Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
536/24.8YHLSB.L1-PICRS
Relator: PAULA MELO
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
PROCEDIMENTO CAUTELAR
NULIDADE
TRADE DRESS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/15/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTES
Sumário: SUMÁRIO: (da responsabilidade da relatora)
I. A nulidade da sentença prevista no artº 615º, nº 1, alínea b), só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentação, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito, e não quando esteja apenas em causa uma motivação deficiente, medíocre ou até errada.
II. A nulidade da sentença prevista no artº 615º nº 1 ali. c) do Código de Processo Civil, só ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz, deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vier a ser expresso.
III. No decretamento de qualquer providência cautelar, deverá ser sempre formulado um juízo de adequação e proporcionalidade, por forma a que o prejuízo que se visa evitar com a providência não seja superior ao que daquela previsivelmente seja resultante.
IV. O conceito de “Trade dress, protege elementos que não são meras marcas, mas que são essenciais para a diferenciação no mercado e para criar reconhecimento e confiança no consumidor, evitando a confusão com produtos ou serviços concorrentes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
Xamane, Ldª, contribuinte nº 506155676, com os sinais identificativos constantes dos autos, instaurou «Procedimento Cautelar Comum» contra a) Obvious Ambition, Ldª contribuinte nº 513173307 e b) Sanóbia, Centro Saúde Estética, Lda., contribuinte n.º 501579834, neles também melhor identificada.
O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos:
Nos presentes autos de procedimento cautelar que Xamane, Ldª, contribuinte n.º 506155676 instaurou contra a) Obvious Ambition, Ldª contribuinte nº 513173307 e b) Sanóbia, Centro Saúde Estética, Lda., contribuinte n.º 501579834 Xamane, Lda. foram formulados os seguintes pedidos, com relevância para a decisão:
A. determine à Obvious Ambition, Lda., a proibição de comercialização dos produtos Padevo e do produto PaToss e com o grafismo, design, lettering e cores da cartonagem que apresenta, determinando à Requerida a imediata suspensão de comercialização dos ditos produtos;

B. determine à Sanóbia, Lda., a proibição de distribuição dos produtos Padevo, e Patoss, com o grafismo, design, lettering e cores da cartonagem que apresenta, determinando à Requerida a imediata suspensão de distribuição dos ditos produtos;

C. determine à Sanóbia, Lda. a recolha de todo o produto Padevo e Patoss já vendido em farmácias, parafarmácias e armazenistas;

D. Determine à Obvious Ambition, Lda. proibição de alusão a qualquer produto comercializado pela Requerente, seja em produtos presentemente comercializados, ou que futuramente o venham a ser.

As requeridas deduziram oposições, tendo impugnado de facto e de direito e concluído no sentido da improcedência dos pedidos deduzidos.
Após instrução e discussão da causa, foi proferida sentença que decretou:

“Pelos fundamentos expostos, julgo o presente procedimento cautelar parcialmente procedente, por provado, e, consequentemente:
a) proíbo a 1.ª requerida de produzir ou comercializar novas embalagens que reproduzam as cores e lettering utilizadas nas embalagens da requerente, no que respeita à designação das substâncias que integram os suplementos PADEVO e/ou das finalidades e efeitos que aqueles visam atingir [a identificadas com letras com matizados lilases a alaranjados, em tudo idênticos aos que são utilizados na marca PADEP], apenas podendo proceder à comercialização das embalagens de suplementos já existentes, com a actual identidade visual;
b) proíbo a 2.ª requerida de proceder à distribuição de novas embalagens, que a 1.ª requerida ou qualquer outra entidade se proponham vender-lhe, e que reproduzam as cores e lettering referidos em a], apenas podendo proceder à distribuição das já existentes, com a actual identidade visual;
c) proíbo a 1.ª requerida de se referir à marca PADEP por comparação ou em correlação com a marca PADEVO;
d) no mais, absolvo as requeridas dos pedidos cautelares que contra si foram dirigidos”.

É dessa sentença que vêm os presentes recursos interposto por XAMANE, LDA., e Obvious Ambition, Ldª .

*

XAMANE, LDA., alegou e apresentou as seguintes conclusões:

1) O presente recurso tem por objecto os seguintes segmentos decisórios:
a) O que absolveu a 1.ª requerida de comercializar e a 2.ª requerida de distribuir o produto PaToss com o grafismo, design, lettering e cores da cartonagem que apresenta, determinando às requeridas a imediata suspensão da sua comercialização (a 1.ª requerida) e distribuição (a 2.ª requerida) e
b) O não decretamento da medida cautelar proposta na alínea e) do petitório.

2) Quanto ao primeiro daqueles segmentos decisórios aponta-se em primeiro lugar o vício da nulidade ou o da deficiência da decisão de facto da sentença.

3) A requerente no art. 22.º do requerimento inicial alegou ser “a detentora do produto e marca do suplemento alimentar denominado «Suavitoss»” e que tomou conhecimento em 12-11-2024 que a 2.ª requerida começou a comercializar/distribuir um produto denominado «PaToss», cujo grafismo, lettering e design da cartonagem são em tudo iguais ao «Suavitoss» (arts. 24.º e ss. Do requerimento inicial), terminando a pedir que a 1.ª requerida fosse proibida de comercializar e a 2.ª requerida de distribuir o produto PaToss com o grafismo, design, lettering e cores da cartonagem que apresenta, determinando às requeridas a imediata suspensão da sua comercialização (a 1.ª requerida) e distribuição (a 2.ª requerida).

4) Sucede, porém, que o Tribunal a quo omitiu por completo na sentença a enumeração/discriminação nos factos indiciariamente provados ou não provados da matéria de facto alegada no art. 22.º do requerimento inicial, não dando, assim, cumprimento ao disposto no art. 607.º, n.º 4 do CPC.

5) Na jurisprudência, há quem entenda que «os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença»- cfr. Acórdão da R.C. de 20-01-2015, Relator Henrique Antunes, Proc. 2996/12.0TBFIG.C1, in www.dgsi.pt.

6) Outros há, porém, que não deixam de admitir que poderão existir vícios da decisão de facto idóneos a justificar, de per se, a nulidade da própria sentença, enfatizando o facto desta, desde o CPC de 2013, conter agora simultaneamente a decisão de facto e a decisão de direito- cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 4.ª edição, págs. 733 e 734.

7) Assim sendo, quer se entenda estarmos perante uma nulidade da sentença (por força do disposto na al. b), do n.º 1 do art. 615.º do CPC) consistente na falta de especificação do fundamento de facto alegado no art. 22.º do requerimento inicial, quer se entenda que encontrarmo-nos apenas em face de uma insuficiência na matéria de facto (por deficiência), o que temos por certo é que tal vício processual deve ser reconhecido e reparado.

8) Caso o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa sufrague a tese da nulidade, declara-a, caso contrário o recurso prossegue para a apreciação da questão da insuficiência da matéria de facto.

9) Na verdade, lê-se no art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, que a «Relação deve (…), mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que (…) permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto (…)».

10) A decisão é deficiente quando aquilo que se deu como provado e não provado não corresponde a tudo o que, de forma relevante, foi previamente alegado, isto é, não foram considerados todos os pontos de facto controvertidos ou a totalidade de um facto controvertido.

11) A invocada deficiência da decisão de facto pode ser suprida pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa (art. 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC).

12) E de que modo? Para que termos?

13) Para resolver esse ponto, temos de recorrer antes de mais ao facto de a recorrente ser a titular registada da marca nacional «Suavitoss», com o n.º 720707 (cfr. Doc. 18 do requerimento inicial).

14) Sabemos que quanto a esse ponto, a fundamentação de direito da sentença segue um caminho oposto, recorrendo para o efeito aos considerandos vertidos nas págs. 8 e 16 a 19.

15) Quanto à referida na pág. 16 (apelo à sentença proferida no Proc. n.º 477/24.9YHLSB), temos a dizer que tal decisão foi objecto de recurso de apelação, pelo que na eventual procedência deste, o que se espera, aquela fundamentação cai por terra.

16) Quanto à fundamentação aludida nas págs. 8 e 17 a 19, por referência ao contrato, a mesma tem de falecer.

17) A leitura das cláusulas 1.ª, 2.ª, 3.ª, 5.ª e Anexo I do contrato junto como Doc. 1 no requerimento inicial (que refere expressamente o «Suavitoss»), em conjunto com o Ponto 3.3. dos Factos Indiciariamente Provados («A 1.ª requerida agiu no mercado sempre em nome próprio, e nunca em representação da requerente, à qual comprava os produtos»), aponta para que o mesmo seja não um contrato de fornecimento mas sim de concessão comercial.

18) São notas essenciais do contrato de concessão comercial (cfr. António Pinto Monteiro, in Contratos de Distribuição Comercial, Almedina, 2004, pág. 109): (1) É um contrato em que alguém assume a obrigação de compra para revenda, nele se estabelecendo logo os termos em que esses futuros negócios serão feitos, pelo que, ao celebrarem, periodicamente, os contratos de compra e venda pelos quais o concessionário adquire do concedente os bens para revenda, estarão as partes a cumprir a obrigação anteriormente assumida; (2) o concessionário age em seu nome e por conta própria, assumindo os riscos da comercialização; e (3) vinculam- se as partes a outro tipo de obrigações para além da obrigação de compra para revenda.

19) Efectivamente, «No contrato de concessão comercial o concessionário, ao contrário do agente, actua em seu nome e por sua conta, assumindo os riscos da comercialização dos produtos que compra ao fabricante ou ao fornecedor, para vender a terceiros, e retirando os proventos do resultado da compra e venda desses produtos» (cfr. Acórdão da R.L. de 8-07-2004, Relator Pimentel Marcos, Proc. 4409/2004-7).

20) Ora, se olharmos para os factos apurados (cfr. Ponto 3.3) e para os termos do contrato junto como Doc. 1 no requerimento inicial (cláusulas 2.ª, 3.ª, 4.ª e Anexo I), também na parte em que a cláusula 4.ª, n.º 1 e o Anexo I aludem a um forecast (previsão de vendas futuras), elemento típico da concessão, julgamos encontrarmo-nos em face de um contrato de concessão comercial.

