Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | NUNO LOPES RIBEIRO | ||
| Descritores: | ANULAÇÃO DA VENDA EXECUTADO LEGITIMIDADE PROCESSUAL LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA NEGÓCIO CONSIGO MESMO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | (Sumário elaborado pelo Relator) I. A executada possui legitimidade processual para arguir a nulidade processual que conduz – no seu entender – à anulação da venda. II. O negócio anulável, não obstante o vício de que enferma, é, em princípio, tratado pela lei como válido, a menos que seja anulado, no prazo legal e pelas pessoas com legitimidade para o fazerem, sob pena de passar a ser considerado, definitivamente, válido, uma vez que a anulabilidade não pode ser, oficiosamente, declarada pelo Tribunal. III. Carecendo a executada de legitimidade substantiva para a arguição da anulabilidade do negócio consigo mesmo, a venda executiva em questão convalidou-se. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa I. O relatório Nos autos de execução, em que é exequente Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras, Crl E são executados AA e BB, Veio a executada apresentar requerimento, peticionando: Termos em que se requer a V. Exa. que se digne deferir a presente arguição de nulidade e, por via disso, declarar-se anulada a escritura de compra prédio urbano sito em Brejenjas, lugar de Silveira, composto de casa de habitação de rés-do-chão, com duas assoalhadas, cozinha, adega, pátio e quintal, com área coberta de 118 m2 e logradouro de 175 m2, inscrito na respetiva matriz predial com o artigo .... da freguesia de Silveira, descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras com o número .... Com data de 22/10/2024, foi proferido despacho, com o seguinte dispositivo: (…) improcede a pretensão da executada. * Inconformada, a exequente interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida (ref.a 162329803), nos termos da qual o Tribunal a quo não reconheceu legitimidade à Recorrente para arguir a anulabilidade da venda executiva porquanto não é a pessoa a quem a l ei confere interesse para arguir tal vício. 2. Conforme dispõe o CPC-53-1: "A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título executivo tenha a posição de devedor’. 3. O título executivo delimita não só os fins e os l imites da ação executiva, mas também delimita-a subjetivamente, sendo o regime regra para se determinar a legitimidade das partes, como exequente e executado, a aferição de quem no título figura, respetivamente, como credor e como devedor. 4. Por sua vez, o CPC-839-1 al. c) estatui o seguinte: “Além do caso previsto no artigo anterior, a venda só fica sem efeito se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195 o”. 5. Prevê, portanto, a anulação da venda em processo executivo em virtude da invalidade de um ato processual que se integra nessa fase e for concretamente relevante para o desfecho. 6. O vício formal que causa a invalidade processual deve ser suficientemente relevante, seja porque a iei assim o determina, seja porque a irregularidade cometida pode afetar a análise ou a decisão em causa. 7. A regra, no que concerne à realização de um ato admitido ou à omissão de uma formalidade exigida, é a de que, se a lei não estipular expressamente a nulidade como consequência do vício processual apenas deve determinará a nulidade quando provoque prejuízo para a relação jurídica em litígio. 8. Nos presentes autos, desde 01 de dezembro de 2014, CC - Engenharia e Mediação Imobiliária, Lda, adquiriu a posição processual de encarregada de venda do prédio urbano sito em Brejenjas, i ugar de Silveira, composto de casa de habitação de rés-do-chão, com duas assoalhadas, cozinha, adega, pátio e quintal, com área coberta de 118m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras, sob o n.° ... e i nscrito na respetiva matriz predial com o artigo ..... 9. Todavia, a encarregada de venda não agiu com a imparcialidade, moralidade e fidúcia que se lhe impunha e i nterveio na venda executiva nessa qualidade, mas também na qualidade de comprador, concluído um negócio consigo mesmo. 10. E, por via disso, adquiriu o imóvel sito em Brejenjas, I ugar de Silveira, composto de casa de habitação de rés-do-chão, com duas assoalhadas, cozinha, adega, pátio e quintal, com área coberta de 118m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras, sob o n.° ... e inscrito na respetiva matriz predial com o artigo ..... 