Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3690/24.5T8FNC.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: PROCESSO LABORAL
PETIÇÃO INICIAL
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/13/2025
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: No âmbito do processo laboral não vigora o princípio da preclusão decorrente do ónus de concentração inicial de pedidos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Não havendo correções a efetuar ao efeito e modo de subida do recurso e nada obstando ao respetivo conhecimento, revelando-se simples a questão a decidir, passo, ao abrigo do disposto no Artº 656º do CPC, a proferir decisão sumária.
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AA, Autora, tendo sido notificada da sentença proferida nos presentes autos, e com esta não se conformando, vem interpor o presente Recurso.
   Pede que seja julgada improcedente a exceção inominada de preclusão do direito da Autora.
   Formulou, a título de conclusões:
1 – O presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo versa sobre matéria de direito e incide, mais precisamente, sobre a procedência da exceção inominada de preclusão do direito da então Autora, ora Recorrente, invocada oficiosamente.
2 – O Tribunal a quo considera que os atos processuais não foram praticados em sede própria, mais invocando que a Autora já reunia todos os elementos e fundamentos necessários para sustentar o seu pedido.
3 – Salvo o devido respeito e melhor entendimento, a Apelante instaurou, primeiramente, ação declarativa, que corre termos no Juízo do Trabalho do Funchal sob o processo n.º 2075/24.8T8FNC, na qual peticionou o reconhecimento da resolução do contrato de trabalho com justa causa, assente em práticas de assédio moral exercidas pela sua entidade empregadora, mais peticionando os créditos laborais advenientes da dita resolução.
4 - Por seu turno, os autos ora em apreço dizem respeito a uma ação de condenação emergente de contrato de trabalho na qual são peticionados danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da prática de comportamentos de assédio moral levados a cabo pela entidade empregadora, Ré nos autos.
5 – O princípio da preclusão do direito apenas vigora sobre aquele que recai o ónus da concentração, isto é, o Réu, tal como consignado no n.º 1 do artigo 573.º do Código do Processo Civil.
6 – Já sobre o Autor impende apenas ónus de alegação dos factos (essenciais) que constituem a causa de pedir invocada na ação, ao abrigo do n.º 1 do artigo 5.º do Código do Processo Civil, bem como as razões de direito que servem de fundamento à sua pretensão, tal como disposto no artigo 552.º do Código do Processo Civil.
7 – Sendo este o entendimento prevalecente sob pena, entre outros aspetos, da inutilização do instituto da ampliação do pedido.
8 – Deste modo, aqui Recorrente, pretendendo ver-se ressarcida pelos danos sofridos, fez constar da sua causa de pedir nos presentes autos um conjunto de factos essenciais, in casu, os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, que, porquanto praticados na vigência de uma relação laboral, impõem sobre a entidade empregadora, ora Recorrida, a obrigação de indemnizar.
9 – Portanto, nenhuma preclusão advém para o direito da aqui Recorrente resultante da instauração dos presentes autos, pois, e contrariamente ao aludido na douta sentença, desconhecia, à data da submissão da primeira ação, a extensão e a gravidade dos danos que ora invoca.
10 – Cumprindo, em todo o caso, reiterar que os factos essenciais, a cujo ónus de alegação se encontra a aqui Recorrente adstrita, foram devidamente invocados em cada uma das ações, em respeito e conformidade com a pretensão deduzida.
ALERTA GREEN- IMOBILIÁRIA, S.A., Ré, nos autos à margem referenciados, notificada que foi do Recurso interposto pela Autora, vem apresentar as suas Contra-Alegações debatendo-se pela manutenção da sentença.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
O parecer mereceu resposta da Apelada, que sustentou a manutenção da sentença.
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Vêm os presentes autos interpostos tendo em vista a condenação da R. no pagamento da quantia de 50.000,00€ e juros, a título de indemnização por danos não patrimoniais e da quantia a liquidar em ampliação do pedido ou em execução de sentença relativamente a danos patrimoniais que se vierem a apurar, acrescida de juros.
Alega-se, em síntese, um tratamento enquadrado pela A. no âmbito de proteção conferido pelo Artº 70º do CC.
Foi apresentada contestação na qual se alegaram as exceções de ilegitimidade de um dos RR., litispendência, pendência de causa prejudicial e, bem assim, na qual foi deduzida defesa por impugnação.
Proferido despacho saneador, julgou-se parcialmente procedente a exceção de ilegitimidade, tendo-se absolvido um dos RR. da instância, e julgaram-se improcedentes todas as demais exceções invocadas.
Nesse mesmo despacho conheceu-se oficiosamente de exceção de preclusão por violação do princípio da concentração, tendo sido proferida decisão que a julga verificada e, em consequência, absolve a R. do pedido.
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As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a questão a decidir, extraída das conclusões:
- Não se regista preclusão do direito de ação?
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ANÁLISE JURÍDICA:
Consignou-se na decisão recorrida que “Nos presentes autos a Autora veio alegar a factualidade na base da resolução com justa causa do seu contrato de trabalho com a Ré Alerta Green e o fez após ter deduzido ação que corre termos neste Tribunal, em que peticiona o reconhecimento daquela justa causa e as consequências jurídicas, diga-se indemnizatórias, decorrentes do mesmo, e demais créditos. Ora, à luz do princípio da preclusão o pedido ora formulado nos presentes autos deveria ter ocorrido na ação em que foi peticionado o reconhecimento daquela justa causa e as suas consequências jurídicas. Não foram alegadas quaisquer outras circunstâncias nem a causa de pedir da presente ação se enforma com circunstâncias distintas.
