Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1870/04.9TCSNT-C.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: EXECUÇÃO
EXTINÇÃO
OPOSIÇÃO
SUPERVENIENTES
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Ao executado apenas é permitido opor‑se à execução após o decurso do prazo de 20 dias contado da sua citação quando essa oposição se funda em factos supervenientes, sejam eles objectivamente supervenientes (isto é, ocorridos posteriormente ao termo daquele prazo), sejam eles subjectivamente supervenientes (isto é, factos anteriores mas de que o executado só tomou conhecimento depois do termo do prazo em questão).
2. Não equivale à decisão transitada em julgado que põe termo ao processo prevista no n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil a situação em que o agente de execução extingue a execução, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 794.º do Código de Processo Civil, por ter sustado integralmente a execução em razão da pendência de execução onde existe penhora prévia.
3. Nessa situação, e tendo o exequente reclamado o seu crédito na execução onde a penhora foi realizada em primeiro lugar, mantém-se a eficácia interruptiva da prescrição decorrente da citação do executado na execução sustada.

(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Em 19/9/2024 A. veio deduzir oposição por embargos à execução que lhe é movida por N., S.A., peticionando que os embargos sejam julgados procedentes, com a consequente extinção da execução, tendo presente a procedência da excepção de prescrição da obrigação exequenda, uma vez que a execução foi intentada em 12/10/2004, em 3/7/2015 a instância executiva foi extinta por decisão do agente de execução e em 23/7/2024 foi renovada, mas tendo-se entretanto completado o prazo de cinco anos a que respeita o art.º 310º do Código Civil, sem que haja ocorrido qualquer causa interruptiva ou suspensiva do mesmo desde a extinção da instância executiva.
Foi proferido despacho de recebimento dos embargos de executado.
A exequente apresentou contestação aí sustentando, em síntese:
• A inadmissibilidade da dedução de embargos de executado porque a executada não foi citada ou notificada para tanto após a renovação da instância executiva, sendo que havia sido citada para deduzir oposição à execução por embargos em 2/12/2013, não o tendo feito, e assim se tendo esgotado o prazo para tanto;
• A nulidade da admissão dos embargos de executado, nos termos que ficaram a constar do despacho liminar;
• A não verificação da prescrição, porque o prazo que estava interrompido com a citação da executada em 2/12/2013 não começou a correr de novo com a extinção da execução, já que não houve lugar à desistência ou absolvição da instância executiva e não tendo igualmente a mesma sido considerada deserta, apenas tido sido determinada a sustação integral da execução, para que a exequente fosse reclamar o seu crédito no processo onde havia sido efectuada a penhora em primeiro lugar, como fez.
Conclui pela inadmissibilidade legal dos embargos e pela sua improcedência, com o prosseguimento da execução.
Após despacho convidando as partes a pronunciar-se sobre a possibilidade de dispensa de audiência prévia e de conhecimento imediato do mérito dos embargos, e não tendo deduzida qualquer oposição, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
Nestes termos, julgo procedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado supervenientes, e declaro extinta a execução quanto à embargante A.
Custas pelo exequente”.
A embargada recorre desta sentença, sendo que na sua alegação invoca que as conclusões do recurso são aquelas que constam dos 48 pontos que aqui se reproduzem (excluindo as epígrafes):
A. A sentença em apreço veio julgar os embargos à execução procedentes, por verificação da excepção peremptória da prescrição e consequentemente declarou a extinção da execução quanto à executada A. e é com esta decisão que o aqui recorrente não se pode conformar.
B. A presente execução teve o seu início em 12.10.2004 e a executada foi citada editalmente em 02.12.2013.
C. Por informação da Secretaria judicial de 29.01.2014 foi confirmado que “(…) não deu entrada nesta Secretaria, qualquer oposição à execução (…)”.
D. Em 03.07.2015 foi proferida decisão de sustação integral, pela Sra. Agente de Execução, notificada às partes em 04.07.2015, e declarada a extinção da execução nos termos do n.º 4 do artigo 794.º e da alínea e) do n.º 1 do artigo 849.º, ambos do Código Processo Civil, sem prejuízo possibilidade de ser renovada a instância nos termos do n.º 5 do 850.º, pelo que não foi levantada/cancelada a penhora registada nos presentes autos.
E. O recorrente, nessa sequência, apresentou a correspondente reclamação de créditos no processo de execução fiscal n.º (…), acorrer termos no Serviço de Finanças de Sintra-..., em 12.08.2015.
F. Por requerimento de 08.11.2022 o aqui recorrente requereu o levantamento da sustação determinada nos autos, justificando e fundamentando o pedido.
G. Os executados não se opuseram e, por despacho de 19.06.2024, foi determinado o levantamento da sustação, e, em consequência, o Sr. Agente de Execução proferiu decisão de renovação da instância em 23.07.2024, a qual foi notificada às partes nessa mesma data, no que respeita ao imóvel penhorado nos presentes autos com a citação da Fazenda Nacional para, querendo, reclamar nestes autos os respectivos créditos, prosseguindo os autos os seus ulteriores termos.
H. A Executada veio apresentar Embargos de Executado, em 19.09.2024, tendo a qui recorrente apresentado a correspondente contestação.
I. Foi julgada verifica a excepção peremptória da prescrição e consequentemente declarada a extinção da execução quanto à executada A., no nosso entender, e salvo o devido respeito, de forma errada, por não ter sido devidamente feito o enquadramento jurídico da questão em concreto.
J. Em suma, considerou-se que à data da renovação da execução já se mostrava decorrido o prazo de prescrição de 5 anos previsto no nas alíneas d) e e) do artigo 310.º do CC que dispõe que prescrevem no prazo de cinco anos, entre outros, os juros convencionais ou legais ainda que ilíquidos e as quotas de amortização de capital pagáveis com juros.
