Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
425/24.6GCMFR.L1-9
Relator: PAULA CRISTINA BIZARRO
Descritores: CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
PENA DE PRISÃO
MEDIDA DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I. Ainda que uma pena não detentiva se afigure adequada à reintegração do agente na sociedade, a sua aplicação deverá ser afastada quando em concreto a mesma se mostre inadequada e insuficiente para cumprir a finalidade de tutela do bem jurídico protegido com a incriminação estatuída no art. 40º/1 do Código Penal.
II. Constata-se que o arguido foi já solenemente advertido através de duas anteriores condenações judiciais, uma delas pelo mesmo exacto tipo de crime e, não obstante, voltou a praticá-lo, o que indica indubitavelmente a sua indiferença perante tais condenações e ainda a sua indiferença perante os bens jurídicos protegidos com a incriminação, ou seja, perante a segurança rodoviária, a vida e a integridade física de outrem, sabido que é significativamente potencializado o perigo de acidente pela condução sob o efeito do álcool.
III. Consequentemente, não obstante a sua inserção social e profissional, é manifesto que a pena de multa, a qual já se demonstrou ser inapta para dissuadir o arguido da prática deste tipo de ilícito, não se mostra em concreto suficiente para responder de forma cabal às exigências de prevenção especial, nem tão pouco às de prevenção geral, impostas pela necessidade de reforço da confiança da comunidade na norma violada.
IV. Encontrando-se provado que o arguido conduzia com uma TAS de 2,166 g/l (após deduzido o valor do erro máximo admissível), a qual é já elevadíssima e altamente potenciadora do perigo de lesão dos bens jurídicos que a norma incriminadora visa proteger, considerando o intenso grau de culpa e as elevadas exigências de prevenção geral e especial, a pena aplicada na sentença recorrida, situada próxima do nível intermédio da moldura penal abstracta aplicável, mostra-se adequada, necessária e proporcional à gravidade do crime cometido e à culpa do recorrente.
V. A determinação concreta da medida da pena acessória obedece aos critérios legalmente fixados, sendo para o efeito irrelevante a natureza da profissão exercida pelo agente ou a sua maior ou menor necessidade de conduzir veículos na sua vida diária. A determinação da medida da pena acessória depende apenas da medida da culpa e das exigências de prevenção, sendo irrelevantes as concretas consequências negativas que a proibição de conduzir veículos a motor represente para o agente.
VI. A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de oito meses fixada na sentença recorrida, mostra adequação e proporcionalidade, atendendo aos critérios legais de determinação das penas, mostrando-se em consonância com as decisões que vêm sendo proferidas pelos Tribunais da Relação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os Juízes da 9ª secção criminal deste Tribunal da Relação

I. RELATÓRIO
Inconformado com a sentença datada de ...-...-2024, depositada nessa mesma data, nestes autos de processo sumário com o n.º 425/24.6..., vindo do Juízo Local Criminal de ..., veio o arguido
AA, filho de BB e de CC, nascido em .../.../1969 contribuinte fiscal número ..., titular do cartão de cidadão ... ZX7 e residente na ...,
interpor recurso de tal decisão, na qual foi decidido o seguinte (transcrição):
a) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.° n.° 1 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, com sujeição a regime de prova;
b) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor pelo período de 8 (oito) meses, nos termos do artigo 69.° n.° 1 al. a) do Código Penal;
(…)
(fim de transcrição)
*
As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões extraídas da motivação de recurso e que em seguida se transcrevem:
I- Na sentença que ora se requer sindicância, o Recorrente foi condenado na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses, e na sanção acessória de proibição de condução de veículos a motor pelo prazo de 8 meses, nos termos do artigo 292° n.° 1 e 69° n.° 1, alínea a), do Código Penal, porquanto conduziu veículo automóvel na via pública com uma taxa de álcool no sangue de 2,166 g/1.
II- O Recorrente entende que a condenação que lhe foi aplicada, quer a pena, quer a sanção acessória, é manifestamente exagerada, excessiva e desadequada, violadora dos critérios de razoabilidade, proporcionalidade e adequação.
III- O Recorrente na audiência de discussão e julgamento prestou declarações, onde confessou integralmente e sem reservas a prática dos factos que vinha acusado, tendo prestado toda a colaboração para a descoberta da verdade, explicando todo o circunstancialismo em que tinha ocorrido o evento pelo qual estava acusado.
IV- Ou seja, o Recorrente de uma forma clara, expressa e de um modo totalmente verdadeiro referiu o arrependimento pela sua conduta, pediu perdão, reconhecendo a gravidada da situação, reconhecendo que cometeu um crime.
V- O Recorrente confessou integralmente e sem reservas os factos, explicou todo o circunstancialismo da sua ocorrência, tendo prestado toda a colaboração com o Tribunal para a descoberta da verdade, sendo que se mostrou verdadeiramente arrependido da sua conduta. 
VI- O Recorrente é uma pessoa humilde e cumpridora da lei, veja-se o Relatório Social quando afirma "... destacamos o sentido de compromisso para interagir com as instituições judiciais, condições indiciadoras de um juízo de prognose favorável, considerando que as atitudes sociais e humanas responsáveis têm vindo a sobressair. ”
VII- No entender do Recorrente a escolha e medida da pena não obedeceu ao preceituado no artigo 71° do Código Penal, pois a escolha e medida da pena aplicada nos autos é manifestamente excessiva, não tendo presente o sentido e finalidade da reintegração e ressocialização do visado.
VIII- Nunca, em nome da proibição da condenação em excesso, a culpa do agente pode ser excedida por razões de prevenção geral ou especial, sendo que a individualização da pena pressupõe uma adequada proporcionalidade entre a culpa do ato praticado e as consequências que daí advieram e a proibição de excesso na condenação a aplicar ao infrator.
IX- As medidas da pena, necessitam de uma imperiosa análise do julgador, para não caírem em injustiças, como aconteceu nos presentes autos, pois não foram tidos em conta o arrependimento nem a postura colaborante e sincera do Recorrente.
X- O Recorrente está integrado familiarmente e socialmente, sobrevive com enormes dificuldades financeiras, tem uma reforma de cerca de € 387,00, vive com a mãe de 82 anos numa casa arrendada por esta, e faz alguns trabalhos ocasionais de bate chapa, sendo um verdadeiro cuidador da sua mãe, sendo que, também por isso, o poder conduzir é de manifesta importância.
XI- O Tribunal a quo ao aplicar pena de 5 meses de prisão suspensa por 1 ano e 6 meses e á proibição de conduzir pelo período de 8 meses, não teve em consideração a situação financeira do Recorrente nem social do Recorrente.
XII- Quer a pena, quer a sanção acessória, aplicadas pelo Tribunal “a quo” são claramente excessivas e desproporcionadas. 
