Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CRISTINA SANTANA | ||
Descritores: | EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL PEDIDO CÍVEL OMISSÃO DE PRONÚNCIA NULIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/08/2025 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
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Sumário: | I - Em conformidade com o princípio da adesão que vigora no nosso sistema de processo penal, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o Tribunal Civil, nos casos previstos na lei (art. 71.º do CPP). II - A causa de pedir na ação cível conexa com a criminalidade é sempre a responsabilidade civil extracontratual (pois que fundada na prática de um crime e não no incumprimento contratual) e não qualquer outra fonte de obrigações. Conforme estabelecido no Assento n.º 7/99, do STJ, de 17 de junho de 1999 – atualmente com valor de Ac. Uniformizador de Jurisprudência –, no âmbito do processo penal a condenação em indemnização civil só pode ser sustentada em responsabilidade extracontratual ou aquiliana do demandado. III – Conforme dispõe o artigo 377º do CPP, quando, realizado o julgamento, o arguido é absolvido da prática do crime ou ocorra a extinção do procedimento (por descriminalização, amnistia, prescrição do procedimento criminal, extinção do direito de queixa ou falta de outro pressuposto processual), o tribunal deve conhecer do mérito do pedido de indemnização civil, se formulado ao abrigo do disposto no artigo 71º do C.PP. IV – Nestes casos, a falta de pronúncia sobre o pedido de indemnização civil inquina a sentença de (parcial) nulidade por omissão de pronúncia nos termos do preceituado no artigo 379º, nº1, al. c), do CPP. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I Relatório 1. No Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular com o nº 10409/18.8... que coreu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa – J 12, foi o arguido FF, com os demais sinais dos autos, submetida a julgamento, findo o qual, em ........2023 foi proferida sentença cujo dispositivo se transcreve –Ref....: “V – DECISÃO Pelo exposto: a) Declaro extinto o procedimento criminal instaurado contra o arguido FF quanto aos dois crimes de acesso ilegítimo p. e p. pelo artigo 6º, nº 1 da Lei 109/2009 de 15 de setembro, de natureza semi-pública (nº 7 do artigo 6º da citada lei), aos dois crimes de devassa da vida privada, previstos e punidos pelo artigo 192.º, n.º1, alínea a) e b), do Código Penal, de natureza semi-pública (artigo 198º do Código Penal e a um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações p. e p. pelo artigo 194, nº 1 e 2 do Código Penal e artigo 5º, nº 1, al. b) do Código Penal, de natureza semi-pública (artigo 198º do Código Penal), por falta de legitimidade do Ministério Público para prosseguir os respectivos termos; b) Absolvo o arguido FF pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de sabotagem informática, p. e p. pelo artigo 5º, nº 1 da Lei 109/2009 de 15 de setembro, na redação vigente à data dos factos, e artigo 5º, nº 1, al. b) do Código Penal. * Sem custas, atento o estatuído no artigo 513º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal.” 2. De tal sentença, em ........2024, recorreu a Assistente – Ref 47866305. Transcrevem-se as conclusões do recurso que apresentou: “B- CONCLUSÕES a) Declarou o Tribunal a quo extinto o Procedimento Criminal instaurado contra o arguido FF quanto aos dois crimes de acesso ilegítimo [p. e p. pelo artigo 6º, nº 1 da Lei 109/2009 de 15 de setembro], dois crimes de devassa da vida privada [previstos e punidos pelo artigo 192.º, n.º1, alínea a) e b), do Código Penal], e um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações [ p. e p. pelo artigo 194º, nº 1 e 2 do Código Penal e artigo 5º, nº 1, al. b) do Código Penal]. b) Não se pode conformar a Assistente/Recorrente com este desfecho pois, no seu entendimento, estão verificados todos os pressupostos para uma condenação do arguido pelos supracitados crimes. c) Deu a douta sentença do Tribunal a quo como provado que “27. AA tomou conhecimento dos factos e do seu autor, em data não concretamente apurada, mas anterior a 14 de Maio de 2018”. d) Ora, a data em que a Assistente tomou conhecimento dos factos que fundamentam a queixa crime apresentada em 21 de novembro de 2018 foram objeto de depoimento da Assistente, da Testemunha BB e da Testemunha CC. e) Resulta claramente de diversas passagens do depoimento da Assistente, nomeadamente minutos 9:30 e seguintes; 10:28 e seguintes;16:28 e seguintes e 16:56 e seguintes, que a mesma só teve conhecimento da prática que estava a ser alvo após a frustração das negociações com a empresa mexicana .... f) Pois, só depois deste incidente, é que a Assistente,BB e CC foram apurar o que se passava com o endereço de email ...; tal resulta de minutos 44:55 do depoimento da Assistente. g) E mais, cumpre referir que as fotografias da menor DD constavam de um processo que correu os seus termos no Tribunal de ..., processo esse que a Assistente nunca acompanhou, conforme resulta de minutos 36:40 e seguintes e 43:50 e seguintes. h) Tendo dito, perentoriamente, a minutos 45:20 e seguintes do seu depoimento, sobre a referida fotografia de DD “Eu nunca tinha visto isto atenção!”. i) Algo que se compreende, pois esse processo foi sempre acompanhado pelo seu marido, BB, que apôs, por meios informáticos a assinatura de EE no requerimento de resposta apresentado no âmbito do processo norte-americano em 14 de maio de 2018. j) Ou seja, a Assistente apenas teve conhecimento dos factos que fundamentam a queixa crime apresentada em 21 de Novembro de 2018, depois da implosão do negócio com a ..., acontecimento esse que teve lugar em setembro de 2018. k) Algo que também já tinha salientado quando prestou declarações em sede de inquérito. l) Também a testemunha CC, a minutos 2:55 e seguintes do seu depoimento foi perentória em situar temporalmente o colapso do negócio com a ... em setembro de 2018, algo que confirmou a minutos 7:50 e seguintes do seu depoimento. m) A mesma Testemunha referiu, a minutos 3:50 e seguintes do seu depoimento que o colapso do negócio com a ... levou ao adensar de uma suspeita partilhada com a Assistente e BB no sentido de estarem de alguma forma sob vigilância/a serem espiados e terceiros terem acesso a informação que circulava entre eles. n) CC disse ainda, a minutos 4:35 e seguintes do seu depoimento que como consequência deste episódio, procederam a uma investigação, no terminus da qual descobriram que o mail pessoal da Assistente ...) estaria a ser reencaminhado para o endereço de email .... o) Também a testemunha BB frisou, a minutos 28:48 e seguintes do seu depoimento que o negócio com a mexicana ... colapsou em setembro de 2018. p) O mesmo BB referiu que como consequência do referido revés resolveram proceder a uma investigação quanto ao que se passava com o endereço de email ..., tendo sido feita uma peritagem que concluiu que o reencaminhamento de mensagens desse endereço para o ... tinha sido colocado através da conta de Icloud de EE. q) Face a tudo o exposto, é seguro concluir que a Assistente apenas poderia ter tido conhecimento do facto criminoso e do seu autor após a referida investigação/peritagem ao computador, que duas testemunhas e a Assistente situam em setembro de 2018. r) Portanto, impugna-se especificamente o facto 27. da subsecção intitulada “A)Factos Provados” da douta sentença do Tribunal a quo, devendo o mesmo ser, consequentemente, movida para a subsecção “B)Factos não provados”. s) Contudo, a Recorrente não tem apenas discordâncias de facto quanto ao teor da decisão do Tribunal a quo, tendo também discordância de direito. t) Isto porque resulta do n.º 1 do artigo 115.º do Código Penal que, para que comece a contar o prazo de 6 meses que o titular do direito de queixa dispõe para apresentar a referida participação criminal, é necessário o conhecimento cumulativo dos factos e do seu autor. u) Tendo esta sido, inclusive, a conclusão do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2021, de 21 de maio de 2021. v) Mesmo que se possa conceber que a Assistente tomou conhecimento do facto em data anterior, a verdade é que o seu autor apenas foi conhecido após a peritagem/inspeção que teve lugar após o colapso do negócio com a ..., ou seja, após setembro de 2018. w) Sendo a queixa apresentada em 21 de novembro de 2018, portanto, tempestiva. x) Gozando, portanto, o Ministério Público da necessária legitimidade para promover o procedimento criminal quanto aos referidos crimes. y) Impugnam-se, ainda, especificamente as alíneas c), j) e última parte da alínea n) da subsecção intitulada “B) Factos não Provados”, que deverão ser movidas para a subsecção “A) Factos Provados”. z) A alínea c) da subsecção intitulada “B) Factos não Provados” deverá ser movida para a subsecção “A) Factos Provados”, pois, ao dar esta alínea como não provada, a douta sentença do Tribunal a quo encontra-se em contradição consigo mesma. aa)Sendo que o contrário resulta também de diversas passagens do depoimento da testemunha BB, nomeadamente minutos 13:50 e seguintes; minutos 17:40 e seguintes e minutos 1:17:00 e seguintes, tendo neste último trecho a referida testemunha detalhado o procedimento que foi usado pelo Arguido FF. bb)A alínea j) da subsecção “B)Factos não Provados” deve ser movida para a subsecção “A)Factos provados”, devendo a haver uma contradição entre esse alínea e a passagem transcrita da douta sentença no ponto 72. cc)Bem como contradição com o testemunho da Assistente, a minutos 7:55 e seguintes; minutos 8:40 e seguintes; minutos 14:40 e seguintes e minutos 24:00 e seguintes. dd)Situações essas que foram confirmadas pela testemunha BB a minutos 11:00 e seguintes do seu depoimento, 12:20 e seguintes e ainda 1:25:50 do seu depoimento. ee)Tudo circunstâncias que se afiguram como aptas a provocar perturbações na Assistente, bem como receio de que um terceiro lhe possa provocar a si ou à sua família represálias físicas ou psicológicas. ff) A última parte da alínea n) da subsecção “B) Factos não Provados”, onde se escreveu que “O arguido agiu (…), juntando documentos que indicavam que, aquando da eliminação de tais servidores, aqueles se encontravam na ....”, deve ser movida para a subsecção “A)Factos Provados” gg)Isto porque, para justificar a consideração desta factualidade como não provada, escreve-se na sentença que ““O facto a que alude a alínea n), resultou não provado porque esta justificação do arguido de que actuava por ordens da administração e que esta por sua vez estava legitimada por uma decisão judicial, a verdade é que em tal decisão nada é referido quanto aos direitos pessoais de privacidade dos envolvidos, apenas que os emails deverão ser todos conservados, conforme se pode ler naquela decisão, pelo que esta justificação do arguido sai também infirmada pelo teor dos documentos que o próprio juntou.”, ou seja, o Tribunal não duvida que os “documentos” (leia-se, fotos de DD obtidas de forma ilícita) não tenham sido juntas, duvida sim da justificação que FF deu para a sua conduta. hh)Sendo, para além disso, também contrariadas pelo Depoimento da Testemunha BB, a minutos 43:00 e seguintes. ii) Deve, com o supracitado fundamento, ser criado um facto na subsecção “A)Factos Provados”, que dê como provado que “O arguido juntou ao processo que corria termos em ... fotos de DD, obtidas ilicitamente, com o objetivo de indicar que, aquando da eliminação de tais servidores, a família GG se encontravam na ....” Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer o beneplácito do provimento e, em consequência, revogada deve ser a Douta Sentença datada de ... de ... de 2023, e o Arguido condenado por: a) dois crimes de acesso ilegítimo p. e p. pelo artigo 6º, nº 1 da Lei 109/2009 de 15 de setembro; b) dois crimes de devassa da vida privada, previstos e punidos pelo artigo 192.º n.º1, alínea a) e b), do Código Penal; c) um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações p. e p. pelo artigo 194, nº 1 e 2 do Código Penal e artigo 5º, nº 1, al. b) do Código Penal. Deve, também, o facto 27. da subsecção “A) Factos Provados” ser movido para a subsecção “B) Factos não Provados”. Devem ainda as alínea c) e j) da subsecção “B) Factos não Provados” serem movidas para subsecção “A)Factos Provados”, e a última parte da alínea n) da subseção “B) Factos não Provados” ser movida para a subsecção “A) Factos Provados”, permanecendo o resto da referida alínea na subsecção “B) Factos não Provados”, e sendo assim criado um novo ponto na secção “A)Factos Provados”, onde se dê como provado que “O arguido juntou ao processo que corria termos em ... fotos de DD, obtidas ilicitamente, com o objetivo de indicar que, aquando da eliminação de tais servidores, a família GG se encontravam na ....”. Mais deve o arguido ser condenado, e numa indemnização de 10.000€ (dez mil euros), acrescido de juros de mora à taxa legal aplicável até total pagamento; custas, procuradoria condigna e o demais legal. Assim se realizando a habitual justiça!” 3. Foi admitido o recurso, por despacho proferido em ........2024 – Ref .... 4. Respondeu o Ministério Público em ........2024 – Ref 106491. Transcrevem-se as conclusões de tal resposta: “CONCLUSÕES: 1 – Na Douta Sentença recorrida ficou provado nos pontos 27 e 28 da mesma que: “27. AA tomou conhecimento dos factos e do seu autor, em data não concretamente apurada, mas anterior a 14 de Maio de 2018. 28. AA, em seu nome e da sua filha menor, HH apresentou queixa crime pelos factos que são imputados ao arguido nestes autos, em 21 de Novembro de 2018.” 2 – O Tribunal a quo baseou a data em que a assistente teve conhecimento dos factos e do seu autor em data não concretamente apurada mas anterior a 14 de Maio de 2018 tendo em conta que em documento / requerimento apresentado pela assistente e pelo seu marido em processo que correu termos em Tribunal dos ... em 14 de Maio de 2018 (sendo que junto da assinatura consta a data de .../.../2018), 3 – existindo também nesse documento a fls. 22, uma alusão ao ponto 46 da declaração subscrita pelo arguido e alusiva ao email de EE e que fundamentou a queixa apresentada nestes autos, sendo ainda referido nessa página que quem acedeu aos emails foi o “Sr. II”. 4 – Face a esta factualidade provada – provada com base em documentos – quer no que concerne ao momento do conhecimento dos factos e do seu autor, quer no que respeita à data da apresentação da queixa e tendo em conta que os crimes de acesso ilegítimo p. e p. pelo artigo 6º, nº 1 da Lei 109/2009 de 15 de setembro, revestem natureza semi-pública (nº 7 do artigo 6º da citada lei), os crimes de devassa da vida privada, previstos e punidos pelo artigo 192.