Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA MARISA ARNÊDO | ||
Descritores: | FALTA DE INTERESSE EM AGIR MINISTÉRIO PÚBLICO ESCUTA TELEFÓNICA PRAZO PROCESSUAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/08/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | I. No espectro do interesse em agir por parte do Ministério Público, tem vindo paulatinamente a assumir foros de destaque a conformação da respectiva actuação processual com o princípio da lealdade (art. 6º da CEDH). II. Tanto assim que, o Supremo Tribunal de Justiça, a este propósito, uniformizou jurisprudência com o Acórdão n.º 2/2011 no sentido de que o Ministério Público não tem interesse em agir para recorrer das decisões concordantes com posição que tenha anteriormente assumido no processo. III. Se é certo que «a sujeição do MP a critérios de objetividade de proceder não apenas requer, como exige, a possibilidade de, dentro de certos limites, alterar a sua posição ao longo do arco processual», in casu, à alteração de posição do Ministério Público em sede recursiva, ante aquela outra assumida (expressamente) no requerimento apresentado ao Sr. Juiz de Instrução Criminal é alheia «qualquer justificação objetiva que se revele no devir processual». Na verdade, estão somente em crise, como consente o próprio recorrente, «pretensões processuais contraditórias que (...) derivam unicamente da necessidade de afirmação de perspectivas subjectivas». IV. Pese embora, no caso, se verifique um desrespeito da observância do prazo das 48 horas, face à exiguidade do desvio - dois dias - e à míngua de qualquer argumentário concreto por parte do Sr. Juiz de Instrução, não se vislumbra que se possa ter por irremediavelmente comprometido o acompanhamento/controlo das intercepções e, adrede, verificada uma qualquer proibição de prova. V. Tendo as intercepções telefónicas sido realizadas com amparo em prévia e legal autorização judiciária, ao Sr. Juiz do Tribunal a quo, ante esta única e concreta inobservância dos procedimentos, estava vedada motu próprio a declaração da nulidade daquelas. VI. Quanto ao segmento da decisão recorrida que determina a destruição dos suportes das intercepções telefónicas, respaldando-se a mesma na (singular) circunstância de não ter sido observado o prazo a que alude o art. 188º, n.º 4 do C.P.P., ter-se-á de concluir, outrossim, que assiste plena razão ao recorrente. VII. No caso é notório que não se mostram verificados os requisitos a que alude o art. 188º, n.º 6, al. a) a c) do C.P.P. VIII. Estando em causa conversações ou comunicações que - pelo menos por ora - não foram transcritas para servirem como meio de prova, restará, em conformidade com o disposto no n.º 12 do citado art. 188º do C.P.P., guardá-las em envelope lacrado, à ordem do Tribunal, tal qual propugnado pelo recorrente. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO 1. Nos autos de inquérito em referência, em 7 de Fevereiro de 2025, o Ministério Público remeteu ao Sr. Juiz de Instrução Criminal requerimento com o teor que se transcreve: «Relatório de fls. 1784 a 1974 dos autos, tomei conhecimento. * I – Validação das intercepções telefónicas. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 188.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, tomei conhecimento de todo o conteúdo do relatório de fls. 1784 a 1974 dos autos, bem como do suporte magnético das intercepções apresentado, consignando que as mesmas respeitam ao seguinte período que medeia entre 20/01/2025 a 02/02/2025. * Não há produtos a destruir por violação do disposto no artigo 187.º, n.º 5 e 188.º, n.º 6, ambos do Código de Processo Penal. * Remeta os autos, acompanhados do CD que consta em envelope fechado na contracapa do processo, para conhecimento e apreciação por parte da/o Meritíssima/o Juiz de Instrução Criminal, do seguidamente requerido e exposto: a) - Nos termos do artigo 188.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, requer-se seja tomado conhecimento pela/o Meritíssima/o Juiz de Instrução Criminal do teor dos autos de início e encerramento de intercepções telefónicas e do relatório de fls. 1784 a 1974 dos autos, devendo ficar consignado que foi respeitado o prazo contantes do artigo 188.º, n.º 3 e 4, do Código de Processo Penal. b) – Que proceda às validações das intercepções efectuadas nos alvos identificados a fls. 1961 a 1964 dos autos e constantes do Disco em anexo efectuadas entre os dias 24 de Janeiro de 2025 e a presente data, porquanto as que medeiam os dias de 20 de Janeiro de 2025 a 24 de Janeiro de 2025, deverão ser declaradas nulas, o que se requer, por apresentadas fora de prazo, pese embora não tenham sido captados produtos com interesse para os autos, o que se faz ao abrigo do disposto no artigo 118.º, n.º 3 e 4, do Código de Processo Penal. c) – Que determine que o suporte digital referente às intercepções telefónicas seja lacrado à ordem deste Tribunal nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 188.