Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12745/21.7T8SNT-A.L2-6
Relator: VERA ANTUNES
Descritores: ACTA
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
TÍTULO EXECUTIVO
LEI INTERPRETATIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A interpretação do art.º 6º do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro - Regime da Propriedade Horizontal, na versão em vigor à data da entrada em juízo da execução, do Decreto-Lei n.º 81/2020, de 2 de Outubro, sobre o que se deve entender por “montante das contribuições devidas ao condomínio e quaisquer outras despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio” deu origem a uma clara divisão entre a jurisprudência, naquilo que se entendia como uma interpretação restritiva e uma interpretação extensiva da norma.
II - Colocava-se ainda a questão de saber se a acta podia constituir título executivo para contribuições extraordinárias, enquanto integradas na previsão quaisquer outras despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum.
III - Outro motivo de controvérsia prendia-se com a executoriedade da acta que previa a aplicação de penalizações ao condómino incumpridor, entendendo parte da jurisprudência que tais quantias se encontravam abrangidas pela norma e parte da jurisprudência a rejeitar tal possibilidade.
IV- Atentas estas divergências e questões suscitadas, esta norma veio a ter nova redacção conferida pela Lei n.º 8/2022, de 10/01.
V - Com a entrada em vigor desta Lei, novas questões se colocaram, desta vez sobre o carácter interpretativo ou, pelo contrário, inovador da nova redacção da norma.
VI – Quanto às sanções de natureza pecuniária, a Lei assume uma dimensão meramente interpretativa.
VII - Quanto às contribuições extraordinárias, já se entende que a lei não pode deixar de revestir um carácter inovatório, deixando de ter a acta a função de título executivo quanto a estas, mas não se podendo negar essa qualidade a actas aprovadas em data anterior à da e.v. da Lei.
VIII - Quanto ao que sejam contribuições devidas ao condomínio, entende-se que a Lei n.º 8/2022 reveste um carácter interpretativo, visando acabar com a divergência entre a posição que admitia que uma acta que se limitasse a inventariar as dívidas do condómino podia servir de título executivo e os que entendiam que apenas revestiam essa qualidade as actas que contivessem a deliberação sobre o montante da contribuição periódica ao condomínio, com menção do modo de cálculo, atribuição a cada condómino (nomeadamente tendo em conta a permilagem), prazo e modo de pagamento.
IX - Aquilo que deve constar do título é a constituição da obrigação e esta apenas nasce com a deliberação, validamente formada, que fixa o conteúdo dessa obrigação e não a simples declaração, tomada pelo credor, do montante que considera ser devido.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. Relatório:
AA deduziu, por apenso à execução sumária (para pagamento de quantia certa) na qual figura como executado, os presentes embargos de executado contra o aí exequente Condomínio do prédio sito na Rua A, Massamá Norte invocando a ilegitimidade e a inexequibilidade do título executivo.
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Liminarmente admitidos os embargos o exequente contestou pugnando pela improcedência.
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Findos os articulados, foi realizada tentativa de conciliação e proferido saneador sentença, o qual foi declarado nulo por Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, determinando-se a observância do contraditório, para tanto realizando Audiência Prévia nos termos do art.º 591º, n.º 1, b) do Código de Processo Civil, ou para os efeitos que o tribunal de 1ª Instância viesse a determinar por pertinentes.
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Foi realizada audiência prévia e proferido novo Saneador-Sentença onde a final se decidiu julgar procedentes os presentes embargos de executado e se determinou a extinção da execução - artigo 732º, nº4 do CPC.
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Desta decisão recorreu o exequente, formulando as seguintes Conclusões:
“1. O presente recurso visa colocar em crise a sentença proferida pelo Juiz 1, do Juízo de Execução de Sintra que julgou procedentes os embargos de executado e determinou a extinção da execução.
2. Constitui título executivo da presente execução a ata assinada por todos os condóminos do embargado, com exceção do condómino embargante, decorrente de uma assembleia de condóminos realizada no dia 16 de janeiro de 2021.
3. A sentença recorrida julgou assentes os seguintes factos:
“Na assembleia geral de condóminos do prédio, realizada em 16 de janeiro de 2021 (acta nº18), foi imputado ao executado os seguintes valores:
a) Quotas relativas ao período de janeiro de 2016 a agosto de 2021, referente à garagem nº 3 que corresponde à letra “C” do prédio urbano sito na Rua A, Massamá Norte , no valor total de €500,00;
b) Quotas relativas ao período de janeiro de 2014 a agosto de 2021, referente à garagem nº 4 que corresponde à letra “D” do prédio urbano sito na Rua A, Massamá Norte , no valor total de €310,00;
c) Quota extraordinária para reparação do Portão exterior do acesso à garagem do edifício, no valor de €195,19;
d) Reposição de verbas alegadamente utilizadas sem autorização … durante o período em que o Executado desempenhou a função de administrador do condomínio, no valor de €1 745,00;
e) Totalidade das despesas judiciais pagas pelo Exequente, referentes a processo n.º 88001/19.5YJPRT que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, no Juízo Local Cível de Sintra, instaurado pelo Executado contra o Exequente, no valor de €2 838,52.;
f) Penalização pecuniária, relativa ao período de janeiro de 2016 a agosto de 2021, referente à garagem nº 3 que corresponde à letra “C” do prédio urbano sito na Rua A, Massamá Norte , no valor total de €92,00;
g) Penalização pecuniária, relativa ao período de janeiro de 2014 a agosto de 2021, referente à garagem nº 4 que corresponde à letra “D” do prédio urbano sito na Rua A, Massamá Norte , no valor total de €46,00;
h) Penalização pecuniária, relativa ao período de novembro de 2011 a Agosto de 2021, referente à fração Cave Esquerda que corresponde à letra “F” do prédio urbano sito na Rua A, Massamá Norte , no valor de €292,50;
i) Penalização pecuniária relativa a Reposição de verbas alegadamente utilizadas sem autorização na durante o período em que o Executado desempenho a função de administrador do condomínio, no valor de €174,50;
j) Penalização pecuniária relativa à totalidade das despesas judiciais pagas pelo Exequente, referentes ao processo n.º 88001/19.5YJPRT que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, no Juízo Local Cível de Sintra instaurado pelo Executado contra o Exequente, no valor de € 283,85; cfr. ata que aqui se dá por integralmente reproduzida.”
4. A decisão recorrida decidiu julgar procedente a insuficiência do título executivo invocada pelo embargante embora tenha identificado, devidamente, o teor da ata que constituiu o título executivo da execução e que a decisão não poderia ter ignorado, sob pena de nulidade, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC.
