Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10/24.2T9HRT.L1-9
Relator: MARIA DE FÁTIMA R. MARQUES BESSA
Descritores: DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
ASSISTENTE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: Sumário: (da responsabilidade da Relatora)
I. Os recursos, como meios de impugnação de uma anterior decisão judicial, pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, apenas podem ter como objecto questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o Tribunal a quo no momento em que a proferiu, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que sejam de conhecimento oficioso.
II. De acordo com a jurisprudência obrigatória constante do AFJ 8/99 do Supremo Tribunal de Justiça publicado no Diário da República (DR) n.º 185/1999, Série I-A de 1999-08-10 «O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir».
III. A solução para decidir da legitimidade ou ilegitimidade da(o) assistente para o recurso deve ser encontrada, apreciando, caso a caso, impendendo sobre ela(ele) um específico ónus de demonstração de um particular real e verdadeiro interesse, o propalado “concreto e próprio interesse em agir”, oriundo duma posição equidistante que visa a salvaguarda de valores jurídicos.
IV. Pode recorrer desacompanhada(o) do Ministério Público, no que concerne à espécie e medida concreta da pena, se for essa a via de alcançar tutela judicial efetiva para as pretensões apresentadas e pelas quais pugnou activamente na sua intervenção processual.
V. No vertente caso, a assistente/recorrente não invoca qualquer interesse próprio e concreto em agir em ver fixada a pena de prisão aplicada pelo Tribunal recorrido em medida mais elevada e em ver não aplicada a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, para além das necessidades de prevenção a nível geral e especial, que constituem tarefa do Ministério Público.
VI. A assistente limitou-se a constituir-se no processo com essa qualidade, constituindo advogado, não deduzindo acusação, nem acompanhando a acusação pública nos termos do art.º 284.º, do CPP, não recorrendo do estatuto coactivo do arguido sujeito a medidas de coacção não detentivas, não indicando outras provas a produzir ou a requerer, para além das indicadas na acusação do Ministério Público, não deduzindo pedido de indemnização cível, não sendo acompanhada de Mandatário durante a audiência de discussão e julgamento, que não proferiu alegações, pugnando nomeadamente pela aplicação de pena de prisão efectiva.
VII. Reconhece-se porém, legitimidade à assistente para recorrer, pugnando pela aplicação do dever de pagamento da totalidade da quantia arbitrada a título de reparação e não apenas de metade a que fica subordinada a suspensão da execução da pena de prisão com regime de prova, bem como da parte relativa ao montante arbitrado a título de reparação dos prejuízos sofridos, de acordo com o espirito do AUJ n.º 2/2020 de 13/02/2020 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no DR Série I n.º 61/2020 de 26/03/2020.
VIII. A suspensão de execução da pena de prisão pode ocorrer em cinco modalidades, a saber: (i) suspensão da execução da pena tout court, (ii) suspensão da execução da pena sujeita a condições (cumprimento de deveres e/ou de certas regras de conduta), e (iii) suspensão da execução da pena com regime de prova (art.ºs 51.º a 54.º, do CP).
IX. A suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio, tal como prevê o disposto no art.º 34.º-B da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, que estabelece o Regime Jurídico Aplicável à Prevenção da Violência Doméstica, à Proteção e à Assistência das suas Vítimas.
X. À vítima de violência doméstica é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito de obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável, havendo sempre lugar à aplicação do disposto no art.º 82.º-A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser, de acordo com o disposto no art.º 21.º, n.ºs 1 e 2, da referida Lei n.º 112/2009.
XI. É defensável a teoria que defende que o art.º 82.º, A do CPP consagra a reparação punitiva como uma verdadeira “terceira via” na efectivação da responsabilidade penal entre a pena e a medida de segurança.
XII. À sua natureza híbrida, simultaneamente de efeito penal da condenação e de aproximação reparatória aos prejuízos sofridos, corresponde um regime adjectivo próprio, cujas normas do processo civil apenas se aplicarão, por efeito da cláusula geral de subsidiariedade do art. 4.º do CPP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1.Realizado o julgamento no processo 10/24.2..., pelo Tribunal Judicial da Comarca dos Açores Juízo de Competência Genérica da ... - Juiz 1, em processo comum, com a intervenção de tribunal singular, foi proferida, em .../.../2025 Sentença condenatória, do arguido AA filho de BB e de CC, nascido em .../.../12, natural de freguesia de ..., concelho da ..., divorciado, residente em ..., cujo Dispositivo aqui se transcreve:
I. DECISÃO
Em face do exposto, o Tribunal decide:
a. Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punível pelo art.º 152º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, acompanhada de regime de prova que contemple, entre o mais que os serviços da D.G.R.S.P. entenderem pertinente às finalidades preventivas e ressocializadoras que no caso se fazem sentir, (1) a frequência do programa CONTIGO, durante período de tempo que os serviços da D.G.R.S.P. reputem por necessário, (2) a obrigação de não contactar, por qualquer meio (presencial e telefónico ou por quaisquer outros meios de comunicação, diretamente ou por interposta pessoa), com DD, exceto em tudo o que se relacione diretamente com o exercício das responsabilidades parentais do filho comum, EE, (3) a obrigação de não permanecer junto à residência e ao local de trabalho de DD, exceto em tudo o que se relacione diretamente com o exercício das responsabilidades parentais do filho comum, EE, sem controlo por vigilância eletrónica, e (4) o pagamento de pelo menos 50% do montante da indemnização arbitrado no ponto c);
b. Aplicar ao arguido AA a pena acessória de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 3 (três) anos, não aplicando qualquer outra pena acessória;
c. Arbitrar à vítima/assistente DD quantia de 5.000,00€ (cinco euros) a título de reparação pelos prejuízos sofridos, acrescida de juros de mora cíveis à taxa legal em vigor contabilizados desde a data do trânsito em julgado da presente sentença até efetivo e integral pagamento, a suportar pelo arguido;
d. Declarar a perda a favor do Estado da arma apreendida nos autos (ref.ª eletrónica 5702046 de ...-...-2024) e ordenar a sua entrega à P.S.P.;
e. Condenar o arguido AA nas custas criminais, em taxa de justiça que se fixa em 2UC, e demais encargos processuais, nos termos dos artigos 513.º, n.ºs 1 e 3, e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, por referência à tabela III anexa a este diploma legal.
f. Ordenar, após trânsito em julgado da sentença:
i. A remessa de boletins aos Serviços de Identificação Criminal, nos termos do art.ºs 6.º, alínea a), e 7.º, n.º 1, alínea a), todos da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, e 374.º, n.º 3, alínea d), do Código de Processo Penal;
ii. A solicitação de elaboração pelos serviços da D.G.R.S.P. de plano de reinserção social individual relativo ao arguido, nos termos dos artigos 54.º, n.º 1, e 494.º do Código de Processo Penal;
iii. A comunicação à SGMAI, nos termos do disposto no art.º 37.º-A, n.º 3, alínea g), da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro.
iv. A comunicação ao ..., para que tome conhecimento da pena acessória aplica no ponto b) e nos termos do art.º 78.º, n.º 1 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.
*
Estatuto Coativo:
Atendendo que se mantêm inalterados os pressupostos que estiveram na base da aplicação das medidas de coação, em ...2.../07 e ...2.../02 (ref.ªs eletrónicas 57536002 e 58872630), por não se mostrar excedido o prazo máximo previsto no art.º 218.º, n.º 2, ex vi o art.º 215.º, n.ºs 1, alínea d), e 2, ambos do Código de Processo Penal, determino que o arguido continue sujeito às medida de coação, para além do TIR, de (i) proibição de se aproximar a menos de 400 (quatrocentos) metros da residência da ofendida DD, com controlo eletrónico de cumprimento, através de vigilância eletrónica, (ii) proibição de contactar, por qualquer meio, a ofendida DD, com controlo eletrónico de cumprimento, através de vigilância eletrónica, e (iii) obrigação de apresentações periódicas, a realizar três vezes por semana, às segundas-feiras, quartas-feiras e sextas-feiras, no posto policial da sua área da residência, até ao trânsito em julgado da sentença, à exceção do TIR que só se extinguirá com a extinção da pena (art.º 191.º a 193.º, 196.º, 198.º, 200.º, n.º 1, alíneas a) e d), 204.º, alíneas b) e c), e 214.º, 1, alínea e), todos do Código de Processo Penal).
Deposite (art.º 372.º, n.º 5, do Código de Processo Penal).
2.A assistente, não se conformando com a Sentença proferida nos presentes autos, dela vem interpor recurso, em .../.../2025, extraindo da motivação as seguintes conclusões (que se transcrevem):
a) Nos presentes autos, foi decidido: «a) Condenar o arguido AA ela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punível pelo art.º 152º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período (…), sujeita à «obrigação de não contactar, por qualquer meio (presencial e telefónico ou por quaisquer outros meios de comunicação, diretamente ou por interposta pessoa), com DD», que o arguido já violou, tendo, após prolação da sentença, remetido uma mensagem à ofendida, apenas e só com o objectivo de a humilhar e ameaçar (doc.1).
b) Era de esperar, já que, bastaria “olhar” transversalmente para os factos provados para “perceber” que mesmo após serem realizadas buscas na sua habitação, devido ao facto de se sucederem ameaças de morte a brutais espancamentos, sendo detentor de uma arma de fogo, o arguido não se inibir de reiterar tais ameaças à ofendida:
“34.Nasequênciadasbuscasrealizadasnospresentesautos,oarguidofezsaberaMicaela «que lhe dava uma cacetada» sendo que após, quando ambos circulavam de automóvel, seguiu DD entre a cidade da ... e a sua residência.».
c) Os factos dados como provados, revelam uma personalidade deformada, cruel e sem qualquer empatia pelo próximo, pois alguém com uma personalidade deformada, cruel e sem qualquer empatia pelo próximo, espanca uma mulher a sua própria! com pontapés na barriga ( duas vezes; uma delas causando parto prematuro ); E não apenas por ter espancado reiteradamente a própria esposa durante 4 anos, mas até ao coloca-la na rua, com o filho, revelando profundo desprezo pelo bem-estar, até, da criança!
d) E mesmo assim, com estes factos, e consignando o gau « elevadíssimo de ilicitude, atento o modo de prática do crime (a reiteração de maus tratos psíquicos e físicos, incluindo durante a gravidez da assistente), a continuidade no tempo do mesmo (durante quatro anos) e as consequências de tais condutas para a assistente (as lesões por esta sofridas, com complicações para a sua gestação, o abandono do lar familiar e o fim do seu casamento);»
e) Mesmo, pasme-se, após consignar a «incapacidade de assunção da responsabilidade pelos factos sub judice, de interiorização da ilicitude da sua conduta, de demonstração de arrependimento e de contrição pelos mesmos.», o Tribunal a quo decide suspender a execução da pena, fixada sensivelmente a meio da moldura penal abstrata!
f)Pior: consignando, após tais considerações, « ser possível diagnosticar um juízo de prognose favorável a uma suspensão da pena de prisão» porque «Acredita-se que o arguido conseguirá avaliar a natureza do significado de uma pena de prisão suspensa na sua execução e o real significado desta medida.».
g) Acredita-se (!), portanto, com muita fé, mas sem nenhum fundamento válido (absolutamente nenhum!) que um arguido que revelou incapacidade para, sequer, reconhecer a ilicitude ou sentir algum tipo de arrependimento por espancar reiteradamente a Ofendida, inclusive, pelo menos duas vezes, com pontapés na barriga, causando um parto prematuro do próprio filho, «conseguirá avaliar a natureza do significado de uma pena de prisão suspensa na sua execução e o real significado desta medida».
h) Chocante! Escandaloso! Em flagrante violação do art.º 50º do Cód. Penal, que quanto à suspensa na execução da pena, manda atender à personalidade do agente e à sua conduta posterior ao crime, que quanto à personalidade do arguido, se traduz na «incapacidade de assunção da responsabilidade pelos factos sub judice, de interiorização da ilicitude da sua conduta, de demonstração de arrependimento e de contrição pelos mesmos.»
i) Conduta, essa, que se traduz numa sucessão de agressões brutais, perpetradas ao longo de 4 anos, consubstanciadas em factos tão torpes como: 13. Em uma das ocasiões supra relatas o arguido fechou DD no quarto, retirou-lhe o telemóvel e quando DD saiu à rua, o arguido agarrou-a pelos cabelos e arrastou-a até dentro de casa. 14. O arguido também lhe desferiu um pontapé na barriga, causando um hematoma na barriga de DD. 15. Na sequência dos factos descritos DD entrou em trabalho de parto. 23. Nas discussões que ocorreram no interior da residência, acompanhadas por agressões físicas, o arguido empurrava DD para fora da residência do casal juntamente com o filho menor de ambos, fechando a casa e deixando ambos na rua.».,
j)E quanto à conduta posterior ao crime, nas ameaças já perpetradas mesmo após prolação da decisão, que eram de esperar quando «34. Na sequência das buscas realizadas nos presentes autos, o arguido fez saber a DD «que lhe dava uma cacetada» sendo que após, quando ambos circulavam de automóvel, seguiu DD entre a cidade da ... e a sua residência.».
k)A penaaplicada,sendosuspensa,comojamaisdeveriaseratentaainusitadaviolência dos factos provados, a ausência de arrependimento, e até de consciência do mal perpetrado, é objectivamente insignificante e ineficaz, e tão irrelevante em termos de prevenção geral, e tão ineficaz na perspectiva da prevenção especial, que o Arguido já voltou a ameaçar a Ofendida, após leitura da Sentença, dizendo-lhe que a matará, devendo a sentença ser alterada, no sentido de constituir efectiva coação ao arguido no sentido de, por um lado, o inibir durante a pena de perpetrar o que ameaça, e por outro, de por via do efectivo cumprimento da pena, em reclusão, constituir meio de o coagir a não (mais) delinquir, assim cumprindo os fins de prevenção especial que foram, pura e simplesmente, obnubilados.
l)Foi ainda decidido «Ponderados todos os critérios acima referidos à luz da matéria de facto dada como provada, designadamente o tipo agressões (violência físicas, humilhações, difamações, provocações e intimidação psicológica, que criaram um clima de intranquilidade e estrangulamento da liberdade pessoal da assistente e na presença do filho de ambos), as consequências (lesões na pessoas da assistente), o lapso de tempo (quatro anos) e o local onde maioritariamente ocorreram (no interior da habitação comum), em que ocorreram as ofensas e a sua gravidade, reputa-se adequado fixar a indemnização devida e arbitrar a DD a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros) a título de reparação pelos prejuízos sofridos, sobre a qual deverão acrescer juros de mora cíveis à taxa legal em vigor contabilizados desde a data do trânsito em julgado da presente sentença até efetivo e integral pagamento, a suportar pelo arguido (art.ºs 559.º, n.º 1, 804.º, n.º 1 e 2, e 806.º, n.º 1 e 2, todos do Código Civil).».
m) E como nada está tão mal que não possa piorar, a condição de suspensão de execução da pena, foi o pagamento de metade do valor desta “compensação” – singelos 2500,00€ - á vítima… Sem fixar qualquer prazo, mas presumindo-se (sob pena de perda de eficácia do dispositivo decisório) que o seja no prazo de 3 anos (período da própria suspensão).
n) Nem sabemos, sinceramente, o que dizer ou pensar… Um indivíduo que torturou psicologicamente a companheira, que a espancou a pontapé na barriga quando estava grávida, causando a entrada em trabalho de parto numa das várias vezes em que a espancou a pontapé (na barriga), forçando-a a fugir e abandonar o lar para não ser morta, o que aliás o arguido continua a ameaçar fazer, condenado a uma pena que é suspensa na condição de pagar à vítima uma compensação de singelos 2500 euros… É só bizarro!
o) Na categorização das consequências jurídicas do crime devem distinguir-se as consequências de natureza civil, que geram o dever de indemnizar pela prática de facto ilícito, nos termos das disposições aplicáveis do Código Civil e do artigo 129.º do Código Penal, dependente de pedido do lesado, e as consequências de natureza penal, em que se inclui o arbitramento oficioso de reparação à vítima, como efeito penal da condenação, nos termos do artigo 82.º-A do CPP.