K. Em concreto, considerou o douto Tribunal a quo que o prazo de prescrição de cinco anos iniciou a sua contagem em 04.09.2015 (data de trânsito em julgado da decisão de extinção da execução), terminando em 04.09.2020 e que a decisão que renovou a instância data de 23.07.2024 e que em tal data já o prazo de prescrição se havia completado.
L. Considera ainda o Tribunal a quo, na sentença proferida, que “quando o exequente requereu o levantamento da sustação, com vista a requerer a renovação da execução, em 8.11.2022 o prazo de prescrição se havia completado”.
M. Ora, não podemos concordar com tal análise judicial da questão a decidir pois o fundamento que conduziu à extinção da instância executiva foi a sustação da instância por existência de penhora prévia.
N. No entanto, a executada foi citada para a execução em 02.12.2013 pelo que deveria o Tribunal a quo ter determinado que nessa data o prazo de prescrição interrompeu-se nos arts. 323.º,1 e 326.º,1 CC.
O. Além disso não ocorreu a desistência da instância nem, tão pouco, a absolvição da instância ou foi esta considerada deserta: foi sim determinada a sustação integral que não corresponde a nenhum dos motivos pelos quais o novo prazo prescricional começa a correr, o que desde se alega e argui para todos os devidos e legais efeitos.
P. Aliás, os executados – mormente a Embargante – são os únicos responsáveis pelo motivo que determinou a sustação da instância atento o facto de terem outras dívidas e que levaram, igualmente, à penhora do imóvel.
Q. Além disso o direito de peticionar o seu crédito, no seguimento da sustação da instância, foi exercido junto do Serviço de Finanças, conforme resulta dos factos provados, em 12.08.2015.
R. O não andamento do processo de execução fiscal para a venda do imóvel também não é imputável ao aqui recorrente, nem pode ser, tendo exercido o seu direito tempestivamente.
S. Assim, é forçoso concluir que o prazo de prescrição foi interrompido pela citação em 02.12.2013 e não mais se iniciou ou, in limite, aquando do exercício do direito junto do Serviço de Finanças, ou seja, 12.08.2015.
T. Os prazos de caducidade e prescrição suspenderam-se por efeitos da pandemia decorrente da Covid, em concreto, entre 9 de Março de 2020 e 3 de Junho de 2020 e, posteriormente, entre 22 de Janeiro e 06 de Abril de 2021 (art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020 na sua redacção originária, conjugado com o DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março; art.ºs 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio), ou seja, um período de suspensão total de 162 dias.
U. Ora, tal questão não foi alvo de análise pelo Tribunal a quo, o que desde se alega e argui para todos os devidos e legais efeitos.
V. Em sede de contestação aqui recorrente alegou a inadmissibilidade de apresentação dos embargos de executado apresentados e alegou ainda que a admissão dos embargos de executado, nos termos em que foi configurada no despacho liminar, configurava uma nulidade, nos termos do disposto no art.º 195.º, 728.º e 732.º, n.º 1 do CPC.
W. Ora, tais questões não foram objecto de apreciação em sede da sentença proferida, o que desde se alega e argui para todos os devidos e legais efeitos.
X. O aqui recorrente, na qualidade de Embargado, foi, expressamente, notificado “da oposição - n º 2 do art.º 732.º CPC”, para querendo contestar a mesma e em sede de contestação foi alegado que a Embargante não podia ter deduzido oposição por embargos de executado, nos termos do art.º 732.º e seguintes do CPC, pois não foi citada/notificada para tal.
Y. A presente execução teve o seu início em 12.10.2004 e foi citada em 02.12.2013, não tendo apresentado a respectiva oposição à execução nem oposição à penhor, posteriormente.
Z. Por requerimento de 08.11.2022 o aqui recorrente requereu o levantamento da sustação determinada nos autos, justificando e fundamentando o pedido atenta a posição manifestada pelo Serviço de Finanças de Sintra 3, que veio esclarecer que em 04.11.2022 que “que os autos de execução fiscal supra melhor identificados encontram-se activos e a correr a sua normal tramitação. Contudo, cumpre alertar Exª que, atento o valor diminuto ainda em dívida (entendendo-se como tal um valor, incluindo o acrescido legal, inferior a 20 Unidades de Conta), independentemente da informação supra, a marcação de uma eventual venda judicial do imóvel penhorado nos mesmos autos não assume carácter prioritário por parte deste Serviço de Finanças, não existindo qualquer previsão de data para efeitos de uma eventual venda judicial.” (negrito nosso).
AA. Ora, a inércia dos serviços em questão coloca o Exequente/ Embargado/ recorrente e acima de tudo os Executados numa situação deveras prejudicial pois que, uns verão a sua dívida aumentar, outros verão o seu crédito a não ser ressarcido.
BB. O Ministério foi notificado do pedido, em representação dos executados ausentes em 04.09.2023.
CC. Entretanto, foram nomeados dois patronos oficiosos à Embargante: em 15.12.2023 o Exmo. Senhor Dr. (…) que, na mesma data, foi substituído pelo Exmo. Senhor Dr. (…) e que na mesma data também foi substituído pela Exma. Senhora Dra. (…), que passou a ser notificada nessa qualidade.
DD. Em 02.05.2024 foi feito requerimento a reiterar o pedido de levantamento de sustação e a executada, devidamente notificada, nada disse.
EE. Em 04.06.2024 a Embargante constitui mandatário.
FF. Por douto despacho de 19.06.2024 foi determinado o levantamento da sustação da execução no que respeita ao imóvel penhorado nos presentes autos, com a citação da Fazenda Nacional para, querendo, reclamar nestes autos os respectivos créditos, prosseguindo os autos os seus ulteriores termos.
GG. Após isso, e em consequência, foi proferida decisão de renovação da instância pelo Sr. Agente de Execução, em 23.07.2024, com a devida notificação das partes e a executada, uma vez mais, nada disse.