5. Diz este preceito legal que é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
6. Tal insuficiência do título executivo não poderia ter colhido qualquer vencimento na medida em que a própria sentença recorrida até identificou, devidamente, essas despesas, o seu montante e forma de as repartir na ata apresentada pelo exequente como título executivo, nomeadamente nas alíneas a) a j) do nº 3 dos factos julgados assentes pela própria sentença recorrida.
7. É totalmente impercetível o que quis dizer a sentença recorrida quando refere que, na ata apresentada, não foi deliberado certos tipos de despesas, seu montante e forma de as repartir, se anteriormente a sentença recorrida julgou como factos assentes essas despesas, seu montante e forma de as repartir.
8. Aí reside a contradição e a ambiguidade que a sentença deixa, manifestamente, transparecer, sendo por essa via nula nos termos do artigo 615º, nº 1 alínea c) do CPC.
9. Tendo em conta os factos julgados assentes pela própria sentença recorrida não descortinamos que as ata da assembleia de condóminos realizada no dia 16 de janeiro de 2021 prejudique a sua qualidade de título executivo à luz do artigo 6º do DL nº 268/94 e do relatório desse mesmo Decreto Lei.
10. E que o artigo 703º, nº 1 d) do CPC acolhe enquanto título executivo.
11. O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre esta matéria no acórdão 84/2015 proferido em 28 de janeiro de 2015, acessível no link do sítio da internet desse Tribunal https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150084.html.
12. Neste acórdão é defendido o seguinte:
“Concedemos que o título ora em causa se resolve em parte numa mera certificação ou declaração de dívida, mas não encontramos que isto prejudique a sua qualidade de título executivo à luz do art. 6º do DL nº 268/94. Pois que, tal como se sustenta no acórdão da RP de 2.6.1998 (Col Jur, 1998, III, p. 191), vistos os objetivos anunciados no relatório do DL nº 268/94, seria absurdo e contraditório que se restringisse a força executiva às atas em que se deliberasse o montante da quota-parte da contribuição de cada condómino, e daqui que “a expressão «contribuições devidas ao condomínio» tem o sentido de «contribuições em dívida ao condomínio», isto é, vencidas e não pagas (...).
Como tal, (...) toda a ata da assembleia de condóminos em que se delibere que, em determinado momento, este ou aquele condómino tem em dívida determinados montantes resultantes de contribuições ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, pode servir como título executivo (...) contra o devedor relapso.”
13. A própria sentença recorrida parece acolher esta ideia quando invoca (no segundo e no último parágrafo da página 7) Sandra Passinhas in, “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, que na página 310, escreve:
“Nos termos do artigo 6° do DL 268/94, a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportados pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
Parece-nos que deve ser amplo o campo de aplicação da expressão “contribuições devidas ao condomínio”, incluindo as despesas necessárias à conservação e à fruição das partes comuns do edifício, as despesas com as inovações, as contribuições para o fundo comum de reserva, o pagamento do prémio do seguro contra o risco de incêndio, as despesas com a reconstrução do edifício e as penas pecuniárias fixadas nos termos do artigo 1434º”.
14. Por outro lado, a sentença recorrida, na sua essência, mais não é do que a repetição da sentença proferida pelo mesmo Tribunal e pela mesma Juiz em 1 de novembro de 2022 a qual foi objeto de recurso, julgado procedente.
15. Às contradições da sentença recorrida, supra invocadas, juntam-se outras contradições de decisões proferidas pelo Tribunal a quo que inquinam a decisão recorrida, por os seus fundamentos estarem em oposição com outra decisão, nos termos do artigo 615º, nº 1 alínea c) do CPC, como passamos a demonstrar.
16. Este Venerando tribunal anulou esta anterior sentença, por decisão proferida em 9 de fevereiro de 2023, determinando ainda que os autos prosseguissem os seus trâmites, com observância do contraditório, para tanto realizando Audiência Prévia nos termos do artigo 591º, nº 1, b) do Código de Processo Civil, ou para os efeitos que o tribunal de 1º Instância venha a determinar por pertinentes.
17. No cumprimento desta decisão o Tribunal a quo agendou audiência prévia, tanto deste apenso A, como do apenso B deste processo (onde o recorrido se tinha oposto à penhora) para o dia 23 de março de 2023.
18. A sugestão do Meritíssimo Juiz que presidiu a essa audiência prévia, o exequente não se opôs ao levantamento da penhora sobre saldos bancários desde que fosse mantida a penhora sobre a fração "C"; o que foi decidido.
19. Em 14 de julho de 2023, no seguimento da realização desta audiência prévia, foi proferido o seguinte despacho (referência 145596027):
“Oficie o proc. Nº 8695/21.5T8SNT que corre termos neste tribunal, Juízo Local Cível de Sintra - Juiz 4, solicitando que informe se já foi proferida decisão final e, na positiva, remeter a mesma.”
20. Em 17 de julho de 2023, no cumprimento deste despacho a secretaria remeteu ao Juízo Local Cível de Sintra - Juiz 4 o seguinte pedido (referência 145610200):
“Solicita-se ao Mmº Juiz titular, que determine a prestação de informação sobre se já foi proferida decisão final nos vossos autos supra identificados e, na afirmativa, o envio de cópia da mesma, a fim de instruir o/a Embargos de Executado (2013) 12745/21.7T8SNT-A.
O mesmo foi ordenado pelo Mmº Juiz de Direito Dr(a). Ana Graça Facha”.
21. Em 18 de julho de 2023, o Juiz 4 do Juízo Local Cível de Sintra informou que o processo se encontrava a aguardar decisão quanto ao mérito da causa no saneador e foram apresentadas alegações das partes (referência 23777663).
22. Em 20 de setembro o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho (referência 146332860):
“Aguarde por 20 dias e, novamente, solicite informação antecedente.”
23. Em 20 de outubro de 2023, no cumprimento deste despacho a secretaria remeteu ao Juízo Local Cível de Sintra - Juiz 4 o seguinte pedido (referência 145610200):
“Solicita-se ao Mmº Juiz titular, que determine a prestação de informação sobre se já foi proferida decisão final nos vossos autos supra identificados e, na afirmativa, o envio de cópia da mesma, a fim de de instruir o/a Embargos de Executado (2013) 12745/21.7T8SNT-A.
O mesmo foi ordenado pelo Mmº Juiz de Direito Dr(a). Ana Graça Facha”.
24. Em 24 de outubro de 2023, o Juiz 4, do Juízo Local Cível de Sintra informou que no processo ainda não tinha sido proferido saneador-sentença, estando os autos a aguardar pela junção de documentos por parte do autor (referência 24301739).
25. Em 31 de outubro de 2023, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho (referência 147191372):
“AA, deduziu, por apenso à execução sumária movida por Condómino do prédio sito Rua A, Massamá Norte ..., Massamá, os presentes embargos de executado, com fundamento, entre outros, na nulidade da acta datada de 16.01.2021 - que constitui título executivo.