p) A “reparação” da vítima prevista neste preceito, convocando conceitos e elementos da lei civil, requer que tenham sido causados prejuízos que mereçam ser compensados mediante uma soma em dinheiro cujo quantitativo não tem que corresponder ao montante desses prejuízos, como resulta do n.º 3 do art.º 82.º-A do CPP, segundo o qual a quantia arbitrada é levada em conta na indemnização.
q) Participando na realização das finalidades das penas (artigo 40.º do CP), em particular pelo seu efeito socializador, que obriga o autor a enfrentar as consequências do crime e a reconhecer os interesses da vítima, através da compensação desta pelos danos causados, a “reparação” terá de considerar as “particulares exigências de protecção” da vítima do crime, tendo em conta os danos patrimoniais e não patrimoniais que esta sofreu em resultado do concreto facto típico e os critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade que presidem à determinação das reacções criminais.
r)E, só aí, notamos que as consequências do crime, foram a necessidade de a vítima sair do lar conjugal e encontrar outro tecto para si e para o seu filho, o que – só isso e só por si – denota que a decisão recorrida foi, a este propósito, tabelar, sem olhar para o caso concreto e sem ponderar os factos provados relativos à situação da ofendida, à gravidade das consequências do crime, às condições pessoais do agente e a sua situação económica.
s)A decisão firmada, nesta parte, pelo douto Tribunal a quo, ao arbitrar um quantum indemnizatório totalmente desadequado, porque irrisório e mesmo miserabilista, sem efectivamente atender ao grau inusitado de violência infligido e às consequências do crime, viola o disposto nos artigos 483.º, 494.º e 496.º n.ºs 1 e 3 do Código Civil, artigo 82.º-A do CPP, alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal e artigo 21.º, n.º 2, da Lei n.º 112/2009, devendo a reparação ser fixada em, pelo menos, o dobro: 10.000,00€.
t)E deverá a sentença recorrida ser alterada, também, caso se mantenha esta bizarra suspensão da pena, na obrigação de pagamento da totalidade do valor arbitrado a título de compensação, devendo o arguido fazê-lo, no máximo, no prazo de 1 ano, reputado como suficiente para reunir os meios necessários ao pagamento da irrisória quantia de 5.000,00€ a que foi condenado. É que,
u) A “reparação” a que se refere o artigo 82.º-A do CPP situa-se, numa zona de intercepção de fronteiras do direito civil e do direito penal, visando efeitos de natureza penal – contribuindo para a realização dos fins das penas, em particular pelo seu efeito ressocializador, que obriga o autor a enfrentar as consequências do crime e a reconhecer os interesses da vítima (ROXIN, apud “A Suspensão Parcial da Pena de Prisão e a Reparação do Dano”, J. A. Vaz Carreto, Almedina, 2017, nota 251) – através da compensação da vítima pelos danos causados.
v) Daí que, como de há muito se vem sublinhando na jurisprudência (precisamente a propósito da suspensão da execução da pena de prisão), se deva considerar que a “reparação não constitui uma verdadeira indemnização, mas uma compensação destinada principalmente ao reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena e dar satisfação suficiente às finalidades da punição, respondendo nomeadamente à necessidadedetutela dos bens jurídicos eestabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”, o que justifica “que o montante arbitrado não tenha de corresponder ao que resultaria da fixação da indemnização segundo os critérios estabelecidos na lei para a responsabilidade ecivil e para a obrigação de indemnizar(artigos483.ºesegs. e 562.º e segs. do Código Civil” (acórdão de 11.6.1997, Colectânea de Jurisprudência, acórdãos do STJ, ano V, T. 2, pp. 226ss).
w) Pelo que, participando das finalidades da pena aplicada, esta reparação, na falta de fixação de critério próprio no artigo 82.º-A do CPP, deve levar em conta os danos não patrimoniais causados e a situação da vítima, como expressão da gravidade das consequênciasdocrime, as condições pessoais do agenteea sua situação económica, numa ponderação conjunta dos critérios da lei civil, nomeadamente dos artigos 494.º e 496.º, n.º 4, do Código Civil, convocados pela natureza compensatória da reparação, e dos critérios da lei penal de fixação da reacção criminal atendíveis por via da culpa e da prevenção, nos termos das alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 71.º, n.º 2, do C.P.
Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogado, e substituído por Acórdão que condene o arguido a uma pena de prisão efectiva eao pagamento da justa compensação à aquivítima,
Assim se fazendo e Serena JUSTIÇA!
3.O recurso foi admitido por despacho de .../.../2025, nos termos dos art.ºs 399.º, 400.º, a contrario sensu, 401.º, n.º 1, alínea b), e 411.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.º 2, a contrario sensu, todos do Código de Processo Penal, a subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito suspensivo nos termos dos artigos 406.º, n.º 1, 407.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 408.º, n.º 1, alínea a), e 414.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal.
4.O arguido apresentou resposta ao recurso em .../.../2025, dele apartando as seguintes conclusões (transcrição):
a) A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo revela-se conforme ao direito e à prova produzida, demonstrando equilíbrio entre os interesses em presença, com aplicação criteriosa dos princípios da culpa, da proporcionalidade, da legalidade e da prevenção penal.
b) A decisão de suspender a execução da pena de prisão mostra-se ajustada à realidade pessoal, social e profissional do arguido, respeitando o disposto no artigo 50.º o Código Penal e os critérios doutrinários e jurisprudenciais consolidados.
c) A sentença encontra-se devidamente fundamentada, de facto e de direito, cumprindo as exigências legais, sem que a assistente tenha logrado demonstrar qualquer vício, nulidade ou erro de julgamento que justifique a sua alteração.
d) O recurso interposto pela assistente consubstancia, em rigor, um mero inconformismo perante uma decisão desfavorável, pretendendo substituir-se à livre apreciação do julgador.
e) Também quanto ao pedido de indemnização civil, a sentença revelou-se prudente e equitativa, fixando o montante de forma proporcional, com base nos critérios do artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil e no juízo de equidade do julgador de primeira instância.
f) Apretensão de majoração dacompensaçãocivilcarece derespaldo probatórioe jurídico, revelando-se infundada e desprovida de sentido de justiça material, não podendo a indemnização assumir um caráter punitivo que ultrapasse os limites da reparação do dano efetivamente comprovado.
Termos em que se pugna pela total improcedência do recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo-se a decisão recorrida.
5.O Ministério Público em primeira instância respondeu ao recurso para dizer que considera que a decisão recorrida aplicou adequadamente a lei e o direito à situação de facto provada, devendo por tal, ser integralmente confirmada.
6.Nesta Relação, o Exmo. Sr.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em .../.../2025, que a seguir se transcreve na parte relevante:
“(…)VI. Estabelece o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, que “o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
O citado preceito legal representa, pois, um poder-dever, estando o juiz obrigado a suspender a execução da pena de prisão, sempre que os respetivos pressupostos se verifiquem (acórdão do STJ, de 04.07.96, in CJSTJ, tomo II, p.225; no mesmo sentido Figueiredo Dias, “Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão da execução da pena”, Rev. de Leg. e Jur. ano 124.º, pág. 68).
Como se salientou no acórdão do STJ, de 08.05.97 (in www.dgsi.pt), “factor essencial à filosofia do instituto da suspensão da execução da pena é a capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio da valoração do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como factor pedagógico de contestação e auto-responsabilização pelo comportamento posterior; para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido de sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de delinquir”.
Como referem Simas Santos e Leal-Henriques, “na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, a esperança de que ele sentirá a condenação como uma advertência e que não voltará a delinquir. O tribunal deverá correr um risco prudente - esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa” -cfr. Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, Noções de Direito Penal, ed., Rei dos Livros, 2016, Pá9,210.
É assim necessário, para aplicação desta pena de substituição, que se possa concluir que o arguido, presumivelmente, não voltará a cometer um novo crime.
VII. Ora, como bem anota a recorrente, o arguido revela uma personalidade deformada, cruel e sem qualquer empatia pela sua esposa e pelo seu filho. O arguido agrediu a sua esposa durante quatro anos, reiteradamente, provocando-lhe um parto prematuro na sequência de um pontapé que lhe deu na barriga. Humilhou-a, fê-la temer pela sua vida, causou-lhe grande sofrimento emocional, diminui-a como pessoa, coartou-lhe a sua liberdade de ação e movimento e decisão causando-lhe tristeza, receio, insegurança, intranquilidade, medo e angústia. Ameaçou-a de morte várias vezes. Expulsou-a de casa com o filho bebé ao colo. Agrediu-a no interior da residência comum, na presença do filho de ambos.
Como decorre dos factos dados como provados a ilicitude é de grau elevadíssimo, o dolo direto é de elevada intensidade. Os factos decorreram reiteradamente durante longo período.
O arguido nunca assumiu a responsabilidade pelos factos, nunca interiorizou a ilicitude da sua conduta, nunca demonstrou arrependimento e empatia pelo sofrimento da vítima.
No caso vertente e na nossa humilde opinião, se mostraria plenamente justificada a não opção pela suspensão da respetiva execução, porquanto as elevadas exigências de prevenção especial não permitem efetuar um juízo de prognose favorável à socialização em liberdade. Acresce que, e apresentando-se a prevenção geral positiva como finalidade primordial a prosseguir com as penas, há que referir que o sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência das normas penais violadas numa situação como a presente, ficaria afetado por uma substituição da pena de prisão pela suspensão da sua execução, mesmo que sujeita a condições ou regime de prova.
(Temos, assim, que a comunidade não consideraria reposta a confiança na validade da norma violada com o sancionamento do arguido através da pretendida pena de substituição.
Conforme entendimento do Prof. Figueiredo Dias, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo em caso de conclusão do tribunal por um prognóstico favorável ( à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuserem as finalidades da punição (art.50º, nº1 e 40º, nº1, n.ºl do Código Penal), nomeadamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois que “ só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre- o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto” Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, as Consequências do Crime”, pag., Pág. 344.
E no caso concreto, ignorou, também, o Tribunal a quo que nos crimes de violência doméstica se acentuam as necessidades de prevenção geral face ao flagelo associado a esta problemática e à necessidade de combate nacional a este tipo de crime que passa também pela refirmação da norma jurídica violada, exigindo a sociedade neste tipo de criminalidade grande rigor punitivo. Desde logo e ante a sua imensa proliferação. Os crimes de violência doméstica reclamam, por veementes razões de prevenção geral rigor punitivo. Assim é que, a par da consciencialização e da censura comunitária - nacional e - internacional - a jurisprudência tem vindo, progressivamente, a realçar, neste espectro, as fortíssimas exigências de prevenção geral.
O arguido optou pelo silêncio no julgamento.
O arguido nunca assumiu a responsabilidade pelos factos, nunca interiorizou a ilicitude da sua conduta, nunca demonstrou arrependimento e empatia pelo sofrimento da vítima.
Não mostrou arrependimento. “O arrependimento é um ato interior revelador de uma personalidade que rejeita o mal praticado e que permite um juízo de confiança no comportamento futuro do agente por forma a que, se vierem a deparar-se -lhe situações idênticas , não voltará a delinquir “ - acórdão do STJ de 21.06/2007, Proc. 07p2042, in www.dgsi.pt.
Depois de se optar por uma pena detentiva, à luz das considerações e com os critérios legais, importa determinar se existe a esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada. A partir de razões fundadas e sérias que levem a acreditar na capacidade do delinquente para a auto-prevenção do cometimento de novos crimes, devendo negar-se a suspensão sempre que, fundadamente, seja de duvidar dessa capacidade. Nos termos prevenidos no artigo 50.º. do CP, a averiguação de tal capacidade deve ser feita em concreto, através da análise da personalidade do arguido. das suas condições de vida. Da conduta que manteve antes e depois do facto e das circunstâncias em que o praticou.
Na nossa opinião, o Tribunal a quo, valorou inadequadamente as circunstâncias apuradas, pois o facto de o arguido estar inserido social e profissionalmente e ainda que na família alargada, como aliás o estão a grande maioria dos agressores de violência doméstica, não será simplisticamente de inferir prognose de retidão.
E de todo o quadro factual resultam ponderosas necessidades de prevenção especial e fortes exigências de prevenção geral pelo que se concordando com a assistente outra solução não resta se não a de concluir que inexistem circunstâncias que amparam um juízo de prognose favorável e que sustentem a decidida suspensão de execução da pena.
VIII. E em consequência, não podemos deixar de concordar com a Recorrente que o Tribunal a quo, ao optar pela suspensão da execução da pena em que condenou o arguido não fez uma correta interpretação dos critérios contidos na disposição do art.º 50º, do Código Penal, e incorreu em erro de julgamento, quanto ao juízo de prognose do comportamento futuro do arguido.
Assim, razões de prevenção especial e fortíssimas também de prevenção geral impedem, pois, a subsunção da pena de prisão imposta pela suspensão da respetiva execução, mostrando-se esta incapaz de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A ressocialização que se impõe, em ordem a uma verdadeira reinserção, só se realiza pela efetiva privação da liberdade.
Tendo decidido como decidiu, a douta sentença violou o disposto no artigo 50.º, do Código Penal, e concordando-se com os fundamentos do recurso, emite-se parecer no sentido de que seja julgado procedente o presente recurso.
Mas a final, não obstante, melhor se dirá.
*
Foi cumprido o disposto no n.º2 do art.º 417.º, do CPP e não houve resposta.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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II-Questões prévias.
1.ª Da invocação de questão nova no recurso relativa a mensagem que o arguido terá enviado à ofendida a ameaçá-la e humilhá-la após a prolacção da sentença em primeira instância.
Vem a assistente invocar na motivação e conclusões do recurso que o arguido a terá ameaçado e humilhado já depois da prolacção da sentença, através de mensagem que constará de documento mencionado como doc. 1, mas que não foi junto efectivamente com o recurso.
É pacífico, na doutrina e na jurisprudência que os recursos estão configurados no nosso sistema processual penal como remédios jurídicos, visam apenas modificar as decisões recorridas e não criar novas decisões sobre matérias ou questões novas que não foram, nem podiam ter sido, suscitadas ou conhecidas pelo tribunal recorrido salvo se isso for cometido oficiosamente pela lei.
Em recurso, o que se decide são questões específicas, delimitadas e concretas que tenham já sido objeto de decisão anterior pelo tribunal a quo e que o interessado pretende ver reapreciadas / reavaliadas pois, o objeto do recurso ordinário é apenas e só a sindicância da decisão impugnada, como decorre, com meridiana clareza, dos art.ºs 399.º, 401.º, 402.º, n.º1 e 403.º, do CPP.
Na verdade, a via recursiva não existe para criar e emitir decisões novas sobre questões novas, mas sim impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do Tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o Tribunal a quo no momento em que a proferiu.
Citam-se, com conformidade e a título de exemplo os seguintes acórdãos disponíveis em www.dgsi.pt, transcrevendo-se as partes dos sumários pertinentes:
-Do STJ de 07-07-2016, processo 156/12.0TTCSC.L1.S1:
I – Não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
-Do STJ de 29-01-2025, processo 738/20.6T9TVD.L1.S1:
IV – Não se suscitando junto do Tribunal de segunda Instância, determinada questão ou questões, configura inovatória posição, a(s) submeter à apreciação deste STJ, um aspeto que não levou à ponderação daquele Tribunal pois, sendo certo que pode o recurso ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, por norma, não pode o mesmo ter outros que, por opção do recorrente foram excluídos do conhecimento na decisão em apreciação.
V - O recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial apenas pode ter como objeto questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que sejam de conhecimento oficioso
-Do TRP 09-10-2023 proc. 6263/18.8T8PRT.P 1:
I - Os recursos, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, em termos gerais, apenas, podem ter como objecto questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal “ad quem” com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso.
II – Ou seja, os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (excepto se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do Tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o Tribunal “a quo” no momento em que a proferiu.
- D TRG de 08-10-2020 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1
I - Os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão mas não para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido.
II - As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida.