º, n.º 12, do Código de Processo Penal. d) - Valide as imagens recolhidas nas vigilâncias efectuadas a fls. 1792 a 1796 dos autos, nos termos do artigo 6.º, da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, “ex vi” artigo 188.º, n.º 3 e n.º 4, do Código Processo Penal». 2. Em face de tal requerimento, o Sr. Juiz de Instrução Criminal proferiu, no mesmo dia, 7 de Fevereiro de 2025, despacho com o seguinte teor: «Consigno que procedi hoje à abertura de 1 envelope junto aos autos, o qual continha 1 “digital video disc – disco 18”’ de leitura óptica, o qual analisei, ao abrigo do disposto no artigo 188º, número 4, do Código de Processo Penal. Considerando que tais sessões foram apresentadas ao Ministério Público no dia 3-2-2025, cfr. fls. 1974, as mesmas deviam ter sido apresentadas ao Juiz até ao dia 5-2-2025, todavia, só o foram hoje, pelo que não foi observado o prazo previsto no artigo 188º, número 4, do Código de Processo Penal. Pelo exposto, não valido tais intercepções telefónicas (art. 190º, a contrario do Código de Processo Penal), devendo o suporte que as contém ser destruído, após trânsito em julgado da presente decisão. E idêntica solução é de determinar relativamente aos registos de imagem de fls. 1792-1796 porquanto não foram cumpridas as formalidades a que se reporta o artigo 188º do Código de Processo Penal - artigo 6º, número 3 da Lei número 5/2002, de 11 de janeiro». 3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público interpôs recurso deste despacho. Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões: «1. No âmbito dos presentes autos investiga-se a prática, entre outros, do crime roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210. °, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. f) e n.° 2, al. f), ambos do Código Penal. 2. A moldura do aludido ilícito penal vai de 3 a 15 anos de prisão. 3. No decorrer da investigação, por se ter considerado imprescindível para o apuramento da verdade material, o Ministério Público requereu à Mma. Juiz de Instrução Criminal que fosse autorizada a realização de intercepções telefónicas dos suspeitos identificados nos autos, nos termos do artigo 187.°, n.° 1, al. a) e n.°4, alínea a) do Código de Processo Penal. 4. Por despacho datado de 12/08/2024, a Mma. Juiz de Instrução autorizou asintercepções telefónicas pelo prazo de 60 dias, o qual viria a ser sucessivamenteprorrogado, razão pela qual as mesmas se encontram a decorrer desde o dia13/08/2024. 5. Relativamente ao período compreendido entre 20/01/2025 e 02/02/2025, a PJ elaborou os competentes autos de gravação e respectivos relatórios e procedeu à gravação das intercepções telefónicas em suporte digital, os quais entregou nos serviços do DIAP… no dia 03/02/2025. 6. Por lapso, o Ministério Público do referido DIAP…, não remeteu os autos e os suportes digitais ao JIC no prazo de 48h conforme determina o n.° 4 do 188.º do Código de Processo Penal. 7. "Apenas" o fez no dia 07/02/2025, (96h horas depois), pelo que estamos perante um atraso de dois dias, face ao legalmente determinado. 8. Assim, por despacho datado de 07/02/2025 (cfr. fls. 1975), o Ministério Público, indicando que não havia produtos a destruir por violação do disposto no artigo187.º, n.º 5 e 188.º, n.° 6, ambos do Código de Processo Penal, promoveu a validação das intercepções efectuadas entre os dias 24 de Janeiro de 2025 e aquela data. 9. Requerendo a declaração de nulidade das intercepções telefónicas que medeiam os dias de 20 de Janeiro de 2025 a 24 de Janeiro de 2025 (exclusive), por terem sido apresentadas fora do prazo legal. 10. Contudo, ao contrário do promovido pelo Ministério Público, o Mmo. Juiz de Instrução decidiu, ao arrepio da lei, não validar todas as intercepções relativas à totalidade do período quinzenal compreendido entre 20/01/2025 e 02/02/2025 e não apenas aquelas relativamente às quais o Ministério Público tinha arguido a nulidade (20/01/2025 e 24/01/2025, exclusive), bem como ordenar a sua destruição (o que o Ministério Público não promoveu). 11. Não olvidamos que, até ver, no período em crise não foram indicadas sessões com interesse. 12. Porém, consabidamente, a investigação é uma realidade dinâmica e não é de desconsiderar a possibilidade de que, com o seu desenvolvimento, sessões telefónicas que num primeiro momento podem aparentar não ter interesse, com a recolha subsequente de novos elementos, não só podem passar a ter, como até se podem revelar essenciais para o apuramento da verdade material. 13. O Ministério Público discorda da decisão recorrida porque entende que a mesma consubstancia um excesso de pronúncia (a nulidade relativamente às intercepções do período compreendido entre 24/02/2025 e 02/02/2025 não foi arguida, tendo, pelo contrário, sido promovida a sua validação) e, por outro lado, a lei não prevê asua destruição. 14. Considerando que a inobservância do prazo estabelecido pelo artigo 188.