Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | ALDA TOMÉ CASIMIRO | ||
| Descritores: | DANO COM VIOLÊNCIA FUNDAMENTAÇÃO NULIDADE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO BEM JURÍDICO EMINENTEMENTE PESSOAL | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/21/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | I. Não estando em causa a prática de crime de dano, mas de crime de dano com violência – o qual assume natureza pública como resulta da previsão do art. 214º do Cód. Penal – não é exigível a apresentação de queixa. II. Na nulidade por ausência de fundamentação está em causa a omissão absoluta dos dois ‘itens’ enunciados no nº 2 do art. 374º do Cód. Proc. Penal. III. A ausência de imediação determina que o Tribunal superior, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela primeira instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida. IV. O crime de dano com violência previsto no nº 1 do art. 214º do Cód. Penal não protege apenas o bem jurídico da propriedade, mas também a vida, a integridade física e a liberdade de acção e decisão, sendo que o conceito de violência ali contemplado abrange tanto a violência física, como psíquica sobre certa pessoa, como também a intervenção física directa sobre coisas, do visado ou de terceiro, que atinjam por via indirecta as pessoas. V. Havendo uma pluralidade de vítimas, e tendo sido violado, para além do bem jurídico da propriedade, bens jurídicos eminentemente pessoais, como a tranquilidade de cada um dos ofendidos – pois que além de causar perigo para o corpo e a saúde dos 4 ofendidos, o recorrente molestou-os psiquicamente e intimidou-os, causando-lhes medo e inquietação e fazendo-os temer pela sua integridade física – forçoso é concluir que o recorrente cometeu 4 crimes de dano com violência. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, Relatório No âmbito do processo comum (Singular) nº 683/24.6PBSNT, que corre termos no Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Sintra, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi o arguido, AA, solteiro, empresário, nascido a ........1985 em ..., filho de BB e de CC, residente na ..., condenado, pela prática de quatro crimes de dano com violência, p. e p. pelos arts. 214º, nº 1 al. a) e 212º, nº 1 do Cód. Penal, na pena de 1 (ano) e 6 (seis) meses de prisão por cada um dos crimes e na pena acessória de proibição de condução do art. 69º, nº 1, al. b) do Cód. Penal pelo período de 12 (doze) meses. Operado o cúmulo jurídico, ficou o arguido condenado na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período subordinada ao pagamento, através de deposito autónomo à ordem dos autos, da quantia de três mil euros a favor da Prevenção Rodoviária Portuguesa e na pena acessória de proibição de condução pelo período de 12 (doze) meses. * Não se conformando com a decisão, o arguido interpôs recurso onde requer que a sentença recorrida seja anulada ou, caso assim não se entenda, seja a decisão recorrida revogada e ele absolvido. Para tanto formula as conclusões que se transcrevem: a) No crime de dano, previsto e punido no artº 212 nº 1 do CP, é ofendido quem tem legitimidade para apresentar queixa nos termos do artº 113 nº 1 do mesmo diploma, o proprietário da coisa “destruída no todo ou em parte, danificada, desfigurada ou inutilizada”, e quem, estando por título legítimo no gozo da coisa, for afectado no seu direito de uso e fruição: Acórdão de Jurisprudência Uniformizador nº 7/2011. b) No caso dos autos, a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação, na medida em que apenas se refere ao conceito de “coisa alheia”, sem porém indicar das razões pelas quais considera que a Ofendida é, sobre o veículo, titular de qualquer direito, ainda que de gozo, ainda que um direito real menor, que lhe advenha de “título legítimo”, conceito que, de resto, também não é sequer superficialmente (sequer) aflorado. c) Embora a lei penal não exige que o ofendido seja titular do direito protegido pela incriminação afirmando que o nº 1 do artº 113 do CP menciona expressamente o “titular de interesses”, a realidade é que dos factos provados nada resulta que possa refletir “estar legitimada por título legítimo no gozo” do automóvel que conduzia, dado que a tal propósito ficou apenas provado que (n.º 13 dos factos considerados provados) que a queixosa não era a proprietária do veículo, e que "DD, pai dos filhos da ofendida e dono registral do veículo de matrícula ..-..-VD foi ressarcido de metade daquele valor pela companhia de seguros."; Nada mais! d) De acordo com o disposto no art. 1305.º, n.º 1 do Código Civil, só “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposições das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”, e não estando provado, sequer, que o referido DD autorizava a Ofendida a conduzir o veículo (nem isso está provado, sendo que só isso sempre seria insuficiente…), dever-se-á aqui declarar a falta de uma condição de procedibilidade – a existência de queixa de validamente apresentada - e determinar que, não tendo o Ministério Público legitimidade para acusar, nos presentes autos, deverá declarar-se extinta a responsabilidade criminal da arguida quanto ao crime de dano. e) Embora a Ofendida EE, no depoimento prestado no dia 12-05-2025, entre as 11:18 e as 11:47, tenha, aos Minutos 05:25 a 05:45, referido que tinha os 3 filhos no carro, é impossível que assim seja, já que, tratando-se de um carro para mais de pequenas dimensões, um peugeout 9006, não se vislumbra como possam estar três cadeiras para crianças instaladas no banco de trás, já que este veículo (praticamente todos aliás) têm sistema isofix, para instalação de cadeiras, apenas em dois lugares do banco traseiro, o que impede que seja declarado como provado o facto elencado em 3 dos factos provados. f) Inexiste prova segura, neste depoimento da Ofendida EE – porque nenhuma outra prova existe – de que os factos relatados na acusação, tenham efectivamente ocorrido, pelo que deveriam ter sido dados como não provados os factos 6 a 12, 14 e 15, pela insuficiência do atabalhoado depoimento da ofendida EE, prestado no dia 12-05-2025, entre as 11:18 e as 11:47, aliás parte interessada, sobre a descrição do embate (minutos 02:30 a 07:10). g) Desde logo, porque a Ofendida EE é parte interessada, na medida em que, conforme confessou (minuto 19:27 a 21:10), declara que a seguradora do Arguido não assumiu a totalidade das responsabilidades pelo acidente, mas não sabe, sequer, qual foi o valor indemnizatório atribuído, apenas sabendo que não foi suficiente para pagar a reparação do veículo que não era seu. h) E, pior, como resulta da passagem dos 11:50 a 12:50 do mesmo depoimento da Ofendida EE, não sabe sequer descrever os danos que o “seu” veículo sofreu, esquivando-se, entre os Minutos 13.40 a 15:00, a responder sobre se o “seu” veículo tinha ou não danos pré-existentes, i) Tudo se tornando ainda mais estranho, tendo em conta que entre os minutos 18:40 a 19:00 do