Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | ANA CRISTINA CARDOSO | ||
| Descritores: | SENTENÇA LIDA POR "APONTAMENTO" DEPÓSITO DA SENTENÇA INEXISTÊNCIA DA SENTENÇA REPETIÇÃO DE JULGAMENTO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/21/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | I - É inexistente a sentença lida por apontamento. II - Inexistindo a sentença, impõe-se a repetição do julgamento, quando a Exma. Sra. Juíza de Direito que presidiu ao julgamento não depositou a sentença, cujo teor anunciou oralmente, e permanece de baixa médica e sem previsão de data para o seu regresso. III – Essa repetição do julgamento impõe-se designadamente quando, no caso, o processo tem natureza urgente e o Conselho Superior da Magistratura determinou que o Exmo. Sr. Juiz signatário do despacho recorrido regularizasse o processo, i.e., determinou que o processo não ficasse a aguardar o regresso (incerto e imprevisível, com prejuízo para o direito constitucional de acesso ao direito e de obtenção de decisão em prazo razoável – cfr. artigo 20º da CRP) da Exma. Sra. Juíza que presidiu ao julgamento. IV – Sendo caso de repetição do julgamento, inexiste fundamente ou sequer utilidade em o recorrente ter acesso à gravação do julgamento efetuado. Essa prova não vai poder ser usada porquanto o julgamento no qual foi produzida ficou sem efeito. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO Da decisão I. No processo comum singular nº 1104/21.1PBOERdo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Criminal de Oeiras, Juiz 2, foi proferido despacho, em 31.03.2025, que desatendeu a, pelo arguido AA, alegada irregularidade e pretendida sanação com elaboração da sentença por Juiz substituto com base na prova gravada. Do recurso II. Inconformado, recorreu o arguido AA, pugnando pela manutenção dos efeitos do julgamento já realizado, requerendo que se se dê sem efeito a nova data designada para a repetição do julgamento e que se aguarde pelo regresso da Mma Juiz para que esta deposite a sentença. Rematou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «a) O Arguido veio acusado da prática de um crime de violência doméstica, na forma consumada, previsto e punido nos termos do artigo 152.º, n.º 1, al. a), n.º 2, al. a), n.º 4 e n.º 5 do Código Penal. b) Entre ... e ... de 2023, foram realizadas várias sessões de audiência de discussão e julgamento. c) No dia ........2024, a Mm.ª Juiz de Direito, Dr.ª BB proferiu sentença verbalmente, tendo o Arguido sido absolvido. d) Apesar de ter sido lida a sentença perante o Arguido, o seu defensor, o Magistrado do Ministério Público e o funcionário judicial, entre outros, a mesma nunca foi depositada, estando este ato por cumprir desde ........2024. e) Por despacho datado de ........2025, com a referência citius n.º 156488383, veiootribunaldar sem efeito a audiência dediscussãoejulgamentojá realizada nestes autos e determinando a repetição integral do julgamento, devendo os autos reverter até ao momento imediatamente anterior ao início da audiência de julgamento. Designando-se o dia ........2025 para realização de novo julgamento. f) O Arguido arguiu as irregularidades presentes no despacho, nos termos do disposto noartigo123.º doCPP,tendosidoproferido posteriormente despacho a indeferir o alegado pelo Arguido, do qual ora se recorre. g) O tribunal recorrido entendeu que a juiz que acompanhou o julgamento e proferiu sentença verbalmente, se encontra de baixa médica sem previsão de data para o seu regresso e que a sentença proferida verbalmente por aquela não foi depositada até à presente data”. h) Consta deste mesmo Despacho, a Mm.ª Juiz de Direito encontra[-se] em situação de impossibilidade temporária para a prática do ato em apreço. i) Apesar de estarmos perante uma incapacidade prolongada, não se pode deixar de afirmar que a mesma é meramente temporária. j) A juiz signatária não faleceu, não deixou de exercer as funções de Magistrada Judicial nem deixou de reunir as condições para o exercício da profissão – situações em que a lei prevê a possibilidade de dar sem efeito o julgamento realizado e proceder à repetição do mesmo perante um novo Juiz. k) No caso dos presentes autos, existem elementos para concluir que a incapacidade temporária, em algum momento, irá cessar e Mmª Juiz irá regressar ao seu lugar e assumir as suas funções, nomeadamente, nos processos que deixou pendentes aquando da verificação da sua incapacidade. l) No caso em apreço, basta que a Mma Juiz deposite a sentença que já leu verbalmente, tal como consta na Ata de Leitura de Sentença de ........2024. m) Pelo que não existe qualquer justificação para ordenar a repetição do julgamento, porquanto, já foram realizadas todas as diligências de produção de prova e já foi, inclusive, proferida sentença perante o Arguido. n) O despacho recorrido defende que “a sentença proferida verbalmente sem a posterior redução a escrito «não existe, nem sequer materialmente», enfermando assim do vício de inexistência jurídica” o) Mas tal entendimento tem sido afastado por diversos Tribunais