XII- A sentença aqui em sindicância violou claramente os artigos 40° n.° 1 e 2, 71° n.° 1, 2 e 3 todos do Código Penal e 127° do Código do Processo Penal.
Nestes termos e nos demais de Direito e sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” e consequentemente ser lavrado Acórdão que condene o Recorrente na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 5,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 5 meses.
Assim decidindo farão os Ilustres Desembargadores a tão almejada JUSTIÇA!!!.
(fim de transcrição)
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O Ministério Público respondeu ao recurso interposto, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
1. O bem jurídico protegido no crime de condução de veículo em estado de embriaguez, como é sabido, é a segurança da circulação rodoviária, sendo colateralmente protegidos outros bens jurídicos que se prendem com a segurança das pessoas face ao trânsito de veículos, como a vida ou a integridade física.
2. O arguido condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez é punido, não só com uma pena principal de prisão ou multa, mas também, a título de pena acessória, com a aplicação do artigo 69.º n.º 1, do Código Penal, na proibição de conduzir veículos com motor durante um determinado período de tempo, traduzindo- se esta pena numa censura adicional pelo crime praticado.
3. A determinação da medida da pena (principal e acessória), nos termos dos artigos 40.º, e 71.º, n.º 1, do Código Penal, é feita atendendo, em primeira linha, à culpa do agente, nunca a ultrapassando e tendo em vista as finalidades de prevenção.
4. A prevenção geral na sua vertente positiva implica a tutela dos bens jurídicos, no sentido de integração e reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma jurídica, ao mesmo tempo que se assegura a credibilidade do sistema penal perante a comunidade.
5. De acordo com o artigo 71º, nº 2 do Código Penal, como forma de atingir estas finalidades, há que atender a todos os critérios que deponham a favor ou contra o agente, como sejam o grau de ilicitude, o modo de execução do facto e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e situação económica e a conduta anterior e posterior ao facto.
6. Da análise da sentença aqui em causa, resulta que, na determinação das penas aplicáveis, o Tribunal a quo considerou todos os factores exigidos por lei, ponderando aqueles que depunham em benefício e em desfavor do arguido, nomeadamente, o grau de ilicitude, ao modo de execução dos factos e a gravidade das consequências, bem como o seu percurso de vida e os seus antecedentes criminais.
7. Afigura-se-nos que o julgador não pode alhear-se das anteriores condenações que o arguido possui.
8. Com o seu comportamento, o arguido demonstra um desrespeito pela ordem jurídica, que põe em causa as expectativas dos restantes cidadãos na validade das normas penais, bem como demonstra que as anteriores condenações não foram suficientes para evitar que cometesse novos crimes, tendo sido totalmente ineficazes a nível da prevenção especial.
9. O arguido demonstra ter hábitos de vida que, de modo reiterado e apesar das condenações de que foi alvo, não adopta conduta coincidente com o respeito devido aos interesses tutelados pela lei.
10. Entendemos que as exigências de prevenção especial são aqui prementes, pois o arguido revela um quadro de antecedentes criminais que dá nota de uma propensão para a prática deste tipo de ilícitos, não existindo indícios de que pretenda pôr cobro a um tal agir, e nem o facto de ter sido anteriormente condenado em penas de multa, o determinou a agir de forma a conformar-se com os valores ético-jurídicos.
11. Pelo exposto, a opção pela aplicação da pena de prisão, bem como a medida da mesma encontra-se devidamente justificada e proporcional às necessidades de prevenção sentidas. Não pode o arguido ser premiado com mais uma condenação em pena de multa, quando a mesma já demonstrou ser completamente ineficaz na prevenção de novos comportamentos.
12. Quanto à pena acessória não pode a um cidadão com esses antecedentes e que apresenta uma TAS de 2,166 g/l ao conduzir um veículo automóvel ligeiro ser aplicada a pena acessória próxima do mínimo legal, quando o ilícito também prevê a conduta de conduzir veículos menos perigosos - mormente, velocípedes ou ciclomotores - na via pública com uma TAS de 1,20 g/l.
13. As necessidades de prevenção especial e geral não se bastam com a aplicação da pena acessória perto do mínimo legal, como pretende o recorrente, inclusivamente inferior à anterior pena acessória aplicada na última condenação.
14. O facto de o arguido necessitar de conduzir para cuidar da sua progenitora, não é condicionante para reduzir a pena acessória a medida ineficaz como pretende.
15. As penas não são aplicadas com vista a princípios de conveniência e não incómodo dos arguidos, mas sim de acordo com as exigências de prevenção geral e especial sentidas. A aplicação de qualquer pena, principal ou acessória implica sempre um sacrifício e uma alteração na vida do arguido.
16. Tal é a natureza das penas e, caso assim não fosse, nenhum efeito prático teriam, mormente, de evitar o cometimento futuro de ilícitos por parte daquele arguido, que sairia satisfeito, após ser condenado pela prática de um crime sem qualquer beliscão na sua vida, ou seja, sem qualquer consequência. Sendo certo que os restantes cidadãos sentiram também tentados a cometer ilícitos, pois se aquele arguido não sentiu qualquer castigo, então ninguém será punido independente da conduta que tenha.
17. Os sacrifícios profissionais e pessoais que advêm para a vida do arguido são próprios do cumprimento de penas e não se afiguram excessivos ou desproporcionais atendendo às necessidades de prevenção especial e geral sentidas.
18. Em conformidade, afigura-se-nos que a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto à medida das penas principal e acessória é inatacável.
Por todo o exposto, entendemos dever ser negado provimento ao recurso e, consequentemente, manter-se a decisão recorrida nos seus precisos termos, com o que V. Exas. farão a costumada
Justiça!.
(fim de transcrição)
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Neste Tribunal da Relação, pela Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, foi emitido parecer com o seguinte o teor (transcrição parcial):
(…) acompanhando os fundamentos da resposta do Ministério Público, pelo rigor e adequação, emite-se parecer consonante, no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente.
(fim de transcrição)
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Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foi apresentada resposta, na qual o Recorrente reitera o seu entendimento, que considera a medida da pena e da sanção acessória que lhe foi aplicada manifestamente exageradas, excessivas e desadequadas, violadoras dos critérios de razoabilidade, proporcionalidade e adequação.
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Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Dispõe o art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Daí o entendimento unânime de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo que apenas as questões aí resumidas deverão ser apreciadas pelo tribunal de recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente os vícios previstos no n.º 2 do art. 410º do mesmo Código.
Em conformidade, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
a. aplicação da pena de multa prevista em alternativa;
b. medida concreta da pena;
c. medida concreta da pena acessória.
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II. DA SENTENÇA RECORRIDA
2.1. Na sentença recorrida, foram julgados provados os factos seguintes (transcrição):
Factos provados:
1) No dia .../.../2024, pelas 1h05m, na ..., o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros ..., ... E220, de matrícula ..-..-LG, com uma TAS de 2,166 g/l (após deduzido o valor do erro máximo admissível).