º, n.º1, alínea a) e b), do Código Penal e o crime de violação de correspondência ou de telecomunicações p. e p. pelo artigo 194, nº 1 e 2 do Código Penal e artigo 5º, nº 1, al. b) do Código Penal revestem igualmente natureza semi-pública (artigo 198º do Código Penal), bem decidiu o Tribunal a quo ao considerar a extemporaneidade da apresentação da queixa nos presentes autos. 5 – Na Douta Sentença recorrida não se mostra violada qualquer disposição legal invocada pela recorrente ou outra. 6 – Nestes termos, deve manter-se o julgado. Assim se decidindo, será feita JUSTIÇA” 5. ........2024, veio o arguido apresentar a resposta ao recurso, que se transcreve – Ref 90126383. Exmos. Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa A sentença recorrida apresenta o seguinte dispositivo: a) a declaração de extinção do procedimento criminal instaurado contra o arguido, ora respondente, quanto aos dois crimes de acesso ilegítimo – previsto e punido pelo artigo 6º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro –, aos dois crimes de devassa da vida privada – previsto e punido pelo artigo 192º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal – e a um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações – previsto e punido pelo artigo 194º, n.º 1 e 2, do Código Penal –, pois, dada a sua natureza semi-pública e verificando-se a extemporaneidade do exercício do direito de queixa, carecia de legitimidade o Ministério Público para prosseguir os respectivos termos; e b) a absolvição do arguido, ora respondente, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de sabotagem informática, previsto e punido pelo artigo 5º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro. Esta decisão impôs-se naturalmente pela liquidez da matéria de facto provada não só sobre o momento a partir do qual deveria ter sido exercido o direito de queixa por parte dos ofendidos, dada a natureza semi-pública dos ilícitos já mencionados, como sobre os elementos típicos do ilícito criminal de sabotagem informática. No entanto, a assistente não se conformou com tal decisão e interpôs recurso, pretendendo a impugnação da matéria de facto provada, a decretação da temporaneidade do exercício do direito de queixa, a condenação do arguido, ora respondente, por todos os crimes que lhe foram imputados no libelo acusatório, e a condenação do respondente no pedido de indemnização cível. Ora, não será necessário desenvolver uma intrincada reflexão jurídica para afastar as pretensões da recorrente, dado que estas se alicerçam em fundamentos espúrios, em interpretações probatórias fantasiosas e num errado entendimento das normas substantivas aplicáveis. Vejamos: A – DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO De acordo com a motivação do recurso interposto pela recorrente, pretende-se a impugnação da decisão sobre a matéria de facto provada e não provada. Desde logo é manifesto que a recorrente não observou o normativo do n.º 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal, porquanto não referiu as especificações previstas no n.º 3 desse mesmo artigo ao consignado na acta de julgamento, nem indicou concretamente as passagens em que funda a impugnação. Na verdade, ao longo de toda a impugnação em crise, a recorrente faz apenas um par de citações – “o ... já é nosso” e “eu nunca tinha visto isto, atenção!” –, parafraseando a seu contento as passagens da prova testemunhal que julga pertinentes. Deste modo, não é possível, nem ao respondente, nem ao tribunal ad quem, confrontar o teor da motivação sobre a decisão de facto da sentença recorrida, com as concretas passagens da prova testemunhal julgada pertinentes pela recorrente, e formular um juízo lógico-jurídico sobre a impertinência ou eventual pertinência da pretensão recorrenda. Consequentemente, deverá ser rejeitada a pretensão do recurso interposto pela assistente, ora recorrente, por incumprimento do preceituado na norma do art.º 412º do Código de Processo Penal, não devendo ser apreciada a impugnação sobre a decisão em matéria de facto do tribunal a quo. Mesmo que assim não se entendesse, de igual modo não colhe a impugnação sobre a decisão em matéria de facto do tribunal a quo. A recorrente pretende impugnar, especificamente, o facto provado n.º 27, a saber, “AA tomou conhecimento dos factos e do seu autor, em data não concretamente apurada, mas anterior a 14 de Maio de 2018”. Ora, para aparentar fundamento probatório à sua motivação, a recorrente oferece várias paráfrases de depoimentos e declarações produzidos em audiência, que não têm, de maneira alguma, a virtude de afastar a precisão esclarecedora da prova documental em que se baseou o tribunal a quo para dar como provado o facto n.º 27. Recordamos que, na sentença recorrida, título III, capítulo C, intitulado “motivação da decisão de facto”, o tribunal a quo explicitou como formara a convicção de que o facto n.º 27 se devia dar por provado, evocando o teor da requerimento de resposta apresentado pela recorrente e marido no processo que correu termos nos ... – documento F junto aos autos com a ref.ª 37477657. Pode-se, então, ler na sentença recorrida que “a convicção do Tribunal para a prova do facto constante do ponto 27, resulta do teor do requerimento de resposta que EE e marido apresentaram no processo que correu termos nos ..., do qual resulta que o mesmo foi ali apresentado em 14 de Maio de 2018, e junto às assinaturas de EE consta a data de 11 de Abril de 2018. Nesse documento consta também a fls. 22, uma alusão ao ponto 46 da declaração subscrita pelo arguido e alusiva ao mail de EE e que fundamentou a queixa apresentada nestes autos, sendo ainda referido nessa página que quem acedeu aos emails foi o «Sr. II».” Assim, deste documento, cuja credibilidade e valor probatório são indisputáveis, decorre a demonstração inabalável dos seguintes factos: a) em 14 de Maio de 2018, a recorrente e o marido, BB, deram entrada a um requerimento de resposta num processo que corria termos nos ...; b) a recorrente e o marido, BB, assinaram tal requerimento, porquanto se representavam a si mesmos naquele processo; c) a recorrente e o marido, BB, assinaram o requerimento em data anterior a 14 de Maio de 2018; d) nesse requerimento apresentado em 14 de Maio de 2018, a recorrente e o marido, BB, pronunciaram-se expressamente sobre as fotos e email tratados nos autos (ver pág. 20 a 24 do documento F), abordando manifestamente os factos que foram objecto da queixa-crime apresentada em 21 de Novembro de 2018; e) no requerimento apresentado em 14 de Maio de 2018, a recorrente e o marido, BB, imputam os mencionados factos ao arguido, ora respondente – referindo-se a este, primeiro, como Sr. FF e, depois, como Sr. II. Estes elementos de facto decorrem directamente de tal prova documental e foi por isso que permitiram ao tribunal a quo formar a convicção sobre a demonstração do ponto 27 da matéria de facto, considerando-o provado. Como pretendeu, então, a recorrente, no seu recurso, infirmar os factos que decorriam da citada prova documental? Produzindo, em sede de julgamento, um documento idóneo, cujo teor fornecesse elementos de facto contrários àqueles? Não, a recorrente não poderia realizar o impossível e, por isso, decidiu discorrer extensamente sobre a sua falta de memória daquele evento, nomeadamente, da data de entrada de tal requerimento de resposta, deflectindo a problemática e tentando estabelecer num momento muito ulterior a data do conhecimento dos factos e do seu agente – salvo o devido respeito, uma estratégia absurda. Toda a argumentação discorrida pelos pontos 6 a 30 da motivação de recurso, alicerçada apenas em paráfrases de certas declarações e testemunhos, não convence o intérprete da prova produzida em audiência, como não convenceu o tribunal a quo, pois trata-se apenas de um exercício de fantasia da recorrente – e a prova documental já referida e acolhida na sentença recorrida é sobejamente esclarecedora e precisa para sequer entreter as ficções da recorrente. Aliás, deve ser referido que, mesmo que a recorrente tivesse citado concretamente as passagens dos testemunhos, depoimentos e declarações produzidos em audiência de julgamento, com a finalidade de impugnar a matéria de facto provada na sentença recorrida, não lograria, de qualquer modo, produzir o mínimo abalo sobre a prova da factualidade do ponto 27, porquanto aqueles meios de prova não têm, nem nunca tiveram a virtude de colocar em crise os elementos de facto decorrentes do documento F junto aos autos com a referência 37477657, como, aliás, bem entendeu o tribunal a quo na sentença recorrida. Na verdade, a recorrente julga que basta declarar que não se recorda de algo (data da entrada do requerimento de resposta no processo que correu termos nos tribunais dos ...) para anular toda a prova que o tribunal a quo apreciou em audiência de julgamento e validou na sentença recorrida, devendo, por isso, validar-se apenas a data de que diz recordar-se – fantasia arrogante da recorrente, que não pode o respondente deixar aqui de mencionar. Reitera-se, portanto: em data anterior a 14 de Maio de 2018, a recorrente e o marido, BB, tinham já tomado conhecimento dos factos que foram objecto de queixa-crime em 21 de Novembro de 2018; assim como em data anterior a 14 de Maio de 2018, a recorrente e o marido, BB, conheciam e identificavam o arguido, ora respondente, como autor de tais factos. É, no entanto, interessante Assim, o facto provado 27 deve conservar-se na decisão recorrida nos moldes em que foi estabelecido – bastando ler o documento F junto aos autos com a referência 37477657 e considerado na sentença recorrida, para compreender a exacta fundamentação daquele facto provado. Nestes termos e nos demais de Direito, deverá rejeitar-se a pretensão da recorrente, mantendo-se a decisão proferida em matéria de facto. II – DA CADUCIDADE DO DIREITO DE QUEIXA Para acolher a pretensão aduzida pela recorrente no ponto II, alínea a), da motivação de recurso, seria necessário admitir a modificação da decisão sobre a matéria de facto provado, que a mesma tentou operar no ponto I da motivação de recurso – o que é, como demonstrado supra, impossível de realizar. No entanto, importa aqui responder às questões suscitadas pela recorrente sobre o direito de queixa em presença da decisão sobre matéria de facto provada na sentença recorrida. Antes de mais, recordamos que a questão da temporaneidade do exercício do direito de queixa se refere aos factos que são susceptíveis de preencher os elementos típicos dos dois crimes de acesso ilegítimo – previsto e punido pelo artigo 6º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro –, dos dois crimes de devassa da vida privada – previsto e punido pelo artigo 192º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal – e do crime de violação de correspondência ou de telecomunicações – previsto e punido pelo artigo 194º, n.º 1 e 2, do Código Penal –, dado que estes tipos de ilícito criminal têm natureza semi-pública e, por isso mesmo, exigem o regular e atempado exercício de direito de queixa para conferir legitimidade ao Ministério Público para prosseguir o respectivo procedimento criminal. Estabelece o artigo 115º, n.º 1, do Código Penal que “o direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores”. Como explanado supra, é inquestionável que, já em data anterior a 14 de Maio de 2018, a recorrente e o marido, BB, conheciam os factos pertinentes e identificavam o arguido, ora respondente, como seu autor, uma vez que, em 14 de Maio de 2018, apresentaram, em representação própria e pelo próprio punho, um requerimento de resposta em processo a correr termos nos ..., no qual, precisamente, descreveram tais factos e identificaram o respondente como a pessoa que os praticara – e para tira-teimas, leia-se o documento F junto aos autos com a referência 37477657, um acervo documental referido e apreciado expressamente na sentença recorrida. Deste modo, há que determinar a data a partir da qual a recorrente (enquanto queixosa) teve comprovadamente o conhecimento dos factos mencionados e do seu autor, sendo manifesto que tal duplo conhecimento se pode determinar, no limite, a 14 de Maio de 2018; isto significa que o prazo de seis meses transcorreria inteiramente a 14 de Novembro de 2018, o que determinaria a caducidade do direito de queixa sobre os factos que eram susceptíveis de preencher os tipos de ilícito criminal mencionados e imputados nos presentes autos Ora, a recorrente apresentou queixa-crime contra o arguido, ora respondente, em 21 de Novembro de 2018, pelos mencionados factos (ponto 28 da matéria de facto provada na sentença recorrida). Citemos a sentença recorrida: “considerando os factos dados como provados – pontos 26 e 27 –, verifica-se que relativa a um crime de acesso ilegítimo (ponto 13), um crime de acesso ilegítimo (ponto 17), um crime de devassa da vida privada (ponto 14), um crime de devassa da vida privada (ponto 17) e um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações (ponto 13), tendo a ofendida tomado conhecimento dos factos e do seu autor em data anterior a 14 de Maio de 2018, quando a queixa em causa foi apresentada pela denunciante em seu nome e em representação da sua filha menor, já se encontrava decorrido um prazo superior a 6 meses sobre aquela data, quanto a estes crimes, razão pela qual estava já extinto o direito de queixa.” Consequentemente, é irrelevante todo o argumentário da recorrente na sua motivação de recurso sobre os requisitos exigidos pelo n.º 1 do art.º 115º do Código Penal, uma vez que resta demonstrado na sentença recorrida que a recorrente, enquanto ofendida e denunciante, detinha em 14 de Maio de 2018 tanto o conhecimento dos factos como do respectivo autor – não se compreende, portanto, a insistência da recorrente sobre a necessidade de cumular tal conhecimento para desencadear o prazo de seis meses para o exercício do direito de queixa: estes requisitos estão plenamente verificados em 14 de Maio de 2018. Por outro lado, basta ler o documento F com a referência 37477657 para ser evidente que a recorrente tinha “a noção de que poderá estar a ser vítima de um crime” (cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Dezembro de 2015). Deste modo, bem andou o tribunal a quo ao decidir que caducara, por exercício extemporâneo, o direito de queixa da recorrente, em nome própria e em representação da filha menor, pelo que, ao declarar a extinção do procedimento criminal instaurado contra o arguido, ora recorrente, quanto aos crimes supra-citados de natureza semi-pública, o tribunal a quo observou rigorosamente as normas aplicáveis ao caso concreto. Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser rejeitada a pretensão da recorrente de considerar atempado o exercício do direito de queixa em crise, pelo que se deve conservar a sentença recorrida nos exactos moldes em que foi proferida. III – DAS QUESTÕES SOBRE O PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL Na sentença recorrida, em que se julgou extinto o procedimento criminal quanto aos crimes de natureza semi-pública imputados ao arguido, ora respondente, o tribunal a quo entendeu prejudicado “o conhecimento do pedido de indemnização cível deduzido pela prática destes crimes e as questões jurídicas suscitadas na contestação, designadamente a ilegitimidade da demandante”. Por isso, na motivação de recurso, a recorrente tenta ressuscitar a discussão sobre o mérito do pedido de indemnização civil formulado contra o arguido, ora respondente, como se tivesse resolvido a problemática insuperável da caducidade do direito de queixa. Ao longo da motivação de recurso consagrada ao pedido de indemnização cível, a recorrente tenta inverter o sentido da prova produzida em audiência, propondo a modificação da decisão sobre a matéria de facto não provada na sentença, e, para tal, usa os mesmos modos e expedientes a que recorrera nas anteriores partes da sua motivação: paráfrases, confusões e fantasias. Se, tal como na impugnação da matéria de facto (ponto I da motivação de recurso), a recorrente não produz uma indicação concreta das passagens que julga pertinentes para impugnar a decisão de facto, como prescrito pelo artigo 412º, n.º 3, do Código de Processo Penal, mas recria apenas o teor das suas declarações e do testemunho de BB, resta o respondente impedido de conhecer e sindicar o objecto do recurso sobre tal matéria. Ainda assim, por dever de ofício, o respondente tentará seguir e rebater o arrazoado da recorrente nos três grupos de “questões” que suscitou nesta secção da motivação de recurso, a saber, nos pontos 63 a 69, 70 a 81 e 83 a 91. Nos pontos 63 a 69 da motivação de recurso, a recorrente pretende impugnar a factualidade não provada na sentença recorrida e constante da alínea c) do capítulo B, intitulado “factos não provados”, sob o título III – fundamentação. A recorrente entende existir uma contradição entre o facto não provado da alínea c) e os factos provados do ponto 17 e 26, contradição que deveria ser sanada com assunção da alínea c) como facto provado. No entanto, na motivação da decisão de facto, o tribunal a quo explica que “o facto constante da alínea c) resultou não provado porque se demonstrou o que consta dos pontos 17 e 26.” Esta frase só pode ser interpretada e entendida no sentido de ser despiciendo dar como provado o facto da alínea c), porque o seu teor se encontra reproduzido já na factualidade provada dos pontos 17 e 26; na verdade, o teor dessa alínea c) encontra-se integralmente reproduzido na parte final do ponto 26. Quanto a esta questão, a pretensão da recorrente é frívola, porquanto nada adianta, em termos jurídico-penais, fazer migrar o teor da alínea c) dos factos não provados para a factualidade provada, uma vez que aquele teor já se encontra nos factos provados do ponto 26. Assim, por ser juridicamente irrelevante a repetição de factualidade provada na sentença recorrida, importará rejeitar a pretensão da recorrente quanto à prova da alínea c) dos factos não provados – é desnecessário para a decisão recorrida e para os fins do recurso, além de que na sentença recorrida se encontra explicação suficiente para compreender a razão que tutelou o tribunal a quo no afastamento de tal alínea dos factos provados. Nos pontos 70 a 81 da motivação de recurso, a recorrente pretende impugnar a factualidade não provada na sentença recorrida e constante da alínea j) no capítulo B, intitulado “factos não provados”, sob o título III – fundamentação. Toda a argumentação da recorrente, naqueles pontos 70 a 81, é espúria e irrelevante para infirmar a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto. Antes de mais, importa recordar que, na sentença recorrida, o tribunal a quo considerou que, para o facto aludido na alínea j), não fora “produzida prova consistente e/ou consistente quanto aos mesmos”, explicitando ainda as limitações da prova produzida e a incapacidade da demandante, ora recorrente, em distinguir actos do ora respondente, e a situação vivida com o encerramento da empresa: “aqui chegados, cumpre dizer que estes factos foram dados como não provados não que se entenda que a demandante e família não sintam tudo o que consta destas alíneas, mas porque tais estados derivam da «guerra», para utilizar a expressão da demandante, que empreenderam com a perda da empresa que aparentemente criaram e que tinha um valor significativo” Na verdade, o tribunal a quo bem compreendeu a realidade que estava subjacente aos danos não patrimoniais inscritos pedido de indemnização cível, onde a demandante confundiu sistematicamente eventuais danos próprios decorrentes do “inferno” que foi o encerramento da empresa com supostos danos sofridos com os actos imputados ao ora respondente, ou mesmo presumíveis danos do marido, BB, com danos próprios, entre outras operações de confusão. Mas atenda-se às paráfrases usadas pela recorrente 73 a 77 da motivação de recurso; mesmo numa reprodução livre e partidária, a inconsistência dos respectivos conteúdos é manifesta, insistindo em interpretações alicerçadas em rumores, suposições sectárias e fantasias. Além do mais, a partir dos pontos 73 a 77 da motivação de recurso, é impossível estabelecer, com o mínimo de segurança e confiança, o nexo de causalidade entre comportamentos imputados ao ora respondente e o estado emotivo que a recorrente descreve. A recorrente confunde presunção com convicção, confusão que perpassou ao longo do julgamento e que, agora, na motivação de recurso, desponta a cada página. Nestes termos, deverá ser rejeitada a pretensão da recorrente por não ser possível, nem com toda a prova produzida em julgamento, nem, muito menos, com as paráfrases da recorrente, concluir pelo erro de julgamento do tribunal a quo sobre a alínea j) da factualidade não provada. Nos pontos 83 a 91 da motivação de recurso, a recorrente pretende ainda impugnar a factualidade não provada na sentença recorrida e constante da alínea n) do capítulo B, intitulado “factos não provados”, sob o título III – fundamentação. Quanto a esta questão, se atendermos ao teor da factualidade não provada que a recorrente pretende que seja dada como provada, é manifesta a irrelevância da pretensão. Na verdade, nos pontos 13 a 15 da factualidade provada na sentença recorrida, pode ler-se precisamente que o arguido juntou as fotos referidas ao processo judicial que corria nos ..., com o propósito de demonstrar que a família da recorrente estava na .... Além do mais, a recorrente esquece selectivamente que a alínea n) da factualidade não provada tem outra configuração, sendo um compósito de factos alegados pelo arguido, ora respondente, na sua contestação, pelo que se pode ler na sentença recorrida, na alínea n) do capítulo B, título III: “n) o arguido agiu com a intenção de apresentar prova ou indício da prática de acto lesivo na esfera jurídico-patrimonial da ... por parte de JJ e BB junto ao tribunal judicial supra-identificado, ou seja, pretendendo demonstrar que JJ e BB teriam eliminado servidores de produção daquela sociedade a partir de um endereço de IP oriundo da ..., juntando documentos que indicavam que, aquando da eliminação de tais servidores, aqueles se encontravam na ....” A truncagem operada pela recorrente na motivação de recurso, ao citar a alínea n) da factualidade não provada, não é inocente, pois visa criar a aparência de erros de julgamento por parte do tribunal a quo; contudo, esta estratégia é transparente e falha, pelo que não pode colher nesta sede de recurso. Nestes termos, deverá ser rejeitada igualmente a pretensão da recorrente em modificar a decisão proferida em matéria de facto não provada. Por fim, não pode o respondente deixar de recordar V. Exas. que, na contestação ao pedido de indemnização cível, suscitou questões, tanto sobre a legitimidade da demandante, ora recorrente, como sobre a razoabilidade do pedido e da causa de pedir, que não foram apreciadas pelo tribunal a quo pelas razões indicadas na sentença recorrida, como supra-alegado. Deve ainda o respondente recordar V. Exas. do documento G junto aos autos com a referência 37477657, documento considerado na decisão recorrida, uma vez que na página 12 se referem aspectos que talvez esclareçam este tribunal ad quem acerca do teor do recurso interposto pela recorrente; naquele documento G, pode ler-se o aresto do Tribunal Distrital dos Estados Unidos, Distrito Central da ..., que, ao aceitar a Moção de Sanções do Autor (...), considerou que “as acções dos Réus (KK e EE) constituem uma violação intencional e de má-fé da Injunção Preliminar. O Objectivo da TRO e da Injunção Preliminar era permitir que o Autor operasse os seus negócios durante a pendência deste litígio. Ao excluir as informações e, de outra forma, interferir intencionalmente na capacidade do Autor em operar o seu negócio, os Réus violaram tanto a letra como o espírito das Ordens do Tribunal. Essas acções deliberadas estabelecem que os Réus se esforçaram para frustrar a autoridade do Tribunal e impedir a resolução da disputa sobre o mérito. Ambos os Réus, enquanto representados por um advogado e agora enquanto se auto-representam, mostraram um total desrespeito pelo papel de investigação destes factos e intencionalmente e de má-fé violaram as Ordens do Tribunal, sempre que decidiam que era do seu interesse fazê-lo. A conduta dos Réus ameaçou “a administração ordenada da justiça e a integridade das ordens do tribunal (…) As conclusões do Tribunal de que os Réus intencionalmente e de má-fé violaram os termos da Injunção Preliminar e intencionalmente destruíram informações armazenadas electronicamente, são apoiadas pelas oportunidades do Tribunal observar GG (BB)”. Nestes termos e nos demais de Direito, deverá ser o recurso interposto pela recorrente rejeitado na sua totalidade, porquanto não logra afastar a justa e precisa fundamentação do tribunal a quo na prolação do dispositivo da sentença recorrida, devendo conservar-se esta nos exactos termos em que foi proferida.” 6. Remetidos os autos a este Tribunal, nos termos e para os efeitos no art. 416º do C.P.P., foram os autos com vista ao Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, que emitiu o Parecer que se transcreve – Ref 2228860: “A assistente/recorrente interpôs recurso da douta sentença lavrada nos autos (ref. ...). Ao recurso interposto respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal “a quo”. Parecer Acompanhamos a resposta apresentada pelo magistrado do Ministério Público na primeira instância. Invocando tudo quanto foi dito, também entendemos que a decisão deve ser mantida e emitimos parecer no sentido da improcedência do recurso interposto. Lisboa, ... de ... de 2024” Notificada tal parecer, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417º, nº2, do CPP, veio a Assistente apresentar resposta, reiterando o antes alegado. Após exame preliminar, foram colhidos os vistos legais. Foram os autos à conferência. II Fundamentação 1. Conforme jurisprudência pacífica o Supremo Tribunal de Justiça – vide, por todos e dada a demais jurisprudência nele referida, Ac. de 28.4.99, CJ/STJ, 1999, tomo 2, página 196 -, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, isto sem prejuízo do conhecimento oficioso das questões elencadas no art. 410º, nº2, do C.P.P.. Assim, face às conclusões apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as questões que constituem o objecto do recurso: - Impugnação da matéria de facto. - Da extinção do direito de queixa. - Da parcial nulidade da sentença nos termos do preceituado no artigo 379º, nº1, al. c), do CPP. 2. Transcreve-se a decisão recorrida, na parte relevante: “I - RELATÓRIO O Ministério Público acusou, para julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, FF, nascido ...-...-1971, filho de LL e de MM, natural do ..., solteiro, residente na ..., em Lisboa imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada de dois crimes de acesso ilegítimo p. e p. pelo artigo 6º, nº 1 da Lei 109/2009 de 15 de setembro, na redação vigente à data dos factos, e artigo 5º, nº 1, al. b) do Código Penal, de dois crimes de devassa da vida privada, na forma consumada, previstos e punidos pelo artigo 192.º, n.º1, alínea a) e b), do Código Penal, um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações p. e p. pelo artigo 194, nº 1 e 2 do Código Penal e artigo 5º, nº 1, al. b) do Código Penal e um crime de sabotagem informática p. e p. pelo artigo 5º, nº 1 da Lei 109/2009 de 15 de setembro, na redação vigente à data dos factos, e artigo 5º, nº 1, al. b) do Código Penal. O arguido apresentou contestação e arrolou testemunhas. * A ofendida AA deduziu pedido de indemnização cível por danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor de €31.000,00. * Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, com observância do formalismo legal. *** II – SANEAMENTO Mantêm-se os pressupostos de regularidade e validade da instância. Inexistem quaisquer questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da presente causa e de que cumpra neste momento conhecer. *** III - FUNDAMENTAÇÃO A) Factos Provados Da instrução e discussão da causa e com interesse para a boa decisão da mesma resultaram provados os seguintes factos: Da acusação: 1. A queixosa EE e o seu marido BB decidiram constituir, nos ..., a empresa “...”, com o objetivo de desenvolver comercialmente, no mercado americano, a plataforma informática “D…” disponibilizada na internet através da página http:…, da propriedade daqueles. 2. Uma vez constituída a sociedade, foram criados endereços de correio eletrónico profissionais para os trabalhadores da empresa assim como para os administradores da “...”, designadamente, EE ficou com a conta de endereço eletrónico designada .... 3. No início do ano de 2016, os acionistas maioritários da “...” decidiram afastar EE e o seu marido da administração da empresa, e após o decurso de ações nos tribunais norte-americanos, aqueles acabaram por renunciar à administração, deixando de ter qualquer ligação à empresa. 4. Na sequência desta renúncia, em junho de 2017, no Tribunal Judicial dos ..., Distrito Central da ..., foi proferida uma decisão judicial provisória que decretou que o acesso a todos os dados informáticos da “...” (contas de ..., e-mails, contas de produção dos serviços informáticos da ..., acesso e controlo do domínio da empresa) passariam a estar na posse da nova administração da “...” e que EE e BB ficavam obrigados a proceder à entrega desses dados. 