Alega, ainda, a embargante, a instauração de uma Ação de Anulação de deliberações tomadas em Assembleia de Condóminos, nos autos que sob o n.º 8695/21.5T8SNT correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Cível de Sintra - Juiz 4.
Não se tratando de uma situação de litispendência, porquanto os pedidos naquela acção e nos embargos deduzidos por apenso à execução de que dependem não são integralmente coincidentes, assim como não há identidade total de sujeitos, certo é que os factos que sustentam as pretensões numa (acção declarativa) e noutros (embargos de terceiro) são, no essencial, os mesmos.
Por outro lado, a mencionada, “Ação de Processo Comum, 8695/21.5T8SNT, ainda não foi proferido saneador-sentença, estando os autos a aguardar pela junção de documentos por parte do Autor”, cfr. Informação antecedente.
Dispõe o art. 279.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC): “O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
O tribunal pode, assim, suspender a instância, quando, por um lado, pender uma causa prejudicial ou, por outro, se verificar um motivo justificado.
Entende-se por causa prejudicial aquela que tenha por objecto uma pretensão que constitui pressuposto do pedido formulado na segunda acção (J. LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 1999, pág. 501).
Dito de outra maneira, a decisão de uma causa depende do julgamento de outra, quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para decisão de outro pleito (RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 3.ª edição, 2000, pág. 43).
No caso da questão prejudicial surpreende-se uma supremacia do interesse “da maior garantia de acerto ou aperfeiçoamento da decisão” sobre o interesse da celeridade processual (ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 1985, pág. 222).
In casu, os factos invocados na petição inicial da acção comum e na petição inicial dos embargos são, no essencial, comuns. Assim, para além de uma situação de nexo de prejudicialidade entre a acção declarativa e os embargos de executado, essa circunstância constitui um motivo justificativo para a suspensão da instância, de modo a evitar que, nas duas causas, se produzam decisões sobre a matéria de facto contraditórias.
Evitar que dois tribunais sejam colocados numa situação de contradição de julgamentos de facto é um motivo relevante, se outros não se sobrepuserem, para justificar a suspensão da instância ao abrigo do disposto na parte final do n.º 1 do art. 279.º do CPC. (Ver, neste sentido, Ac. de 30.10.2008, relatado por Olindo Geraldes, in www.dgasi.pt).
Pelo exposto, decide-se suspender a presente instância até prolação de decisão naqueloutra acção.
Notifique.”
26. Neste despacho é bem latente e expressivo o receio de haver duas decisões contraditórias quanto à existência de título executivo, mas que a sentença recorrida, apesar desse receio, acabou por contrariar.
27. Em 5 de janeiro de 2024, o Tribunal a quo remeteu ao processo 8695/21.5T8SNT que correu termos no Juiz 4 do Juízo Local Cível de Sintra novamente, ipsis verbis, o pedido (referência 23777663):
“Solicita-se ao Mmº Juiz titular, que determine a prestação de informação sobre se já foi proferida decisão final nos vossos autos supra identificados e, na afirmativa, o envio de cópia da mesma, a fim de instruir o/a Embargos de Executado (2013) 12745/21.7T8SNT-A.
O mesmo foi ordenado pelo Mmº Juiz de Direito Dr(a). Ana Graça Facha.”
28. Em 8 de janeiro respondeu o Juiz 4, do Juízo Local Cível de Sintra, informando estes autos que tinha sido proferida sentença no dia 06-12-2023, não tendo ainda transitado em julgado, pelo que oportunamente serão esses serviços informados da sentença com nota de trânsito em julgado (referência 24761814).
29. Tendo ainda este Juiz 4, do Juízo Local Cível de Sintra, no dia 24 de janeiro de 2024, informado estes autos que tinha sido proferida sentença naqueles, mas que a mesma tinha sido objeto de recurso (referência 24886121).
30. E no dia 20 de novembro de 2024, este Juiz 4, do Juízo Local Cível de Sintra veio informar os autos que foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, transitado em julgado em 03-10-2024.
31. Na sentença proferida pelo Juiz 4, do Juízo Local Cível de Sintra no processo 8695/21.5T8SNT, transitada em julgado, foi decidido declarar a caducidade do direito do autor em instaurar a ação de anulação de deliberações tomadas em Assembleia de Condóminos do dia 16 de janeiro de 2021, tendo julgado improcedente essa ação.
32. Decisão que a sentença recorrida teve o cuidado de transcrever no 2º parágrafo da página 4, mas que sobre a qual não se pronunciou, preferindo decidir em sentido totalmente antagónico ao que aquele Tribunal tinha decidido quanto à validade da ata.
33. A ata que serve de título executivo à presente execução tem de, forçosamente, produzir todos os seus efeitos legais, nomeadamente ser julgado título executivo, assim identificado no artigo 6º do DL 268/94 de 25 de outubro e que o artigo 703º, nº 1 d) do CPC acolhe.
34. De entre as alterações introduzidas pela Lei 8/2022, de 10 de janeiro, ao DL 268/94, de 25 de outubro consta a do n.º 3 do artigo 6.º desse diploma, onde se passou a dispor que se consideram abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação nele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio” (vg. acórdão proferido por este Venerando Tribunal em 15 de dezembro de 2022, no processo 4678/18.0T8ALM-A.L1-2, disponível em www.dgsi.pt).
35. A nova regulação normativa do artigo 6º, nº 3, do DL 268/94, de 25 de outubro, na redação da Lei 8/2022, contemplando a previsão de que se consideram abrangidos pelo título executivo a que se reporta o nº 2 do mesmo artigo, os juros de mora, à taxa legal, da obrigação nele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio, tem caráter interpretativo (cfr. artigo 13.º, n.º 1, do CC) e não inovador (vg. mesmo acórdão)
36. Em face do referido, no título executivo poderão considerar-se contempladas as sanções pecuniárias que sejam aprovadas em assembleia de condóminos (vg. mesmo acórdão).
37. Se a sentença recorrida julgou assentes os factos supra (ponto 3 destas conclusões), no cumprimento dessa decisão nunca poderia, depois, julgar que a ata nº 18 não constitui título executivo, contrariando não só a lei, a jurisprudência, mas também, e sobretudo, por ter sido proferida decisão totalmente contrária a esses factos assentes.
38. A sentença recorrida terá de, forçosamente, ser julgada nula por a decisão estar em franca e clara oposição com os seus fundamentos, conforme previsto no artigo 615º, nº 1 c) do CPC.
39. Nulidade que se estende ao facto de contrariar a decisão de outro tribunal, quando a mesma considerou que a suspensão da instância tinha por objetivo evitar que dois tribunais sejam colocados numa situação de contradição de julgamentos, para a final decidir em sentido antagónico ao que tinha sido decidido por outro tribunal.