2) O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas e que se encontrava sob a influência do álcool em limites superiores aos legais e que nessas circunstâncias lhe estava vedada por lei a condução de veículos na via pública, no entanto, não se inibiu de o fazer.
3) O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é punida e proibida por lei.
Mais se provou que:
4) O arguido assumiu a prática dos antecedentes factos na sua totalidade.
5) O arguido reside com a progenitora, em casa arrendada pela qual paga €70,00.
6) O arguido aufere uma pensão de reforma no montante de €387,00 mensais.
7) Realiza alguns trabalhos esporádicos como bate-chapas.
8) A sua mãe aufere uma pensão no valor de €600,00 mensais, sendo a principal contribuidora para a subsistência do agregado.
9) Estudou até ao 4º ano de escolaridade
10) O arguido sofreu as seguintes condenações:
i. Por sentença proferida em .../.../2022 no processo 1707/21.4..., transitada em julgado em .../.../2022, foi o arguido condenado pela prática em .../.../2021 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €6,00 e na pena acessória de proibição de veículos a motor pelo período de 3 meses, tendo a primeira sido declarada extinta em .../.../2022 e a segunda em .../.../2022.
ii. Por sentença proferida em .../.../2022 no processo 1326/22.8... e transitada em julgado em .../.../2022, foi o arguido condenado pela prática em .../.../2022 de um crime de desobediência na pena de 80 dias de multa à taxa de €5,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 6 meses, tendo a primeira sido declarada extinta em .../.../2022 e a segunda em .../.../2023.
(fim de transcrição)
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2.2. Na sentença recorrida, a decisão sobre a matéria de facto foi motivada pela forma seguinte (transcrição):
O Tribunal formou a sua convicção baseando-se nas declarações do arguido, que confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe eram imputados, o que em conformidade com o disposto no artigo 344.º, n.º 2, alínea a) e b), implica a renúncia à produção de prova dos factos imputados e a consequente consideração destes como provados, razão por que se considerou assente a factualidade vertida em 1) a 3).
No que tange à concreta taxa de álcool no sangue apresentada pelo arguido, resultou a mesma apurada com base no resultado do talão de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado de onde resulta que o arguido conduzia com uma Taxa de 2,28g/l de Álcool no Sangue (TAS), em conjugação com o teor do certificado de verificação periódica.
Com efeito, constata-se que à referida TAS registada de 2,28g/l corresponde uma TAS apurada de 2,166 g/l, após dedução do erro máximo admissível, razão por que se deu como provada a factualidade atinente à mesma (em conformidade com o disposto na Portaria 366/2023, de 15 de novembro e as indicações da Recomendação da Organização de Metrologia Legal, OIML R 126).
Para apuramento da factualidade vertida em 4) atentou o Tribunal na postura do arguido em juízo, manifestando um juízo autocrítico quanto à sua conduta e assumindo integralmente a prática dos factos pelos quais vinha acusado, sem encetar tentativas de desresponsabilização.
Quanto ao enquadramento social e familiar que se consignou na factualidade vertida em 5) a 9), o tribunal valorou as declarações prestadas pelo arguido, confirmando-a de modo claro e que se afigurou plausível, conjugadas com o teor do relatório social junto aos autos e que a assevera.
A existência de antecedentes criminais expressa na factualidade vertida em 10) resultou do certificado de registo criminal do arguido, que a atesta.
(fim de transcrição)
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2.3. Na sentença recorrida, a opção pela pena de prisão, a determinação concreta da medida da pena, a suspensão da sua execução, e ainda a medida da pena acessória, foi motivada nos termos seguintes (transcrição):
A determinação da pena (em sentido amplo), comporta três operações distintas, a primeira correspondendo à determinação da moldura abstrata da pena, a segunda à escolha da pena, (quando o crime for punível, em alternativa, com pena privativa e não privativa da liberdade) e a terceira, à determinação concreta da pena.
Estabelece o artigo 70.º do Código Penal que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
No que tange ao crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punível pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, é o mesmo punido com é pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
Constatando-se que o crime pelo qual o arguido irá condenado é punível, em alternativa, com pena de prisão e pena de multa, cumprirá, antes de mais, realizar a operação de escolha da pena a aplicar.
Importa assim atentar no preceituado no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal que dita que: “A aplicação de penas e medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a integração do agente na sociedade.”
Emergem do citado preceito legal as duas finalidades das penas, designadas por finalidades de prevenção geral e finalidades de prevenção especial.
A primeira identifica-se com a necessidade de reposição e reforço das expectativas da comunidade, na vigência da norma violada pela prática da infração criminal, funcionando como mecanismo dissuasor da prática de futuros crimes.
A segunda faz apelo à necessidade de atuação sobre o arguido, visando a sua ressocialização e a consciencialização em adotar um comportamento conforme ao direito e à vida em sociedade.
São elevadas as exigências de prevenção geral no que respeita ao crime de condução em estado de embriaguez, havendo necessidade de repor a validade das normas violadas, dando um sinal à comunidade de que as normas estão em vigor.
Por seu turno, as exigências de prevenção especial são muito elevadas, considerando desde logo a existência de dois antecedentes criminais pela prática, por parte do arguido de crimes da mesma natureza do que aqui nos ocupa.
Assim, afigura-se que o cumprimento das exigências de prevenção, em qualquer uma das suas vertentes, não se compadece in casu com a opção de aplicação ao arguido de uma pena não privativa da liberdade, ou seja, de uma pena de multa, pelo que só uma pena de prisão se revela suficientemente dissuasora do cometimento de novos crimes.
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Medida concreta das penas
No domínio da determinação concreta das penas importa ter em consideração que aliado às finalidades de prevenção, se acha o princípio “nulla poena sine culpa”, ínsito no n.º 2 do artigo 40.º do Código Penal, que impõe que “em caso alguma a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”
A culpa e as finalidades de prevenção são assim os critérios imperativos a atender, aquando da determinação da medida concreta da pena. A este propósito ensina Figueiredo Dias que “o processo de determinação da pena é (e só pode ser) um puro derivado da posição tomada pelo ordenamento jurídico-penal em matéria de sentido, limites e finalidades da aplicação das penas.”
Convoca-se assim a ideia de Culpa como limite inultrapassável da pena, (cfr. artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal).
Neste particular ensina ainda Figueiredo Dias que “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efetivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar” – cfr. Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pág. 109 e seguintes.
Aqui chegados importa referir que, na determinação da pena concreta, os factos que cumprirá considerar, serão todos aqueles que, não havendo sido já tomados de antemão pelo legislador para a definição da moldura penal do crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele, porquanto tal redundaria numa dupla valoração (bis in idem), inadmissível à luz do nosso ordenamento jurídico-criminal, (cfr. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, Coimbra, pp. 232 e seguintes).
O artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal elenca, a título exemplificativo, alguns desses elementos a tomar em consideração, designadamente o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando esta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Atenta a escolha das penas realizada supra, temos que o crime de condução em estado de embriaguez é punido com pena de prisão até 1 ano.
A favor do arguido há que apreciar a confissão, integral e sem reservas dos factos que lhe eram imputados, atitude reveladora de juízo crítico sobre a sua conduta e, bem ainda a sua inserção familiar e familiar, sendo certo que as mesmas não aparentam ser suficientemente contentoras, no sentido de impedir o arguido de incorrer em novas práticas criminosas.
Contra o arguido milita o elevado grau de ilicitude, traduzida na elevadíssima taxa de álcool que o arguido apresentava no sangue e que supera em 0,966 g/l a taxa a partir da qual o legislador pine como crime a conduta. Contra o arguido há a ponderar ainda, a intensidade do dolo, porquanto direto, bem como os antecedentes criminais que regista no seu certificado, pela prática de dois crimes da mesma natureza.
Tudo sopesado reputa-se como justo adequado e proporcional aplicar ao pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, a pena de 5 (cinco) meses de prisão;
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Pena Acessória de Proibição de Conduzir Veículos Motorizados:
Ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez é ainda aplicável a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, prevista no artigo 69.º, nº 1, alínea a), do Código Penal.
No que concerne ao requisito da dependência da aplicação de uma pena acessória da pré-existência de uma pena principal, mostra-se o mesmo preenchido em face da determinação da aplicação ao arguido de uma pena principal.
Por outro lado, a determinação da medida da pena acessória obedece aos mesmos cânones que fundamentam a determinação concreta da medida da pena principal.
Renovando os argumentos já expendidos a propósito da escolha da pena principal, mostra-se adequada à culpa do arguido e necessária ao integral cumprimento das exigências de prevenção geral e especial em causa a aplicação da pena acessória de 8 meses de proibição de conduzir veículos a motor.
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O tribunal considera não ser de substituir a pena de prisão concretamente aplicada por pena de multa, nos termos permitidos pelo artigo 43.º do Código Penal por tal não se revelar adequado e suficiente às finalidades de prevenção geral e especial, nos termos exarados supra a propósito da escolha da pena.
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De acordo com o que estipula o artigo 58.º, n.º 1, do Código Penal, se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que esta forma de cumprimento da pena realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Sucede, porém, que as exigências de prevenção não se compadecem com a aplicação ao arguido de uma pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade, afigurando-se-nos que apenas a pena de prisão se poderá revelar suficientemente dissuasora da prática de ulteriores crimes.
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Suspensão da Execução da Pena de Prisão concretamente aplicada:
O artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, permite ao tribunal suspender “…a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Como refere Adelino de Palma Carlos (in “Os novos aspetos do Direito Penal”, pág. 185), “a finalidade máxima do chamado direito de punir é a defesa social (…) Se a sanção tem um fim educativo e readaptador (…) só haverá uma individualização perfeita e uma luta eficaz contra a criminalidade quando se permitir que a cada indivíduo seja aplicada a sanção especial de que ele carecer.”
Por outro lado, neste particular, deve dar-se prevalência a considerações de prevenção especial de socialização por serem sobretudo elas que justificam, da perspetiva da político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. A prevenção geral deve surgir aqui unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico.
No caso concreto, cumpre ponderar que o arguido regista já dois antecedentes criminais, relativamente recentes, pela prática de crimes da mesma natureza, sendo incontornável concluir que tais contactos judiciais não foram suficientes para impedi-lo de, sucessivamente, incorrer nas mesmas práticas, como resulta da factualidade provada e elencada supra.
Não obstante, considerando as condições pessoais do arguido, bem como as suas circunstâncias e este novo contacto com o sistema judicial, afigura-se que a ressocialização do arguido será mais profícua em meio natural de vida, sendo que se a pena for suspensa na sua execução, o arguido saberá que se cometer novo ilícito, poderá ver ser-lhe revogada a suspensão, com o consequente cumprimento da pena em estabelecimento prisional.
Considerando a personalidade do arguido e os seus antecedentes criminais, entende-se que numa derradeira oportunidade a conceder ao arguido de rever as suas condutas, adequando-as à vida em sociedade e conformes ao Direito, a suspensão da pena de prisão, desde que condicionada a regime de prova, ainda acautela realização das finalidades da punição, bem como à reinserção do arguido.
Por último, a suspensão deverá ser pelo período de um ano e seis meses, de modo a sedimentar no arguido a necessidade de adequar as suas condutas e colocar um ponto final neste caminho pernicioso que vem trilhando.
É neste único contexto, mediante o cumprimento de um regime de prova para a suspensão da execução da pena de prisão e no concreto período determinado, que o tribunal acredita que a mera censura penal e a ameaça da prisão são suficientes para satisfazer as finalidades da punição.
Termos em que o Tribunal suspenderá a pena de prisão de 5 (cinco) meses de prisão pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, subordinando-a a regime de prova baseado em plano a elaborar pela DGRSP.
(fim de transcrição)
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III. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.1. Da aplicação da pena de multa
Conclui o recorrente que deverá ser condenado na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 5,00.
Aduz o recorrente na sua motivação de recurso, em síntese, que:
- No entender do Recorrente a sua condenação a 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses, e 8 meses de sanção acessória de proibição de condução de veículos a motor, são manifestamente excessivas, exageradas e desadequadas, ofendendo e violando os critérios legais para determinar a medida da pena;
- O Recorrente em julgamento assumiu a prática dos factos, confessou, explicou o circunstancialismos em que os factos ocorreram, pediu perdão pela sua conduta, tendo prestado toda a colaboração com o Tribunal para a descoberta da verdade;
- O Recorrente de uma forma clara, expressa e de um modo totalmente verdadeiro referiu o arrependimento pela sua conduta, reconhecendo a gravidade da situação, reconhecendo que cometeu um crime;
- Nunca, em nome da proibição da condenação em excesso, a culpa do agente pode ser excedida por razões de prevenção geral ou especial;
- Na aplicação ao Recorrente da pena de 5 meses de prisão, suspensa por 1 ano e 6 meses e 8 meses de proibição de condução de veículos a motor, não foi tido em conta o facto do Recorrente estar totalmente integrado socialmente;
- As exigências de prevenção especial e geral nos presentes autos não justificam a condenação do Recorrente na pena de 5 meses de prisão, com a execução suspensa por 1 ano e 6 meses e à proibição de conduzir por 8 meses.