°, n.º 4 do Código de Processo Penal não preenche qualquer uma das alíneas do artigo 119.° e a nulidade plasmada no artigo 190.º do mesmo diploma legal não é cominada com nulidade insanável, somos forçados a concluir que a mesma constitui uma nulidade sanável e, por isso, susceptível de arguição. 15. Não estamos perante proibição de prova (126.°, n.º 3, do CPP e 32.°, n.º 8 da CRP), porquanto não esta em causa a inobservância dos pressupostos de admissibilidade das intercepções telefónicas (artigo 187.º do Código de Processo Penal) uma vez que o crime de roubo agravado é de catálogo e as mesmas foram judicialmente autorizadas, o que afasta o conhecimento oficioso do vício. 16. Nestes termos, ao não validar as intercepções telefónicas relativas ao período compreendido entre 24/01/2025 e 02/02/2025 e ao conhecer do alegado vício oficiosamente, errou o Mmo. Juiz de Instrução Criminal, até porque, relativamente ao período mencionado, ele não existe. 17. Mais, ao fazê-lo, o Mmo. Juiz de Instrução não observou a jurisprudência obrigatória estabelecida pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2018, de 12/02 do Supremo Tribunal de Justiça. 18. Na mesma esteira, mutatis mutandis, veja-se os doutos acórdãos do Tribunal daRelação de Lisboa, datados de 22/10/2014 e 21/01/2025, relatados por NunoCoelho e Paulo Barreto, respectivamente, ambos disponíveis em www.dsgi.pt. 19. Consabidamente, a imposição dos prazos para o OPC (de 15 em 15 dias) e para o Ministério Público (de 48h) levar os autos e respectivos relatórios das intercepções telefónicas e os correspondentes suportes técnicos ao conhecimento do Juiz de Instrução, num total de 17 dias (15+2), visa garantir um efectivo acompanhamento e controlo judicial das intercepções telefónicas, por imposição constitucional (artigos 18.º, n.º 2, 32.9, n.º 8 e 34.°, n.° 1, todos da CRP). 20. Ou seja, estabelece a Lei que o Mmo. Juiz de Instrução Criminal tem 17 dias para tomar conhecimento das intercepções efectuadas. 21. Reconhece-se que nos presentes autos, no que respeita às intercepções telefónicas do período compreendido entre os dias 20/01/2025 e 02/02/2025 foram ultrapassadas as 48h impostas por lei ao Ministério Público para apresentar os autos e respectivos relatórios, bem como os correspondentes suportes técnicos. 22. Contudo, o prazo foi ultrapassado "apenas" em 48 horas, não se podendo, por isso, retirar a conclusão de que as restantes sessões relativas ao período compreendido 22/02/2025 e 02/02/2025 não tenham sido sujeitas ao devido controlo judicial. 23. Estas foram alvo de controlo judicial no prazo estabelecido por lei. 24. Aliás, diga-se que a Digna Magistrada do Ministério Público do DIAP até adoptou uma posição conservadora ao promover apenas a validação das intercepções telefónicas relativamente ao período compreendido entre 24/01/2025 e 02/02/2025, porque contou 15 (quinze) dias para trás desde a tomada de conhecimento daquelas pelo Mmo. Juiz de Instrução (07/02/2025). 25. Mas, com o devido respeito por entendimento contrário, como acima se referiu e conforme prevê a lei, considera-se existir um acompanhamento e efectivo controlo das intercepções teletonicas quando o Mmo. Juiz de Instrução delas toma conhecimento num prazo de 17 dias. 26. Pelo que, apenas as intercepções (20/01/2025 e 21/01/2025) que ficaram de fora desse período de 17 dias se podem considerar como tendo sido subtraídas desse escrutínio judicial, porquanto as restantes se encontram dentro do prazo que a lei estabelece para Juiz de Instrução Criminal tomar conhecimento e validar e as intercepções telefónicas. 27. Com efeito, contando 17 dias para trás desde 07/02/2025 (data na qual o Mmo. Juiz de Instrução teve conhecimento dos autos e respectivos relatórios, bem como os correspondentes suportes técnicos das intercepções telefónicos) chegamos à data de 22/01/2025. 28. Deste modo, os respectivos elementos das intercepções telefónicas ocorridas no período compreendido entre os dias 22/01/2025 e 02/02/2025 foram tempestivamente levadas ao conhecimento do Juiz porque respeitaram o prazo imposto por lei, permitindo àquele um acompanhamento e controlo efectivo judicial das mesmas. 29. Ao contrário do decidido, o Mmo. Juiz de Instrução deveria ter validado aintercepções do período compreendido entre os dias 22/01/2025 e 02/02/2025porque dentro do prazo de controlo judicial estabelecido para o efeito, não validando apenas as intercepções que ficaram de fora desse intervalo temporal, ou seja, as dos dias 20/01/2025 e 21/01/2025, cuja nulidade foi arguida pelo Ministério Público (não obstante o ter feito também para os dias 22/01/2025 e 23/01/2025). 30. Ao invés, o Mmo. Juiz de Instrução optou por não validar nenhuma das intercepções da totalidade do período quinzenal. 31. Ao decidir como decidiu, o Mmo. Juiz de Instrução, violou as disposições processuais penais consagradas nos artigos 118.