Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | ALEXANDRA VEIGA | ||
| Descritores: | PERDA DE VANTAGENS PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/21/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Sumário: | 1. A compatibilidade entre a declaração da perda de vantagens e o pedido de indemnização civil – já foi objeto de acórdão de fixação de jurisprudência do STJ, n.º 5/2024, de 14 de abril de 2024, publicado no Diário da República n.º 90/2024, Série I de 09.05.2024. 2. Das traves mestras aí definidas decorre que, atenta a factualidade provada, – o arguido obteve vantagem patrimonial decorrente do crime no montante de € 18.848, 91 (dezoito mil, oitocentos e quarenta e oito euros e noventa e um cêntimos) - deve ser declarada perdida a favor do Estado a vantagem patrimonial obtida pelo arguido, nesse valor que corresponde a um incremento patrimonial indevido a cujo pagamento, subsidiário ao pagamento devido ao demandante, será condenado. 3.Não se trata de o arguido pagar em duplicado a quantia perdida a favor do Estado e a quantia peticionada pelo demandante, já que o Estado apenas poderá receber a quantia fixada subsidiariamente, isto é, na medida em que a mesma não seja recebida voluntaria ou coercivamente pelo demandante e com vista a que não se prejudiquem os direitos do ofendido. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório: No Processo comum singular. nº 1068/21.1GLSNT, Referência: 155841671, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste Juízo Local Criminal de Sintra - Juiz 4 - foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgo a acusação pública procedente, por provada e o pedido de indemnização cível deduzido pela assistente, demandante, AA, contra o arguido, demandado, procedente, por provado nos termos sobreditos e, em consequência: A) Condeno o arguido, BB como autor material e na forma consumada, de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal, na pena de 190 (cento e noventa) dias de multa, à razão diária de €5 (cinco), o que perfaz a quantia total de €950,00. B) Condeno o arguido, BB pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla informática e nas comunicações, p. e p. pelo artigo 221º, nº 1 e 5, alínea a), por referência ao disposto no artigo 202º, alínea a), todos do Código Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de €5 (cinco), o que perfaz a quantia total de €1250,00. C) Condeno o arguido BB, em cúmulo jurídico, nos termos do disposto no artigo 77º, do C. Penal, pelos crimes e penas fixadas em A) e B), na pena única de 360 (trezentos e sessenta) dias de multa à razão diária de €5 (cinco), o que perfaz a quantia total de €1800 (mil e oitocentos) ou, subsidiariamente, nos termos do disposto no artigo 49º, do C. Penal, em 240 dias de prisão. D) Condeno o arguido, BB, enquanto demandado, a pagar, á assistente, demandante, AA, a título de indemnização cível por danos patrimoniais, a quantia de € 18.848, 91 (dezoito mil, oitocentos e quarenta e oito euros e noventa e um cêntimos) acrescida de juros vencidos e vincendos até integral e efectivo pagamento. E) Não se decreta a requerida Perda de Vantagem.» * Inconformado, recorreu o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões: A. Atenta a factualidade dada como provada e supratranscrita e o disposto no artigo 110.º, n.º 1, alínea b) e 4, do Código Penal, conjugado com o artigo 483.º, n.º 1, 562.º e 563.º, do Código Civil inexistem dúvidas quanto ao preenchimento dos pressupostos para a declaração de perda de vantagem a favor do Estado dos valores apropriados e do pedido de indemnização civil. B. Inexiste qualquer incompatibilidade entre a dedução, pelo(s) ofendido(s), de pedido de indemnização civil e a declaração de perda, na sequência do requerimento, pelo Ministério Público, feito na acusação, da vantagem patrimonial obtida pelo agente do facto ilícito típico com a conduta criminosa. C. O carácter sancionatório e a finalidade preventiva da perda de vantagem decorrente da condenação pela prática de um crime não se confunde, nem interfere, com a natureza essencialmente reparadora da indemnização devida pelos danos emergentes do cometimento do crime. D. A perda de vantagem patrimonial decorrente da prática de ilícito criminal insere-se, ainda, na reação jurídico-penal à prática daquele, enquanto a indemnização integra um enxerto cível no processo penal e constitui uma reparação ou compensação ao ofendido dos prejuízos causados pela prática do mencionado ilícito criminal. E. O primeiro objectivo da perda de vantagem é demonstrar que o crime não rende benefícios (prevenção geral e especial) i.e., o “crime não compensa” e, por outro lado, pretende-se dissuadir o investimento de proveitos ilícitos na prática de novos factos ilícitos e tal objectivo/finalidade faz sentido independentemente da condenação do arguido no pagamento de qualquer indemnização civil ao ofendido/lesado (nesse sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-6-2019, processo n.