(cfr. ainda, entre muitos outros, os seguintes Acs. da Rel. do Porto de 9-12-2004, proc.º n.º 0415010 da Rel. de Évora de 03/11/2015, P. 51/11.0PAMRA.E3, da Rel. de Lisboa processo 1339/24.5PBCSC-A.L1-5 de 17/06/2025 relator Rui Poças, , 08 Fevereiro 2000 0076737 Relator Ponce LEÃO Ac. STJ de 24-05-2006, Relator Sousa Fonte e de 22-06-2004 FERREIRA GIRÃO em www.dgsi.pt)
Por isso, e quanto à questão supra referida suscitada pela recorrente, não sendo de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal emitir um qualquer juízo sobre ela, muito menos para fundamentar a revogação decisão do Tribunal recorrido de suspensão de execução da pena de prisão.
Caso a recorrente pretenda obter a alteração, com base nos aludidos factos supervenientes e meio probatório, o meio processual adequado é o requerimento de alteração do estatuto coactivo do arguido e/ou apresentar denúncia por estar em causa putativo novo crime.
Assim sendo, constituindo a referida matéria suscitada pela assistente/ recorrente na motivação/conclusões do recurso, inquestionavelmente, questão nova, não pode assim ser apreciada por este Tribunal de recurso.
Face ao exposto, por inadmissibilidade legal, rejeita-se o recurso interposto com base na referida questão nova.
2.ª- Da legitimidade da assistente para recorrer da sentença condenatória quanto à escolha e medida da pena, desacompanhada do Ministério Público que não recorreu.
Vem a recorrente/assistente recorrer da sentença nos presentes autos recorrendo quer da medida da pena de prisão, quer da suspensão de execução da pena de prisão, quer do montante fixado a título de reparação indemnizatória. Alega para o efeito, que a pena aplicada é irrelevante em termos de prevenção geral e ineficaz em termos de prevenção especial, pugnando pela alteração da decisão no sentido de constituir efectiva coacção ao arguido inibindo-o durante o cumprimento da pena de prisão, que deverá ser efectivo em reclusão, de concretização das ameaças, assim cumprindo os fins de prevenção especial que foram, pura e simplesmente, obnubilados. Se mantida a suspensão de execução da pena de prisão, a condição do pagamento da compensação à vítima deverá ser pelo montante total fixado e não pela metade e no prazo de um ano. Mais recorre pugnando pelo aumento do montante fixado a título de reparação para o dobro do montante fixado devendo ser de 10.000,00€.
Previamente à análise do presente recurso importa se aprecie sobre a legitimidade da assistente para interpor recurso da sentença condenatória proferida para apreciação das questões que coloca no recurso ou de qualquer delas.
Dispõe o art.º 69º do CPP que:
“1. Os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei.
2. Compete em especial aos assistentes:
a. (...)
b. (...)
c. Interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito."
Dispõe a al. b) do n.º1 do art.º 401.º, do CPP que o(a) assistente pode decorrer das decisões contra ele (ela) proferidas. Mais, dispõe o n.º2 que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.
A jurisprudência tem sublinhado que a lei não reconhece ao assistente um direito genérico e abastracto de recurso, estando o seu direito condicionado à verificação de um pressuposto processual que consista num concreto e próprio interesse em agir, sendo precisamente esse tipo de interesse que lhe confere legitimidade para o recurso, pressuposto processual que é um ónus probatório do assistente (Cf. Fernando Gama Lobo, Código de Processo Penal Anotado, 4.ª Edição Almedina pág. 933).
Na verdade, a pretensão deduzida pela recorrente tem de ser articulada com a jurisprudência obrigatória constante, à data, Assento (hoje Acórdão Uniformizador de Jurisprudência) 8/99 Supremo Tribunal de Justiça publicado no Diário da República n.º 185/1999, Série I-A de 1999-08-10, páginas 5192 – 5203 em 1999-08-10 o qual dispõe que «O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.» (sublinhado nosso).
No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 205/01, processo n.º 372/00, 3ª Secção, Rel. Cons. Tavares da Costa, foi considerada tal jurisprudência uniformizadora conforme com as Constituição, sendo exarado o seguinte entendimento:
A interpretação constante do acórdão de fixação de jurisprudência, aplicada na decisão recorrida, ao condicionar o recurso do assistente à demonstração de um concreto e próprio interesse em agir, quando, desacompanhado do Ministério Público, pretenda impugnar a espécie e medida da pena aplicada, não afecta o núcleo essencial da intervenção do ofendido no processo penal nem coloca em crise o direito ao recurso por parte do assistente, pois não é absoluta, apenas incidindo sobre os pressupostos do recurso e, além disso, respeita a matéria que tem fundamentalmente a ver com o exercício pelos órgãos do Estado do "ius puniendi" relativamente ao arguido e com a realização dos fins constitucionais e legais das penas.
Como salienta o magistrado do Ministério Público nas suas alegações, por via desta restrição não fica o assistente impedido de recorrer autonomamente da decisão atinente à medida concreta da pena imposta ao arguido, apenas se lhe comina um específico ónus de demonstração de um particular interesse em agir no que a tal matéria concerne. Ou seja, o assistente pode impugnar tal segmento da decisão proferida, desde que mostre que da concreta escolha da medida da pena aplicada ao arguido lhe decorre específica e concreta lesão de interesses pessoais relevantes.”
A questão da legitimidade do assistente tem sido várias vezes discutida no Supremo Tribunal de Justiça, que, na vigência do atual regime processual penal, por três vezes fixou jurisprudência uniforme sobre o tema, sendo:
- a primeira constante do assento de 8/99 já referido;
-a segunda, no AUJ n.º 5/2011, de 11/03/2011 in DR 11/03/2011 que estabeleceu "em processo por crime público ou semipúblico, o assistente que não deduziu acusação autónoma nem aderiu à acusação pública pode recorrer da decisão de não pronúncia em instrução requerida pelo arguido e da sentença absolutória, mesmo não havendo recurso do Ministério Público".
-A terceira, no recente AUJ n.º 2/2020, de 13/02/2020 DR de 26/03/2020 estabelecendo: “o assistente, ainda que desacompanhado do Ministério Público, pode recorrer para que a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado fique condicionada ao pagamento, dentro de certo prazo, da indemnização que lhe foi arbitrada”.
Neste último acórdão uniformizador expendeu-se o seguinte raciocínio : “Refira-se, sumariamente, que por força do direito comunitário (16) a Lei n.º 130/2015, de 04.09, ao transpor a Directiva 2012/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25.10.2012, deu foros de cidadania à "vítima", aprovando o respectivo Estatuto e aditando à sistemática do CPP um novo título sob a epígrafe "vítima" composto pelo artigo 67.º-A (artigo 4.º, n.º 2) em cujo n.º 4, além do mais, se afirma o direito de "participação activa no processo penal", o que vai de encontro à possibilidade de o assistente enquanto vítima/lesado/ofendido poder, sem peias, lançar mão do recurso, em situações como a que” ali se uniformizou em que se estava perante a situação do assistente, a quem, não obstante estar munido de título executivo constituído pela sentença condenatória, foi reconhecido que, mesmo desacompanhado pelo Ministério Público, poderia recorrer da pena de suspensão de execução da pena de prisão, para ficar condicionada ao pagamento de indemnização, face à demonstração de um “concreto e próprio interesse em agir”.
No Acórdão do STJ (Processo nº 400/12.3JAAVR.S1), de 10 de abril de 2014, Relator: SANTOS CABRAL, vem referenciada a existência, quanto a esta matéria, de três posições distintas a propósito da legitimidade do assistente para interpor recurso em caso de sentença condenatória, desacompanhado do Mº Pº, nomeadamente, estando em causa a medida da pena:
“-Uma primeira, negando essa possibilidade, considerando que a decisão não o afectava, ou por não ter interesse em agir, de que são exemplos os acórdãos de 22-11-1995, CJSTJ 1995, tomo 3, 240, de 09-10-1997, BMJ 470, 364, de 18-12-1997, CJSTJ 1997, tomo 3, 216;
-Uma segunda, reconhecendo legitimidade ao assistente – como nos casos dos acórdãos de 03-07-1991, BMJ 409, 355, de 22-05-1996, processo 243/96, de 09-04-2007, CJSTJ 1997, tomo 2, 172 e BMJ 466, 366.
-A posição que obteve respaldo em sede de fixação de jurisprudência orientou-se no sentido de que a solução para decidir da legitimidade ou ilegitimidade para o recurso deve ser encontrada, apreciando, caso a caso, se a sua posição é afectada pela natureza da condenação ou pela espécie da medida da pena aplicada ao arguido.”
É desse acórdão o seguinte sumário:
I - De acordo com a jurisprudência obrigatória constante do AFJ 8/99 «O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir»
II - Se a discordância deriva de causa que afectou o interesse do assistente e em razão de tal se possa considerar vencido [CPP – arts. 401.º, n.ºs 1, al. b), e 2, e 69.º, n.ºs 1 e 2, al. c)], tem este interesse em agir, pelo que pode recorrer. Este interesse em agir tem de ser concreto e do próprio, pelo que é insuficiente se o assistente não demonstrar um real e verdadeiro interesse, oriundo duma posição equidistante que visa a salvaguarda de valores jurídicos, mas pretende fazer valer uma ideia de vindicta privada.
III -No vertente caso, os assistentes recorrentes não invocam qualquer interesse próprio, e concreto, em agir na alteração da medida concreta da pena, para além das necessidades de prevenção a nível geral, mas a defesa destas é tarefa do MP, que, ao não interpor recurso, entendeu a pena como ajustada, tendo mesmo manifestado essa opinião na resposta ao recurso da recorrente. Não sendo invocado qualquer interesse específico ou vantagem na aplicação de uma pena mais elevada, distinto das finalidades públicas da aplicação da pena, não pode este tribunal dizer que a decisão foi proferida contra o assistente e se existe interesse em agir relevante que possa integrar o pressuposto de admissibilidade do recurso nesta parte.
IV - Consequentemente, por falta de legitimidade do assistente, rejeita-se o recurso interposto, nos termos dos arts. 414.º, n.ºs 2 e 3, e 420.º, n.º 1, ambos do CPP.”
Da fundamentação do acórdão colhe-se o seguinte entendimento:
“Como se afirmou as finalidades da punição, que justificam a espécie e a medida da pena, não visam dar sequência a uma pretensão do ofendido assistente dum determinado castigo, pois que a lei não lhe confere o direito à punição como forma de reparação, ou de satisfação moral, e não lhe permite exigir determinada medida a pena para satisfação do seu interesse moral. A punição do arguido está subordinada ao interesse público de administração da justiça conjugando a sua actividade com a tarefa de prossecução da acção penal tal como esta é definida pelo Ministério Publico. Não compete ao assistente ser o gestor do interesse colectivo ou da comunidade, assumindo-se como corporizando um “jus puniendi” que não tutela. No vertente caso, os assistentes recorrentes não invocam qualquer interesse próprio, e concreto, em agir na alteração da medida concreta da pena, para além das necessidades de prevenção a nível geral, mas a defesa estas é, como se referiu, tarefa do Ministério Público, que, ao não interpor recurso, entendeu a pena como ajustada, tendo mesmo manifestado essa opinião na resposta ao recurso da recorrente. Não sendo invocado qualquer interesse específico ou vantagem na aplicação de uma pena mais elevada, distinto das finalidades públicas da aplicação da pena, não pode este tribunal dizer que a decisão foi proferida contra o assistente (encadeando-se aqui a questão com a decidida no ponto anterior), e se existe interesse em agir relevante que possa integrar o pressuposto de admissibilidade do recurso nesta parte. Repete-se que a medida concreta da pena do arguido de um crime satisfaz um interesse colectivo que compete ao Mº Pº prosseguir. Não existe um direito pessoal público do assistente a um certa e concreta punição, como forma de reparação moral, de tal modo que fosse permitido ao assistente exigir determinada medida da pena para a satisfação desse interesse. A punição do arguido está dominada por um interesse público, não podendo competir ao assistente ser o intérprete do interesse colectivo, designadamente se se afastar da posição assumida a esse respeito pelo Mº Pº; relativamente ao núcleo do jus puniendi do Estado, o assistente não pode, pois, deixar de estar subordinado à posição do Mº Pº sobre a discussão da medida concreta da pena (cf, v. g. ac. STJ de 7 de Maio de 2009, proc. 579/09). [2]”
No Acórdão também do STJ de 03/02/2021, 4038/18.3JAPRT.P1.S1: Relator: NUNO GONÇALVES, foi sumariado o seguinte entendimento:
I - O assistente pode impugnar qualquer decisão judicial recorrível que afete os seus direitos ou interesses legítimos.
II - O interesse do moderno Estado de Direito Democrático é, sobretudo, de que o processo penal realize justamente o direito criminal. Justiça que, em caso de condenação haverá de calibrar-se através da justa medida das concretas consequências jurídicas do crime.
III - Finalidade do processo penal que se repercute, necessariamente, na expansão da intervenção de outros sujeitos processuais na realização material e juridicamente correta do direito criminal.
IV - A escolha e individualização da pena pautam-se por regras que estabelecem critérios estritos.
V - O Assistente pode recorrer desacompanhado do MP, no que concerne à espécie e medida concreta da pena, se for essa a via de alcançar tutela judicial efetiva para as pretensões apresentadas e pelas quais pugnou ativamente na sua intervenção processual.
VI - No caso, assistia-lhe o direito de recorrer para obter tutela judicial efetiva para as concretas pretensões por que ativamente foi pugnando no decurso do processo, de modo a que a realização do direito no caso se traduza na mais justamente individualizada consequência jurídica para a ofensa do seu direito à vida e dos interesses legítimos decorrentes dessa grave violação do bem dos bens jurídicos.(…)”
Lendo-se na fundamentação do Acórdão que:
“Na jurisprudência, aos AUJ citados, acrescenta-se o entendimento largamente maioritário no sentido de que o assistente pode recorrer mesmo que do provimento do recurso advenha alteração da espécie e medida da pena sempre que ao longo do processo tenha pugnado ativamente por uma determinada solução jurídico-criminal que a decisão final não consagrou. (…).
Entendemos que o interesse em agir firmado no art. 401º n.º 2 do CPP, já está, em grande medida, incorporado no conceito legal “de decisões contra eles proferidas”. O assistente, como o arguido, (também as partes civis na parte correspondente) – só podem obter utilidade e, consequentemente, apenas têm interesse em recorrer das decisões que os afetem, que não reconheçam os direitos ou interesses jurídicos por que tenham pugnado no processo.(…)”
Logo, se através da operação de determinação da medida da pena em sentido amplo o Tribunal chegar a uma decisão contrária à pretensão manifestada pelo assistente no processo e que ofenda o seu concreto interesse na justeza da punição (…), dessa decisão deverá o assistente ter a faculdade de recorrer de forma autónoma»[14]. Com a evolução jurisprudencial verificada – no STJ e no Tribunal Constitucional - e doutrinária sobre o estatuto de autêntico sujeito processual do assistente, designadamente sobre os poderes de conformação do procedimento e o interesse próprio na justa decisão da causa penal, entendemos que pode recorrer desacompanhado do MP, no que concerne à espécie e medida concreta da pena, se essa for a via de alcançar tutela judicial efetiva para as pretensões apresentadas e pelas quais pugnou ativamente na sua intervenção processual. Não mais podendo exigir-se do que evidencie não ter a decisão recorrida satisfeito as pretensões de tutela que, legalmente e na justa medida, defendeu perante o tribunal que proferiu a decisão impugnada. Se entre essas pretensões adequadas a satisfazer os seus direitos violados ou outros interesses legítimos, se incluiu pena de uma determinada espécie e/ou com uma medida concreta, sem dúvida que a decisão que assim não condenou lhe foi desfavorável. Decisivo é, pois, a casuística processual. Se o assistente se limitou, sem mais, a aderir à acusação publica, não mais fazendo do que acompanhá-la, não poderá depois, desacompanhado do titular da ação penal, recorrer visando unicamente modificar a espécie e medida da pena que tiver sido aplicada pelo tribunal, porque, em substância, não se pode dizer que a decisão condenatória não satisfez pretensão que tivesse apresentado e sustentado em julgamento.(…).