HH. Ora, a Embargada/ executada não foi citada/notificada para deduzir embargos de executado nos termos do disposto no art.º 732.º do CPC, motivo pelo qual não poderia lançar mão deste instituto processual, como fez, o que desde se alega e argui para todos os devidos e legais efeitos.
II. A renovação da instância a que se refere o art.º 850.º do CPC não configura uma nova execução, uma vez que título executivo é o mesmo e as partes, de um ponto de vista da sua qualidade são também as mesmas.
JJ. Conforme supra referimos, a Embargada/ executada foi citada para a execução em 02.12.2013, pelo que há muito que se esgotou o prazo para dedução e oposição mediante embargos de executado.
KK. Nem sequer estamos perante uma renovação da instância por incumprimento, por exemplo, de um acordo celebrado: a renovação é fundamentada pela autorização de levantamento da sustação, o que é manifestamente distinto.
LL. Desta feita, e ante o exposto, deveriam ter sido liminarmente indeferidos os pretensos embargos, nos termos do disposto no art.º 732.º, n.º 1, do CPC, desde logo por inadmissibilidade legal, o que se requereu.
MM. Assim, e atenta a falta de pronúncia do Tribunal a quo sobre as questões levantadas – (1) inadmissibilidade da apresentação dos embargos de executado e (2) nulidade atento o facto de terem sido admitidos liminarmente os embargos de executado – verifica-se a nulidade da sentença, nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, o que desde se alega e argui para todos os devidos e legais efeitos.
NN. A sentença de que se recorre constitui uma manifesta violação do princípio confiança previsto e considerado no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa.
OO. Por douto despacho de 19.06.2024 foi determinado o levantamento da sustação da execução no que respeita ao imóvel penhorado nos presentes autos, “com a citação da Fazenda Nacional para, querendo, reclamar nestes autos os respectivos créditos, prosseguindo os autos os seus ulteriores termos”.
PP. Ora, os ulteriores termos não comportam, naturalmente, a repetição da citação dos executados para dedução de embargos, tanto mais que conforme foi referido o Sr. Agente de Execução não citou/notificou os executados para deduzir embargos de executado nos termos do disposto no art.º 732.º do CPC.
QQ. Tal acto processual já tinha sido realizado.
RR. Apenas foi citada a Fazenda Nacional para reclamar os créditos de que é titular, como fez.
SS. O processo corresponde a uma sequência ordenada de actos, em que os actos subsequentes são a natural decorrência dos anteriores – mormente quando estejam em causa os actos do próprio Tribunal, que disciplinam o processo, a que as partes estão sujeitas, e com os quais conformam o respectivo comportamento, ainda que porventura não constituam caso julgado formal.
TT. Na verdade, “o princípio do processo equitativo, na dimensão de "justo processo" ("fair trial"; "due process"), é integrado por vários elementos, um dos quais se afirma na confiança dos interessados nas decisões de conformação ou orientação processual; os interessados não podem sofrer limitação ou exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram, nem podem ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais razoavelmente não poderiam contar: é o princípio da confiança na boa ordenação processual determinada pelo juiz.” (citando o entendimento do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24/09/2003, proferido no processo 168/00).
UU. A sentença ora recorrida viola assim, o princípio do processo equitativo, decorrente do princípio constitucional do Estado de direito, na vertente da confiança nas decisões de conformação ou orientação processual – no caso, concretamente, o douto Despacho de 19.06.2024, o que desde se alega e argui para todos os devidos e legais efeitos.
VV. Foram violadas, entre outras disposições, os artigos 323.º, n.º 1.º, 326.º, n.º 1, 327.º do CC, art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020 na sua redacção originária, conjugado com o DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março; art.ºs 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, art.º 195.º, 728.º, 732.º, n.º 1, 850.º do CPC e art.º 20.º CRP.
A embargante apresentou alegação de resposta, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
***
Nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, as quais hão-de corresponder à indicação, de forma sintética, dos fundamentos pelos quais vem pedida a alteração ou anulação da decisão.
Os 48 pontos da alegação da embargada acima reproduzidos não correspondem, de todo, à referida indicação sintética.
• Todavia, e sem necessidade de lançar mão do disposto no nº 3 do art.º 639º do Código de Processo Civil (desde logo porque se antevê a incapacidade de síntese que se pretende), é possível identificar como questões a conhecer as que a seguir se enunciam:
• A nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia;
• A admissibilidade dos embargos de executado;
• A prescrição da obrigação exequenda.
***
Na sentença recorrida foi considerada como provada a seguinte matéria de facto (corrigem-se as referências processuais e eliminam-se as referências probatórias documentais):
1. A embargada intentou a presente execução em 12.10.2004 contra a embargante, com vista à cobrança coerciva das quantias de € 65.449,73, emergentes do incumprimento do contrato de mútuo com hipoteca, dado à execução.
2. Acordaram as partes, quanto ao empréstimo, além do mais, o seguinte:
O empréstimo será reembolsado em trezentas e sessenta prestações mensais e sucessivas, a primeira com vencimento um mês após esta data e as restantes em igual dita dos meses seguintes”.
3. Acordaram as partes, ainda, além do mais, o seguinte:
CLÁUSULA DÉCIMA: Todas as prestações são de reembolso e pagamento de juros, são mensais e mantêm-se constantes durante toda a vida do empréstimo, com os ajustamentos que vierem a verificar-se por efeito de aplicação das cláusulas desta escritura”.
4. A embargante deixou de pagar as prestações relativas a cada um dos empréstimos em 14.06.2003.
5. Para garantia do cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, a embargante constituiu hipoteca a favor da embargada sobre a fracção autónoma designada pela letra “C”, identificada no requerimento executivo, penhorada nos autos.
6. A embargante foi citada (edital) em 02.12.2013 sem que tenha deduzido oposição à execução e/ou à penhora.
7. Após penhora a agente de execução em 1.04.2014 proferiu a seguinte decisão:
Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 794º do Código de Processo Civil, susto a execução quanto ao bem infra identificado, uma vez que sobre o mesmo subsiste penhora anterior à dos presentes autos.