º 2706/16.3T9FNC.L1-5, relator: Cid Geraldo, disponível para consulta em www.dgsi.pt). Por outro lado, com a declaração de perda de vantagem não se verifica uma dupla condenação do agente, porquanto, como é pacífico (e não se questiona), o agente ou satisfaz o pedido formulado no pedido de indemnização civil ou liquida ao Estado o valor declarado perdido, ao abrigo do artigo 110.º, do Código Penal, sob pena de conduzir a um empobrecimento injustificado do agente (nesse sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-10-2017, Processo n.º 217/15.3IDPRT.P1, Relator: Vítor Morgado, disponível para consulta em www.dgsi.pt). G. Estamos, assim, perante realidades conceptuais e jurídicas distintas, que visam dar satisfação a finalidades diversas e a procedência do pedido de indemnização civil não acarreta a inutilidade da declaração de perda de vantagem patrimonial. H. Sucede antes que verificados os respetivos requisitos impõe-se sempre determinar a perda de vantagens decorrentes do crime independentemente de ter sido formulado ou não pedido civil, e em caso afirmativo, do teor da decisão final que sobre o mesmo recaia. I. A questão em apreço foi apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que, “A jurisprudência fixada no acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 5/2024, de 11 de Abril de 2024, do Supremo Tribunal de Justiça publicado no Diário da República nº 90, 1ª Série de 09 de Maio de 2024, no qual fixou jurisprudência « Nos termos do disposto no artigo111.º, n.ºs 2 e 4, do Código Penal, na redacção dada pela Lei n.º32/2010, de 02/09, e no artigo 130.º, n.º 2, do Código Penal, na redacção anterior à Lei n.º 30/2017, de 30/05, as vantagens adquiridas pela prática de um facto ilícito típico devem ser declaradas perdidas a favor do Estado, mesmo quando já integram a indemnização civil judicialmente pedida e atribuída ao lesado pelo mesmo facto », deve ser igualmente aplicada às situações do artigo 110º do Código Penal.” – cf. Acórdão de 19-06-2024, processo n.º 180/20.9T9MCN.P1.S1, relator: Conselheiro: Antero Luís, disponível em www.dgsi.pt. J. Do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 5/2024, de 11 de Abril resulta que “a perda de vantagens deve ser decretada sempre que ocorram vantagens adquiridas pelo agente, para si ou para terceiros, decorrente da prática do facto ilícito, considerando que se trata de um instituto autónomo em relação à indemnização de perdas e danos emergentes da prática de crime, pois, esta tem uma natureza fundamentalmente ressarcitória, distinta daquela outra natureza sancionatória.” K. Como tal, a declaração de perda de vantagem é independente de qualquer ponderação sobre a sua utilidade prática, pois mostra-se alheia a juízos de oportunidade, de conveniência, eficácia ou de utilidade. L. Por outro lado, não pode ficar dependente da vontade do lesado, i.e., deste deduzir ou não pedido de indemnização civil. E assim é, porquanto, o direito à indemnização é livremente renunciável e negociável pelo lesado, mas já não o são as medidas de caracter sancionatório, como seja a declaração de perda de vantagem. M. Isto porque, mesmo havendo condenação em pedido de indemnização civil, o lesado pode renunciar ao mesmo ou não proceder à sua cobrança, caso em que, não existindo declaração de perda a favor do Estado e a condenação do arguido no seu pagamento, a prática de ilícito criminal compensaria e beneficiaria o agente do crime. N. Por tudo o exposto, ao não ter decretado a perda a favor do Estado da vantagem patrimonial que o arguido BB obteve com a sua actividade criminosa e pela qual foi condenado nos presentes autos, tal como requerido pelo Ministério Público na acusação pública, com o fundamento na dedução e procedência do pedido de indemnização civil deduzido pela ofendida, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 110.º, n.