depoimento de EE, a “ofendida” assume que, na declaração efectuada na sequência do pretenso sinistro, não declarou ter visualizado quaisquer danos no veículo do arguido! j) Mais declarando a “ofendida” ao minuto 05:45 a 05:60, que não perdeu o controlo do veículo, e jamais descrevendo o embate como de tal forma violento que pudesse por em risco a sua integridade física dos ocupantes, o que de todo impede que seja dado como provado o que consta do facto provado 15. k) A realidade é que a falta de isenção do Tribunal a quo, objectivamente notória para quem ouça as sugestões de resposta que, nem assim, a Ofendida conseguiu concretizar, exsuda, escandalosamente, da total ausência de prova relativamente ao facto essencial: em momento algum a ofendida EE, no depoimento prestado no dia 12-05-2025, entre as 11:18 e as 11:47, seja nas passagens acima identificadas, seja em quaisquer outras, ter declarado que o Arguido tenha causado, propositadamente, o embate que diz ter ocorrido, o que, obviamente, impede que seja dado como provado o facto 14 do elenco de factos provados quando, conclusivamente aliás, narra que «O arguido, ao desviar o seu veículo e ao embater propositadamente no veículo conduzido pela ofendida EE, agiu com o propósito concretizado de o partir, riscar e amolgar». l) Afirma e bem a sentença recorrida que o art. 214º CP contempla formas de dano com violência, relevando, a acrescer ao dano em coisa, vem a prática de violência contra uma pessoa a que se equipara a ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física ou pondo-a na impossibilidade de resistir; E por violência pode entender-se aquela que põe em causa a liberdade da pessoa - de movimentos e/ou ação e decisão - e a integridade física e a colocação na impossibilidade de resistir também ofende a liberdade individual de movimentos e/ou ação e decisão e em certos casos a integridade física. m) Conclui, apressadamente e sem uma operação de subsunção que pretenda sequer ser intelectualmente séria, na mais ostensiva falta de fundamentação, que «Foi exatamente o que aconteceu neste caso.». n) Nada disso aconteceu neste caso e não há factos provados, nem silogismo lógico sequer, nesta sentença, que permita afirmá-lo. o) Nos autos, ficou provado que: 7º Quando ambos os veículos circulavam paralelamente, o arguido, fitando a ofendida, começou a gesticular na sua direcção, ao mesmo tempo que lhe dizia “aprenda a fazer a rotunda”. 8º Nesse instante, e sem que nada o fizesse prever, o arguido desviou/guinou bruscamente o seu veículo para a direita, em direcção ao veículo da ofendida, vindo a embatê-lo no espelho retrovisor esquerdo e ao longo da parte lateral esquerda. 9º Em consequência de tal manobra do arguido, a ofendida e os seus três filhos menores assustaram-se, tendo estes começado a chorar. 10º Após a referida manobra, o arguido acelerou o seu veículo e mudou para a via de trânsito direita, passando a circular à frente do veículo da ofendida, após o que abandonou o local em direcção à ..., onde veio a estacionar o veículo defronte ao n.º 38. 11º Entretanto, a ofendida decidiu ir no encalce do arguido, acabando por parar também o seu veículo na ..., junto ao daquele, após o que saiu do mesmo e confrontou o arguido com a sua conduta, enfatizando que transportava consigo os seus três filhos menores, ao que o arguido retorquiu: devia ter batido mais. 12º Ainda como consequência directa da conduta do arguido acima descrita em 9., o veículo conduzido pela ofendida, ficou com o espelho retrovisor esquerdo partido, a lateral esquerda do carro ficou riscada e amolgada e a jante da roda dianteira esquerda ficou empenada, cuja reparação orçou € 1.608,10 (mil seiscentos e oito euros e dez cêntimos). p) Daqui se infere que a ofendida não foi ameaçada na sua integridade física, pois não existe, de tal ameaça à integridade física, qualquer facto provado que a sustente, q) Ao que acresce que, comparar a situação dos autos a outra em caracterizada por “machadadas num veículo onde se encontravam duas pessoas” é simplesmente sintomático da existência de uma tentativa de equiparar duas situações de equiparação objectivamente ridícula (Salvo o devido respeito, mas não há outra forma de o dizer). r) Ameaça, que não a física, também inexiste, seja contemporizada com o embate, então, consumado, sem qualquer ameaça prévia, seja posterior, já que inexiste qualquer expressão do arguido ou conduta que implique a promessa de causação de um mal futuro; E muito menos ocorreu qualquer actuação do arguido susceptível de colocar a Ofendida numa posição de impossibilidade de resistir. s) E ainda considerando que ficou “assustada”, não há sequer respaldo da “situação de perigo [foi] iminente e simultânea aos danos provocados”, porquanto o embate não descreve uma situação de tamanha violência que gere um perigo para a integridade física seja de quem for (por exemplo, o embate ter sido de tal forma violento que tenha causado um risco de despiste). t) De um lado, não se vislumbra porque é que o Tribunal a quo faz da fundamentação constar o que não consta dos factos provados – a não assunção de culpa pelo Arguido junto da Seguradora, daí partindo, a talhe de foice, para uma consideração objectivamente irrelevante para a subsunção dos factos que não existem ao conceito de violência: “baixeza de carácter inqualificável”, em termos que são objectivamente injuriosos não consentidos a um Tribunal nestas circunstâncias concretas, e revelando, no mínimo, uma violação grave do dever de reserva, imparcialidade e objectividade do Tribunal a quo, ao qualificar como “baixeza de carácter” alguém por uma conduta, ainda que delituosa, que não o qualifica como pessoa humana. u) Do texto da sentença recorrida e a propósito do elemento objetivo, tão só o seguinte: "Relativamente ao seu elemento subjetivo, o dano só é punível a título de dolo - exigindo-se que o agente represente que a sua ação sacrifica coisa alheia – sendo bastante o dolo eventual. Por seu turno, nos termos do disposto no art.º 214º, n.º1, a), do C.P., “Se os factos descritos nos artigos 212.º e 213.º forem praticados com violência contra uma pessoa, ou ameaça com perigo iminente para a vida ou a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, o agente é punido: a) No caso do artigo 212.º, com pena de prisão de 1 a 8 anos”". v) O elemento subjetivo do tipo este só é passível de ser preenchido por qualquer uma das modalidades do dolo previstas no artigo 14.