Superiores que vêm considerar que não estamos perante uma inexistência, mas sim perante uma irregularidade, conforme foi alegado pelo Arguido perante o tribunal a quo. p) Tal entendimento foi defendido pelo TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: I - A circunstância de a sentença não ter sido depositada em acto contínuo ao da sua leitura, por mero apontamento - assim ficou consignado na respectiva acta -, não permite, só por si, o juízo simplista de que aquela peça processual não estivesse, naquele momento, integralmente escrita. II - Assim, neste quadro, quer o acto da leitura, quer a própria sentença, não são juridicamente inexistentes. III - Neste domínio, a inexistência jurídica está reservada a situações inequivocamente reveladoras de não se mostrar a sentença, à data da sua leitura em sede de audiência de julgamento, concebida/escrita. IV - O referido desrespeito dos comandos inscritos nos artigos 372.º, n.º 5, e 373.º,n.º 2, doCPP, enquanto dispõem queodepósito da sentença tenha lugar em ato imediato à respetiva leitura, configura não mais do que uma irregularidade, insusceptível de afetar o valor do acto praticado. q) Também defendido pelo presente tribunal: “O legislador não cominou com a sanção da nulidade a inobservância dos comandos inscritos nos artigos 372.º, n.º 5 e 373.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando dispõem que o depósito da sentença tenha lugar em ato imediato à respetiva leitura, pelo que a inobservância de tais preceitos legais configura apenas uma mera irregularidade, insuscetível de afetar o valor do ato praticado, atento o disposto no artigo 123.º, n.º 1 do Código de Processo Penal” r) No mesmo sentido, o Tribunal da Relação do Porto: Decorre do artigo 372º, nº 5, do Código de Processo Penal que logo após a leitura da sentença o presidente procede ao seu depósito na secretaria, mas o não cumprimento deste prazo não é cominado pela lei como nulidade, pelo que constitui uma mera irregularidade que não afeta a validade do acto praticado. III – O depósito tardio da sentença em nada afecta as garantias de defesa do arguido, pois que o prazo para recurso inicia-se com o seu depósito, uma vez que só a partir do momento em que tal peça processual é fisicamente disponibilizada se verificam as condições adequadas à sua análise e estudo, o que se mostra essencial à interposição e motivação de qualquer recurso. s) Aceitar que uma incapacidade temporária sirva de fundamento para dar sem efeitoumjulgamento inteironumprocessoem quesófalta depositarasentença configura uma solução claramente desproporcional e contrária às garantias do Direito Processual Penal. t) A repetição do julgamento, na fase processual em que nos encontramos, teria de ser devidamente justificada – o que nos presentes autos, com o devido respeito pelo Tribunal, não aconteceu. u) A incapacidade temporária da Juiz que presidiu ao julgamento não é causa suficiente e fundada para limitar os direitos do Arguido nos termos que estão aqui em causa. assumindo raciocínio e solução do Despacho recorrido, sempre se diria que se o Juiz atual for confrontado também ele com uma incapacidade temporária prolongada, o arguido seguirá para um terceiro julgamento. v) O que seria completamente contrário à lei e aos princípios do Direito – razão pela qual, apenas uma incapacidade definitiva poderia justificar a repetição do julgamento. w) Não estando estes requisitos preenchidos, a repetição do julgamento, conforme ordenada pelo tribunal recorrido implica uma limitação ilegal dos direitos do Arguido. x) Releva-se manifestamente desproporcional, do ponto de vista da posição do Arguido, ver-se sujeito ao escrutíniode umnovo julgamento,depoisdeter sido, há mais de um ano, absolvido do crime que lhe estava a ser imputado. y) O tribunal recorrido invoca que sendo imprevisível o regresso da Mm.ª Juiz de Direito que presidiu à produção de prova do julgamento objeto de anulação, afigura-se que aguardar pela elaboração e respetivo depósito da sentença por aquela conduziria o processo a um «beco sem saída», frustrando, inevitavelmente, o direito a uma tutela jurisdicional efetiva e à eternização do estatuto de arguido acusado, em oposição com o desiderato constitucional constante do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (direito a processo equitativo em prazo razoável). z) Mesmo que a data de regresso da Mmª Juiz de Direito seja imprevisível e que seja necessário garantir ao Arguido um processo equitativo e em prazo razoável, não se afigura que a repetição do julgamento tutele os princípios ora invocados. aa) O Arguido já teve um processo equitativo e em prazo razoável, o seu processo cumpriucom todas asformalidadeslegais,processuaiseconstitucionais. O que torna incomportável que ao abrigo deste mesmo princípio se venha ordenar a repetição de um julgamento já finalizado há quase um ano e meio. bb)Associado a isto, acresce ainda o risco sério das testemunhas, agora volvido mais de um ano do julgamento, e depois de 3 anos da data da alegada prática dos factos, não se recordem de nada, o