Tendo em conta a jurisprudência e doutrina supra citadas somos do entendimento de que pretendendo a (o) assistente interpor recurso autónomo, isto é, desacompanhado do MP, impende sobre ela (ele) um específico ónus de demonstração de um particular interesse, o propalado “concreto e próprio interesse em agir” enfatizado na jurisprudência supra citada, evidenciando na sua motivação e conclusões que o seu direito está carecido de tutela, conquanto a decisão foi proferida contra ela (ele), sendo uma decisão que a (o) afecta, no sentido de que foi proferida contra pretensões que havia formulado no processo.
Ora, no caso, analisado o comportamento processual da assistente a mesma, muito embora se tenha constituído com essa qualidade nos autos, o que foi admitido, e constituído mandatário, conforme requerimento de .../.../2024 e despacho de .../.../2024, e prestado declarações para memória futura em .../.../2024, não recorreu das medidas de coacção não privativas da liberdade que foram aplicadas ao arguido em .../.../2024 após o seu interrogatório judicial, de (a)Proibição de se aproximar a menos de 400 (quatrocentos) metros da residência da ofendida; b) Proibição de contactar, por qualquer meio, a ofendida; c) As medidas referidas em a) e b) ficam sujeitas ao controlo eletrónico de cumprimento, através de vigilância eletrónica, nos termos conjugados do n.º 1do artigo 35.º e n.º 7 do artigo 36.º. ambos da Lei n.º 112/2009, de ... e, em .../.../2025, após novo interrogatório judicial, em que foi acrescentada a obrigação de apresentações periódicas, a realizar três vezes por semana, às segundas-feiras, quartas-feiras e sextas-feiras, no posto policial da área da residência do arguido. Não deduziu ela própria acusação nos termos do art.º 284.º, do CPP, nem indicou outras provas para além das indicadas na acusação. Ademais, não deduziu pedido de indemnização civil, embora não se tenha oposto expressamente ao arbitramento de quantia a título de reparação nos termos do art.º 21.º, n.º2 da Lei n.º 112/2009 de ....
Tão pouco o mandatário da assistente e que agora assina o recurso compareceu às audiências, embora justificando as faltas, não obstante ter acordado datas (ver despachos de .../.../2025, .../.../2025, .../.../2025, .../.../2025, .../.../2025 bem como as actas de audiência de .../.../2025 e de .../.../2025) podendo ter substabelecido ou a assistente constituído outro Mandatário para comparecer nas audiências, em que ela esteve presente e por isso tomou conhecimento da ausência do seu mandatário, não tendo consequentemente, o Ilustre Mandatário proferido alegações no sentido de pretender ver aplicada prisão efectiva ao arguido, pretensão que nunca a assistente pugnou ativamente na sua intervenção processual.
Ademais, embora a assistente tenha prestado declarações, pela mesma foi dito que não pretendia prestar declarações, quanto aos factos durante o casamento (conforme consta da Acta de audiência de .../.../2025 (ainda que utilizando a prerrogativa concedida pelo art.º 134.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, dizendo quanto posteriores e restante não se recorda dos mesmos).
Na motivação do recurso a assistente refere um doc. 1, mas que não junta, para corroborar o facto que imputa ao arguido de a ter ameaçado depois da sentença, e que, como já supra referido constituindo questão nova não pode ser objecto do presente recurso. Insurge-se quanto à suspensão de execução da pena de prisão, por não servir as finalidades de prevenção geral e de prevenção especial.
Ora, de todo o exposto, consideramos que não se evidência nos autos que a assistente revele um interesse particular em recorrer da sentença condenatória no que respeita à medida da pena de prisão aplicada e à aplicação da suspensão de substituição de execução da pena de prisão, desacompanhada do Ministério Público, a qual não foi proferida contra pretensões que havia formulado ou pugnado activamente no processo, e consequentemente não tem legitimidade para recorrer quanto a tal.
Porém, reconhece-se o direito de recorrer da parte relativa à aplicação do dever de pagamento de apenas metade da quantia arbitrada a título de reparação, de acordo com o espirito do AUJ n.º 2/2020 supra referido, bem como na parte relativa ao montante arbitrado a título de reparação.
Assim, rejeita-se parcialmente o recurso da assistente, no que respeita à medida concreta da pena de prisão aplicada e à aplicação da pena de substituição de suspensão de execução de execução da pena de prisão, por a mesma carecer de legitimidade para o efeito.
Notifique.
III. OBJECTO DO RECURSO
Constitui jurisprudência e doutrina assente que o objecto do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal de recurso, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 417º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP1, os quais devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP).2
Na Doutrina, por todos, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Volume II, 5.ª Edição atualizada, pág. 590, “As conclusões do recorrente delimitam o âmbito do poder de cognição do tribunal de recurso. Nelas o recorrente condensa os motivos da sua discordância com a decisão recorrida e com elas o recorrente fixa o objecto da discussão no tribunal de recurso(…) A delimitação do âmbito do recurso pelo recorrente não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente das nulidades insanáveis que afetem o recorrente(…) não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente dos vícios do artigo 410.º, n.º2 que afetem o recorrente(…)”
Tendo em conta a natureza das questões submetidas no recurso, importa respeitar as regras da precedência lógica a que estão submetidas as decisões judiciais (artigo 608º, nº 1 do Código de Processo Civil, “ex vi” do artigo 4º do Código de Processo Penal).
Atendendo às conclusões extraídas pela recorrente da motivação apresentada relativamente às partes do recurso não rejeitadas, são as seguintes as questões a apreciar, por ordem de precedência lógica:
-Da não sujeição da suspensão de execução da pena de prisão à condição de pagar a totalidade da quantia arbitrada a título de reparação.
- Da fixação do valor da reparação à vítima em montante superior ao arbitrado pelo Tribunal recorrido.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO
IV.1- No início da sessão de julgamento de leitura da sentença foi declarada reaberta a audiência de julgamento e comunicada ao arguido, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 358.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, a alteração da qualificação jurídica dos factos imputados pela acusação pública, passando a imputar-se-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punível pelo art.º 152.º, n.ºs 1, alínea a), 2, alínea a), 4, 5 e 6 do Código Penal.
Foi ainda comunicada ao arguido, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 1.º, alínea f), a contrario sensu, e 358.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, a alteração não substancial dos factos a si imputados pela acusação pública, conforme melhor resulta da ata.
Não foi requerido prazo pelo arguido para preparação de defesa.
IV.2- O Tribunal recorrido deu como provados e não provados na sentença condenatória os seguintes factos (transcrição):
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A. Factos provados
Apreciada a prova produzida em audiência de julgamento, dão-se como provados, com relevância para a boa decisão da causa, os seguintes factos constantes:
Da acusação pública:
1. DD e o arguido AA mantiveram relação amorosa entre ...2.../10 e ...2.../01, sendo que contraíram casamento civil em ...2.../12, que foi dissolvido em ...2.../05.
2. É filho do casal EE, nascido em ...2.../07.
3. Entre ... e ... o casal residiu na ..., na freguesia de ....
4. Nesse período, no interior da residência do casal, o arguido passou a discutir diariamente com DD dirigindo-lhe as seguintes expressões: «és uma puta», «porca», «és um lixo», «não vales nada», «morta de fome és um monte de esterco és uma ordinária», «és doente mental», e ao mesmo tempo agarrava-lhe os cabelos, empurrava-a contra as paredes, contra a cama, e para o chão e também lhe deu uma bofetada.
5. Estes factos ocorreram em várias ocasiões.
6. Por vezes em deslocações de ambos, o arguido também deixava DD apeada a meio dos trajetos, abandonando-a grávida na rua e fazendo-a deslocar-se sozinha para casa.
7. Entretanto, o casal passou a residir na ..., na ....
8. Em data não concretamente apurada, mas certamente do mês de ..., quando circulavam de automóvel na freguesia de ..., o arguido parou a marcha do veículo em frente à escola do ... e atingiu DD com duas chapadas na face, e de seguida saiu, dirigiu-se ao lugar do pendura a DD e arrastou-a para fora do carro, puxando-a pelas pernas e dizendo-lhe: «sai puta, esse carro é meu», «és louca» e «és mentirosa».
9. No dia ...2.../07, estando DD grávida de 8 (oito) meses, o arguido acusou DD de estar envolvida com o cunhado e disse-lhe: «és uma puta», «és uma mulher da vida» e «doente mental!», nessa sequência o arguido desferiu duas bofetadas e empurrou-a, sabendo que estava grávida, com gravidez de risco, tal como o arguido sabia.
10. O arguido também deu um pontapé na barriga de DD.
11. O arguido também duvidava ser o pai de EE, afirmando-o a DD e exigindo-lhe a realização de teste de ADN.
12. O arguido dizia também que não iria dar sustento a um filho que não era seu.
13. Em uma das ocasiões supra relatas o arguido fechou DD no quarto, retirou-lhe o telemóvel e quando DD saiu à rua, o arguido agarrou-a pelos cabelos e arrastou-a até dentro de casa.
14. O arguido também lhe desferiu um pontapé na barriga, causando um hematoma na barriga de DD.
15. Na sequência dos factos descritos DD entrou em trabalho de parto.
16. No dia ...2.../07, nasceu o filho de ambos, EE.
17. Em ... as discussões verbais acompanhadas de agressões físicas reiniciaram-se e em dia e hora não concretamente apurados mas certamente do mês de ..., no interior da residência do casal e na sequência de uma discussão verbal, o arguido dirigiu-se a DD e disse-lhe seriamente: «dou-te um tiro e mato-te, ninguém te encontra», «tiro-te o filho e gasto o que tenho e o que não tenho» e «meto-te nesse campo de milho que ninguém dá por ti!».
18. DD chamou um táxi para abandonar a residência e, ao entrar, o arguido, deliberadamente, fez bater a porta contra a cabeça de DD, atingindo-a na sobrancelha.
19. Nesse mesmo dia, DD acedeu à aplicação das câmaras de videovigilância que tem instaladas na sua residência, verificando que o arguido empunhou um revolver.
20. Em data não concretamente apurada do ano de ..., o arguido iniciou uma discussão verbal, no interior da residência, e nessa sequência atingiu DD nos braços e pernas, dizendo-lhe também «és uma puta», «és um lixo», «não vales nada», «morta de fome», «és um monte de esterco», «és uma ordinária», «és doente mental».
21. No mesmo ano de ..., em data não concretamente apurada, o arguido agrediu DD de modo ainda não concretamente apurado, sendo que esta pediu ajuda à ....
22. Na sequência destes factos e em resultado do comportamento do arguido, DD recebeu assistência hospitalar e resultaram diversos ferimentos no corpo de DD.
23. Nas discussões que ocorreram no interior da residência, acompanhadas por agressões físicas, o arguido empurrava DD para fora da residência do casal juntamente com o filho menor de ambos, fechando a casa e deixando ambos na rua.
24. Em data não concretamente apurada, mas no ano de 2023, no interior do gabinete de estética «...», na ..., na cidade da ..., o arguido dirigiu-se a DD dizendo-lhe «és uma puta, quem fuma são as porcas», bem como empurrou DD com EE para fora do carro e deixou-a apeada.
25. Igualmente em data não concretamente apurada do ano de 2023, o arguido dirigiu-se a DD dizendo-lhe «és uma mentirosa», «és maluca», «não vales nada».
26. Em seguida, o arguido deu um empurrão a DD, depois agarrou-a pelos cabelos e arrastou-a até ao interior da residência.
27. Depois, o arguido trancou DD no interior do quarto, e desferiu-lhe uma chapada, DD dirigiu-se à janela para pedir socorro, e em seguida o arguido agarrou-a de novo pelos cabelos e tirou-lhe o telemóvel.
28. No dia ...2.../01, o arguido chegou a casa e iniciou uma discussão verbal com DD, e nessa sequência o arguido deu dois encontrões a DD, e proferiu a seguinte expressão «sai de minha casa, puta! isso é meu és uma chula».
29. Nessa sequência, DD saiu de casa.
30. No dia ...2.../03, junto àquela que tinha sido a residência comum, na presença de EE, o arguido atingiu DD com uma bofetada na face de tal modo que lhe partiu os óculos.
31. Com a força investida contra si, DD desequilibrou-se, caiu para trás batendo contra o vidro da porta que se partiu.
32. No dia ...2.../03, o arguido dirigiu-se à atual residência de DD, sita na ..., tendo obstruído, com o seu automóvel, a circulação do automóvel de DD e assim a impedindo de sair e disse-lhe: «levas dois socos, puta caralho!», abandonado o local de seguida.
33. Em diferentes dias de ..., o arguido permaneceu junto ao local de trabalho de DD, numa atitude de controlo e provocação.
34. Na sequência das buscas realizadas nos presentes autos, o arguido fez saber a DD «que lhe dava uma cacetada» sendo que após, quando ambos circulavam de automóvel, seguiu DD entre a cidade da ... e a sua residência.
35. No dia ...2.../06, quando DD se encontrava em ... com um amigo, surgiu o arguido que passou por si; e no dia ...2.../06, pelas 14h17m, o arguido contactou telefonicamente DD e disse-lhe: «és uma prostituta, andas com dois homens, és uma mulher da vida».
36. O arguido é detentor da licença de uso e porte de arma n.º 4863/2015-02, válida até ...2.../10, e possui a arma de fogo Reminghton 13217651 M, livrete n. OM58515.
37. O arguido agiu sempre de livre, voluntária e conscientemente com o propósito alcançado de exercer poder sobre e de dominar DD, querendo causar-lhe, como causou, medo, dores físicas e sofrimento psíquico, e impedir, como impediu, a sua liberdade e o livre desenvolvimento da sua personalidade.
38. Sabia que a sua conduta era tão mais censurável porquanto praticava os factos no interior da residência comum e na presença do filho de ambos.
39. Sabia que toda a sua descrita conduta era proibida e punida por lei.
Da audiência de julgamento:
40. O arguido tem atualmente 52 (cinquenta e dois) anos de idade.
41. (…) possui, como habilitações literárias, o 6.º ano de escolaridade.
42. (…) trabalha na aérea da construção civil, por conta de própria, auferindo um rendimento mensal de cerca de 1.000,00€ (mil euros).
43. (…) vive sozinho, em casa arrendada, pagando uma renda mensal de 350,00€ (trezentos e cinquenta euros).
44. (…) tem 3 (três) filhos, dois maiores e independentes, um menor que reside com a mãe, a assistente, a quem paga pensão de alimentos no valor de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros).
45. (…) é proprietário de uma carrinha, marca ..., e de um carro, marca ....
46. (…) não possui averbada no registo criminal qualquer condenação pela prática de factos com relevância criminal.
B. Factos não provados
Com relevância para a boa decisão da causa, não se deu como provado o seguinte facto:
a. O arguido também perseguiu e abordou DD, nos seguintes termos: em ...2.../04, DD verificou a presença do arguido nas imediações do seu trabalho, verificando depois que o automóvel estava riscado; no dia ...2.../04, o arguido, juntamente com outros indivíduos, ter permanecido no local de trabalho de DD e no mercado municipal deixando-a perturbada; no dia ...2.../05, junto ao «Amor da Pátria» na cidade da ..., o arguido colocou-se na frente do automóvel de DD, bateu com a mão aberta no capô e afirmou: «temos de conversar!»; no dia ...2.../06, pelas 09h00m.(…)
IV.4-Com base nesses factos provados o Tribunal recorrido efectuou o seguinte enquadramento jurídico:
A. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL
Chegados a este ponto, cumpre fazer o enquadramento jurídico-penal da matéria de facto acima descrita e verificar se a factualidade apurada consubstancia um qualquer ilícito criminal.
O arguido vem imputada a prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punível pelo art.º 152.º, n.ºs 1, alínea a), 2, alínea a), 4, 5 e 6 do Código Penal.
Estatui o art.º 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do Código Penal, na parte que aqui importa, que:
«1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
(…)
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto (…) na presença de menor, no domicílio comum;
(…)
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.».
Tutela-se, com esta incriminação, em geral, a proteção da pessoa individual e da sua dignidade humana, e, de forma secundária ou reflexa, a saúde, como bem jurídico complexo que abrange o bem-estar físico, psíquico e mental, intimamente relacionado com o núcleo de vínculos que se estabelecem no seio conjugal, familiar ou doméstico, i. e., a pacífica convivência familiar, para-familiar ou doméstica3.