IDENTIFICAÇÃO DO BEM [corresponde à fracção autónoma identificada em 5)]”.
8. Em 3.07.2015, a agente de execução proferiu e notificou a embargada, da decisão de extinção: “Tendo em consideração que sobre o bem penhorado impende penhora anterior e resultando daqui a sustação integral, declara-se a extinção da execução nos termos do nº 4 do artigo 794º e da alínea e) do nº 1 do artigo 849º, ambos do Código de Processo Civil, sem prejuízo possibilidade de ser renovada a instância nos termos do nº 5 do 850º, pelo que não é levantada/cancelada a penhora registada nos presentes autos”.
9. Em 23.07.2024, o agente de execução proferiu a seguinte decisão: “declara, para todos os devidos efeitos legais, levantada a referida sustação, e renovada a instância nos termos do art.º 850º do CPC, prosseguindo o processo executivo os seus termos”.
10. Em 23.07.2024 o agente de execução notificou as partes desta última decisão.
11. A embargada apresentou a correspondente reclamação de créditos no processo de execução fiscal n.º 3557200901156101, a correr termos no Serviço de Finanças de Sintra-..., em 12.08.2015.
***
Da nulidade da sentença
Segundo a al. d) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando aí deixe de ser apreciada questão que devesse ser apreciada.
Quanto aos casos de omissão de pronúncia que conduzem à nulidade da sentença, refere Lebre de Freitas (in Código de Processo Civil Anotado, volume II): “Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe estão submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe caiba conhecer (art.º 660º/2), o não conhecimento do pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade (…)”.
Com efeito, decorre do art.º 608º do Código de Processo Civil que, na sentença, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão dessas questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras questões.
Entende a embargada que na sentença recorrida ficou por conhecer a questão que expressamente suscitou na contestação, relativa à inadmissibilidade da dedução de oposição à execução por embargos, e que determina a nulidade do despacho que os recebeu.
É patente que tal questão da inadmissibilidade legal dos embargos opostos à execução foi expressamente suscitada pela embargada na contestação, aí estando igualmente suscitada a questão da nulidade da decisão liminar que os recebeu (art.º 31º da contestação). Todavia, na sentença recorrida nada é dito sobre tal questão, não obstante a apreciação de tal questão se apresentar como essencial (e prévia) ao conhecimento da questão de fundo suscitada pela embargante, no sentido da extinção da execução por se mostrar prescrita a obrigação exequenda.
Dito de outra forma, na medida em que, não obstante o recebimento dos embargos e a notificação da embargada para os contestar, na contestação respectiva esta suscitou a questão da invalidade desse recebimento, qualificando tal recebimento como uma nulidade processual, carecia o tribunal recorrido de conhecer desta questão na sentença recorrida, tendo presente que a mesma se apresentava como obstativa do conhecimento do mérito dos embargos opostos à execução e, nessa medida, configurava-se como defesa por excepção.
Assim, é manifesto que o tribunal recorrido violou o disposto no art.º 608º, nº 2, do Código de Processo Civil, omitindo o conhecimento de uma questão que lhe cumpria conhecer, no âmbito da sentença recorrida.
E, nesta medida, tal omissão de pronúncia é geradora da nulidade da sentença recorrida, nos termos da referida al. d) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil.
Todavia, decorre do nº 1 do art.º 665º do Código de Processo Civil que o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação, ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo.
Dado que a sentença recorrida coloca termo aos embargos de executado, entende‑se ser de aplicar a regra legal em questão, pelo que vai este tribunal de recurso substituir-se ao tribunal recorrido, suprindo a omissão de pronúncia e decidindo a questão da admissibilidade dos embargos de executado.
***
Da admissibilidade dos embargos de executado
Não sofre qualquer controvérsia que o prazo de 20 dias a que respeita o nº 1 do art.º 728º do Código de Processo Civil se havia esgotado há muito aquando da apresentação da P.I. de embargos de executado (em 19/9/2024), tendo presente que a citação (edital) da embargante ocorreu em 2/12/2013.
Todavia, e como resulta do nº 2 do mesmo art.º 728º do Código de Processo Civil, “quando a matéria da oposição seja superveniente, o prazo conta-se a partir do dia em que ocorra o respectivo facto ou dele tenha conhecimento o executado”.
Rui Pinto (A Acção Executiva, AAFDL, pág. 409) explica que “os dados legais que decorrem implicitamente do nº 2 do artigo 728º são de que, esgotada a oportunidade processual dada pelo nº 1, apenas se admite matéria superveniente, conquanto seja matéria dos artigos 729º a 731º e não outra; a contrario, não pode o oponente trazer factos, impugnações e excepções, peremptórias e dilatórias, cuja alegação omitira”.
Assim, pode-se afirmar que ao executado apenas é permitido opor‑se à execução após o decurso do prazo de 20 dias contado da sua citação quando essa oposição se funda em factos supervenientes, sejam eles objectivamente supervenientes (isto é, ocorridos posteriormente ao termo daquele prazo), sejam eles subjectivamente supervenientes (isto é, factos anteriores mas de que o executado só tomou conhecimento depois do termo do prazo em questão).
No caso concreto a embargante funda a sua oposição na circunstância de se ter completado o prazo quinquenal de prescrição, sustentando que a contagem do mesmo se iniciou com o trânsito em julgado da decisão que declarou a extinção da execução, nos termos e para os efeitos do nº 4 do art.º 794º do Código de Processo Civil.
Ou seja, é manifesto que a vertente fáctica da causa de pedir dos embargos de executado apresentados em 19/9/2024 corresponde a matéria que é objectivamente superveniente, porque ocorrida após o termo do referido prazo de 20 dias contado da citação da embargante. Com efeito, o trânsito em julgado da decisão que declarou a extinção da execução ocorre em 4/9/2015, quando o termo do prazo referido no nº 1 do art.º 728º do Código de Processo Civil tinha ocorrido quase dois anos antes.