º 1, alínea b) e 4, do Código Penal. * Notificado para tanto, o arguido não contra-alegou. * Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer no sentido das alegações proferidas pelo Ministério Público em primeira instância nos seguintes termos: ao não ter sido decretada, tal como requerido na acusação, a perda a favor do Estado da vantagem patrimonial obtida pelo arguido com a sua actividade criminosa, com o fundamento na dedução e procedência do pedido de indemnização civil deduzido pela ofendida, a decisão impugnada violou por erro de aplicação de direito 110º /1, b) e 4, do Código Penal. Assim, afigura-se-nos que o recurso merece provimento, devendo a sentença ser parcialmente revogada e substituída nos termos pretendidos pelo recorrente. * Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao parecer. * Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência. * Cumpre decidir. OBJECTO DO RECURSO Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995] Desta forma, tendo presentes tais conclusões, é a seguinte questão a decidir: se deveria ter sido ou não decretada a perda de vantagens, não obstante a condenação do arguido no pedido de indemnização civil. * DA SENTENÇA RECORRIDA Da sentença recorrida consta, na parte relevante para o presente recurso: «(…) 5. O arguido fez seus os produtos adquiridos nos moldes supra descritos e as quantias monetárias indicadas e deu a todos o destino que entendeu. 6. Através da utilização do cartão visa elétron empresas n.º ... emitido pelo ... da titularidade da empresa AA e do uso abusivo do respectivo código pessoal de acesso, conseguiu o arguido apoderar-se de quantias monetárias e produtos, no valor total de 18.848, 91€ (dezoito mil, oitocentos e quarenta e oito euros e noventa e um cêntimos), que gastou e utilizou em proveito próprio, nos termos acima discriminados. 7. Actuou o arguido com o propósito concretizado de fazer seu o cartão bancário acima indicado e de proceder, posteriormente, aos levantamentos de quantias monetárias, à utilização de serviços e aquisição de bens e produtos nos termos acima discriminados, sem ter de suportar os respectivos custos, vantagem económica a que sabia não ter direito, bem sabendo que o fazia contra a vontade do seu legitimo proprietário. 8. Tinha o arguido pleno conhecimento de que o cartão bancário por si utilizado da forma supra descrita não lhe pertencia e que tinha chegado às suas mãos com o desconhecimento e contra a vontade, quer da entidade emissora, quer da sua legítima titular e detentor. 9. Procurou, no entanto, fazer crer que o referido cartão bancário estava a ser utilizado com o conhecimento e consentimento da sua legítima titular, introduzindo para o efeito dados erróneos no sistema informático que regula o funcionamento das caixas de pagamento automático (sistema Multibanco). 10. Actuou o arguido com o propósito de proceder ao levantamento de quantias monetárias sem ter de suportar os respectivos custos, vantagem económica a que sabia não ter direito. 11. Bem sabia o arguido que da sua actuação resultavam prejuízos para a entidade emissora do cartão ou para o seu titular. 12. Efectivamente, com a sua conduta causou o arguido à empresa AA um prejuízo no montante de € 18.848, 91 (dezoito mil, oitocentos e quarenta e oito euros e noventa e um cêntimos), enriquecendo aquele, em igual montante, de forma que sabia ilegítima, quantia que a referida empresa não recuperou. 13. Bem sabia o arguido que o código PIN do cartão por si utilizado é um dado informático confidencial e pessoal e que o utilizava com desconhecimento e contra a vontade da sua legítima titular e respetivo detentor. 14. Agiu no essencial sempre da mesma forma e foi repetindo as descritas condutas enquanto foi conseguindo, com facilidade, e enquanto as caixas de pagamento automático foram dando resposta às operações por si solicitadas. 15. O arguido actuou sempre de forma livre, voluntária e consciente, sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei. (…) Assim, do comportamento do arguido resultaram danos patrimoniais para o demandante, danos patrimoniais esses que são indemnizáveis nos termos dos artigos 483º, nº 1, 562º a 564º e 805º, todos do Código Civil - indemnização do lesado pelos danos resultantes da violação do seu direito. Pelo exposto, quanto à pedida indemnização por danos patrimoniais, provou-se que, com a sua conduta, o arguido provocou danos patrimoniais, a saber o valor da quantia de €18.848, 91, quantia de que a demandante ficou privado, tendo esta sofrido prejuízo com um valor global de €18.848,91, valor não recuperado, por força da actuação do arguido, pelo que do comportamento do arguido resultaram danos patrimoniais para o demandante, danos esses no valor de €18.848,91. Estão, assim, reunidas as condições para se considerar este pedido de indemnização civil, quanto aos danos patrimoniais sofridos, totalmente procedente, que a demandante, AA, interpôs contra o arguido, nos exactos e precisos termos supra explanados (…). 