40. Aquando da suspensão da presente instância, o Juízo de Execução de Sintra, - Juiz 1 considerou que essa suspensão tinha como objetivo evitar que dois tribunais fossem colocados numa situação de contradição de julgamentos.
41. Surpreendentemente, a decisão recorrida acabou por promover, ela própria, essa contradição.
42. Porquanto no processo 8695/21.5T8SNT foi declarada a caducidade do direito do executado em anular ata nº 18, relativa à assembleia de condóminos do dia 16 de janeiro de 2021.
43. Nesta parte e no que diz respeito à decisão de suspender a presente instância para depois proferir decisão contrária ao fundamento que levou a essa suspensão, nomeadamente, o receio manifestado de contradição de julgados, colide, ainda, com o dever de gestão processual do Juiz, devendo este recusar o que for impertinente ou meramente dilatório, conforme estipula o artigo 6º do CPC.
44. A caducidade do direito ou da ação pode genericamente definir-se como a extinção ou perda de um direito ou de uma ação pelo decurso do tempo (vg. acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 6 de abril de 2017, no processo 1161/14.7T2AVR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
45. Tendo sido proferida decisão que declarou a caducidade do direito dos executados em requerer a anulação da ata nº 18, forçoso seria concluir que essa ata produziu todos os seus efeitos, devendo ser julgado título executivo, nos termos do artigo 6º, nº 3, do DL 268/94, de 25 de outubro, tal como previsto no artigo 703º, nº 1, d) do CPC.
46. Título executivo que os factos considerados assentes pela sentença recorrida deveriam, inclusive, ter confirmado como tal.
Termos em que se requer a sentença recorrida seja declarada nula por:
a) Os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão, nos termos do artigo 615º, nº 1 alínea c) do CPC;
b) Ser ambígua e obscura o que a torna ininteligível, nos termos do artigo 615º, nº 1 alínea c) do CPC;
c) Violação do artigo 6º do CPC;
d) Violação do artigo 703°, nº1, alínea d), do CPC;
e) Violação do artigo 6° do DL 268/94, de 25 de outubro;
Mais se requerendo seja proferido acórdão que, anulando essa decisão, julgue como título executivo a ata nº 18, relativa à assembleia de condóminos do dia 16 de janeiro de 2021 e ordene o prosseguimento da ação executiva.”
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Contra-alegou o executado, Concluindo:
“1ª- Em 09.09.2021, intentou o Exequente/Embargado, ora Recorrente, a presente execução sumária (para pagamento de quantia certa), peticionando o pagamento coercivo da quantia global de €6.625,43.
2ª- O Executado, ora Recorrido, apresentou embargos de executado pugnando, além do mais, ser decretada a extinção da execução, por o título executivo não reunir os requisitos de exequibilidade que resultam do art.º 6.º do DL n.º 268/94.
3ª- O Recorrido instaurou, no dia 07.06.2021, ação declarativa de processo comum contra o Recorrente, que correu termos Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Cível de Sintra - Juiz 4 (Proc. n.º 8695/21.5T8SNT), peticionando, além do mais a declaração de nulidade de todas as deliberações tomadas na reunião da Assembleia de Condóminos, realizada no dia 16.01.2021.
4ª- Em 30.10.2023, nestes autos, foi proferido despacho pelo MM Juiz “a quo” a suspender a presente ação executiva até prolação de decisão na ação declarativa supra referida.
5ª- A ação declarativa de processo comum foi julgada improcedente pelo Tribunal da Relação de Lisboa, não se pronunciando o sobre o mérito da causa mas apenas por verificação da caducidade do direito de ação do ora Recorrido.
6ª- Julgados os presentes embargos, veio o Tribunal “a quo” considerá-los procedentes, decretando, pela aplicação conjunta dos arts. 703°, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, e 6° do DL 268/94, de 25 de Outubro, a insuficiência do título executivo e determinando, em consequência, a extinção da execução.
7ª- Ao contrário do que defende o Recorrente, não existe qualquer oposição com outra sentença nos termos do artigo 615º, n.º 1 alínea c) do CPC, nem existe qualquer oposição entre a fundamentação e a decisão da sentença recorrida.
8ª- Relativamente ao despacho do tribunal “a quo”, datado de 30.10.2023, que decidiu suspender a presente ação executiva até prolação de decisão na ação declarativa, refere o Recorrente que “Neste despacho é bem latente e expressivo o receio de haver duas decisões contraditórias quanto à existência de título executivo, mas que a sentença recorrida, apesar desse receio, acabou a final, por contrariar o que fora decidido por outro tribunal.”
9ª- Contudo, o Tribunal “a quo”, correctamente pretendeu, com o supra indicado despacho, apenas salvaguardar a possibilidade de a ação declarativa intentada pelo Recorrido (por ser anterior à ação executiva) ser julgada totalmente procedente e, assim, a ata n.º 18 não poderia jamais ser considerada título executivo.
10ª- Existia, pois, uma “situação de nexo de prejudicialidade entre a acção declarativa e os embargos de executado, essa circunstância constitui um motivo justificativo para a suspensão da instância...” tal como refere o MM Juiz “a quo”.
11ª- Erradamente, indica ainda o Recorrente, nas suas alegações que, na fundamentação da sentença o Tribunal “a quo” “julgou como assentes” uma listagem de dívidas que foram imputadas na referida ata ao Recorrido, pelo Recorrente.
12ª- Contudo, o MM Juiz “a quo” apenas considerou, como facto assente de relevância para a decisão da causa, que o Recorrente imputou dívidas numa acta, ao Recorrido, apenas indicando quais. Não foi determinado como facto assente que essas alegadas dívidas eram efetivamente devidas pelo Recorrido.
13ª- Igualmente, ao contrário do que defende o Recorrente, a Douta sentença não é ambígua, obscura nem ininteligível.
14ª- Também, ao contrário do que defende o Recorrente, não existe qualquer violação do dever de gestão processual por parte do Tribunal “a quo”, nem se compreende, nas Alegações do Recorrente, onde e como possa ter sido violado pelo MM Juiz “a quo”, o disposto no artigo 6º do CPC, uma vez que este não densifica as suas conclusões.
15ª- Por fim, ao contrário do que alega o Recorrente, não existe violação do disposto nos artigos 703°, nº 1, alínea d), do CPC e 6° do DL 268/94, de 25 de outubro.
16ª- Esteve bem o Tribunal “a quo” ao fundamentar a sua decisão, ao referir que, “... que o recurso aos tribunais para obter o pagamento coercivo da quantia devida pode consistir na instauração directa de acção executiva, sem necessidade prévia de acção declarativa para obtenção de sentença condenatória.” e que, “No caso em apreço, as despesas reclamadas pelo exequente, com base na acta apresentada como título executivo, não obedece ao estatuído no mencionado artigo 6.º do referido diploma, uma vez que, como se disse, a lei confere força executiva às actas que deliberem certos tipos de despesas, seu montante e forma de as repartir, o que não é o caso.” (sublinhado e negrito nosso).