Prescreve o art. 292.º/1 do Código Penal, que prevê o crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, que:
1 - Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Estabelecendo-se em alternativa a pena de prisão e a pena de multa, por força do disposto no art. 70º do Código Penal, deverá ser dada preferência à pena não privativa da liberdade, desde que esta satisfaça adequadamente as finalidades da punição a que alude o art. 40º/1 do mesmo Código, designadamente, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez pretende proteger o bem jurídico segurança rodoviária e, indirectamente, outros bens jurídicos fundamentais jurídico-penalmente protegidos, como a vida, a integridade física e o património de outrem.
Ora, como bem se assinalou na sentença recorrida, as exigências de prevenção geral são muito elevadas neste tipo de crime, dadas as estatísticas da sinistralidade rodoviária e a frequência significativa com que o mesmo é cometido, assumindo o desrespeito pelas normas que tutelam a segurança rodoviária uma elevada danosidade social, sendo pois necessário que a pena a aplicar responda eficazmente a essas exigências, reforçando a consciência jurídica comunitária na revalidação da norma jurídico-penal violada.
E essas exigências serão tanto mais acrescidas quanto maior for a taxa de álcool no sangue com que o agente tenha empreendido a condução do veículo na via pública, na medida em que o grau de ilicitude do facto será tanto mais elevado quanto mais intensamente tenham sido atingidos os valores jurídico-penalmente protegidos com a incriminação.
Ora, a defesa da ordem jurídica e da paz social – o conteúdo mínimo da prevenção geral positiva – actua como limite às exigências de prevenção especial. Em caso de conflito, prevalecerá o conteúdo mínimo da prevenção geral positiva (Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed., pág. 93).
Assim, ainda que uma pena não detentiva se afigure adequada à reintegração do agente na sociedade, a sua aplicação deverá ser afastada quando em concreto a mesma se mostre inadequada e insuficiente para cumprir a finalidade de tutela do bem jurídico protegido com a incriminação estatuída no art. 40º/1 do Código Penal (ibidem; no mesmo sentido, Maia Gonçalves, CP Anotado, 16ª ed., pág. 249).
No caso concreto, o arguido conduzia com uma TAS de 2,166 g/l (após deduzido o valor do erro máximo admissível, a qual se revela já como muito significativa, sendo, por isso, acentuado o grau de ilicitude do facto cometido.
Por outro lado, os antecedentes criminais do recorrente demonstram que a aplicação da pena de multa não se mostrou dissuasora da prática do crime ora em causa.
Com efeito, encontra-se provado que:
- Por sentença proferida em .../.../2022 no processo 1707/21.4..., transitada em julgado em .../.../2022, foi o arguido condenado pela prática em .../.../2021 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 80 dias de multa à toa diária de €6,00 e na pena acessória de proibição de veículos a motor pelo período de 3 meses, tendo a primeira sido declarada extinta em .../.../2022 e a segunda em .../.../2022.
- Por sentença proferida em .../.../2022 no processo 1326/22.8... e transitada em julgado em .../.../2022, foi o arguido condenado pela prática em .../.../2022 de um crime de desobediência na pena de 80 dias de multa à taxa de €5,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 6 meses, tendo a primeira sido declarada extinta em .../.../2022 e a segunda em .../.../2023.
Face a tais condenações, constata-se que o arguido foi já solenemente advertido através de duas anteriores condenações judiciais, uma delas pelo mesmo exacto tipo de crime e, não obstante, voltou a praticá-lo, o que indica indubitavelmente a sua indiferença perante tais condenações e ainda a sua indiferença perante os bens jurídicos protegidos com a incriminação, ou seja, perante a segurança rodoviária, a vida e a integridade física de outrem, sabido que é significativamente potencializado o perigo de acidente pela condução sob o efeito do álcool.
Em conformidade, também as exigências de prevenção especial se revelam em concreto como significativas.
Consequentemente, não obstante a sua inserção social e profissional, é manifesto que a pena de multa, a qual já se demonstrou ser inapta para dissuadir o arguido da prática deste tipo de ilícito, não se mostra em concreto suficiente para responder de forma cabal às exigências de prevenção especial, nem tão pouco às de prevenção geral, impostas pela necessidade de reforço da confiança da comunidade na norma violada (neste sentido, em situações similares, v. Ac. da Relação de Guimarães de 20-11-2017, proferido no processo n.º 144/17.0GVVD.G1; Ac. da Relação de Coimbra de 10-07-2018, proferido no processo n.º 41/18.1PBCLD.C1; Ac. da Relação de Lisboa de 2-03-2021, proferido no processo n.º 1198/20.7SILSB.L1-5).
E se é certo que a pena de prisão apenas em ultima ratio deverá ser aplicada, certo é igualmente que não poderá deixar de o ser quando as particulares exigências de prevenção a imponham, como manifestamente sucede no caso concreto.
Assim, o tribunal a quo não poderia deixar de concluir como concluiu: o cumprimento das exigências de prevenção, em qualquer uma das suas vertentes, não se compadece in casu com a opção de aplicação ao arguido de uma pena não privativa da liberdade, ou seja, de uma pena de multa, pelo que só uma pena de prisão se revela suficientemente dissuasora do cometimento de novos crimes.
Não merece assim qualquer censura a opção pela pena de prisão em detrimento da pena de multa, nos termos decididos na sentença recorrida, pelo que improcede neste segmento o recurso.
*
3.2. Da medida concreta da pena
Para apreciação da questão da determinação da medida concreta da pena, importa considerar o disposto nos art.s 40º e 71º do Código Penal.
Preceitua o art. 40º/1 e 2 do Código Penal que:
Finalidades das penas e das medidas de segurança
1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Dispõe o art. 71º/1 e 2 do Código Penal:
Determinação da medida da pena
1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Da análise conjugada de tais normativos resulta que a medida da culpa define o limite máximo da medida da pena concreta, funcionando as exigências de prevenção geral como seu limite mínimo, dentro da moldura abstracta aplicável ao tipo de crime, necessário à revalidação da norma jurídico-penal violada pela conduta do agente.
Assim, como se elucida no Ac. do STJ de 6-04-2022, proferido no processo n.º 192/19.5JAPDL.S1: a culpa, segundo a função que lhe é político-criminalmente determinada, constitui condição necessária de aplicação da pena e limite inultrapassável da sua medida. Dentro do limite máximo permitido pela culpa, a pena deve ser determinada no interior de uma moldura de prevenção geral positiva, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral positiva, a medida da pena será encontrada em função de exigências de prevenção especial, maxime, de socialização.
De igual modo, no Ac. do STJ de 23-09-2010, proferido no processo n.º 1687/04.0GDLLE.E1.S1, se esclarece que: As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.