º, n.° 3, 188.º, n.° 4, 119.° a 122.°, 126.º, n.º 3, 118.º, n.º 4 e 190.°, todos do Código de Processo Penal, bem como o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2018, de 12/02. 32. Paralelamente, o Mmo. Juiz de Instrução determinou a destruição das intercepções telefónicas do período compreendido entre 20/01/2025 e 02/02/2025, sendo que, nem estamos perante prova proibida (126.º, n.° 3 do Código de Processo Penal), nem se encontra preenchido o disposto nos artigos 187.º, n.º 5 e 188.°, n.º 6, ambos do Código de Processo Penal. 33. Um atraso de dois dias no conhecimento dos suportes técnicos, bem como dos respectivos autos e relatórios, por parte do Juiz de Instrução, não configura qualquer compressão desproporcional dos direitos dos visados, porquanto continuou a existir um acompanhamento e controlo efectivos por parte do Juiz de Instrução, considerando que está em causa um atraso temporal reduzido e sem expressão. 34. Por sua vez, também não se encontra preenchido o disposto no artigo 188.°, n.º 6do Código de Processo Penal, porquanto não estão cumulativamente verificados os critérios geral e especial do aludido dispositivo legal, nem tão pouco o Ministério Público ou o Mmo. Juiz de Instrução lhes fazem menção. 35. Neste sentido, veja-se o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datadode 20/02/2008, relatado por Carlos Almeida. 36. Por fim, as intercepções telefónicas efectuadas no período compreendido entre 20/01/2025 e 02/02/2025, não dizem respeito a conversações entre os suspeitos e o(s) seu(s) defensores, pelo que não se verifica o disposto no artigo 187.º, n.° 5 do Código de Processo Penal. 37. Nestes termos, não podem os suportes técnicos e relatórios das intercepções telefónicas ser destruídos, mesmo aqueles que digam respeito a intercepções dos períodos cuja nulidade foi arguida pelo Ministério Público, como também aqueles que o Mmo. Juiz de Instrução entenda não validar. 38. Ao decidir como decidiu, o Mmo. Juiz de Instrução violou o disposto nos artigos126.º, n.º 3 e 188.º, n.° 6, ambos do Código de Processo Penal. Deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que valide as intercepções telefónicas realizadas entre os dias 22/01/2025 e 02/02/2025 (ou no mínimo, entre os dias 24/01/2025 e 02/02/2025 como promovido pelo DIAP) e que não determine a destruição de quaisquer sessões, mesmo aquelas cuja nulidade tenha sido arguida pelo Ministério Público e que, consequentemente, não sejam validadas por ter sido excedido o prazo previsto no artigo 188.º, n.º 4 do Código de Processo Penal». 4. O recurso foi admitido por despacho de ..., a subir imediatamente, em separado, com efeito meramente devolutivo. 5. Neste tribunal, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta, louvada no recurso interposto, pronunciou-se no sentido da procedência do mesmo. 6. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir. Da questão prévia da (in)admissibilidade parcial do recurso Como resulta da motivação e das conclusões recursivas, o recorrente Ministério Público pretende que o Tribunal ad quem, revogue «o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que valide as intercepções telefónicas realizadas entre os dias 22/01/2025 e 02/02/2025 (ou no mínimo, entre os dias 24/01/2025 e 02/02/2025 como promovido pelo DIAP) e que não determine a destruição de quaisquer sessões, mesmo aquelas cuja nulidade tenha sido arguida pelo Ministério Público e que, consequentemente, não sejam validadas por ter sido excedido o prazo previsto no artigo 188.º, n.º 4 do Código de Processo Penal». Todavia, decorre dos autos, especificamente do requerimento que precedeu o despacho revidendo, apresentado pela Ex.ma. Magistrada do Ministério Público, em 5 de Fevereiro de 2025, que o pedido de validação das intercepções telefónicas se cingiu ao período de 24 de Janeiro a 5 de Fevereiro de 2025, tendo sido expressamente solicitado que relativamente às «que medeiam os dias de 20 de Janeiro de 2025 a 24 de Janeiro de 2025, deverão ser declaradas nulas, o que se requer, por apresentadas fora de prazo», como, aliás, consente o recorrente. Vejamos, pois. No espectro do interesse em agir por parte do Ministério Público, tem vindo paulatinamente a assumir foros de destaque a conformação da respectiva actuação processual com o princípio da lealdade (art. 6º da CEDH). Tanto assim que, o Supremo Tribunal de Justiça, a este propósito, uniformizou jurisprudência1 com o Acórdão n.