Deste modo, o crime de violência doméstica não pode servir para punir uma qualquer ofensa, pressupondo antes que os bens jurídicos protegidos sejam brutalmente ofendidos, de forma que a configuração geral do comportamento do agente traduza um desrespeito pela dignidade da pessoa da vítima, assente necessariamente numa posição de domínio e controlo. Ou seja, a ofensa que este ilícito pretende proteger não resulta apenas da soma de diversos ilícitos típicos que podem abstratamente preencher vários e distintos crimes, posto que um único comportamento isolado e perpetrado pelo agente pode ser suficiente para integrar o crime em apreço. Assim, é essencial que da ação do agente resulte um clima de medo, angústia, intranquilidade, insegurança, infelicidade, fragilidade e humilhação para a vítima, apreciado à luz do circunstancialismo concreto da vida conjugal, familiar ou de coabitação e sua repercussão sobre a mesma, permitindo concluir que todo o contexto transmite um quadro de degradação da dignidade da vítima, incompatível com a dignidade e liberdade pessoais inerentes ao ser humano4.
Quanto à sua consumação, este crime tanto se pode materializar num crime de resultado − nomeadamente nas situações de maus tratos físicos −, como num crime de mera atividade − nos casos de maus tratos psíquicos que se concretizam em provocações ou ameaças5.
No que respeita ao grau de lesão do bem jurídico, o crime em análise corporizar-se num crime de dano − quando a conduta subsumível ao tipo se traduz, por exemplo, na privação da liberdade − ou num crime de perigo − quando tal conduta se manifesta, por exemplo, em ameaças ou humilhações6.
*
Nos termos do art.º 152.º, n.º 1, são três os elementos objetivos do tipo, a saber: (i) a especial relação de proximidade existente entre o agente e a vítima, de onde resultem (ii) maus tratos físicos ou psíquico, infligidos de (iii) modo reiterado ou não7.
A exigência de que entre o agente e a vítima exista uma relação de proximidade implica que o crime de violência doméstica seja classificado como um crime específico, pressupondo que entre ambos haja uma relação conjugal ou análoga − atual ou passada −, uma relação parental, uma relação familiar, uma relação «para-familiar» ou uma relação de coabitação8.
As condutas previstas e puníveis por esta incriminação podem ser da mais variada natureza, consistindo, de forma abrangente, em maus tratos físicos ou psíquicos, que o legislador, num elenco não taxativo, reconduz a castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns9.
Assim, o crime em apreço poderá ser qualificado como crime específico impróprio quando as condutas típicas constituam, em si mesmas, um tipo legal de crime autónomo10, como acontece com os maus tratos físicos, psíquicos e as privações da liberdade, que se reconduzem, respetiva e abstratamente, aos crimes de ofensa à integridade física, ameaça, difamação, injúria e sequestro.
Por sua vez, o crime em análise será qualificado como crime específico próprio quando as condutas típicas não se reconduzam a um crime autónomo, mas, porque os factos são praticados de forma reiteradas e com um evidente prejuízo para a saúde física e mental da vítima, fundamentam a ilicitude e a punição do agente11.
Em síntese, «[d]evem ser incluídas no conceito de maus tratos físicos todas as condutas agressivas que visem atingir directamente o corpo da vítima, v.g., bofetadas, murros, pontapés, joelhadas, puxões de cabelos, empurrões, apertões de partes do corpo e pancadas ou golpes desferidos com objectos (…), e no conceito de maus tratos psíquicos as injúrias, as críticas destrutivas e/ou vexatórias, as ameaças, as privações da liberdade, as restrições, as perseguições e as esperas não consentidas»12.
Por fim, os maus tratos podem reportar-se a situações reiteradas e continuadas no tempo ou a situações isoladas, únicas e pontuais. Na primeira hipótese, «[a] reiteração traduz um estado de agressão permanente, não no sentido de que as condutas violentas sejam constantes, mas no sentido de que traduzem o comportamento padrão do agressor, através do qual se revela a relação de sobreposição do agente sobre a vítima, proporcionada pelo ambiente familiar ou de proximidade social, da qual resulta um tratamento incompatível com a sua dignidade»13. Na segunda hipótese, a punição como crime de violência doméstica justifica-se tendo em conta a gravidade subjacente a tal comportamento, que permite afirmar que foi praticada com especial crueldade, insensibilidade ou até vingança, desnecessária, da parte do agente, pressupondo que o agente ofenda a integridade física ou psíquica da vítima de um modo especialmente desvalioso e, por isso, particularmente censurável14.
Entre as várias situações agravantes do n.º 2 do referido preceito, encontra-se na alínea a), quando a prática do facto acontece na presença de uma criança e/ou no domicílio comum.
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No que concerne ao elemento do tipo subjetivo, para o preenchimento do crime de violência doméstica, exige-se o dolo15, sendo necessário o conhecimento da relação subjacente à incriminação e o conhecimento e a vontade da conduta e do resultado, consoante os comportamentos sejam subsumíveis ao âmbito da incriminação supra referidos.
O dolo consiste no conhecimento e vontade de realização da ação típica, decompondo-se em dois elementos16, a saber:
- O elemento cognitivo ou intelectual, i. e., o conhecimento de todas as circunstâncias de facto e de direito que constituem o tipo de ilícito objetivo e que permitem ao agente, em consciência, saber que a ação é ilícita e comporta um desvalor jurídico; e,
- O elemento volitivo, i. e., a vontade dirigida à realização o facto típico ilícito, que pode assumir uma das modalidades previstas no art.º 14.º do Código Penal, ou seja, o dolo direto, «quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar», necessário, «quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta», ou o dolo eventual, «[q]uando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, (…) [e] o agente actuar conformando-se com aquela realização».
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Estatui, ainda, o art.º 26.º do Código Penal que «[é] punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução».
Nos termos do mencionado preceito e de acordo com a teoria do domínio do facto aí consagrada, é possível identificar e distinguir autoria, seja autoria imediata, mediata ou coautoria, e participação em facto de outrem, ou seja, a instigação17.
Nos casos de autoria material, imediata ou singular, prevista no art.º 26.º, 1.ª proposição, do Código Penal, «quem executar o facto, por si mesmo», o autor tem domínio do facto através do domínio da sua própria ação18.
Por sua vez, nas situações em que se verifica a autoria mediata, vertida no art.º 26.º, 2.ª proposição, do Código Penal, «quem executar o facto, (…) por intermédio de outrem», o autor tem o domínio do facto mediante o domínio da vontade do executor do facto, surgindo assim a figura do «homem da frente» e a do «homem de trás». Com efeito, o «homem de trás», o autor mediato, utiliza o «homem da frente», ou executor, como se de um instrumento se tratasse, controlando a vontade deste. Por força desta premissa legal, a responsabilidade pelo facto doloso do «homem da frente» é conduzida juridicamente para o «homem de trás», o autor mediato19.
Pode ainda haver autoria, como prevê o art.º 26.º, 3.ª proposição, do Código Penal, quando o facto típico ilícito seja praticado por quem «tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros», isto é, em coautoria, que comporta dois elementos fundamentais, a saber:
1. O acordo ou decisão conjunta sobre o plano de execução do facto, com distribuição de tarefas entre os coautores;
2. A intervenção direta na execução do facto típico ilícito.
Desta forma, o coautor domina o facto típico ilícito porque domina a sua função no plano de execução, tendo assim o domínio funcional do facto20.
Por fim, o facto típico ilícito pode ser realizado por quem «dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução», tal como determina o art.º 26.º, 4.ª proposição, do Código Penal. Estes são os casos de instigação, em que o instigador não tem domínio do facto, pois não domina a vontade do executor ou instigado. Ao invés, o instigador determina e convence outra pessoa à prática de um facto típico ilícito, criando nela a vontade criminosa, mas não controlando o poder de execução dessa mesma vontade21.
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Subsunção jurídica:
Descendo ao caso dos presentes autos, não nos ficam dúvidas de que o arguido praticou o crime de violência doméstica que lhe é imputado.
Vejamos.
Da factualidade provada resulta que o arguido e a assistente mantiveram uma relação conjugal, no âmbito da qual o arguido sempre revelou uma personalidade agressiva e abusiva (tanto do ponto de vista físico, como psicológico), que consubstanciou na afetação da integridade física e psíquica da assistente, mas também da sua honra e consideração, provocando uma contínua inquietação nesta, que redundou no fim do casamento que os unia.
O arguido praticou tais condutas no domicílio comum e na presença do filho menor de ambos, onde importunou persistentemente a assistente, impedindo-a de usufruir da paz e sossego do seu lar e de se ver tratada com o respeito que a sua condição de cônjuge e mãe do seu filho lhe exigia.
Deste modo, o conjunto dos factos, globalmente apreciados, permite concluir que foi notoriamente alcançado e ultrapassado o patamar mínimo de gravidade que justifica a integração na previsão normativa do crime de violência doméstica, pela gravidade das condutas encetadas pelo arguido à pessoa da assistente.
Tudo sopesado, entende o Tribunal que foi atingida a dignidade e o livre desenvolvimento da personalidade da assistente na relação de proximidade relacional e conjugal que mantinha com o arguido, pois gerou-se um desequilíbrio de forças − em relações que se querem igualitária e respeitosa ou de proteção, respeito e carinho −, à custa da afetação, com grave intensidade, de bens jurídicos pessoais importantes da assistente, como sejam a integridade física e psicológica, a saúde física e psíquica e a liberdade de ação.
O elemento subjetivo está subjacente ao comportamento do arguido − abertamente ofensivo para a liberdade, dignidade, integridade física e honra da assistente −, totalmente compatível com o dolo direto, nos termos dos art.ºs 14.º, n.º 1, e 26.º, 1.ª proposição, ambos do Código Penal, pois praticou os factos de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que os mesmos comportavam a prática de ilícito criminal, atuando, contudo, com intenção de os realizar22.
Não se verificam quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, nem a falta de qualquer condição objetiva de punibilidade, mostrando-se assim preenchido o tipo objetivo e subjetivo do crime de violência doméstica, previsto e punível pelos art.ºs 14.º, n.º 1, 26.º, 1.ª proposição, e 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do Código Penal, pelo que se conclui, assim, ter o arguido cometido, em autoria material e na forma consumada, o crime de violência doméstica que lhe vem imputado.
B. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICO-PENAIS DO CRIME
O crime de violência doméstica, previsto no art.º 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do Código Penal, é punível com uma pena de prisão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
i. Da medida da pena:
Cumpre, pois, apurar a medida concreta das penas a que o arguido deverá ficar sujeito, em conformidade com o disposto nos art.ºs 40.º e 71.º, ambos do Código Penal.
Dispõe o art.º 40.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, que «[a] aplicação de penas (…) visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» e que «[e]m caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».
Reforça o art.º 71.º, n.º 1, do Código Penal, que «[a] determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».
Da conjugação dos mencionados preceitos, conclui-se que as exigências de prevenção geral, quer na sua vertente positiva − mormente a necessidade de tutela dos bens jurídicos que no caso concreto se fazem sentir, num sentido prospetivo de tutela das expectativas de comunidade na manutenção e reforço da vigência da norma infringida −, quer na sua vertente negativa − como forma de dissuadir a prática de futuros crimes pelos cidadãos −, constituem um critério de necessidade da pena. Isto é, as necessidades de prevenção geral estabelecem a medida ótima de tutela dos bens jurídicos protegidos pela norma incriminadora e das expectativas da comunidade, ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena, sem que isso não coloque em causa a função de tutela do ordenamento jurídico23.
Deste modo, o critério da necessidade da pena, determinado pelas reivindicações de prevenção geral, não fornece o quantum exato da pena, sendo essa uma tarefa que cabe às exigências de prevenção especial positiva − ou de ressocialização do delinquente −, e de prevenção especial negativa − ou de dissuasão da prática de futuros crimes pelo agente −, que no caso concreto se façam sentir24.
Finalmente, constituindo a culpa um limite inultrapassável ou uma barreira intransponível de quaisquer considerações preventivas, como impõe o art.º 40.º, n.º 2, do Código Penal, esta fornece assim o limite máximo da pena25.
Por força do disposto no art.º 71.º, n.º 2, do Código Penal, para a concreta medida da pena, o tribunal deve ainda atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente.
Tais circunstâncias, exemplificativamente elencadas no referido preceito, podem ser agrupados em três categorias26:
i. Fatores relativos à execução do facto (cfr. art.º 71.º, n.º 2, alíneas a), b), c) e e), parte final, do Código Penal);
ii. Fatores relativos à personalidade do agente (cfr. art.º 71.º, n.º 2, alíneas d) e f), do Código Penal);
iii. Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto (cfr. art.º 71.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal).
De fora ficam as circunstâncias que já façam parte do tipo de crime, em clara materialização do princípio da proibição da dupla valoração, segundo o qual o tribunal não pode utilizar para determinar a medida da pena as circunstâncias que o legislador já tomou em consideração ao estabelecer a moldura abstrata da pena do facto27.
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Nos presentes autos, verifica-se que as exigências de prevenção geral negativa são elevadíssimas, dada a enorme frequência da prática deste tipo de ilícito, em todo o território nacional, não sendo esta circunscrição territorial exceção, traduzindo-se num grave problema social, cujas dimensões não são totalmente conhecidas, uma vez que, via de regra, as vítimas sofrem em silêncio durante anos, muitas nunca denunciando os maus tratos que sofrem, sendo unânime a censura da sociedade face a este tipo de comportamento.
São igualmente elevadíssimas as exigência de prevenção geral positiva, uma vez que urge, efetivamente, através da aplicação da pena, reafirmar, perante a comunidade, a validade e eficácia da norma violada, tutelando-se a crença e confiança na ordem jurídico-penal, contribuindo, de igual modo, para a consolidação da incriminação em apreço, por forma a repor a sua credibilidade e motivar a denúncia por parte de quem sofre e vê sofrer em silêncio.
No que toca às necessidades de prevenção especial, estas consideram-se baixas a medianas, na medida em que o arguido encontra-se bem inserido a nível familiar, social e laboral e não tem registados quaisquer antecedentes criminais.
Assim, em sede de medida da pena, em consonância com o que foi dito supra sobre as necessidades de prevenção que se fazem aqui sentir, o Tribunal considerou:
- Em desfavor do arguido:
- O grau elevadíssimo de ilicitude, atento o modo de prática do crime (a reiteração de maus tratos psíquicos e físicos, incluindo durante a gravidez da assistente), a continuidade no tempo do mesmo (durante quatro anos) e as consequências de tais condutas para a assistente (as lesões por esta sofridas, com complicações para a sua gestação, o abandono do lar familiar e o fim do seu casamento);
- A intensidade do dolo com que o arguido atuou, de tipo direto;
- A incapacidade de assunção da responsabilidade pelos factos sub judice, de interiorização da ilicitude da sua conduta, de demonstração de arrependimento e de contrição pelos mesmos.
- Em favor do arguido:
- A inserção laboral, social e familiar;
- A inexistência de antecedentes criminais.
O Tribunal considerou ainda como limite inultrapassável na determinação da medida da pena o carácter elevado da culpa demonstrada pelo arguido, a quem se impunha, em razão da sua idade e do grau de esclarecimento, outro tipo de comportamento.
Ponderando todo o circunstancialismo analisado, considera-se suficiente e adequado a satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial exigidas pelo caso, balizadas pela medida da culpa, aplicar ao arguido a pena de 3 (três) anos de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punível pelo art.º 152º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do Código Penal.
ii. Da substituição da pena de prisão:
Impõe-se, neste momento, a apreciação da verificação dos pressupostos de aplicação da suspensão da pena de prisão, nos termos do art.º 50.º do Código Penal, por inobservância dos pressupostos das demais penas substitutivas, atenta a medida concreta da pena, conforme dispõem os art.ºs 45.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, do Código Penal.