que compromete o direito de defesa do Arguido. cc) Recorde-se que a queixosa no âmbito dos presentes autos, recusou prestar depoimento como testemunha, por ser casada com o Arguido, situação que ainda se mantém atualmente. dd)À luz do princípio do Juiz natural, deve a atribuição do processo ser feita atravésdasregrasgerais eser oJuiz designadopor estasqueacompanha todo o julgamento e todos os atos praticados ee) Ora, considerando que o juiz a quem foi atribuído agora o processo já conhece a decisão que foi proferida pela juiz anterior não se encontra garantido o princípio do juiz natural. ff) Considerando todos os argumentos aqui invocados, é necessário que o presente Tribunal corrija a situação criada pelo Tribunal a quo e regularize a mesma, revogando o Despacho que determinou a repetição integral do julgamento e que indeferiu as irregularidades arguidas pelo Arguido, colocando assim, o processo no estado em que ele se encontrava antes de terem sido proferidos estes Despachos. gg)Determinado que o processo fique a aguardar o regresso da Mm.ª Juiz signatária do mesmo para que esta sane a irregularidade em causa – a falta de depósito da sentença. Esta solução é a única compatível não só com a lei mas com os direitos conferidos ao Arguido. hh)O despacho ora recorrido menciona ainda que é necessário a repetição do julgamento a fim de evitar o risco de prescrição do procedimento criminal e de evitar o comprometimento da efetivação da realização da justiça em prazo razoável. ii) O artigo 118.º, n.º 1, b) do CP estabelece um prazo de 10 anos para o crime em causa nos presentes autos. Este crime é considerado um crime habitual, porquanto, tem por objeto a prática reiterada de uma mesma ação. Pelo que, o prazo de prescrição só começa a contar a partir da data do último ato – o que considerando a acusação e o despacho de pronúncia – será fixada no dia ... de ... de 2022. jj) Conjugado o teor do disposto no artigo 118.º e no arrigo 121.º o risco de prescrição do procedimento criminal alegado pelo tribunal recorrido é completamente afastado. kk) Mesmo desconsiderando os períodos em que a prescrição interrompeu, estaríamos a mais de 7 anos da verificação do prazo de prescrição aplicável ao crime em causa nos presentes autos. ll) Afastado que está o risco da verificação da Prescrição, não se compreende o motivo pelo qual se veio dar sem efeito o julgamento anterior e ordenar a repetição integral do mesmo. mm) Considerando todos os elementos aqui invocados concluiu-se que inexistem fundamentos legais para ordenar a repetição do julgamento, devendo, o presente tribunal pronunciar-se no sentido aqui defendido. nn)O tribunal a quo indeferiu o pedido de disponibilização das gravações das sessões de julgamento realizadas nos dias ........2023 e ........2024, por entender que dando sem efeito o julgamento essa disponibilização poderia comprometer a espontaneidade dos depoimentos que teria agora de ser repetidos. oo)Não se compreende como é que isso poderá “comprometer a espontaneidade dos depoimentos”, uma vez que está a ser pedida apenas pelo Arguido e não pelas testemunhas. pp)O acesso às sessões de julgamento trata-se de um direito que assiste ao Arguido. qq)Termos em que deve este Dgno Tribunal da Relação de Lisboa revogar a decisão do Tribunal a quo quanto ao pedido de acesso à prova gravada, ordenado a disponibilização de todas as gravações ao Arguido». Da admissão do recurso III. Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo. Da resposta IV. Notificado para tanto, respondeu a ofendida, tendo a sua resposta não sido admitida na primeira instância porquanto não tem a qualidade de assistente. Respondeu ainda o Ministério Público, defendendo a improcedência do recurso, sem apresentar conclusões. Do parecer nesta Relação V. Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público, tendo sido emitido parecer que, aderindo à resposta apresentada na primeira instância, concluiu pela improcedência do recurso. Da resposta ao parecer VI. Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, nada foi acrescentado. VII. Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência. OBJETO DO RECURSO O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995). São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar. Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir: 1. Se o julgamento não deve ser repetido, ficando os autos a aguardar indefinidamente pelo regresso da Exma. Sra. Juíza de Direito, a fim de que a mesma deposite a sentença lida oralmente. 2. Se deve ser deferido o pedido de o recorrente de ter acesso à prova gravada. DO DESPACHO RECORRIDO Do despacho recorrido consta o seguinte (transcrição): « Da alegada irregularidade e da pretendida sanação com elaboração da sentença por Juiz substituto com base na prova gravada (requerimento de ...-...-2025, ref.a citius 27616201): Por requerimento de ...-...-2025, que antecede, veio o arguido arguir a irregularidade do Despacho de ...-...