11. Existe, pois, um claro abuso de representação da encarregada de venda visto que, não obstante tenha agido dentro dos Iimites formais dos poderes que I he foram cedidos, utilizou, conscientemente, esses poderes em sentido contrário ao seu fim, o que inquinou a venda executiva e o resultado que se pretendia obter com a mesma. 12. A Recorrente é interveniente na ação executiva, tendo, assim, um interesse direto na venda, o que lhe confere legitimidade tanto para invocar nulidades processuais, como para requerer a anulação da venda com base nessas nulidades. 13. O que logrou fazer nos presentes autos atento o abuso de representação e a celebração do negócio consigo mesmo. 14. Veja-se, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de j ulho de 2017, relatado por Francisco Rothes e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23 de setembro de 2024, relatado por Manuel Domingos Fernandes. 15. A decisão em apreço violou as disposições constantes nos artigos 195.° e 261.° do Código Civil e artigos 53.°, n.° 1 e 839.°, n.° 1 al. c) do Código de Processo Civil. * A exequente contra-alegou, propugnando pela improcedência do recurso. * O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida de imediato, em separado e efeito meramente devolutivo. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. * II. O objecto e a delimitação do recurso Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio. De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso. Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal: Da existência da alegada irregularidade, invocada como fundamento para a anulação da venda. * III. Os factos Flui dos autos a realidade processual supra referida bem como a seguinte: a) O imóvel sito em Brejenjas, Iugar de Silveira, composto de casa de habitação de rés-do-chão, com duas assoalhadas, cozinha, adega, pátio e quintal, com área coberta de 118m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras, freguesia de Silveira, sob o n.° ... e inscrito na respetiva matriz predial com o artigo ...., foi penhorado à ordem dos autos principais, em 14/5/2007. b) CC - Engenharia e Mediação Imobiliária, Lda foi nomeada encarregada da sua venda, em 29/1/2015. c) Em 30.03.2022, a CC - Engenharia e Mediação Imobiliária, Lda apresentou uma proposta para adquirir o imóvel penhorado nos autos, pelo valor de € 77.000,00 (setenta e sete mil euros), correspondente ao valor mínimo de venda fixado pela Agente de Execução. d) Proposta esta que foi aceite pela Agente de Execução nos precisos termos em que foi formulada, em 3/10/2022, após ouvidos a Exequente e os Executados. e) Por requerimento de fls., datado de 29.04.2022, veio a Executada BB opor-se à adjudicação/venda por negociação particular do referido imóvel à proponente CC - Engenharia e Mediação Imobiliária, Lda, f) Alegando que tinha interesse/intenção em liquidar a quantia exequenda, acrescida dos honorários e despesas da Senhora Agente de Execução g) Por Despacho de 13/10/2023 e transitado em julgado, foi autorizado o prosseguimento da execução para a venda do imóvel penhorado pelo valor da referida proposta apresentada. h) Em 5/1/2024, foi celebrada escritura pública no Cartório Notarial de DD, mediante a qual EE, na qualidade de sócio gerente e em representação da CC - Engenharia e Mediação Imobiliária, Lda, declarou: «Que, pela presente escritura, e pelo preço de SETENTA E SETE MIL EUROS, que já recebeu, VENDE, à sociedade sua representada “CC - Engenharia e Mediação Imobiliária, Lda", tivre de quaisquer ônus ou encargos, o Prédio urbano, composto por casa de habitação de rés do chão, adega, páteo e quintal, sito em Brejenjas, freguesia de Silveira, concelho de Torres Vedras, inscrito na matriz sob o artigo ...., da referida freguesia, com o valor patrimonial tributável de € 28.399,70, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o número ... da freguesia de Silveira, onde se mostra registada a aquisição a favor da executada, BB, casada com AA, conforme inscrição que corresponde à apresentação trinta e sete, de um de outubro de mil novecentos e noventa e nove. (…) PELO OUTORGANTE, EM NOME DA SOCIEDADE SUA REPRESENTADA, FOI D!TO: Que, para a sociedade sua representada, aceita a presente venda nos termos aqui exarados, e que o imóvel supra identificado e ora adquirido se destina a REVENDA. PELO OUTORGANTE, NAS REFERiDAS QUALIDADES, FOI AINDA DECLARADO: Que, o preço indicado, no montante de setenta e sete mil euros, foi pago em 20 de dezembro de 2023, pela entidade …7 e referência …8. Que, o presente negócio juridico não foi objecto de intervenção de mediador imobiliário.». * IV. O Direito Nos termos do disposto no artigo 839º n.