3.6 – Da Perda de Vantagem Refere o Douto Ac. do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, de 20/06/2022, a consulta in www.dgsi.pt sob o nº de processo 27/18.6GACBT.G1: I - Uma vez formulado pelo Ministério Público, titular da ação penal, o respetivo pedido de declaração de perda das vantagens, preenchendo a factualidade provada factos ilícitos típicos e deles tendo resultado vantagens para os seus agentes, o tribunal terá de declarar a perda de tais vantagens patrimoniais, exceto se for demonstrado que já foram recuperadas, que o ofendido já foi efetivamente ressarcido, caso em que a perda não pode ser decretada, por se ter cumprido o fim da declaração da perda das vantagens. II - Por conseguinte, a decisão de declaração da perda de vantagens é uma consequência necessária da prática de um facto ilícito criminal, procurando-se com ela reconstituir a situação do seu autor antes da sua prática, ou seja, de modo a ficar sem qualquer benefício da prática do crime, assim percebendo que “o crime não compensou”. Conforme é fácil de verificar, na situação dos autos a vantagem obtida pelo arguido com a prática do crime será completamente ressarcida pelo pedido de indemnização civil, sendo a demandante/assistente totalmente ressarcida do valor/vantagem invocada pelo Ministério Público na acusação dos autos e no pedido de perda de vantagem. Consequentemente, nos termos do acórdão supra citado, que nos abstemos de voltar a reproduzir, nenhum montante excedente, apropriado pelo arguido, invocado pela acusação resta por ressarcir e nenhuma parte da vantagem obtida pelo arguido pela prática do crime fica na sua posse (beneficiando, consequentemente, o arguido – nessa medida – com a prática do crime). Não pode, assim, ser decretada – por falta de fundamento legal – a perda de vantagem requerida na acusação. (…)» * Da acusação consta o seguinte: Da declaração de perda das vantagens do facto ilícito típico a Favor do Estado: O Ministério Público, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 110.º, n.º 1, alínea b) e 4 do Código Penal, requer que se declare a perda da vantagem obtida pelo arguido com a prática dos referidos factos, o que faz com os fundamentos que seguem: 1. Damos por reproduzidos os factos que constam da acusação que antecede, bem como a respetiva qualificação jurídica; 2. O arguido procedeu a levantamentos de quantias monetárias e adquiriu bens/produtos e serviços com utilização do cartão visa elétron empresas n.º ... emitido pelo ... da titularidade da empresa AA, no valor total de € 18.848, 91 (dezoito mil, oitocentos e quarenta e oito euros e noventa e um cêntimos); 3. A referida quantia de € 18.848, 91 (dezoito mil, oitocentos e quarenta e oito euros e noventa e um cêntimos) corresponde à vantagem da atividade criminosa que o arguido obteve com a prática dos crimes, na medida em que traduz o incremento patrimonial direto que o mesmo obteve com a sua conduta criminosa supra descrita; 4. Atendendo a que a referida quantia integrou o património do arguido através de levantamentos em máquinas ATM e operações bancárias e já não é possível garantir a sua apropriação em espécie, deverá ser declarado perdido a favor do Estado o respetivo valor. Nestes termos, o Ministério Público, promove que se condene o arguido a pagar ao Estado o valor de € 18.848, 91 (dezoito mil, oitocentos e quarenta e oito euros e noventa e um cêntimos), que corresponde ao valor da vantagem por este obtida com a prática do facto ilícito típico, nos termos dos artigos 110.º, n.º 1, alínea b) e 4, do Código Penal, sem prejuízo dos direitos da empresa “AA” ou de terceiros de boa-fé. * 2. Fundamentação: A presente questão já foi objeto de decisão, por unanimidade, no processo nº1712/19.0T9FNC. L1-5, de 17-06-2025 (IGFEJ- Bases Jurídico documentais, relatado pela primeira signatária) e nesta conformidade iremos reproduzir a fundamentação daí constante. Nesta conformidade, conforme ali referimos, a questão a decidir é a seguinte: Compatibilidade entre a declaração da perda de vantagens e o pedido de indemnização civil – que já foi objeto de acórdão de fixação de jurisprudência STJ, (n.º 5/2024, de 14 de abril de 2024, publicado no Diário da República n.º 90/2024, Série I de 09.05.2024.), nos seguintes termos: «Nos termos do disposto no artigo 111.º, n.ºs 2 e 4, do Código Penal, na redacção dada pela Lei n.º 32/2010, de 02/09, e no artigo 130.º, n.º 2, do Código Penal, na redacção anterior à Lei n.º 30/2017, de 30/05, as vantagens adquiridas pela prática de um facto ilícito típico devem ser declaradas perdidas a favor do Estado, mesmo quando já integram a indemnização civil judicialmente pedida e atribuída ao lesado pelo mesmo facto.» Refere este mesmo acórdão: «Concluindo no sentido de que, sendo a determinação da perda de vantagens conexa com o crime praticado, não pode deixar de ser decidida na sentença penal, pois trata-se de um poder-dever do Tribunal. Do excurso sobre o regime jurídico aplicável ressalta evidente que uma das questões que ocorre a propósito da perda de vantagens é a de não agravar a posição da vítima ou, dito de outro modo, que o confisco de vantagens provenientes da prática do crime não pode, obviamente, prejudicar os direitos do lesado. E, a posição da vítima é agravada nas situações em que, por exemplo, se verifica quando a possibilidade de cobrança efectiva à custa dos bens do lesante deixa de existir porque o valor é atribuído ao Estado. Como a própria lei refere, a perda de bens deve ocorrer sem prejuízo dos direitos do ofendido – art.