparece de surpresa e aproxima-se de FF, por detrás dele, e para quando está quase do seu lado direito. É nessa circunstância que o atinge com dois golpes. Logo após ter sido assim atingido, vira-se de frente para o arguido e cai. Logo de seguida sai dali, a correr pela estrada abaixo. Por fim, a testemunha HH, ..., confirmou colaborar na “Barraca”, sendo sua função a feitura das espetadas e corte da carne de vaca para esse efeito, função que exercera no dia dos factos. Nessa barraca existiam quatro facas para esse corte (e só), todas de sua pertença, duas grandes e duas mais pequenas. Nesse dia, antes de sair, lavou essas facas e guardou-as numa caixa, que ficou colocada debaixo do balcão onde trabalhou no corte da carne, para que ninguém as “roubasse”. Foi uma dessas duas facas grandes que o arguido usou para golpear o falecido FF, sem a sua permissão e conhecimento. Já o dolo que presidiu à actuação do arguido (facto do foro psicológico) retirou-o o tribunal da sua demonstrada conduta, que de modo claro e linear permite presumir, em conformidade com as regras da experiência comum (cfr., neste sentido, a título meramente exemplificativo, o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 03 / 12 / ..., disponível em www.dgsi.pt). De resto, a intenção de matar com que o arguido vem a actuar retira-se, claramente, da Iocalização da lesão fatal que desferiu no visado, corte no pescoço, onde veio a provocar a secção completa da veia jugular interna direita, o que é plenamente adequado a produzir a morte, com um instrumento que podia alcançar com tal veia com muita facilidade. Mais ainda, no Relatório de Autópsia de FF claramente se concluiu pela apontada adequação e se exarou que o quadro lesional correspondente ao apontado corte sugere que terá sido produzido (pelo arguido) da frente para trás e ligeiramente para cima e, deste modo, na circunstância que se deu como provada e, bem assim, que a sua morte foi devida às lesões traumáticas cervicais que sofreu (aí descritas), sendo que, médico-legalmente, nada se opõe a uma etiologia homicida. Valorados foram ainda na formação do convencimento do tribunal no que respeita à matéria em causa, nalguns casos como se infere do que já se deixou exposto, em temos de prova pericial, o Relatório de Exame pericial referente a Pesquisas Biológicas, Análise de ADN e Estudo comparativo de fls. 488 a 492; Relatórios de Autópsia Médico-Legal, de Criminalística Biológica e de Exames Toxicológicos de fls. 508 a 514 verso; os Relatórios de Exame pericial de fls. 561, a 562; 566 a 570 e 572 a 572 verso. Já no que toca a prova documental, o Auto de Notícia elaborado pela PSP da ... de fls. 7 a 9 (na sua objectividade); a comunicação de Notícia de Crime de fls. 30 e verso; o Certificado de Óbito de fls. 23 e verso; o Auto de Inspecção Judiciária de fls. 37 a 60; a Reportagem Fotográfica de fls. 10 a 18; os Autos de Exame e Reportagens Fotográficas de fls. 61 a 64, 66 a 69; 70 a 86, 138 a 146, 158 a 760, 181, a 188 e 303 a 305; os Autos de Diligência Externa de fls. 135 e 178; os Autos de Apreensão de fls. 734, 136, 137 e 180; as Informações Clínicas de fls. 326 a 328; Relatório de Ocorrência dos Bombeiros voluntários da ... e da ... de fls. 330 a 332; o Relatório do EMIR de fls. 309 a 311; o Termo de Consentimento de Busca de fls. 179; o Termo de Consentimento de fls. 156 a 157; o Auto de Análise do Relatório de Extracção do Equipamento Telemóvel utilizado pelo arguido, junto a fls. 278 a 290; o Auto de Análise de fls. 380; o Relatório de Incidente/chamadas para o 112, junto a fls. 268 a 272, 313 a 323 verso e suporte Áudio de fls. 325; o Auto de Transcrição de Chamadas Efectuadas para o “112”, junto a fls. 370 a 371; a Cota de fls. 563; as Infografias de fls. 475 a 477; a Folha de Suporte de fls. 291; as Fichas de Identificação Civil de fls. 87 a 88 verso e 90 e verso; a factura de fls. 665; os documentos de fls. 694 a 719, 811 a 812 e 815 a 827 verso; o documento de fls. 808 e verso. Deste modo pode o tribunal dar como provada e não provada, respectivamente, a matéria factual que como tal se deixou consignada nos pontos 1. a 56., inclusive, e em A) a E), inclusive. Quanto à factualidade respeitante à situação pessoal, económica e familiar do arguido e seu percurso de vida e sua personalidade, a nos pontos 57. a 67., inclusive, foi valorado o relatório social a ele referente, com que os autos foram instruídos. Por fim, para dar como provada a matéria referente aos antecedentes criminais do arguido, vertida no ponto 68., teve o tribunal presente o seu CRC, junto a fls.775 a 777, que a atesta. III – FUNDAMENTOS DO RECURSO Intróito Ambos os recursos interpostos convergem no mesmo sentido: alteração da condenação do arguido, com desqualificação do crime de homicídio. Assim, não obstante o recurso do Ministério Público versar igualmente sobre a matéria de facto, iremos aprecia-los conjuntamente. Tendo em conta a natureza das questões submetidas, importa respeitar as regras da precedência lógica a que estão submetidas a decisões judiciais (artigo 608.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal), devendo começar-se por conhecer dos vícios intrínsecos ao acórdão recorrido – erros emergentes da própria decisão – para depois, se for caso disso, entrar na apreciação da prova produzida e sua (in)correcta avaliação; por fim, serão conhecidas as questões de direito (qualificação jurídica do crime, determinação da medida pena, etc…). Preliminarmente ainda, constitui jurisprudência assente que o objecto do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal de recurso, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 417.º, todos do Código de Processo Penal), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal1, os quais devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).2 * Questões a decidir: 1. Impugnação (ampla) da matéria de facto; 2. Erro de direito – subsunção dos factos; 3. Dosimetria da pena. 1. O recorrente Ministério Público, impugna, de forma ampla, a matéria de facto. Como ponto prévio à análise do invocado erro de julgamento (a apreciar sob a disciplina do artigo 412.º, n.º 3) cumpre aferir se foram cumpridos os requisitos impugnatórios previstos no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, por a peticionada reapreciação da matéria de facto de eles depender. Dispõe o n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, relativo à impugnação em sentido lato, que quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a. os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; a. as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; b. as provas que devem ser renovadas. Da análise deste preceito legal resulta que o recorrente, quando impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Penal, tem que especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, bem como indicar as provas que, no seu entendimento, impunham decisão diversa da recorrida, por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º do mesmo diploma3, como determina o n.º 4 daquele normativo legal e, se for caso disso, identificar aquelas que devem ser renovadas. Sintetizando, o cumprimento de tais exigências normativas, alcança-se com a indicação expressa pelo recorrente do(s) segmento(s) fáctico(s) que entende ter(em) sido erradamente julgado(s) e a indicação dos concretos meios de prova produzidos (depoimentos testemunhais, declarações ou prova documental e/ou pericial), com referência às pertinentes passagens da gravação da prova em que se baseia para concluir que o tribunal cometeu um erro de julgamento da matéria de facto. O fundamento destas imposições legais é a necessidade da delimitação objectiva do recurso da matéria de facto, dado que o recurso deste tipo não se destina a um novo julgamento com reapreciação de toda a prova, como se o julgamento efectuado na primeira instância não tivesse existido, sendo antes o recurso da matéria de facto concebido pela lei como remédio jurídico. De tudo decorrendo a conclusão que as especificações consagradas nos n.ºs 3 e 4 do normativo citado, apesar de serem de forma, não têm natureza meramente formal ou secundária, antes estando intimamente relacionadas com a inteligibilidade da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão fáctica, já que só a sua observância permite que o tribunal de recurso se pronuncie sobre o objecto que foi verdadeiramente escolhido pelo recorrente. Como também não basta para a procedência deste tipo de impugnação e, portanto, para a modificação da decisão de facto, que as provas especificadas permitam uma decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido. É que, decidindo o tribunal de primeira instância de acordo com as regras da experiência e a livre convicção (salvo existência de prova tarifada), é necessário que as provas especificadas pelo recorrente, na estrita observância do aludido ónus, imponham necessariamente decisão diversa da recorrida, e não apenas como decisão possível, fundada na versão diversa do recorrente quanto à prova produzida4. Na verdade, o controlo da decisão sobre a matéria de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar a livre apreciação da prova pelo julgador tal qual vem prevista no artigo 127.