17ª- Corretamente, considera o Tribunal “a quo” que no título executivo foram imputadas ao Recorrido, quotas ordinárias e extraordinárias, mas que, o recorrente não juntou “...as respetivas atas de condomínio que deliberaram sobre as quotas ordinárias e extraordinárias que cabiam a cada condómino seu montante e forma de as repartir”.
18ª- Indica, corretamente, o MM Juiz “a quo” que, “O artigo 6º, nº 1 do DL nº 268/94, de 25 de outubro, deve ser perspetivado de forma restrita” e que como tal a ata não constitui título executivo no que diz respeito penalizações pecuniárias, “... por tais quantias não estarem abrangidas pelo preceituado no artigo 6º, nº 1, do referido DL nº 268/94, não podendo, assim, servir de base à execução a instaurar pelo administrador para cobrança coerciva das mesmas, vide a título de exemplo acórdão do STJ datado de 11.03.2021, in www,dgsi.pt.”
19ª- Quanto às outras quantias peticionadas pelo Recorrente, indica fundamentadamente o Tribunal “a quo” que não podem ser consideradas como contribuições devidas ao condomínio referindo que, tal “... seria abrir a porta ao arbítrio, e procedimento lesivo da boa-fé e do princípio da confiança, não excluindo a possibilidade de conluios, entre a administração do condomínio, ou do administrador, obrigando os condóminos a despropositadas e quiçá sistemáticas impugnações das deliberações da assembleia do condomínio, órgão, que tal como ao administrador, compete a administração das partes comuns – art. 1430º, nº1, do Código Civil.”. (negrito e sublinhado nosso)
20ª- Para além do título executivo não cumprir os requisitos do art.º 6.º do DL n.º 268/94, não são exigíveis os valores peticionados pelo Recorrente pois, ou não cumprem os requisitos do art.º 6.º do DL n.º 268/94, ou são totalmente ilegítimos:
a) por efeito de prescrição (no caso de quotas ordinárias); b) por o pagamento já ter sido efetuado (no caso de quotas ordinárias); c) por não serem legalmente responsabilidade do Recorrido (no caso de quotas ordinárias de anos em que o Recorrido não era proprietário da fração); d) Por serem manifestamente abusivas (no caso da exigência do pagamento de despesas judiciais tidas pelo condomínio em processos judiciais cujo Recorrido já pagou as respectivas custas de parte); e) por não existir qualquer decisão validamente tomada em AG vertida em acta anterior que justifique a sua existência (no caso de quota extraordinárias) ou f) Por não existir qualquer regulamento de condomínio aprovado que indique como norma a cobrança de penalizações pecuniárias.
21ª- A Douta sentença recorrida não merece qualquer censura, havendo procedido à correcta interpretação dos factos e aplicação do direito, pelo que deve ser mantida in totum, sendo negado provimento ao recurso.”
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Colhidos os vistos cumpre decidir.
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II. Questões a decidir:
Como resulta do disposto pelos artigos 5º; 635º, n.º 3 e 639º n.º 1 e n.º 3, todos do Código de Processo Civil (e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores) para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente.
Deste modo no caso concreto as questões a apreciar consistem em:
- Das nulidades da Sentença;
- Se a acta dada à execução se reveste das formalidades exigidas por lei para ser título executivo para as quantias nela descritas.
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III. Fundamentação de Facto.
Factos Provados:
1-O executado é o legítimo proprietário das frações F, C e D do prédio, correspondentes à Cave Esquerda, 3ª e 4ª garagens, respetivamente.
2- Em 15 de julho de 2021 o executado efetuou um pagamento parcial de 5.052,15€.
3- Na assembleia geral de condóminos do prédio, realizada em 16 de janeiro de 2021 (acta nº18), foi imputado ao executado os seguintes valores:
a) Quotas relativas ao período de Janeiro de 2016 a Agosto de 2021, referente à garagem n.º 3 que corresponde à letra “C” do prédio urbano sito na Rua A, Massamá Norte , no valor total de €500,00;
b) Quotas relativas ao período de Janeiro de 2014 a Agosto de 2021, referente à garagem n.º 4 que corresponde à letra “D” do prédio urbano sito na Rua A, Massamá Norte , no valor total de €310,00;
c) Quota extraordinária para reparação do Portão exterior do acesso à garagem do edifício, no valor de €195,19;
d) Reposição de verbas alegadamente utilizadas sem autorização na durante o período em que o Executado desempenho a função de administrador do condomínio, no valor de €1 745,00;
e) Totalidade das despesas judiciais pagas pelo Exequente, referentes a processo n.º 88001/19.5YJPRT que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, no Juízo Local Cível de Sintra, instaurado pelo Executado contra o Exequente, no valor de €2 838,52.
f) Penalização pecuniária, relativa ao período de Janeiro de 2016 a Agosto de 2021, referente à garagem n.º 3 que corresponde à letra “C” do prédio urbano sito na Rua A, Massamá Norte , no valor total de €92,00;
g) Penalização pecuniária, relativa ao período de Janeiro de 2014 a Agosto de 2021, referente à garagem n.º 4 que corresponde à letra “D” do prédio urbano sito na Rua A, Massamá Norte , no valor total de €46,00;
h) Penalização pecuniária, relativa ao período de novembro de 2011 a Agosto de 2021, referente à fração Cave Esquerda que corresponde à letra “F” do prédio urbano sito na Rua A, Massamá Norte , no valor de €292,50;
i) Penalização pecuniária relativa a Reposição de verbas alegadamente utilizadas sem autorização na durante o período em que o Executado desempenhou a função de administrador do condomínio, no valor de €174,50;
j) Penalização pecuniária relativa à totalidade das despesas judiciais pagas pelo Exequente, referentes ao processo n.º 88001/19.5YJPRT que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, no Juízo Local Cível de Sintra, instaurado pelo Executado contra o Exequente, no valor de € 283,85;cfr. Acta que aqui se dá por integralmente reproduzida.
4. AA, instaurou acção declarativa de processo comum contra o Condomínio do prédio sito na Rua A, Massamá Norte, que correu termos Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Cível de Sintra - Juiz 4, peticionando: “que sejam anuladas todas as deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos presencial realizada no dia 16 de Janeiro de 2021, por impossibilidade legal de realização da mesma, bem como que seja declarada falsa a Acta n.º 18 e os seus anexos, na parte em que refere a presença do Autor (por representação) naquela Assembleia de Condóminos. (…) que sejam anuladas todas as deliberações tomadas na Assembleia de condóminos realizada presencialmente no dia 16 de Janeiro de 2021, com fundamento na inexistência do Regulamento de Condomínio ou, quando exista, que o mesmo regula ilegalmente matéria excluída da competência da Administração e própria da Assembleia de Condóminos.”