Concretizando os critérios enunciados no citado art. 71º, os mesmos poderão ser perspectivados como:
- aqueles atinentes ao grau de ilicitude e que contendem com as referidas exigências de prevenção geral (como sejam o grau de violação ou perigo de violação do interesse ofendido; o número de interesses ofendidos e suas consequências, a eficácia dos meios de agressão utilizados),
- aqueles reportados ao grau de culpa (designadamente, o grau de violação dos deveres impostos ao agente; o grau de intensidade da vontade criminosa; os sentimentos manifestados no cometimento do crime; os fins ou motivos determinantes; a conduta anterior e posterior; a personalidade do agente),
- e ainda aqueles que se referem à influência da aplicação da pena sobre a pessoa do agente, ou seja, às exigências de prevenção especial, mormente, as condições pessoais do agente e a sua situação económica (v. sobre esta questão, Manuel José Carilho de Simas Santos e Pedro Freitas, Dosimetria da Pena: Fundamentos, Critérios e Limites, disponível em https://ciencia.ucp.pt/ws/portalfiles/portal/32291767/eb_DecisaoPenal_69_105.pdf, pág.s 84 e 85).
Afigura-se ainda útil e pertinente recordar ao recorrente quais os efeitos do álcool no exercício da condução, citados no Ac. da Relação de Coimbra de 16-05-2018, proferido no processo n.º 83/17.4GDSRT.C1 (disponíveis no site da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (em www.ansr.pt/segurancarodoviaria/informacao: documentos - álcool e condução):
I -Audácia incontrolada: - (Um dos primeiros efeitos do álcool é o frequente estado de euforia, sensação de bem-estar e optimismo, com a consequente tendência para sobrevalorizar as próprias capacidades, quando, na realidade, estas já se encontram diminuídas. É, talvez, um dos estados mais perigosos);
II - Perda de vigilância em relação ao meio envolvente: - (Sob a influência do álcool as capacidades de atenção e de concentração do condutor ficam diminuídas);
III - Perturbação das capacidades sensoriais, particularmente as visuais: - (A presença de álcool no sangue reduz a acuidade visual, quer para perto, quer para longe e leva à alteração dos contornos dos objectos, quer estáticos, quer em movimento. A visão estereoscópica é prejudicada, ficando o condutor incapaz de avaliar correctamente as distâncias e as velocidades. A visão nocturna e crepuscular fica reduzida. O tempo de recuperação após encadeamento aumenta. Estreitamento do campo visual. O campo visual vai diminuindo com a eliminação progressiva da visão periférica (lateral) podendo, com o aumento da intoxicação alcoólica, chegar à visão em túnel, situação em que a visão do condutor abrange única e exclusivamente um ponto à sua frente, reduzindo, assim, a fonte de informação contida no espaço. Estudos efectuados sobre o campo de visão, a uma velocidade estabilizada, comprovam que este sofre, com uma TAS de 0,50g/l, uma redução de cerca de 30%. Pequenos aumentos da TAS traduzem-se em grandes reduções do campo visual);
IV - Perturbação das capacidades perceptivas: (A identificação da informação, recebida pelos órgãos dos sentidos, fica prejudicada e torna-se mais lenta);
V - Aumento do tempo de reacção: (…) as bebidas alcoólicas ingeridas pelo condutor afectam, ao nível do cérebro e do cerebelo, as capacidades perceptivas e cognitivas, as capacidades de antecipação, de previsão e de decisão, e as capacidades motoras de resposta a um dado estímulo, podendo afectar o próprio equilíbrio. Fica assim incapaz de avaliar correctamente as diferentes situações de trânsito pelas dificuldades na recolha de informação, na sua análise e ainda na tomada de decisão da resposta motora adequada e na sua concretização (…);
VI - Lentificação da resposta reflexa;
VII - Diminuição da resistência à fadiga: (O álcool desempenha um verdadeiro papel analgésico no nível dos centos nervosos e se, numa determinada fase, pode contribuir para criar um estado de euforia, este é posteriormente substituído por uma de fadiga intensa que pode chegar até ao entorpecimento. Da mesma forma, o álcool potencia o estado de fadiga quando este já se faz sentir);
VIII - O risco de envolvimento em acidente mortal aumenta rapidamente à medida que a concentração de álcool no sangue se torna mais elevada:
0,50g/l.............o risco aumenta 2 vezes;
0,80g/l.............o risco aumenta 4 vezes;
0,90g/l.............o risco aumenta 5 vezes;
1,20g/l.............o risco aumenta 16 vezes.
Por outro lado, também como refere Jª Gisbert Galabuig, in Medicina Legal e Toxicologia – Salvat Editores, SA, 4ª Edição, Barcelona, “não se pode esquecer que numa taxa de álcool no sangue acima de 2 gr/l, pode afirmar-se a realidade da embriaguez, sem a presença de qualquer outro dado clínico.”
Argumenta o recorrente na sua motivação de recurso que o tribunal a quo não avaliou e valorou corretamente a postura do Recorrente em julgamento, o qual teve uma postura de total colaboração com o Tribunal para a descoberta da verdade, tendo confessado a prática dos factos, mostrando-se verdadeiramente arrependido da sua conduta.
Sucede que o invocado arrependimento não encontra sustentação na factualidade provada, pelo que tal alegação se revela inócua na apreciação do presente recurso.
Argumenta ainda o recorrente que: O Tribunal “a quo” não levou em conta o enquadramento social e de vida e o facto do Recorrente ser doente oncológico, doença que o obrigou a se reformar aos 49 anos, e a qual ainda obriga o Recorrente a ser seguido regularmente no ....
Ora, tal alegação encontra-se igualmente carecida de demonstração, pelo que apresenta como irrelevante no caso sob análise.
Por outro lado, considerando os critérios de determinação da pena enunciados, se analisada em concreto a conduta adoptada pelo recorrente julgada provada, bem como os factos atinentes às suas condições de vida e antecedentes criminais, não poderá deixar de considerar-se que na sentença recorrida foram ponderados de forma adequada os factores que norteiam a determinação da medida concreta da pena, e as exigências de prevenção geral e especial.
Recorde-se o seguinte excerto constante da fundamentação exarada na sentença recorrida:
(…) A favor do arguido há que apreciar a confissão, integral e sem reservas dos factos que lhe eram imputados, atitude reveladora de juízo crítico sobre a sua conduta e, bem ainda a sua inserção familiar e familiar, sendo certo que as mesmas não aparentam ser suficientemente contentoras, no sentido de impedir o arguido de incorrer em novas práticas criminosas.
Contra o arguido milita o elevado grau de ilicitude, traduzida na elevadíssima taxa de álcool que o arguido apresentava no sangue e que supera em 0,966 g/l a taxa a partir da qual o legislador pune como crime a conduta. Contra o arguido há a ponderar ainda, a intensidade do dolo, porquanto direto, bem como os antecedentes criminais que regista no seu certificado, pela prática de dois crimes da mesma natureza.
Na verdade, encontra-se provado que no dia ...-...-2024 o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros ..., de matrícula ..-..-LG, com uma TAS de 2,166 g/l (após deduzido o valor do erro máximo admissível), a qual, como atrás se enfatizou, é já elevadíssima e altamente potenciadora do perigo de lesão dos bens jurídicos que a norma incriminadora visa proteger.