º do Código de Processo Penal, sustentada na imediação e na oralidade. Assim, o princípio da livre apreciação da prova encerra em si duas ideias: numa dimensão positiva, traduzida na inexistência de critérios legais pré-determinados no valor a atribuir à prova e, numa dimensão negativa, traduzida na ideia de que não é permitida uma apreciação discricionária ou arbitrária da prova produzida. A livre convicção do julgador terá de ser pessoal, mas também objectivável, com base em critérios de valoração racionais, lógicos e entendíveis pela comunidade pública. Adoptados estes critérios, a verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável, resultará do convencimento do julgador, de acordo com a sua consciência e convicção, com base em regras técnicas e de experiência. Seguindo tais critérios de apreciação da prova, nada obsta a que o juiz, para formar a sua convicção, valorize particularmente o depoimento de uma testemunha, em detrimento de testemunhos contrários, tenham, ou não, ligações ou ausência delas, com o arguido. Como corolário do que se deixou dito, a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou quando viole, de forma manifesta, as regras de experiência comum ou o principio in dubio pro reo. No caso em apreciação, como decorre da motivação do recurso e respectivas conclusões, o recorrente identifica os concretos factos que entende terem sido incorrectamente julgados (os pontos 9., 13., 16., 21., 23. dos factos provados do Acórdão5), bem como outros dois que diz terem resultado da produção da prova («quando o arguido se encontrava no interior da “Barraca”, eram audíveis gritos, designadamente da mãe do BB que dizia que o filho estava morto» e «o menor KK se dirigiu à barraca a chamar o arguido AA dizendo que “estavam matando o BB”, momento em que este saiu da barraca munido com a faca»). Mais convoca as concretas provas, com indicação suficiente das respectivas passagens ou dos documentos, em que assenta a sua discordância relativamente ao juízo probatório feito em primeira instância e qual o sentido em que deve ser operada a modificação da matéria de facto. Tem-se, pois, por suficientemente cumprido o iter procedimental normativamente imposto. Se a impugnação apresentada pelo recorrente corresponde ou não apenas a uma diversa apreciação da prova relativamente à realizada pelo julgador, é matéria que respeita já ao mérito da impugnação e não aos requisitos de que depende a sua apreciação. Como se extrai do recurso, o recorrente funda a sua pretensão de modificação da matéria de facto na errada valoração que o Tribunal recorrido fez da prova produzida, sustentando que a mesma se apresenta contrária às regras da lógica e de experiência comum. Ora, tal invocação corresponde juridicamente à alegação de violação do princípio da livre apreciação da prova, princípio que, como decorre do artigo 127.º do Código de Processo Penal, preside à apreciação da prova e do qual decorrem limitações ao controlo da decisão sobre a matéria de facto, em sede de recurso. Este princípio impõe que a apreciação da prova se faça segundo as regras da experiência comum e em obediência à lógica. E se a convicção do tribunal a quo se estribou nestes pressupostos, o tribunal ad quem não pode sindicar ou sobrepor outra convicção. Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (citado artigo 127.º) que está deferido ao tribunal de primeira instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição. Como esclarece ABRANTES GERALDES6, «é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc. (…) E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância. Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores». Da conjugação do regime legal vigente em matéria de apreciação e valoração da prova, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, com as regras processuais previstas no artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, para a impugnação da matéria de facto, resulta que a tarefa do Tribunal de recurso se reconduz a aferir se o tribunal a quo apreciou e interpretou os meios de prova conforme os padrões e as regras da experiência comum (a regra da experiência expressa aquilo que normalmente acontece, é uma norma extraída de casos similares), não retirando conclusões estranhas ou fora dos depoimentos, subsistindo sempre um plano de convencimento do tribunal a quo, segundo a livre convicção do julgador que não cabe a este Tribunal de recurso reformular. Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. Assim estabelecidos os limites da análise suscitada, cumpre proceder à análise da prova e da exposição motivacional do Tribunal recorrido e aferir da invocada violação do princípio da livre apreciação da prova, com fundamento na inobservância, por este, das regras da lógica e da experiência comum (juízos ou normas de comportamento social de natureza geral e abstracta decorrentes da observação empírica de factos anteriores semelhantes e que autorizam a apreciação de determinado comportamento com recurso à generalização, usando para o efeito um raciocínio indutivo que permite concluir que, em iguais circunstâncias, voltarão a ocorrer dessa forma). 1.1. Facto provado 9. O arguido, entretanto, regressou à barraca, conhecida como “Barraca”, montada pelo referido BB para “venda de comes e bebes” durante as festividades e onde havia prestado serviço nesse dia, a preparar e a assar frangos, na qual permaneceu. Alega o recorrente que este facto devia ter diversa redacção, concretamente que o arguido, ao invés de ter simplesmente «regressado», antes «refugiou-se na barraca com medo do FF». Analisemos. Não cuidando o Tribunal a quo de fundamentar autonomamente este facto – como não o tinha de fazer –, da motivação supra transcrita se depreende que o mesmo resulta dos depoimentos das várias testemunhas que presenciaram os acontecimentos e da visão global que deles deram. Ouvida a prova convocada pelo recorrente, temos de concluir nos mesmos moldes em que este o fez. Com efeito, resulta de toda a dinâmica dos acontecimentos relatada pelas testemunhas CCC7, CC, AAA e EE que o arguido, após a primeira abordagem da vítima à entrada da barraca onde se encontrava, foi confrontado e ameaçado por esta, de forma muito agressiva e exaltada, tendo-se recolhido dentro da mesma barraca. Estes depoimentos são aliás coincidentes com a versão dos factos narrada pelo arguido, seja no primeiro interrogatório judicial, seja nas declarações que prestou em audiência de julgamento. A redacção consignada no Acórdão recorrido dá a imagem distorcida da realidade, aparentando um retorno normal e tranquilo do arguido à barraca a fim de continuar a tratar dos frangos como se nada se estivesse a passar. Depois, o arguido ali permanece, sendo unanimemente dito por todos que sentiu medo da vítima, o que é congruente com o escapar-se para dentro da barraca, a fim de obviar ao confronto com a mesma, que era bastante corpulento. Assim, porque resulta claro desta prova – a credibilidade das testemunhas não foi em momento algum posto em causa pelo Tribunal a quo, sendo que da audição dos respectivos depoimentos estes aparentam ser espontâneos e sinceros –, deverá o facto em questão passar a ter a seguinte redacção: 9. O arguido, entretanto, havia-se refugiado com medo do FF dentro da barraca, conhecida como “Barraca”, montada pelo referido BB para “venda de comes e bebes” durante as festividades e onde havia prestado serviço nesse dia, a preparar e a assar frangos, na qual permaneceu. 1.2. Facto provado 13. Tendo-lhe sido dito pelo operador que tinha que ligar para a Protecção Civil e estando-lhe a ser fornecido o número para esse efeito, desligou a chamada, sem que esse número lhe fosse dado na íntegra, não sem antes afirmar, em voz baixa, “Esse já vai levar uma facada!”, referindo-se a GG.”. Pretende o ora recorrente que seja suprimida o trecho «sem que esse número lhe fosse dado na íntegra». O Tribunal a quo fundamentou aquele facto com base na gravação da chamada efectuada pelo arguido para o 112. Ora, da leitura do Auto de Transcrição do Registo desta chamada, junto a fls. 370-371, resulta que o operador chegou a fornecer o número de telefone da polícia para onde o arguido deveria ligar. E fê-lo por duas vezes: uma primeira de forma corrida e uma segunda às prestações. É pois patente que não tem sustentação probatória a versão dada como assente pelo Tribunal a quo, devendo pois eliminar-se aquele excerto. Este facto deverá assim ser do seguinte teor: 13. Tendo-lhe sido dito pelo operador que tinha que ligar para a Protecção Civil e após lhe ser fornecido o número para esse efeito, desligou a chamada, não sem antes afirmar, em voz baixa, “Esse já vai levar uma facada!”, referindo-se a GG.”. 1.3. Facto provado 16. Então, muniu-se de uma faca de talhante, com 42,5 centímetros de comprimento total, e uma lâmina com 30,2 centímetros de comprimento e com a largura máxima de 4,7 centímetros, de gume curvo, bem afiado, que se encontrava no interior da “Barraca, por baixo do balcão de corte de carne, guardada numa caixa. Pretende o recorrente que o segmento final «por baixo do balcão de corte de carne, guardada numa caixa» não podia resultar provado face à prova produzida. Este facto foi fundamentado essencialmente com o depoimento da testemunha HH, talhante, dono da faca utilizada pelo arguido para atingir a vítima. Confirmou ser o proprietário da faca e que a havia guardado, como habitualmente, dentro de uma caixa que colocava debaixo do balcão. Da restante prova produzida, concretamente da testemunhal, ressalta que existiam no local mais facas. CC, e bem assim o próprio HH, atestaram que no local existiam várias outras facas, sendo este testemunho coincidente com as declarações prestadas pelo arguido. Acresce que, recorrendo às regras do normal suceder, se na barraca se preparam e assavam frangos, sendo as facas da testemunha HH destinadas ao corte de carne para espetadas, é mais que plausível que existissem outras facas de corte. Por fim, temos o Relatório de Inspecção ao Local efectuado pela Polícia Judiciária, junto a fls. 43-56, realizado no próprio dia ..., onde consta que no local existiam diversas outras facas semelhantes àquela que foi usada nas lesões infligidas à vítima (v. em especial fls. 53-54) Face a toda esta prova, somos em crer que dúvidas emergem quanto ao concreto local onde estaria a faca, tanto mais que o arguido, já depois da testemunha HH se ter ausentado do local, teria estado a preparar e a arrumar frangos. Para tal é muito verosímil que tivesse usado facas, mesmo eventualmente aquela pertença da mencionada testemunha. Por outro lado, é manifesta a confusão que se tinha instalado, o estado de exaltação provocado pela aparição da vítima, a gritaria que se fazia sentir (bem audível na chamada para o 112), a par do alarmismo trazido pelo menor KK sobre as agressões que o BB estaria a ser alvo. Neste quadro é altamente provável que o arguido tenha saído impulsivamente da barraca, pegando na faca que estivesse mais à mão, como o próprio refere. Tudo isto aporta para o espírito do julgador um estado de dúvida razoável quanto ao concreto local onde se encontraria a faca que veio a ser utilizada nos golpes que deram causa à morte de FF. E esta dúvida, intransponível em face da prova existente, impunha que se recorresse ao princípio do in dubio pro reo e, dessa forma, não se desse como provado o exacto local onde se encontrava a faca. Pelo que fica exposto, o facto ora em causa passará a ter a seguinte redacção: 16. Então, muniu-se de uma faca de talhante, com 42,5 centímetros de comprimento total, e uma lâmina com 30,2 centímetros de comprimento e com a largura máxima de 4,7 centímetros, de gume curvo, bem afiado, que se encontrava no interior da “Barraca. De outra banda, será aditado aos factos não provados: F) A faca de que o arguido se muniu encontrava-se por baixo do balcão de corte de carne, guardada numa caixa. 