Em primeiro lugar, sempre que se verifiquem os pressupostos subjacente, a suspensão da execução da pena de prisão, prevista no art.º 50.º do Código Penal, é para o tribunal um verdadeiro poder-dever e não de uma mera faculdade em sentido técnico jurídico28.
A finalidade essencial da suspensão da execução da pena de prisão é a ressocialização do agente, na vertente de prevenção da reincidência, cujas probabilidades de êxito são aferidas no momento da decisão em função dos indicadores previstos no art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal29.
Desta forma, a suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, i.e., o propósito de afastar o arguido da prática de crimes, tendo em conta as concretas condições do caso, assente num juízo de prognose, fundado na esperança de que a ressocialização em liberdade seja realizada, importando sempre um risco para o julgador derivado da limitação dos seus conhecimentos de facto, que se reduzem aos elementos de facto a que tem acesso no processo30.
Assim, nos termos do art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal, para a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão é necessário que se verifiquem dois pressupostos31, a saber:
i. Pressuposto formal: a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos;
ii. Pressuposto material: o tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição32.
No juízo de prognose o tribunal deverá ainda atender, no momento da elaboração da decisão e não da prática do crime, à personalidade do agente − designadamente ao seu carácter e inteligência −, às suas condições de vida − inserção social, profissional e familiar −, à sua conduta anterior ao crime − ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os já ter, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas −, à sua conduta posterior ao crime − designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa − e às circunstâncias do crime − como as motivações e fins que levaram o arguido a agir de forma contrária ao Direito33.
A suspensão de execução da pena de prisão pode ocorrer em cinco modalidades, a saber: (i) suspensão da execução da pena tout court, (ii) suspensão da execução da pena sujeita a condições (cumprimento de deveres e/ou de certas regras de conduta), e (iii) suspensão da execução da pena com regime de prova34.
Prevê ainda o disposto no art.º 34.º-B da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, que estabelece o Regime Jurídico Aplicável à Prevenção da Violência Doméstica, à Proteção e à Assistência das suas Vítimas, que «[a] suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio».
Assim, o regime regra nos casos de condenação de um agente pela prática do crime de violência doméstica, em pena de prisão suspensa na sua execução, será o da sua subordinação à observância de regras de conduta ou ao acompanhamento de regime de prova, incluindo obrigatoriamente regras de conduta de proteção da vítima. O que redunda, em outras palavras, que a não imposição de um tal regime conducente a facultar a suspensão da execução da pena de prisão, há-de ser excecional e devidamente fundamentado35.
Compreende-se facilmente o alcance do regime resultante do mencionado normativo, i. e., a definição de regras de proteção da parte mais débil nas relações tipificadas no crime de violência doméstica, acautelando, sobretudo, uma sua eficácia real, entre elas, desde logo, o afastamento dos intervenientes.
In casu, cumpre, assim, apreciar se, face à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à sua conduta anterior ou posterior à prática do crime e às circunstâncias deste, se é possível concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
*
Volvendo ao caso dos autos, no que à suspensão da execução da pena de prisão diz respeito, considera o Tribunal que a mesma é de aplicar.
Com efeito, verifica-se inexistirem antecedentes criminais por parte do arguido, não se lhe identificando traços de personalidade de criminoso de carreira e encontrando-se bem inserido a nível profissional, social e familiar.
Neste contexto e neste preciso momento, entende-se ser possível diagnosticar um juízo de prognose favorável a uma suspensão da pena de prisão, em benefício da reintegração do arguido, não o sujeitando ao estigma de uma pena de prisão efetiva com necessárias e nefastas consequências, mormente, a nível familiar, social e laboral. Acredita-se que o arguido conseguirá avaliar a natureza do significado de uma pena de prisão suspensa na sua execução e o real significado desta medida.
Entende o Tribunal que a censura por via da ameaça da pena de prisão será suficiente para assegurar as finalidades da punição e, por via dela, salvaguardar as necessidades de prevenção geral e de ressocialização do arguido, nomeadamente reconduzindo-o ao trilho do respeito pela igualdade conjugal e de género.
Pelo exposto, determina-se a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, a vigorar pelo mesmo período de tempo, acompanhada de regime de prova, que contemple, entre o mais que os serviços da D.G.R.S.P. entenderem pertinente às finalidades preventivas e ressocializadoras que no caso se fazem sentir, nos termos do disposto nos art.ºs 50.º, 51.º, n.º 1, alínea a), 52.º, n.ºs 1, alíneas b) e c), e 2, alínea b), 53.º, n.ºs 1 e 2, 54.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código Penal, e 34.º-B, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, os seguintes deveres e regras de conduta:
a. Frequentar o programa CONTIGO, durante período de tempo que os serviços da D.G.R.S.P. reputem por necessário;
b. Obrigação de o arguido não contactar, por qualquer meio (presencial e telefónico ou por quaisquer outros meios de comunicação, diretamente ou por interposta pessoa), com a assistente, exceto em tudo o que se relacione diretamente com o exercício das responsabilidades parentais do filho comum, EE;
c. Obrigação de o arguido de não permanecer junto à residência e ao local de trabalho da assistente, exceto em tudo o que se relacione diretamente com o exercício das responsabilidades parentais do filho comum, EE, motivo pelo qual não se decreta o controlo por vigilância eletrónica;
d. Pagamento de pelo menos 50% do montante da indemnização a arbitrar infra.
iii. Penas acessórias:
Dispõe o preceituado no art.º 152.º, n.ºs 4, 5 e 6, do Código Penal, que:
« 4 - Nos casos previstos nos números anteriores, incluindo aqueles em que couber pena mais grave por força de outra disposição legal, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6 - Quem for condenado por crime previsto no presente artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício de responsabilidades parentais, da tutela ou do exercício de medidas relativas a maior acompanhado por um período de 1 a 10 anos.».
Ora, para que uma pena acessória possa ser aplicada é condição necessária a condenação do agente numa pena principal, mas não condição suficiente, sendo indispensável a comprovação pelo tribunal que os factos comportam um particular conteúdo de ilícito que justifiquem materialmente a aplicação em espécie da pena acessória36.
A graduação da pena é feita segundo os critérios gerais de determinação das penas (art.º 71.º do Código Penal), incluindo a culpa.
Revertendo ao caso concreto, tendo em consideração que a frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica e o afastamento e proibição de contactos com a assistente estão já subjacentes à pena de prisão suspensa na sua execução, considera-se redundante, inadequada e desnecessária a aplicação destas penas acessórias.
Relativamente à pena acessória de inibição do exercício das responsabilidades parentais, a sua aplicação exige uma ponderação quanto à gravidade dos factos praticados e a sua conexão com a função exercida pelo agente. Da conjugação dos art.ºs 1874.º, n.º 1, e 1885.º, n.º 1, do Código Civil, resulta que impende sobre os pais o dever de respeito, auxílio e assistência, bem como o de promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos. No caso em apreço, não há uma conexão entre os factos praticados e o exercício das responsabilidades parentais pelo arguido, uma vez o crime em apreço não foi praticado contra o filho do arguido, pelo que não tem aqui lugar a aplicação da pena acessória de inibição do exercício das responsabilidades parentais.
Finalmente, tendo o arguido utilizado uma arma para intimidar a assistente e o que foi esmiuçado supra quanto as exigências de prevenção geral e especial do arguido, não ultrapassando a medida da culpa, decide-se aplicar ao arguido a pena acessória de proibição de uso e porte de armas por um período de 3 (três) anos, por se considerar adequada e proporcional.
III. REPARAÇÃO DA VÍTIMA
De harmonia com o disposto no art.º 21.º, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que aprovou o Regime Jurídico aplicável à Prevenção da Violência Doméstica, à Proteção e à Assistência das suas Vítimas, «[à] vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito de obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável».
Dispõe o n.º 2 do mesmo artigo que «[p]ara efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no art.º 82.º-A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser».
Por sua vez, estabelece o art.º 82.º-A, n.º 1, do Código de Processo Penal, que «[n]ão tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham».
Assim, havendo condenação do arguido pela prática do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152.º do Código Penal, haverá também sempre lugar a condenação do mesmo arguido no pagamento de uma reparação indemnizatória à vítima, quer esta haja formulado o respetivo pedido quer não, pois o tribunal terá sempre de arbitrar oficiosamente uma reparação dos prejuízos sofridos com o crime37.
No que aos prejuízos sofridos pela vítima diz respeito, importa também atentar no art.º 483.º do Código Civil, o qual vem estabelecer uma cláusula geral de responsabilidade civil subjetiva, fazendo depender a constituição da obrigação de indemnizar da existência de cinco pressupostos cumulativos, a saber: (i) uma conduta do agente (facto voluntário), (ii) que se traduza na violação de um dever imposto pela ordem jurídica (ilicitude), (iii) censurável (culpa), (iv) a qual tenha provocado danos (dano), e, por fim, (v) que sejam consequência dessa conduta (nexo de causalidade entre o facto e o dano)38.
Da factualidade provada resulta que a vítima FF sofreu maus tratos físicos, psíquicos e emocionais, o que consubstanciam um atentando contra a dignidade humana, provocando danos não patrimoniais merecedores de ressarcimento pela sua gravidade, conforme determina o art.º 496.º, n.º 1, do Código Civil.
Estes danos correspondem à supressão ou à diminuição de valores não-patrimoniais - i. e., cuja equivalência monetária não é possível - reconhecidos pelo Direito, abrangendo, entre outros, os atentados a direitos de personalidade não-patrimoniais, com relevo para a vida, a integridade física e moral, a honra e a intimidade39, tal como consagrados no art.º 70.º, n.º 1, do Código Civil.
Nos termos dos art.º 496.º, n.º 4, do Código Civil, ex vi o art.º 494.º do Código Civil, o montante da indemnização por danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo tribunal atendendo ao grau de culpabilidade do lesante, à sua situação económica e do lesado e às demais circunstâncias do caso. Daqui resulta que a indemnização por danos não patrimoniais não reveste uma natureza exclusivamente ressarcitória, mas tem também um carácter punitivo, assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, por forma a desagravá-la do comportamento do lesante40.
A fixação da indemnização de acordo com a equidade significa que se deverão atender às regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, considerando ainda uma série de circunstâncias, num sistema móvel, entre as quais: a gravidade e a intensidade do dolo, a situação económica do agente e da vítima, as especiais circunstâncias do caso e a gravidade do dano41.
A vítima não se opôs ao arbitramento (ref.ª eletrónica 5957391 de ...-...-2024).
Ponderados todos os critérios acima referidos à luz da matéria de facto dada como provada, designadamente o tipo agressões (violência físicas, humilhações, difamações, provocações e intimidação psicológica, que criaram um clima de intranquilidade e estrangulamento da liberdade pessoal da assistente e na presença do filho de ambos), as consequências (lesões na pessoas da assistente), o lapso de tempo (quatro anos) e o local onde maioritariamente ocorreram (no interior da habitação comum), em que ocorreram as ofensas e a sua gravidade, reputa-se adequado fixar a indemnização devida e arbitrar a DD a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros) a título de reparação pelos prejuízos sofridos, sobre a qual deverão acrescer juros de mora cíveis à taxa legal em vigor contabilizados desde a data do trânsito em julgado da presente sentença até efetivo e integral pagamento, a suportar pelo arguido (art.ºs 559.º, n.º 1, 804.º, n.º 1 e 2, e 806.º, n.º 1 e 2, todos do Código Civil).(…).
V- FUNDAMENTOS DO RECURSO E RESPECTIVA APRECIAÇÃO.
Apreciemos, então, as questões a decidir.
V.1 -Da não sujeição da suspensão de execução da pena de prisão à condição de pagar a totalidade da quantia arbitrada a título de reparação.
No caso dos autos, o Tribunal recorrido decidiu da escolha e medida concreta da pena, fixando a pena de prisão por 3 anos, suspendendo-a na sua execução, com regime de prova pelo mesmo período, considerando, além do mais, o seguinte:
“A suspensão de execução da pena de prisão pode ocorrer em cinco modalidades, a saber: (i) suspensão da execução da pena tout court, (ii) suspensão da execução da pena sujeita a condições (cumprimento de deveres e/ou de certas regras de conduta), e (iii) suspensão da execução da pena com regime de prova42.
Prevê ainda o disposto no art.º 34.º-B da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, que estabelece o Regime Jurídico Aplicável à Prevenção da Violência Doméstica, à Proteção e à Assistência das suas Vítimas, que «[a] suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio».
Assim, o regime regra nos casos de condenação de um agente pela prática do crime de violência doméstica, em pena de prisão suspensa na sua execução, será o da sua subordinação à observância de regras de conduta ou ao acompanhamento de regime de prova, incluindo obrigatoriamente regras de conduta de proteção da vítima. O que redunda, em outras palavras, que a não imposição de um tal regime conducente a facultar a suspensão da execução da pena de prisão, há-de ser excecional e devidamente fundamentado43.
Compreende-se facilmente o alcance do regime resultante do mencionado normativo, i. e., a definição de regras de proteção da parte mais débil nas relações tipificadas no crime de violência doméstica, acautelando, sobretudo, uma sua eficácia real, entre elas, desde logo, o afastamento dos intervenientes.
In casu, cumpre, assim, apreciar se, face à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à sua conduta anterior ou posterior à prática do crime e às circunstâncias deste, se é possível concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Volvendo ao caso dos autos, no que à suspensão da execução da pena de prisão diz respeito, considera o Tribunal que a mesma é de aplicar.
Com efeito, verifica-se inexistirem antecedentes criminais por parte do arguido, não se lhe identificando traços de personalidade de criminoso de carreira e encontrando-se bem inserido a nível profissional, social e familiar.
Neste contexto e neste preciso momento, entende-se ser possível diagnosticar um juízo de prognose favorável a uma suspensão da pena de prisão, em benefício da reintegração do arguido, não o sujeitando ao estigma de uma pena de prisão efetiva com necessárias e nefastas consequências, mormente, a nível familiar, social e laboral. Acredita-se que o arguido conseguirá avaliar a natureza do significado de uma pena de prisão suspensa na sua execução e o real significado desta medida.
Entende o Tribunal que a censura por via da ameaça da pena de prisão será suficiente para assegurar as finalidades da punição e, por via dela, salvaguardar as necessidades de prevenção geral e de ressocialização do arguido, nomeadamente reconduzindo-o ao trilho do respeito pela igualdade conjugal e de género.
Pelo exposto, determina-se a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, a vigorar pelo mesmo período de tempo, acompanhada de regime de prova, que contemple, entre o mais que os serviços da D.G.R.S.P. entenderem pertinente às finalidades preventivas e ressocializadoras que no caso se fazem sentir, nos termos do disposto nos art.ºs 50.º, 51.º, n.º 1, alínea a), 52.º, n.ºs 1, alíneas b) e c), e 2, alínea b), 53.º, n.ºs 1 e 2, 54.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código Penal, e 34.º-B, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, os seguintes deveres e regras de conduta:
a. Frequentar o programa CONTIGO, durante período de tempo que os serviços da D.G.R.S.P. reputem por necessário;
b. Obrigação de o arguido não contactar, por qualquer meio (presencial e telefónico ou por quaisquer outros meios de comunicação, diretamente ou por interposta pessoa), com a assistente, exceto em tudo o que se relacione diretamente com o exercício das responsabilidades parentais do filho comum, EE;
c. Obrigação de o arguido de não permanecer junto à residência e ao local de trabalho da assistente, exceto em tudo o que se relacione diretamente com o exercício das responsabilidades parentais do filho comum, EE, motivo pelo qual não se decreta o controlo por vigilância eletrónica;
d. Pagamento de pelo menos 50% do montante da indemnização a arbitrar infra.
Considera a assistente que deveria ter sido determinado o pagamento do montante de 100% da indemnização arbitrada pelo Tribunal recorrido e não os 50% (ponto d.)
Nos termos do art.º 50.º, do CP (Pressupostos e duração):
1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.
A suspensão da execução da pena de prisão, sendo categorizada pela doutrina e jurisprudência, como uma pena de substituição, em sentido próprio, na medida em que é aplicada em substituição da pena principal de prisão previamente determinada, encerra um objectivo de político-criminal, assente num propósito de socialização: o «afastamento» do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, podendo a mesma ser subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta. (neste sentido Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – Parte Geral II – As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, § 519, página 343.)