Além disso, provou-se que: O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas e que se encontrava sob a influência do álcool em limites superiores aos legais e que nessas circunstâncias lhe estava vedada por lei a condução de veículos na via pública, no entanto, não se inibiu de o fazer.
O arguido agiu, assim, dolosamente, tal como se conclui na sentença recorrida.
Acresce que, como resulta do acima exposto, o mesmo havia já sido condenado pelo mesmo tipo de crime.
Face a tal factualidade, é necessariamente elevado o grau de culpa com que agiu o recorrente.
Por outro lado, reitera-se, é elevadíssima a taxa de álcool com que o recorrente conduzia, sendo intensa a violação do bem jurídico jurídico-penalmente protegido pela norma incriminadora.
Pelos fundamentos já atrás enunciados, mostram-se elevadas as exigências de prevenção geral, bem como de prevenção especial.
A confissão do arguido não assume em concreto especial relevância, quando é certo que o mesmo foi alvo de uma acção de fiscalização pela GNR, tal como consta do auto de notícia junto aos autos.
Contudo, tal confissão foi devidamente ponderada pelo tribunal a quo, assim como o foi a inserção social do aqui recorrente, como evidencia o excerto da fundamentação atrás transcrito.
Ponderadas todas as circunstâncias do caso concreto, considerando o intenso grau de culpa e as elevadas exigências de prevenção geral e especial, a pena aplicada na sentença recorrida, situada próxima do nível intermédio da moldura penal abstracta aplicável, mostra-se adequada, necessária e proporcional à gravidade do crime cometido e à culpa do recorrente.
Deste modo, não ocorreu a violação de qualquer preceito legal, nomeadamente os invocados pelo recorrente, na determinação concreta da pena de prisão aplicada, a qual não merece assim qualquer censura.
Em conformidade, neste segmento, deverá ser negado provimento ao recurso interposto.
*
3.3. Da medida da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor
Pretende o recorrente que a pena acessória de inibição de conduzir seja reduzida para cinco meses, reputando-a, tal como a pena de prisão concretamente aplicada, de excessiva e desproporcionada.
Não aduz, contudo, o recorrente na sua motivação quaisquer fundamentos concretos que sustentem de forma específica essa sua pretensão, reconduzindo-os assim aos motivos por si anteriormente expostos para fundamentar a também pretendida redução da pena de prisão aplicada.
Dispõe o art. 69º do Código Penal, para o que releva no presente recurso, que:
Proibição de conduzir veículos com motor
1 - É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:
a) Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º;
A pena acessória tem como objectivo principal a prevenção da perigosidade do agente (v. a esse propósito e nesse sentido: Ac. da Relação de Coimbra de 22-05-2019, proferido no processo n.º 525/18.1GBPBL.C1; Ac. da Relação de Guimarães de 28-10-2019, proferido no processo n.º 156/19.GAVNF.G1).
Tal pena acessória tem como pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável (Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 4.ª reimp., pág. 164).
Por outro lado, a medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor deverá ser fixada atendendo às circunstâncias que fundamentaram a determinação da pena principal, designadamente as razões de prevenção especial e geral e o grau de culpa do agente (v. neste sentido, entre outros, o Ac. Relação de Lisboa de 20-02-2019, proferido no processo n.º 236/18.8PCPDL.L1-3, o Ac. da Relação de Coimbra de 22-05-2019, acima citado; o Ac. da Relação do Porto de 1-07-2009, proferido no processo n.º 1266/04.2PAESP.P1).
Aliás, nesse sentido se pronunciou, quanto à determinação da medida das penas acessórias, o STJ, no acórdão para fixação de jurisprudência n.º 2/2018, de 11-01-2018 (publicado Diário da República n.º 31/2018, Série I, de 2018-02-13): Porque de verdadeiras penas se trata, torna-se indispensável que, enquanto instrumentos de política criminal, ganhem um específico conteúdo de censura do facto, por aqui se estabelecendo a sua necessária ligação à culpa, sendo que a respectiva medida, dentro da moldura legal, deve obedecer aos critérios legais gerais de fixação da medida concreta.
E neste mesmo sentido decidiu o tribunal a quo: a determinação da medida da pena acessória obedece aos mesmos cânones que fundamentam a determinação concreta da medida da pena principal. Renovando os argumentos já expendidos a propósito da escolha da pena principal, mostra-se adequada à culpa do arguido e necessária ao integral cumprimento das exigências de prevenção geral e especial em causa a aplicação da pena acessória de 8 meses de proibição de conduzir veículos a motor.
Ora, ponderando o elevado grau de ilicitude dos factos perpetrados, evidenciado pela taxa elevada com que conduzia, com as consequentes elevadas exigências de prevenção geral atrás explanadas, associadas às elevadas exigências de prevenção especial decorrentes dos antecedentes criminais do recorrente por crime violador do mesmo bem jurídico, impõe-se que a pena acessória se afaste substancialmente do limite mínimo da moldura abstracta aplicável.
No mesmo sentido aponta o elevado grau de culpa com que agiu o recorrente.
Afirma o recorrente, ainda que apenas nas conclusões, que: sendo um verdadeiro cuidador da sua mãe, sendo que, também por isso, o poder conduzir é de manifesta importância.
Contudo, como decorre do atrás exposto, a determinação concreta da medida da pena acessória obedece aos citados critérios legalmente fixados, sendo para o efeito irrelevante a natureza da profissão exercida pelo agente ou a sua maior ou menor necessidade de conduzir veículos na sua vida diária.
A determinação da medida da pena acessória depende apenas da medida da culpa e das exigências de prevenção, sendo irrelevantes as concretas consequências negativas que a proibição de conduzir veículos a motor represente para o agente.
Como se salientou no Ac. da Relação de Évora de 27-09-2011, proferido no processo n.º 249/11.0PALGS.E1: atenta a natureza do crime em questão, com a inerente perigosidade decorrente da conduta nele pressuposta, surge como adequada e proporcional a sanção de proibição de conduzir, mesmo que dela possa decorrer, no caso concreto, a perda de emprego por parte do arguido. Os custos, de ordem profissional e/ou familiar, que poderão advir para o arguido do facto de a proibição de conduzir em causa afectar o seu emprego, são próprios das penas, que só o são se representarem para o condenado um verdadeiro e justo sacrifício, com vista a encontrarem integral realização as finalidades gerais das sanções criminais, sendo que tais custos nada têm de desproporcionados em face dos perigos para a segurança das outras pessoas criados pela condução em estado de embriaguez e que a aplicação da pena pretende prevenir.