º do Código Penal, tratando-se, por isso, de um crime doloso, que necessariamente exige o conhecimento e vontade da conduta e/ou do resultado, em que tal conhecimento correcto das características da vítima é aqui fundamental para a conformação do dolo do agente. w) Ora, dos factos provados, não resulta, sequer, que o Arguido tivesse consciência da existência dos três filhos da Ofendida no banco de trás da viatura que aquela conduzia (Estranha presença, aliás, dado que é facto notório que três cadeiras, para crianças de 7 e 9 anos de idade, nem sequer podem ser instaladas num banco traseiro de uma viatura…). x) De facto, em lado nenhum se inscrevendo que o Arguido sabia da presença dos três menores no banco traseiro da viatura que a Ofendida conduzia, não se vislumbra como se possa entrar o necessário dolo (directo; necessário; ou sequer eventual) ao preenchimento do tipo na sua componente subjectiva, pelo que logo aí deveria o Arguido ser condenado – sem conceder; mas no absurdo – apenas por um crime de dano com violência. y) De resto, é precisamente absurda a hipótese de condenação por quatro crimes, correspondendo, cada crime, a cada ocupante da viatura, na medida em que, ainda que ameaça para a integridade física desses ocupantes pudesse existir, com a actuação concretamente causadora do dano, a realidade é que os ocupantes são, em absoluto, estranhos a tal crime. z) De resto, é precisamente absurda a hipótese de condenação por quatro crimes de dano com violência, correspondendo, cada crime, a cada ocupante da viatura, na medida em que, ainda que ameaça para a integridade física desses ocupantes pudesse existir, com a actuação concretamente causadora do dano, a realidade é que os ocupantes são, em absoluto, estranhos a tal crime, porque estranhos ao bem jurídico tutelado pela norma incriminadora, assim cilindrada, do artº 214º do Código Penal. * O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido e apresentando as seguintes conclusões: 1- A decisão não merece censura 2- Deve ser mantida na íntegra * Nesta Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer onde afirmou aderir integralmente à resposta apresentada pelo Ministério Público junto da 1ª Instância. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir. * * * Fundamentação Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos: 1º No dia .../.../2024, pelas 18h36m, na ..., em ..., o arguido conduzia o veículo tipo jipe de marca/modelo ... e matrícula ..-..-QV, encontrando-se a contornar a rotunda pela sua parte exterior. 2º Nas referidas data e hora, a ofendida EE conduzia o seu veículo de marca/modelo ...e matrícula ..-..-VD na mesma rotunda, mas contornando-a pela sua parte interior. 3º No veículo da ofendida EE seguiam ainda, no banco traseiro, os seus três filhos menores, FF (nascido a .../.../2015), GG (nascido a .../.../2018) e HH (nascida a .../.../2018). 4º Quando ambos os veículos passavam junto à saída da rotunda que dá para a ..., a ofendida – porque pretendia ali sair e seguir pela referida avenida – virou para a direita, onde se encontrava a circular o arguido, ultrapassando-o. 5º Nessa sequência, a ofendida acabou por sair da rotunda e seguiu pela .... 6º Saindo da rotunda na mesma direcção que a ofendida e indignado com a manobra da mesma, tendo aquela avenida duas vias de trânsito para cada sentido, o arguido colocou o seu veículo na via da esquerda, passando a circular paralelamente ao veículo da ofendida, que ocupava a via de trânsito da direita. 7º Quando ambos os veículos circulavam paralelamente, o arguido, fitando a ofendida, começou a gesticular na sua direcção, ao mesmo tempo que lhe dizia “aprenda a fazer a rotunda”. 8º Nesse instante, e sem que nada o fizesse prever, o arguido desviou/guinou bruscamente o seu veículo para a direita, em direcção ao veículo da ofendida, vindo a embatê-lo no espelho retrovisor esquerdo e ao longo da parte lateral esquerda. 9º Em consequência de tal manobra do arguido, a ofendida e os seus três filhos menores assustaram-se, tendo estes começado a chorar. 10º Após a referida manobra, o arguido acelerou o seu veículo e mudou para a via de trânsito direita, passando a circular à frente do veículo da ofendida, após o que abandonou o local em direcção à ..., onde veio a estacionar o veículo defronte ao n.º 38. 11º Entretanto, a ofendida decidiu ir no encalce do arguido, acabando por parar também o seu veículo na ..., junto ao daquele, após o que saiu do mesmo e confrontou o arguido com a sua conduta, enfatizando que transportava consigo os seus três filhos menores, ao que o arguido retorquiu: devia ter batido mais. 12º Ainda como consequência directa da conduta do arguido acima descrita em 9., o veículo conduzido pela ofendida, ficou com o espelho retrovisor esquerdo partido, a lateral esquerda do carro ficou riscada e amolgada e a jante da roda dianteira esquerda ficou empenada, cuja reparação orçou € 1.608,10 (mil seiscentos e oito euros e dez cêntimos). 13º DD, pai dos filhos da ofendida e dono registral do veículo de matrícula ..-..-VD foi ressarcido de metade daquele valor pela companhia de seguros. 14º O arguido, ao desviar o seu veículo e ao embater propositadamente no veículo conduzido pela ofendida EE, agiu com o propósito concretizado de o partir, riscar e amolgar, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que actuava contra a vontade e em prejuízo do respectivo dono, estando ainda ciente de que em tal veículo, e para além daquela, seguiam ainda os seus três filhos menores. 15º Mais sabia o arguido que com tal manobra e embate punha em perigo o corpo e a saúde dos ofendidos, e que tal conduta era ainda apta e idónea a molestá-los psiquicamente e a intimidá-los, visando assim causar-lhes medo e inquietação, como efectivamente causou, e fazendo-os temer pela sua integridade física, como efectivamente sucedeu. 16º Em tudo, agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. 17º O arguido não tem antecedentes criminais. 18º Reside sozinho em casa arrendada com o que despende o valor mensal de 600€. 19º Sendo empresário, explorando a empresa ..., declara auferir mil euros mensais. O Tribunal recorrido considerou inexistirem factos não provados a elencar. E motivou como segue a decisão fáctica: O arguido confirmou as manobras rodoviárias descritas na acusação ocorridas na rotunda e não ocultou o seu desagrado com a manobra da arguida ainda que no seu dizer não teve de travar para permitir a saída do carro da arguida da rotunda. Admitiu por isso ter reclamado com a mesma bem como lhe ter dirigido a expressão mencionada na acusação. A partir daí referiu que a ofendida estava muito alterada e seguiu atrás do arguido acabando por estacionar ao seu lado, em frente à sua pastelaria, dizendo-lhe que ia chamar a polícia, tendo o arguido ignorado a mesma e seguido com a sua vida, sem ficar a aguardar pela chegada da polícia. Negou ainda ao arguido que tivesse batido no carro da ofendida e que a mesma apenas transportava uma criança. No entanto, esta versão é desprovida de qualquer lógica, sendo irracional que a ofendida tivesse movido perseguição ao carro do arguido e no modo alterado que o mesmo qualificou, sem que algo tivesse ocorrido que o justificasse e que não seria certamente “uma boca” no trânsito A verdade é que a ofendida estava alterada sim e não era para menos. Aliás quando em julgamento recordou a forma como os factos ocorreram, revisitou o pânico em que se viu envolvida, temendo por si e pelos seus três filhos que transportava na parte de trás do