Em causa, pois, a circunstância de pré-existir uma ação em que se reclama o reconhecimento da licitude da resolução contratual com fundamento em justa causa decorrente da prática de atos de assédio moral e respetivas consequências patrimoniais (onde não está em causa indemnização por danos morais.
Entendeu o Tribunal recorrido que em tal ação deveria ter sido formulado o pedido que ora decorre deste Proc.º 3690/24.5T8FNC.
Sem razão!
Efetivamente já vigorou no âmbito do processo laboral o princípio da preclusão sustentado pelo Tribunal recorrido.
No CPT/1981 tal princípio estava consagrado no Artº 30º, decorrendo dele a necessidade de o autor cumular na petição inicial todos os pedidos que, até à data da propositura da ação, pudesse deduzir contra o réu, desde que, não só o tribunal fosse materialmente competente, como também que lhes correspondesse a mesma espécie processual.
Contudo, tal princípio foi abandonado a partir da entrada em vigor do CPT/2000, o que resulta bem explícito no preâmbulo deste diploma, aprovado pelo DL 480/99 de 9/11.
Tal como transcrito pelo Ministério Público no seu parecer consignou-se ali que «Inovação de largo alcance é a supressão do princípio da obrigatoriedade de cumulação inicial dos pedidos, consagrado no Código de 1981. Este princípio vinha sendo justificado com base no entendimento de que representava garantia de pacificação social. Todavia, não sendo sequer inequívoco tal valor garantístico do princípio, ponderou-se que não deveria sobrepor-se a outros valores em equação, nomeadamente a natureza irrenunciável de alguns direitos dos trabalhadores e cuja efetivação poderia ficar inviabilizada por um simples lapso, muitas vezes nem sequer do próprio titular, e isto sem esquecer a situação de subordinação dos trabalhadores que, podendo não se sentir inibidos em agir relativamente a aspetos fundamentais do seu estatuto laboral (como seja a categoria profissional), certamente poderiam sentir como fator de constrangimento o imperativo legal em alargar um eventual litígio a outros aspetos menos determinantes daquele mesmo estatuto. Por outro lado, a experiência revela que nas situações de verdadeira rutura contratual o trabalhador, confrontado com a necessidade de recorrer a juízo, se determina a optar por fazer valer numa única e mesma ação todos os direitos de que julga ser titular, independentemente de assim resultar de obrigação legal, mas como via para obter a resolução global e unitária de todas as questões emergentes. De outro modo, eliminando-se a cumulação obrigatória de pedidos, abre-se a porta a que qualquer trabalhador possa provocar uma mais imediata definição de situações fundamentais na relação jurídico-laboral, de forma a ficar estabelecida a sua legalidade ou ilegalidade, com eventual vantagem para o próprio empregador e sem receio, da parte do trabalhador, da preclusão de, mais tarde, em nova via de ação, fazer valer os demais direitos resultantes de tal relação.»
Suprimiu-se, pois, a partir de então, o dito princípio, não resultando o mesmo de nenhuma outra disposição legal aplicável ao processo laboral, exceto no tocante à defesa por parte do réu.
Tal como exarado na decisão recorrida, “A “preclusão é a perda, a extinção ou a consumação de uma faculdade processual” (SOUSA, Miguel Teixeira de; Blog do IPPC – Paper 199 – de 3.5.2016, https://blogippc.blogspot.pt/). E pode “ser definida como a inadmissibilidade da prática de um ato processual pela parte depois do prazo perentório fixado, pela lei ou pelo juiz, para a sua realização - é correlativa de um ónus da parte: é porque a parte tem o ónus de praticar um ato que a omissão do ato é cominada com a preclusão da sua realização” (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03.10.2024, www.dgsi.pt). E realiza duas funções primordiais, uma ordenatória, visto que garante que os atos só podem ser praticados no prazo fixado pela lei ou pelo juiz, outra de estabilização, uma vez que inobservado o ónus de praticar o ato, estabiliza-se a situação processual decorrente da omissão do mesmo. Estabelece-se, assim, a correlatividade entre o ónus de concentração e da preclusão, impondo à parte o ónus de alegar todos os factos relevantes no momento adequado. Entende-se, assim, que a preclusão ocorre se e quando houver um ónus de concentração. Ou seja, apenas a alegação do facto que a parte tem o ónus de cumular com outras alegações pode ficar precludida (Sousa, Miguel Teixeira, citado). A concentração dos meios de defesa e a obrigatoriedade de os invocar, sob pena de perda do direito de invocação, preclusão, estão ligados à estabilidade das decisões, o que tem a ver com o instituto do caso julgado e como o dever de lealdade e de litigar com boa-fé processual.
A preclusão pressupõe, pois, um ónus de concentração, ónus que não descortinamos nos casos como o presente em que, muito embora haja um fundamento transversal a ambas as causas, os pedidos são distintos.
   Com este princípio não se confunde o invocado ónus de alegação dos factos essenciais à causa de pedir. Do Artº 552º/1-d) do CPC, aqui também aplicável, decorre a necessidade de alegação dos factos que enformam a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação, o que não pode deixar de se conexionar com o pedido concretamente formulado. O incumprimento deste ónus terá como consequência a eventual improcedência da ação. Mas apenas da ação onde o direito é invocado.
Ademais, tendo sido intenção do legislador abolir a necessidade de concentração, a solução defendida pelo Tribunal recorrido não encontra amparo legal.
Neste sentido também o Acórdão do STJ de 19-06-2024, proferido no Processo 3148/22.7T8PRT.
Procede, pois, a apelação.
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As custas da apelação ficam a cargo da Apelada, que ficou vencida (Artº 527º do CPC).
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a decisão recorrida, ordenando a prossecução dos demais termos dos autos.
Custas pela Apelada.
Notifique.

Lx., 13/10/2025
Manuela Fialho