º 111.º, n.º 2, do CP. A justiça penal é feita em razão de um concreto titular de um bem jurídico, cujos interesses patrimoniais não podem ser esquecidos e postergados. Daí que, sendo o lucro a principal motivação do infractor, a reparação dos prejuízos a que dá causa é um elemento essencial para o restabelecimento da paz jurídica violada. «(…)Seguindo o entendimento da maioria da doutrina – a perda de vantagens é uma providência sancionatória que preconiza o exercício do ius punendi estadual –, há que concluir que este instituto não se confunde com uma medida de natureza civil – acção cível enxertada no processo penal – com objectivo de reparação dos danos civis emergentes da prática do facto ilícito (a propósito da natureza da indemnização de perdas e danos arbitrada em processo penal, veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 305/2001, de 27/06/2001, Proc. n.º 412/00 - TC – 1ª Secção, em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20010305.html.). Continua, com interesse para o caso em análise, o referido acórdão de fixação de jurisprudência, que: «A perda de vantagens é um mecanismo subsidiário, podendo apenas ser utilizado para o montante que exceder o valor da indemnização do ofendido, quando este solicite o seu pagamento e o mesmo tenha lugar, operando plenamente nos demais casos. Assim, não existe qualquer violação dos princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação da aplicação das sanções, como é comummente defendido pela posição que não admite a compatibilidade entre a perda de vantagens e o pedido de indemnização civil. A sentença do Tribunal a quo refere o seguinte: nenhum montante excedente, apropriado pelo arguido, invocado pela acusação resta por ressarcir e nenhuma parte da vantagem obtida pelo arguido pela prática do crime fica na sua posse (beneficiando, consequentemente, o arguido – nessa medida – com a prática do crime). Se se quis afastar o duplo desembolso do arguido, a referida subsidiariedade garante que o arguido não desembolsará duas vezes a mesma quantia. Prossegue o mesmo acórdão: Por outro lado, também não se assiste ao efeito desta medida apenas com a verificação dos pressupostos formais - a declaração de perda de vantagens não é automática - tem de ser requerida pelo Ministério Público, no exercício da acção penal, em conformidade com o sistema sancionatório penal que é orientado pelos princípios constitucionais da fragmentaridade e do mínimo de intervenção do direito penal. Em conclusão, o Estado deverá proceder ao confisco, sem constrangimento e independentemente da dedução de pedido de indemnização cível, quando os bens não possam ser restituídos ao lesado. Se houver pedido de indemnização cível deduzido, o Tribunal poderá atribuir ao lesado, a requerimento deste, até ao limite do dano causado, as vantagens declaradas perdidas - artigos. 110.º, 111.º, e 130.º, n.º 2, do CP. No entanto, se o lesado puder beneficiar do regime de reparação oficiosa da vítima - artigo 82.º-A, do CPP - ou tiver deduzido pedido de indemnização cível ou puder deduzi-lo em separado, nos termos do artigo 72.º, do CPP, sempre poderá requerer ao Estado a atribuição dos bens perdidos ou o produto da sua venda, por força do disposto no artigo 130.º, n.º 2, do CP. Caso os bens possam ser restituídos ao lesado - artigo 186.º, n.º 1, do CPP - e, com isso, o agente for colocado na situação patrimonial em que estaria antes da ocorrência do facto ilícito, nada mais haverá a fazer. Se a vantagem for de valor superior ao prejuízo causado ao lesado, deverá o Estado confiscar o seu excesso. A coexistência entre a perda de vantagens e a pretensão indemnizatória é, pois perfeitamente admissível. Tal não significa que o arguido possa vir a ser executado por ambos os títulos, mas nada impede que o ofendido/lesado os utilize alternativamente, pois têm âmbitos subjectivos distintos, não estando a sentença que condena no pagamento da indemnização apta a assegurar as finalidades pretendidas com o confisco. Como se disse no recente Ac. do STJ, de 02/06/2022, Proc. n.º 61/21.9GBMTS.S1, em www.dgsi.pt, “O pedido de indemnização não é uma espécie de questão prejudicial que impeça o confisco prévio dos instrumentos, produtos e vantagens decorrentes da prática do crime. Ou seja, a declaração de perda de vantagens é independente do pedido de indemnização civil e do interesse ou não do lesado na reparação do seu prejuízo.”