carro, crianças de tenra idade sentadas na cadeira própria. Recordou que após terem feito a rotunda saindo a mesma à frente do veículo do arguido, este colocou-se na faixa da esquerda da avenida que ambos tomaram, paralelo à mesma e esbracejando. De imediato já só vê o carro do arguido a ir para cima do seu, partindo-lhe o espelho lateral esquerdo e só sentindo o seu carro a abanar, começando os seus filhos (na altura com 8 e os gémeos com 5 anos de idade) a chorar. De seguida o arguido coloca-se à frente da mesma e para nos semáforos tendo a arguida apitado para lhe chamar a atenção e procurado ajuda através do 112, fotografando nesta ocasião o veículo conduzido pelo arguido (fls. 8). Descreve que como o arguido a ignorou decidiu segui-lo acabando este por estacionar o carro o que a ofendida também faz. Quando, saindo do carro confrontou o arguido com o sucedido dizendo-lhe que transportava três crianças ficou incrédula com a resposta do mesmo já que este lhe disse que “deveria ter batido mais”, frase essa que continua a ouvir por aquilo que poderia ter ocorrido para a segurança dos seus filhos. Fotografou os dois veículos dos quais se inferem as consequências do embate causado pelo arguido, registando-se marcas de colisão em ambos os veículos e marcas de tinta cinzenta (a cor do carro conduzido pela ofendida) na lateral direita do Jeep, sendo perceptível nas fotografias que juntou já em pela audiência, a extensão dos danos no seu carro, ante a dimensão e altura do Jeep que quase abalroou o veículo Peugeot da ofendida empenando inclusive a jante do pneu esquerdo dianteiro. Tais danos foram ainda constatados pela agente da PSP II que elaborou a participação de Acidente de Viação de fls. 68-70 que confirmou que a ofendida transportava três crianças no veículo, corroborando a versão da mesma. Aliás, o próprio arguido dentro do seu jipe, bem mais alto do que o veículo da ofendida, não poderá ter deixado de constatar que eram três o número de cadeiras montadas do banco traseiro do veículo da ofendida e que por isso poderiam estar ali três crianças, sendo que ante a manobra que imprimiu ao seu veículo revela absoluta indiferença pelas pessoas que no interior daquele se encontrassem. Também DD, pai daquelas crianças acorreu ao local onde a mãe dos seus filhos estacionou o carro, após o confronto com o arguido, percepcionou o estado de nervosismo que dominava e que ainda hoje domina quando recorda o sucedido (conforme foi evidente para o tribunal), esclarecendo que os filhos sempre que passam no local recordam o evento, mencionando-o. Para além disso, elucidou que acabou por não reparar o veículo uma vez que a seguradora apenas assumiu o pagamento de metade do valor orçamentado, o que terá tido a ver inelutavelmente com o facto de o arguido não ter admitido qualquer responsabilidade na origem de tais danos (cfr. quanto a este o Relatório de peritagem, orçamento de reparação e fotografias de fls. 22 a 29), tendo optado por vender o carro. O tribunal por fim analisou o CRC do arguido e as declarações que o mesmo quis prestar quanto ao seu modo de vida e condição social. * * * Apreciando… De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso. Em causa está saber se: - a queixa foi apresentada por quem para tal tinha legitimidade; - existe nulidade por falta de fundamentação; - existe erro de julgamento; - houve erro na integração jurídica. * Da legitimidade da queixa… Alega o recorrente que embora a lei penal não exija que o ofendido seja titular do direito protegido pela incriminação (o nº 1 do art. 113º do Cód. Penal menciona expressamente o “titular de interesses”), sendo que dos factos provados não resulta que a queixosa estivesse por título legítimo no gozo do automóvel que conduzia – e de que não era a proprietária – não estando provado, sequer, que o proprietário de veículo autorizasse a queixosa a conduzi-lo. Conclui, por isso, que falta uma condição de procedibilidade – a existência de queixa validamente apresentada – devendo declarar-se extinta a responsabilidade criminal do arguido quanto ao crime de dano por não ter o Ministério Público legitimidade para acusar. Neste concreto conspecto o recorrente incorre em lapso evidente, na medida em que não foi acusado (nem condenado) pela prática de crime de dano, p. e p. pelo 212º, nº 1 do Cód. Penal, crime de natureza semi-pública cujo procedimento criminal respectivo está dependente da apresentação de queixa nos termos do art. 113º do Código citado. Com efeito, o recorrente estava acusado (e foi condenado) pela prática de quatro crimes de dano com violência, p. e p. pelos arts. 214º, nº 1 alínea a) do Cód. Penal, por referência ao art. 212º, nº 1 do mesmo diploma. Ou seja, não está aqui em causa a prática de crime de dano, mas de crime de dano com violência, o qual assume natureza pública como resulta da previsão do citado art. 214º (que não exige a apresentação de queixa). Pelo que não falta qualquer condição de procedibilidade. Da nulidade por falta de fundamentação… Alega o recorrente que a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação, na medida em que apenas se refere ao conceito de “coisa alheia”, sem indicar as razões pelas quais considera que a ofendida é, sobre o veículo, titular de qualquer direito, ainda que de gozo. Nos termos do nº 2 do art. 374º do Cód. Proc. Penal, é requisito da sentença “a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”. A existência deste vício acarreta a nulidade da sentença, nos termos do nº 1, alínea a), do art. 379º do Cód. Proc. Penal. Compulsados os factos provados verifica-se que o Tribunal deu por assente que a ofendida EE conduzia o veículo de marca/modelo Peugeot 807 e matrícula ..-..-VD e que DD, pai dos filhos da ofendida é o dono registral do veículo de matrícula ..-..-VD; e que o arguido, ao desviar o seu veículo e ao embater propositadamente no veículo conduzido pela ofendida EE, agiu com o propósito concretizado de o partir, riscar e amolgar, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que actuava contra a vontade e em prejuízo do respectivo dono. Perante tais factos, não há dúvida de que o veículo de marca/modelo Peugeot 807 e matrícula ..-..