1.4. Facto provado 21. Após a agressão perpetrada, o arguido abandonou rapidamente o local, sem prestar qualquer assistência à vítima que, rapidamente, se esvaía em sangue. De toda a prova convocada não emerge, em depoimento algum, que a vítima FF, após ser esfaqueado, ao abandonar o local junto à Barraca, se estivesse a esvair rapidamente em sangue. Esta formulação implica que a hemorragia fosse abundante e, sobretudo, visível aos olhos dos presentes. Ora, nenhuma das testemunhas que presenciaram os factos afirmou ter visto a vítima a sangrar, e muito menos em abundância. Acresce que a vítima abandonou o local após os golpes com a faca pelo próprio pé, em passo apressado ou mesmo a correr, rua abaixo em direcção ao seu pai. E, este, vendo o filho correr na sua direcção e mesmo após lhe ter sido dito pelo próprio que o haviam agredido com uma faca, não se apercebeu que estivesse a «esvair-se em sangue», ou não o teria abandonado para ir até à Barraca para saber o que se passara, como o próprio afirmou em julgamento. Inexiste assim prova que sustente a ilação tirada pelo Tribunal a quo, sendo que este, na sua motivação, não explica como chegou a tal conclusão. Temos somente a «existência de um rasto de sangue desde perto da Barraca até ao local onde a vítima veio a desfalecer, onde ficou uma poça de sangue», que resultou do depoimento de KK, agente da PSP que se deslocou ao local da ocorrência (as testemunhas QQ, RR e SS, elementos da Polícia Judiciária que conduziram a investigação, igualmente aludem a esse rasto de sangue). Não esqueçamos ainda que era de noite, o que necessariamente tornaria mais difícil aos presentes a percepção da gravidade dos ferimentos, no meio da confusão instalada. Aliás, o que é dito na mesma motivação é que a acabou «por sucumbir, esvaindo-se em sangue» algumas dezenas de metros mais abaixo, no local onde estava o seu pai. Assim, não temos elementos de prova que nos permitam afirmar que a vítima se esvaia em sangue no momento em que abandonou o local, ou pelo menos que esse esvaimento era patente e apreensível pelos presentes, nomeadamente pelo arguido. Por outro lado, se é evidente que o arguido não prestou qualquer assistência à vítima, não vemos como possa este facto, que terá resultado da discussão da causa, ser relevante. Se não era visível a gravidade dos ferimentos e se a vítima abandonou o local da agressão pelo próprio pé, não vemos como devesse ou pudesse o arguido prestar tal assistência (não olvidando, até, que momentos antes tentara chamar a polícia através da chamada para o 112). Por fim, o ter-se ausentado imediatamente do local e ido para casa resulta desde logo das suas declarações. A explicação é congruente: estava com receio de que o FF tivesse ido chamar familiares e/ou amigos a fim de se vingar. E daí, adiantamos nós, nem terá o Ministério Público cuidado de levar à acusação este facto, cuja verificação era pacífica desde o início do processo. Tudo ponderado, não pode este facto ser dado como provado, sendo que o segmento que estaria em condições de o ser se nos afigura inócuo para a boa decisão da causa. Será pois suprimido o facto 21. 1.5. Facto provado 23. Após, dirigiu-se a sua casa, tirou as roupas que envergava e procurou lavá-las, de forma a ocultar a prova do crime que acabara de praticar. A única prova capaz de sustentar este facto é a que resulta do depoimento da testemunha DDD8, agente da PSP que se deslocou a casa do arguido a fim de o deter. Afirmou que o arguido envergava a mesma roupa com que abandonara o local dos factos; ainda que o arguido ficou visivelmente surpreendido ao saber que o FF tinha falecido na sequência das facadas. A inexactidão deste depoimento pode ser explicada com a circunstância da testemunha não ter visto o arguido antes. De toda a forma, é manifesto que o arguido apenas mudou de camisa, tendo colocado a que usava de molho num alguidar, como referiu desde as iniciais declarações prestadas em primeiro interrogatório judicial. Depois, temos a reportagem fotográfica efectuada em casa do arguido, que se mostra junta a fls. 138-160. Desta ressalta a existência de diversos alguidares com roupa de molho, o que é congruente com a explicação do arguido para o facto de ter posto de molho a camisa que vestia na altura dos factos (sendo que a mesma se nos afigura consentânea com as regras de experiência: um assador de frangos nos churrasco, após uma jornada de trabalho, deverá ter a roupa empestada de cheiro a grelhados). Por fim, quisesse o arguido ocultar os vestígios do crime não teria guardado a arma do mesmo, para mais com vestígios de sangue da vítima. Tudo isto nos aponta para que o facto ora posto em crise não possa ser dado como provado, pelo menos nos exactos termos em que o foi pelo Tribunal a quo. Deverá antes ser dado como assente que: 23.Após, dirigiu-se a sua casa, tirou a camisa que envergava colocou-a de molho num alguidar. Consequentemente, passará a constar como não provado que: G) Tirou as roupas que envergava e procurou lavá-las, de forma a ocultar a prova do crime que acabara de praticar. 1.6. Facto novos Almeja o recorrente que sejam dados como provados dois factos que, no seu entender, resultam da prova produzida em julgamento e se afiguram relevantes para a qualificação jurídica. São eles: O arguido decidiu sair da barraca munido com uma faca impelido pelos audíveis gritos, designadamente pela mãe do BB que dizia que o filho estava morto. e O menor KK dirigiu-se à barraca e chamou o arguido AA dizendo que “estavam matando o BB”. Da prova testemunhal ouvida, em especial dos depoimentos das testemunhas EEE – que atestou ter gritado bem alto e por diversas vezes “ele vai matar o BB” quando o FF se encontrava a agredir este último – e EE – que afirmou também ter gritado “estão a matar o BB” –, é incontestável que o arguido teria ouvido grande gritaria e estas concretas frases (a barraca não era um espaço fechado. A testemunha TT mais afirma que o menor KK, que se encontrava no local a chorar, desapareceu de ao pé dela a correr. Temos, de seguida, a gravação da chamada para o 112, que ocorreu no momento em que estaria a chegar o BB. Dela são audíveis vozes em off, claramente provenientes da grande gritaria que estaria a ocorrer no lado de fora da barraca. Por fim, temos as declarações do próprio arguido. Aqui será de relevar a coerência da sua narrativa, que se manteve, no essencial, inalterada desde as declarações que prestou em sede de primeiro interrogatório judicial. O arguido sempre assumiu ter sido o autor das facadas. E, no que ora importa, disse que só saiu da barraca com a faca quando o menor KK apareceu à sua beira a dizer que o FF matava o BB. Da prova ouvida não existem elementos para pôr em causa esta versão dos factos, sendo a mesma, aliás, verosímil e congruente com o demais relatado pelas testemunhas. Assim, era patente o estado de exaltação dos presentes, a vozearia e gritaria das mulheres aludindo a que o FF matava o BB; o FF estava fora de si, como resulta aliás do depoimento das testemunhas FFF, sua namorada (tinha ingerido quantidade apreciável de bebidas alcoólicas) e BBB, seu amigo e que com ele se encontrava. Este quadro, a par de recentíssima abordagem do FF ao arguido, aquando da primeira passagem pela barraca, leva-nos a acreditar na versão dos factos relatada pelo arguido, que em momento algum é infirmada por outra prova ou por intrínsecas inverosimilhanças. Por fim, refira-se que o Tribunal a quo, que imediou toda esta prova, não descredibilizou as declarações do arguido. Desta sorte, porque relevantes e emergente da discussão da causa, serão de aditar os seguintes factos9: 16.A O arguido decidiu sair da barraca munido com uma faca impelido pelos audíveis gritos, designadamente pela mãe do BB que dizia que o filho estava morto. e 15.A O menor KK dirigiu-se à barraca e chamou o arguido AA dizendo que “estavam matando o BB”. Merecendo integral provimento este segmento do recurso, a matéria de facto ficará alinhada da seguinte forma: Da Acusação, do Pedido de Indemnização Civil deduzido pelo Assistente e a sua mulher LL e Resultantes da Discussão da Causa 1. No dia ... de ... de 2024, em hora não concretamente apurada, mas posterior a 01H30 e anterior às 02H22, o arguido, AA, encontrava-se na ..., no ..., nas imediações da ..., por ocasião do arraial de ..., quando se apercebeu da presença de GG. 2. GG suspeitava que o arguido e BB iam para um seu palheiro, localizado no sítio da ..., em que estava a fazer obras com o objectivo de o transformar em casa de habitação, consumir heroína, aí deixando as seringas e, mais ainda, que daí subtraíam bens móveis de sua pertença. 3. GG estava à procura do arguido, bem como de BB, a fim de lhes pedir explicações acerca dessas subtracções, que estava convencido terem sido por eles cometidas. 4. Aquando dos factos, GG havia ingerido bebidas alcoólicas, revelando no momento da sua morte, uma taxa de alcoolemia no sangue de 1,94 (+ / - 0,25 g/litro), e estava exaltado e descontrolado. 5. Já o arguido, durante o dia, tinha consumido bebidas alcoólicas e heroína, droga de cujo consumo é dependente. 6. Contrariando todos os que o tentaram disso demover, GG estando no referido estado, quis, nessa circunstância, “pôr a situação em pratos limpos". 7. Assim, GG confrontou o arguido, chamando-o de ladrão e imputando-lhe as sobreditas subtracções, cuja prática ele negou e entrou pela "Barraca", onde deitou duas mesas ao chão. 8. Acedendo ao que lhe foi pedido, num primeiro momento, FF saiu do local e retomou o regresso a casa. 9. O arguido, entretanto, havia-se refugiado com medo do FF dentro da barraca, conhecida como “Barraca”, montada pelo referido BB para “venda de comes e bebes” durante as festividades e onde havia prestado serviço nesse dia, a preparar e a assar frangos, na qual permaneceu. 