5. Em ..., o arguido, engenheiro informático, residente na ..., em ... foi contratado para trabalhar remotamente com os novos administradores da “...” para efetuar a transição do domínio webspectator.com, designadamente, o acesso aos servidores AWS da ..., da conta ... e acesso aos e-mails da empresa. 6. Após a decisão judicial supramencionada e na execução da transição, foi criada pela equipa informática – na qual o arguido se inseria - uma conta de catchall, denominada ..., na qual caíam todos os e-mails dos antigos trabalhadores e administradores (onde se incluíam a queixosa e o seu marido) enviados para o domínio webspectator.com. 7. Acontece que, em data não concretamente apurada, mas anterior a ..., desconhecidos procederam ao reencaminhamento das mensagens de correio eletrónico da conta pessoal de EE – ... – para o e-mail profissional ..., sem conhecimento da mesma. 8. Uma vez que este reencaminhamento estava ativo, os e-mails que eram enviados para a conta ... eram direcionados para o endereço ... e, consequentemente, “caíam” na conta de catchall a que o arguido tinha acesso. 9. O arguido, para além de aceder aos e-mails enviados para ..., acedia igualmente aos e-mails enviados para a conta pessoal da queixosa, ou seja, ..., e aproveitando-se de tal circunstância abria as mensagens de correio eletrónico que eram enviadas e recebidas em ambas as contas. 10. Não obstante o arguido conhecer pessoalmente EE, não a informou que o redireccionamento estava ativo e, pelo menos entre ... e data não concretamente apurada do ano de 2018, entrou no correio eletrónico do endereço ..., a qual continha diversas mensagens de correio eletrónico recebido e enviado por EE, que o arguido leu. 11. No âmbito do processo referido no ponto 4 e que correu termos num Tribunal de ..., em maio de 2018 o ora arguido, que então residia habitualmente em ..., foi chamado a depor como testemunha. 12. Uma vez que com o seu depoimento pretendia demonstrar que, em seu entendimento, em 26 de junho de 2017 EE e BB teriam eliminado servidores de produção da ... a partir de um endereço de IP oriundo da ..., decidiu juntar a esse processo documentos que demonstrassem que, aquando da eliminação dos servidores, aqueles encontravam-se na .... 13. Assim, e uma vez que através da conta de catchall conseguia entrar na conta pessoal da queixosa – ... -, em data não apurada no mês de maio de 2018, o arguido entrou nessa conta de correio eletrónico e extraiu um e-mail que continha uma notificação enviada pelo Facebook que informava que BB a havia identificado numa publicação localizada em .... 14. Uma vez na posse desse email, sem a autorização de EE, o arguido, juntou-o ao processo que corria termos no Tribunal de .... 15. Ainda na concretização do seu propósito de demonstrar que a família de EE estava na ..., o arguido decidiu obter fotografias da menor DD, filha de EE, que tivessem sido publicadas no seu perfil de Instagram e, após, juntar as fotos ao processo judicial que corria nos .... 16. Em concretização de tal plano, e uma vez que o perfil de DD (com o URL...) era privado e apenas as contas que a seguissem podiam ter acesso, em ...-...-2018 o arguido fez reset da senha da conta de ...”, associada ao endereço de correio eletrónico ...., que estava no catchall da ... e de que fora titular BB, pai da menor, desta forma perturbando o acesso à conta de Instagram pelo seu titular BB. 17. Uma vez efectuado o reset da senha da conta “M…”, que seguia a conta de Instagram de DD, logrou entrar na mesma. 18. O arguido agiu de forma livre e consciente, com o propósito concretizado de aceder ao sistema informático de gestão da conta de correspondência eletrónica de EE, sem autorização e contra a vontade desta e sem que tal lhe fosse permitido por lei, aproveitando-se do reencaminhamento de correio eletrónico, assim violando um procedimento de segurança de tal sistema. 19. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de divulgar no processo que corria nos ... o e-mail que continha a notificação do Facebook sabendo que no mesmo constavam factos de natureza privada e pessoal de EE, bem sabendo que o fazia contra a sua vontade e sem consentimento. 20. O arguido acedeu a correspondência pessoal e eletrónica de EE, sem a sua autorização e decidiu divulgá-la num processo judicial, agindo de forma livre, deliberada e consciente. 21. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de devassar a vida privada de DD e de violar o direito desta à reserva sobre a intimidade da vida privada, divulgando, desta forma, factos de natureza privada e pessoal, respeitantes ao seu corpo, bem sabendo que o fazia contra a vontade e sem o consentimento daquela. 22. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de aceder ao perfil de Instagram de DD, sem autorização e contra a vontade desta e sem que tal lhe fosse permitido por lei. 23. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de fazer “reset”/alterar as palavras passe da conta de ...”, bem sabendo que tal impediria e perturbaria o acesso a tal conta do seu utilizador. 24. O arguido sabia que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Mais se provou que: 25. A sociedade identificada no ponto 1 foi constituída em .... 26. O arguido, nas circunstâncias aludidas no ponto 17, após entrar na conta do instagram da menor, visualizou fotos da menor, e através do “browser tor”, acedeu àquelas fotos publicadas no instagram de DD e sem a sua autorização extraiu duas fotos da menor (que estava em biquíni) que juntou aquando do depoimento que prestou no processo que corria no tribunal norte-americano. 27. AA tomou conhecimento dos factos e do seu autor, em data não concretamente apurada, mas anterior a 14 de Maio de 2018. 28. AA, em seu nome e da sua filha menor, HH apresentou queixa crime pelos factos que são imputados ao arguido nestes autos, em 21 de Novembro de 2018. 29. O arguido é programador informático há mais de 25 anos 30. É titular de uma empresa unipessoal, auferindo um rendimento anual liquido de € 20.000,00. 31. Vive sozinho em casa própria. 32. De despesas fixas mensais, o arguido em a prestação mensal de € 335,00 para amortização do empréstimo que contraiu para adquirir a casa. 33. De habilitações literárias o arguido tem uma licenciatura em ... .... 34. O arguido não tem antecedentes criminais registados. Do Pedido de Indemnização Cível: 35. A Demandante receia constantemente ser alvo de intromissões na sua vida privada e dos seus familiares diretos, a sua filha menor e do seu marido. 36. A Demandante deixou de ter confiança em utilizar as suas comunicações, nomeadamente sente-se observada sempre que envia ou recebe e-mails para ou de algum dos seus contactos. 37. A Demandante receia que o Demandado a observe, bem como aos seus familiares e use de alguma forma informações que consiga obter contra si. B) Factos Não Provados: Não resultaram provados os seguintes factos, com relevância para a boa decisão da causa: Da Acusação: a) A sociedade identificada em 1., foi constituída no ano de .... b) O termo do período de tempo aludido em 10, ocorreu em .... c) Nas circunstâncias aludidas no ponto 17 o arguido sem a autorização extraiu duas fotos da menor (que estava em biquíni) que juntou aquando do depoimento que prestou no processo que corria no tribunal norte-americano. Do Pedido de Indemnização Cível: d) Em consequência das condutas do demandado, a demandante vive perturbada por sofrer com o estado psicológico com que a sua filha, atualmente com 17 anos de idade vive, desde o ano de .... e) A Demandante deixou de usar redes sociais pois sente que as fotos e informações que publicar nas redes sociais poderão ser usadas por terceiros para a prejudicar. f) A Demandante vive com constantes crises de ansiedade. g) A Demandante dorme mal de noite, porquanto não consegue deixar de pensar que a sua vida privada ou a dos seus familiares pode ser devassada a qualquer momento por terceiros, sem que a mesma tenha conhecimento que tal está a acontecer. h) A Demandante sofre por ver a crise de ansiedade em que a sua filha menor DD passou a viver desde ..., data a partir da qual deixou de publicar fotos em redes sociais, com receio que tais fotos possam ser utilizadas por terceiros contra si ou contra os seus familiares. i) A Demandante sofre por ver a crise de ansiedade em que o seu marido vive que igualmente deixou de usar redes sociais, usando fotos e indicando as suas localizações geográficas de forma que as mesmas possam ser usadas por terceiros contra si ou contra a sua filha ou esposa. j) A Demandante sofre e vive perturbada ao ponto de desconfiar que o Demandando ou qualquer outro terceiro lhe possa provocar a si, à sua filha ou ao seu marido represálias físicas ou chantagem psicológica. k) A filha menor da Demandante e o marido sofrem por verem o estado de ansiedade e temor em que esta vive, ao ponto de não querer sair de casa, andar triste, amedrontada, tomar calmantes e ter receio de usar as redes sociais como era habitual fazer. l) A Demandante e a filha sofrem com o facto de não terem tido oportunidade de ir viver para os ..., porquanto as mesmas não sentem segurança em deixarem a sua casa em ... e irem viver para um país estrangeiro. m) Devido ao estado de ansiedade e nervosismo em que a Demandante encontrava, em consequência dos comportamentos ilícitos por parte do Demandado, e ainda se encontra até à presente data, a mesma teve de recorrer e continua a recorrer a consultas médicas para si e para a sua filha menor NN, medicação calmante, teve de adquirir novos equipamentos informáticos (tablets, computadores, telemóveis, etc.) para si e para os seus familiares. Da Contestação: n) O arguido agiu com a intenção de apresentar prova ou indício da prática de acto lesivo na esfera jurídico-patrimonial da ... por parte de EE e BB junto ao tribunal judicial supra-identificado, ou seja, pretendendo demonstrar que JJ e BB teriam eliminado servidores de produção daquela sociedade a partir de um endereço de IP oriundo da ..., juntando documentos que indicavam que, aquando da eliminação de tais servidores, aqueles se encontravam na .... o) O arguido agiu no estrito âmbito de uma decisão judicial, isto é, a sua conduta desenvolveu-se no domínio da permissão legal e consentimento decretados judicialmente. p) O arguido agiu sempre com a consciência de estar a cumprir a decisão judicial supra-mencionada quando acedeu aos e-mails que “caíam” na conta de catchall, denominada ... – acesso feito com o fim de verificar a pertinência de tais e-mails para a transição administrativa. q) O arguido sempre considerou que os actos de acesso a e-mails, contas de ..., contas de produção dos serviços informáticos da ..., ao domínio da empresa, isto é, os acessos a todos os dados informáticos da ..., estavam justificados e fundados legalmente pelo teor da referida decisão judicial. C) Motivação da Decisão de Facto O Tribunal formou a sua convicção com base na valoração conjunta e crítica da prova produzida em sede de audiência de julgamento e de acordo com as regras da experiência comum. O arguido advertido do direito ao silêncio optou por prestar declarações, tendo admitido, no essencial, a prática dos factos, apresentando como justificação para a prática dos mesmos, a circunstancia de ter actuado ao abrigo de ordens emanadas da sua administração, a qual, por sua vez, estava legitimada por uma decisão judicial proferida no âmbito de um procedimento cautelar, em virtude de um litígio existente na altura entre a aquela empresa e os anteriores administradores. Nega que tivesse actuado com intenção de devassar a vida privada da família GG. Refere que abriu “tudo” (sic) o que caiu na conta “catchall” e sabendo a existência dos reencaminhamentos não avisou a sua ex-colega, JJ. Declarou ainda que visualizou a correspondência endereçada a correio electrónico privado de EE porque aquela estava a “cair” na conta catchall e só após abrir a correspondência é que era possível saber que era correspondência privada. Assim, para prova dos factos constantes dos pontos 1 a 17 e 25 e 26, o Tribunal contou com as declarações do arguido nos termos supra referidos, as quais foram corroboradas pelas declarações da ofendida AA e todas as demais testemunhas inquiridas. Relevante para a prova destes factos, para além das declarações confessórias do arguido do teor dos documentos foi o depoimento da testemunha, AA, e ofendida nestes autos, que não obstante essa qualidade, quanto a estes factos foi credível porque corroborados por outros elementos prova, designadamente documentais. Com efeito, deu nota dos vários emails pessoais que o arguido teria aberto pois caso contrário não teria conhecimento de uma série de factos, que passou a conhecer em virtude de ler correspondência sua. Explicou também que tendo sido colegas de trabalho, não fosse o caso de ser notória a inveja do arguido, tê-la-ia avisado que a sua correspondência electrónica estava a ser encaminhada para a conta criada posteriormente à sua saída da empresa. Referiu ainda esta testemunha quando confrontada com os fotogramas de fls. 75 e 76, que o arguido utilizou o “browser tor” para não “deixar rasto” da visita na página do instagram da filha NN. Ou seja, o arguido após entrar no instagram de NN visualizou as fotografias, mas não as extraiu a partir dessa plataforma, optando por utilizar o “browser tor” para a extrair sem que se ficasse a saber quem o fazia, o que já não precisou de fazer quanto à sua própria fotografia. (Duma pesquisa sumária no google resulta que este browser é utilizado para quem quer navegar de forma anónima na internet). A testemunha OO, marido da ofendida, também relatou, sem qualquer contradição, com conhecimento directo dos factos e com conhecimento da temática em discussão (informática), todo o circunstancialismo relacionado com a prática dos factos, esclarecendo, ainda, a data da constituição da sociedade ... e da sua renúncia e da sua mulher à administração. Explicou de forma absolutamente gráfica e consistente e esclarecedora com base até em figuras similares de correspondência em papel, a forma como os emails privados da sua mulher se apresentavam na tal conta catchal, de forma totalmente autónoma, não se tratando de uma simples e vulgar “forwarded message”. Ou seja, segundo a testemunha (fundador da ... e criador do software tão disputado e que, segundo um artigo junto aos autos pelo arguido, no ano de ..., atingiu tinha 430 milhões de visitantes, tornando esta plataforma, uma das cinco principais redes de publicidade dos ...), comparando com o correio em papel, o reencaminhamento mais comum e designado pela palavra “forward” é o correspondente a alguém que mete um envelope dirigido à pessoa A dentro de um envelope dirigido à pessoa B, na caixa do correio desta. O que foi feito, no caso, não foi isto. Foi o correspondente a alguém que mete um envelope dirigido à pessoa A na caixa do correio da pessoa B. É evidente que neste caso não é preciso abrir o envelope para que a pessoa a quem pertence a caixa do correio saber que a correspondência é privada e dirigida a um terceiro. Ou seja, o reencaminhamento que foi feito foi algo muito mais complexo e que não é para ser feito por um simples utilizador, pois é feito ao nível do servidor, e que, ao contrário do reencaminhamento comum, a caixa de correio à qual se destina a correspondência continua também a receber os mesmos emails, não se apercebendo por isso do reencaminhamento. Por este motivo e dada a formação e experiência do arguido, a convicção desta testemunha é que o próprio reencaminhamento poderá ser sido feito também pelo arguido. Relatou que o arguido entregou cópia de um email pessoal e de fotografias da sua filha menor tiradas na ... para que fossem juntas a um processo judicial. Quanto ao acesso à conta de instagram da sua filha, esta testemunha, prestou também um depoimento de forma absolutamente cristalina sobre todo o procedimento do arguido, aliás admitido pelo próprio arguido, corroborando o depoimento da testemunha anteror, explicando que o arguido apesar de ter tido acesso à conta do instagram da sua filha através da sua conta de instagram …, e por ter efectuado um reset da senha dessa sua conta tentou esconder esses passos, acendendo posteriormente às fotografias, através do browser about tor” que é um browser que “ofusca toda a navegação”, utilizado por quem quer navegar de forma anónima, sendo, comumente, utilizado por quem acede ao “dark web”, local onde, segundo a testemunha se fazem negócios ilícitos, designadamente compra de armas, tendo junto ao processo judicial, o print de tais fotografias retiradas desta forma, conforme se pode ver de fls. 75 e 76 que lhe foram exibidas. No mais, corroborou o depoimento da sua mulher, relatando também a situação do ... e do email anónimo que fez com que perdesse um negócio que tinha conseguido firmar e que tal denúncia só pode ter vindo do arguido pois a mesma surge quando envia esta informação para o email ... que estava reencaminhado para a caixa de correio da .... Referiu ainda que a sua conta … foi “roubada” pelo arguido e até hoje continua sem ter acesso à mesma. Relatou também, corroborando o depoimento anterior de todas as situações que ocorreram na sua vida e demonstrativas de que alguém andava a persegui-los e que essa pessoa só podia saber dos eventos da sua vida por intermédio da visualização dos emails pessoais da sua mulher que souberam estavam a ser reencaminhados para a conta da ..., mais tarde e após uma perícia efectuada ao computador da sua mulher, conforme resulta do documento de fls. 50 que lhe foi exibido. A testemunha PP, tendo sido presidente do Conselho de Administração da …, referiu que conhece o arguido porque trabalhou nesta empresa entre ... a ... . Referiu que em Setembro de 2018 tinha feitos uns contactos com uma empresa no .... Deslocou-se ali e firmou uma parceria de negócios. Este negócio ficou sem efeito porque esta empresa mexicana tinha recebido uma denúncia anónima a dizer que a ... tinha processos judiciais no .... Isto aconteceu dois dias depois de BB ter enviado um email a EE para o email …, com cópia para a testemunha, a dizer que as negociações com os mexicanos estavam concluídas e que iam celebrar o contrato. Mais referiu esta testemunha, corroborando também o depoimento anterior, que a policia judiciária o aconselhou a registar o software em causa. No dia seguinte enviaram esta informação a JJ para o email ..., tendo, na sequência deste mail, o arguido tentado fazer, também, o registo do software da .... Estes depoimentos, assim como o teor dos fotogramas de fls. 350 e seguintes, 539 e seguintes, e 549 a 554, infirmaram totalmente as declarações do arguido quanto à justificação que deu para aceder aos emails privados de EE, de que tinha de os abrir para ficar a saber que eram pessoais. A testemunha QQ, director geral e adminisrtador em ... que sucedeu à família GG, relatou também a existência das acções judiciais e a perspectiva que teve das mesmas. No mais e com relevância para os autos, referiu que viu os emails ...” dentro do servidor da ... e que via como um “email normal”(sic) ou seja o email e assunto e que foi o arguido que lhe facultou os emails da D. JJ que entregou aos advogados constituídos na acção a correr nos .... Relatou também que as ordens que deu ao arguido foi fazer o trabalho técnico necessário para preservar as “evidências”, acedendo, inclusive a emails particulares, e que o arguido cumpriu, tendo facultado à testemunha o email de EE em causa e bem assim as fotografias de DD. Referiu ainda que tiveram indicações dos advogados para não alertaram EE de que os seus emails estavam a ser reencaminhados para o domínio da .... A testemunha RR, administrador da ... após a renúncia de EE e marido referiu. Referiu que pediu à área tecnológica para poder fornecer todos os dados para encontrarem provas que o casal tinha deletado os dados. Acrescentou que o arguido não teve alternativa que não fosse cumprir e que a ordem era para serem lidos todos os emails, inclusive os emails pessoais de EE. E não se diga que a circunstância de EE também poder ter utilizado este endereço para por vezes tratar de assuntos profissionais, transforma estes emails em emails propriedade da empresa, sendo que, como resultou provado, esta pessoa era anteriormente acionista e directora da empresa, sendo normal que por vezes tal circunstância possa ter ocorrido. Atendeu-se também a todo o acervo probatório documental junto aos autos, designadamente as declarações prestadas por escrito pelo arguido de fls. 54 a 74, (onde consta a fls. 66, que visitou “a página da rede social do Instagram da utilizadora NN” e que essa página tem “posts feitos a ... de ... de 2017, […] identificando os locais do posto como ...”), os fotogramas de fls. 75 e 76, o email de fls. 77, fotogramas de fls. 350 e seguintes e 539 e seguintes, e 549 a 554 (onde é possível visualizar os cabeçalhos dos emails), decisão de fls. 486 a 491, decisão de fls. 512 a 524 e novamente juntas pelo arguido (ref.ª 37477657), fotogramas juntos a fls. 702 a 705 verso (onde se visualiza publicações de fotografias de DD na plataforma vsco.co). A convicção do Tribunal para a prova do facto constante do ponto 27, resulta do teor do requerimento de resposta que EE e marido apresentaram no processo que correu termos nos ..., do qual resulta que o mesmo foi ali apresentando em 14 de Maio de 2018, e junto às assinatura de EE consta a data de 11 de Abril de 2018. Nesse documento consta também a fls. 22, uma alusão ao ponto 46 da declaração subscrita pelo arguido e alusiva ao email de EE e que fundamentou a queixa apresentada nestes autos, sendo ainda referido nessa página que quem acedeu aos emails foi o “Sr. II”. É verdade que a ofendida EE referiu que só tomou conhecimento dos factos em Setembro de 2018, depois de ter recebido um email do marido a dizer que tinha conquistado um cliente e que passados dias, o marido a informa que perderam o cliente porque este recebeu uma denuncia anónima e por isso o contrato tinha que ser analisado, sendo que o contrato não chegou a ser concretizado. Este episódio foi referido também pelas testemunhas BB e CC. Contudo tratando-se de um facto que se comprova por documento e não tendo o mesmo sido junto aos autos, sendo que à alegação desta data poderá não ser alheia o prazo de caducidade do direito de queixa, não se afigura credível a imputação deste facto ao arguido, nesta data, até porque a ofendida também disse que mandou retirar o reencaminhamento em ... e por conseguinte resulta incompreensível como é que o arguido continuava a ver os seus emails, motivo pelo qual não se atendeu a esta parte do depoimento destas testemunhas. Fica também por explicar como é que em ... os emails pessoais ainda estavam a ser reencaminhados, como se vê do fotograma de fls. 50, o que, sendo um documento produzido pela ofendida, uma vez que alegadamente se trata do seu computador, só vem suscitar ainda mais dúvidas quanto ao momento temporal em que tais factos terão ocorrido. Para a prova do ponto 28, o Tribunal louvou-se no carimbo aposto pelos Serviços do Ministério Público, na primeira página da queixa de fls. 39 Para prova dos factos a que aludem os pontos 35 a 37, foi relevante o depoimento da testemunha EE, os quais aliás resultariam das regras da experiencia comum, pois tendo passado por tudo o que passou e relatou de forma emocionada, ao Tribunal é normal que tenha receio de voltar a ser vitima de intromissão por parte do arguido e que por tudo isto tenha deixado de ter confiança nas comunicações. No que se refere aos antecedentes criminais atendeu-se ao certificado do registo criminal junto aos autos. Quanto às condições pessoais atendeu-se às declarações do arguido. Da conjugação dos elementos referidos resultam desde logo inequívocos, todos os factos, dados como provados e acima elencados. Quanto ao facto dado como não provado e constante da alínea a), assim resultou porque se provou o que consta do ponto 25. O facto inserto na alínea b) resultou não provado porque não foi produzida prova consistente quanto ao mesmo, pois aquele mês é referido pela ofendida como tendo sido o mês em que pôs termo ao reencaminhamento, resultando pouco compreensível (a ofendida diz que foi por indicação da advogada) que sabendo já do reencaminhamento, o tenha mantido, inclusivamente até ... – cfr. fls. 50, sendo que como referiu tal situação a perturbava muito, sentindo-se perseguida e com a sua vida devassada. O facto constante da alínea c) resultou não provado porque se demonstrou o que consta dos pontos 17 e 26. Quanto aos factos a que aludem as alíneas d) a l), assim resultaram não provados, porque não foi produzida prova consistente e/ou consistente quanto aos mesmos. A testemunha AA, referiu também o que considerou ter sido um período que qualificou como um “inferno” que situou entre ... e ..., dando nota, visivelmente emocionada, do que considerou uma perseguição (sabiam por onde andava a família e que carro utilizavam) e de todo o seu sofrimento em termos psicológicos que teve, sendo que estava grávida na altura, com necessidade de acompanhamento por ter já 39 anos de idade e que após o nascimento da filha, acabou por não ter conseguido amamentar, e bem assim o sofrimento da sua filha NN que do nada começou a falar de ansiedade, motivo pelo qual teve que a levar a um psicólogo e mais tarde a um neurologista, e que ainda hoje não faz publicações (com 18 anos), sendo adversa a fotografias, sendo muito difícil, mesmo em família, tirar-lhe fotografias. Mais relatou que “esta guerra” foi tão grande que não deu para abafar (para justificar o facto de terem dito à criança, na altura com 12 anos de idade que as suas fotografias tinham sido juntas a um processo judicial no ...). Referiu ainda que a filha NN tem redes sociais mas só faz “stories”. A testemunha BB, pai de DD, também se referiu ao conhecimento que deram à sua filha da divulgação das fotografias, admitindo ter sido um erro que cometeram. A testemunha HH, filha da Demandante, apesar de ter prestado um depoimento semelhante ao da sua mãe, revelou-se muito pouco verossímel, em si mesmo, pois nos dias de correm é muito comum os jovens partilharem fotografias na internet, e sobretudo quando foi confrontada com as publicações que fez de fotografias suas em plataformas da internet e que foram juntas em audiência pelo arguido, tentou explicar como pôde mas de forma muito confusa e contraditória, motivo pelo qual este depoimento não assume qualquer relevância para a prova dos factos. Aqui chegados, cumpre dizer que estes factos foram dados como não provados não que se entenda que a demandante e família não sintam tudo o que consta destas alíneas, mas porque tais estados derivam da “guerra” para utilizar a expressão da demandante que empreenderam com a perda da empresa que aparentemente criaram e que tinha um valor significativo. Quanto a NN também se acredita que não tenha sido fácil para uma adolescente passar por tudo isto, ouvindo, com certeza, e frequentemente, neste período, muitas conversas exaltadas dos seus pais e sobretudo por a terem “obrigado” a regressar a ..., deixando nos ... os seus amigos e a sua vida. Quanto ao facto inserto na alínea m), assim resultou não provado porque da conduta do arguido ao recorrer a um browser utilizado para navegação anónima resulta à saciedade que o mesmo tinha perfeita consciência de que o que estava a fazer era ilícito. E seria mesmo que o tivesse feito em cumprimento de ordens expressas da sua administração, o que não ficou demonstrado face ao depoimento inconsistente e vago dos dois administradores que foram inquiridos. Ou seja, a ideia que o arguido quis passar de si próprio de ser um funcionário fiel que faz tudo o que lhe mandam, não convenceu. O arguido confunde intenção para a prática dos factos, com objectivo da prática dos factos. Ou seja, o Tribunal não tem qualquer dúvida que o arguido quiz ler o conteúdo de um email particular da EE e que quis ver as fotografias de NN e que sabia que tais condutas eram proibidas por lei. O Tribunal também não tem dúvidas que o arguido assim agiu para apresentar prova da prática, segundo supunha, de acto lesivo de natureza patrimonial da empresa .... O facto a que alude a alínea n), resultou não provado porque esta justificação do arguido de que actuava por ordens da administração e que esta por sua vez estava legitimada por uma decisão judicial, a verdade é que em tal decisão nada é referido quanto aos direitos pessoais de privacidade dos envolvidos, apenas que os emails deverão ser todos conservados, conforme se pode ler naquela decisão, pelo que esta justificação do arguido sai também infirmada pelo teor dos documentos que o próprio juntou. O tribunal não apreciou em termos de factualidade provada ou não provada, a demais factualidade alegadas no pedido de indemnização cível e contestação, e bem assim nos inúmeros requerimentos probatórios da demandante e do arguido, pela sua natureza manifestamente conclusiva e/ou, sobretudo pela sua irrelevância, pois a versão do arguido foi a de demonstrar que a família GG procedeu mal, tanto que foram condenados em muitos milhares de euros, para com isso, quiçá justificar as suas condutas. E por outro lado, temos a demandante a tentar defender-se destas alegações como pôde. Sempre se dirá que não podemos olvidar que naqueles processos que o arguido tanta questão fez de chamar aos autos, se discutiam questões meramente cíveis, e não obstante está para o arguido justificado o acesso a correspondência pessoal sem o consentimento do seu destinatário. É caso para perguntar ao arguido, se nestes autos, em que estão em causa questões de natureza criminal (e não meramente civil), o que diria se fosse a demandante a juntar aos autos prova de ter acedido à sua correspondência pessoal. Não diria com toda a certeza que estava justificado. Desdobrar-se-ia em alegações de nulidade de prova e não deixaria também de deduzir a competente queixa crime. Como é óbvio, quando está em causa o direito á reserva da vida privada e o acesso a acesso a dados pessoais sem o consentimento do titular carece de autorização judicial, reunidos que estejam os pressupostos legais e após serem devidamente ponderados os direitos em conflito. Ou seja, os “fins não justificam os meios”, nem num caso nem no outro. * IV – ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL Questão Prévia Para além do mais, o arguido vem acusado da prática de dois crimes de acesso ilegítimo p. e p. pelo artigo 6º, nº 1 da Lei 109/2009 de 15 de setembro, de natureza semi-pública ( nº 7 do artigo 6º da citada lei), dois crimes de devassa da vida privada, previstos e punidos pelo artigo 192.