-VD pertencia a outrem que não o recorrente, sendo, por isso “coisa alheia” para os efeitos do nº 1 do art. 212º do Cód. Penal para que remete o nº 1 do art. 214º do mesmo diploma. De resto, não importava ao Tribunal averiguar a que título é que a ofendida conduzia o veículo em causa (por ser indiferente para a integração jurídica), ainda que o proprietário registado tenha afirmado que o fazia com o seu conhecimento e autorização. Ademais, tal como refere José Mouraz Lopes (in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo IV, p. 798) citando o Acórdão do STJ de 13.12.2018, na nulidade por ausência de fundamentação está em causa a omissão absoluta dos dois ‘itens’ enunciados no nº 2 do art. 374º do Cód. Proc. Penal e “não comporta a ocorrência e verificação da mesma a fundamentação insuficiente ou em desacordo com a argumentação expendida pelo sujeito processual que dela discorda. A fundamentação deficiente não se confunde com a falta de fundamentação”. Pelo exposto se conclui que improcede a nulidade invocada. Do erro de julgamento… Alega o recorrente que deveriam ter sido dados como não provados os factos 3, 6 a 12, 14 e 15, pela insuficiência do atabalhoado depoimento da ofendida EE, aliás parte interessada, sobre a descrição do embate. Chama à atenção de que nenhuma outra prova existe de que os factos relatados na acusação, tenham efectivamente ocorrido. Os factos impugnados constituem toda a matéria relevante para que se considere praticado o crime imputado. Define o art. 124º 1 do Cód. Proc. Penal, o que vale em julgamento como prova, ali se determinando que “constituem objecto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis”. Neste artigo, onde se regula o tema da prova, estabelece-se que o podem ser todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou para a inexistência de qualquer crime, para a punibilidade ou não punibilidade do arguido, ou que tenham relevo para a determinação da pena. A ausência de quaisquer limitações aos factos probandos ou aos meios de prova a usar, com excepção dos expressamente previstos nos artigos seguintes ou em outras disposições legais (só não são permitidas as provas proibidas por lei ou as obtidas por métodos proibidos – arts. 125º e 126º do mesmo Cód.), é afloramento do princípio da demanda da descoberta da verdade material que continua a dominar o processo penal português (Maia Gonçalves, Cód. Proc. Penal, 12ª ed., p. 331). A prova pode ser directa ou indirecta/indiciária (Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Proc. Penal, II vol., p. 99 ss). Enquanto a prova directa se refere directamente ao tema da prova, a prova indirecta ou indiciária refere-se a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova. A prova indirecta (ou indiciária) não é um “minus” relativamente à prova directa. Pelo contrário, pois na prova indirecta intervêm a inteligência e a lógica do Julgador (que associa o facto indício a uma regra da experiência que vai permitir alcançar a convicção sobre o facto a provar), enquanto na prova directa intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito mais perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do testemunho. No entanto, a prova indirecta exige um particular cuidado na sua apreciação, uma vez que apenas se pode extrair o facto probando do facto indiciário quando tal seja corroborado por outros elementos de prova, de forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente possíveis. A nossa lei processual penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova (directa e indirecta), estando o fundamento da sua credibilidade dependente da convicção do Julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável, valorando os elementos probatórios, por si e conjugando-os entre eles, sempre de acordo com as regras da experiência. Com efeito, o art. 127º do Cód. Proc. Penal prescreve que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. É o chamado princípio da livre apreciação da prova, livre mas, de acordo com o Prof. Germano Marques da Silva (Direito Processual Penal, vol. II, p. 111), “a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas a valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão”. Também o Tribunal Constitucional (Ac. nº 464/97/T, D.R., II Série, nº 9/98 de 12.1), chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade da norma do art. 127º do Cód. Proc. Penal, e estribando-se nos ensinamentos dos Prof. Castanheira Neves e Figueiredo Dias, refere que “esta justiça, que conta com o sistema da prova livre (ou prova moral) não se abre, de ser assim, ao arbítrio, ao subjectivismo ou à emotividade. Esta justiça exige um processo intelectual ordenado que manifeste e articule os factos e o direito, a lógica e as regras da experiência. O juiz dá um valor posicional à prova, um significado no contexto, que entra no discurso argumentativo com que haverá de justificar a decisão. Este discurso é um discurso mediante fundamentos que a ‘razão prática’ reconhece como tais (Kriele), pois que só assim a obtenção do direito do caso «está apta para o consenso». A justificação da decisão é sempre uma justificação racional e argumentada e a valoração da prova não pode abstrair dessa intenção de racionalidade e de justiça”. Ora o princípio da livre apreciação da prova está intimamente relacionado com os princípios da oralidade e da imediação. O primeiro exige que a produção da prova e a discussão, na audiência de julgamento, se realizem oralmente, de modo a que todas as provas (excepto aquelas cuja natureza não o permite) sejam apreendidas pelo Julgador por forma auditiva. O segundo, diz respeito à proximidade que o Julgador tem com os intervenientes no processo, ao contacto com todos os elementos de prova, através de uma percepção directa. Como salienta o Prof. Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, vol. I, p.233 e 234) “só os princípios da oralidade e imediação… permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles, por outro lado, permitem avaliar o mais concretamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais”. Os meios de que o Tribunal de primeira instância dispõe para a apreciação da prova são diferentes dos que o Tribunal de recurso possui, uma vez que a este estão vedados os princípios da oralidade e da imediação e é através destes que o Julgador percepciona as reacções, os titubeios, as hesitações, os tempos de resposta, os olhares, a linguagem corporal, o tom de voz, tudo o que há-de constituir o acervo conviccional da fé e credibilidade que a testemunha há-de merecer. Isto significa que o Tribunal de recurso não pode sindicar certos meios de prova quando, para a credibilidade do testemunho, foi relevante o funcionamento do princípio da imediação, mas pode controlar a convicção do Julgador da primeira instância quando ela se mostre contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Tendo em consideração o supra exposto, vejamos se assiste razão ao recorrente. Como já dissemos, o recorrente impugna todos os factos provados que consubstanciam a prática dos crimes por que vem condenado. Concretamente (e para além de referir que o depoimento da ofendida foi insuficiente e atabalhoado e que ela é parte interessada na descrição do embate) alega que: - embora a ofendida tenha referido que tinha os 3 filhos no carro, é impossível que assim seja por não poderem estar três cadeiras para crianças instaladas no banco de trás, uma vez que o veículo tem sistema isofix, para instalação de cadeiras apenas em dois lugares do banco traseiro, o que impede que seja declarado como provado o facto elencado em 3 dos factos provados; - a ofendida declarou que a seguradora do arguido não assumiu a totalidade das responsabilidades pelo acidente, mas não sabe qual foi o valor indemnizatório atribuído, apenas sabendo que não foi