. O art. 130.º do CP, particularmente do seu n.º 2, ao estabelecer que “Nos casos não cobertos pela legislação a que se refere o número anterior, o tribunal pode atribuir ao lesado, a requerimento deste e até ao limite do dano causado, os instrumentos, produtos ou vantagens declarados perdidos a favor do Estado ao abrigo dos artigos 109.º a 111.º, incluindo o valor a estes correspondente ou a receita gerada pela venda dos mesmos”, consagra a preferência da perda de bens sobre o pedido de indemnização, além de salvaguardar o direito dos lesados, que poderiam ver dificultada a execução dos bens do arguido em face da declaração do confisco. Importa demonstrar ao arguido que o crime não compensa e, por outro lado, que se houver bens obtidos através da prática do crime devem ser usados para indemnizar os lesados. Deste modo, nem o Estado está impedido de confiscar os proventos do crime, nem o lesado vê a sua compensação dificultada, nem o arguido pode ser constrangido a pagar duas vezes.” A importância do confisco num Estado de Direito é insofismável, pois, permite a reconstituição da situação patrimonial existente à data anterior à prática pelo agente do facto ilícito típico, não admitindo que este obtenha vantagens patrimoniais indevidas, actuando, assim, como um mecanismo não só preventivo, mas também como instrumento de profilaxia do enriquecimento ilícito. Constitui, pois, um modo verdadeiramente eficaz de combater a actividade ilícita que visa o lucro demonstrando que o crime não compensa. Nestes termos, entende-se que, no regime penal português, o entendimento mais adequado e que maior correspondência tem com as finalidades e natureza jurídicas do instituto da perda “clássica” de vantagens e com a letra da lei é o espelhado no acórdão fundamento, proferido no Processo n.º 282/18.1T9PRD.P1.» Destas traves mestras decorre que, atenta a factualidade provada, – o arguido obteve vantagem patrimonial decorrente do crime no montante de € 18.848, 91 (dezoito mil, oitocentos e quarenta e oito euros e noventa e um cêntimos), - deve ser declarada perdida a favor do Estado a vantagem patrimonial obtida pelo arguido, nesse valor que corresponde a um incremento patrimonial indevido a cujo pagamento, subsidiário ao pagamento devido ao demandante, será condenado. Esclarece-se expressamente e mais uma vez que não se trata de o arguido pagar em duplicado a quantia perdida a favor do Estado e a quantia peticionada pelo demandante, já que o Estado apenas poderá receber a quantia fixada subsidiariamente, isto é, na medida em que a mesma não seja recebida voluntaria ou coercivamente pelo demandante e com vista a que não se prejudiquem os direitos do ofendido – sendo certo que a demandante sempre poderá receber as quantias executadas pelo Estado nos termos do artº 130.º do Código Penal. “(…) É indispensável que o Ministério Público comprometa o Tribunal com a necessidade de se pronunciar quanto à perda das vantagens na sentença, independentemente da possibilidade ou da probabilidade de dedução do respetivo pedido de indemnização civil pelo lesado. Sem esse estímulo do Ministério Público, a probabilidade do condenado não ser, por qualquer via, privado do benefício patrimonial obtido com a prática do facto ilícito típico, é intoleravelmente elevada, permitindo-lhe afirmar com propriedade que «o crime compensou». Tanto mais que, neste momento prévio, o Ministério Público nada sabe sobre a real intenção do lesado deduzir ou não um pedido de indemnização civil.” – vd. JOÃO CONDE CORREIA e HÉLIO RIGOR RODRIGUES, “Anotação ao Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 01/12/2014, Processo 218/11.0GACBC.G1”, cit., pág. 15. Aliás, a redacção do art.º 111.º, n.º 2, do CP é assertiva e não permite leituras ambíguas, referindo de forma imperativa: “São também perdidos a favor do Estado”. Esta redacção atesta, inequivocamente, que toda e qualquer vantagem patrimonial obtida por meio de prática de facto ilícito típico, possa e deva ser declarada perdida a favor do Estado. A lei não criou qualquer ressalva ou exigiu como requisito do instituto, a dedução de pedido de indemnização civil ou a falta dele, ou a existência de um título executivo prévio, como pressupostos negativos. De resto, quando conjugada com o citado art.º 130.º, n.º 2, do CP, permite facilmente constatar o modo como o legislador separou o confisco do pedido de indemnização civil. Igualmente, também não procede o argumento da reserva prevista no art.º 110.º, n.º 6 do CP, (anterior art.º 111.º, n.