10. Apesar de tal lhe ter sido pedido pela sua namorada MM e amigos, por mais duas vezes, FF regressou ao local onde ficava a dita Barraca e ficou nas suas cercanias, recusando-se a ir para casa. 11. Dentro dessa barraca, o arguido contactou o sobredito BB, através do seu telemóvel, com o nº ..., pelas 02H72 a alertá-lo para a presença de GG no local e a dizer-lhe que ele estava à sua procura e a “armar confusões”. 12. Após, cerca. das 02H76, o arguido efectuou uma chamada pata a “Linha de Emergência 112”, em que pediu a comparência da polícia no local, pois “estavam a ser ameaçados”; alertou para que havia muitas pessoas no local e para que, “Isto ainda vai haver mortos” e, referindo-se a BB, depreendendo-se que está a falar para alguém ali presente, disse ..o BB já vai aí, também aí; vai ver o BB que senão ele vai pegar com o BB”. 13. Tendo-lhe sido dito pelo operador que tinha que ligar para a Protecção Civil e após lhe ser fornecido o número para esse efeito, desligou a chamada, não sem antes afirmar, em voz baixa, “Esse já vai levar uma facada!”, referindo-se a GG. 14. Quando BB chegou ao local, GG abeirou-se dele e começou a agredi-lo fisicamente. 15. Volvidos alguns minutos, anda no interior da aludida barraca, o arguido teve conhecimento de que GG estaria a agredir corporalmente o referido BB. 15. A O menor KK dirigiu-se à barraca e chamou o arguido AA dizendo que “estavam matando o BB”. 16. Então, muniu-se de uma faca de talhante, com 42,5 centímetros de comprimento total, e uma lâmina com 30,2 centímetros de comprimento e com a largura máxima de 4,7 centímetros, de gume curvo, bem afiado, que se encontrava no interior da “Barraca. 16. A O arguido decidiu sair da barraca munido com uma faca impelido pelos audíveis gritos, designadamente pela mãe do BB que dizia que o filho estava morto. 17. Essa faca era uma das duas maiores das várias que existiam na dita Barraca, destinando-se ao corte de carne de vaca para “espetadinha”. 18. Em acto contínuo, o arguido abandonou a mencionada barraca e, ao aperceber-se da veracidade da situação descrita em 14., dirigiu-se a GG, abeirou-se deste, o que fez pelas suas costas e, munido da faca acima referida, desferiu-lhe três golpes com essa faca atingindo GG, primeiro, duas vezes, uma na zona lombar, outra no flanco direito e, por ultimo, na zona do pescoço, aqui com um corte único, efectuado da frente para trás e ligeiramente para cima. 19. Como consequência da conduta do arguido, sofreu GG as lesões traumáticas melhor descritas no relatório de autópsia médico legal, aqui dado por integralmente reproduzido, nomeadamente: d. Ao nível do pescoço: iv. Hábito externo: ferida incisa (ferida nº 1) na região cervical lateral direita, ligeiramente oblíqua para trás e para cima e com visualização de músculos e tendões seccionados, medindo 22 centímetros de comprimento e com extremidade posterior mais profunda, apresentando um entalhe milimétrico em ambos os bordos da ferida a este nível; v. Músculos: secção parcial do músculo esterno-cleido-mastoideu direito, com integridade apenas das fibras musculares mais anteriores, e secção completa dos músculos escalenos e paravertebrais direitos, todas com infiltração sanguínea dos bordos e em correspondência com a ferida nº 1 descrita no hábito externo; vi. Vasos e nervos: secção completa da veia jugular interna direita, com grande afastamento dos topos e rodeada de infiltração sanguínea, em correspondência com a ferida nº 1 descrita no hábito externo; artérias carótidas comuns íntegras, sem sinais de aterosclerose. e. Ao nível do abdómen: iii. Hábito externo: ferida incisa (ferida nº 2) no flanco direito, próximo ao rebordo costal, oblíqua infecto-posteriormente, medindo 10 centímetros de comprimento e 4 centímetros de afastamento de bordos, com extremidade medial romba e lateral angulosa e com cauda milimétrica a este nível, apresentando um entalhe no bordo superior da ferida; ferida incisa superficial na região lombar, à esquerda da linha média, transversal, medindo 7 centímetros de comprimento; várias escoriações lineares e paralelas entre si na região lombo-sagrada, à esquerda da linha média, oblíquas ínfero-medialmente, ocupando uma área de 10 cmx9cm. iv. Hábito interno: Paredes: trajecto em túnel em correspondência a ferida nº 2 descrita no hábito externo, em direcção ascendente e para a esquerda, rodeado de infiltração sanguínea e atingindo o músculo recto abdominal direito, junto ao rebordo costal; peritoneu e cavidade peritoneal: continha 50 centímetros cúbicos de sangue na loca hepática; epíplon: discreta infiltração sanguínea do grande epíplon a nível do cólon transverso, próximo do trajecto formado pela ferida n" 2 descrita to hábito externo. f. Ao nível da coluna vertebral e medula: ii. Vértebras e estruturas articulares: fractura do processo transverso direito de C5, rodeada de infiltração sanguínea e em correspondência com a ferida nº 1 descrita no hábito externo. 20. As sobreditas lesões foram causa directa, necessária e adequada da morte de GG, verificada às 03H35 desse dia ... de ... de 2024, no ..., do .... 21. Eliminado 22. O arguido escondeu a faca utilizada e, mais tarde, veio a indicar às autoridades policiais o local onde a pusera, onde foi encontrada. 23. Após, dirigiu-se a sua casa, tirou a camisa que envergava colocou-a de molho num alguidar. * 24. Ao desferir os golpes acima descritos nas zonas do corpo de GG atrás identificadas, agiu o arguido animado pelo propósito de lhe tirar a vida, recorrendo a objecto corto-contundente com uma lâmina de grandes dimensões, sem sequer dar à vítima a possibilidade de se defender e bem sabendo que as regiões atingidas, concretamente, a região carotidiana ou lateral do pescoço, aloja vasos sanguíneos e músculos cujo corte podia, facilmente, provocar a morte, o que logrou. 25. Adicionalmente, sabia o arguido que a faca que empunhava e que usou como objecto de agressão, pelas suas características e, designadamente, pelo comprimento do seu gume cortante, era idónea a provocar lesões susceptíveis de conduzir à morte da vítima, o que ocorreu. 26. Mais estava o arguido ciente de que, não obstante a referida faca estar afecta a uma finalidade específica, a usava para propósito e em local incompatíveis com o seu normal emprego, não justificando a sua posse, bem sabendo que, nessas circunstâncias, a sua detenção e utilização não lhe eram permitidas, o que não o impediu de agir como supra descrito. 27. Em toda a sua conduta, agiu o arguido de forma consciente e voluntária, sendo sabedor da sua censurabilidade e punibilidade criminais e tendo a liberdade necessária para se conformar com a sua actuação. * 28. BB, na sequência da agressão perpetrada pelo GG, foi assistido no ..., onde deu entada no dia .../.../2024, às 11.14 Horas, e se queixou de dores no cotovelo direito e negou outras queixas. Submetido a exame de imagiologia, com duas incidências, nesse cotovelo, não foram aí detectados sinais de fractura/luxação, tendo-lhe sido retirada a imobilização desse membro. Medicado, foi-lhe dada alta administrativa às 12.02 Horas do referido dia. 29. Mais tarde, em .../.../2024, na sequência de uma ressonância magnética feita a esse cotovelo, constatou-se apresentar aí uma fractura, provavelmente subaguda, da tacícula radial. * 30. BB e o arguido são amigos desde há cerca de 20 anos sendo aquele também seu empregado. 31. GG, tinha 1,89 m de altura e pesava 102kg. 32. BB tem 1,67 metros de altura. 33. O arguido mede 1,80 metros. * Do Pedido de Indemnização Civil deduzido pelo assistente e a sua mulher, LL * 34. II nasceu em .... 35. LL nasceu ... de ... de 1967. 36. GG nasceu em ... de ... de 1987. 37. II e a sua consorte, LL são os únicos herdeiros do seu filho, GG (adiante também designado apenas por GG), falecido no dia ... de ... de 2024, no estado de solteiro, maior, sem descendentes, nem qualquer disposição de bens por morte. 38. GG era o filho mais velho de uma fratria de três. 39. Ferido de morte, GG ainda foi rua abaixo à procura do pai II que, na altura, se encontrava a algumas dezenas de metros a encerrar outra barraca de “comes e bebes” onde havia estado a colaborar nesse dia, aí acabando por sucumbir, esvaído em sangue. 40. II viu-se impotente para fazer o que quer que fosse para salvar o filho que muito amava. 41. Devido à violência da agressão, bem como à extensão e gravidade das lesões sofridas, mormente na jugular, o malogrado GG teve a percepção clara de que não conseguiria resistir aos ferimentos infligidos e que a sua morte estava eminente, tendo sofrido dores atrozes e excruciantes, bem como momentos de pânico e angústia indescritíveis. 42. À data da morte era uma pessoa robusta e saudável, de grande nobreza de carácter, alegre, extrovertido. 43. Tinha uma vontade enorme de viver e de se realizar plenamente em termos familiares e profissionais. 44. Os ora demandantes muito se reviam no seu falecido filho e por ele nutriam grande amor cujo regresso definitivo à sua terra natal aguardavam ansiosamente e com o qual contavam como ampoio na sua velhice. 45. Os demandantes constituíram uma família muito unida e existia um óptimo relacionamento entre eles e o falecido. 46. O decesso inesperado e em circunstâncias trágicas do filho primogénito, GG, causou aos ora demandantes um desgosto incomensurável e uma profunda tristeza. 47. Dele privados de forma abrupta, os demandantes ficaram inconsoláveis, tendo chorado amargamente a sua perda. 48. Ainda hoje não conseguem reprimir o choro quando imaginam as circunstâncias em que o filho morreu, chegando a dizer que já perderam o interesse que tinham pela vida. 49. Desde a morte trágica do filho, os demandantes evidenciam graves complicações psicológicas, apresentando ambos uma depressão pós-traumática desde a altura da sua morte, o que determina a necessidade de efectuarem terapia psicológica. 50. Entre o momento em que foi perpetrada a agressão e aquele em que sobreveio a morte do desditoso GG, mediaram alguns minutos. 