suficiente para pagar a reparação do veículo que não era seu; a ofendida não sabe descrever os danos que o “seu” veículo sofreu e esquivou-se a responder sobre se o “seu” veículo tinha ou não danos pré-existentes; a ofendida assumiu que na declaração efectuada na sequência do sinistro, não declarou ter visualizado quaisquer danos no veículo do arguido; a ofendida disse que não perdeu o controlo do veículo, jamais descrevendo o embate como de tal forma violento que pudesse pôr em risco a integridade física dos ocupantes (o que impede que seja dado como provado o que consta do facto 15); a ofendida nunca disse que o arguido causou, propositadamente, o embate que diz ter ocorrido (o que impede que seja dado como provado o facto 14). Ora, ouvidos os registos da audiência, verificamos que a ofendida afirmou que tinha 3 crianças no veículo que conduzia e explicou que tal veículo é um modelo antigo, com 20 anos e que o banco traseiro tem 3 lugares individuais onde estavam colocadas as 3 cadeiras. Acresce que a testemunha II, agente da PSP que se deslocou ao local onde os veículos estavam estacionados, confirmou a presença de 3 crianças no veículo. Quanto ao mais… A circunstância de a ofendida não saber qual foi o valor indemnizatório atribuído pela seguradora, não é de estranhar, na medida em que não foi ela que o recebeu (foi o proprietário do veículo); a ofendida esclareceu que o veículo que conduzia ficou com o espelho lateral partido e com riscos na parte lateral, não tendo a certeza se ficou amolgado, mas mostrou as fotografias que tinha tirado e é natural que passado um ano não se lembrasse em concreto dos danos riscos versus amolgadelas; a ofendida assumiu que na declaração efectuada na sequência do sinistro, não sinalizou os danos que apresentava o veículo do arguido, o que é diferente de não ter visualizado quaisquer danos no veículo do arguido, até porque na participação que efectuou declarou que havia danos em ambos os veículos – a este aspecto foi ouvida a testemunha II que confirmou o que já tinha relatado em auto: a parte lateral direita do jipe apresentava marcas de tinta cinzenta (a cor do carro conduzido pela ofendida). Em relação às circunstâncias do embate, é verdade que a ofendida disse que não perdeu o controlo do veículo, mas já não é verdade que não descreveu o embate como violento. Efectivamente, o que a ofendida testemunhou foi que depois da altercação à saída da rotunda ela seguiu na faixa da direita e o arguido na faixa da esquerda e, “de repente… ele mandou o jipe dele todo para cima do meu carro”. Confirmou a ofendida que o arguido bateu “de propósito” pois “guinou completamente o carro” e disse que o embate foi “violento”, que o seu carro “chocalhou” e que ela travou de imediato, parando o carro e perguntando aos filhos, que gritavam, se estavam bem, só depois seguindo caminho e indo atrás do arguido que, entretanto, tinha parado num semáforo. Fazendo agora apelo à prova indirecta, há que conjugar o facto de o arguido conduzir um veículo jipe de marca/modelo Grand Cherokee e a ofendida conduzir um veículo de marca/modelo Peugeot 807, com o facto de ambos os veículos se encontrarem em marcha, lado a lado, quando o arguido guinou bruscamente o seu veículo para a direita, em direcção ao veículo da ofendida, vindo a embatê-lo no espelho retrovisor esquerdo e ao longo da parte lateral esquerda, com o que o veículo conduzido pela ofendida ficou com o espelho retrovisor esquerdo partido, a lateral esquerda do carro ficou riscada e amolgada e a jante da roda dianteira esquerda ficou empenada. Perante tais factos podemos concluir, de acordo com as regras da experiência, e tal como concluiu o Tribunal recorrido, que a conduta do arguido pôs em risco a integridade física dos ocupantes do veículo conduzido pela ofendida, só não tendo sido mais graves as consequências porque a ofendida teve a presença de espírito de travar e parar o veículo evitando um despiste. Temos, assim, que o Tribunal recorrido, escudado nos princípios da oralidade e da imediação, explicou claramente o que lhe pareceu crível e concatenou as declarações e os depoimentos prestados, de uma forma crítica e lógica. De referir que se tem vindo a entender que a ausência de imediação determina que o Tribunal superior, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela primeira instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida, nos termos previstos pelo art. 412º, n.º 3, al. b) do Cód. Proc. Penal, mas já não quando permitirem outra decisão. Ou seja, a convicção da primeira instância, só pode ser posta em causa quando se demonstrar ser a mesma inadmissível em face das regras da lógica e da experiência comum. Significa isto que o recorrente não pode pretender substituir a convicção alcançada pelo Tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção era possível, sendo imperioso demonstrar que as provas indicadas impõem uma outra convicção (neste sentido cfr. o acórdão do STJ de 25.03.2010, Proc. 427/08.0TBSTB. E1.S1, pesquisado em www.dgsi.pt ). No caso, analisados os registos da audiência de julgamento, não podemos deixar de aceitar a posição do Julgador a quo, que de modo algum aponta para uma apreciação arbitrária da prova, sendo, pelo contrário, todos os elementos probatórios suficientes para se concluir como fez o Tribunal recorrido. Assim, não tendo o recorrente logrado demonstrar o erro da convicção da primeira instância, não há razão para alterar a matéria fáctica provada e não provada. Da integração jurídica… Alega o recorrente que a ofendida não foi ameaçada na sua integridade física e que ameaça, que não a física, também inexiste, e que muito menos ocorreu qualquer actuação sua susceptível de colocar a ofendida numa posição de impossibilidade de resistir. Diz que não há respaldo da situação de perigo iminente e simultânea aos danos provocados, pois o embate não descreve uma situação de tamanha violência que gere um perigo para a integridade física seja de quem for. Mais alega que a previsão dos crimes imputados exige o dolo, que necessariamente exige o conhecimento e vontade da conduta e/ou do resultado, não resultando dos factos provados que tivesse consciência da existência dos três filhos da ofendida no banco de trás da viatura que aquela conduzia. Acrescenta que é absurda a hipótese de condenação por quatro crimes, correspondendo, cada crime, a cada ocupante da viatura, na medida em que, ainda que ameaça para a integridade física desses ocupantes pudesse existir, com a actuação concretamente causadora do dano, a realidade é que os ocupantes são, em absoluto, estranhos a tal crime porque estranhos ao bem jurídico tutelado pela norma incriminadora do art. 214º do Cód. Penal. O Tribunal recorrido procedeu à integração jurídica da seguinte forma: (…) nos termos do disposto no art.º 214º, n.º1, a), do C.P., “Se os factos descritos nos artigos 212.º e 213.º forem praticados com violência contra uma pessoa, ou ameaça com perigo iminente para a vida ou a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, o agente é punido: a) No caso do artigo 212.