21) Não obstante, não se nega que o contrato coloca questões interpretativas a propósito do teor das alíneas VIII e IX da cláusula 6.ª.

22) De facto, consta da segunda parte da alínea VIII que o «Suavitoss» foi «desenvolvido» pela 1.ª requerida.

23) No entanto, esse excerto encontra-se completamente desfasado e em antagonismo com a primeira parte da mesma alínea, onde se refere que «Em caso de denúncia do presente contrato pela Segunda Outorgante, a mesma, compromete-se a não fabricar, comercializar/vender qualquer produto que contenha as mesmas fórmulas desenvolvidas pela Primeira Outorgante, (cf. Fichas anexas dos produtos que se anexam e que fazem parte integrante do presente contrato)».

24) Tais fichas dos produtos vêm qualificadas na cláusula 11.ª do contrato como Anexo II.

25) Ora, o Anexo II do contrato foi junto no requerimento inicial (Doc. 1) e é constituído pela ficha técnica do produto «Suavitoss».

26) Se assim é, o que nos diz a primeira parte da alínea VIII da cláusula 6.ª é que o «Suavitoss» pertence à requerente/concedente e não à 1.ª requerida/concessionária.

27) O que, de resto, é perfeitamente lógico dado que nos ocupamos de um contrato de concessão comercial.

28) Acresce que, o carácter linear e translúcido da escrita constante dessa primeira parte da alínea VIII é interrompido com a colocação de um ponto final, seguindo-se inopinadamente «Suavitoss que foi desenvolvido pela Segunda Outorgante ou outros nas mesmas condições».

29) Esta segunda parte da alínea VIII causa duas perplexidades.

30) Por um lado, como é possível dizer-se que foi desenvolvido pela Segunda Outorgante se duas e uma linha atrás se diz que foi desenvolvido pela Primeira Outorgante (por remissão para o Anexo II do contrato)?

31) Por outro lado, que sentido faz ter-se escrito «ou outros nas mesmas condições»? Que outros? O que tal significa?

32) De facto, tudo o que se escreveu a seguir ao ponto final tem um conteúdo desconexo e incoerente comparado com a elegância e escorreiteza da primeira parte da alínea VIII.

33) Não obstante, sempre se adianta que «desenvolvido» significa fazer crescer; fazer medrar; aumentar; ampliar; incrementar; melhorar; propagar.

34) Ora, o propósito normal de um concessionário é desenvolver a actividade/produtos, nomeadamente as vendas.

35) Ou seja, não é pela inclusão a seguir ao ponto final da expressão «desenvolvido» no contrato que permite ao tribunal recorrido concluir que daí se colhe que o verdadeiro titular da marca «Suavitoss» é a 1.ª requerida.

36) Desse modo, na interpretação do clausulado à luz do art. 236.º e ss. do Código Civil deve dar-se prevalência ao constante da primeira parte da alínea em questão, em detrimento da escrita atabalhoada e até mesmo indecifrável da segunda parte da alínea.

37) Não faz qualquer sentido as partes celebrarem um contrato de concessão onde se inclua um produto que seja “propriedade” da cessionária.

38) E, assim, tem de se concluir que o «Suavitoss» pertence à requerente (cfr. Anexo II do contrato de fornecimento) e não à 1.ª requerida.

39) Mas, seja como for, temos por certa que a Meritíssima Senhora Juiz não podia limitar-se a ler a frase «desenvolvida pela Segunda Outorgante» constante da segunda parte da alínea VIII, negligenciando e ostracizando a primeira parte dessa alínea onde se colhe exactamente o oposto, ou seja que o «Suavitoss» foi “desenvolvida” pela Primeira Outorgante.

40) Não bastando, a alínea seguinte do contrato (IX) traz-nos outro desafio de lógica.

41) O que quer dizer «IX- Em caso de incumprimento da alínea anterior, serão devidos à Segunda Outorgante, Royalties no montante 20% da faturação que deverão ser pagos à Primeira Outorgante mensalmente. Assim como o contrário deverá acontecer com exceção do Suavitoss»?

42) Antes de mais, não é possível dizer-se que «serão devidos à Segunda Outorgante» e de seguida dizer-se «que deverão ser pagos à Primeira Outorgante».

43) É incompatível.

44) Se são devidos à Segunda Outorgante são pagos a esta. E, se assim for, quem tem de os pagar é a Primeira Outorgante.

45) Se são devidos à Primeira Outorgante são pagos a esta. E, se assim for, quem tem de os pagar é a Segunda Outorgante.

46) Então, como é que esta parte inicial da alínea IX deve ser interpretada (por referência ao citado art. 236.º do Código Civil)?

47) A alínea IX começa por nos dizer «Em caso de incumprimento da alínea anterior».

48) Se assim é, esta alínea reporta-se à obrigação da 1.ª requerida não fabricar, comercializar/vender qualquer produto que contenha as mesmas fórmulas desenvolvidas pela requerente, no que, como vimos, se inclui o «Suavitoss» (cfr. Anexo II do contrato).

49) Dúvidas, pois, não restam que a alínea IX consagra as penalidades em que a 1.ª requerida incorre na eventualidade de comercializar/vender qualquer produto que contenha as mesmas fórmulas desenvolvidas pela requerente, nomeadamente o «Suavitoss».

50) É esta a única interpretação possível.

51) E, por conseguinte, impõe-se ultrapassar os erros de escrita plasmados na primeira parte da alínea IX da cláusula 6.ª (cfr. art. 249.º do Código Civil), interpretando-se a mesma do seguinte modo: «Em caso de incumprimento da alínea anterior, serão devidos pela Segunda Outorgante, Royalties no montante 20% da faturação que deverão ser pagos à Primeira Outorgante mensalmente».

52) A seguir ao ponto final, a alínea em análise diz-nos que: «Assim como o contrário deverá acontecer com exceção do Suavitoss».

53) Neste conspecto, a referência a «o contrário» só pode ser interpretada como no caso de incumprimento da requerente que a fizesse incorrer num dever de indemnizar a 1.ª requerida.

54) E, se só assim pode ser lida e compreendida a referência a «o contrário», logo de seguida essa alínea é taxativa a excepcionar desse eventual dever indemnizatório o «Suavitoss».

55) No fundo o que essa parte da alínea IX nos diz é que a requerente pode ter de pagar Royalties à 1.ª requerida com excepção do «Suavitoss».

56) Por isso, o tribunal a quo errou em toda a linha quando plasmou na sentença que «… a marca SUAVITOSS era da 1.ª requerida [que a tinha «desenvolvido», segundo a expressão contratualmente utilizada]» (pág. 17 da sentença).

57) Não. É precisamente o contrário.

58) Assim, por todas as razões expostas, seja por força da nulidade ou seja por força da insuficiência da matéria de facto, deve a Relação aditar aos Factos Indiciariamente Provados que «A requerente é a detentora do produto e marca do suplemento alimentar Suavitoss».

59) E, em conformidade com o art. 210.º, n.º 1 do Código da Propriedade Industrial, deve valer para o «PaToss» os considerandos vertidos na sentença quanto aos produtos «Padep» e «Padevo», pelo que deve ser revogada a sentença na parte ora impugnada, condenando-se as requeridas nos termos solicitados nas alíneas a) e b) do petitório ou, pelo menos, nos mesmos moldes definidos na sentença para o produto «Padevo».

60) Na eventualidade, meramente académica, de não ser julgado procedente o invocado vício da nulidade da sentença ou da insuficiência da matéria de facto, cumpre à recorrente invocar o erro de julgamento, na modalidade de error juris, quanto ao sobredito segmento decisório, dando-se aqui por integralmente reproduzido tudo quanto se fez constar das precedentes conclusões 14.ª a 58.ª.

61) No que tange à impugnação do segundo segmento decisório (quanto à alínea e) do petitório), parece-nos que o que não é proporcional é a medida decretada «proíbo a 1.ª requerida de se referir à marca PADEP por comparação ou em correlação com a marca PADEVO».

62) O n.º 7 do art. 345.º do CPI fixa que «Na determinação das providências previstas no presente artigo, deve o tribunal atender à natureza dos direitos de propriedade industrial ou do segredo comercial, salvaguardando, nomeadamente, a possibilidade de o titular continuar a explorar, sem qualquer restrição, os seus direitos».

63) Ora, em face da gravidade da conduta da 1.ª requerida (aferida pelos factos indiciariamente provados 1.4, 1.9, 2.4, 2.6, 2.9 e 2.10 e alíneas g), h) e k) dos factos não indiciariamente provados) deveria o tribunal a quo ter tomado em consideração que:

a) A 1.ª requerida «continua a ter stock de PADEP … Assim, resulta não provado que a 1.ª requerida não comercialize os produtos PADEP que ainda se encontrem em stock» (cfr. página 15 da sentença),
b) Que esse stock perfaz 34.277 de produtos Padep (cfr. Ponto 4.6 dos Factos Indiciariamente Provados),
c) Que até a 1.ª requerida ter disponível o novo layout dos produtos imitados «Padevo» e «PaToss», vai continuar a comercializar o «Padep» e o «Suavitoss» e a 2.ª requerida a distribui-los, com evidente prejuízo da requerente, enquanto titular dessas marcas registadas, e
d) Que a medida cautelar decretada a este respeito parece-nos de difícil comprovação/controle, sendo meramente retórica.

64) Não o tendo feito, deve o tribunal reparar a decisão nessa parte, revogando-a e condenando a 1.ª requerida no pedido constante da alínea e) do requerimento inicial.

OBVIOUS AMBITION, LDA., apresentou contra-alegações, concluindo que o recurso interposto pela recorrente deve ser julgado improcedente, devendo manter-se integralmente a sentença recorrida quanto aos segmentos ora em crise.