Por outro lado, encontrando-se extinta a execução desde 4/9/2015, e não cabendo à embargante o impulso processual tendente à sua renovação, tinha a mesma de aguardar tal renovação para poder opor-se à execução com fundamento na circunstância de se ter completado o prazo quinquenal de prescrição, contado a partir do referido trânsito em julgado.
Este mesmo entendimento decorre igualmente do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/11/2023 (relatado por Artur Dionísio Oliveira e disponível em www.dgsi.pt), quando, a respeito da interpretação do nº 2 do art.º 728º do Código de Processo Civil, aí se afirma que, “embora esta norma determine que esse prazo [de 20 dias] se conta a partir do dia em que ocorreram os factos que servem de fundamento à oposição ou do dia em que o executado teve conhecimento dos mesmos (…), estando a execução extinta no momento daquela ocorrência e/ou do seu conhecimento pelo executado, impõe-se considerar que o prazo para a dedução dos respectivos embargos apenas se inicia no momento em que a renovação da execução é notificada ao executado”.
Ora, tendo a embargante sido notificada em 23/7/2024 da decisão de renovação da execução, constata-se que em 19/9/2024, quando apresentou a P.I. de embargos de executado em que invocou a prescrição quinquenal em questão, ainda não se mostrava esgotado o referido prazo de 20 dias para se opor à execução com esse fundamento superveniente.
Carece assim de fundamento a invocada inadmissibilidade dos embargos apresentados supervenientemente, do mesmo modo que o seu recebimento não corresponde à prática de qualquer acto que o tribunal recorrido estivesse impedido de praticar (por dever antes rejeitar os embargos).
Acrescenta ainda a embargada que, tendo sido proferido despacho a declarar renovada a execução, com o levantamento da sustação da execução no que respeita ao imóvel penhorado, o princípio da confiança na orientação processual daí decorrente exigia que não mais houvesse lugar a qualquer possibilidade de dedução de embargos de executado, mas apenas ao prosseguimento dos ulteriores termos da execução com a citação da Fazenda Nacional para reclamar os seus créditos, como ficou determinado no despacho em questão, e sendo essa a única actuação processual com que a embargada podia, legitimamente, contar.
Importa não esquecer que “a renovação da instância a que se refere o art.º 850º do CPC não configura uma nova execução, uma vez que título executivo é o mesmo e as partes, de um ponto de vista da sua qualidade são também as mesmas” (a expressão é da embargada e consta do ponto 67 da motivação do recurso, concordando-se com a mesma por inteiro).
Nessa medida, estando-se perante a mesma execução, com as mesmas partes e o mesmo título executivo, não se pode afirmar que a renovação da execução extinta, tendo em vista a realização coactiva da obrigação exequenda, cria no executado a expectativa de que o mesmo deixa de poder fazer valer os seus direitos de defesa, desde logo aquele direito que lhe é conferido pelo nº 2 do art.º 728º do Código de Processo Civil, no sentido de se opor à execução por embargos quando a matéria da oposição seja superveniente.
Dito de forma mais simples, não é porque se dá cumprimento ao princípio geral da realização coactiva da prestação devida ao credor através da execução do património do devedor que se pode afirmar a compressão dos direitos de defesa deste no âmbito da acção executiva, designadamente impedindo o exercício do direito do mesmo à oposição superveniente, e sob pena de, aqui sim, se violar o princípio que emerge do art.º 20º da Constituição da República Portuguesa, na sua dimensão do direito do executado ao “justo processo” e à igualdade das partes.
Em suma, sendo os embargos admissíveis, como foi afirmado no despacho que os recebeu e determinou a notificação da embargada para os contestar, não se verifica a nulidade processual invocada, sendo assim de manter o recebimento dos mesmos.
***
Da prescrição
Em momento algum foi colocado em crise que, como decorre da al. e) do art.º 310º do Código Civil, prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.
E, do mesmo modo, não foi colocada em crise a uniformização de jurisprudência que decorre do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/6/2022, a respeito da interpretação de tal preceito legal, e com o seguinte segmento uniformizador:
I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas”.
Ou seja, não sofre controvérsia que a obrigação exequenda, no seu todo, está sujeita ao prazo de prescrição de cinco anos.
Já quanto à contagem do prazo em questão, na sentença recorrida afirmou-se que o mesmo se havia completado, com a seguinte fundamentação:
Dispõe o artigo 323º do CC que:
«1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.»
Regendo o artigo 326º:
«1. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte.
2. A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311.º»
E o artigo 327º:
«1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.»
Temos, pois, que, o prazo de prescrição interrompe-se pela citação e, em consequência da interrupção o tempo decorrido fica inutilizado.
Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
A prescrição invocada a ter ocorrido decorre desta nova oportunidade, duma renovação da instância.
A presente execução foi extinta por sustação integral em 03.07.2015.
Esta decisão foi notificada às partes no próprio dia 03.07.2015.
A exequente veio requerer o levantamento da sustação, por requerimento datado de 8.11.2022 (sendo que, apenas por despacho de 19.06.2024, nos termos e com os fundamentos aí expostos, concluiu este Tribunal ordenar o levantamento da sustação integral).
A contagem deste (novo) prazo de prescrição reiniciou-se logo que transitado em julgado a decisão que julgou a sustação integral – 10 dias (+3) após a notificação da mesma às partes –, a qual nos termos do art.º 794º, 4 CPC determinara a extinção da execução. Tal decisão, proferida em 03.07.2015 transitou em julgado em 4-09-2015.
(…)
O prazo de prescrição de cinco anos inicia a sua contagem em 4-09-2015, terminando em 4-09-2020.
Ora, a decisão que renovou a instância data de 23.07.2024. Em tal data já o prazo de prescrição se havia completado.