º 2/20112 no sentido de que o Ministério Público não tem interesse em agir para recorrer das decisões concordantes com posição que tenha anteriormente assumido no processo. Tal como refere Pedro Soares de Albergaria, Comentário Judiciário do Código do Processo Penal, Tomo V, p. 93, «(…) a perspetiva que veio a fazer vencimento é a que se amolda a uma atuação dessa instituição conforme às exigências do Estado de Direito Democrático, avessa a modos de agir que, pelo seu caráter titubeante ou até contraditório, se mostrem suscetíveis de lesar expetativas do arguido legitimamente fundadas em anterior posicionamento do MP no processo e acolhidas pelo Tribunal». Ora, se é certo que «a sujeição do MP a critérios de objetividade de proceder não apenas requer, como exige, a possibilidade de, dentro de certos limites, alterar a sua posição ao longo do arco processual», in casu, à alteração de posição do Ministério Público em sede recursiva, ante aquela outra assumida (expressamente) no requerimento apresentado ao Sr. Juiz de Instrução Criminal, no dia 5 de Fevereiro de 2025, é alheia «qualquer justificação objetiva que se revele no devir processual3». Na verdade, estão somente em crise, como condescende o próprio recorrente, «pretensões processuais contraditórias que (...) derivam unicamente da necessidade de afirmação de perspectivas subjectivas»4. Termos em que se conclui pela falta de interesse em agir do Ministério Público para interpor o presente recurso no segmento em que é peticionada a revogação do despacho recorrido quanto à não validação das intercepções telefónicas ocorridas nos dias 22 e 23 de Janeiro de 20255. Assim sendo, como estamos convictos que é, ao abrigo do disposto nos art. 401º, n.º 1, al. a) e 414º, n.º 2 e 420º, n.º 1, al. b) do C.P.P., outra solução não resta senão a de, por inadmissibilidade, rejeitar parcialmente o recurso, na fracção em que é rogada a revogação do despacho recorrido quanto à não validação das intercepções telefónicas ocorridas nos dias 22 e 23 de Janeiro de 2025. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. O objecto do recurso, na sequência da rejeição parcial e tal como demarcado pelo teor das conclusões da respectiva motivação, reporta ao exame das questões de saber se o Sr. Juiz de Instrução Criminal incorreu em erro de iure ao não validar as intercepções telefónicas atinentes ao período de 24 de Janeiro a 2 de Fevereiro de 2025 e ao determinar a destruição das intercepções telefónicas ocorridas no período de 20 de Janeiro a 2 de Fevereiro de 2025. 2. Com vista à resolução do dissenso, antes de mais, em aditamento ao já consignado no RELATÓRIO, como decorre pacificamente dos autos, é de referir que: i. Nos autos de inquérito a que se respeita o presente recurso, estão sob investigação factos susceptíveis de integrarem a prática, designadamente, de crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210. °, n.º 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 1, al. f) e n.º 2, al. f), ambos do C.P., a que corresponde uma moldura legal de 3 (três) anos a 15 (quinze) anos de prisão. ii. No decurso da investigação foi requerida pelo Ministério Público e autorizada, por despacho do Juiz de Instrução (de turno), prolatado em 12 de Agosto de 2024, a realização de intercepções telefónicas aos suspeitos já identificados, ao abrigo e nos termos do artigo 187.º, n.º 1, al. a) e n.º 4, al. a) do C.P.P., por um período inicial de 60 (sessenta) dias. iii. Tal autorização veio a ser sucessivamente prorrogada. iv. No que respeita concretamente ao período em crise - 20 de Janeiro de 2025 a 2 de Fevereiro de 2025 - o O.P.C. procedeu à entrega dos suportes digitais, autos de gravação e respectivos relatórios, no DIAP…, no dia 3 de Fevereiro de 2025. v. A Exma. Magistrada do Ministério Público remeteu os preditos suportes, autos e relatórios ao Sr. Juiz de Instrução no dia 7 de Fevereiro de 2025. 3. Do recurso interposto Em abreviada síntese, o Sr. Juiz de Instrução Criminal, perante a circunstância objectiva de os suportes, autos e relatórios atinentes às intercepções telefónicas do período de 20 de Janeiro de 2025 a 2 de Fevereiro de 2025, recebidos no DIAP… no dia 3 de Fevereiro de 2025, lhe terem sido apresentados, somente, no dia 7 de Fevereiro de 2025, decidiu não validar tais intercepções telefónicas e determinar a destruição do suporte que as contém. Principiaremos por afirmar que, como decorre inequivocamente da dinâmica processual e é consentido pelo próprio recorrente, o prazo das 48 (quarenta e oito) horas, estipulado no art.188, n.º 3 e 4 do C.P.P., foi in casu violado. A controvérsia cinge-se, pois, a saber quais serão as consequências a extrair de tal desvio. A propósito da temática, Tiago Caiado Milheiro, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo II, p. 855/859, refere o seguinte: «A primeira “divisão” a efetivar é entre os requisitos e condições vertidos no art. 187.º e os que constam do art. 188.º. Desde logo a própria epígrafe indicia que os seus conteúdos divergem em termos de relevância para produção de efeitos probatórios. A alusão a admissibilidade (art. 187.º) aponta para condições de produção e valoração da prova em si. Por seu turno a utilização dos dizeres “formalidades das operações” utilizado pelo art. 188.