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Obvious Ambition, Ldª , alegou e apresentou as seguintes conclusões:

I. Os presentes autos de procedimento cautelar foram instaurados pela Requerente contra a aqui Recorrente (identificada como 1.ª Requerida na sentença de que se recorre) e contra a sociedade Sanóbia, Centro Saúde Estética, Lda., melhor identificada nos autos.
II. Em súmula, foram formulados os seguintes pedidos: que a aqui Recorrente fosse proibida de comercializar os produtos denominados Padevo e PaToss, com o grafismo, design, lettering e cores atualmente constantes das respetivas embalagens, sendo-lhe imposta a imediata suspensão da comercialização dos referidos produtos; que fosse a sociedade Sanóbia, Centro Saúde Estética, Lda., proibida de distribuir os produtos Padevo e PaToss, com o grafismo, design, lettering e cores atualmente constantes das respetivas embalagens, com a consequente suspensão imediata da sua distribuição; que fosse imposta à mesma sociedade a obrigação de proceder à recolha integral daqueles produtos que já tenham sido colocados à venda em farmácias, parafarmácias e junto de armazenistas; e, por fim, que fosse a Requerida, ainda, proibida de qualquer alusão, direta ou indireta, a produtos comercializados pela Requerente, quer nos produtos atualmente em comercialização, quer naqueles que futuramente venham a ser introduzidos no mercado.
III. Após audiência de julgamento, resultaram provados, entre outros, e com relevância para o presente recurso, os seguintes factos:
1.5. Requerente e 1.ª requerida (Obvious Ambition, Lda.) celebraram um contrato de fornecimento e distribuição de suplementos alimentares em 4 de Novembro de 2020, contrato esse que tinha a duração de cinco anos, renovável por igual período [cf. doc. 1 e Anexo I, com o RI];
(…) 3.2. A requerente nunca explorou junto dos clientes as identidades visuais próprias dos produtos/suplementos identificados no anexo ao contrato, uma vez que era a 1.ª requerida a promover a marca relativamente a tais suplementos;
3.3. A 1.ª requerida agiu no mercado sempre em nome próprio, e nunca em representação da requerente, à qual comprava os produtos.
IV. E como não provados, resultaram como não provados os seguintes factos:
Em face da prova produzida, não resultaram indiciariamente provados os seguintes factos:
a. Que a 2.ª requerida se dedique à comercialização de suplementos alimentares;
b. Que a requerida Sanóbia pretenda afrontar a requerente, levando a que esta seja descredibilizada quer pelo público alvo, o consumidor final, induzindo-o em erro, passando a mensagem que os produtos “Padep” são agora Padevo e o produto “Suavitoss” é Patoss;
c. Tendo em conta o volume de vendas, os produtos vendidos à 2.ª requerida demorariam 1 ano, ou mais a serem escoados;
d. Não existiu por parte da 1.ª requerida qualquer oposição ou impugnação da rescisão contratual;
e. A 2.ª requerida não sabia que o grafismo das embalagens PADEP e PADEVO e Suavitoss e Patoss apresentavam semelhanças quanto às cores das embalagens, tipos de letra apresentadas e cores das próprias letras;
f. Até ao momento da rescisão contratual, a 1.ª requerida era a única a desenvolver e comercializar produtos PADEP;
g. O lettering, design e cartonagem dos produtos comercializado pela 1.ª requerida nunca pertenceram à requerente e foram desenvolvidos pela 1.ª requerida, que arcou com todos os custos de criação e desenvolvimento, incluindo identidade visual, embalagens e respetivo marketing;
h. As identidades dos suplementos foram criadas exclusivamente pela 1.ª requerida, limitando-se a requerente a fornecê-los conforme as necessidades ditadas pelo mercado.
i. Que a requerente tenha sofrido quebras de facturação, em resultado da introdução no mercado dos produtos PADEVO e Patoss;
j. A 1.ª requerida já não comercializa o produto anteriormente designado “Padep”, mas sim o novo produto “Padevo”;
k. Que a imposição da proibição não apenas frustraria todo o investimento e trabalho desenvolvido pela 1.ª requerida até ao momento, como a colocaria numa situação de incerteza e instabilidade insustentáveis, comprometendo a sua capacidade de cumprimento das obrigações assumidas perante os seus clientes e fornecedores e pondo em causa a própria continuidade do seu projeto.
V. O tribunal a quo julgou o procedimento cautelar parcialmente procedente, por provado e, decidiu, em súmula, e com interesse para o presente recurso:
a) proibir a 1.ª Requerida (ora Recorrente) de produzir ou comercializar novas embalagens que reproduzam as cores e lettering utilizadas nas embalagens da requerente, no que respeita à designação das substâncias que integram os suplementos PADEVO e/ou das finalidades e efeitos que aqueles visam atingir [a identificadas com letras com matizados lilases a alaranjados, em tudo idênticos aos que são utilizados na marca PADEP], apenas podendo proceder à comercialização das embalagens de suplementos já existentes, com a atual identidade visual;
VI. Com todo o respeito que o tribunal a quo nos merece, não pode a Recorrente conformar-se com a decisão proferida, por diversos motivos, que serão devidamente enunciados e explicados infra.
VII. Desde logo, entende a Recorrente que a sentença ora recorrida enferma de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, porquanto os fundamentos invocados pelo Tribunal na apreciação do litígio estão em manifesta contradição lógica com a decisão proferida, revelando-se esta inconciliável com a matéria de facto dada como provada, no nosso modesto entender.
VIII. Com efeito, em 3.2. e 3.3. dos factos elencados como provados, o Tribunal a quo reconheceu expressamente (e com base na prova testemunhal e documental produzida):
3.2. A requerente nunca explorou junto dos clientes as identidades visuais próprias dos produtos/suplementos identificados no anexo ao contrato, uma vez que era a 1.ª requerida a promover a marca relativamente a tais suplementos;
3.3. A 1.ª requerida agiu no mercado sempre em nome próprio, e nunca em representação da requerente, à qual comprava os produtos.
IX. Assim, e em rigor, a matéria de facto dada como provada exclui a possibilidade de a Requerente ser considerada titular da identidade visual dos produtos.
X. Não obstante a factualidade ora exposta, que implicaria a inexistência de qualquer direito de propriedade industrial da Recorrida, o Tribunal conclui, no dispositivo da sentença que:
“(...) a identidade visual dos produtos em causa, conforme configurada durante a vigência do contrato, pertence à Requerente, e como tal, deve a 1.ª Requerida abster-se de a reproduzir, aplicar ou utilizar em futuras embalagens ou campanhas promocionais.”
XI. Assim, esta conclusão e com o devido respeito por opinião contrária, viola as regras da lógica formal e traduz uma contradição entre os fundamentos de facto e a decisão, uma vez que a fundamentação reconhece a inexistência de qualquer uso, promoção ou apropriação por parte da Requerente da identidade visual em causa, ou de qualquer outra, mas a decisão impõe, paradoxalmente, à Requerida a proibição de utilização futura da mesma.
XII. E, desta feita, sendo a decisão final a conclusão lógica que deve resultar da aplicação do direito aos factos provados, torna-se inconcebível que se retire do acervo factual dado como assente, que afasta qualquer intervenção ou titularidade da Requerente sobre a identidade visual dos produtos, uma consequência jurídica que indica precisamente o contrário.
XIII. Incorrendo o Tribunal a quo num vício decisório que tolda todo o raciocínio jurídico subjacente à decisão final, nesta parte da sentença, comprometendo assim a sua validade.
XIV. Ademais, o tribunal a quo julgou o procedimento cautelar parcialmente procedente, por parcialmente provado, e, consequentemente, condenou a Recorrente na proibição de não produzir os produtos PADEVO com a identidade visual identificada.
Tendo julgado como provado:
2.6. A 1.ª requerida utiliza para a comercialização dos produtos PADEVO o mesmo grafismo, lettering e o design da cartonagem, bem como as mesmas cores dos produtos PADEP; e como não provado:
g. O lettering, design e cartonagem dos produtos comercializado pela 1.ª requerida nunca pertenceram à requerente e foram desenvolvidos pela 1.ª requerida, que arcou com todos os custos de criação e desenvolvimento, incluindo identidade visual, embalagens e respetivo marketing;
h. As identidades dos suplementos foram criadas exclusivamente pela 1.ª requerida, limitando-se a requerente a fornecê-los conforme as necessidades ditadas pelo mercado.
XV. Contudo, não se compreende como pôde o tribunal a quo formar a sua convicção no sentido ora impugnado, uma vez que a decisão se mostra desconforme com a prova produzida.
XVI. Veja-se, neste sentido, os seguintes depoimentos:
Depoimento da Dra. AA…:
(8:09): A DD… (legal representante da Recorrente) falou-me antes de produzir alguns deles, disse-me que tinha estado junto com farmacêuticos e alguns colegas de algumas especialidades para criar as formulações e que foi com essas pessoas que fez a criação;
(10:15): Sempre foi a DD… que me apresentou todos os produtos, e me entregou os (…) os livretes, as réguas (…);
(11:30): Para mim sempre foram os produtos da DD…, que conheci como delegada da própria marca, dona e criadora da própria marca, foi sempre assim que conheci os produtos.
Depoimento da Dra. BB…:
(8:00): Sempre lhe falamos que era bom ter este xarope (…) ajudamos a criar as cores, o nome, toda a parte da cartonagem.
(10:01): A partir daí, foi-nos mostrando como é que pensou na forma da apresentação do produto, não é? Porque era apenas um nome em si (PADEP), não havia desenvolvimento nenhum, que eu saiba, de apresentação de marca, depois surgiu, penso que isso foi desenvolvido pela DD…, que muitas vezes ouvia o que achávamos;
(11:31): PADEP? 2020.
(12:15): eu acho que é a DD…, trabalhava, ela própria, todos os produtos, no início era só ela, depois começou a ter com ela outros colaboradores a trabalhar com ela e a desenvolver o produto, sempre foi, senão fazia sentido aquilo que lhe dizíamos sempre, trabalhar para ela, não trabalhar para outros (…) que eu saiba, foi ela sempre que teve de custear o desenvolvimento da marca, criação das cartonagens, que ela às vezes falava-me disso, que lhe faltavam caixas, ou que lhe faltava não sei quê, que tinha de ir ver o que se passava”.
(13:18): à pergunta “A comercialização destes produtos alguma vez foi feita por alguém que não a DD…”? Respondeu: Não.
(14:04): à pergunta: “tem alguma dúvida sobre quem criou a identidade visual do Padep ou do Suavitoss ou do PADEVO ou da Patoss?” Respondeu: não, não tenho nenhuma dúvida, foi a Dona DD….
Depoimento Dra. CC…:
(1:50): à Obvious, a minha delegada, a D. DD…, sempre foi ela com quem tratei das encomendas.
Depoimento HH…:
(6:00) para a Obvious, desenvolvíamos também para a mesma marca material comercial, nesse caso, catálogos, merchandising, uma ou outra imagem que fosse necessária, também para a marca PADEP.
(14:07): a Obvious precisava de um cartão para apresentar aos médicos (…) todo o material comercial era desenvolvido diretamente para a Obvious.
(15:45): toda a promoção da marca era feita depois pela Obvious, porque era quem estava a trabalhar a marca.
(16:40): “À pergunta: se se recorda de trabalhar a marca PADEP sem a Obvious?”, respondeu que eu me recorde, não.