º, com pena de prisão de 1 a 8 anos” Neste âmbito, o n.º1 deste preceito protege, não apenas o bem jurídico da propriedade, mas também a vida, a integridade física e a liberdade de ação e decisão. Trata-se de um crime de dano (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de resultado (quanto à forma de consumação do ataque ao objeto da ação). Importa, portanto, existir uma imputação objetiva do resultado à ação. Suscita-se neste caso a questão de saber se o veículo danificado que, à data dos factos, era exclusivamente usado pela ofendida, mas que pertencia ao pai dos filhos da mesma, pode ser considerado ou não uma “coisa alheia” em relação ao arguido. “Coisa” será todo o bem corpóreo materialmente apreensível e susceptível à acção destruidora ou modificativa do homem – vide “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo II (1999), p. 208; Por sua vez, a qualificação da coisa como “alheia”, exige que o bem em causa não seja da propriedade exclusiva do agente, desde que não se trate de “res nullius”. Alheio, será na verdade todo o bem que ao agente não lhe pertença, ou seja, de que não é titular exclusivo do respectivo direito de propriedade pelo que o carro em que o arguido deliberadamente embateu reveste tal qualidade de coisa alheia. Como já se pronunciava o STJ no Acórdão de 23.01.2003, proferido no proc. n.º 02P4098, disponível in www.dgsi.pt, e aqui com total cabimento, “VII - A «violência contra pessoas”, qualificativa do crime de dano prevista no artigo 214º do Código Penal, é hoje, doutrinal e jurisprudencialmente, um conceito abrangente, englobando não apenas a violência física sobre o corpo das pessoas, como a violência psíquica. VIII – A violência ali tipificada também pode consistir numa intervenção física sobre coisas (que tanto podem sem do ofendido como de terceiro) por via indireta. IX – No caso sujeito, tendo o arguido, em reação contra um dos ofendidos (…) e com o objetivo de danificá-la, arremetido com o seu veículo automóvel contra a roulotte de farturas dentro da qual eles se encontravam e permaneceram, obrigando (…) e, com a violência do impacto fazendo oscilar e arrastando a roulotte do local onde aquela se encontrava (…), configura-se a qualificativa «violência contra pessoas». X – Com efeito, (…), encontrando-se os donos no interior da roulotte, é apodítico, pelo menos, que, juntamente com ela, foram arrastados contra a vontade e por ação violenta do arguido. XI – E não se pode, sequer, alegar inexistência do elemento subjetivo da infração quando se provou que o arguido agiu voluntaria e conscientemente, investindo com o seu automóvel contra a roulotte, arrastando-a violentamente, com as pessoas lá dentro, sabendo que elas lá se encontravam.” Face à matéria de facto apurada, dúvidas não restam, portanto, de que o arguido, com a sua conduta, preencheu os elementos típicos deste ilícito penal, inexistindo quaisquer causas de desculpação ou de exclusão da ilicitude. Com efeito, o arguido não se limitou a contestar a forma como a ofendida circulou na rotunda, destemido e, crê-se, irado, ante a superioridade do seu veículo, usou-o para causar medo na ofendida, colocando em perigo, com a força do embate a que deu azo, a integridade física de todos os ocupantes do veículo em que embateu, sendo que três deles eram crianças incapazes de se defenderem a tal agressão, conforme o arguido bem sabia. A própria ofendida jamais suporia que o arguido tivesse tal reacção tresloucada por uma questão comezinha de trânsito e por isso nada pôde fazer para evitar aquele embate. O arguido causou estragos no veículo tripulado pela ofendida e nem mesmo junto da respectiva seguradora o admitiu o que revela uma baixeza de carácter inqualificável. O art. 214º contempla formas de dano com violência, relevando, a acrescer ao dano em coisa, vem a prática de violência contra uma pessoa a que se equipara a ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física ou pondo-a na impossibilidade de resistir. A título de exemplo temos o Ac. RP de 08.01.98, (9840249), mencionado no Código Penal, Parte Geral E Especial com Notas e Comentários, 2015, 2ª ed. Miguez Garcia R Castela Rio (situação que retrata umas machadadas num veículo onde se encontravam duas pessoas). E ainda Ac STJ de 23.01.2003, proc. 4098/02. Por violência pode entender-se aquela que põe em causa a liberdade da pessoa - de movimentos e/ou ação e decisão - e a integridade física e a colocação na impossibilidade de resistir também ofende a liberdade individual de movimentos e/ou ação e decisão e em certos casos a integridade física. Foi exatamente o que aconteceu neste caso. Para além do mais, claramente a ofendida foi ameaçada na sua integridade física, assim como os seus filhos, pois todo o comportamento do arguido causou-lhe medo, inquietação, insegurança, destruindo e danificando o automóvel onde circulava. A situação de perigo foi iminente e simultânea aos danos provocados. Por seu turno, a violência empregue pelo arguido foi causal e instrumental do dano causado. Em conformidade, terá o arguido de ser condenado pela prática de quatro crimes de dano com violência do artigo 214º, nº 1, al. a) do CP. O recorrente mostra-se condenado pela prática de 4 crimes de dano com violência, p. e p. pelos arts. 214º, nº 1 alínea a) do Cód. Penal, por referência ao art. 212º, nº 1 do mesmo diploma. Preceitua o nº 1 alínea a), do art. 214º, do Cód. Penal que “se os factos descritos nos artigos 212.º e 213.º forem praticados com violência contra uma pessoa, ou ameaça com perigo iminente para a vida ou a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, o agente é punido: a) No caso do artigo 212.º, com pena de prisão de 1 a 8 anos”. Por seu turno, o art. 212º do Cód. Penal pune como autor de um crime de dano “quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar, ou tornar não utilizável coisa alheia”. Ficou provado que o recorrente “ao desviar o seu veículo e ao embater propositadamente no veículo conduzido pela ofendida EE, agiu com o propósito concretizado de o partir, riscar e amolgar, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que actuava contra a vontade e em prejuízo do respectivo dono” (14) “em tudo, agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal” (16). Mostra-se, assim, preenchida a previsão do art. 212º do Cód. Penal, pois que o recorrente, com dolo directo (embateu propositadamente), vontade livre e consciente, conhecendo a punibilidade da sua conduta, agiu com o propósito concretizado (o veículo conduzido pela ofendida, ficou com o espelho retrovisor esquerdo partido, a lateral esquerda do carro ficou riscada e amolgada e a jante da roda dianteira esquerda ficou empenada - 12) de partir, riscar e amolgar (danificou), veículo que não lhe pertencia (coisa alheia), como sabia, tal como sabia que actuava contra a vontade e em prejuízo do respectivo dono. Impõe-se, então, averiguar se os factos