5. A ação referida em 5, já transitada em julgado, foi julgada improcedente.
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IV. Das nulidades da sentença.
No recurso interposto o exequente invoca padecer a sentença proferida de nulidades nos termos do disposto pelo art.º 615º, n.º 1 c) do Código de Processo Civil, por contradição e ambiguidade entre os seus fundamentos e a decisão proferida.
Alega, em síntese, que “É totalmente impercetível o que quis dizer a sentença recorrida quando refere que, na ata apresentada, não foi deliberado certos tipos de despesas, seu montante e forma de as repartir, se anteriormente a sentença recorrida julgou como factos assentes essas despesas, seu montante e forma de as repartir.”
Alega ainda a existência de contradição com fundamento em que, tendo sido proferida anterior decisão a suspender a instância até que ocorresse decisão com trânsito em julgado no Proc. 8695/21.5T8SNT Juiz 4, do Juízo Local Cível de Sintra a fim de evitar oposição de julgados e tendo aí sido decidido declarar a caducidade do direito do autor em instaurar a ação de anulação de deliberações tomadas em Assembleia de Condóminos do dia 16 de janeiro de 2021, tendo julgado improcedente essa acção, não podia nos presentes embargos vir a ser proferida a presente sentença porquanto “A ata que serve de título executivo à presente execução tem de, forçosamente, produzir todos os seus efeitos legais, nomeadamente ser julgado título executivo, assim identificado no artigo 6º do DL 268/94 de 25 de outubro e que o artigo 703º, nº 1 d) do CPC acolhe.”
Vejamos.
Nos termos do art.º 615º, n. 1, c) do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando “c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; (…)”.
Quando a norma, no art.º 615º nº 1, al. c), refere contradição entre os fundamentos e a decisão, está a referir-se aos fundamentos jurídicos, aos elementos e passos do raciocínio jurídico que o juiz foi explanando na fundamentação da sentença. Isto é, o erro de contradição relevante reporta-se raciocínio que o juiz foi expondo na sentença: o julgador segue determinada linha de raciocínio que, em termos lógicos, aponta para uma determinada conclusão, mas, em vez de a tirar decide noutro sentido, oposto ou divergente - Cf. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, pág. 298.
Portanto, o vício de contradição ocorre em sede de raciocínio e argumentação lógica silogística que leva à decisão: há uma incompatibilidade entre a argumentação utilizada e a decisão tomada.
Já a sentença é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado, traduzindo-se a obscuridade na ininteligibilidade e a ambiguidade na possibilidade de à decisão serem razoavelmente atribuídos dois ou mais sentidos diferentes (conf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/4/2002, Proc. n.º 01P3821).
A ambiguidade ou a obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º só releva quando torne a parte decisória ininteligível e só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar” – neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/5/2021, Proc. n.º 69/11.2TBPPS.C1.S1.
Ora, desde logo lida a sentença em causa resulta evidente que tais vícios não ocorrem, sendo a alegação do recorrente na verdade a manifestação do seu desacordo com o que foi decidido, o que é fundamento de recurso mas não integra uma causa de nulidade.
De facto, o recorrente invoca a ocorrência de nulidade por entender que, assente o teor da acta em causa, não podia o Tribunal concluir pela falta de título executivo, invocando o recorrente que da acta constam “…as despesas, seu montante e forma de as repartir”.
Na sentença, Tribunal assenta o teor da acta na alínea 3 dos Factos Assentes; de seguida entra na análise jurídica do mesmo, alínea a alínea, para verificar se, à luz das normas aplicáveis, se pode entender que a acta reunia os pressupostos para constituir título executivo, entendendo que não e conclui decidindo nesse mesmo sentido. Não há incoerência, contradição ou ambiguidade.
Quanto ao segundo fundamento de nulidade invocado, o raciocínio é o mesmo; na sentença refere-se expressamente que “In casu, não está em causa a validade/falsidade das actas, questão inclusive, já decidida nos autos referidos em 4 e 5 dos factos assentes”; o que está efectivamente em causa e foi analisado na sentença é se aquela acta, que era objecto de uma outra acção de anulação - sendo que em caso de procedência dessa acção se tornava inútil conhecer de mérito dos embargos, o que não se verificou e daí o prosseguimento destes - reunia os pressupostos exigidos por lei para ser título executivo, concluindo-se, como supra dito, que não e decidindo em conformidade.
Não se verifica assim qualquer nulidade, em qualquer um dos seus fundamentos.
Improcede assim esta argumentação do recurso.
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V. Da qualidade da Acta como título executivo.
De acordo com o art.º 10º, n.º 4 do Código de Processo Civil, “Dizem-se «ações executivas» aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida”, dispondo-se ainda no n.º 5 que “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.”
Sendo o título executivo a condição sine qua non da acção executiva, o mesmo pressupõe que a obrigação que contém está validamente constituída, sem necessidade de se recorrer a uma acção declarativa para ver reconhecido o direito que no mesmo se insere. O mesmo constitui ainda o limite da execução, não podendo o credor pedir mais do que no título se inscreve.
A Lei limita a espécie de títulos executivos, previstos pelo art.º 703º do Código de Processo Civil:
“1 - À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
2 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.”
Do que se vem expondo decorre que para que um determinado documento seja considerado título executivo o mesmo há-de observar determinados requisitos, formais e substanciais, desde logo as sentenças e alargando o legislador o elenco, típico e taxativo, dos títulos executivos a determinados documentos particulares, desde que observados os requisitos impostos pela norma que lhes atribui força executiva.
Nenhuma acção executiva deve ter seguimento sem que o tribunal de execução interprete o título que lhe serve de fundamento e, sempre que existam dúvidas acerca do tipo ou do objeto da obrigação titulada, o título não é exequível e o credor tem de recorrer previamente a uma ação declarativa de condenação ou de simples apreciação – Lebre de Freitas, A acção executiva depois da reforma da reforma, 5.ª edição, pág. 35.
Desde já aqui se nota que parece confundir o exequente a questão da validade do documento com a da sua qualidade de título executivo, que não são coincidentes: um documento válido não se reveste necessariamente da qualidade de título executivo.
Que está assente a validade da acta, não se discute já aqui nestes embargos.
A questão é se o seu teor cumpre os requisitos exigidos pela Lei para se falar em título executivo, sendo aqui aplicável o que se prevê no art.º 703º, n.º 1, d) do Código de Processo Civil.
Nos termos do art.º 6º do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro - Regime da Propriedade Horizontal, na versão em vigor à data da entrada em juízo da execução, do Decreto-Lei n.º 81/2020, de 2 de Outubro:
“1 - A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
2 - O administrador deve instaurar acção judicial destinada a cobrar as quantias referidas no número anterior.”