XVII. Assim, facilmente se depreende que ainda que a marca PADEP pudesse existir, formalmente, desde 2014, a verdade é que, como resulta da instrução do processo, quem concebeu e desenvolveu toda a sua identidade visual, quem a promoveu e explorou comercialmente junto do mercado e dos consumidores foi, indubitavelmente, a ora Recorrente, Obvious Ambition, Lda – delineando a apresentação gráfica dos seus produtos, sendo responsável pelos custos de campanhas publicitárias, quem tratou da promoção e implementação do produto no mercado.
XVIII. A Requerente, ora Recorrida, teve, por sua vez, uma atuação residual e meramente instrumental, limitando-se a fornecer o produto conforme as especificações e necessidades previamente identificadas pela Recorrente.
XIX. Acresce que, da prova produzida, resulta igualmente que até algumas das fórmulas dos suplementos comercializados sob a designação PADEP foram desenvolvidos pela própria Recorrente, sendo esta quem detinha, na prática, o controlo do produto, desde a sua conceção até à colocação no mercado.
XX. Por tudo isto, não se compreende, com o devido respeito por opinião diversa, como pôde o tribunal a quo considerar como provado que a 1.ª Requerida (Recorrente) utilizava "o mesmo grafismo, lettering e o design da cartonagem, bem como as mesmas cores dos produtos PADEP", e, em simultâneo, dar como não provado que essa mesma identidade visual e respetiva exploração de mercado haviam sido integralmente desenvolvidas e suportadas pela própria Recorrente.
XXI. A decisão revela-se, assim, incoerente e desconforme com a realidade demonstrada nos autos, carecendo de revisão em sede de recurso, por manifesto erro na apreciação da prova, com consequências diretas na decisão final do tribunal a quo.
XXII. Com efeito, como vimos, as testemunhas confirmam que foi a Recorrente quem apresentou os produtos ao mercado, quem organizou e desenvolveu material publicitário e quem mantinha relação direta com os profissionais e clientes, sem qualquer mediação ou participação da ora Recorrida, que se limitava a fornecer os produtos.
XXIII. Não pode, assim, subsistir qualquer dúvida da criadora da identidade visual daqueles produtos – a Recorrente, pelo que entende-se prova produzida impunha decisão diferente, devendo ser dados como provados os seguintes factos:
g. “A identidade visual dos produtos PADEP, incluindo grafismo, lettering, design da cartonagem e respetivas cores, foi idealizada, desenvolvida e executada pela 1.ª Requerida, que suportou todos os custos associados à sua criação, design e promoção.”
h. “A Recorrida limitou-se a fornecer os suplementos alimentares à Recorrente, nos moldes e especificações definidos por esta última, sem intervir na criação da marca, na definição da imagem ou na comercialização dos produtos.”
XXIV. Só mediante a devida alteração da matéria de facto nos termos requeridos será possível repor a verdade material dos autos e, assim, assegurar a realização de uma justiça efetiva.
XXV. Ainda assim, sempre se diga que a marca PADEP trata-se de uma marca nominativa, compreendendo apenas o vocábulo “PADEP”, escrito em letras maiúsculas regulares.
XXVI. Estando em causa, no entanto, no caso dos autos, a defesa da imagem visual daquela marca – trade dress, ou seja, a alegada imitação da imagem visual com que os produtos foram apresentados ao público.
XXVII. Ora, não subsistem dúvidas de que a Recorrida jamais concebeu, utilizou ou explorou qualquer identidade visual própria associada à marca PADEP (facto provado 3.2.), mas antes pelo contrário, foi a Recorrente quem idealizou, desenvolveu e aplicou aquela identidade visual que passou a distinguir os produtos PADEP no mercado, através de elementos gráficos distintivos, cor, disposição dos rótulos e estilo de embalagem, como vimos em b).
XXVIII. Não pode, assim, proceder o entendimento de que estamos perante atos de concorrência desleal, porquanto não houve qualquer imitação de um trade dress que a Recorrida alguma vez tenha usado ou desenvolvido.
XXIX. Com efeito, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que a imitação dos invólucros ou aparência exterior característicos de produtos comercializados por concorrentes pode constituir desleal quando se verifique uma apropriação parasitária da imagem comercial do outro operador económico, em termos suscetíveis de criar confusão no espírito do público consumidor, o qual compara a imagem de um produto com a memória visual que retém do outro.
XXX. Como ensina a doutrina, “(...) a utilização sempre do mesmo conjunto visual serve como elemento identificador da empresa que fornece o produto ou serviço e assim serve de instrumento de angariação de clientela”. – cfr. Carlos Olavo, “A proteção do Trade Dress”, Curso de Direito Industrial Vol. V, Almedina, 2008, págs 429 e 430.
XXXI. Essa função identificadora da imagem visual deve aplicar-se, no caso dos autos, à recorrente, uma vez que foi ela quem estruturou essa apresentação dos produtos, com projeção concreta no mercado e reconhecimento junto do público, ao longo de um período relevante (pelo menos, desde 2020, como se apurou).
XXXII. Qualquer outra decisão em sentido diverso lesa o intuito da tutela do trade dress que procura prevenir a confusão no mercado, salvaguardando a lealdade da concorrência e a fidelidade da clientela, mesmo na ausência de registo formal, uma vez que a pretensão da Recorrida nos presentes autos é a de obter o exclusivo de apresentação visual para produtos que nunca concebeu ou explorou visualmente, restringindo, por via do abuso do direito de marca, a legítima atividade comercial da Recorrente, que desenvolveu e consolidou essa identidade visual no mercado.
XXXIII. Foi por força da atuação criativa e comercial da Recorrente que se formou no espírito dos consumidores uma associação visual entre aqueles elementos gráficos e os produtos.
XXXIV. Associação essa que teve um efeito direto e determinante na fidelização da clientela. Ora, ao impedir que a Recorrente continue a explorar a imagem visual que ela própria criou, e a Recorrida a beneficiar da sua apropriação, está o tribunal a quo a legitimar um resultado não só profundamente injusto, como contrário aos princípios da equidade, da boa-fé e da lealdade nas práticas comerciais e concorrenciais.
XXXV. Com tal decisão, transfere-se para a Recorrida uma vantagem competitiva no mercado que em nada lhe é imputável, pois não resulta de qualquer investimento criativo, esforço comercial ou iniciativa própria, mas sim do trabalho, dedicação e projeção pública da Recorrente.
XXXVI. Em rigor, esta solução atribui à Recorrida uma utilidade económica gratuita, totalmente dissociada da realidade e de qualquer atuação própria.
XXXVII. Assim, a decisão que agora se recorre está longe de proteger a lealdade da concorrência, mas antes promove uma distorção do mercado, punindo quem criou uma identidade visual distintiva e, por outro lado, premiando injustamente quem dela se aproveita, sem qualquer mérito nem contribuição para a sua construção ou reconhecimento junto do público.
XXXVIII. Sempre se diga, ainda, que a Requerente é titular do registo da marca “PADEVO” junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), marca que integra não apenas a denominação, mas igualmente o lettering e a paleta cromática cuja utilização foi censurada na decisão recorrida.
XXXIX. Tal registo confere à Recorrente um direito exclusivo sobre os elementos distintivos em causa.
XL. A Recorrida, pese embora dispusesse de várias vias para proteger os ora alegados direitos sobre a identidade visual, não requereu o registo da marca, não apresentou oposição ao registo promovido pela Recorrente, nem interpôs recurso judicial da decisão que o concedeu.
XLI. Ao abrigo do artigo 213.º do Código da Propriedade Industrial, à titularidade de marca não registada apenas é reconhecida proteção transitória e condicionada, a exercer nos seis meses seguintes à primeira utilização, mediante pedido prioritário de registo ou oposição tempestiva.
XLII. A inércia da Recorrida em acionar os mecanismos próprios e tempestivos previstos no regime da propriedade industrial impede que possa agora, por via de providência cautelar, postular a exclusão da Recorrente do uso de sinal distintivo que esta legitimamente detém.
XLIII. Acresce que não se demonstrou qualquer indício de concorrência desleal por parte da Recorrente, sendo patente que apenas está a exercer o seu direito legalmente reconhecido sobre sinal distintivo registado.

Nestes termos e nos mais de Direito que V.ª Ex.ª doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência:
a) Ser julgada nula a douta sentença proferida, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil;
b) Finalmente, caso assim não se entenda, ser reconhecido o erro de julgamento, na aplicação da factualidade e do direito ao caso concreto e, bem assim, julgada totalmente improcedente o peticionado, assim se fazendo a acostumada justiça!

XAMANE, LDA., apresentou contra-alegações, concluindo que o recurso interposto pela requerida deve ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença na parte recorrida.

*

Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.

*

II.
O objeto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não conhecendo questões novas, isto é, questões que não tenham sido apreciadas pelo Tribunal recorrido e não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito, conforme resulta dos artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1, e 608.º, todos do CPC.