descritos (e com previsão no art. 212º do Cód. Penal) foram praticados com violência contra uma pessoa, ou ameaça com perigo iminente para a vida ou a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, tal como exige o nº 1 do art. 214º do Cód. Penal, copiando a fórmula consagrada para descrever a conduta típica do roubo. É que o crime de dano com violência previsto no nº 1 do art. 214º do Cód. Penal não protege apenas o bem jurídico da propriedade, mas também a vida, a integridade física e a liberdade de acção e decisão – efectivamente, o tipo objectivo do crime contém os mesmos elementos típicos do crime de dano e do crime de roubo. A primeira questão que se coloca é saber se o embate do jipe conduzido pelo arguido no veículo conduzido pela ofendida se pode qualificar como um acto praticado com violência. De acordo com Conceição Ferreira da Cunha (Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, p. 160) com a violência o que se põe em causa é a liberdade da pessoa – de movimento e/ou de acção e decisão. Sobre este conceito discorre-se no acórdão da Relação do Porto de 9.09.2009 (Proc. 634/07.2GAVCD-P1), citando o acórdão do STJ de 23.6.99 (Proc. 837/98) que “a violência contra as pessoas, não tem de ser produto de contacto físico directo com o ofendido, podendo sê-lo por outras maneiras. A lei não exige expressamente esse contacto directo e, por outro, a tranquilidade e a integridade física das pessoas são o bem jurídico protegido conjuntamente com a propriedade. Ora a integridade física, tanto pode ser atingida com contacto directo como indirecto”. Também o acórdão do STJ de 23.01.2003 (Proc. 4098/02) afirma que “o conceito de violência contemplado no art. 214° do Código Penal abrange tanto a violência física, como psíquica sobre certa pessoa, como também a intervenção física directa sobre coisas, do visado ou de terceiro, que atinjam por via indirecta as pessoas (…) O conceito de violência, tradicionalmente ligado à simples violência física sobre o corpo da vítima, é hoje um conceito mais abrangente, já que tanto a doutrina como a jurisprudência se inclinam para o englobamento da violência psíquica”. O embate, propositado do arguido, conduzindo um jipe de marca/modelo Grand Cherokee, num veículo de marca/modelo Peugeot 807, quando ambos os veículos se encontravam em marcha, lado a lado: - ficando este último veículo com o espelho retrovisor esquerdo partido, a lateral esquerda riscada e amolgada e a jante da roda dianteira esquerda empenada, - sabendo o arguido que com tal manobra e embate punha em perigo o corpo e a saúde dos ocupantes do veículo em que embatia, que tal conduta era ainda apta e idónea a molestá-los psiquicamente e a intimidá-los, visando causar-lhes medo e inquietação, como efectivamente causou, e fazendo-os temer pela sua integridade física, como efectivamente sucedeu, - é um acto danoso e simultaneamente violento contra pessoas. Cita-se, a propósito, o já mencionado acórdão do STJ de 23.01.2003: “Ora, parece ser evidente que "atirar" um veículo automóvel contra uma roulote de "comes e bebes" sabendo que no seu interior estão duas pessoas é um acto danoso praticado com violência contra essas pessoas, apesar de não ter havido qualquer contacto físico com elas e apesar de não ter resultado qualquer ofensa na sua integridade física (neste sentido: Ac. do S.T.J. de 23/6/99, C.J. II, 231 e Ac. da Rel. do Porto de 29/4/98, C.J. II, 251). O que se pretende proteger é a tranquilidade das pessoas, isto é: o agente não só danifica coisa alheia, como o faz de forma violenta contra determinada pessoa, pelo menos, assustando-a”. Alega ainda o recorrente que o crime de dano com violência previsto no nº 1 do art. 214º do Cód. Penal exige o dolo e que não resulta dos factos provados que tivesse consciência da existência dos três filhos da ofendida no banco de trás da viatura que aquela conduzia. É verdade que o crime em análise exige que o acto tenha sido cometido com dolo em qualquer das suas modalidades (directo, necessário ou eventual). Mas ao invés do que alega o recorrente, ficou provado que: 14º O arguido, ao desviar o seu veículo e ao embater propositadamente no veículo conduzido pela ofendida EE, agiu com o propósito concretizado de o partir, riscar e amolgar, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que actuava contra a vontade e em prejuízo do respectivo dono, estando ainda ciente de que em tal veículo, e para além daquela, seguiam ainda os seus três filhos menores. 15º Mais sabia o arguido que com tal manobra e embate punha em perigo o corpo e a saúde dos ofendidos, e que tal conduta era ainda apta e idónea a molestá-los psiquicamente e a intimidá-los, visando assim causar-lhes medo e inquietação, como efectivamente causou, e fazendo-os temer pela sua integridade física, como efectivamente sucedeu. 16º Em tudo, agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. Ou seja, ficou provada a conduta dolosa do recorrente e o seu conhecimento de que no veículo em que embatia, para além da condutora seguiam ainda os seus três filhos menores, sabendo o recorrente que com tal manobra e embate punha em perigo o corpo e a saúde dos ofendidos, e que tal conduta era ainda apta e idónea a molestá-los psiquicamente e a intimidá-los, visando assim causar-lhes medo e inquietação, como efectivamente causou, e fazendo-os temer pela sua integridade física, como efectivamente sucedeu. Finalmente, alega o recorrente que “é absurda a hipótese de condenação por quatro crimes, correspondendo, cada crime, a cada ocupante da viatura, na medida em que, ainda que ameaça para a integridade física desses ocupantes pudesse existir, com a actuação concretamente causadora do dano, a realidade é que os ocupantes são, em absoluto, estranhos a tal crime porque estranhos ao bem jurídico tutelado pela norma incriminadora do art. 214º do Cód. Penal”. Não tem razão. Como já dissemos, o crime de dano com violência previsto no nº 1 do art. 214º do Cód. Penal não protege apenas o bem jurídico da propriedade, mas também a vida, a integridade física e a liberdade de acção e decisão dos ofendidos. A problemática do concurso de crimes é resolvida pelo nº 1 do art. 30º do Cód. Penal do seguinte modo: “o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”. Havendo uma pluralidade de vítimas, e tendo sido violado, para além do bem jurídico da propriedade, bens jurídicos eminentemente pessoais, como a tranquilidade de cada um dos ofendidos – pois que além de causar perigo para o corpo e a saúde dos 4 ofendidos, o recorrente molestou-os psiquicamente e intimidou-os, causando-lhes medo e inquietação e fazendo-os temer pela sua integridade física – forçoso é concluir que o recorrente cometeu os 4 crimes por que foi condenado. * * * Decisão Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e confirmam a sentença recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UCs. Lisboa, 21.10.2025 (processado e revisto pela relatora) Alda Tomé Casimiro Ana Cristina Cardoso João Ferreira |