Mais dispõe o art.º 53.º, do CP que:
1 - O tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade.
2 - O regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social.
3 - O regime de prova é ordenado sempre que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade.
4 - O regime de prova é também sempre ordenado quando o agente seja condenado pela prática de crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, cuja vítima seja menor.
Acrescenta, ainda, o art.º 54.º, do CP que:
1 - O plano de reinserção social contém os objectivos de ressocialização a atingir pelo condenado, as actividades que este deve desenvolver, o respectivo faseamento e as medidas de apoio e vigilância a adoptar pelos serviços de reinserção social.
2 - O plano de reinserção social é dado a conhecer ao condenado, obtendo-se, sempre que possível, o seu acordo prévio.
3 - O tribunal pode impor os deveres e regras de conduta referidos nos artigos 51.º e 52.º e ainda outras obrigações que interessem ao plano de readaptação e ao aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do condenado, nomeadamente (…)
4 - Nos casos previstos no n.º 4 do artigo anterior, o regime de prova deve visar em particular a prevenção da reincidência, devendo para o efeito incluir sempre o acompanhamento técnico do condenado que se mostre necessário, designadamente através da frequência de programas de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens.
Relativamente aos deveres que podem ser impostos dispõe o art.º 51.º, do CP que:
1 - A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente:
a) Pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea;
b) Dar ao lesado satisfação moral adequada;
c) Entregar a instituições, públicas ou privadas, de solidariedade social ou ao Estado, uma contribuição monetária ou prestação de valor equivalente.
2 - Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.
3 - Os deveres impostos podem ser modificados até ao termo do período de suspensão sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento.
4 - O tribunal pode determinar que os serviços de reinserção social apoiem e fiscalizem o condenado no cumprimento dos deveres impostos.(sublinhado nosso).
A propósito da situação pessoal e económica do arguido, vemos que ficou provado que:
O arguido tem atualmente 52 (cinquenta e dois) anos de idade.
(…) possui, como habilitações literárias, o 6.º ano de escolaridade.
(…) trabalha na aérea da construção civil, por conta de própria, auferindo um rendimento mensal de cerca de 1.000,00€ (mil euros).
(…) vive sozinho, em casa arrendada, pagando uma renda mensal de 350,00€ (trezentos e cinquenta euros).
(…) tem 3 (três) filhos, dois maiores e independentes, um menor que reside com a mãe, a assistente, a quem paga pensão de alimentos no valor de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros).
(…) é proprietário de uma carrinha, marca ..., e de um carro, marca ....
Considerando que o condenado trabalha, ainda que viva em casa arrendada, tem três filhos, sendo que dois já não estão a seu cargo e o menor vive com a mãe, a quem o arguido paga uma pensão de alimentos de €250,00, tem duas viaturas automóveis, consideramos que se mostra possível e justo que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de dever destinado a reparar o mal do crime traduzido no pagamento, nos três anos de suspensão de execução da pena, de, pelo menos €5.000,00, de reparação à vítima, (ainda que venha a ser arbitrado montante superior na questão a apreciar infra) procedendo ao pagamento dessa quantia em três tranches iguais, uma a vencer-se até ao final do primeiro ano de suspensão, outra a vencer-se até ao final do segundo ano de suspensão e a 3.ª a vencer-se até ao final do terceiro ano de suspensão, ainda que para tal tenha que vender uma das viaturas automóveis, o que dá sensivelmente €1.600 por ano, mostrando-se razoável exigir tal ao condenado.
Assim, procede este segmento do recurso.
V.2 -Da fixação do valor da reparação à vítima em montante superior ao arbitrado pelo Tribunal recorrido.
O Tribunal recorrido, considerando a gravidade dos factos, a consequência dos mesmos para o ofendido e as atuais possibilidades económicas do arguido (considerando os seus rendimentos), fixou em € 5.000,00 a compensação devida ao ofendido, acrescendo juros de mora desde a condenação (cfr. artigos 805.º, n.º 3 e 806.º, n.º 1, do Código Civil).
Não concorda a assistente com esse valor, por considerar o quantum indemnizatório totalmente desadequado, porque irrisório e mesmo miserabilista, sem efectivamente atender ao grau de violência infligido e às consequências do crime, viola o disposto nos artigos 483.º, 494.º e 496.º n.ºs 1 e 3 do Código Civil, artigo 82.º-A do CPP, alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal e artigo 21.º, n.º 2, da Lei n.º 112/2009, devendo, no seu ver, a reparação ser fixada em, pelo menos, o dobro: 10.000,00€.
De acordo com o disposto no art.º 21.º, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que aprovou o Regime Jurídico aplicável à Prevenção da Violência Doméstica, à Proteção e à Assistência das suas Vítimas, «[à] vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito de obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável».
Dispõe o n.º 2 do mesmo artigo que «[p]ara efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no art.º 82.º-A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser».
Por sua vez, estabelece o art.º 82.º-A, n.º 1, do Código de Processo Penal, que «[n]ão tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham», sendo assegurado o respeito pelo contraditório (n.º2 do mesmo art.º).
Em sintonia com o art.º 30.º, da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica que estabelece que “1. As Partes deverão adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para garantir que as vítimas tenham o direito de exigir dos perpetradores uma indemnização pela prática de qualquer uma das infrações previstas na presente Convenção.”
O arbitramento oficioso de indemnização é uma meio subsidiário de reparação das perdas e danos causados pelo crime, não tendo havido dedução de pedido de indemnização no processo penal nem no processo civil, em separado, sendo certo que o mesmo só tem lugar quando o tribunal condenou o arguido na prática de facto penalmente ilícito de que resultaram danos, com respeito pelo contraditório quanto ao responsável civil.
O direito à indemnização previsto no referido art.º 21.º, n.º2 da lei n.º 112/09 de 16.09 é obrigatório, como decorre da seguinte previsão “há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser”, mesmo no caso de não dedução do pedido de indemnização por negligência ou desinteresse da vítima, ao contrário do previsto no art.º 82.º, A no seu n.º1 ao prever que “… o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação”. As únicas condições da reparação oficiosa da vítima são a prova dos danos e a condenação do arguido pelo crime imputado e a não oposição da vitima à reparação.
Assim, havendo, condenação do arguido pela prática do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152.º do Código Penal, haverá também sempre lugar a condenação do mesmo arguido no pagamento de uma reparação indemnizatória à vítima, quer esta haja formulado o respetivo pedido quer não, dado que o tribunal terá sempre de arbitrar oficiosamente uma reparação dos prejuízos sofridos com o crime, a tal não se opondo a vítima.
Estatui o artigo 129.º, do Código Penal, que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil, tendo em conta que a indemnização que se pode fazer valer em processo penal se funda exclusivamente em danos emergentes da prática de um crime, a remissão para a lei civil tem somente em vista a responsabilidade aquiliana, nos termos do artigo 483.º, do Código Civil .
De acordo com o artigo 483.º, n.º 1, do Código civil, “aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
Porém, segundo Paulo Pinto de Albuquerque “o art.º 82.º, A do CPP constitui um efeito civil da condenação, mas tem a natureza de tertium genus entre a pena e a indemnização civil, mostrando-se por isso “dissonante” do art.º 129.º, do CP (…) ou mesmo “contraditório” com este(…). Por isso crescem vozes nos sentido da consagração da reparação punitiva como uma verdadeira “terceira via” na efectivação da responsabilidade penal entre a pena e a medida de segurança(…) o legislador adensou a polémica com o art.º 21.º, n.º2 da lei n.º 112/2009 de 16.0, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica(…)” in Comentário do Código Penal, 6.ª Edição UCP pág. 576.
No Acórdão do STJ 13-03-2024 no processo 145/21.3GAALJ.G1.S1 (disponível em www.dgsi.pt) foi mesmo plasmado o seguinte entendimento, que foi sumariado:
I. Entendeu, já, este Tribunal, em interpretação que perfilhamos, que a definição oficiosa de reparação, nos termos do art. 82.º-A do CPP, se inclui nas consequências de natureza penal, como efeito penal da condenação, distinguindo-se “das consequências de natureza civil que geram o dever de indemnizar pela prática de facto ilícito, nos termos das disposições aplicáveis do Código Civil e do artigo 129.º do Código Penal, dependente de pedido do lesado”.
II. A indemnização prevista no art. 82.º-A, do CPP, é arbitrada oficiosamente pelo Tribunal, apenas em caso de condenação, segundo o prudente critério do julgador, sem pedido, relacionando-se com os prejuízos sofridos (“uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos”), mas não, necessariamente, coincidente com o seu valor.
III. Não se trata de uma indemnização por perdas e danos, objeto de pedido, relativa, direta e exclusivamente, aos danos quantificados, mas de uma indemnização oficiosamente atribuída, a título de reparação pelos prejuízos sofridos.
IV. Representando um assumido desvio relativamente ao princípio da adesão, carece o atual regime especial, previsto no art. 82.º-A do CPP, de definição própria de critérios de fixação.
V. À sua natureza híbrida, simultaneamente de efeito penal da condenação e de aproximação reparatória aos prejuízos sofridos, corresponde um regime adjetivo próprio, desligado do processo civil, cujas normas apenas se aplicarão, por efeito da cláusula geral de subsidiariedade do art. 4.º do CPP (como será o caso, dos critérios de fixação da quantia).
Lendo-se ainda na fundamentação do mesmo acórdão que:
“Acresce dizer, como foi salientado pelo STJ no Ac. de 02.05.2018, processo 156/16.0PALSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt “A reparação” a que se refere o artigo 82.º-A do CPP situa-se, assim, numa zona de interceção de fronteiras do direito civil e do direito penal, visando efeitos de natureza penal – contribuindo para a realização dos fins das penas, em particular pelo seu efeito ressocializador, que obriga o autor a enfrentar as consequências do crime e a reconhecer os interesses da vítima (ROXIN, apud “A Suspensão Parcial da Pena de Prisão e a Reparação do Dano”, J. A. Vaz Carreto, Almedina, 2017, nota 251) – através da compensação da vítima pelos danos causados. Daí que, como de há muito se vem sublinhando na jurisprudência deste Tribunal (ainda que a propósito da suspensão da execução da pena de prisão), se deva considerar que a “reparação não constitui uma verdadeira indemnização, mas uma compensação destinada principalmente ao reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena e dar satisfação suficiente às finalidades da punição, respondendo nomeadamente à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafática das expectativas comunitárias”, o que justifica “que o montante arbitrado não tenha de corresponder ao que resultaria da fixação da indemnização segundo os critérios estabelecidos na lei para a responsabilidade civil e para a obrigação de indemnizar (artigos 483.º e segs. e 562.º e segs. do Código Civil” (acórdão de 11.6.1997, Coletânea de Jurisprudência, acórdãos do STJ, ano V, T. 2, pp. 226ss).Como se refere no Ac. RP de 28.10.2021, processo 411/19.0GAVNF.P1, disponível em www.dgsi.pt “..a responsabilidade civil em causa, de natureza compensatória (sem os critérios de reparação estabelecidos para o ressarcimento de danos patrimoniais), reveste-se de uma função punitiva”. Acerca da função punitiva dos danos não patrimoniais, vide, em especial na doutrina, Paula Meira Lourenço, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 2006.”
No Ac. do STJ de 02-05-2018 proc. 156/16.0PALSB.L1.S1(disponível em www.dgsi.pt) foi acolhido o entendimento que:
1.Na categorização das consequências jurídicas do crime devem distinguir-se as consequências de natureza civil, que geram o dever de indemnizar pela prática de facto ilícito, nos termos das disposições aplicáveis do Código Civil e do artigo 129.º do Código Penal, dependente de pedido do lesado, e as consequências de natureza penal, em que se inclui o arbitramento oficioso de reparação à vítima, como efeito penal da condenação, nos termos do artigo 82.º-A do CPP.
2. A “reparação” da vítima prevista neste preceito, convocando conceitos e elementos da lei civil, requer que tenham sido causados prejuízos que mereçam ser compensados mediante uma soma em dinheiro cujo quantitativo não tem que corresponder ao montante desses prejuízos, como resulta do n.º 3 do art.º 82.º-A do CPP, segundo o qual a quantia arbitrada é levada em conta na indemnização.
3. Participando na realização das finalidades das penas (artigo 40.º do Código Penal), em particular pelo seu efeito socializador, que obriga o autor a enfrentar as consequências do crime e a reconhecer os interesses da vítima, através da compensação desta pelos danos causados, a “reparação” terá de considerar as “particulares exigências de protecção” da vítima do crime, tendo em conta os danos patrimoniais e não patrimoniais que esta sofreu em resultado do concreto facto típico e os critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade que presidem à determinação das reacções criminais. É neste quadro, que deve entender-se o estatuído no artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, havendo que distinguir as situações do n.º 1 e do n.º 2 deste preceito, na incompletude das suas normas.
4. A “reparação” prevista no artigo 82.º-A do CPP foi aditada pela Lei n.º 58/98, com carácter de novidade, em coerência com as opções de política criminal estruturantes do sistema, em resposta à necessidade de conferir atenção à posição da vítima, domínio em que se verificaram posteriormente significativos desenvolvimentos que conduziram, no seu estádio mais recente, à atribuição do estatuto de sujeito processual (Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, que adita o artigo 67.º-A do CPP e aprova o Estatuto da Vítima, transpondo a Directiva 2012/29/UE de 25.10.2012, que estabelece normas relativas aos direitos, ao apoio e à protecção das vítimas da criminalidade e substitui a Decisão-Quadro 2001/220/JAI, que inspirou a Lei n.º 112/2009).
5. É neste contexto, tendo em conta a natureza e o conteúdo da “reparação” prevista no artigo 82.º-A, bem como a definição de “vítima” constante da alínea a) do artigo 2.º da Lei n.º 112/2009, que há que definir o sentido da remissão operada pelo artigo 21.º deste diploma, segundo o qual “há sempre lugar à aplicação o artigo 82.º-A do Código de Processo Penal”.
6. O artigo 82.º-A do CPP obriga, pela sua imperatividade normativa, a que o tribunal, nessas circunstâncias, averigúe, sempre que seja caso disso, acerca das “exigências de protecção”.
7. Tendo em conta os elementos de interpretação a considerar, o sentido útil da remissão do artigo 21.º da Lei n.º 112/2009 impõe que o tribunal condene sempre na “reparação pelos prejuízos causados”, como efeito penal da condenação (da aplicação da pena) pela prática de crime de violência doméstica da previsão do artigo 152.º do Código Penal. Isto desde que, verificados os respectivos pressupostos formais – não dedução de pedido de indemnização e não oposição à reparação –, a pessoa ofendida pelo crime tenha sofrido “um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou uma perda material, directamente causada por acção ou omissão” que constitua esse crime, ou seja, desde que essa pessoa seja uma “vítima” do crime na acepção da alínea a) do artigo 2.º da Lei n.º 112/2009.”
Assim, volvendo ao caso concreto e fazendo jus à jurisprudência supra citada, havendo condenação do arguido pela prática do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152.º do Código Penal, haverá que o condenar no pagamento de uma reparação indemnizatória à vítima dos prejuízos por ela sofridos em consequência do facto ilícito criminal praticado, ao que não se opôs a assistente, como de resto assim o decidiu o Tribunal recorrido e que não foi alvo de recurso pelo arguido, tendo nós apenas que apreciar se o montante fixado se mostra justo ou peca por defeito na reparação à vítima.
Atendendo a que a responsabilidade criminal do arguido está determinada na sentença condenatória, sendo-lhe imputável a conduta ilícita tal como ela foi qualificada jurídico-penalmente pelo Tribunal recorrido e não posta em causa pelo arguido, não restam dúvidas quanto à existência do facto ilícito criminal, do dolo, dos danos de natureza não patrimonial e do nexo de causalidade entre o facto e os danos, tal qual firmados nos factos provados.