São as seguintes as questões a avaliar:

1) Quanto ao recurso interposto por Xamane, Ldª:
a) A nulidade ou deficiência da decisão de facto da sentença, devendo ser aditado o seguinte facto, aos dados como provados?: “ A requerente é a detentora do produto e marca de suplemento alimentar Suavitoss”.
b) Erro de julgamento na aplicação da factualidade e do Direito ao caso concreto?
c) Desproporcionalidade da decisão quanto ao último pedido formulado no requerimento inicial? ( que se refere ao constante na alínea D) do requerimento inicial, e não ao constante na alínea e), conforme refere a recorrente.

2) Quanto ao recurso interposto por Obvious Ambition, Ldª:
a) Nulidade da sentença, nos termos do artº 615º nº 1 alínea c) do Código de Processo Civil?
b) As alíneas g) e h), dos factos não provados, deverão passar a constar dos factos provados?
c) Erro de julgamento na aplicação da factualidade e do Direito ao caso concreto?

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Recurso interposto por Xamane, Ldª

- Nulidade ou deficiência da decisão de facto da sentença.

Pelas razões indicadas no recurso, Xamene, Ldª alega a nulidade ou deficiência da decisão de facto da sentença, propondo o aditamento do seguinte facto, aos dados como provados:
“A requerente é a detentora do produto e marca de suplemento alimentar Suavitoss”.
Desenvolve para tal, uma exaustiva interpretação do contrato que constitui o doc. 1 do requerimento inicial, reconhecendo, contudo, que “… a redação do clausulado é tudo menos feliz no que concerne ao ponto chave do litígio que opõe as partes…”
Refere, assim, que o tribunal a quo omitiu o constante no arº 22º do requerimento inicial na fundamentação de facto da sentença. Constituindo tal, segundo a mesma, nulidade ou deficiência da decisão de facto da sentença.
Estabelece o artº 615º nº 1 ali.b do CPC:
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Efetivamente, toda a sentença deve ser fundamentada, ou seja, o juiz tem de explicar:
-Os factos provados e não provados que resultam da prova produzida;
-A apreciação crítica da prova (porque acreditou em certas testemunhas, documentos, perícias, etc.);
-A aplicação do direito a esses factos (as normas jurídicas que sustentam a decisão).

Contudo, os tribunais superiores entendem que a nulidade só existe quando há falta absoluta de fundamentação, não quando esta é apenas pobre, sucinta ou pouco convincente.
Assim, se o juiz indicar minimamente os fundamentos, ainda que de forma insatisfatória, não se verifica a nulidade da alínea b).
Desta feita, o art. 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, garante o dever de fundamentação das decisões judiciais. A sua violação, quando total, implica a nulidade da sentença.
Ora, da análise da sentença, facilmente se conclui, que o Tribunal a quo, definiu de forma concreta a matéria de facto relevante para a decisão da causa e, na mesma decisão, subsumiu a factualidade assente ao Direito.
O que a recorrente pretende, com a sua impugnação ao nível fáctico é expressar a sua interpretação parcial e interessada, do contrato, constante do documento nº 1.
Ora, não podemos concordar com a recorrente.
Efetivamente, a recorrente explana a sua própria interpretação relativamente ao que diz ser, doc 1, junto com o requerimento inicial, e que conduziria, no entender da mesma ao aditamento de mais um facto, aos dados como provados.
Tal interpretação, além de parcial, utiliza argumentos, que nos levam a conclusões não sustentadas pela prova produzida. Por seu lado, o tribunal a quo, tudo analisou e a tudo atendeu, conforme era sua obrigação.
Assim sendo, não entendemos existir qualquer dos fundamentos da nulidade da sentença, tratando-se, efetivamente, de discordâncias quanto aos termos do decidido.

- Quanto à deficiência da matéria de facto.

Estabelece o artº 662º nº 2 ali. c) do CPC:
Modificabilidade da decisão de facto
1 – (…)
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) (…);
b) (…);
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;

Ora, o Tribunal a quo, de forma clara, enumerou os factos provados e não provados, não se tendo demonstrado qualquer deficiência, obscuridade ou contradição, nos termos plasmados pela recorrente.
A sentença, não é deficiente, quanto à apreciação da matéria de facto referente à marca Suavitoss, constando, nomeadamente, nos pontos 1.5., 1.7., 1.11, 2.2., 2.5., 2.8., 3.1., 4.1., dos factos dados como provados e nas alíneas b., e., dos factos não provados.
Podemos, desta feita, concluir, que a questão da titularidade da marca Suavitoss, foi conhecida e ponderada pelo tribunal a quo.
Entendemos, na verdade, que foram plasmados na sentença, e apreciados os factos juridicamente relevantes, para as várias soluções de direito.
Na verdade, o artº 607º nºs 3, 4 e 5 do CPC, exige que o juiz expressamente e no local lógica e tecnicamente adequado para o efeito, dê como provados ou não provados todos os factos relevantes para a decisão ( definidos no artº 5 nºs 1 e 2 do CPC).
Consideramos que o tribunal a quo o fez, cumprindo tal exigência, nada havendo, nesse aspecto a apontar.

Julga-se, assim, improcedente o, já supra referido, vicio da nulidade da sentença e da, invocada, insuficiência da matéria de facto.

*

Recurso interposto por Obvious Ambition, Ldª

1. Nulidade da sentença, nos termos do disposto no artº 615º nº 1 alínea c) do CPC.
Refere a recorrente, que os fundamentos invocados pelo tribunal estão em manifesta contradição lógica com a decisão proferida, revelando-se esta, segundo a recorrente, inconciliável com a matéria de facto dada como provada.
Alega a recorrente que resultaram provados, entre outros, e com relevância para o recurso, os pontos 1.5, 3.2 e 3.3 dos factos provados e as alíneas a. a k. dos factos não provados.
Segundo a mesma, a matéria de facto dada como provada exclui a possibilidade de a requerente ser considerada titular da identidade visual dos produtos.
Tendo o tribunal concluído, no dispositivo da sentença que: … a identidade visual dos produtos em causa, conforme configurada durante a vigência do contrato, pertence à requerente, e como tal, deve a 1ª requerida abster-se de a reproduzir, aplicar ou utilizar em futuras embalagens ou campanhas promocionais”. Segundo a recorrente, esta conclusão, viola as regras da lógica formal e traduz uma contradição insanável entre os fundamentos de facto e a decisão.
Não podemos concordar, com tal alegação. Na verdade, a matéria de facto, dada como provada, como já supra foi referido, deve ser vista no seu todo. Efetivamente, a factualidade, constante dos nºs 3.2 e 3.3, não permite tirar a conclusão de que a mesma “ é reveladora da inexistência de uso, promoção ou apropriação por parte da recorrida, quanto à identidade visual do produto PADEP”.
Assim sendo, não existe, qualquer contradição insanável com a parte dispositiva da sentença que atribui à recorrida a identidade visual do referido produto.
Na verdade, devemos, igualmente, atender aos pontos 1.4, 1.11, 2.7 e 2.8, dos factos dados como provados e às alíneas f, g, e h dos factos dados como não provados. Temos, assim, de avaliar o conjunto da resposta produzida quanto à matéria de facto. Ao analisarmos toda a matéria de facto, conclui-se que, a ora recorrente agiu em nome próprio e por conta própria, e nessa medida era ela que promovia as identidades visuais da marca PADEP, junto dos clientes, contudo não logrou demonstrar que o lettering, design e cartonagem foram por si desenvolvidos.
Concluímos, assim, que a sentença não padece da nulidade prevista no arº 615º nº 1 alínea c), 1ª parte do CPC.

2. Impugnação da decisão de facto.
Estabelece o artigo 640.º do CPC, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto”, que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravadas, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.…”.

Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”(cfr. Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência).
Cumpridos, no essencial, tais ónus pela Apelante, importa conhecer da pretendida impugnação da decisão sobre a matéria de facto, naturalmente, como referido supra, tendo por referência as conclusões apresentadas.
Pretende, a recorrente que as alíneas g) e h) dos factos não provados transitem para os factos provados.
Invoca para isso, o depoimento das testemunhas, AA…, BB…, CC… e EE….
Entendemos que, a recorrente faz uma interpretação parcial e interessada dos depoimentos, escolhendo os que lhe convinha, já o tribunal a quo avaliou a prova de forma isenta e global.
Efetivamente, o tribunal, quanto a tais alíneas, sustentou que, foram dadas como não provadas as alíneas g) e h), “ Por não se ter feito prova bastante do alegado, uma vez que as declarações de parte da 1ª requerida são desmentidas pelas declarações de parte da requerente, pelo depoimento da testemunha FF…e porque o depoimento de HH… não foi, nessa parte, conclusivo”.

Efectivamente, as declarações de parte da primeira requerida, na pessoa da sócia gerente DD…, vão no sentido, de que todo o lettering, design e cartonagem dos produtos em causa nestes autos, e a respectiva identidade visual dos mesmos, ter sido desenvolvida pela 1º requerida.

Já por sua vez, as declarações de parte, a requerente, na pessoa da sua sócia gerente FF…, vão no sentido de que foi a requerente a desenvolver as cartonagens e imagem dos produtos em causa.

Por sua vez testemunha, GG…, acualmente directora técnica da requerente, a trabalhar em tal empresa desde 2013, de forma clara e convicta, depôs no sentido de ter sido ela própria, em conjunto com uma designer, quem desenvolveu todo o grafismo, design e informações legais dos produtos.
Explicou que a Xamene tem uma avença com a empresa Conceitos desde 2016/2017, sendo com eles que trabalha. Algum tempo depois de a 1ª requerida entrar como cliente da requerente, a testemunha sugeriu à sócia gerente da 1ª requerida a DD…, imprimir os catálogos em tal empresa, já que imprimia os mesmos da Staples, e ficavam mais caros, tendo-lhe fornecido o contacto da gráfica Conceitos. Sendo que a marca PADEP, já estaria desenvolvida nessa altura.

Já quanto ao depoimento de HH…, gestor da empresa “Conceitos Diferentes”, diz lembrar-se, vagamente da criação da identidade visual dos produtos PADEP. Tal terá sido feito por uma colaboradora, que já não faz parte dos quadros da empresa. Afirmou, igualmente, de forma convicta, que o responsável pelos custos de desenvolvimento da PADEP, foi a XAMENE.