-2025, que deu sem efeito a audiência de discussão e julgamento já realizada nestes autos e, em consequência, determinou a repetição integral do julgamento. Para o efeito, alega em síntese que: (i) o facto de a sentença proferida oralmente em ...-...-2024 pela Mm.a Juiz de Direito, que presidiu àquela audiência de discussão e julgamento objeto de anulação, não ter sido depositada consubstanciaria apenas uma mera irregularidade, suscetível de sanação através da prática do ato omitido, uma vez que o depósito da sentença constituiria apenas uma mera formalidade; (ii) a sanação de tal irregularidade passaria pela reprodução por escrito, pelo magistrado judicial ora signatário (que não presidiu à audiência de julgamento em apreço), da sentença proferida verbalmente pela anterior Mma. Juiz de Direito, recorrendo, para o efeito, à prova gravada; (iii) subsidiariamente: a circunstância de a Mma. Juizde Direito em apreço se encontrar em situação de incapacidade temporária não constituiria fundamento de anulação da audiência de julgamento já realizada; (iv) subsidiariamente: a anulação da audiência de discussão e julgamento e, consequentemente, da sentença proferida oralmente por meio da qual o arguido foi absolvido configuraria uma violação clara das garantias de defesa do arguido constitucionalmente asseguradas, uma vez que: (a) seria impossível reproduzir os depoimentos das testemunhas efetuados anteriormente numa nova audiência, (b) o prazo de prescrição do presente procedimento criminal estaria longe de ser atingido; (c) o despacho em apreço, ao dar sem efeito o julgamento anteriormente realizado e, por arrastamento, a sentença aí «lida por apontamento», mas não reduzida a escrito nem depositada, violaria os princípios gerais do direito processual penal - princípio da não autoincriminação do arguido e do acesso a um processo justo e equitativo, porquanto, com a sentença absolutória proferida verbalmente, ter-se-ia consolidado uma expetativa, legitima e justificada, na esfera do Arguido de que fora absolvido da prática do crime de que vinha acusado. O Ministério Público promoveu o indeferimento do requerido, aduzindo os fundamentos melhor descritos na promoção que antecede. Cumpre apreciar e decidir. Com a devida vénia, afigura-se que não assiste razão ao arguido pelas seguintes ordens de razão. Em primeiro lugar, na senda da Jurisprudência dos Tribunais Superiores, que se acolhe, entende-se que é inexistente a sentença «lida por apontamento», sem redução a escrito nem depósito na secretaria 1. Com efeito, como pugna a Jurisprudência mencionada, a leitura de um rascunho ou de um apontamento do que se pretenderia vir a configurar uma futura sentença não tem a forma ou a figura de uma sentença, sendo certo que «se a sentença consistiu numa pronúncia oral, que não chegou a ser reduzida a escrito, é claro que não existe sentença», desde logo, porque não foram observados os requisitos previstos no artigo 374.° do Código de Processo Penal2 Por outras palavras, a sentença proferida verbalmente sem a posterior redução a escrito «não existe, nem sequer materialmente», enfermando assim do vício de inexistência jurídica. Nessa qualidade, o ato inexistente em apreço não é suscetível de produzir efeitos, não formando, por isso, caso julgado, sendo certo que a inexistência jurídica em apreço abrange: (i) a eventual aplicação do direito ao caso concreto e, (ii) necessariamente, a suposta tomada de posição sobre a matéria de facto com interesse para a decisão da matéria de facto3. Acresce que, na esteira da Jurisprudência que se acolhe, «não sendo reduzida a escrito, lida publicamente e depositada na secretaria a sentença que o devería ser, apenas o tendo sido “por apontamento”, inexiste sentença juridicamente válida, cuja consequência é a nulidade insanável da sessão do julgamento onde tais factos ocorreram que deverá repetir-se com o cumprimento de todas as exigências referentes à elaboração, leitura e deposito da sentença»4. Nesse sentido, é forçoso concluir que o vício em apreço não corresponde à irregularidade, mas sim à inexistência jurídica e, como tal, insuscetível de sanação. Em segundo lugar, ainda que se entendesse que se estaria perante uma mera irregularidade, a verdade é que, por um lado, sempre se mostraria vedado ao ora signatário sanar a mesma com recurso à prova gravada da audiência de discussão e julgamento dada sem efeito. Efetivamente, a convicção de um juiz não pode decorrer da simples audição do registo da prova gravada, sob pena de, desse modo, se beliscarem os princípios da oralidade e da imediação que sustentam o julgamento. Além disso, constitui nulidade insanável a prolação de sentença por juiz diverso do que realizou a audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto no artigo 119.°, alínea a), do CPP, sendo tal nulidade insuscetível de ser ultrapassada pelo consentimento prestado pelos sujeitos processuais5. Por outro lado, sendo imprevisível o regresso da Mm.a Juiz de Direito que presidiu à produção de prova do julgamento objeto de anulação, afigura-se que aguardar pela elaboração e respetivo depósito da sentença por aquela conduziria o processo a um «beco sem saída»6, frustrando, inevitavelmente, o direito a uma tutela jurisdicional efetiva e à eternização do estatuto de arguido acusado, em oposição com o desiderato constitucional constante do artigo 20.