Socorrendo-nos do artigo 496.º, n.º1, do Código Civil, na fixação de indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Os danos não patrimoniais não são suscetíveis de avaliação pecuniária e estão relacionados com as lesões, a saúde, o bem-estar, a liberdade, a honra ou o bom nome, as dores físicas, os desgostos, vexames etc., podendo apenas ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente responsável, que corresponde mais a uma satisfação do que uma indemnização (vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 10.ª Ed., pág. 601).
A reparação a arbitrar é fixada em dinheiro, porquanto a reconstituição natural não é possível tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos, julgando em última instância equitativamente, caso não seja possível averiguar o valor exacto (art.º 566.º, do CC).
Na sua fixação o Tribunal deverá atender à equidade, tendo em conta as circunstâncias referidas no art.º 494.º, do CC.
O arbitramento da reparação, de acordo com a equidade significa, assim, que o seu valor é determinado considerando a culpa do agente, a sua situação económica e a situação económica do lesado, as especiais circunstâncias do caso, a gravidade do dano, ou seja, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida, sendo que o montante fixado deve ser proporcional à gravidade do dano, a avaliar objectivamente.
Com pertinência para o arbitramento do montante da reparação, há que atender a toda a facticidade dada como provada ao nível do facto ilícito criminal e às circunstâncias temporais e espaciais, atentando-se em especial, pela sua gravidade, aos seguintes factos: 8 .atingiu DD com duas chapadas na face, e de seguida saiu, dirigiu-se ao lugar do pendura a DD e arrastou-a para fora do carro, puxando-a pelas pernas e dizendo-lhe: «sai puta, esse carro é meu», «és louca» e «és mentirosa»9. No dia ...2.../07, estando DD grávida de 8 (oito) meses, o arguido acusou DD de estar envolvida com o cunhado e disse-lhe: «és uma puta», «és uma mulher da vida» e «doente mental!», nessa sequência o arguido desferiu duas bofetadas e empurrou-a, sabendo que estava grávida, com gravidez de risco, tal como o arguido sabia. O arguido também deu um pontapé na barriga de DD. 13. Em uma das ocasiões supra relatas o arguido fechou DD no quarto, retirou-lhe o telemóvel e quando DD saiu à rua, o arguido agarrou-a pelos cabelos e arrastou-a até dentro de casa. 14. O arguido também lhe desferiu um pontapé na barriga, causando um hematoma na barriga de DD. 15. Na sequência dos factos descritos DD entrou em trabalho de parto. Já depois da criança nascer em .../.../2021: 17(…)mês de ..., no interior da residência do casal e na sequência de uma discussão verbal, o arguido dirigiu-se a DD e disse-lhe seriamente: «dou-te um tiro e mato-te, ninguém te encontra», «tiro-te o filho e gasto o que tenho e o que não tenho» e «meto-te nesse campo de milho que ninguém dá por ti! 23. Nas discussões que ocorreram no interior da residência, acompanhadas por agressões físicas, o arguido empurrava DD para fora da residência do casal juntamente com o filho menor de ambos, fechando a casa e deixando ambos na rua.»., 25. Igualmente em data não concretamente apurada do ano de 2023, o arguido dirigiu-se a DD dizendo-lhe «és uma mentirosa», «és maluca», «não vales nada». 26. Em seguida, o arguido deu um empurrão a DD, depois agarrou-a pelos cabelos e arrastou-a até ao interior da residência. 27. Depois, o arguido trancou DD no interior do quarto, e desferiu-lhe uma chapada, DD dirigiu-se à janela para pedir socorro, e em seguida o arguido agarrou-a de novo pelos cabelos e tirou-lhe o telemóvel. E mesmo depois da separação: 30. No dia ...2.../03, junto àquela que tinha sido a residência comum, na presença de EE, o arguido atingiu DD com uma bofetada na face de tal modo que lhe partiu os óculos. 31. Com a força investida contra si, DD desequilibrou-se, caiu para trás batendo contra o vidro da porta que se partiu.
É de salientar além dos actos de violência se prolongaram durante cerca de 4 anos, a gravidade dos actos perpetrados pelo arguido ao pontapear a sua então mulher e mãe do seu filho, na barriga quando ela estava grávida de 8 meses de um filho seu, com gravidez de risco, que ele conhecia, resultando um hematoma na barriga e a entrada em trabalho de parto, evidenciado o sofrimento e dores a que foi sujeita a ofendida.
Há que realçar, ainda ao nível do dano não patrimonial e ao nexo de causalidade entre os factos e os danos, o parto prematuro na sequência do pontapé que lhe deu na barriga e consequente hematoma, as humilhações sofridas, o medo, as dores físicas e sofrimento psíquico, o sofrimento emocional, diminui-a como pessoa, coartando-lhe a sua liberdade de acção, movimento e decisão, causando-lhe tristeza, receio, insegurança, intranquilidade, medo e angústia. Ameaçando-a de morte várias vezes. Há que salientar a assistência hospitalar que a ofendida chegou a recebeu em resultado dos diversos ferimentos no corpo.
Relativamente à culpa, como decorre dos factos provados o arguido agiu dolosamente, com efeito ficou provado que (factos provados 37 a 39).:
O arguido agiu sempre de livre, voluntária e conscientemente com o propósito alcançado de exercer poder sobre e de dominar DD, querendo causar-lhe, como causou, medo, dores físicas e sofrimento psíquico, e impedir, como impediu, a sua liberdade e o livre desenvolvimento da sua personalidade.
Sabia que a sua conduta era tão mais censurável porquanto praticava os factos no interior da residência comum e na presença do filho de ambos.
Sabia que toda a sua descrita conduta era proibida e punida por lei.
Não podemos deixar de atentar igualmente na situação económica do lesante e dada como provada.
Na verdade, atendendo à equidade, face às agressões em causa, à culpa e as consequências delas advenientes para a saúde, integridade física e psicológica e emocional, liberdade, honra da ofendida dadas como provadas e tendo ainda em conta a situação económica do lesante, consideramos juntos e equitativo arbitrar o valor de €7.000,00 a título de reparação à vitima, arbitrando valor superior ao fixado pelo Tribunal recorrido, em conformidade.
Considerando os prazos de pagamento já fixados relativamente à quantia de €5.000, na questão anteriormente apreciada, o remanescente (€2.000) deverá ser pago pelo arguido no prazo de 5 anos.
Procede assim, ainda que parcialmente, este segmento do recurso.
VIDISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam as Juízes Desembargadoras que integram a 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em:
VI.1-Rejeitar oficiosamente o recurso da assistente DD na parte relativa à questão nova constante da motivação e conclusões do recurso em conformidade com o decidido na 1.ª questão prévia supra referida.
VI.2-Rejeitar oficiosamente o recurso da assistente DD no que respeita à medida concreta da pena de prisão fixada e à suspensão de execução da pena de prisão com regime de prova, por falta de legitimidade da assistente para recorrer desacompanhada do Ministério Público conformidade com o decidido na 2.ª questão prévia supra referida.
E em conceder provimento parcial ao recurso interposto pela assistente, na parte não rejeitada, em consequência do que, decidem:
VI.3- Revogar o acórdão recorrido no tocante à al. d) relativa ao cumprimento do dever de pagar o montante de €2.500, da reparação arbitrada, determinando-se a sua substituição pelo dever de pagar, pelo menos, €5.000 (cinco mil euros) da reparação arbitrada, no decurso do período de três anos de suspensão, devendo o pagamento dessa quantia ser efectuado em três prestações iguais, vencendo-se a primeira no final do primeiro ano da suspensão; a segunda no final do segundo ano da suspensão e a terceira no final do terceiro ano da suspensão.
VI.4-Alterar o valor fixado de reparação e arbitrar à vítima/assistente DD a quantia de 7.000,00€ (sete mil euros) a título de reparação pelos prejuízos sofridos, sendo o remanescente do referido em VI.2 a pagar no prazo de 5 anos.
V.5-Mantendo-se no demais a sentença condenatória recorrida.
*
Sem custas, atento o vencimento parcial (art.º 513.º, do CPP).
Notifique.

Lisboa, 09 de Outubro de 2025
Elaborado e integralmente revisto pela Relatora (art.º 94.º n.º2 do C. P. Penal)
Assinado digitalmente pela Relatora e pelas Senhoras Juízas Desembargadoras Adjuntas
Maria de Fátima R. Marques Bessa
Ana Paula Guedes
Ana Marisa Arnêdo
_____________________________________________________
1. Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995
2. Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção.
3. Cfr., neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 5.ª Edição Atualizada, Universidade Católica Editora: Lisboa (2022), p. 664, e AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, em Comentário Conimbricense do Código Penal - Tomo I, Coimbra Editora: Coimbra (2012), p. 512. Ver também, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2022/05/18, Proc. n.º 924/19.1PBLRA.C1, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2021/10/28, Proc. n.º 394/20.1PBVFX.L1-9, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2020/04/22, Proc. n.º 11/19.2GBAND.P1, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 2019/07/11, Proc. n.º 627/17.1GDSTB.E1, e de 2016/11/29, Proc. n.º 36/15.7PAENT.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
4. Cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2022/05/18, Proc. n.º 924/19.1PBLRA.C1, e de 2019/12/18, Proc. n.º 169/18.8PBCLD.C1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
5. Cfr., neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Ob. Cit., p. 664, e AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Ob. Cit., p. 520.
6. Cfr., neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Ob. Cit., p. 664, e AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Ob. Cit., p. 520.
7. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Ob. Cit., pp 664-667, e AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Ob. Cit., pp. 513-520.
8. Cfr., neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Ob. Cit., pp. 664-665, e AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Ob. Cit., pp. 513-515.
9. Cfr., neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Ob. Cit., pp. 665-666, e AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Ob. Cit., pp. 515-516.
10. Cfr., neste sentido, AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Ob. Cit., p. 513.
11. Cfr., neste sentido, AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Ob. Cit., p. 513.
12. Cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2023/06/21, Proc. n.º 28/22.0GCLRA.C1, disponível em ww.dgsi.pt.
13. Cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2023/06/21, Proc. n.º 28/22.0GCLRA.C1, disponível em ww.dgsi.pt.
14. Cfr., neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Ob. Cit., p. 666, e AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Ob. Cit., pp. 517-520. Ver também, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 2021/01/06, Proc. n.º 229/18.5GBGDL.E1, e de 2016/07/05, Proc. n.º 515/14.3PAENT.E1, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2019/02/13, Proc. n.º 428/17.7PCSNT.L1-3, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
15. Cfr., neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Ob. Cit., p. 668, e AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Ob. Cit., pp. 527-528.
16. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora: Coimbra (2012), pp. 348-355, 366-379; PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Ob. Cit., pp. 149-151.
17. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Ob. Cit., pp. 765-770 e 773-774; PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Ob. Cit., p. 198; M. MIGUEZ GARCIA e J. M. CASTELA RIO, Código Penal Parte geral e especial, Almedina (2014), p. 189 e ss.
18. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Ob. Cit., p. 775.
19. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Ob. Cit., pp. 775-790.
20. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Ob. Cit., pp. 791-797.
21. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Ob. Cit., p. 797-817.
22. Altera-se a posição anteriormente assumida quanto ao não preenchimento do elemento subjetivo, em virtude da mais recente jurisprudência, concretamente o Acórdão da Relação de Lisboa de 2025/04/09, Proc. n.º 50/24.1PBHRT.L1, proferido no âmbito do processo n.º 50/24.1PBHRT, que corre termos no Juiz 2 deste Juízo de Competência Genérica, nos termos do qual «as circunstâncias típicas de uma incriminação (como o tipo de relação entre o arguido e a ofendida ou a sua coabitação) não são dependentes da intenção do agente do crime de as realizar, ou seja, não se traduzem em alguma acção típica, sendo-lhe pressuposto e ficando preenchido o dolo do arguido apenas em virtude do seu conhecimento, acompanhado da vontade de realizar o facto criminoso em si; sabendo, por isso o arguido que o faz nessas circunstâncias. (…) Tendo sido provado que o arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente – por referência os demais factos provados antes descritos - é manifesto que, tal como o Ministério Público pretendeu na acusação, ficou provado o conhecimento, consciência de todos os factos provados descritos anteriormente e a sua vontade de os realizar, incluindo a relação que o arguido mantinha com a ofendida, a sua coabitação e mesmo a presença do filho numa das situações».
23. Cfr., neste sentido, MARIA JOÃO ANTUNES, em Penas e Medidas de Segurança, Almedina: Coimbra (2021), p. 45. Ver também, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2013/05/15, Proc. n.º 154/12.3JDLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
24. Cfr., neste sentido, MARIA JOÃO ANTUNES, Ob. Cit.. Ver também, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2010/03/10, Proc. n.º 1452/09.9PCCBR,C1, disponível em www.dgsi.pt.
25. Cfr., neste sentido, MARIA JOÃO ANTUNES, Ob. Cit.. Ver também, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2015/03/12, Proc. n.º 651/13.3GDLLE.S1, disponível em www.dgsi.pt.
26. Cfr., neste sentido, MARIA JOÃO ANTUNES, Ob. Cit., pp. 46-47. Ver também, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2022/09/29, Proc. n.º 202/19.6GDGMR.S1, disponível em www.dgsi.pt.
27. Cfr., neste sentido, MARIA JOÃO ANTUNES, Ob. Cit., p. 46. Ver também, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2017/05/07, Proc. n.º 2368/12.7JAPRT.P1.S2, e de 2006/10/24, Proc. n.º 06P3163, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
28. Cfr., neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça 2005/01/27, Proc. n.º 05P150, e de 2006/12/13, Proc. n.º 06P3116, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2018/10/03, Proc. n.º 19/18.5PEFIG.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
29. Cfr., neste sentido, JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas Editorial Notícias (1993), p. 343. Ver também, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.02.2010, Proc. n.º 59/06.GAPFR, disponível em www.dgsi.pt.
30. Cfr., neste sentido, JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Ob. Cit., p. 344.
31. Cfr., neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, em Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 3.ª edição atualizada, Universidade Católica Editora: Lisboa (2015), pp 305-306. Ver também, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29.11.2017, Proc. n.º 202/16.8PBCVL.C1, disponível em www.dgsi.pt.
32. Cfr., neste sentido, H. H. JESCHECK, em Tratado de Derecho Penal, Vol. I, Bosch (1981), tradução da 3.ª edição original alemã, pp. 1154 e 1155.
33. Cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29.11.2017, Proc. n.º 202/16.8PBCVL.C1, disponível em www.dgsi.pt.
34. Cfr., neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Ob. Cit., pp 307.
35. Cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2018/04/12, Proc. n.º 1619/15.0T9GRD.C1, disponível em www.dgsi.pt.
36. Cfr., neste sentido, JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Ob. Cit., p. 197.
37. Cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02.05.2018, Proc. n.º 156/16.0PALSB.L1.S1, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14.09.2020, Proc. n.º 302/19.2PABCL.G1, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 24.05.2016, Proc. n.º 253/14.7PBEVR.E1, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11.05.2016, Proc. n.º 94/12.6GAACB.C2, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
38. Cfr., neste sentido, RUI PAULO COUTINHO DE MASCARENHAS ATAÍDE, em Direito das Obrigações, Vol. I, Gestlegal: Coimbra (2022), pp. 316-422, ELSA VAZ DE SEQUEIRA, em Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora: Lisboa (2018), pp. 274-283, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, em Tratado de Direito Civil VIII - Direito das Obrigações, Almedina: Coimbra (2014), pp. 429-550, ANTUNES VARELA, Ob. Cit., pp. 525-629, e LUÍS MENEZES LEITÃO, em Direito das Obrigações, Vol. I, Almedina: Lisboa (2009), 8.ª Edição, pp. 287-352.
39. Cfr., neste sentido, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, em Código Civil Comentado - II Das Obrigações Em Geral, Almedina: Lisboa (2020), p. 441.
40. Cfr., neste sentido, LUÍS MENEZES LEITÃO, em Ob. Cit., p. 339.
41. Cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 17.12.2020, Proc. n.º 206/18.6GHSTC.E1, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18.05.2016, Proc. n.º 232/12.9GEACB.C2, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
42. Cfr., neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Ob. Cit., pp 307.
43. Cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2018/04/12, Proc. n.º 1619/15.0T9GRD.C1, disponível em www.dgsi.pt.