Aliás, quando o exequente requereu o levantamento da sustação, com vista a requerer a renovação da execução, em 8.11.2022 já o prazo de prescrição se havia completado.
Em face de todo o exposto, julgo procedente a excepção peremptória da prescrição”.
Contrapõe a embargada, no essencial, que o que esteve na base da extinção da execução foi a sustação total da mesma, por existência de penhora prévia noutro processo, e sendo que tal circunstância não pode ser reconduzida ao conceito de “decisão que puser termo ao processo”, constante do nº 1 do art.º 327º do Código Civil, para efeitos de determinar nova contagem do prazo de prescrição que foi interrompido com a citação da embargante para a execução.
Não está colocado em crise que a contagem do prazo de prescrição acima referido se interrompeu com a citação da embargante para a execução (art.º 323º, nº 1 do Código Civil), assim se tendo por inutilizado todo o tempo decorrido (art.º 326º, nº 1, do Código Civil). E também não está colocado em crise que, por se tratar de uma causa interruptiva permanente (a citação da embargante), o mesmo prazo de prescrição não começou a correr depois do acto interruptivo, apenas havendo que começar a correr, de novo, com o trânsito em julgado da decisão que colocasse termo à execução (nº 1 do art.º 327º do Código Civil).
A controvérsia instala-se, então, na conjugação entre o nº 1 do art.º 327º do Código Civil e o nº 4 do art.º 794º do Código de Processo Civil, já que aqui se prevê que a sustação integral da execução determina a extinção da mesma, mas sem prejuízo da possibilidade de sua renovação, nos termos do art.º 850º, nº 5, do Código de Processo Civil.
Importa então recordar a razão de ser da prescrição, para melhor se compreender em que circunstâncias deve (e não deve) correr o prazo respectivo.
Recorrendo ao ensinamento de Luís Cabral de Moncada (Lições de Direito Civil, 4ª edição, pág. 729), a prescrição “é o meio pelo qual, em determinadas condições e decorrido certo tempo, alguém é exonerado de uma obrigação”, extinguindo-se o direito em razão da inércia do seu titular durante um certo tempo. Refere ainda tal autor (na mesma obra, a pág. 734) que, “decorrido o tempo fixado pela lei sobre o não uso dum direito e preenchidos os outros requisitos que esta também exige, a respectiva relação jurídica extingue-se, e portanto, extinguem-se os direitos e as obrigações compreendidas dentro dela”.
Do mesmo modo, e como explica Ana Filipa Morais Antunes (Estudos de Homenagem ao Prof. Sérvulo Correia, vol. III, pág. 39), a prescrição “justifica-se em homenagem ao valor da segurança jurídica e da certeza do direito, mas, também, em nome do interesse particular do devedor, funcionando como reacção à inércia do titular do direito, fundada num imperativo de justiça”. E mais explica que a prescrição tem como principais fundamentos “i) a probabilidade de ter sido feito o pagamento; ii) a presunção de renúncia do credor; iii) a sanção da negligência do credor; iv) a consolidação de situações de facto; v) a protecção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento; vi) a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos; vii) o imperativo de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos; viii) a exigência de promover o exercício oportuno dos direitos”.
Por outro lado, e como ficou já salientado no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 14/3/2012 (relatado por Pedro Martins e disponível em www.dgsi.pt), “um dos fundamentos principais da prescrição é a inactividade do titular do direito. Se o titular do direito de crédito intentou uma acção ou requereu uma execução para o cobrar, não se pode dizer que está inactivo, bem pelo contrário. E isto durante todo o tempo em que durar a acção ou execução. Pois que, a partir da pendência delas, não pode ser requerida qualquer outra citação ou notificação com o mesmo fim das iniciais. Isto sem prejuízo de o novo prazo passar a correr, desde a prática do acto interruptivo, quando se verifique alguma das hipóteses do nº. 2 do art.º 327 do CC (entre elas, quando se demonstre um certo período de tempo de inércia do titular do direito no decurso da própria acção ou execução, tendo em conta o disposto nos arts 285 e 291 do CPC)”.
Assim, tendo a prescrição por efeito conceder ao seu devedor a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (art.º 304º do Código Civil), e resultando a mesma do não exercício do direito por determinado lapso de tempo estabelecido legalmente (art.º 298º do Código Civil), desde logo se pode afirmar que o que está em causa é a retirada da protecção conferida ao titular do direito relativamente ao seu exercício, em face da inércia do mesmo.
Dito de outro modo, perante a inércia do titular do direito em exercitá-lo durante determinado lapso temporal, fica desde logo em causa a certeza do mesmo direito e, nessa medida, entende-se que não mais há que dispensar protecção a essa titularidade, pelo que o sujeito passivo desse direito deixa de estar juridicamente obrigado à prestação correspondente, podendo legitimamente recusar o seu cumprimento.
Deste modo, encontra igualmente justificação a interrupção da prescrição decorrente da citação do devedor, na medida em que se está perante o exercício do direito pela via judicial.
E, do mesmo modo, justifica-se igualmente que o prazo de prescrição não possa correr enquanto estiver pendente o processo onde o direito se encontra a ser exercitado.
É que, competindo agora ao tribunal decidir sobre a pretensão do titular do direito, naturalmente não mais se verifica a inércia deste relativamente ao seu exercício, antes lhe cabendo aguardar a actividade do tribunal.
Por outro lado, tal actividade do tribunal tanto pode ser dirigida à declaração da existência do direito (por via da acção declarativa), como à realização coactiva da obrigação correspondente (por via da acção executiva).
E, no que respeita à realização coactiva da obrigação em sede executiva, estando em causa o pagamento de quantia certa é exactamente com vista a tal pagamento que se dirige a actividade do tribunal, através da penhora de património do devedor, visando que o pagamento seja feito pelo produto desse património.
Todavia, existem circunstâncias em que o processo de execução termina sem que a prestação devida pelo executado seja realizada coactivamente.