°, n.° 4, da Constituição da República Portuguesa (direito a processo equitativo em prazo razoável). Em terceiro lugar, o próprio artigo 328.°-A, n.° 3, do Código de Processo Penal prevê que também a incapacidade temporária do Mm.° Juiz de Direito pode acarretar a sua substituição caso as circunstâncias o aconselhem. Mesmo que se entenda que o preceito citado apenas se mostra vocacionado para os Tribunais Coletivos, a verdade é que, na esteira da Doutrina citada no despacho que antecede, tem-se que, em caso de impossibilidade permanente ou temporária do Juiz Singular, sempre deverá ser integralmente repetida a audiência de julgamento presidida pelo juiz a quem for atribuído o processo. Em quarto lugar, quanto à necessidade de repetição dos depoimentos das testemunhas e, assim, à impossibilidade de se obter em novo julgamento depoimentos exatamente idênticos aos prestados na audiência de discussão e julgamento objeto de anulação, afigura-se que se está apenas perante uma vicissitude intrínseca à condição humana, a qual já foi tomada em consideração pelo legislador nas disposições em que prevê a repetição da audiência de discussão e julgamento. Acresce que, mais do que evitar a prescrição do presente procedimento criminal, o que se pretende com a decisão em crise é a prolação de sentença em prazo razoável, em observância do disposto no artigo 20.°, n.° 4, da CRP. Por fim, ao contrário do pugnado pelo arguido, o despacho em apreço não beliscou os princípios gerais do direito processual penal por si invocados, sendo certo que inexiste qualquer frustração da(s) expectativa(s) por parte do arguido - ou, pelo menos, de uma expectativa merecedora de proteção - no que respeita a uma eventual absolvição, pela simples razão de que a sentença verbal em apreço não transitou em julgado. Além disso, a prolação de uma sentença absolutória em primeira instância nunca obstaria a que o arguido viesse a ser condenado em segunda instância, o que, só por si, veicula que ao arguido não assiste qualquer expectativa à prolação de uma decisão absolutória. Pelo exposto, julga-se improcedente a irregularidade apontada e, em consequência, indefere-se o requerido. *** - Do pedido de acesso à prova gravada (requerimento de ...-...-2025, ref.a citius 27602360): O julgamento realizado nos presentes autos, cuja última sessão se verificou em ... de 2024, foi agora dado sem efeito, tendo sido determinada a sua integral repetição. Repetição que não se confunde com reprodução. A repetição reporta-se à repetição de atos, mas não necessariamente à repetição de conteúdo. Significa que tanto quanto possível tudo deverá passar-se como se não tivesse havido julgamento, donde os depoimentos a prestar deverão manter a sua natureza espontânea. Dito de outra forma, toda a prova testemunhal prestada nessa sede terá agora de ser produzida ex-novo por forma a garantir tanto quanto possível a espontaneidade dos depoimentos. Note-se que em casos de repetição de julgamento o juiz que presidiu ao primeiro julgamento está impedido de o fazer no novo julgamento, precisamente para eliminar enviesamentos e pré-formação de convicções e garantir a genuinidade, a integralidade, a integridade da prova. Nesse sentido, afigura-se que a disponibilização das gravações do julgamento dado sem efeito comprometeria aquela espontaneidade, abrindo portas a indesejáveis «refrescamentos» de memória, comparações, e justaposições de depoimentos que não poderão existir. Diga-se que, na medida em que aquele julgamento deixou de ter relevância, não se vê outra finalidade na obtenção das gravações pretendidas. Em suma, todos os intervenientes deverão ser colocados, na medida do possível, na mesma situação em que se encontravam antes do primeiro julgamento realizado. Pelo exposto, indefere-se o requerido». INCIDÊNCIAS PROCESSUAIS COM RELEVO PARA A DECISÃO 1. Em ... de ... de 2025, foi proferido o seguinte despacho (transcrição): «- Da repetição integral da audiência de discussão e julgamento: Considerando que: (i) a Mm.ª Juiz de Direito, Dr.ª BB, titular do lugar de Juiz 2 do Juízo Local Criminal de Oeiras, se encontra, entre o mais, de baixa médica e sem previsão de data para o seu regresso, e que (ii) apesar de o julgamento dos presentes autos ter sido concluído, a respetiva sentença aqui proferida verbalmente por aquela não foi depositada até à presente data, por ofício n.º … do Conselho Superior da Magistratura, de 03-03-2025 (proc. n.º …), devidamente homologado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, foram os presentes autos reafectados ao ora signatário, em ordem a permitir a regularização do processo. Neste âmbito, o artigo 328.º-A, n.os 1 a 3, do Código de Processo Penal, dispõe que: 1. «Só podem intervir na sentença os juízes que tenham assistido a todos os atos de instrução e discussão praticados na audiência de julgamento, salvo o disposto nos números seguintes. 