Já quanto ao testemunho de CC…, farmacêutica referiu não saber quem suportava os custos do marketing, design e despesas relacionadas com a comercialização dos produtos. Referiu que comprava toda a gama PADEP à primeira requerida, nunca tendo sido visitada pela requerente.

Relativamente à testemunha AA…, médica, referiu que foi a legal representante da 1ª requerida que lhe foi apresentando os produtos PADEP. Revelou, contudo uma visão condicionada, pelo facto de ter tido apenas acesso à versão que lhe foi apresentada por aquela, que lhe transmitiu que PADEP era a marca que estava a criar.

Também quanto ao testemunho de BB…, médica, que acompanha DD… (legal representante da 1ª requerida) há 30 anos, quando era delegada de informação médica, a mesma ter-lhe-á transmitido que havia uma pessoa que tinha um nome registado e que o podia utilizar, que a comercialização destes produtos nunca foi feito por ninguém que não a legal representante da 1ª requerida; referiu que a imagem dos produtos foi desenvolvida por aquela.

Assim sendo, da análise da prova, não se pode concluir pela prova das alíneas g) e h), constantes nos factos não provados. Na realidade, as legais representantes da requerente e da primeira requerida fizeram depoimentos opostos, no sentido da criação do lettering, design e cartonagem dos produtos ser da responsabilidade de cada uma delas.
A testemunha FF…, diretora técnica da requerente, por sua vez afirmou que foi ela própria, em conjunto com uma designer, quem desenvolveu todo o grafismo, design e informações legais dos produtos.
Já HH… gestor da empresa “Conceitos Diferentes”, afirmou, igualmente, de forma convicta, que a responsável pelos custos de desenvolvimento da PADEP, foi a XAMENE.
Todas as restantes testemunhas, supra referidas, se mostraram parciais e pouco consistentes, condicionadas pela circunstância de apenas terem tido acesso à versão apresentada pela 1ª requerida e em conversas tidas com a legal representante da mesma.

Ressalte-se, desta forma, que a prova produzida nos autos foi analisada pelo tribunal a quo, de forma minuciosa e coerente com o conjunto fático-probatório apresentado. Foram examinados todos os elementos constantes dos autos, apreciando as provas apresentadas, conforme o princípio da livre apreciação da mesma.

Nada temos a apontar, desta feita, à sentença recorrida, indeferindo-se a requerida alteração dos factos dados como não provados, respeitantes às alíneas g) e h).

*

III. FUNDAMENTAÇÃO

Questão Prévia:

Atentos os documentos juntos, ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º1 do Código de Processo Civil:
- complementa-se os factos 2.6 e 2.8 da matéria de facto provada com as respetivas imagens; e
- acrescenta-se o facto 4.7, já considerado na sentença, bem como nas alegações das recorrentes, resultante da decisão judicial já proferida.

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Fundamentação de facto
Resultaram provados por acordo ou documentalmente os seguintes factos, nos precisos termos infra anotados:
1.1. A Requerente é uma sociedade comercial, que se dedica à prestação de serviços na área médica – farmacêutica, marketing e atividades similares, formação profissional, comércio, importação e exportação de produtos farmacêuticos e atividade de comércio por grosso de suplementos alimentares, dedicando-se também à venda de dispositivos médicos.
1.2. A 1.ª requerida dedica-se, à comercialização de suplementos alimentares,
1.3. A 2.ª requerida dedica-se à distribuição de medicamentos, dispositivos médicos, suplementos alimentares e dermocosméticos;
1.4. A requerente é titular da marca nacional n.º 518404, PADEP, com data de pedido de 31.03.2014, destinada a assinalar «suplementos alimentares dietéticos para fins médicos», categoria n.º5 da Classificação de Nice [doc. junto em 2.º lugar com o RI];
1.5. Requerente e 1.ª requerida (Obvious Ambition, Lda.) celebraram um contrato de fornecimento e distribuição de suplementos alimentares em 4 de Novembro de 2020, contrato esse que tinha a duração de cinco anos, renovável por igual período [cf. doc. 1 e Anexo I, com o RI];
1.6. Em 29 de Fevereiro de 2024, a requerente deu entrada de Injunção que corre os seus termos sob o n.º 27246/24.3YIPRT, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, e na qual foi deduzida Oposição: na Injunção é reclamado o pagamento das seguintes facturas:
[cf. doc. 10, com o douto RI];
1.7. Correm termos, neste Tribunal, uns autos de procedimento cautelar comum, em que é requerente a aqui 1.ª requerida e em que é requerida a aqui requerente, e no âmbito dos quais as partes discutem a questão da marca do produto «Suavitoss» [cfr. doc. junto com a douta Oposição];
1.8. Em 13 Março de 2024, a requerente remeteu carta, mediante a qual comunicou à 1.ª requerida que resolvia o contrato identificado em 1. [cfr. doc. não numerado junto com o douto RI];
1.9. Em 5 de Abril de 2024, a requerente solicitou à 1.ª requerida que comunicasse qual o «activo existente a devolver à Xamane para emissão da respectiva nota de crédito« [cfr. doc. não numerado junto com o douto RI];
1.10. A requerente instaurou um procedimento cautelar, que correu termos sob o n.º 2006/24.5T8GDM do Juízo de Competência Genérica de Mogadouro, que foi julgado improcedente [cfr. doc. não numerado junto com o douto RI];
1.11. A requerente procedeu à notificação de produtos PADEP e do SUAVITOSS juntos das autoridades competentes:
- Registo do Produto à DGAV
- Registo do produto à CIAV,
- Embalagem do “Suavitoss”, em 2020
[cfr. documentos não numerados, juntos com o douto RI];
1.12. A 2.ª requerida tem um acordo com a Alloga Logifarma, mediante o qual «…» para apoiar a distribuição dos Produtos da SANÓBIA comercializados pela Alloga Logifarma no Território. As Partes reconhecem expressamente que o presente Contrato opera a transferência de propriedade dos Produtos em favor da Alloga Logifarma. [cfr. doc. n.º 2, junto com a douta Oposição da 2.ª requerida];
1.13. Nos termos do acordo celebrado entre a 2.ª requerida e a Alloga Logifarma, a nota de encomenda emanada pela farmácia, parafarmácia, armazenista, o que for, é enviada à Sanóbia sendo que esta reenvia-a para o operador logístico/armazenista e distribuidor , no caso a ALLOGA LOGIFARMA S.A., o qual regista o pedido emite a fatura a favor do cliente e faz a entrega do respetivo produto ( que tem em armazém ) , ao cliente, seja farmácia, seja um outro qualquer destinatário e recebe o preço [cfr. doc. n.º1, junto com a douta Oposição da 2.ª requerida];
1.15. Nos termos do acordo celebrado entre a 2.ª requerida e a Alloga Logifarma, a primeira continua responsável, designadamente, no que respeita à qualidade do produto, prazos de validade ou quaisquer outras questões suscitadas pelas autoridades reguladoras e/ou fiscalizadoras (DGAV, ASAE), devendo receber o produto (devolvido) e emitir a respetiva nota de crédito a favor do Armazenista [cfr. doc. n.º 2, junto com a douta Oposição da 2.ª requerida];
1.16. Nos termos do acordo celebrado entre a 2.ª requerida e a Alloga Logifarma, esta última é a proprietária do material que tem em stock , pelo qual já pagou [cfr. doc. n.º 2, junto com a douta Oposição da 2.ª requerida];
1.17. A marca nacional mista n.º 723084, PADEVO encontra-se registada desde 08-08-2024, em nome da 1.ª requerida, destinada a assinalar «suplementos alimentares dietéticos para fins médicos», categoria n.º5 da Classificação de Nice [cfr. doc. n.º 1, junto com a douta Oposição da 1.ª requerida];
1.18. A marca nacional n.º 732537, Patoss, tem como titular a 2.ª requerida, como sinal «verbal», e destina-se a assinalar «suplementos alimentares dietéticos para fins médicos», categoria n.º 5 da Classificação de Nice [cfr. doc. n.º1, junto com a douta Oposição da 2.ª requerida];
1.19. O suplemento Patoss foi notificado às autoridades competentes:
- Registo Produto à DGAV
- Registo produto à CIAV (Centro Informação Antivenenos) [cfr. docs. n.º s 3 a 7, junto com a douta Oposição da 2.ª requerida];
1.20. A 8 de Novembro de 2024 e ao abrigo da parceria existente, foi transferido da Sanóbia para a Alloga, o stock de Padevo Patoss , que a Alloga comprou por € 71.245,30 , conforme fatura nº.2024/48 [cfr. doc. n.º 9, junto com a douta Oposição da 2.ª requerida].