Aliás, do mesmo modo e no processo declarativo, pode o mesmo findar sem uma decisão sobre o mérito da pretensão formulada. Entre estes casos figura a actuação do autor, desistindo da instância ou omitindo o impulso processual que lhe cabe, o que determina a deserção da instância. Mas figura igualmente a falta de qualquer pressuposto processual insusceptível de sanação, a ditar a absolvição da instância. Assim, e nestes casos em que o termo do processo pode ser imputado à actuação do titular do direito, já não faz sentido que aproveite ao mesmo a interrupção duradoura da prescrição ditada pela pendência do processo, sendo por isso que o nº 2 do art.º 327º do Código Civil dispõe que o novo prazo prescricional, nestes casos, começa a correr logo após o acto interruptivo (a citação), mas prevenindo o nº 3 a circunstância de entretanto se ter completado a prescrição e a absolvição da instância não ser imputável ao titular do direito.
Já no que respeita à execução, e para além de poder haver lugar à extinção da instância por motivo imputável ao exequente (como a desistência ou a deserção da instância executiva), outras circunstâncias existem em que o legislador entendeu fazer cessar a instância executiva sem ser pela realização coactiva da obrigação do executado, e sem que se possa dizer que tal cessação decorre da actuação do exequente.
Uma delas é exactamente aquela idêntica à que está aqui em causa, e que corresponde à sustação integral da execução, por existência de prévia penhora sobre o mesmo bem penhorado, realizada noutro processo.
Neste caso, e por força do disposto no nº 1 do art.º 794º do Código de Processo Civil, o exequente terá de reclamar o seu crédito na execução em que a penhora é mais antiga, para aí ser verificado e graduado no confronto com os demais créditos que devam ser satisfeitos pelo produto do bem penhorado.
Não obstante, entendeu o legislador que neste caso haveria lugar à extinção da execução, mas sem prejuízo de a mesma poder ser renovada a requerimento do exequente, nos termos do nº 5 do art.º 850º do Código de Processo Civil.
Apesar de nada constar expressamente da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII, quanto às circunstâncias que levaram à consagração legal das situações de extinção da execução previstas nas al. d) e e) do nº 1 do art.º 849º do Código de Processo Civil (reformado em 2013 nos termos dessa iniciativa legislativa), não deixa de ser aí apontada a necessidade de “evitar que as execuções se prolonguem no tempo, muitas das vezes artificialmente”.
Essa necessidade está em linha com as medidas que, relativamente ao Código de Processo Civil de 1961, haviam sido introduzidas pelo D.L. 4/2013, de 11/1, visando combater as “pendências em atraso no domínio da acção executiva”, sendo tais medidas exclusivamente motivadas pelos compromissos assumidos por Portugal, “no quadro do programa de assistência financeira, celebrado com as instituições internacionais e europeias” e que, no que especificamente respeitava ao processo executivo, visava “agilizar a tramitação das acções executivas pendentes”, tão só com “vista a uma mais rápida conclusão das mesmas”.
Ou seja, pode-se afirmar que as alterações legislativas introduzidas nas regras de tramitação das execuções têm o confessado objectivo de fazer baixar as pendências processuais, e ainda que a finalidade própria da execução (a realização coactiva da obrigação exequenda) não seja aí alcançada.
E de entre essas alterações legislativas emerge, como já se viu, aquela que respeita à afirmação da extinção da execução quando a existência de prévia penhora sobre o mesmo bem penhorado, realizada noutro processo, determina a sustação integral da execução.
Sucede que essa sustação da execução não pode ser imputada a qualquer inércia ou omisão processual negligente do exequente, do mesmo modo que não se pode afirmar que a finalidade da execução foi atingida através de tal sustação. O que equivale a dizer que o exercício do direito do exequente, por via da execução, não foi colocado em causa por tal sustação, situação que se apresenta ainda mais evidente no caso em que o exequente reclama o seu crédito na execução onde foi realizada a primeira penhora.
Ou seja, neste caso não se pode afirmar que a extinção da execução corresponde a uma decisão que ponha termo ao processo executivo, para os efeitos do disposto no nº 1 do art.º 327º do Código Civil, já que o exequente exercitou o seu direito pela via judicial e continua a ter de aguardar pela actividade correspondente, agora no âmbito da execução onde foi realizada a primeira penhora.
Numa situação com contornos semelhantes (a extinção da execução no caso previsto na al. b) do nº 4 do art.º 779º do Código de Processo Civil), ficou afirmado no acórdão de 4/7/2024 do Tribunal da Relação do Porto (relatado por Aristides Rodrigues de Almeida e disponível em www.dgsi.pt) que:
O legislador processual civil de 2013, preocupado com a imagem gerada pela pendência estatística dos processos judiciais, inventou, com alguma imaginação reconhece-se, mas como muito menos mérito ou eficácia, um autêntico ovo de colombo: que se considerem extintos processos executivos que ... não estão extintos, pela simples razão de que ... o crédito não só continua por satisfazer como continua mesmo a ser satisfeito paulatinamente!
A solução foi a de uma vez assegurado o pagamento dos créditos que devem ser pagos antes do exequente (créditos graduados e despesas da execução), adjudicar-lhe as quantias vincendas notificando a entidade pagadora para as entregar directamente ao adjudicatário, ficcionar que dessa forma o exequente irá receber futuramente o valor da quantia a que tem direito e, sem mais, caso não sejam identificados outros bens penhoráveis, fazer extinguir a execução.