A interpretação desta norma, sobre o que se deve entender por “montante das contribuições devidas ao condomínio e quaisquer outras despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio” deu origem a uma clara divisão entre a jurisprudência, naquilo que se entendia como uma interpretação restritiva e uma interpretação extensiva da norma.
Para a visão restritiva são títulos executivos apenas as actas em que estejam exaradas as deliberações da assembleia de condóminos que tiverem procedido à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, fixando-se o prazo de pagamento e a quota-parte de cada condómino.
Para a interpretação extensiva será de atribuir força executiva quer à citada acta quer à acta em que, por um condómino não ter pago as contribuições que lhe respeitam, se delibera sobre o valor da sua dívida e se encarrega o administrador de proceder à sua cobrança judicial.
Colocava-se ainda a questão de saber se a acta podia constituir título executivo para contribuições extraordinárias, enquanto integradas na previsão quaisquer outras despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum.
Outro motivo de controvérsia prendia-se com a executoriedade da acta que previa a aplicação de penalizações ao condómino incumpridor, entendendo parte da jurisprudência que tais quantias se encontravam abrangidas pela norma e parte da jurisprudência a rejeitar tal possibilidade.
Atentas estas divergências e questões suscitadas, esta norma veio a ter nova redacção conferida pela Lei n.º 8/2022, de 10/01, passando a constar:
“1 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio menciona o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações.
2 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que reúna os requisitos indicados no n.º 1 constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
3 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.
4 - O administrador deve instaurar ação judicial destinada a cobrar as quantias referidas nos n.ºs 1 e 3.
5 - A ação judicial referida no número anterior deve ser instaurada no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino, salvo deliberação em contrário da assembleia de condóminos e desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respetivo ano civil.”
Dispõe o artigo 9.º, da Lei 8/2022, de 10 de Janeiro, que a mesma entrava em vigor 90 dias após a respectiva publicação, com excepção do previsto quanto à alteração dada ao artigo 1437.º, do Código Civil; ou seja, a Lei 8/2022 veio a entrar em vigor a partir de 10 de Abril de 2022.
Constata-se que na nova redação do n.º 1 da norma foi suprimido o segmento “… ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum”; por outro lado, foi aditado o segmento no sentido de a acta mencionar o montante anual a pagar por cada condómino (e a data de vencimento das respetivas obrigações), bem como o n.º 3, prevendo expressamente que se consideram abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.
A lei 8/2022 resulta do Projecto de Lei n.º 718/XIV/2.ª, no qual já constava a redacção que veio a ser dada a este artigo 6.º e de acordo com a respectiva exposição de motivos, teve-se em vista introduzir “… mecanismos facilitadores da convivência em propriedade horizontal, nomeadamente agilizando procedimentos de cobrança (…). O diploma pretende ainda contribuir para a pacificação da jurisprudência que é abundante e controversa a propósito de algumas matérias, como, por exemplo, os requisitos de exequibilidade da acta da assembleia de condóminos, a legitimidade processual activa e passiva no âmbito de um processo judicial e a responsabilidade pelo pagamento das despesas e encargos devidos pelos condóminos alienantes e adquirentes de fracções autónomas, colocando fim, neste último aspecto, à vasta e sobejamente conhecida discussão acerca das características de tais obrigações”.
Com a entrada em vigor desta Lei, novas questões se colocaram, desta vez sobre o carácter interpretativo ou, pelo contrário, inovador da nova redacção da norma.
Nos termos do n.º 1 do art.º 12.º do Código Civil, a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
Porém, o n.º 2 do mesmo art.º 12.º, segunda parte, preceitua que quando a lei dispõe diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, se entende que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
A lei interpretativa, tal como refere Pedro Romano Martinez, Introdução ao Direito, AAFDL, 2021, pág.s 222/3, contrapõe-se a uma lei inovadora, visando explicitar o sentido de uma lei anterior que tinha um sentido dúbio, determina o sentido da lei interpretada, integrando-se nela e por isso de aplicação retroactiva, nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil.
Tem-se entendido que a Lei n.º 8/2022 reveste estas duas características, consoante o que esteja em causa:
Por um lado, quanto às sanções de natureza pecuniária, se entende que a Lei assume uma dimensão meramente interpretativa, face à controvérsia anterior (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no Proc. 1253/22.9T8CVL-B.C1, de 18/6/2024 e onde é citada outra jurisprudência no mesmo sentido);
Quanto às contribuições extraordinárias, já se entende que a lei não pode deixar de revestir um carácter inovatório, deixando de ter a acta a função de título executivo quanto a estas, mas não se podendo negar essa qualidade a actas aprovadas em data anterior à da e.v. da Lei (veja-se a este respeito o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no Proc. 1089/22.7T8SRE-B.C1 de 13/6/2023).
Já quanto o que sejam contribuições devidas ao condomínio, entende-se que a Lei n.º 8/2022 reveste igualmente um carácter interpretativo, visando acabar com a divergência entre a posição que admitia que uma acta que se limitasse a inventariar as dívidas do condómino podia servir de título executivo e os que entendiam que apenas revestiam essa qualidade as actas que contivessem a deliberação sobre o montante da contribuição periódica ao condomínio, com menção do modo de cálculo, atribuição a cada condómino (nomeadamente tendo em conta a permilagem), prazo e modo de pagamento - o que geralmente é feito através da aprovação do orçamento anual – entendendo-se à luz da redacção anterior do art.º 6º que tal igualmente se exigia quanto à aprovação de quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum – impunha-se que da acta constasse a deliberação e aprovação da despesa, modo e forma de pagamento, permilagem, prazo, etc…
Neste sentido, a título meramente exemplificativo, já decidia o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/6/2021, proferido no Proc. n.º 1549/18.4T8SVL-A.E1.S1:
“I - Para valer como título executivo nos termos do art. 6º do DL nº 268/94 de 25.10, a acta da assembleia de condomínio tem de conter a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, a fixação da quota-parte devida por cada condómino e o prazo de pagamento respectivo;
II – A acta que se limita a documentar a aprovação pela assembleia da existência de uma dívida de um condómino por não pagamento de quotas, tal como referido pela administração, não reúne os requisitos de exequibilidade que resultam do art. 6º do DL n 268/94.”
Ou como decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6/7/2023, desta Secção, proferido no Proc. 2237/19.0T8LRS-A.L1-6 (no qual foi Relator o aqui 1º Adjunto) onde se remete para diversa jurisprudência e se refere:
“A questão que se levanta é a de saber qual é, afinal, a ata que pode ser considerada título executivo, pois a lei só o reconhece àquela que “tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio”.