º indicia um carácter procedimental, já não relacionado com a essência, o substrato material da prova, mas com um conjunto de regras na fase de execução das escutas. É, contudo, uma conclusão tendencial, mas não absoluta. Ou seja, tendencialmente o art. 187.º reporta-se a requisitos e condições para admitir as escutas e valorar os resultados destas, situando-se no domínio das proibições de prova. Já o art. 188.º tendencialmente cinge-se a formalidades na execução circunscrevendo-se às regras de produção de prova cuja consequência será a nulidade stricto sensu (a propósito da não inconstitucionalidade da destrinça no que concerne à “gravidade” das sanções Ac. do TC 476/2015) (…) A sanção para todo e quaisquer desvios ao elenco de regras disciplinadas no art. 188.º será, em princípio, a nulidade stricto sensu. No entanto, é possível surpreender um conjunto de situações em que a violação ou a dimensão da mesma comprime intoleravelmente direitos fundamentais e nessa medida atinge o patamar das proibições de prova. A primeira delas relaciona-se com prazos. Já escrevemos (v. anotação ao art. 188.º) que os prazos mencionados nos n.ºs 3 e 4 têm o intuito de permitir um acompanhamento próximo e efetivo por um juiz. Mas não deixam de ser procedimentais/instrumentais para a tutela de um direito fundamental. Gizam uma disciplina que tem como fito acautelar uma limitação constitucionalmente admissível, tolerável, não abusiva, nas comunicações e privacidade. Por regra os desvios temporais aos prazos impostos consubstanciarão apenas nulidades stricto sensu (a propósito, Ac. STJ/FJ 1/2018 firmando jurisprudência obrigatória no sentido de que a “simples falta de observância do prazo de 48 horas, imposto no n.º 4 do art.º 188.º do CPP, para o M.P. levar ao juiz os suportes técnicos, autos e relatórios referentes a escutas telefónicas, constitui nulidade dependente de arguição, nos termos dos art.º 190.º e 120.º ambos do Código do Processo Penal; já antes o Ac. TC 476/2015 tinha reconhecido a conformidade constitucional desta interpretação), exceto se atendendo à dimensão dos atrasos e circunstâncias em concreto (v. anotação ao art.º 188.º) se conclua pela compressão intolerável de direitos fundamentais. Quando assim é estaremos perante uma proibição de prova (…). A nulidade stricto sensu contemplada no art. 190.º é uma nulidade relativa que para ser conhecida deverá ser arguida (…) até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito (…). Os efeitos da nulidade stricto sensu estão contemplados no art. 122.º/1. A nulidade torna inválido o ato em que se verificar. A invalidade do procedimento de produção de prova advém da prática ou omissão indevida do ato nulo (…). A destrinça entre as nulidades stricto sensu e as proibições de prova não é apenas para efeitos de identificação/qualificação do vício, mas deve manter-se a nível das consequências. Na nulidade a invalidade atinge o ato processual. Nas proibições de prova é esta que é afetada. A diversidade das consequências é ressaltada por Jorge de Figueiredo Dias (2016, pp. 5 e 6), quando assinala que a violação de “uma simples regra processual probatória” “não constitui motivo bastante para recusar o resultado de prova enquanto tal” e a proibição de prova “afeta a prova como tal” e a consequência é a “recusa de valoração no processo da prova alcançada”. Não pode suceder é concluir-se que se trata de uma nulidade stricto sensu e por via dela invalidar a prova atribuindo na prática os mesmos efeitos da proibição de prova. Ou bem que se conclui que estamos perante uma nulidade stricto sensu e a invalidade é do ato processual praticado (ou omitido) – e não da prova produzida em resultado desse desvio processual - ou conclui-se (ainda que numa análise à posteriori) que é uma proibição de prova e esta torna-se inutilizável. Equiparar a imprestabilidade do ato à imprestabilidade da prova igualando nas consequências vícios distintos é incoerente. A tal não se opõe o efeito à distância das nulidades contemplado no art. 122.º/1 já que a invalidade apenas se reporta aos atos processuais inquinados e não à prova lograda obter (neste sentido, a propósito do incumprimento dos prazos constantes dos n.º 3 e 4 do art. 188.º Ac. RE, de 8.04.2014, subsumindo-se na exceção do art. 122.º/1, parte final)». Na verdade, tal qual se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2018: «Estão em causa interesses procedimentais, que só em situações excecionais poderiam atingir direitos fundamentais, como seria no caso em que, depois de autorizada a escuta, deixasse de haver entrega do material e de acompanhamento ulterior do juiz. E por isso é que o Tribunal Constitucional nos disse no seu acórdão 476/2015 de 30 /9/2015: “[...] Ora, tendo em consideração que os prazos fixados no artigo 188.