51. Os demandantes despenderam a importância de 3.130,00 € com o funeral do seu filho GG. 52. Na altura em que foi esfaqueado, o falecido envergava uma camisa de algodão e umas calças de ganga, no valor estimado de 35,00 € cada, que ficaram irremediavelmente danificadas em consequência dos golpes desferidos pelo demandado civil, bem como uns botins de camurça, que também se perderam, num valor em concreto não apurado. 53. À data da morte, o referido GG exercia funções de ... de cofragens na ..., onde auferia cerca de 1.800,00 € líquidos mensais. 54. Desse valor, contribuía com cerca de 300,00 € mensais para o pagamento de despesas domésticas de luz, água e gás, bem como de sustento dos pais, nomeadamente, aquisição de alimentação e vestuário. 55. E assim sucedia na medida em que o progenitor é inválido, auferindo uma pensão no valor de 473,01, € mensais. por seu turno, a progenitora, doméstica, aufere, em média, cerca de 22,50 € mensais como bordadeira. * Do Pedido de Indemnização Civil deduzido pelo “SESARAM EPE” * 56. Os cuidados de saúde que o “SESARAM, EPE” prestou ao ofendido, GG, no serviço de urgências no ..., no ..., no dia ... de ... de 2024, importaram na quantia de € 112,07. * Resultantes da Discussão da Causa * De acordo com o Relatório Social a ele referente: 57. O arguido encontra-se no ... desde .../.../2024, na condição de preso preventivo à ordem do processo em apreço. À data, vivia sozinho, numa casa construída pelos progenitores num terreno pertença de uma herança, em precárias condições de habitabilidade. 58. Situa sua origem no meio onde residi a à datada prisão onde, aparentemente, não detinha conflitos interpessoais de maior e manifestava conformismo quanto à condição socioeconómica desfavorecida em que sempre viveu. 59. Foi o primeiro de uma fratria de quatro irmãos e é o único que permaneceu no meio de origem, tendo em conta que dois irmãos migraram para ... continental e uma irmã emigrou para o ... unido. Fez menção a dois períodos fora do país a trabalhar, mas não se adaptou. 60. Da sua história de vida, destaca como tendo sido marcante o ambiente de violência doméstica, alcoolismo e pobreza dos pais. Pouco frequentou a escola, não tendo sequer adquirido competências elementares de leitura e escrita. 61. Não chegou a constituir família, mencionando apenas um relacionamento marital durante 2 anos de que não resultaram filhos. Apresenta-se como um indivíduo com uma rede familiar frágil, na medida em que os progenitores já faleceram e os irmãos se encontram geograficamente afastados. Não obstante, ainda apresenta vínculos e conta com apoios de outros familiares, designadamente, tias. 62. Assegurava a sua independência económica, graças a hábitos de trabalho indiferenciado, regular, entre a construção civil, padaria e em barracas de comidas montadas em festas populares da região. 63. Denota algumas limitações nos recursos cognitivos, são parcos os seus interesses e no seu percurso de vida houve referência a hábitos de consumo de bebidas alcoólicas e substâncias estupefacientes (heroína), embora sem comprometimento do trabalho e da autossuficiência. O próprio desvaloriza esta problemática, nunca tendo procurado ajuda. 64. Não é referenciado pelos ... como um indivíduo desordeiro, conflituoso ou propenso a comportamentos agressivos. 65. Encara com relativo conformismo o actual confronto com o sistema de justiça penal, expressando, no entanto, sentimentos de medo por eventuais retaliações da família da vítima. 66. Em contexto prisional revela um comportamento regular. Frequenta a escola – 1º ciclo e beneficia de apoio psicofarmacológico. 67. O apoio exterior foi reactivado com a sua reclusão, traduzindo-se nalgumas visitas das tias e de pessoas conhecidas, assim como contactos telefónicos com os irmãos. * 68. Por decisão proferida e transitada em julgado em ..., o arguido foi condenado, pela prática, em .../.../2017, de um crime de ameaça agravada, e, em ...,.../2017, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena única de 240 dias de multa, à taxa diária de €5,00, num total de € 1.200,00. Tendo essa pena sido convertida na prisão subsidiária, dela apenas cumpriu uma parte, já que pagou o remanescente da multa ainda em dívida, assim vindo a extinguir-se a totalidade da pena. Factos dados como não provados pelo Tribunal de Primeira Instância (transcrição): Da Acusação * A. O arguido efectuou a chamada para a “Linha de Emergência 112”, como atrás referido, depois de saber que o BB estava a ser agredido por GG. * Do Pedido de Indemnização Civil deduzido pelo assistente e a sua mulher, LL * B. O arguido escondeu a faca que utilizou nuns arbustos. C. GG veio a sucumbir nos braços do seu progenitor. D. GG havia prometido regressar, definitivamente, à sua terra natal muito em breve, sendo sua intenção ir residir na companhia dos pais. E. A camisa de algodão que o falecido envergava na altura em que foi esfaqueado valia 40,00 €, as calças de ganga, 60,00 € e os botins de camurça que calçava, 70,00 €. F. A faca de que o arguido se muniu encontrava-se por baixo do balcão de corte de carne, guardada numa caixa. G. Tirou as roupas que envergava e procurou lavá-las, de forma a ocultar a prova do crime que acabara de praticar. 2. Entremos agora na parte do Direito. Ambos os sujeitos recorrentes entendem que o arguido cometeu um crime homicídio simples – ainda que agravado nos termos do artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, segundo o Ministério Público –, ao invés de qualificado, como foi condenado. Apreciemos primeiro que tudo se está verificada a qualificação do homicídio. Se a resposta for negativa, procuraremos depois a correcta subsunção jurídica. a) Dispõe o artigo 131.º do Código Penal: Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos. Por seu turno, o artigo 132.º do Código Penal qualifica este crime nos seguintes moldes: 1 - Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos. 2 - É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: a) Ser descendente ou ascendente, adoptado ou adoptante, da vítima; b) Praticar o facto contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou contra progenitor de descendente comum em 1.º grau; c) Praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez; d) Empregar tortura ou acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima; e) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil; f) Ser determinado por ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem étnica ou nacional, pelo sexo, pela orientação sexual ou pela identidade de género da vítima; g) Ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime; h) Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum; i) Utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso; j) Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas; l) Praticar o facto contra membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, Representante da República, magistrado, membro de órgão do governo próprio das regiões autónomas, Provedor de Justiça, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, solicitador, agente de execução, administrador judicial, todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente, examinador ou membro de comunidade escolar, ministro de culto religioso, jornalista, ou juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas funções ou por causa delas; m) Ser funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade. Como há muito ensina TERESA SERRA10, «[a] tutela jurídico-penal da vida funda-se, em primeira linha, no tipo de homicídio simples, revisto e punido no artigo 131.º. (…) «No artigo 132.º, está previsto o homicídio qualificado que constitui o caso especial de homicídio dolosos que o legislador decidiu punir com uma moldura pena agravada. E esta resulta do facto de a morte ter sido causada em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente (artigo 132.º, n.º 1). Por sua vez, no n.º 2 do artigo 132.º, há uma enumeração não taxativa de circunstâncias susceptíveis de revelar a referida especial censurabilidade ou perversidade do agente». A construção deste tipo agravado do crime consagra a chamada técnica dos exemplos-padrão11. Esta técnica permite que, por exemplo, o tribunal não qualifique um homicídio que, formalmente, caberia numa das alíneas do n.º 2 por entender que, in concreto, não se assiste a uma especial censurabilidade na forma como foi cometido; como, de igual modo, poderá o tribunal qualificar um homicídio que, à partida, não se incluiu em nenhuma das circunstâncias elencadas naquele n.º 212. Como lapidarmente sintetizado, «o crime do art. 132.º do CP funda-se num específico tipo de culpa: especial censurabilidade ou perversidade do agente, manifestada em alguma das situações de facto descritas no n.º 2 desse artigo. A verificação desses factos não bastará, no entanto, para preencher a previsão típica. Necessário é, para que haja homicídio qualificado, que se prove a culpa agravada, a especial censurabilidade ou perversidade do agente»13. Deste modo, a questão central reside em buscar nos factos apurados em cada caso concreto uma actuação do agente que revele uma censurabilidade ou perversidade tais que justifique uma punição mais severa. No caso concreto, o Tribunal a quo, enquadrando a actuação do arguido na al. h) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, julgou ser especialmente censurável a conduta do arguido. E fundamentou-o nos seguintes moldes: No caso concreto, os factos provados acima descritos revelam, à saciedade, o cometimento, pelo arguido, do crime de homicídio simples acabado de enunciar, mostrando-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do respectivo tipo legal. Basta ver que, como se apurou, nas circunstâncias de tempo e lugar antes referidas, o arguido, muniu-se de uma faca de talhante, com 42,5 centímetros de comprimento total, e uma lâmina com 30,2 centímetros de comprimento e com a largura máxima de 4,7 centímetros, de gume curvo, bem afiado, que se encontrava no interior da “Barraca”, numa caixa, por baixo do balcão de corte de carne. Em acto contínuo, abandonou a mencionada barraca e, ao aperceber-se da veracidade da situação antes descrita, ou seja, que GG estava a agredir corporalmente BB, abeirou-se deles, o que fez pelas costas de GG e sem lhe dar a possibilidade de se defender e, com essa faca, desferiu-lhe três golpes atingindo-o na primeiro, duas vezes, uma na zona lombar, outra no flanco direito e, por fim, no pescoço, aqui com um corte único, efectuado da frente para trás e ligeiramente para cima, assim causando, directa, necessária e adequadamente, a sua morte. Sabemos também que o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, com o propósito de tirar a vida a GG, bem sabendo que atentas as características do objecto utilizado - uma faca de talhante de impressionante dimensão - a extrema violência com que a manuseou, uma das zona atingidas (o pescoço), a curta distância com que se encontrava da vítima e as agressões infligidas eram adequadas a produzir-lhe a morte, resultado que pretendeu e logrou alcançar (art. 14º, nº 1 do Cód. Penal). Todavia, a factualidade provada não preenche a circunstância qualificadora da al. e) do n.