º 2, do CP), em benefício dos direitos do ofendido, pois não se prevê qualquer derrogação legal das medidas de perda de vantagens. Tal normativo, apenas, significa que, concorrendo a execução do pedido de indemnização civil com a do valor da perda de vantagens, prevalecerá a primeira. Ou seja, remete para uma fase de tramitação posterior, a executiva, em que já estão atribuídos e delimitados os valores da indemnização do ofendido ou de terceiro, e o valor das vantagens, que poderão não coincidir. Donde sai reforçada, mais uma vez, a conclusão de que, “(…) o pedido de declaração de perda de vantagens não depende de qualquer pedido de indemnização, do qual é autónomo/independente, o que não significa que, caso esse pedido exista, deva ser ignorado.(…) Com efeito, no caso da perda de produtos e vantagens estão sempre ressalvados os direitos do ofendido, nos termos do n.º 6 do artigo 110.º do Código Penal (cf. também artigo 8.º, n.º 10 da Directiva 2014/42/EU).”. Neste sentido, MARIA DO CARMO SILVA DIAS, “«Perda alargada» prevista na Directiva 2014/42/EU (artigo 5.º) e «Perda do Valor de Vantagem de Actividade criminosa» prevista na Lei n.º 5/2002 (artigos 7.º a 12.º)”, em O Novo Regime de Recuperação de Activos à Luz da Diretiva 2014/42/EU e da Lei que a Transpôs, cit., págs. 94-97, citada no já indicado Ac. do STJ, de 29/04/2020, Proc. n.º 928/08.0TAVNF.G1.S1. Em face de todo o exposto, entende-se que, também, não existe qualquer instrumentalização do condenado ao interesse geral ou à mera estabilização de ansiedades colectivas de segurança, sem justificação ou utilidade, como alguma jurisprudência tem defendido. É o caso dos Acs. da Relação do Porto, de 10/07/2019, Proc. n.º 4929/17.9T9PRT.P1; e de 30/04/2019, Proc. 1325/17.1T9PRD.P1, donde se destaca, pela singularidade, a seguinte fundamentação: Assim, não existe qualquer violação dos princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação da aplicação das sanções, como é comummente defendido pela posição que não admite a compatibilidade entre a perda de vantagens e o pedido de indemnização civil. Por outro lado, também não se assiste ao efeito desta medida apenas com a verificação dos pressupostos formais – a declaração de perda de vantagens não é automática – tem de ser requerida pelo Ministério Público, no exercício da acção penal, em conformidade com o sistema sancionatório penal que é orientado pelos princípios constitucionais da fragmentaridade e do mínimo de intervenção do direito penal. Em conclusão, o Estado deverá proceder ao confisco, sem constrangimento e independentemente da dedução de pedido de indemnização cível, quando os bens não possam ser restituídos ao lesado. Se houver pedido de indemnização cível deduzido, o Tribunal poderá atribuir ao lesado, a requerimento deste, até ao limite do dano causado, as vantagens declaradas perdidas – art.ºs. 110.º, 111.º, e 130.º, n.º 2, do CP.» (idem) Deste modo, nem o Estado está impedido de confiscar os proventos do crime, nem o lesado vê a sua compensação dificultada, nem o arguido pode ser constrangido a pagar duas vezes.”. Posto isto, dispõe o artigo 110.º do Código Penal que: «1 - São declarados perdidos a favor do Estado: a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem. 2 - O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem. 3 - A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado. 4 - Se os produtos ou vantagens referidas nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A. 5 - O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz. 6 - O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido.» De acordo com o artº 112º, nº 1, do CP, “quando a aplicação dos artigos 109, 110º ou 111º anterior vier a traduzir-se, em concreto, no pagamento de uma soma pecuniária, é correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 47.º”. Nos termos do nº 2, “se, atenta a situação socioeconómica da pessoa em causa, a aplicação do n.º 3 do artigo 109º, do nº 4 do artigo 110º ou do nº 3 do artigo anterior se mostrar injusta ou demasiado severa, pode o tribunal atenuar equitativamente o valor referido naquele preceito”. Atento o preceituado no artº 130º do CP: - “legislação especial fixa as condições em que o Estado poderá assegurar a indemnização devida em consequência da prática de actos criminalmente tipificados, sempre que não puder ser satisfeita pelo agente” – nº 1; - “nos casos não cobertos pela legislação a que se refere o número anterior, o tribunal pode atribuir ao lesado, a requerimento deste e até ao limite do dano causado, os instrumentos, produtos ou vantagens declarados perdidos a favor do Estado, ao abrigo dos artigos 109.º a 111.º, incluindo o valor estes correspondente ou a receita gerada pela venda dos mesmos – nº 2; - “fora dos casos previstos na legislação referida no n.