Factos provados na sequência de julgamento
Do douto Requerimento Inicial:
2.1. A 12 de Novembro de 2024, a requerente tomou conhecimento que a 2.ª requerida começou a distribuir um produto denominado PaToss [cfr. doc. não numerado, junto com o douto RI];
2.2. A cartonagem deste produto tem a mesma cor, o mesmo tipo de letras e o mesmo desenho, que a utilizada no suplemento SUAVITOSS [cfr. docs juntos e que constituem digitalizações das cartonagens dos dois suplementos];
2.3. Ambos os produtos são suplementos alimentares, que se destinam às mesmas finalidades; 2.4. A requerente tomou conhecimento por médicos, farmácias e armazenistas, no passado dia 12 de Dezembro de 2024, que a Obvious Ambition se encontra a dar a informação de que os suplementos alimentares da linha PADEP estão a ser substituídos pela linha PADEVO; [cfr. doc. não numerado, junto com o douto RI].
2.5. E que o suplemento alimentar Suavitoss é agora Patoss! Com fórmula melhorada. [cf. doc. não numerado, junto com o douto RI];
2.6. A 1.ª requerida utiliza para a comercialização dos produtos PADEVO o mesmo grafismo, lettering e o design da cartonagem, bem como as mesmas cores dos produtos PADEP; nomeadamente os produtos da marca PADEP e os produtos PADEVO, utilizam caixas de cartão e a indicação das substâncias ou finalidade do produto com umas letras com matizados lilases e alaranjados, nos seguintes termos:
Caixas da PADEP


Caixas da PADEVO

2.7. Os produtos da requerente continuam a existir e a ser comercializados [cfr. doc. 22];
2.8. A 1.ª requerida pretende passar a mensagem que os produtos “PADEP” são agora “PADEVO” e o produto “Suavitoss” é Patoss [cfr. doc. junto com o RI]; publicitando na internet que:
2.9. Após contato com o distribuidor [a 2.ª Requerida], este referiu à requerente que nada devia à 1.ª requerida (Obvious Ambition, Lda.), referindo mesmo que o stock por si adquirido, e que ascendia aos €300.000,00, já se encontrava todo liquidado;
2.10. Na sequência da informação prestada pela 2.º requerida, a requerente remeteu a carta de 13 de Março de 2024, mediante a qual declarou operar a resolução do contrato e deu entrada do requerimento de Injunção, referido nos autos;
Da douta Oposição da 1.ª requerida
3.1. A 1.ª requerida passou a comercializar um produto de fórmula semelhante ao Suavitoss sob a marca “Padevo PaToss”;
3.2. A requerente nunca explorou junto dos clientes as identidades visuais próprias dos produtos/suplementos identificados no anexo ao contrato, uma vez que era a 1.ª requerida a promover a marca relativamente a tais suplementos;
3.3. A 1.ª requerida agiu no mercado sempre em nome próprio, e nunca em representação da requerente, à qual comprava os produtos.
Da douta Oposição da 2.ª requerida
4.1. A 2.ª requerida distribuiu os produtos PADEP e SUAVITOSS (através da Alloga), pelo menos, enquanto o seu parceiro armazenista e distribuidor Alloga Logifarma, SA os tiver em stock;
4.2. A 1.ª requerida informou a 2.ª requerida que a imagem do produto era sua e não da requerente;
4.3. A 2.ª requerida aferiu quanto à validade do registo junto da DGAV;
4.4. Os produtos/suplementos, que actualmente existem em stock foram já pagos pela Alloga;
4.5. A Sanóbia nada tem a ver com a promoção da PADEP ou da PADEVO, limitando-se a distribuir os referidos suplementos;
4.6. Os produtos PADEP continuam a ser distribuídos pela 2.ª requerida, enquanto houver stock no operador logístico/armazenista – Stock a 31.01.2025 com 34.277 ( trinta e quatro mil duzentos e setenta e sete ) de produtos PADEP para distribuição, no valor de € 339.018,65 – conforme report da Alloga Logifarma , SA de 31.01.2025 e respetivo inventário conforme mail e respetivos anexos [cfr. doc. n.º 8, junto com a douta Oposição da 2.ª requerida, que constitui relatório de inventário].
4.7 Nos autos de procedimento cautelar com o n.º 477/24.9YHLSB deste juízo, que a 1.ª requerida havia instaurado contra a requerente, foi proferida a seguinte decisão:
a) condeno a requerida a abster-se de produzir, comercializar, vender ou publicitar quaisquer produtos sob a marca Suavitoss, assim como de utilizar o nome, logótipo ou qualquer outro elemento associado à referida marca;
b) absolvo a requerida do pedido de condenação na abstenção de produzir, comercializar, vender ou publicitar quaisquer produtos contendo fórmulas análogas às desenvolvidas pela Requerente. [cfr. consulta do sistema Citius].

Tendo sido interposto recurso de tal decisão, por parte da ora requerente, foi o mesmo julgado improcedente, tendo-se confirmado a sentença impugnada, contudo ainda não tendo transitado em julgado.

Factos não provados
Em face da prova produzida, não resultaram indiciariamente provados os seguintes factos:
a. Que a 2.ª requerida se dedique à comercialização de suplementos alimentares;
b. Que a requerida Sanóbia pretenda afrontar a requerente, levando a que esta seja descredibilizada quer pelo público alvo, o consumidor final, induzindo-o em erro, passando a mensagem que os produtos “Padep” são agora Padevo e o produto “Suavitoss” é Patoss;
c. Tendo em conta o volume de vendas, os produtos vendidos à 2.ª requerida demorariam 1 ano, ou mais a serem escoados;
d. Não existiu por parte da 1.ª requerida qualquer oposição ou impugnação da rescisão contratual;
e. A 2.ª requerida não sabia que o grafismo das embalagens PADEP e PADEVO e Suavitoss e Patoss apresentavam semelhanças quanto às cores das embalagens, tipos de letra apresentadas e cores das próprias letras;
f. Até ao momento da rescisão contratual, a 1.ª requerida era a única a desenvolver e comercializar produtos PADEP;
g. O lettering, design e cartonagem dos produtos comercializado pela 1.ª requerida nunca pertenceram à requerente e foram desenvolvidos pela 1.ª requerida, que arcou com todos os custos de criação e desenvolvimento, incluindo identidade visual, embalagens e respetivo marketing;
h. As identidades dos suplementos foram criadas exclusivamente pela 1.ª requerida, limitando-se a requerente a fornecê-los conforme as necessidades ditadas pelo mercado.
i. Que a requerente tenha sofrido quebras de facturação, em resultado da introdução no mercado dos produtos PADEVO e Patoss;
j. A 1.ª requerida já não comercializa o produto anteriormente designado “Padep”, mas sim o novo produto “Padevo”;
k. Que a imposição da proibição não apenas frustraria todo o investimento e trabalho desenvolvido pela 1.ª requerida até ao momento, como a colocaria numa situação de incerteza e instabilidade insustentáveis, comprometendo a sua capacidade de cumprimento das obrigações assumidas perante os seus clientes e fornecedores e pondo em causa a própria continuidade do seu projeto.

*

Recurso interposto por Xamane, Ldª

1. Erro de julgamento (Error júris)

Invoca a recorrente, que o tribunal decidiu mal quanto ao mérito da causa, aplicando incorretamente a lei ou fazendo uma apreciação errada da prova ou dos factos.
O erro de julgamento – ocorre quando o juiz aplica mal o direito ou aprecia de forma errada os factos.
Tal erro de julgamento não invalida automaticamente a decisão (não é uma nulidade processual), mas pode ser invocado em recurso, levando o tribunal superior a alterar ou revogar a decisão recorrida.
O que se encontra alegado pela requerente, consiste, essencialmente, na incorreta interpretação do tribunal a quo, relativamente ao contrato celebrado entre as partes, nomeadamente por não se tratar de um contrato de fornecimento, mas antes de um contrato de concessão comercial, fazendo, a recorrente, todo um conjunto de considerações sobre tal destrinça.
Como bem refere a 1ª requerida, “Tal alegação causa, no mínimo, perplexidade, uma vez que é a própria Recorrente quem, no requerimento inicial que deu origem aos presentes autos, qualifica expressamente o contrato como sendo de fornecimento e distribuição de suplementos alimentares, ao afirmar: Neste contexto, Requerente e Primeira Requerida (Obvious Ambition, Lda.) celebraram um contrato de fornecimento e distribuição de suplementos alimentares em 04 de Novembro de 2020” (cf. artigo 5.º do requerimento inicial)”.
Ou seja, é a própria Requerente/Recorrente quem expressamente admite que a intenção das partes era a de celebrar um contrato de fornecimento, e não qualquer contrato de concessão comercial, como agora vem, oportunamente, alegar.
A nova tese introduzida em sede de recurso, de que se estaria perante um contrato de concessão comercial, constitui, na verdade, uma tentativa de requalificação artificial da relação contratual, sem qualquer suporte factual ou documental.
Assim sendo, entendemos, assim, julgar improcedente tal alegação da recorrente.

- Invoca, também a recorrente uma interpretação errónea do contrato relativamente à titularidade da marca Suavitoss.
Cumpre, desde já referir que a fls. 16 da sentença recorrida, consta o seguinte:
“Haverá, ainda, que ter presente que nos autos de procedimento cautelar com o n.º 477/24.9YHLSB deste juízo, que a 1.ª requerida havia instaurado contra a requerente, foi proferida a seguinte decisão:
a) condeno a requerida a abster-se de produzir, comercializar, vender ou publicitar quaisquer produtos sob a marca Suavitoss, assim como de utilizar o nome, logótipo ou qualquer outro elemento associado à referida marca;
b) absolvo a requerida do pedido de condenação na abstenção de produzir, comercializar, vender ou publicitar quaisquer produtos contendo fórmulas análogas às desenvolvidas pela Requerente. [cfr. consulta do sistema Citius].

É do nosso conhecimento direto, que tendo sido interposto recurso de tal decisão, por parte da ora requerente, foi o mesmo julgado improcedente, tendo-se confirmado a sentença impugnada, contudo, ainda não transitada em julgado.