° 1 do Código de Processo Civil, a venda só fica sem efeito: a) Se for anulada ou revogada a sentença que se executou ou se a oposição à execução ou à penhora for julgada procedente, salvo quando, sendo parcial a revogação ou a procedência, a subsistência da venda for compatível com a decisão tomada; b) Se, tendo corrido à revelia, toda a execução for anulada nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 851.°, salvo o disposto no n.° 4 do mesmo artigo; c) Se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195.°; d) Se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono. 2 - Quando, posteriormente à venda, for julgada procedente qualquer ação de preferência ou for deferida a remição de bens, o preferente ou o remidor substituem-se ao comprador, pagando o preço e as despesas da compra. 3 - Nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.° 1, a restituição dos bens tem de ser pedida no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva, devendo o comprador ser embolsado previamente do preço e das despesas de compra; se a restituição não for pedida no prazo indicado, o vencedor só tem direito a receber o preço. Ensina Lebre de Freitas in "A ação executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7a Edição, p. 402 que a anulação do ato da venda nos termos dos artigos 195° e seguintes pode ocorrer: por nulidade da própria venda ou por nulidade de ato anterior de que dependa absolutamente. * Como referiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 17/12/2009 (Fonseca Ramos), disponível em www.dgsi.pt: I) - O negócio consigo mesmo, também apodado na doutrina portuguesa de autocontrato, e acto jurídico consigo mesmo, tem na sua base a emissão de uma procuração, o que coloca a questão dos poderes representativos, convocando o normativo do art. 258º do Código Civil. II) – O Código Civil adoptou como regra a proibição do negócio consigo mesmo, abrindo, no entanto, três excepções no sentido da validade; quando uma disposição especial da lei permita o negócio; quando o representado o consinta, em determinados termos, e quando “o negócio exclua por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses”. III) – Se a outorga de poderes representativos implica uma relação de fiducia do representado no representante, confiando aquele que os seus interesses são eficazmente defendidos, mais exigente deve ser a actuação do representante a quem, além da representação, são conferidos poderes para negociar consigo mesmo, sendo aqui claro que, a um tempo, representa o emitente da procuração e ele mesmo – clara situação de autocontrato. IV) – A lei exige o assentimento para o autocontrato e, como é inerente ao acto jurídico unilateral (procuração), [onde avulta o cariz intuitu personnae e a confiança no representante], o representado confia na sua honesta actuação, já que colocou nas mãos do representante a condução do negócio, em que este está duplamente interessado, pelo que o risco de actuação lesiva (tendência para o auto-favorecimento) não é de somenos, dada a possibilidade de existirem interesses conflituantes. V) - O representante deve agir com imparcialidade, probidade, moralidade e fidúcia, zelando os poderes que lhe foram conferidos pelo representado. VI) – O conflito de interesses pode decorrer de excesso ou abuso de representação, não podendo o representante, mesmo no caso de assentimento do representado, agir de modo egoísta acautelando apenas os seus próprios interesses por lhe competir a defesa dos interesses do outro contraente que representa. VI) – Da conjugação dos arts. 268º e 269º do Código Civil, resulta que o negócio celebrado com abuso de representação é ineficaz em relação ao representado, a menos que este o ratifique. * Decidiu-se, ainda, na Relação do Porto, em Acórdão de 5/2/2009 (Pinto de Almeida), disponível na mesma base de dados, o seguinte: As pessoas em cujo interesse a lei estabelece a anulabilidade do negócio consigo mesmo, conferindo-lhes legitimidade substantiva ou legitimidade em sentido material (que traduz o complexo de qualidades que representam pressupostos de titularidade, por um sujeito, de certo direito que invoque), são apenas os representados, excluindo-se os terceiros eventualmente prejudicados com o negócio; Ainda do mesmo Acórdão, retiramos o seguinte segmento relevante: Assim, não basta ter interesse na anulação para legitimar a intervenção da parte que a invoca. Esse é o regime da nulidade. Aqui exige-se que seja a pessoa no interesse da qual a lei estabelece a anulabilidade, Há, portanto, que resolver sempre uma questão de direito e não, como na nulidade, apreciar somente o facto do interesse na destruição dos efeitos do negócio[12].( Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. Cit., 264) Ora, as pessoas em cujo interesse a lei estabelece a anulabilidade do negócio consigo mesmo são apenas os representados, excluindo-se os terceiros eventualmente prejudicados com o negócio[13].( Cfr. Acórdão do STJ de 14.10.2004, www.dgsi.pt; J. Duarte Pinheiro, Ob. Cit., 172) Trata-se de legitimidade substantiva ou legitimidade em sentido material que traduz o complexo de qualidades que representam pressupostos de titularidade, por um sujeito, de certo direito que invoque[14].( Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, 174, que acrescenta: decidindo-se que certa pessoa não tem o direito de anular o contrato, o tribunal entra no mérito da causa, proferindo uma absolvição do pedido.). * No mesmo sentido, veja-se, da Relação de Coimbra, o Acórdão de 12/9/2006 (Hélder Roque), disponível na mesma base de dados: Quando a lei não faz a indicação concreta das pessoas legitimadas para arguir a anulabilidade, recorre-se a uma directiva, de carácter genérico, segundo a qual só os titulares do interesse para cuja específica tutela a lei a estabeleceu a podem invocar, o que, no caso do negócio consigo mesmo, pertence, tão só, aos representados, excluindo-se dessa legitimidade substantiva, enquanto terceiros, eventualmente, lesados com o negócio jurídico celebrado entre o representante e o representado, a entidade expropriante [ Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2005, 622.]. * E termina-se este périplo pela jurisprudência unânime, chamando à lide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/10/2004 (Araújo Barros), disponível na mesma base de dados: 1. A legitimidade processual, que se não confunde com a denominada legitimidade substantiva, requisito da procedência do pedido, afere-se pelo pedido e causa de pedir, tal como os apresenta o autor, independentemente da prova dos factos que integram a última. Assim, a parte é legítima quando, admitindo-se que existe a relação material controvertida, ela for efectivamente seu titular. 2. O negócio feito pelo representante consigo mesmo é meramente anulável, nos termos do artigo 261º do C.Civil, salvo se o representado tenha expressamente consentido na celebração. (…) 4. Só tem legitimidade para invocar a anulabilidade do contrato celebrado consigo mesmo aquele que foi representado no negócio. * Dúvidas não temos que a executada possui legitimidade processual para arguir a nulidade processual que conduz – no seu entender – à pretendida anulação da venda. Sendo interveniente principal no processo de execução, tem evidente interesse na venda e, por conseguinte, legitimidade para pedir a sua anulação com fundamento em irregularidades que possam nela ter influência. Neste ponto, afastamo-nos das considerações da decisão recorrida. O cerne da questão encontra-se, antes, na existência de qualquer irregularidade que possa ter tido influência na venda executiva. Efectivamente e na perspectiva da executada, essa irregularidade consistiu na circunstância de a venda ter sido celebrada pela encarregada dessa mesma venda, consigo mesma. Sucede que, atribuindo a lei o vício de anulabilidade ao negócio em questão e mostrando-se vedada a possibilidade da sua arguição, pela executada, tal vício sanou-se. Pois, de forma evidente, o encarregado da venda do imóvel em apreço não representou a executada nesse acto, mas antes, o agente de execução e, ainda que de forma indirecta, o próprio Tribunal, que, recorde-se, deferiu a realização dessa venda nos exactos termos em que foi feita. O negócio anulável, não obstante o vício de que enferma, é, em princípio, tratado pela lei como válido, a menos que seja anulado, no prazo legal e pelas pessoas com legitimidade para o fazerem, sob pena de passar a ser considerado, definitivamente, válido, uma vez que a anulabilidade não pode ser, oficiosamente, declarada pelo Tribunal. Carecendo, repete-se, a executada de legitimidade substantiva para a arguição da anulabilidade do negócio consigo mesmo, a venda executiva em questão convalidou-se. Inexistindo, desse modo, qualquer irregularidade na venda em questão, fundamento da sua anulação. Pelo que se conclui pela necessária improcedência da apelação, sendo de indeferir a pretendida anulação da venda, ainda que com distinto fundamento. * V. A decisão Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na improcedência da apelação, manter a decisão recorrida, de improcedência da anulação da venda. Custas pela recorrente. * Lisboa e Tribunal da Relação, 9 de Outubro de 2025 Nuno Lopes Ribeiro Nuno Gonçalves Adeodato Brotas |