Esta questão levanta-se, nomeadamente na execução aqui em causa, porque há muitas assembleias de condóminos que deliberam ou simplesmente fazem constar de ata as dívidas ao condomínio por parte dos condóminos e que são existentes à data da assembleia, levando a efeito uma inventariação de tais dívidas. Estas deliberações são distintas daquelas que decidem sobre o montante da contribuição periódica ao condomínio, o que geralmente é feito através da aprovação do orçamento anual, ou da aprovação de quaisquer outras despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns. Que estas últimas constituem título executivo, não há qualquer dúvida. A questão que se tem levantado e que tem dividido a jurisprudência é a de saber se as atas que contêm deliberações que se limitaram a inventariar as dívidas dos condóminos também constituem título executivo.
Sobre esta questão temos jurisprudência que nega a natureza de título executivo a tais atas e outra que lhe concede essa característica. (…)
Consideramos que a segunda interpretação é de afastar, desde logo porque é contrária ao princípio geral da proibição da autotutela dos direitos, que decorre do artº 1º do CPC. Por via dessa interpretação está-se a conceder a um credor a possibilidade de ser ele a definir o seu crédito e o respetivo conteúdo. O legislador, ao dispensar o condomínio da instauração da ação declarativa, não lhe concedeu o poder de declarar o seu próprio direito, que é o que na realidade se passa quando se atribui força executiva à mera menção na ata da circunstância de determinado condómino dever determinada quantia. Não é, nem pode ser, esta declaração que consubstancia a obrigação exequenda, exatamente porque dela não decorre qualquer obrigação. Tal configuraria uma declaração de dívida que, ao invés de partir do devedor, parte do próprio credor. A obrigação que efetivamente está em causa constituiu-se por via da anterior deliberação que, essa sim, contém os factos determinantes suscetíveis de gerar a pretensão creditícia do condomínio.
As referidas menções efetuadas nas atas das assembleias de condóminos respeitantes às dívidas ao condomínio podem ter a utilidade de chamar a atenção do condómino em causa para o que está a dever ao condomínio e também, há que dizê-lo, para expor o incumprimento das obrigações por parte desse condómino perante todo o condomínio. Têm, portanto, uma finalidade meramente informativa e nem sequer se percebe qual o instituto jurídico, ou a norma, ou princípio jurídico a que se pode recorrer para sustentar algum tipo de eficácia jurídica a uma mera deliberação que menciona o rol das dívidas ao condomínio.
Adere-se a esta orientação; de facto, aquilo que deve constar do título é a constituição da obrigação e esta apenas nasce com a deliberação, validamente formada, que fixa o conteúdo dessa obrigação e não a simples declaração, tomada pelo credor, do montante que considera ser devido.
Apenas com este conteúdo é razoável falar-se em título executivo com dispensa da interposição da acção declarativa prévia, como é afinal a finalidade do legislador.
Aqui chegados e considerando a este propósito revestir a Lei 8/2022 de caráter interpretativo, olhando ao teor da acta dada à execução conclui-se ser de manter a sentença proferida.
Senão, vejamos;
Relativamente às alíneas:
a) Quotas relativas ao período de Janeiro de 2016 a Agosto de 2021, referente à garagem n.º 3 que corresponde à letra “C” do prédio urbano sito na Rua A, Massamá Norte , no valor total de €500,00;
b) Quotas relativas ao período de Janeiro de 2014 a Agosto de 2021, referente à garagem n.º 4 que corresponde à letra “D” do prédio urbano sito na Rua A, Massamá Norte , no valor total de €310,00;
c) Quota extraordinária para reparação do Portão exterior do acesso à garagem do edifício, no valor de €195,19;
Não constam as deliberações que aprovaram a fixação de tais quotas, montantes, repartição pelos condóminos e prazos de pagamento, pelo que não podem servir de título executivo, atendendo ainda a que nos autos foi dada a oportunidade ao exequente para juntar as actas em que tivessem ocorrido as deliberações sobre as despesas em causa, convite a que o exequente não correspondeu.
Quanto à alínea:
d) Reposição de verbas alegadamente utilizadas sem autorização [na] durante o período em que o Executado desempenho[u] a função de administrador do condomínio, no valor de €1 745,00;
Não tem cabimento legal, estando este tipo de verba afastado da possibilidade de constituir a acta título executivo, devendo o credor, se assim o entender, recorrer à acção declarativa.
Quanto à alínea:
e) Totalidade das despesas judiciais pagas pelo Exequente, referentes a processo n.º 88001/19.5YJPRT que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, no Juízo Local Cível de Sintra, instaurado pelo Executado contra o Exequente, no valor de €2 838,52.
Não só não tem cabimento legal, à semelhança da alínea anterior, como tais quantias terão de ser tidas em consideração em sede de custas de parte na acção respectiva. E, note-se, nem sequer resulta da acta dada à execução que tenha havido qualquer deliberação de onde resulte que tais quantias pudessem ser imputadas aos condóminos.
Relativamente às alíneas:
f) Penalização pecuniária, relativa ao período de Janeiro de 2016 a Agosto de 2021, referente à garagem n.º 3 que corresponde à letra “C” do prédio urbano sito na Rua A, Massamá Norte , no valor total de €92,00;
g) Penalização pecuniária, relativa ao período de Janeiro de 2014 a Agosto de 2021, referente à garagem n.º 4 que corresponde à letra “D” do prédio urbano sito na Rua A, Massamá Norte , no valor total de €46,00;
h) Penalização pecuniária, relativa ao período de novembro de 2011 a Agosto de 2021, referente à fração Cave Esquerda que corresponde à letra “F” do prédio urbano sito na Rua A, Massamá Norte , no valor de €292,50;
i) Penalização pecuniária relativa a Reposição de verbas alegadamente utilizadas sem autorização na durante o período em que o Executado desempenhou a função de administrador do condomínio, no valor de €174,50;
j) Penalização pecuniária relativa à totalidade das despesas judiciais pagas pelo Exequente, referentes ao processo n.º 88001/19.5YJPRT que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, no Juízo Local Cível de Sintra, instaurado pelo Executado contra o Exequente, no valor de € 283,85;
Mais uma vez não consta qualquer deliberação relativamente a estas verbas nem foi junto o regulamento do condomínio.
Desta forma, improcede o recurso, mantendo-se a decisão proferida.
*
VI. Das Custas
Vencido no Recurso, é o Recorrente o responsável pelo pagamento das custas devidas pelo recurso, conf. art.º 527º do Código de Processo Civil.
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DECISÃO:
Pelo exposto, julga-se o presente Recurso improcedente, mantendo-se a Sentença proferida, julgando procedentes os embargos de executado e determinando-se a extinção da execução.
Custas pelo Recorrente.
Not. e reg.

Lisboa, 08-05-2025
Vera Antunes
Jorge Almeida Esteves
João Manuel P. Cordeiro Brasão