Cumpre-nos dizer, que concordamos com a interpretação do contrato, feita pelo Tribunal a quo, quando refere:
“Dito isto, muito embora resulte provado que, sob um ponto de vista técnico, a requerida actuou como operadora, haverá, porém, que ter presente que sob um ponto de vista da comercialização e promoção das marcas PADEP [no que respeita aos suplementos elencados no acordo] e SUAVITOSS, a mesma deu-se por conta da 1.ª requerida, que actuou em nome próprio, em duas circunstâncias:
a] enquanto autorizada a fazê-lo, pela requerente, no que respeita aos produtos da marca PADEP;
b] na promoção de uma «marca própria», no que respeita à marca SUAVITOSS.
Assim, as partes ― ao contratarem ― assumiram, claramente, que a marca PADEP era da requerente [e que poderia ser adquirida, a final [cfr. exame do acordo] e que a marca SUAVITOSS era da 1.ª requerida [que a tinha «desenvolvido», segundo a expressão contratualmente utilizada] …
A requerente e a 1.ª requerida assumiram contratualmente, que a marca PADEP era da requerente [tanto mais que seriam devidos royalties em caso de denúncia, ao contrário do que sucederia no caso da marca da requerida Suavitoss] [cfr. ponto IX da clausula 6.ª do cotrato] e assumiram que a primeira forneceria à segunda suplementos alimentares, cujas comercializações aquela prosseguiria, podendo, ao fim de cinco anos [prazo de vigência do contrato], adquirir a marca pelo valor de 5 000€. Concomitantemente, a marca também era publicitada, enquanto comercialmente explorada pela 1.ª requerida, cujos produtos eram fornecidos pela requerente.
Temos, assim, um contrato misto:
Um contrato que congrega elementos de um contrato de fornecimento de bens e de um contrato de licenciamento, em que a contrapartida pelo fornecimento seria o preço pago, não tendo autonomia patrimonial o valor que corresponderia ao licenciamento da marca, sendo esta explorada/publicitada pela 1.ª requerida.
Neste contexto, quando é posto termo à relação contratual, deixam de existir:
a] a licença informal da 1.ª requerida à requerente para esta utilizar a marca [nome comercial] Suavitoss, enquanto designação técnica de um produto [junto das autoridades referidas em 1.11], pelo que quando a requerente solicitou o registo daquela marca, actuou de modo contrário àquele a que, contratualmente, se comprometera, uma vez que assumira fornecer o produto [o que compreende a realização das notificações legais] com a marca da 1.ª requerida;
b] a licença formal da requerente para que a 1.ª requerida utilize a sua marca PADEP, cujo desenvolvimento e comercialização, no mercado, aquela [também] assumira e custeara.
Ainda neste quadro, na sequência da resolução e do subsequente registo da «marca informal», a 1.ª requerida afirma-se interessada em requerer a declaração de invalidade do registo da marca Suavitoss e a requerente interessada em continuar a produzir e distribuir em nome próprio, os produtos da linha PADEP.
No caso, tendo-se demonstrado que a marca Suavitoss é um sinal que a requerente assume contratualmente não ser seu, haverá que concluir, como se conclui, que, nesta parte, a providencia improcede, por não provada. A requerente não pode exigir à 1.ª requerida que não utilize uma marca e uma imagem visual que desenvolveu.”
Improcede, assim, também, nesta parte, o requerido pela apelante.

2. Desproporcionalidade da decisão quanto ao último pedido formulado no requerimento inicial (de salientar, como já supra foi referido que só por manifesto lapso foi referido a alínea E) do requerimento inicial, devendo-se considerar a alínea D de tal requerimento).

Consta, da sentença do tribunal a quo:
“Finalmente, quanto ao último pedido formulado, o mesmo também se afigura ser desproporcional, porquanto a 1.ª requerida continua a promover a comercialização dos suplementos PADEP, que ainda se encontram em stock. Assim, a 1ª requerida deverá ser proibida de se referir à marca PADEP por comparação ou em correlação com a marca PADEVO, por forma a que fique impedida de praticar atos de confusão, por essa via”.
Entende a recorrente, que a decisão do tribunal a quo, não é proporcional, atendendo aos factos indiciariamente provados, os quais indica, nomeadamente os factos dados como provados, 1.4, 1.9, 1.17, 2.4, 2.6, 2.9, 2.10 e os factos não provados g., h., e k.
Ora, não assiste, nesta parte, também, razão à recorrente.
Antes de mais, não podemos descontextualizar os factos, antes devemos analisar os mesmos no seu todo. Na verdade, a recorrente, selecionou o que lhe interessava, tendo o tribunal atendido a tudo, para concluir com concluiu.
Concordamos, assim, com o que consta da sentença recorrida, nomeadamente quando se refere aos pedidos A a C), que poderá valer, igualmente, quanto ao pedido D):
“Com efeito, haverá que ter presente que o decretamento de qualquer providência obriga à formulação de um juízo de adequação e de proporcionalidade quanto às medidas, por forma a que o prejuízo que se visa evitar com a providência não seja superior ao que daquela previsivelmente seja resultante.
Perante a magnitude das consequências que adviriam do decretamento das três providências acima referidas, a saber, a provável destruição das embalagens ainda existentes em armazém, as medidas de cessação da respetiva comercialização/distribuição e recolha não se mostram proporcionais, tanto mais que a requerente não demonstra, nem quantifica quaisquer concretos prejuízos, atuais ou futuros, para além da própria diluição do valor da marca PADEP”.
O mesmo raciocínio, deverá ser feito relativamente ao pedido D), já que a 1ª requerida, continua a promover a comercialização dos suplementos PADEP, que ainda se encontram em stock.
Improcede, também, nesta parte, o pedido da recorrente.

*

Recurso interposto por Obvious Ambition, Ldª

1.Erro de julgamento na aplicação da factualidade e do direito ao caso concreto.
Por último, defende a recorrente que a marca PADEP é uma marca nominativa, compreendendo apenas o vocábulo PADEP, escrito em letras maiúsculas regulares. Não tendo a recorrida concebido, utilizado ou explorado qualquer identidade visual própria associada à marca PADEP, antes foi a recorrente quem idealizou, desenvolveu e aplicou aquela identidade visual que passou a distinguir os produtos PADEP no mercado, através de elementos gráficos distintivos, cor, disposição dos rótulos e estilo de embalagem. Não se podendo, assim, dizer que estamos perante atos de concorrência desleal, porquanto não houve qualquer imitação de um trade dress que a recorrida alguma vez tenha usado ou desenvolvido.
Antes de mais, cumpre dizer que a recorrida é titular da marca PADEP, pelo que, constituindo a marca um direito de propriedade industrial, encontra-se sob proteção do Código da Propriedade Industrial.
Como bem se refere, na sentença recorrida a marca PADEP é uma marca da requerente, relativamente à qual a ora recorrente ficou autorizada a proceder à exploração, quanto a determinados produtos, que constam do anexo ao “contrato”.
Estamos, efetivamente, perante uma marca nominativa. Logo, o que está em causa nos autos, não é a defesa da marca, como registada, mas a defesa da imagem visual daquela, o chamado, trade dress.
Efetivamente, o trade dress refere-se ao conjunto da imagem distintiva de um produto ou de um estabelecimento comercial: a forma, cores, disposição gráfica, embalagens, decoração de lojas, etc. Funciona como um “visual global” que permite identificar a origem comercial, mesmo sem palavras ou logótipos.
Assim sendo, quando se fala em trade dress, estamos a falar do conjunto da imagem de um produto ou de um estabelecimento que pode ser protegido através da marca, design, direito de autor ou regras de concorrência desleal
Na verdade, não há um direito autónomo chamado “trade dress”, mas a proteção existe através de vários instrumentos jurídicos. O risco de confusão, pelos consumidores, das imagens visuais de duas marcas, não é permitido.
Efetivamente, a proteção conferida pelo Código da Propriedade Industrial, permite agir contra cópias de apresentação global (look & feel) que causem confusão no consumidor.
É ponto assente que a requerente utiliza a marca PADEP, e que a 1ª requerida a tem vindo a explorar comercialmente, para identificar os produtos da linha PADEP.
Com a quebra da relação contratual, entre a requerente e a 1ª requerida, esta passou a comercializar a linha PADEVO, tendo registado uma marca nacional, com o sinal PADEVO, usado nas embalagens dos produtos/suplementos que comercializa, conforme a seguinte imagem.

Caixas PADEP:




Caixas PADEVO


A 1ª requerida utiliza embalagens em caixas de cartão branco, tal como sucede com os produtos da marca PADEP, reproduzindo igualmente a forma de identificação das substâncias e da finalidade dos produtos através de caracteres em tonalidades lilases a alaranjadas, em tudo semelhantes às que a requerente emprega na sua marca PADEP.
Tal conduta resulta numa apresentação global dos produtos praticamente idêntica à da requerente, gerando confusão no consumidor médio quanto à origem empresarial dos mesmos e configurando um ato de concorrência desleal, nos termos do artigo 317.º do Código da Propriedade Industrial.
O artigo 317.º do Código da Propriedade Industrial (CPI) estabelece que constitui ato de concorrência desleal qualquer comportamento contrário às normas e usos honestos de comércio, nomeadamente os suscetíveis de criar confusão com o estabelecimento, produtos ou atividade de um concorrente.
O artigo 311.º do CPI assegura igualmente que a proteção da marca se estende a qualquer utilização de sinais idênticos ou semelhantes, sempre que possa resultar risco de confusão ou associação no espírito do consumidor.
A jurisprudência nacional e europeia tem reconhecido que a aparência global de um produto ou embalagem (conjunto de cores, formatos, disposição gráfica e estética – vulgarmente conhecido por trade dress na doutrina anglo-saxónica) é suscetível de proteção, quer através do registo de marca, quer mediante a aplicação direta das normas de concorrência desleal.
Como, bem, se refere, na sentença recorrida: “ Assim, haverá que ter presente que a marca PADEP, que assinala várias linhas de suplementos alimentares, e que se encontra a ser, simultaneamente, comercializada pela requerente e pela 2.ª requerida, através da Alloga, se destina às mesmas finalidades que a marca PADEVO.
Tudo vale por dizer que, por força da cessação da relação contratual, a coexistência/cooperação que existia entre requerente e 1.ª requerida acabou, porquanto esta ― na impossibilidade de continuar a distribuir a marca da primeira ― pretende desenvolver uma marca própria, a PADEVO, para a qual ― e isto afigura-se evidente ― pretende transferir o que entende ter sido o investimento realizado na marca PADEP.
Assim, resulta assente, conforme ponto 2.8 dos factos indiciariamente provados, que a 1.ª requerida ― ao afirmar que a PADEVO se trata de uma evolução da PADEP ― pretende fidelizar os anteriores clientes desta marca, que deixou de distribuir [com exceção do stock ainda existente] de forma enganosa, uma vez que PADEVO é uma marca nova, surgida na sequência da rutura entre as partes. A PADEVO não constitui uma solução de continuidade, pelo que a 1.ª requerida está a praticar atos de confusão”.
Ora, perante tudo quanto supra ficou dito, poderemos concluir que a, ora, recorrente, agiu contra as regras da concorrência leal, indeferindo-se, também nesta parte o seu recurso.
*
IV. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos improcedentes os recursos e, em consequência, negando-lhes provimento, confirmamos a sentença impugnada.
Custas pelas Apelantes.
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Lisboa, 15.10.2025
Paula Cristina P. C. Melo
Armando Cordeiro
Carlos M. G. de Melo Marinho