º do Código de Processo Penal para que as escutas realizadas sejam levadas ao conhecimento do juiz de instrução se revelam adequados a garantir um acompanhamento efetivo daquelas, a sua simples ultrapassagem, independentemente da dimensão dessa ultrapassagem, é insuficiente para que, em abstrato, se possa considerar que essa inobservância põe em causa a possibilidade real do juiz de instrução acompanhar eficazmente a realização das escutas. Só a concreta medida dessa ultrapassagem e as circunstâncias em que a mesma ocorreu permitirão efetuar um juízo seguro sobre se a solução de considerar essa infração às leis processuais uma nulidade sanável por falta da sua arguição num determinado prazo, constitui uma restrição desproporcionada à proibição de ingerência nas telecomunicações, por permitir a validação de escutas realizadas sem o necessário acompanhamento judicial. Reportando -se a interpretação normativa sub judicio à simples circunstância de não terem sido observados os prazos previstos no artigo 188.º do Código de Processo Penal, independentemente da dimensão dessa inobservância não é possível considerar que a mesma ofende o prescrito nos artigos 18.º, 32.º, n.º 2, e 34.º, n.º 4, da Constituição.” Socorrendo-nos da “Teoria do âmbito de direitos”, que já tem sido defendida na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Alemão, estaremos perante proibições de prova e, portanto, de valoração das mesmas, ou não, se a lesão “afeta de modo essencial o âmbito de direitos do visado ou se tem só uma importância secundária ou não tem qual quer importância para ele. Nesta análise importa considerar, antes do mais, o motivo apresentado como justificação da disposição e no interesse de quem foi criada”. (ROXIN in “Derecho Processal Penal”, Buenos Aires, Ed. Del Puerto, 2000, pág. 192). Claro que sempre se poderia aduzir que, para além das disposições especialmente previstas para proteção do arguido, este tem direito a que “o princípio de formalidade seja garantido em geral” (idem pág. 193). Só que aqui o grau de tutela pode ser bem diferente. E, por exemplo, considerar o ato de produção de prova nulo, sem mais. Se a justificação para as proibições de prova do art. 126.º, do CPP, se distingue claramente da razão de ser da disciplina do art. 188.º do CPP, nada impede que a violação das normas em causa — art. 188.º, n.º 4, do CPP e 126, n.º 3, do CPP — se situe num plano diverso, e assim tenha consequências diferentes. Mais, seria estranho (e já acima se viu, como pensam a tal respeito, LAMAS LEITE e COSTA ANDRADE, supra, 2.2.5.) que, como foi o caso dos acórdãos fundamento e recorrido, a entrega do material das escutas ao JIC, um dia ou dois dias depois de terminar o prazo do n.º 4 do art. 188.º do CPP, tivesse o mesmo tratamento, por exemplo, que a realização de uma escuta nunca autorizada por nenhum juiz». Com efeito, como já então sustentava o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 21 de Fevereiro de 2007, SJ200702210046853, in www.dgsi.pt., «Existe uma diferença qualitativa entre a intercepção efectuada à revelia de qualquer autorização legal e a que, autorizada nos termos legais, não obedeceu aos requisitos a que alude o art. 187.º do CPP: nesta hipótese o meio de prova foi autorizado, e está concretamente delimitado em termos de alvo, prazo e forma de concretização, e se os pressupostos de autorização judicial forem violados estamos apenas em face de uma patologia relativa a uma regra de produção de prova. As regras de produção da prova são “ordenações do processo que devem possibilitar e assegurar a realização da prova. Elas visam dirigir o curso da obtenção da prova sem excluir a prova. As regras de produção da prova têm assim a tendência oposta à das proibições de prova. Do que ali se trata não é de estabelecer limites à prova como sucede com as proibições de prova, mas apenas de disciplinar os processos e modos como a prova deve ser regularmente levada a cabo”. Já o que define a proibição de prova é a prescrição de um limite à descoberta da verdade. É esta distinção que terá de estar subjacente a qualquer análise do regime legal das escutas telefónicas, não confundindo as patologias que colidem com étimos e princípios inultrapassáveis, pois que integram o cerne dos direitos individuais com inscrição constitucional, com aquelas que se traduzem em mera irregularidade produzida no contexto amplo de um meio de prova que foi autorizado. Quando o que está em causa é a forma como foram efectuadas as intercepções telefónicas produzidas no âmbito de meio de prova autorizado e perfeitamente definido carece de qualquer fundamento, sendo despropositada, a referência a uma prova proibida». Em suma, pese embora, no caso, se verifique um desrespeito da observância do prazo das 48 horas, face à exiguidade do desvio - dois dias - e à míngua de qualquer argumentário concreto por parte do Sr. Juiz de Instrução, não se vislumbra que se possa ter por irremediavelmente comprometido o acompanhamento/controlo das intercepções e, adrede, verificada uma qualquer proibição de prova. E assim sendo, subsumindo-se o vício a uma nulidade relativa, não tendo a mesma sido arguida pelo Ministério Público6, não competia