º 2 do art. 132º do Cód. Penal, como se pretendeu na douta acusação onde, conclusivamente, se referiu que “agiu ainda o arguido movido por motivo fútil”. Estando afastadas as demais possibilidades de agravação do ilícito previstas na citada alínea, também no caso sujeito nada nos permite dizer que a actuação do arguido tenha sido pesadamente repugnante, baixa e gratuita, reveladora de um profundo desprezo pelo valor da vida humana e denunciadora de uma perversa e mesquinha insensibilidade moral. Agir em defesa de terceiro de uma agressão física actual e ilícita (ainda que erradamente, como adiante se explanará) não pode, à evidência, fazer-se equivaler a motivo fútil, entendido este nos sobreditos termos. Assim, ao contrário do defendido na acusação pública, entendemos não se verificar qualquer situação susceptível de integrar a referida al. e) do nº 2 do art. 132º do Cód. Penal. Do mesmo modo, também se mostra inequivocamente arredada a circunstância agravante a que alude a citada alínea j) do art. 132º, n.º 2 do Cód. Penal. A matéria factual que se deixou provada, à saciedade, não revela que o arguido tenha actuado com evidente frieza de ânimo e reflexão sobre os meios empregados, tendo persistido na sua intenção de matar por mais de vinte e quatro horas. A este nível, nada nos permite divisar uma vontade criminosa particularmente intensa, em que se tenha meditado sobre a realização do crime e a sua execução. Bem ao invés, o que essa mesma matéria demonstra é que o arguido actuou sob emoção e sob o impulso do momento. Mas, aqui chegados, perguntar-se-á, será que o arguido fez uso de um instrumento particularmente perigoso, tornando-se, por esse motivo, digno de uma censura especial à luz do que dispõe a al. h) do nº 2 do citado art. 132º? Será a faca utilizada pelo arguido, consabidamente, um instrumento perigoso e letal, um instrumento particularmente perigoso? Com um grande paralelismo em relação ao meio utilizado, no citado Ac. do TRP de 03-12-2012, entendeu-se constituir instrumento particularmente perigoso uma faca de mato com lâmina corto-perfurante, com 19,3 cm de comprimento. Recorde-se que, no nosso caso, o arguido fez uso de uma faca de talhante, com 42,5 centímetros de comprimento total, e uma lâmina com 30,2 centímetros de comprimento e com a largura máxima de 4,7 centímetros. Mais do que isso, para desferir com ela os três golpes com que vitimou o visado, que, naturalmente, estando a agredir BB, tinha a sua atenção nele centrada, abeirou-se dele pelas suas costas, quando estaria inclinado sobre o referido BB (de outro modo não conseguiria atingi-lo no pescoço como o fez) e golpeou-o de surpresa, sem lhe dar a possibilidade de se defender. Ou seja, uma faca como a utilizada encerra em si uma particular perigosidade, sendo um meio particularmente perigoso já que, por forma superior à normal, tem a potencialidade para, segundo a experiência comum, causar lesão corporal susceptível de pôr em risco, de forma significativa a integridade física ou a vida (Código Penal Anotado”, de M. Simas Santos e M. Leal Henriques, pág. 69). Pensamos que, não será temerário dizê-lo, quando a jurisprudência e o autor atrás referidos, afastam as facas do exemplo-padrão e da estrutura valorativa da agravante em apreço, estão a pensar nas “normais facas de cozinha”, por exemplo, e não, seguramente, numa faca de talhante, que sabemos ter uma lâmina com o impressionante comprimento de 30,2 centímetros. De resto, uma tal faca, como é da experiência comum, é um instrumento com uma capacidade perfurante e destruidora muito acima da média de qualquer faca, face às flagrantes potencialidades de penetração no corpo humano, tendo uma aptidão muito acentuada para perfurar e dilacerar, de modo intenso e eficaz, o tecido e órgãos humanos que atinge. Enfim, as suas potencialidades cortantes e perfurantes são devastadoras. Ou seja, em jeito de síntese, no caso em apreço, a arma que o arguido usou, uma faca de talhante com uma lâmina com o comprimento de 30,2 centímetros, com que foram desferidas várias ofensas no corpo da vítima, tem uma capacidade tal para matar que é susceptível de fazer com que a esta ficasse totalmente indefesa e desprotegida, como ficou. Mais ainda, há que atentar no modo que revestiu a sua utilização, absolutamente traiçoeira e inesperada, já que a vítima foi surpreendida por trás, sem qualquer “pré-aviso”, e não teve qualquer hipótese de se defender. Ou seja, em nosso entender, a arma em causa, não só pelas suas características, mas também pela forma como foi usada, cabe no exemplo-padrão e na estrutura valorativa da alínea em referência - a citada al. h) - sendo, por isso, susceptível de conferir uma maior censurabilidade ao homicídio, agravando-o. Sintetizando, ao actuar como o fez, revelou o arguido qualidades particularmente desvaliosas e censuráveis e uma atitude muito distanciada em relação a uma determinação conforme aos padrões normativos que nos regem, apresentando um comportamento merecedor de acentuada reprovação, o que só pode levar ao enquadramento da sua conduta na figura do crime de homicídio qualificado, por se mostrarem preenchidos os pressupostos da especial censurabilidade e perversidade. É o que se decide. Como se retira do trecho da fundamentação de direito acabado de transcrever, o Tribunal, a quo centrou-se na integração da actuação do arguido nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal em que o Ministério Público, na sua acusação, subsumira os factos, cuidando de, depois, passando pelo crivo do n.º 1 do mesmo artigo, completar os passos que a técnica legislativa dos exemplos padrão impõe ao aplicador do Direito. Vejamos. O Tribunal a quo concluiu que o arguido utilizou meio particularmente perigoso, constituindo tal o emprego de uma faca de talhante, com uma lâmina com o comprimento de 30,2 cm. O meio particularmente perigoso será aquele que tem uma aptidão particular para causar a morte, ou seja, uma perigosidade tal que dificulta consideravelmente a defesa da vítima e pode atingir terceiros de forma indiscriminada14. Como decidido já pelo Supremo Tribunal de Justiça15: 5. Um meio particularmente perigoso: há-de ser um meio (instrumento, método ou processo) que, para além de dificultar de modo exponencial a defesa da vítima, é susceptível de criar perigo para outros bens jurídicos importantes; tem que ser um meio que revele uma perigosidade muito superior ao normal, marcadamente diverso e excepcional em relação aos meios mais comuns que, por terem aptidão para matar, são já de si perigosos ou muito perigosos, sendo que na natureza do meio utilizado se tem de revelar já a especial censurabilidade do agente. 6. Estão, assim, afastados da qualificação os meios, métodos ou instrumentos mais comuns de agressão que, embora perigosos ou mesmo muito perigosos (facas, pistolas, instrumentos contundentes) não cabem na estrutura valorativa, fortemente exigente, do exemplo-padrão. Uma faca com as características daquela usada pelo arguido, sendo um instrumento perigoso na sua essência16, não integrará, em nosso modesto entendimento, aquele conceito. Nem tampouco integrará o conceito de meio insidioso17. Trata-se de um instrumento de uso comum que não apresenta uma perigosidade muito acima da média nem é susceptível, mesmo quando usado para cometer um crime, de lesar de forma generalizada terceiros que não sejam visados. Assim, nesta parte, não podemos acompanhar o Tribunal a quo no enquadramento que fez: o arguido cometeu o homicídio com recurso a meio – faca de talhante – particularmente perigoso. Não obstante, porque «os factores apontados no n.º 2 do artigo 132.º do CP não são elementos constitutivos de um homicídio especial, circunstância modificativa de tipo fundamental; são apenas o indício, confirmável ou não, de uma intensa culpa»18, há ainda que buscar se, no seu concreto agir, o arguido revelou uma particular censurabilidade ou perversidade na forma como tirou a vida à vítima. Aqui, quanto à especial censurabilidade que tem sempre de estar presente para que se possa condenar alguém por homicídio qualificado, desde já adiantamos não poder também concordar com a fundamentação expendida pela primeira instância. Olhando para todo o quadro fáctico em que o arguido agiu, não encontramos uma censurabilidade tamanha que justifique a sua condenação pelo tipo qualificado do crime de homicídio. É susceptível se revelar especial censurabilidade ou perversidade do agente as circunstâncias de frieza e ausência de sentimentos demonstrados pelo réu, bem como a insistência em tirar a vida à vítima19, a reflexão e energia colocadas no desempenho da acção20, pré-configurar a morte e delinear um plano para o efeito, manifestar um particular desprezo para com a vida alheia. Afirmou já a Segunda Instância a este propósito21: Para poder ser afirmada a especial censurabilidade ou perversidade do agente é ainda necessário que se conclua existir uma especial culpa, por referência à que é pressuposta na moldura penal do homicídio simples (artigo 131º do Código Penal). Esse especial grau de culpa, subjacente à “especial censurabilidade ou perversidade” que o agente manifesta, é quilo que motiva a agravação do homicídio. A “especial censurabilidade” revela-se quando as circunstâncias