Claro que como a realidade é o que é e o pagamento foi apenas projectado, o legislador não pôde esconder a ficção e, como não podia deixar de ser, sob pena de absoluta inconstitucionalidade por violação do direito do acesso à justiça, permite ao exequente a todo o tempo «requerer a renovação da instância para satisfação do remanescente do seu crédito, aplicando-se o disposto n.º 4 do artigo 850.º»
Num sinal de que se trata de uma extinção de conveniência estatística, não de uma verdadeira extinção da instância motivada pela extinção do direito de crédito ou algum motivo de natureza processual que determine a cessação da instância, a remissão para o n.º 4 do artigo 850.º do Código de Processo Civil determina que na instância reaberta «não se repetem as citações e aproveita-se tudo o que tiver sido processado relativamente aos bens em que prossegue a execução».
Esta solução conduz, está-se bem a ver, a uma consequência absurda. Se a extinção da execução assim decretada determinasse o reinício da contagem do novo prazo de prescrição, então, ainda que dentro desse prazo e para evitar a prescrição o credor tomasse a iniciativa de requerer a reabertura da execução, nem assim conseguia impedir a prescrição de se completar porque não havendo lugar à citação do devedor não é possível gerar o efeito interruptivo da prescrição que a lei atribui à citação (não à mera instauração da acção) e não parece aceitável defender que a citação antes feita interrompa um prazo apenas iniciado depois(!)”.
Do mesmo modo, aí se demonstra que não há “como justificar que esteja a correr o prazo de prescrição que visa precisamente sancionar a inércia ou inacção do credor”, porque “o credor, sem nada poder fazer contra isso, fica juridicamente obrigado a aguardar que cada uma das prestações vincendas se vença para fazer sua a quantia que o terceiro devedor lhe entregue”, não se podendo afirmar qualquer negligência na cobrança do seu crédito, do mesmo modo que não se pode defender que o devedor tenha “formado a expectativa de o tempo decorrido” traduzir uma inacção do credor, assim confiando legitimamente na tutela da sua posição.
E é assim que se conclui nesse mesmo acórdão que “não equivale à decisão transitada em julgado que põe termo ao processo prevista no n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil a situação em que o agente de execução extingue a execução, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 779.º do Código de Processo Civil, após adjudicar ao credor prestações vincendas de rendimentos periódicos penhorados”, sendo que “nessa situação, o novo prazo de prescrição só começa a contar de novo se e quando os descontos nos rendimentos periódicos cessarem e os actos de execução coerciva do crédito pararem, convertendo a extinção da execução numa realidade prático‑jurídica”.
Do mesmo modo se pode então afirmar, numa situação como a que os presentes autos espelham (em que se está perante a extinção da execução na situação prevista no nº 4 do art.º 794º do Código de Processo Civil), que o credor fica igualmente obrigado a aguardar que a satisfação do seu crédito ocorra na execução onde a penhora foi realizada em primeiro lugar, não se podendo então afirmar qualquer negligência na cobrança do seu crédito e, por isso, sendo de manter a eficácia interruptiva permanente da prescrição decorrente da citação do devedor, como na situação tratada no acórdão em questão.
Dito de outra forma, não se verificando a inércia do titular do direito relativamente ao seu exercício, e sendo nesta inércia que reside a justificação para o curso da prescrição, tudo se passa como se, para este efeito, a execução não tenha chegado ao seu termo normal, não havendo lugar a contar de novo o prazo da prescrição, mesmo após a extinção da execução nos termos da al. e) do nº 1 do art.º 749º do Código de Processo Civil.
Recuperando tais considerações para o caso concreto dos autos, é então de concluir que após o trânsito em julgado da decisão de extinção da instância não começou a correr novamente a prescrição quinquenal do direito exequendo, nos termos do nº 1 do art.º 327º do Código Civil, desde logo porque a embargada foi exercitar o mesmo direito na execução fiscal onde a penhora foi realizada em primeiro lugar, o que permite afirmar a ausência de qualquer inércia da mesma no exercício desse direito, e que fosse determinante para considerar iniciado novo curso da prescrição.
Se se preferir, e recuperando a expressão de Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, volume I, 4ª edição revista e actualizada, 1987, pág. 293), prevendo-se no nº 1 do art.º 327º “um prolongamento dos efeitos da interrupção até ao julgamento da causa”, o que equivale a dizer, até que o tribunal se pronuncie sobre o direito que se pretende fazer valer em juízo, e sendo que na execução a actuação relativa ao direito não é de natureza declarativa, mas antes expressa-se na realização das “diligências adequadas à realização coactiva da obrigação” (segundo a definição constante do nº 4 do art.º 10º do Código de Processo Civil), então tal prolongamento deve verificar-se nos casos em que, não obstante ter sido extinta a execução nos termos da al. e) do nº 1 do art.º 849º do Código de Processo Civil, o exequente diligencia pela realização coactiva da obrigação exequenda no âmbito da execução onde a penhora foi realizada em primeiro lugar.
E como é exactamente isso que sucede no caso dos autos, assiste razão à embargada quando sustenta que em 4/9/2015 não se iniciou nova contagem do prazo de prescrição de cinco anos, mantendo-se antes a interrupção da prescrição decorrente da citação da embargante em 2/12/2013.
E não se iniciando novo curso da prescrição, torna-se inútil estar a tecer quaisquer considerações sobre a suspensão do prazo correspondente, por força da legislação excepcional decorrente da situação pandémica causada pela doença Covid‑19, bem como sobre a circunstância de nada ter sido dito na sentença recorrida sobre tal suspensão.
Ou seja, não pode subsistir a sentença recorrida que julgou procedentes os embargos de executado deduzidos supervenientemente, com fundamento na verificação da excepção da prescrição do direito de crédito exequendo, antes havendo que determinar o prosseguimento da execução, face à improcedência dos embargos de executado, tendo presente que não voltou a correr de novo (nem se completou) a prescrição.
***
DECISÃO
Em face do exposto julga-se procedente o recurso e revoga-se a sentença recorrida, que se substitui por esta outra decisão em que se julgam improcedentes os embargos de executado e se determina o prosseguimento da execução.
Custas em ambas as instâncias pela embargante.

8 de Maio de 2025
António Moreira
Higina Castelo
Susana Mesquita Gonçalves