º 1, se o dano provocado pelo crime for de tal modo grave que o lesado fique privado de meios de subsistência, e se for de prever que o agente o não reparará, o tribunal atribui ao mesmo lesado, a requerimento seu, no todo ou em parte e até ao limite do dano, o montante da multa” – nº 3; - “o Estado fica sub-rogado no direito do lesado à indemnização até ao montante que tiver satisfeito” – nº 4. Como se pode ler no douto Acórdão da Relação de Lisboa de 18.06.2019, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Desembargador Dr. Cid Geraldo, disponível no site www.dgsi.pt/jtrl, «a perda de vantagens do crime constitui instrumento de política criminal, com finalidades preventivas, através do qual o Estado exerce o seu ius imperium anunciando ao agente do crime, ao potencial delinquente e à comunidade em geral que, mesmo onde a cominação de uma pena não alcança, nenhum benefício resultará da prática de um ilícito [v.g. “o crime não compensa”, nem os seus agentes dele retirarão compensação de qualquer natureza]. É que, na realidade, o crime pode compensar ao agente, precisamente quando o pedido de indemnização civil não for requerido ou não for por algum motivo procedente, ou quando a vantagem obtida com o crime (v.g. o bem furtado e não apreendido, a utilização do veículo automóvel durante o período de apropriação...) for superior à pena determinada ou à condenação no valor peticionado como indemnização. Reconhece-se, assim, que o agente deverá voltar ao estado inicial antes de beneficiar da vantagem patrimonial demonstrada na acusação, e causada em consequência de um facto antijurídico. Este retorno, sublinhe-se, deverá ocorrer mesmo que o pedido de indemnização civil não tenha sido formulado, por algum motivo tenha sido julgado improcedente ou seja relativo a valor inferior à vantagem patrimonial que ocorra. Tanto basta para concluir que as intenções ou entendimento do ofendido, a propósito da obtenção do ressarcimento devido, não competem nem podem sobrepor-se ou substituir-se ao exercício do poder de autoridade pública subjacente ao instituto em causa. O direito à indemnização, mesmo quando já se mostra judicialmente estabelecido, é livremente renunciável e negociável, o mesmo não acontecendo com as medidas de carácter sancionatório. A reserva constante do n.º 2, do citado art. 111º, em benefício dos direitos do ofendido ou terceiros de boa-fé, não lhes concede poderes derrogatórios das medidas dessa natureza aí previstas, significando apenas que, concorrendo a execução do pedido de indemnização civil com a do valor da perda de vantagens prevalecerá a primeira delas, remetendo-nos para uma fase de tramitação posterior, em que já estão atribuídos e devidamente delimitados quer os valores da indemnização do ofendido ou de terceiro e o da perda de vantagens que, como é bom de ver, poderão nem sequer ser inteiramente coincidentes. Aliás, no mesmo sentido vai a estatuição do art. 130º, n.º 2, do Cód. Penal, ao prever que o tribunal possa “atribuir ao lesado, a requerimento deste e até ao limite do dano causado, os objectos declarados perdidos ou o produto da sua venda, ou o preço ou o valor correspondentes a vantagens provenientes do crime, pagos ao Estado ou transferidos a seu favor por força dos artigos 109.º e 110.º”. O direito ao pedido de indemnização civil não pode contender ou substituir o direito de o Estado ser de imediato reintegrado na sua esfera patrimonial com os bens/direitos/vantagens que lhe foram subtraídos com a prática do crime». Nesta conformidade o arguido deveria ter sido condenado na perda das vantagens. * 3.Decisão: Nestes termos julga-se procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e em consequência, altera-se parcialmente a decisão recorrida e condena-se o arguido, nos seguintes termos: Declara-se perdida a favor do Estado a vantagem patrimonial alcançada pelo arguido com a prática do crime pelo qual foi condenado, a qual, não sendo suscetível de apropriação, se substitui pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, e consequentemente, condena-se o arguido a pagar ao Estado o montante de € 18.848, 91 (dezoito mil, oitocentos e quarenta e oito euros e noventa e um cêntimos) valor esse que corresponde a um incremento patrimonial indevido, nos termos do artigo 110.º, n.º 1, alínea b) , 3 e 4, do Código Penal, sem prejuízo dos direitos do lesado, reconhecidos pela sentença, e sem prejuízo da eventual anulação da vantagem do crime atualmente apurada mediante devolução de parte ou da totalidade do montante ora apurado. Mantem-se, no mais, a decisão recorrida. Sem custas. * Lisboa, 21 de outubro de 2025. *** Alexandra Veiga Alda Tomé Casimiro Ester Pacheco dos Santos |