2. Se durante a discussão e julgamento por tribunal coletivo falecer ou ficar impossibilitado permanentemente um dos juízes adjuntos, não se repetem os atos já praticados, a menos que as circunstâncias aconselhem a repetição de algum ou alguns dos atos já praticados, o que é decidido, em despacho fundamentado, pelo juiz que deva presidir à continuação da audiência, ouvido o juiz substituto. 3. Sendo temporária a impossibilidade, interrompe-se a audiência pelo tempo indispensável, a não ser que as circunstâncias aconselhem a substituição do juiz impossibilitado, o que é decidido, em despacho fundamentado, pelo juiz que deva presidir à continuação da audiência». Deste modo, resulta da norma citada que, em regra, a sentença deve ser sempre elaborada e depositada pelo magistrado judicial que presidiu à diligência e compareceu à mesma em todos os atos processuais, não sendo possível uma eventual sanação por via da (re)elaboração / depósito da sentença por outro juiz (substituto) com base na prova gravada. Efetivamente, a convicção de um juiz não pode decorrer da simples audição do registo da prova gravada, sob pena de, desse modo, se beliscarem os princípios da oralidade e da imediação que sustentam o julgamento. Além disso, constitui nulidade insanável a prolação de sentença por juiz diverso do que realizou a audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto no artigo 119.º, alínea a), do CPP, sendo tal nulidade insuscetível de ser ultrapassada pelo consentimento prestado pelos sujeitos processuais (7). Neste sentido, nos termos do disposto no artigo 328.º-A, n.º 1, do Código de Processo Penal, na medida em que o ora signatário não teve intervenção na audiência de discussão e julgamento destes autos, não pode o mesmo elaborar por escrito a sentença proferida e, consequentemente, depositar a mesma. No entanto, a norma em apreço prevê exceções ao princípio geral de que só podem intervir na decisão os juízes que tenham assistido a todos os atos de discussão praticados na audiência de discussão e julgamento, nomeadamente, entre o mais, as hipóteses de (i) impossibilidade permanente e de (ii) impossibilidade temporária do juiz que presidiu a tais atos. A impossibilidade permanente respeita a toda e qualquer circunstância legal ou factual que impede o juiz de continuar a participar na audiência de discussão e julgamento, incluindo as hipóteses de doença, entre outras. Por seu turno, a impossibilidade temporária respeita a toda a circunstância legal ou factual que não permite ao juiz prosseguir a audiência de julgamento de forma contínua por um determinado período temporal, que pode ser certo / previsível ou incerto / imprevisível, mais curto ou dilatado, aqui se abrangendo casos como uma doença, cirurgia, comissão de serviço impeditiva de julgar, etc. (8). No caso concreto, encontrando-se a Mm.ª Juiz de Direito titular, entre o mais, de baixa médica e sem previsão de data para o seu regresso, afigura-se que a mesma se debate com uma impossibilidade temporária que tem obstado a que deposite a sentença proferida verbalmente nos presentes autos. Nesta matéria, porém, sustenta Tiago Caiado Milheiro que as soluções previstas no citado artigo 328.º-A do Código de Processo Penal apenas se aplicam aos Tribunais Coletivos, pelo que, em caso de impossibilidade permanente ou temporária do Juiz Singular, sempre deverá ser integralmente repetida a audiência de julgamento presidida pelo juiz a quem for atribuído o processo (9). De igual modo, pugna António Jorge Oliveira Mendes que, no caso de julgamento por juiz singular, nada prevendo a lei, deve entender-se que caberá ao juiz substituto a decisão sobre as circunstâncias que aconselham ou não a substituição do juiz impossibilitado, a menos que se trate de impossibilidade passageira conhecida ex ante pelo juiz impossibilitado, caso em que a decisão deverá ser previamente assumida por este (10). Ora, no caso concreto, atenta a circunstância de (i) a Mm.ª Juiz de Direito se encontrar em situação de impossibilidade temporária para a prática do ato em apreço, e de (ii) resultar do disposto no artigo 373.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que a sentença deve ser lida e depositada no prazo de 10 (dez) dias seguintes à data da sessão em que foi encerrada a audiência de discussão e julgamento, tendo já decorrido um longo período de tempo desde o término de tal prazo, afigura-se, pois, que deve ser ordenada a repetição do julgamento a fim de evitar o risco de prescrição do procedimento criminal e de evitar o comprometimento da efetivação da realização da justiça em prazo razoável, em observância do disposto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. Pelo exposto, em cumprimento do ofício mencionado supra, emanado do Conselho Superior da Magistratura, dá-se sem efeito a audiência de discussão e julgamento já realizada nestes autos e, em consequência, determina-se a repetição integral do julgamento, devendo os autos reverter até ao momento imediatamente anterior ao início da audiência de julgamento. Notifique. ** Para julgamento, a realizar neste Tribunal, designo o dia ... de ... de 2025, pelas 13.40 horas, neste Tribunal. Em caso de adiamento ou de necessidade de ouvir o(a) arguido(a), nos termos dos artigos 312.