º, n.º1, alínea a) e b), do Código Penal, de natureza semi-pública (artigo 198º do Código Penal) e um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações p. e p. pelo artigo 194, nº 1 e 2 do Código Penal e artigo 5º, nº 1, al. b) do Código Penal, de natureza semi-pública (artigo 198º do Código Penal). Nos termos do artigo 115º, nº 1, do Código Penal, o direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver conhecimento do facto e dos seus autores. Considerando os factos dados como provados – pontos 26 e 27 -, verifica-se que relativamente a um crime de acesso ilegítimo (ponto 13), um crime de acesso ilegítimo (ponto 17), um crime de devassa da vida privada (ponto 14), um crime de devassa da vida privada (ponto 17) e um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações (ponto 13) , tendo a ofendida tomado conhecimento dos factos e do seu autor em data anterior a 14 de Maio de 2018, quando a queixa em causa foi apresentada pela denunciante em seu nome e em representação da sua filha menor, já se encontrava decorrido um prazo superior a 6 meses sobre aquela data, quanto a estes crimes, razão pela qual estava já extinto o direito de queixa. Em face do exposto, conclui-se que o direito de queixa foi exercido de forma extemporânea, não tendo por isso a ofendida exercido válidamente, o direito de queixa. Assim, tendo o crime sub judice natureza semi-pública, verifica-se não estar preenchido um pressuposto processual essencial - cfr. artigo 49.º, do Código de Processo Penal - o que determina, em consequência, a extinção do procedimento criminal. Pelo exposto, importa julgar extinto o procedimento criminal quanto aos identificados crimes de natureza semi-pública que são imputados ao arguido, por falta de legitimidade do Ministério Público em promover os seus termos, ficando prejudicado o conhecimento do pedido de indemnização cível deduzido pela prática destes crimes e as questões jurídicas suscitadas na contestação, designadamente a ilegitimidade da demandante. * Do crime de sabotagem informática Comete o crime de sabotagem informática, “1 - Quem, sem permissão legal ou sem para tanto estar autorizado pelo proprietário, por outro titular do direito do sistema ou de parte dele, entravar, impedir, interromper ou perturbar gravemente o funcionamento de um sistema informático, através da introdução, transmissão, deterioração, danificação, alteração, apagamento, impedimento do acesso ou supressão de programas ou outros dados informáticos ou de qualquer outra forma de interferência em sistema informático, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias - cfr. art. 5º nº 1 da Lei nº 109/2009 de 15/09. Ou seja, é necessário que o agente apague ou suprima dados ou programas informáticos num sistema informático. Está em causa um crime de resultado, tendo que existir um nexo de causalidade entre o acto de apagamento de programas ou outros dados informáticos e o resultado de entravar, impedir, interromper ou perturbar gravemente o funcionamento de um sistema informático. Apagar consiste na eliminação de dados informáticos que se encontram num sistema informático. Por outro lado, a conduta do agente tem que ser levada a cabo sem para tanto estar autorizado pelo proprietário ou por outro titular do direito do sistema ou de parte dele. Sobre o conceito de sistema informático, entende-se ser este um conjunto de um ou mais computadores, equipamento periférico o e suporte lógico que assegura o processamento de dados. O bem protegido com a norma é a segurança do sistema informático. Nos autos resultou provado que o arguido fez reset de uma senha da conta de ...”, associada ao endereço de correio eletrónico …, que estava no catchall da ... e de que fora titular BB, pai da menor, desta forma perturbando o acesso à conta de Instagram pelo seu titular BB. Mais se provou que o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de fazer “reset”/alterar as palavras passe da conta de ...”, bem sabendo que tal impediria e perturbaria o acesso a tal conta do seu utilizador. Ora, destes factos não resulta que o arguido tenha alterado ou eliminado dados de um qualquer sistema informático. Está em causa uma conta de uma rede social instagram associada ao …. O arguido estava autorizado a aceder a este endereço electrónico e acedendo alterou a senha de acesso àquela conta. Esta conduta é censurável pois o titular desta conta de instagram deixou de ter acesso à mesma. Contudo, o titular desta conta também podia ter associado a mesma a outro endereço de email antes de permitir o acesso àquele endereço. Não o tendo feito e estando impedido de a usar, se é que está, tem ao seu alcance a possibilidade de ressarcimento dos danos que tal conduta lhe cause, recorrendo aos meios civeis. Assim entendo que a conduta apurada do arguido não satisfaz, minimamente, este tipo de ilícito – sabotagem – desde logo porque não esteve em causa qualquer perturbação e muito menos grave ao funcionamento de um sistema informático, não revelando, a conduta do arguido, o especial desvalor de acção ou a particular danosidade do facto que sustentam a natureza pública deste crime decorrente da sua enorme gravidade, atenta a moldura penal, não se olvidando o crime base de sabotagem e sua moldura penal, previsto no artigo 329º do Código Penal. Assim, não integrando a conduta do arguido, nem os elementos objectivos e nem os subjectivos deste ilícito criminal, impõe-se a sua absolvição. *” 3. Analisando. “O Direito real e efectivo ao recurso é um elemento estruturante do Estado de Direito Democrático. De facto só se pode falar em Estado de Direito quando o cidadão tem direito a que a sua causa seja reapreciada por um outro tribunal – por um tribunal superior. E porque assim é, a Constituição da República Portuguesa (art. 32º), inclui expressamente o direito ao recurso nas garantias de defesa asseguradas no processo penal. Finalmente este duplo grau de jurisdição, constitucionalmente consagrado, compreende tanto o recurso sobre a matéria de facto como recurso sobre matéria de direito….”.1 Nos termos do disposto no artigo 428º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito. Nos presentes autos suscitam-se questões de facto e de direito. A- Da impugnação da matéria de facto: A matéria de facto pode ser impugnada por duas vias: impugnação ampla e impugnação restrita. Comecemos pela impugnação restrita, cumprindo analisar o texto do acórdão com vista a apurar se o mesmo padece de algum dos vícios a que alude o artigo 410º, nº2, do CPP, invocados pelos recorrentes ou detectados por este Tribunal, dado que os mesmos são de conhecimento oficioso. Dispõe o artigo 410º, nº2, do C.P.P. que: “2- Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulta do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum: a)A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b)A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c)Erro notório da apreciação da prova…” Da insuficiência para a decisão de facto da matéria provada: Aqui, há que averiguar se o tribunal investigou cabalmente, 2“…sempre no respeito da estrutura acusatória do processo, sempre no respeito pelo objecto do processo. Do que se trata é de indagar e conhecer de toda a matéria necessária àquele processo, com determinado objecto, para uma decisão justa e não um outro processo..” . Da análise do texto da sentença não se apura a verificação do mencionado vício, aliás não invocado. Da contradição insanável da fundamentação e da decisão: Esta contradição “tanto pode existir na motivação da decisão da matéria de facto como na própria decisão da matéria de facto. Parece claro que há contradição na motivação ( fundamentação, nas palavras da lei) quando para a decisão de um determinado ponto de facto são invocados meios probatórios totalmente incompatíveis entre si. Como também parece haver clara contradição quando a motivação num raciocínio lógico conduz precisamente ao contrário do que se decidiu…Por outro lado, são casos flagrantes de contradição na decisão da matéria de facto: a) dar como provados dois factos totalmente incompatíveis entre si..b) dar como provado e não provado o mesmo facto..”3 . Estão aqui previstas apenas as situações que o tribunal não possa sanar, recorrendo às regras gerais da experiência comum ou a elementos constates do processo. Subscreve-se a seguinte análise:: “ Na contradição insanável não é possível descortinar, na decisão recorrida, o pensamento e a real vontade do julgador, pois, nos termos em que foram declarados na sentença, não permitem afirmar qual a vontade declarada ou expressa na decisão que deverá prevalecer, porquanto correlativamente a ela u a um determinado pensamento nela expresso, existe um outro pensamento ou outra ou uma outra vontade que a anula, ou contradizem ( Francisco Mota, ..., p. 48).4 Invoca a recorrente que existe contradição entre a alínea c) dos factos dados como não provados e os factos dados como provados nos pontos 17 e 26. Cumpre averiguar se existe a invocada contradição, ou outra, e, na afirmativa, se a mesma é insanável. No ponto 17 dos factos dados como provados consta a forma como o arguido logrou entrar na conta de Instagram de DD. No ponto 26 descreve-se que, após ter acedido ao mencionado Instagram pela forma descrita no ponto 17, o arguido visualizou fotos de DD e, através do “browser tor” acedeu às fotos publicadas no mencionado Instagram e extraiu, sem autorização da menor, duas fotos em que a mesma estava em biquíni e juntou-as no processo que corria no tribunal norte-americano. Na alínea c) dos factos dados como não provados consta: “ Nas circunstâncias aludidas no ponto 17 o arguido sem a autorização extraiu duas fotos da menor (que estava em biquíni) que juntou aquando do depoimento que prestou no processo que corria no tribunal norte-americano.” Assim, da análise de todo o texto da sentença decorre, sem dúvidas, que se entendeu que se apurou que, sem autorização, foram juntas ao processo que corria no tribunal norte-americano duas fotos em que DD estava em biquíni, como consta do ponto 26 dos factos dados como provados e da alínea c) dos factos dados como não provados. Na verdade, na fundamentação consta que o facto constante da alínea c) foi dado como não provado porque se demonstrou o que consta dos pontos 17 e 26, percebendo-se, pois, o raciocínio subjacente à decisão. Ora, fazer migrar para os factos dados como provados o que já consta dos mesmos - que, sem autorização, foram juntas ao processo que corria no tribunal norte-americano duas fotografias que constavam do Instagram de DD e em que a mesma estava em biquíni – mostra-se irrelevante e repetitivo. Esse foi, seguramente e como decorre da motivação, o raciocínio seguido pelo Tribunal a quo. Pelo que se conclui inexistir contradição com relevo para a decisão da causa e que não possa ser sanada por este Tribunal. Em conformidade, ao invés de determinar que tal facto seja movido para os factos dados como provados, o que seria desprovido de conteúdo útil e configuraria uma repetição, decide-se eliminar o ponto c) dos factos dados como não provados. Também resulta da análise do texto da sentença a existência de contradição entre os factos dados como provados nos pontos 12, 14 e 15 e o facto dado como não provado na alínea n). Vejamos: Resulta dos factos dados como provados que: No ponto 12 – O arguido prestou depoimento no tribunal dos ... e que, pretendendo demonstrar que a Assistente e o marido desta teriam eliminado servidores de produção da ... a partir de um IP oriundo da ..., juntou documentos com os quais pretendia demonstrar que, aquando de tal eliminação aqueles se encontravam na .... Nos pontos 13 e 14 – O arguido, sem autorização de EE, juntou a tal processo um email que continha uma notificação enviada pelo Facebook que informava que BB a havia identificado numa publicação em .... No ponto 15 – Que o arguido, ainda com o fito de demonstrar que a família de EE estava na ..., junto ao processo fotografias de DD publicadas no seu perfil de Instagram. O facto constante da alínea n) dos factos dados como não provados tem o seguinte teor: “O arguido agiu com intenção de apresentar prova ou indício da prática de acto lesivo na esfera jurídico-patrimonial da ... por parte de EE e BB junto ao tribunal judicial supra identificado, ou seja, pretendendo demonstrar que JJ e BB teriam eliminado servidores de produção daquela sociedade a partir de um endereço de IP oriundo da ..., juntando documentos que indicavam que, aquando da eliminação de tais servidores, aqueles se encontravam na ....” Assim, este ponto encerra vários factos já dados como provados. Detecta-se, pois, uma contradição que, assim se entende, não é insanável. Atente-se na fundamentação: “O facto a que alude a alínea n), resultou não provado porque esta justificação do arguido de que actuava por ordens da administração e que esta por sua vez estava legitimada por uma decisão judicial, a verdade é que em tal decisão nada é referido quanto aos direitos pessoais de privacidade dos envolvidos, apenas que os emails deverão ser todos conservados, conforme se pode ler naquela decisão, pelo que esta justificação do arguido sai também infirmada pelo teor dos documentos que o próprio juntou” Na