Igualmente no Ac. da Relação de Évora de 5-06-2018, proferido no processo n.º 1262/16.7GBLLE.E1: Se bem que, admite-se, a sua situação profissional, através da aplicação da sanção, seja perturbada, redundando para si em sacrifício, este funda-se na prática dos factos e não de forma arbitrária ou discriminatória, já que tem por subjacente a sua responsabilidade e a sua culpa. Acresce que nem mesmo se compreenderia que, consoante a profissão de alguém, ainda que, no caso, motorista, se atingissem resultados diferentes e finalidades diversas, estranhamente concedendo-se benefício a quem, como o recorrente, afinal, uma maior censura merece, pela inerente importância que, para si tinha, a actividade de conduzir.
Nestes termos, a eventual essencialidade que o exercício da condução represente na vida do recorrente em nada releva no que respeita à fixação da medida da pena acessória em concreto a aplicar.
E se a proibição de conduzir envolve um prejuízo para o recorrente, esse sacrifício é o resultado da aplicação da pena como consequência do crime que cometeu: esse sacrifício é inerente à pena, constituindo o efeito inevitável e necessário da sua aplicação e, por isso, esta funciona como dissuasora da reiteração criminal, quer em termos de prevenção especial, quer em termos de prevenção geral.
Assim, a pena acessória concreta de oito meses fixada na sentença recorrida, mostra adequação e proporcionalidade, atendendo aos critérios legais de determinação das penas, além de que, de modo algum, ultrapassa a medida da culpa.
Aliás, tal pena mostra-se em consonância com as decisões que vêm sendo proferidas pelos Tribunais da Relação.
Tal como consta do acórdão proferido no processo n.º 22/24.6PDSCR.L1, também relatado pela aqui Relatora e a título de exemplo:
- no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17-04-2023, no Processo n.º 99/22.9PTBRG.G1 (Relator: CRUZ BUCHO): a pena acessória foi fixada em nove meses, tendo em consideração, designadamente, a T.A.S. de 2.756, o dolo elevado, na modalidade de dolo directo, o arguido não antecedentes criminais, encontra-se inserido social, familiar e profissionalmente, e confessou os factos por forma integral e sem reservas (v. ainda os vários arestos aí citados);
- no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-01-2025, no Processo n.º 247/24.4PBPTG.E1 (Relator: ARTUR VARGUES): no caso de um arguido com uma TAS (de, pelo menos, 1,463g/l), ausência de antecedentes criminais e com situação social e profissional estável, entendeu-se que não se mostra desadequada ou excessiva a graduação da pena acessória em 4 meses e 15 dias de proibição de condução de veículos com motor decidida pelo tribunal recorrido (v. ainda os vários arestos aí citados);
- no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-05-2018, no Processo n.º 83/17.4GDSRT.C1 (Relator: LUÍS TEIXEIRA): para uma situação em que a taxa de álcool no sangue apresentada era de 2,926 g/l, correspondente à taxa registada de 3,08g/l, uma vez deduzido o valor de erro máximo, um arguido sem antecedentes criminas, que confessou os factos de livre vontade, teve em audiência uma postura humilde e mostrou-se arrependido, foi condenado em 8 (oito) meses de inibição de conduzir (v. ainda os vários arestos aí citados);
- no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-07-2024, no Processo n.º 193/22.6GAVNG.P1 (Relator: PAULA NATÉRCIA ROCHA): numa situação em que a taxa de álcool no sangue foi de 1,938 g/l registada, o arguido não tinha antecedentes criminais registados, com confissão, foi fixada a pena acessória em 6 (seis) meses;
- no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-06-2023, no Processo n.º 1025/22.0PBSNT.L1-5 (Relator: DD), citaram-se os seguintes arestos jurisprudenciais:
- O Acórdão do TRE de 20-01-2004, Processo n.º 1880/03-1, disponível in www.dgsi.pt, que confirmou a decisão que aplicou ao arguido, que apresentava uma TAS de 1,79 g/l, uma inibição de conduzir pelo período de 6 (seis) meses;
- O Acórdão do TRG de 28-05-2007, Processo n.º 598/07-2, disponível in www.dgsi.pt, que confirmou a decisão que aplicou ao arguido, que apresentava uma TAS de 1,56 g/l, uma inibição de conduzir pelo período de 6 (seis) meses;
- O Acórdão do TRL de 08-06-2005, Processo n.º 0446667, disponível in www.dgsi.pt, que confirmou a decisão que aplicou ao arguido uma inibição de conduzir pelo período de 4 (quatro) meses, não obstante ele apresentar uma TAS de 1,27 g/l;
- O Acórdão do TRL de 12-09-2007, Processo n.º 4743/2007-3, disponível in www.dgsi.pt, que aplicou ao arguido uma inibição de conduzir pelo período de 10 (dez) meses, não obstante ele ser primário, e apresentar uma TAS de 1,95 g/l;
- O Acórdão do TRL de 15-02-2003, Processo n.º 5627/2003‑5, disponível in www.dgsi.pt, que confirmou a decisão que aplicou ao arguido, que apresentava uma TAS de 1,56 g/l, uma inibição de conduzir pelo período de 6 (seis) meses;
Neste último acórdão consignou-se que: perante a elevada ilicitude do facto, revelada pelo elevado grau de alcoolémia de que a arguida era portadora [TAS de 1,628 g/l] – com necessário reflexo na perigosidade da condução e Perante a referida jurisprudência, in casu, a pena acessória aplicada à arguida pelo período de 4 meses, a revelar-se desajustada seria por defeito e não por excesso;
- no Acórdão do Tribunal da Relação de 11-12-2018, no Processo n.º 132/18.9PFBRR.L1-3 (Relator: NUNO COELHO), para uma situação em que a T.A.S. se cifrou em 2,242 g/l, ponderada a inserção social, familiar e económica do arguido, ausência de antecedentes criminais e a ausência de lesões ou danos para terceiros em face da prática do crime, entendeu-se que 5 meses de proibição de condução, quando o mínimo é de 3 meses, (…) se pode considerar benevolente.
Nestes termos, contrariamente ao pugnado pelo recorrente, a pena acessória concreta aplicada na sentença recorrida mostra-se adequada, necessária e proporcional face às circunstâncias do caso concreto, não nos merecendo qualquer censura.
Conclui-se, assim, ser de manter a pena acessória fixada na sentença recorrida, pelo que também neste segmento deverá improceder o presente recurso.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de ... em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se na íntegra a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo do recorrente, fixando-se em três U.C.s a taxa de justiça (art. 513º/1 do Código de Processo Penal), sem prejuízo do apoio judiciário de que eventualmente beneficie.
Notifique.

Lisboa, 8 de Maio de 2025
(anterior ortografia, salvo as transcrições ou citações, em que é respeitado o original)
Elaborado e integralmente revisto pela relatora (art.º 94.º n.º2 do C. P. Penal)
Assinado digitalmente pela relatora e pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos
Paula Cristina Bizarro
Ivo Nelson Caires B. Rosa
Diogo Coelho de Sousa Leitão