º n.º 2 do Código de Processo Penal, desde já designo o dia ... de ... de 2025, pelas 13.40 horas, neste Tribunal. *** Previamente ao cumprimento integral do presente despacho, notifique o(s) I. Advogado(s) constituído(s) e I. Defensor(es), nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 312.º, n.º 4, do Código de Processo Penal e 151.º, n.º 2, do Código Processo Civil. Caso discordem das datas designadas para a realização da audiência de discussão e julgamento devem, no prazo de 5 dias, indicar datas alternativas (artigo 312.º, n.º 4, do CPP). Decorrido esse prazo, nada tendo sido comunicado, cumpra o demais ordenado e as datas consideram-se fixadas. (…)» 2. No dia ... de ... de 2023, o arguido recorrente foi pronunciado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido nos termos do artigo 152º, nº 1 al. a), nº 2 al. a), nº4 e nº5 do Código Penal. 3. A audiência de julgamento teve início em ... de ... de 2023, presidida pela Exma. Sra. Juíza de Direito Dra. BB. 4. A sentença foi lida oralmente pela referida Magistrada Judicial em ........2024 e não foi objeto de depósito. FUNDAMENTAÇÃO 1. Se o julgamento não deve ser repetido, ficando os autos a aguardar indefinidamente pelo regresso da Exma. Sra. Juíza de Direito, a fim de que a mesma deposite a sentença lida oralmente A Exma. Sra. Juíza de Direito que presidiu ao julgamento não depositou a sentença, cujo teor anunciou oralmente. Permanece de baixa médica e sem previsão de data para o seu regresso. Nos termos do artigo 372, nº 5, do CPP, “logo após a leitura da sentença, o presidente procede ao seu depósito na secretaria”. Acolhe-se a argumentação do despacho recorrido, legal e jurisprudencial. Acrescentamos dois acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa: O primeiro, de 23.02.2005, relatado por Almeida Cabral no processo 4544/2005-9, publicado na dgsi, onde se lê que «é inexistente a sentença lida por apontamento (…) Inexistindo a sentença impõe-se a repetição do julgamento». O segundo, desta 5ª secção, de 09.04.2024, relatado por Mafalda Sequinho dos Santos no processo 12/15.0F9LSB.L1-5, disponível na base da dgsi: «A sentença que não foi reduzida a escrito e meramente lida “por apontamento” é juridicamente inexistente, com a consequente nulidade insanável da sessão de julgamento onde tais factos ocorreram que deverá repetir-se com cumprimento das exigências referentes à elaboração, leitura e subsequente depósito». Diz-nos o artigo 328-A do CPP, sobre o princípio da plenitude da assistência dos juízes, que: “1 - Só podem intervir na sentença os juízes que tenham assistido a todos os atos de instrução e discussão praticados na audiência de julgamento, salvo o disposto nos números seguintes. 2 - Se durante a discussão e julgamento por tribunal coletivo falecer ou ficar impossibilitado permanentemente um dos juízes adjuntos, não se repetem os atos já praticados, a menos que as circunstâncias aconselhem a repetição de algum ou alguns dos atos já praticados, o que é decidido, em despacho fundamentado, pelo juiz que deva presidir à continuação da audiência, ouvido o juiz substituto. 3 - Sendo temporária a impossibilidade, interrompe-se a audiência pelo tempo indispensável, a não ser que as circunstâncias aconselhem a substituição do juiz impossibilitado, o que é decidido, em despacho fundamentado, pelo juiz que deva presidir à continuação da audiência. 4 - O juiz substituto continua a intervir, não obstante o regresso ao serviço do juiz efetivo. 5 - O juiz que for transferido, promovido ou aposentado conclui o julgamento, exceto se a aposentação tiver por fundamento a incapacidade física, moral ou profissional para o exercício do cargo, ou se em qualquer dos casos as circunstâncias aconselharem a substituição do juiz transferido, promovido ou aposentado, o que é decidido, em despacho fundamentado, pelo juiz que deva presidir à continuação da audiência. 6 - O disposto no n.º 2 é correspondentemente aplicável às situações previstas nos n.os 3 e 5. 7 - Para o efeito de ser proferida a decisão prevista no n.º 2 devem ser ponderados, nomeadamente, o número de sessões já realizadas, o número de testemunhas já inquiridas, a possibilidade de repetição da prova já produzida, a data da prática dos factos e a natureza dos crimes em causa”. O citado normativo permite a substituição do juiz impossibilitado, ainda que se trate de impossibilidade temporária, quando as circunstâncias o aconselharem (nº 3). No caso, o processo reveste natureza urgente. Como se referiu no despacho de ... de ... de 2025, “por ofício n.º … do Conselho Superior da Magistratura, de 03-03-2025 (proc. n.