em que a morte foi perpetrada são de tal modo graves que refletem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores. Na situação sub judice deparamo-nos com o seguinte cenário: • A vítima, pessoa alta e corpulenta, em estado de embriaguez, abeira-se do arguido de forma exaltada e agressiva (há dúvidas se terá chegado a agredi-lo fisicamente), confronta-o e ameaça-o, bem como ao seu patrão e amigo BB, levando a que o arguido se retire para dentro da barraca com medo e se refugie atrás da bancada; • A vítima volta ao local pouco tempo depois, no mesmo estado de exaltação, e começa a agredir fisicamente o BB, que atira para o chão; • Neste ínterim o arguido cuida de ligar para o 112 a pedir que fosse chamada a polícia; •Instalara-se uma grande gritaria, sendo que as mulheres gritavam que o FF (a vítima) matava o BB, vindo um menor (KK) que também se encontrava presente, em grande sobressalto, ter com o arguido a dizer-lhe que a vítima estava a matar o BB; • É neste momento que o arguido sai a correr da barraca, munido de uma faca que ali se encontrava e se atira ao FF, desferindo-lhe os golpes mortais. Todo este quadro permite que concluamos que o arguido estava assustado e com medo, num primeiro momento; depois, não agiu com frieza de ânimo, antes a quente, movido pelo impulso de fazer cessar as agressões de que o seu amigo e patrão estava a ser alvo e que reputava, seguramente, de muito maior gravidade do que na verdade seriam, fruto da mensagem passada pelos gritos das mulheres e do rapaz que o foi chamar. Não meditou em como poderia matar a vítima; quis somente que aquela deixasse de agredir o BB. Esta conclusão não leva a que se afaste o dolo de homicídio. O arguido devia e podia saber que o objecto de que se muniu era apto a tirar a vida do FF, como o eram os golpes que desferiu. E claramente conformou-se com essa vontade. Acontece é que toda esta actuação não trás consigo uma culpa de tal modo intensa para os efeitos pretendidos pela norma incriminadora. Estamos perante um homicídio cometido no calor do momento, no âmbito de uma altercação em que a vítima até terá sido quem a iniciou e potenciou mesmo o escalar da violência. b) Colocada de lado a verificação de um homicídio qualificado, vejamos agora se o homicídio simples – cuja prática ninguém contesta – deverá merecer a agravação prevista no artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, como propugnado pelo recorrente Ministério Público. Diz-nos esta norma: As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma. O homicídio cometido pelo arguido foi com uso de uma faca de talhante, com lâmina de 30,2 cm, objecto este que integra o conceito legal de arma branca, constante da al. m) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro: «Arma branca» todo o objecto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante ou corto-contundente, de comprimento superior a 10 cm, as facas borboleta, as facas de abertura automática ou de ponta e mola, as facas de arremesso, as estrelas de lançar ou equiparadas, os cardsharp ou cartões com lâmina dissimulada, os estiletes e todos os objectos destinados a lançar lâminas, flechas ou virotões. Preencheu assim o arguido, com a sua conduta, o crime de homicídio simples, com punição agravada pelo uso de arma nos termos da disposição legal acima citada. No mais – prática pelo arguido do crime de detenção de arma proibida, pelo que fora acusado –, subscrevemos aqui a fundamentação expendida, com acerto, pelo Tribunal a quo. Verifica-se in casu um concurso aparente de crimes, uma vez que a posse ilícita da arma é já, em si mesma, agravante do tipo base de homicídio. c) Fruto da alteração da matéria de facto, e ainda dentro do enquadramento jurídico dos factos, uma outra questão emerge: terá o arguido agido em legítima defesa? E, tendo-o, será a mesma excessiva? A legítima defesa, configura uma causa de exclusão da ilicitude – artigo 31.º, n.º 2, al. a) do Código Penal – e vem prevista no artigo no artigo 32.º do Código Penal nos seguintes termos: Constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro. Este conceito mostra-se justificado por uma dupla necessidade: a defesa da ordem jurídica, através da qual se justificará que se sacrifiquem bens jurídicos de valor superior aos postos em causa pela agressão; a necessidade de protecção dos bens jurídicos individuais ameaçados pela agressão22. Procuremos decompor esta causa justificativa. Por agressão dever-se-á entender um «comportamento humano voluntário que ameaça um bem jurídico, mesmo que não seja penalmente tutelado»23. Por outro lado, essa agressão deverá ser actual, ou seja, que esteja em curso ou na iminência de se verificar: «a agressão situa-se entre o perigo próximo, a ameaça iminente de agressão, e a consumação desta, ou seja, a lesão efectiva do bem jurídico»24. A agressão tem ainda de ser, objectiva e subjectivamente, ilícita, mas já não culposa. Por outras palavras, não será apenas o resultado da acção que é contrário à lei, mas igualmente a conduta do agressor; se o agressor agir sem culpa (v.g. inimputabilidade, erro, etc.), tal não obsta, por si só, à legítima defesa25. Seguidamente, a acção de defesa tem de ser necessária. Quer isto dizer, não só a própria defesa tem se ser necessária, como os meios empregados deverão ser idóneos para evitar, atenuar ou pôr fim à agressão. Por fim, a defesa pode ser direccionada contra a agressão que esteja a ser perpetrada sobre terceiro, isto é, não são bens jurídicos de quem se está a defender que estão a ser ameaçados. E, se assim é, os requisitos da legítima defesa (sejam os requeridos à situação, sejam os referidos à acção de defesa) dev[e]m ser os mesmos quer se trate de legítima defesa própria, quer de terceiro»26. Revertendo ao caso sub judice, temos que a vítima, FF, pessoa corpulenta, estava a agredir fisicamente o BB, com socos e pontapés, tendo-o atirado ao chão e estando por cima dele. Já antes a vítima havia confrontado o arguido de forma agressiva e proferido ameaças dirigidas a si e ao seu amigo e patrão BB. O arguido, estando próximo mas não presenciando os factos, escuta grande vozearia e alvoroço e vozes de mulheres a gritar que o FF estava a matar o BB. Mais é alertado por um menor, que corre a ter consigo, de que o FF estava a matar o BB. Na sequência destes factos, o arguido mune-se de uma faca de cozinha que tinha ali à sua disposição, não sem antes ter tentado chamar telefonicamente a polícia, e precipita-se em direcção ao local da agressão, vendo efectivamente o FF a agredir o BB nos moldes acima descritos27. Porque sentia medo do FF, provado está, não se sentia capaz de o confrontar fisicamente apenas com as forças do seu corpo, querendo colocar imediato termo às agressões, atingiu-o com a faca. Atento o cenário resultante do acervo de factos apurados, parece-nos que a actuação do arguido deverá enquadrar-se no conceito de legítima defesa. A vítima era homem de compleição física bastante robusta, estava alcoolizado e determinado em prosseguir com a agressão ao BB, não se mostrava viável o recurso em tempo útil à polícia nem a outro meio apto a fazer cessar a agressão. Temos assim que o recurso a uma faca, instrumento que se encontrava à mercê do arguido por razões diversas do propósito de servir como arma, se mostrava idóneo e proporcional a colocar termo à agressão, que era actual (estava em curso), obviamente ilícita (consubstancia mesmo um crime) e que aquele representava – de forma compreensível – como pondo em risco a vida do agredido. Aqui chegados, somos levados a concluir que, à partida, a actuação do arguido, porque em legítima defesa, não será ilícita. d) A legítima defesa, mesmo a verificar-se, poderá ainda ser excessiva, levando a que o facto seja considerado ilícito, dando por isso lugar a punição. Diz-nos o artigo 33.º do Código Penal: 1 - Se houver excesso dos meios empregados em legítima defesa, o facto é ilícito mas a pena pode ser especialmente atenuada. 2 - O agente não é punido se o excesso resultar de perturbação, medo ou susto, não censuráveis. Agora, o fundamento para uma punição mais branda, ou mesmo ausência de punição, não reside já na exclusão da ilicitude dos factos, mas antes no juízo de censura do agente (culpa). Daí que esta causa apareça muitas vezes designada como excesso de legítima defesa desculpante. A atenuação reconduz-se assim a uma menor censurabilidade do agente, não a uma diminuição da gravidade objectiva do facto. Nestes termos, se o meio utilizado não for necessário verifica-se um excesso (intensivo) de legítima defesa, sendo que a necessidade do meio «afere-se segundo um juízo ex ante, de prognose póstuma»28. Na feliz definição de FIGUEIREDO DIAS, verifica-se excesso de legítima defesa sempre que o agente «ultrapassa a medida da necessidade do meio». No nosso caso, e como vimos já, o arguido agiu em legítima defesa ao recorrer a uma faca para, golpeando o agressor, pôr fim à agressão, salvaguardando o bem jurídico ameaçado – vida e/ou integridade física do terceiro agredido. Mas, como resulta dos factos, o arguido desferiu múltiplos golpes – três no total –, sendo que o último foi no pescoço, atingindo a veia jugular da vítima. Como é evidente, houve aqui um claro excesso no emprego do meio para parar a agressão. Teria sido muito provavelmente bastante o primeiro golpe, e em qualquer caso o terceiro deles – na jugular – surge já como manifestamente excessivo, para fazer parar a agressão. Existe, assim, um claro excesso de legítima defesa. Depois, importará ainda perceber se terá o arguido agido sob um estado de afecto tal, porque dominado por um compreensível medo ou perturbação, que não mereça por isso ser censurado pela prática do facto ilícito. É o chamado afecto asténico. Como nos continua a ensinar o Ilustre Professor de Coimbra, «o fundamento de toda esta regulamentação é, desde há muito, incontestado no essencial. É normal – e, ademais, compreensível – que uma agressão ilícita e actual provoque na vítima um estado de afecto que o conduza a uma reacção (defesa) excessiva: o facto não preencherá então a causa justificativa da legítima defesa. Pelo que, como bem afirma o art. 33.