verdade, atenta a fundamentação, resulta claro que o que foi decidido neste ponto n) ( bem como nos pontos o), p) e q), todos alegados na contestação) foi que não colhe a justificação apresentada pelo arguido para assim ter actuado, não que não tenha actuado pela forma descrita. Também aqui, fazer migrar para os factos provados a factualidade constante do ponto n), já constante dos supra mencionados pontos da matéria de facto ( aqui apenas acrescida da conclusiva menção da intenção de apresentar provas ou indício da prática de acto lesivo na esfera patrimonial da ..., sendo já descritos noutros pontos qual o concreto acto lesivo – eliminação dos servidores) seria inútil, tornando a matéria de facto repetitiva e conclusiva. Pelo que se decide eliminar este ponto da matéria de facto. Não se detecta qualquer outra contradição. Do erro notório na apreciação da prova: “ Erro notório, no fundo, é, pois, a desconformidade com a prova produzida em audiência ou as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provados o que não pode ter acontecido). Assim, jamais poderá incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efectuar à forma como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, da harmonia com o preceituado no artigo 127º. Tal vício não vem invocado e não resulta da análise do texto da sentença. Mas, A impugnação ampla da decisão da matéria de facto “cava fundo na apreciação da prova”5. “6A fundamentação da sentença garante a possibilidade do seu controlo endoprocessual e extraprocessual. Mas uma sentença bem motivada, na parte que nos interessa aqui – da motivação da matéria de facto -, apenas explica adequada e suficientemente porque o juiz se convenceu. Não garante, por si só, que o juiz se convenceu bem. É este controlo – o de averiguar se o juiz se convenceu bem – que o recurso da matéria de facto viabiliza. Distingue-se da fiscalização do texto, dirigida essencialmente a testar a capacidade do juiz de se expressar devidamente, sendo antes uma fiscalização através da prova. É esta a sindicância que se pede ao Tribunal de recurso que conhece de facto, e que, se aligeirada ou mal percebida, pode transformar o recurso numa duplicação da revista alargada. É que o erro de facto não é o mesmo que o erro notório de facto. O erro notório está patente no texto. Ocorre quando o juiz não soube explicar porque se convenceu; e é sindicável por via do artigo 410º, nº2, do CPP, que trará dos vícios da decisão. Estamos aqui a falar de outro erro, do não notório. Não notório, e, como tal, mais difícil de detectar, o que exigirá maior empenho na actividade desenvolvida pelo tribunal de recurso. Erro de difícil detecção não é ausência de erro. No recurso da matéria de facto competirá à Relações – sempre de acordo com o pedido do recorrente – detectar e reparar o erro de facto, não apenas o notório, o evidente ou grosseiro.”. A impugnação ampla terá que obedecer a determinados requisitos. Assim, determina o artigo 412º do C.P.P.: “… 3- Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As provas concretas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. 4- Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. …”. A recorrente invoca erro de julgamento no que toca ao facto vertido no ponto 27 dos factos provados bem como quanto à decisão de considerar como não provados os factos constantes das alíneas j) e n), sendo que este último foi já supra analisado. Indica a recorrente as provas que, em seu entender, impunham decisão diversa da proferida. Embora não cumprindo a Recorrente todas as legais exigências, é claramente perceptível o âmbito da impugnação, pelo que se analisará a sua pretensão. Impõe-se, então, analisar a prova produzida e em que o Tribunal a quo sustentou a sua convicção, dado que essa livre convicção, sustentada na imediação e na oralidade, só poderá ser posta em crise traduzir uma análise da prova que se revele ilógica e inadmissível face às regras gerais da experiência comum – artigo 127º do CPP – e verificar se a prova indicada pela recorrente impõe decisão diversa. Por outro lado, há que ter em atenção que os diversos elementos de prova têm que ser analisados de forma critica e conjugada entre si. Assim, Indica a recorrente, como provas que impõem decisão diversa nos mencionados três pontos: declarações da Assistente e depoimentos das testemunhas de nomes BB e CC, transcrevendo segmentos dos mesmos. Procedeu-se à audição das referidas declarações e depoimentos na íntegra. Tendo em conta o âmbito da matéria impugnada, apura-se que: A Assistente, com relevo, referiu: - Ter ocorrido um litígio com os acionistas maioritários da ... - Que, desde ... a sua vida se tornou um “inferno” por ter havido uma perseguição à declarante e sua família, sendo que houve alturas em que achava que “ tinha um espião colado às costas”. - Que, em Setembro de 2018, o marido enviou-lhe um email a relatar ter conseguido um negócio e a solicitar o envio da necessária documentação, sendo que dias depois a ... informou que o negócio não se concretizaria por ter havido uma denúncia anónima contra a sua empresa. Aí desconfiou que haveria algum problema com o seu email. - Que, em 2018 a sua filha NN tinha 13 anos e tinha uma conta no Instagram, através do email do pai. - Que a perseguição à sua família começou em 2016, quando estava grávida, sentia que havia havia ódio e vontade e destruir. -Que a NN ficou muito traumatizada e que ainda hoje não gosta de tirar fotografias. Foi acompanhada por psicólogo e por neurologista. Essa fase durou desde 2016 a .... - Ter conhecimento de que o arguido prestou depoimento no processo de ... e que foi ele que juntou as fotos da NN. - Nunca ter sido ouvida no processo da ... e não se recordar de ter apresentado qualquer resposta no mesmo. Ter sido o marido a acompanhar o processo dos .... - Só em Setembro de 2018 percebeu que acederam à sua conta, antes nuca tinha visto isto ( fotos). Foi a partir daí que começou a tentar obter provas. - O pai disse à NN que havia fotografias dela no processo. - Nunca deu ordem para que fossem reencaminhados os seus emails pessoais e só soube que os mesmos esavam a ser reencaminhados em ... - Foi em finais de ...1... 2018 que a NN começou a falar de ansiedade. Começou a ter ansiedade porque soube que foram publicadas fotografias dela em biquíni. A testemunha de nome BB relatou, ao que importa: - Que o arguido foi chamado a depor por escrito no processo dos ... e que foi aí que, pela primeira vez viram as duas fotografias da ..., juntas por aquele. - Que, em Setembro de 2018 foi ao ... fechar um contrato e enviou um email à JJ a dizer “ o ... é nosso”. No dia seguinte receberam email a dizer que tinha havido uma denúncia anónima, pelo que Foram juntas ao processo duas fotos. Como só duas pessoas sabiam da situação percebeu que estava a ser espiado e começou a fazer investigação e concluíram que o email da JJ estava a ser reencaminhado. - Que desde que viu as fotografias a NN nunca mais foi a mesma, não quer tirar fotografas e não posta nada. Passou a ter ataques de pânico e teve que ir a psicólogos e psiquiatras. Esta situação marcou a personalidade da NN. - Ter visto pela primeira vez as fotos da NN aquando a notificação recebida do tribunal dos .... Foram notificados em Maio de 2018. Não se recorda de ter respondido. - Falou com a filha NN sobre o assunto em .... A testemunha SS, com relevo, relatou: - Que suspeitavam de que haveria conhecimento por parte de terceiros das comunicações entre o depoente, BB e a Assistente e, por isso, o depoente analisou e seu computador o BB fez o mesmo mas nada encontraram. - Ter ido ao ... para negociar uma pareceria que ficou fechada em Setembro de 2018. Dois dias depois o KK ligou-lhe a dizer que o contrato não iria ser assinado porque tinha havido uma denúncia anónima dizer que havia um processo a correr nos .... Perante esta situação, alargaram o âmbito da busca ao email da JJ. - Sabe que havia fotos da filha do Sr GG no processo da ... ( confrontado com fls 75 e 76 referiu serem essas as fotos que viu nesse processo). - Ter uma relação pessoal com os Srs GG. Conhece a NN desde 2009. Acha que houve uma alteração da NN quando soube que havia fotos suas juntas ao processo, ficou nervosa. Os pais ficaram em choque e o depoente recomendou-lhes que a NN fosse acompanhada. - Teve conhecimento do processo da ... aquando da providência cautelar, sendo que não foi parte nem foi ouvido em tal processo. Solicitou ao KK que lhe facultasse informação necessária existente nessa providência. - Intentou um processo judicial em ... contra a Administração da ... - Perguntado se a D. JJ teve conhecimento da junção das fotografias em ... respondeu: “eu nunca falei em ..., em ... foi enviado o email sobre os mexicanos”, - Esclareceu que os seus advogados pediram informações ao tribunal da ... e foi nesse âmbito que quando, por volta de ..., chegaram essas informações, viu as fotografias e teve conhecimento do email. - Não sabe quando o Sr GG e a Sra JJ tiveram conhecimento das fotografias. - Perguntado se não falou com a TT sobre as fotografias respondeu: Claro que falei com a JJ sobre isso. Analisando, agora, ponto por ponto. Quanto ao ponto 27 dos factos dados como provados: Conjugados os depoimentos, declarações e a prova documental, resulta claro que a decisão do Tribunal recorrido quanto à demonstração do facto em análise tem amplo suporte na prova produzida. Pese embora a afirmação da Assistente de que só em ... viu as fotografias, a demais prova infirma tal afirmação. Na verdade: - A testemunha de nome UU referiu ter tido conhecimento, em ..., da junção num processo público de fotos da menor NN. E, perguntado se falou com a Assistente sobre isso respondeu que sim, claro que falou. E, contrariaria as regras da experiência que, tratando-se de uma menor que a testemunha referiu conhecer desde 2009 e que é filha dos seus sócios, a testemunha não alertasse de imediato os pais e que estes apenas viessem a ter conhecimento da situação largos meses mais tarde ( em ...). - Também a testemunha de nome BB afirmou ter visto pela primeira vez as fotografias quando foi notificado das declarações do arguido no processo dos .... Contrariaria as regras da experiência que não falasse que a mulher e mãe da filha sobre o assunto e que esta apenas viesse a ter conhecimento da situação largos meses mais tarde ( em ...). - E, como bem referido na sentença, mostra-se junto aos autos um documento ( Doc F junto em ........2023 ) que consubstancia uma resposta apresentada, em ........2018, pela Assistente e marido desta ( BB) num processo que correu termos nos .... Tal documento mostra-se assinado em ........2023 pela Assistente e pelo marido, que litigaram sem representação de advogado. Em tal documento consta a menção à declaração subscrita pelo arguido e referência ao email da Assistente e às fotos juntas bem como a alegação de que quem acedeu aos emails foi o arguido. Do exposto decorre que a prova indicada pela recorrente não impunha, neste ponto, decisão diversa da proferida. No que tange a alínea j) dos factos dados como não provados: Entendeu, de forma sustentada, o Tribunal a quo, apenas dar como provada a matéria referente ao pedido cível que verteu nos pontos 35 a 37. Da audição das declarações e dos depoimentos invocados pela recorrente decorre que, entre 2016 e ..., a Assistente e o seu agregado familiar viveram um período de sofrimento psicológico, como se conclui na sentença. Mas, na sentença foi efectuada uma análise abrangente e ponderada de toda a situação vivida pela Assistente e pelo seu agregado familiar e das causas que conduziram a tal sofrimento psicológico. Concluiu-se, e bem, na sentença que a vivência do agregado familiar foi perturbada por todo o contexto relacionado com a perda da empresa. E, nestes autos apenas está em casa a concreta actuação do arguido no referido alargado contexto, o nexo de causalidade entre a actuação do arguido e alegados danos decorrentes da mesma. O facto constante da alínea j) e que foi do como não provado tem, na verdade, uma abrangência e gravidade ( “vive perturbada”, “desconfiada que o demandado ou um terceiro lhe possam causar represálias físicas ) que o Tribunal a quo entendeu não dar como provada. Tal decisão mostra-se devidamente fundamentada e não merece reparo. Mantém-se, pois, a matéria de facto, excepto no que toca aos pontos c) e n) dos factos dados como não provados que serão eliminados. - Da extinção do direito de queixa. Vinha o arguido vem acusado, entre o mais, da prática de dois crimes de acesso ilegítimo p. e p. pelo artigo 6º, nº 1 da Lei 109/2009 de 15 de setembro, de natureza semi-pública ( nº 7 do artigo 6º da citada lei), dois crimes de devassa da vida privada, previstos e punidos pelo artigo 192.º, n.º1, alínea a) e b), do Código Penal, de natureza semi-pública (artigo 198º do Código Penal) e um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações p. e p. pelo artigo 194, nº 1 e 2 do Código Penal e artigo 5º, nº 1, al. b) do Código Penal, de natureza semi-pública (artigo 198º do Código Penal). Dispõe o artigo 49º do CPP, com a epígrafe Legitimidade em procedimento dependente de queixa, que”1- Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas deem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo. 2 Para o efeito do número anterior, considera-se feita ao Ministério Público a queixa dirigida a qualquer outra entidade que tenha a obrigação legal de a transmitir àquele. 3 A queixa pode ser apresentada pelo titular do direito respectivo, por mandatário judicial ou por mandatário munido de poderes espciais.(…)” E, dispõe o art º 113°, n º1 do Código Penal, com a epigrafe "Titulares do Direito de Queixa", que: "Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação". Nos termos do preceituado no artigo 246º do CPP, com a epígrafe Forma, conteúdo e espécies de denúncias: “1-A denúncia pode ser feita verbalmente ou por escrito e não está sujeita a formalidades especiais. 2- A denúncia verbal é reduzida a escrito e assinada pela entidade que a receber e elo denunciante, devidamente identificado. É correspondentemente aplicável o disposto no nº 3 do artigo 95º. 3. A denúncia contém, na medida do possível, a indicação dos elementos referidos nas alíneas do nº1 do artigo 243º. 4. O denunciante pode declarar, na denúncia, que deseja constituir-se assistente. Tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória, devendo, neste caso, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar.(…)” Ou seja, a apresentação de denúncia, queixa ou participação por parte do ofendido por crimes semi-públicos não está sujeita a formalidades especiais, impondo-se apenas que exista uma manifestação inequívoca de vontade de que seja exercida a acção penal.7 Queixa “é o requerimento, feito segundo a forma e no prazo prescritos, através do qual o titular do respectivo direito ( em regra o ofendido), exprime a sua vontade de que se verifique procedimento penal por um crime cometido contra ele ou contra pessoa com ele relacionada.”8 “Considera-se apresentada a queixa quando esse acto tem lugar diante de autoridades que têm o dever legal de comunicar a queixa ao Ministério Público, tais como os órgãos de polícia criminal.”9 Dispõe o artigo 115º do CP, sob a epígrafe Extinção do direito de queixa, que: “1- O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular do direito de queixa tiver conhecimento do facto e dos seus autores (…)”. Considerando o teor dos factos dados como provados nos pontos 26 e 27, tendo a ofendida tomado conhecimento dos factos e do seu autor em data anterior a 14 de Maio de 2018, impõe-se concluir que aquando da apresentação da queixa caducara já o direito da Assistente para, em seu nome e em nome da sua filha menor, apresentar queixa. - Da parcial nulidade da sentença nos termos do preceituado no artigo 379º, nº1, al. c), do CPP. Da análise dos autos decorre que: - Cfr fls 2, EE apresentou queixa contra FF em seu nome e enquanto representante legal da menor DD, sua filha. - Crf fls 590 e seguintes, EE formulou contra FF pedido de indemnização civil pedindo que o mesmo fosse condenado a pagar-lhe quantia não inferior a €15.000 a título de danos morais (devido às restrições à vida pessoal e familiar da demandante do marido e da filha causadas pela intromissão e devassa das suas privacidades perpetradas pelo arguido ) e um montante de €16.000 a título de danos patrimoniais ( referentes aos gastos com consultas e medicação para si e para a sua filha NN bem como aos gastos referentes à aquisição que teve que fazer em equipamentos informáticos novos). - Cfr fls 639 e seguintes, veio o demandado apresentar contestação ao pedido de indemnização formulado. Pugna pela rejeição do pedido por falta de legitimidade da demandante para peticionar o ressarcimento dos invocados danos sofridos por BB e DD. No mais, pugna pela absolvição do pedido por, assim alega, o mesmo ser desmesurado. - Procedeu-se a julgamento. - Em sede de sentença, * Foi fixada a matéria e facto. *O arguido absolvido da prática do crime de sabotagem informática, p. e p. pelo artigo 5º, nº1, das Lei nº 108/2009, de 15 e ..., na redacção vigente à data dos factos, e artigo 5º, nº1, al. b), do CP. - Foi julgado extinto o procedimento criminal quanto aos crimes de natureza semi-pública de que vinha acusado. - No dispositivo nada consta quanto ao pedido de indemnização formulado, admitido e objecto de julgamento. - Em sede de recurso, a Assistente não se insurge quanto à absolvição no que toca ao crime de sabotagem informática. Vejamos: Em conformidade com o princípio da adesão que vigora no nosso sistema de processo penal, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o Tribunal Civil, nos casos previstos na lei (art. 71.º do CPP). A causa de pedir na ação cível conexa com a criminalidade é sempre a responsabilidade civil extracontratual (pois que fundada na prática de um crime e não no incumprimento contratual) e não qualquer outra fonte de obrigações. Conforme estabelecido no Assento n.º 7/99, do STJ, de 17 de junho de 1999 –atualmente com valor de Ac. Uniformizador de Jurisprudência – no âmbito do processo penal, a condenação em indemnização civil só pode ser sustentada em responsabilidade extracontratual ou aquiliana do demandado. In casu, o pedido cível foi deduzido pela demandante contra o arguido, ao abrigo do princípio da adesão previsto no artigo 71.º do CPP, com fundamento no cometimento por parte deste de ilícitos criminais. Ora, dispõe o artigo 377º, nº1, do CPP que a sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado. Como bem na analisado: “ Além das situações em que é apreciado e conhecido o objecto do processo constante da acusação ou pronúncia e o tribunal, por via disso, absolve ou condena o arguido, podem ocorrer situações de absolvição do crime ou de extinção do procedimento, por funcionamento de questões ´diversas, como e o caso da prescrição, amnistia aplicação de lei no tempo ou o falecimento do arguido/demandado. Tal não comporta necessariamente o fim do processo. Em tais situações, o tribunal tem de conhecer, se tiver sido deduzido, o pedido de indemnização e, em conformidade com a prova produzida, condenar ou absolver o demandado ou interveniente ou os seus sucessores, devidamente habilitados. (…)”10 E, no mesmo sentido: “(…) De igual modo, se após o julgamento pelo tribunal de primeira instância o arguido for absolvido da prática do crime por descriminalização da conduta, amnistia ou prescrição do procedimento criminal ou falta de outro pressuposto processual, o tribunal deve conhecer do pedido fundado em responsabilização extracontratual ou pelo risco, sendo certo que esta responsabilidade deve ser aferida pela lei vigente à daa da prática dos factos ( acórdão do TRP, de 18.11.1998, in CJ , XXIII, 5,225). Por exemplo, se após o julgamento arguidos forem absolvidos dos crimes imputados e se considerar extinto o procedimento por as condutas constituírem, contra-ordenações, já prescritas, a apreciação do pedido cível que neles se ancorava não fica precludida ( acórdão do STJ , de 17.4.2002, in CJ, Acs do STJ, XI, 2, 171). De igual modo, absolvido o arguido da prática do crime de coacção sexual , por extinção do direito de queixa, ele pode ser condenado na indemnização civil, com base nos referidos factos ( Ac TRC, de 12.10.2005, in CJ, XXX, 4, 52 ( ver ainda a anotação ao artigo 81ª).”11 Salvo melhor entendimento, não atentou o Tribunal a quo no teor do artigo 377º, nº1, do CPP, dado que, absolvido de um dos crimes que lhe eram imputados e julgado extinto o procedimento criminal relativamente aos demais, impunha-se que proferisse decisão sobre o mérito do pedido de indemnização civil, deduzido ao abrigo do disposto no artigo 71º do CPP e admitido. No caso, limitou-se o Tribunal a quo, a julgar extinto o procedimento criminal quanto aos crimes de natureza semi-pública “ficando prejudicado o conhecimento do pedido de indemnização civil deduzido pela prática destes crimes e as questões jurídicas suscitadas na contestação, designadamente a ilegitimidade da demandante”. Ora, a fala de pronúncia sobre o pedido de indemnização civil inquina a sentença de parcial nulidade por omissão de pronúncia nos termos do preceituado no artigo 379º, nº1, al. c), do CPP. Tal nulidade é sanável, devendo, no caso em concreto, ser suprida pelo tribunal a quo que proferiu a sentença nula, dado que o poder de suprimento pelo Tribunal da Relação não pode conduzir a uma supressão de um grau de jurisdição. III Dispositivo Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em: - Manter a decisão referente à matéria de facto, excepção feita aos pontos c) e n) dos factos dados como não provados, que são eliminados. - Manter a decisão que: * julgou extinto o procedimento criminal instaurado contra o arguido quanto aos dois crimes de acesso ilegítimo p. e p. pelo artigo 6º, nº 1 da Lei 109/2009 de 15 de setembro, de natureza semi-pública (nº 7 do artigo 6º da citada lei), aos dois crimes de devassa da vida privada, previstos e punidos pelo artigo 192.º, n.º1, alínea a) e b), do Código Penal, de natureza semi-pública (artigo 198º do Código Penal e a um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações p. e p. pelo artigo 194, nº 1 e 2 do Código Penal e artigo 5º, nº 1, al. b) do Código Penal, de natureza semi-pública (artigo 198º do Código Penal), por falta de legitimidade do Ministério Público para prosseguir os respectivos termos; * absolveu o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de sabotagem informática, p. e p. pelo artigo 5º, nº 1 da Lei 109/2009 de 15 de setembro, na redação vigente à data dos factos, e artigo 5º, nº 1, al. b) do Código Penal. -Julgar parcialmente nula a sentença, por ter omitido a apreciação do mérito do pedido de indemnização civil formulado pela Assistente, determinando o envio dos autos ao Tribunal que a proferiu para que elabore nova sentença suprindo o apontado vício nos termos supra determinados. Sem custas (artigos 513º, nº 1, do CPP). Lisboa, 8 de Maio de 2025 Cristina Santana Rosa Saraiva – com voto de Vencida. Maria de Fátima Bessa Voto de vencida: Voto vencida relativamente à decisão aqui proferida pelas razões que enuncio. No que tange à declarada nulidade da sentença, desde logo não partilho da posição que se sufraga que entende que tal vício é de conhecimento oficioso. Com efeito, não creio que a adição da expressão “ou conhecidos” introduzida pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, na redacção do n.º 2 do artigo 379º do CPPenal, implique a criação de uma nulidade atípica – de conhecimento oficioso, havendo recurso, e sanável caso não haja tal manifestação de divergência. Na verdade, não obstante, a – abundante – jurisprudência a optar pela aludida orientação, atento o primado do princípio da legalidade/taxatividade em matéria de nulidades, adiro à posição de Germano Marques da Silva – Curso de Processo Penal, Volume III, pág. 304, “As nulidades da sentença enumeradas no art. 379º são sanáveis se não forem arguidas, mas estão sujeitas a um regime especial de arguição pois só podem ser arguidas ou conhecidas em recurso interposto da sentença (…) “devem ser arguidas em recurso, mas o tribunal a quo pode repará-las, antes da remessa do processo para o tribunal superior. (…) Temos agora disposição expressa sobre a arguição e conhecimento das nulidades: devem ser arguidas em recurso, mas o tribunal a quo pode repará-las, antes da remessa do processo para o tribunal superior.» Ora, como se refere no AC do TRP de 21/02/2013, relatado no processo nº 378/06.2GCSJM.P1, por PAULA GUERREIRO, in ECLI, “Esta posição merece especial relevo uma vez que o seu signatário foi o Presidente da Comissão Revisora, na revisão de 1998, que como já referimos introduziu o nº2 do art. 379 do CPP.” De resto, em termos assertivos, Paulo Pinto de Albuquerque – in Comentário ao CP Penal, Univ. Católica Portuguesa, 3ª edição, nota 7, pág. 961 explicita que a inserção dos aludidos vocábulos só esclarece quanto ao âmbito dos poderes de cognição do tribunal de recurso, sendo expressão escassa para justificar uma excepção ao predito princípio da legalidade, sem que fosse apontada qualquer justificação para a profunda alteração implementada. Aliás, comentaristas como Maia Gonçalves (2005,752), Simas Santos e Leal Henriques (2000,576) – referidos pelo A., ob, e loc, citados – e a obra colectiva, CPP, comentários e notas práticas, Magistrados do MP do Distrito Judicial do Porto, Coimbra Editora, 2009, pág. 962, nota 2, sustentam idêntica posição. Contudo, apesar de assim entender, considero que no caso dos autos, concluindo-se, como se conclui, que a extinção do procedimento criminal não prejudica o conhecimento do PIC, proferiria decisão relativamente ao citado pedido. Na verdade, apesar de o recorrente não aludir expressamente à problemática decidida no Acórdão no sentido de que mesmo extinguindo-se o procedimento criminal por caducidade do direito de direito de queixa, o pedido de indemnização civil deve ainda ser apreciado, é certo é que o mesmo recorreu da absolvição da arguida do PIC deduzido, pretendendo a apreciação de tal pedido. Assim, o objecto do recurso é, também, a pretendida condenação no PIC deduzido – nesse conspecto, o objecto da cognição é constituído não apenas pela materialidade consubstanciada nos factos que foram impugnados em sede de recurso, mas também a aplicação do direito a todos os factos apurados. Deste modo, emerge a questão de definir o perímetro e o âmbito de aplicação do disposto no n.º 1 do art. 377º do CPPenal; designadamente, caberá atentar se, face ao disposto na citada norma legal, existindo caducidade do direito de queixa, com a consequente extinção do procedimento criminal, o PIC deve ainda ser apreciado. Ora, a apreciação da antedita questão constitui matéria de direito – configurando “questão prévia” que importa dilucidar. Assim, uma vez decidida positivamente tal questão, atendendo a que a primeira instância já se pronunciou fixando os factos provados e não provados relativamente ao PIC e que até foram objecto de impugnação no presente recurso, o Tribunal da Relação dispõe de todos os elementos para poder decidir o referido segmento do enxerto cível. Face ao exposto, entendo que se deveria conhecer do PIC deduzido, não se justificando o envio à primeira instância para que seja proferida decisão relativamente a tal questão. Em conclusão, considero que as nulidades da sentença não são de conhecimento oficioso. Todavia, tratando-se de questão de direito – concretamente aquela referente ao âmbito de aplicação do disposto no art. 377º do CPPenal – conheceria a mesma e, após, uma vez que o processo dispõe dos elementos necessários a que seja proferida decisão de mérito no que tange ao PIC, apreciaria o citado pedido deduzido pelo assistente. Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e revisto pela relatora e primeira signatária que nele inseriu a declaração de voto supra. _______________________________________________________ 1. Sérgio Gonçalves Poças, in Revista Julgar nº 10- 2010, pág. 27 2. “Quando o recurso incide sobre a matéria de facto”, Sérgio Gonçalves Poças, Revista Julgar nº 10., 2010. 3. Vide nota de rodapé anterior. 4. Nota 9 ao artig 410º do CPP, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Almediba, Maio de 2024, P 198. 5. Sérgio Gonçalves Poças em Processo Penal, Quando o Recurso Incide sobre a Decisão da Matéria de Facto ( in Revista Julgar – Nº 10-2010) 6. “Os poderes das Relações em matéria de facto em processo penal” Ana Maria Barata de Brito, http://www.tre.mj.pt/docs/ESTUDOS%20-%20MAT%20CRIMINAL/O%20conhec_Relacoes_materia%20de%20facto.pdf 7. Neste sentido, vide Ac. TRC de 06-10-2010, Processo: 1123/08.3 TAGRD.C1, Relator: BRÍZIDA in WWW.dgsi.pt 8. Figueiredo Dias , Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, Pág.663. 9. Nota 3 ao artigo 49º do CPP, in Comentário ao CPP à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, UCE, 4ª Ed actualizada, p.150. 10. Anotação ao artigo 377º do CPP in Comentário Judiciário ao Processo Penal, Tomo IV, p. 802 e 803, 2ª Ed Almedina. 11. Nota 2 ao artigo 377º do CPP, in Comentário ao CPP à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, UCE, 4^Ed , p.980. Também neste sentido, vide: Ac TRC de 24.2.2016, Proc. 1241/10.8TAVIS.C2 e Ac TRL de 6.10.2021, Proc. 4207/16.9T9CSC.L1-3 |