º …), devidamente homologado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, foram os presentes autos reafectados ao ora signatário, em ordem a permitir a regularização do processo”. O Conselho Superior da Magistratura determinou, portanto, que o Exmo. Sr. Juiz signatário do despacho recorrido regularizasse o processo, i.e., determinou que o processo não ficasse a aguardar o regresso (incerto e imprevisível, com prejuízo para o direito constitucional de acesso ao direito e de obtenção de decisão em prazo razoável – cfr. artigo 20º da CRP) da Exma. Sra. Juíza que presidiu ao julgamento. Este Sr. Juiz, em cumprimento do ordenado pelo seu órgão de disciplina e gestão, não pode proferir sentença apenas com base na audição dos registos áudio. Como se lê no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31.10.2023, relatado por Isilda Pinho, proferido no processo 730/18.0T9GMR.G1, publicado na dgsi: «(…) II. A convicção de um juiz não pode advir da simples audição do registo da prova gravada. Admitir a validade da prolação de uma sentença pelo juiz substituto, assente na mera audição do registo da prova, seria uma afronta aos princípios da oralidade e da imediação que sustentam o julgamento, fase crucial do processo penal. III. Se a sentença é elaborada por juiz diverso do que presidiu ao julgamento, encontra-se violado o princípio da plenitude da assistência dos juízes. IV. Os desvios ao princípio da plenitude da assistência dos juízes contemplados no próprio artigo 328.º-A do Código de Processo Penal não têm qualquer repercussão quanto aos julgamentos perante tribunal singular. V. Tornando-se necessário proceder à substituição do juiz do julgamento perante o tribunal singular a audiência deve ser repetida, pois só assim se salvaguardam os princípios da imediação, da oralidade e da plenitude da assistência dos juízes, princípios esses basilares no nosso processo penal. VI. Quando a sentença não é proferida pelo juiz que realizou a audiência de julgamento verifica-se uma nulidade insanável prevista no artigo 119.º alínea a) do Código de Processo Penal, e, como tal, insuscetível de ser “ultrapassada” pelo consentimento prestado pelos sujeitos processuais, que se encontra desprovido de qualquer eficácia». Assim se conclui que nenhuma mácula pode ser assacada ao despacho recorrido quando decidiu indeferir o requerimento do arguido ora recorrente, mantendo a decisão de repetição integral do julgamento. 2. Se deve ser deferido o pedido de o recorrente de ter acesso à prova gravada. A prova gravada cujo acesso reclama o recorrente é a referente ao julgamento que se vai repetir. O teor dessas gravações – declarações, depoimentos e atos prestados oralmente no primeiro julgamento - já não tem efeito ou utilidade. Essa prova não vai poder ser usada porquanto o julgamento no qual foi produzida ficou sem efeito. A lei proíbe a prática de atos inúteis – artigo 130º do CPC, ex vi do artigo 4º do CPP. É desprovida de razão ou de fundamento a pretensão do recorrente. Também aqui improcede o julgamento. DECISÃO Nestes termos, e face ao exposto, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não provido o recurso interposto pelo arguido AA, confirmando assim o despacho recorrido. Taxa de justiça pelo arguido, que se fixa em 4 Ucs – artigos 513.º e 514.º, ambos do Código de Processo Penal e artigo 8.º/9 do Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, por remissão para a tabela III ao mesmo anexa. Notifique. O presente acórdão foi integralmente processado a computador e revisto pela signatária relatora, seguindo-se a nova ortografia excetuando na parte em que se transcreveu texto que não a acolheu, estando as assinaturas de todos os Juízes apostas eletronicamente – art. 94º, nº 2, do CPP. Lisboa, 21 de outubro de 2025 Ana Cristina Cardoso Rui Coelho Paulo Barreto ____________________________________________ 1. Neste sentido, cf. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11-04-2018, proc. n.º 19383/09.0TDPRT-A.P1 (VÍTOR MORGADO), disponível em www.dgsi.pt. 2. Cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19-10-2016, proc. n.º 16/12.4GFCVL.C1 (ISABEL VALONGO), disponível em www.dgsi.pt. 3. Neste sentido, cf. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11-04-2018, proc. n.º 19383/09.0TDPRT-A.P1 (VÍTOR MORGADO), disponível em www.dgsi.pt. 4. Cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13-11-2019, proc. n.º 301/15.3GAMIR.C1 (LUÍS TEIXEIRA), disponível em www.dgsi.pt. 5. Cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 31-10-2023, proc. n.º 730/18.0T9GMR.G1 (ISILDA PINHO), disponível em www.dgsi.pt 6. Neste sentido, cf. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11-04-2018, proc. n.º 19383/09.0TDPRT-A.P1 (VÍTOR MORGADO), disponível em www.dgsi.pt. 7. Cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 31-10-2023, proc. n.º 730/18.0T9GMR.G1 (Isilda Pinho), disponível em www.dgsi.pt. 8. Cf. a anotação ao artigo 328.º-A do Código de Processo Penal, in AA.VV., Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2023, p. 280. 9. Cf. a anotação ao artigo 328.º-A do Código de Processo Penal, in AA.VV., Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2023, pp. 272, 273 e 282. 10. Cf. a anotação ao artigo 328.º-A do Código de Processo Penal, in AA.VV., Código de Processo Penal Comentado, 4.ª ed., Coimbra: Almedina, 2022, p. 1043. |