º-1, ele é ilícito. Mas facilmente se aceitará que aquele estado de afecto possa não só diminuir porventura o conteúdo ilícito do facto, mas também afectar ou estorvar o cumprimento das intenções normais” do agente»29. Mas não será um qualquer estado de perturbação, medo ou susto que conduz à não punibilidade do excesso de legítima defesa. Como já há muito vem sendo ensinado, «não deve todavia entender-se que os efeitos do referido estado de afecto asténico sejam automáticos, como pretende Maurach, mas haverá antes que relacioná-los sempre com a teoria da falta de culpa, pelo caminho da não exigibilidade»30. Aplicando esta noção ao processo sub judice, era exigível ao arguido, na concreta e compreensível situação de medo e perturbação em que se encontrava, que se refreasse na intensidade do meio empregado, nomeadamente não desferindo a segunda e sobretudo a terceira facadas? Estamos em crer que sim. O arguido não podia desconhecer a natureza e dimensão do objecto que empunhava e, mesmo que receoso pelos motivos já supra indicados, estava capaz de, com um só golpe e numa zona não tão letal como o pescoço, alcançar os seus legítimos intentos – parar a agressão. Ou seja, há uma desproporção censurável entre o meio de defesa empregado e a perturbação ou medo sentidos pelo arguido, entendendo-se aquele não como a faca em si, mas as vezes e a forma como a empregou. Se um primeiro golpe ainda poderia estar abrangido pelo referido estado asténico, necessariamente que os demais, e sobretudo o terceiro, que terá sido o mortal, já não o estariam, isto se repararmos na dinâmica dos factos: uma primeira facada na zona lombar (pois o agressor estava de costas para o arguido, debruçado sobre a vítima a quem agredia); uma segunda já no flanco direito do torso; a terceira no pescoço e efectuada da frente para trás (este movimento não é irrelevante). Concluindo, não encontramos aqui um estado de perturbação tal que justifique o excesso de tal forma que conduza à não punição do facto, tal-qual previsto no n.º 2 do supra transcrito artigo 33.º do Código Penal. 3. Importa agora determinar a pena concreta para o crime em questão. O crime de homicídio é punido, com pena de prisão de 8 a 16 anos – artigo 131.º do Código Penal. Esta pena, como vimos, sofre a agravação de um terço nos seus limites mínimo e máximo – n.º 3 do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro. No entanto, fruto da situação de legítima defesa excessiva, a pena deverá ser especialmente atenuada, nos termos estabelecidos no artigo 73.º do Código Penal: o limite máximo da pena é reduzido de um terço e o limite mínimo a um quinto. A moldura penal a considerar vai assim de 2 anos, 1 mês e 20 dias a 16 anos, 2 meses e 20 dias de prisão. As circunstâncias a que se deve atender para a determinação da medida concreta da pena estão previstas no artigo 71.º do Código Penal Assim, na determinação da medida concreta da pena valorar-se-ão o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade dolosa do agente, as suas condições pessoais, a sua conduta anterior e posterior ao facto, as exigências de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, tendo em conta as exigências de futuros crimes. A pena deve, desta forma, partir dos factos, analisar a liberdade de acção, o grau de culpa e ter em conta a personalidade do arguido. Por um lado, depende de uma visão global da personalidade do arguido, como pessoa humana; por outro, deve estimular a auto-responsabilização do arguido e satisfazer as exigências da prevenção geral. Tal como refere FIGUEIREDO DIAS31, «culpa e prevenção são os dois termos do binómio como auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida da pena». Através do requisito da prevenção dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto; através do requisito da culpa do agente dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime é um limite de forma inultrapassável. Uma vez que a pena em caso algum deve ultrapassar a medida da culpa, enquanto a prevenção deve funcionar como limite mínimo da pena e a culpa como limite máximo. Na graduação da pena, tarefa não maquinal, antes individualizada a partir do momento em que deixaram elas de ser fixas para serem variáveis, há que fazer-se um apelo a critérios de justiça, na procura de uma adequada proporcionalidade entre a gravidade do crime e a culpa, por um lado, e a pena por outro, sem olvidar as exigências da prevenção de futuros crimes32. Como se escreve em aresto do Tribunal da Relação de Coimbra33, «[n]o quadro da moldura penal abstracta, a fixação [da pena] estabelece-se entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente: entre estes limites satisfazem-se as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização». Tendo em conta a factualidade apurada, vejamos qual a pena de prisão concretamente ajustada. O grau de ilicitude dos factos é algo elevado, assente na forma como o arguido se aproximou da vítima (pelas costas), o que inviabilizou qualquer tipo de resistência, agindo com dolo directo. Mostra-se mais atenuada a censurabilidade evidenciada nos factos, considerando o quadro de altercação que se vivia no local, as ameaças antes proferidas pela vítima e o patenteado estado de temor do arguido. Acresce que o que motivou a intervenção deste foi o facto de a vítima estar, no momento, a agredir o seu amigo e patrão, com gritaria envolvente de que o estaria a matar. As exigências de prevenção geral são elevadas, tendo em conta a natureza do crime, assistindo-se nos dias de hoje a um crescimento relevante da criminalidade contra as pessoas, quer em número quer no respectivo grau de violência. As exigências de prevenção especial afiguram-se mais esbatidas. Se por um lado há que atentar no passado criminal do arguido – à data dos factos, com 40 anos de idade, havia sido condenado por um crime de ofensa à integridade física e por um crime de ameaça agravada, cometidos em 2017, em pena de multa –, certo é que esses factos remontam já há mais de 8 anos, nenhum outro processo registando desde aí, aparentando estar social e laboralmente integrado, não obstante o problema aditivo de que padece. Tudo bem sopesado, parece-nos adequado fixar a pena em 5 anos e 6 meses de prisão. * IV – DECISÃO Face ao exposto, acordam os Juízes desta 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento aos recursos interpostos por arguido e Ministério Público e, em consequência, decidem: a. Alterar a matéria de facto nos termos em que ficou consignado no ponto 1. supra; b. Absolver o arguido da prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. h), ambos do Código Penal; c. Condenar o arguido pela prática, em excesso de legítima defesa, de um crime de homicídio, previsto e punido pelo artigo 131.º do Código Penal (em concurso aparente com um crime de detenção de arma proibida), agravado nos termos do n.º 3 do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão; d. Manter, no mais, o decidido no Acórdão recorrido. Sem custas. Notifique. * Lisboa, 9 de Outubro de 2025 Diogo Coelho de Sousa Leitão Paula Cristina B. Gonçalves Jorge Rosas de Castro ______________________________________________________ 1. Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, Diário da República – I Série, de 28/12/1995. 2. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/01/2015 (Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1, da 5.ª Secção). 3. Quando houver lugar a registo áudio ou audiovisual devem ser consignados na acta o início e o termo de cada um dos actos enunciados no número anterior. 4. Cfr. neste sentido, entre inúmeros outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/05/2010, Proc. 696/05.7TAVCD.S1 (https://juris.stj.pt/pesquisa?ECLI=PT%3ASTJ%3A2010%3A696.05.7TAVCD.S1.4B). 5. V. conclusão CXC. 6. Temas da Reforma do Processo Civil, Volume II, Coimbra, 2010, págs. 201 e 273. 7. O seu depoimento foi prestado na sessão do julgamento ocorrida em 27/05/2025, não na de 20/05/2025, como certamente por lapso o recorrente refere. 8. O seu depoimento foi prestado na sessão do dia 20/05/2025, não na do dia 27/05/2025, como erradamente é referido pelo recorrente. 9. A numeração dos mesmos será inserida nos factos provados tendo em conta o desenrolar da história. 10. Homicídio qualificado – Tipo de Culpa e Medida da Pena, Coimbra, 1992, pág. 49. 11. Assim, TERESA SERRA, ob. cit., pág. 60; PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, Lisboa, 2022, pág. 572. 12. Vide, por todos, SIMAS SANTOS e LEAL-HENRIQUES, Código Penal Anotado, 2.º volume, Lisboa, 1997, pág. 39. 13. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27/05/2010, Proc. 6/09.4JAGRD.C1.S1 (www.dgsi.pt). 14. Cfr. MAIA GONÇALVES, Código Penal Anotado e Comentado, Coimbra, 2007, pág. 516. 15. Acórdão de 15/10/2003, Proc. 03P2024 (www.dgsi.pt) 16. Pense-se, por exemplo, nas cautelas e protecções que hoje em dia os talhantes colocam no manuseio deste tipo de instrumento. 17. Assim, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/06/87 (BMJ, 368.º, pág. 312). 18. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08/02/84 (BMJ, 334.º, pág. 258). 19. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08/04/87 (BMJ, 366.º, pág. 281). 20. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/12/89 (AJ, 4, Proc. 40392). 21. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10/05/2022, Proc. 674/18.6JALRA.E1 (www.dgsi.pt). 22. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra, 2004, pág. 382. 23. PAULO PINTO DE ALBUQUERUQUE, ob. cit., pág. 262. 24. CAVALEIRO DE FERREIRA, Direito Penal Português, Parte Geral, I, Lisboa, 1982, pág. 342. 25. Cfr. GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Penal Português, Parte geral, II, Teoria do Crime, Lisboa, 1998, pág. 94. 26. FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., pág. 409. 27. Atente-se ao que ficou provado em 18.: ao aperceber-se da veracidade da situação descrita em 14. 28. TAIPA DE CARVALHO, Direito Penal, Parte Geral, Volume II, Teoria Geral do Crime, Porto, pág. 344. 29. Ob. cit., pág. 573. 30. EDUARDO CORREIA, Direito Criminal, volume II, Coimbra, 1992, pág. 49. 31. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 214. 32. Neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 01/06/94 (CJ, III, pág.106). 33. Acórdão de 05/04/2017 (www.dgsi.pt). |