ao Sr. Juiz de Instrução refutar a validação das intercepções telefónicas respeitantes ao período de 24 de Janeiro a 2 de Fevereiro de 2025. Vale tudo por dizer que, tendo as intercepções telefónicas sido realizadas com amparo em prévia e legal autorização judiciária, ao Sr. Juiz do Tribunal a quo, ante esta única e concreta inobservância dos procedimentos, estava vedada motu próprio a declaração da nulidade daquelas. No mais, isto é, quanto ao segmento da decisão recorrida que determina a destruição dos suportes das intercepções telefónicas (neste conspecto relativamente a todo o período de 20 de Janeiro a 2 de Fevereiro de 20257), respaldando-se a mesma na (singular) circunstância de não ter sido observado o prazo a que alude o art. 188º, n.º 4 do C.P.P., ter-se-á de concluir, outrossim, que assiste plena razão ao recorrente. Na verdade, como refere Tiago Caiado Milheiro, Comentário Judiciário do Processo Penal, Tomo II, p. 784, para a decisão de destruição «É necessária a verificação de dois "ingredientes" cumulativos para que se possa destruir. O corpo da norma do n.º 6 elenca um critério geral: as escutas deverão ser "manifestamente estranhas ao processo". Esta será a premissa maior. Mas não basta. É ainda necessário a verificação das premissas das alíneas a), b), c), que apelidamos de critérios especiais. A conjugação destes critérios e premissas e a sua latitude permite extrair como conclusão que as destruições serão residuais. E terá sido essa a intenção do legislador. Ao construir dois patamares que precisam de ser ultrapassados para destruir uma escuta necessariamente estaria certo que a maioria das situações não preenche tais crivos. Esta força acrescida de exigência é patente na imposição do adjetivo "manifestamente" (e não simplesmente "estranhos"), afunilando desde logo as possibilidades de destruição. Esta "construção" normativa é respaldo da jurisprudência do TC no sentido de que destruições prematuras poderão comprimir ou eliminar as garantias de defesa do arguido (acs. TC 660/2006, 450/2007 e 451/2007; é também o que resulta da diretiva 2012/13/ UE, de 22 de Maio de 2012, relativa ao direito à informação em processo penal, ao contemplar um direito de acesso a "toda a prova material que se encontre na posse das autoridades competentes" - art. 7.°/2 - firmando como exceção a possibilidade de não acesso, sempre sob a condição "de não prejudicar o direito a um processo equitativo" - art. 7./4)». Ora, no caso é notório que não se mostram verificados8 os requisitos a que alude o art. 188º, n.º 6, al. a) a c) do C.P.P. «Em relação aos procedimentos estabelecidos normativamente para o juiz se decidir por uma destruição ou não destruição duas ideias iniciais. Primeiro, será a jurisprudência das cautelas que inelutavelmente estará presente no subconsciente de um juiz. Na realidade, sendo a jurisprudência "flutuante" em relação à destruição (reflexo da ambiguidade da lei, utilização de conceitos abertos e evolução sociocultural) e tratando-se de conversações que num juízo hipotético o arguido poderia ter interesse para contextualizar ou estruturar a sua defesa (o que na prática poderá ser dificílimo de apurar) a decisão cautelosa será manter aquelas escutas, sob pena das conversações/comunicações consideradas relevantes e transcritas virem a ser inutilizadas por uma (eventual) proibição de prova. Segundo, em caso de invalidação da decisão da destruição por um qualquer vício procedimental o carácter tendencialmente irreversível da decisão poderá condicionar irremediavelmente outras escutas relevantes caso se venha a entender que se trata de uma proibição de prova (sem prejuízo das situações em que porventura a destruição ainda não tenha sido executada ou seja possível informaticamente a sua recuperação nos servidores). Será também esta dicotomia entre a sanabilidade/potencial irreversibilidade que aconselham decisões muito cautelosas neste âmbito. Note-se que se a decisão for de não destruição quando o deveria ter sido, a invalidade determinará a destruição. Já o inverso poderá tornar impossível a recuperação das escutas e com isso "contaminar" a utilização de outros trechos, eventualmente já transcritos e que serviram de sustento a uma medida de coação ou acusação. Terá sido justamente por isso que foi consagrado um sistema normativo que aponta para a excecionalidade da destruição».9 E assim, estando em causa conversações ou comunicações que - pelo menos por ora - não foram transcritas para servirem como meio de prova, restará, em conformidade com o disposto no n.º 12 do citado art. 188º do C.P.P., guardá-las em envelope lacrado, à ordem do Tribunal, tal qual propugnado pelo recorrente. Termos em que se conclui que o recurso merece e reclama provimento. III. DISPOSITIVO Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: Julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, determinar que seja proferido novo despacho pelo Sr. Juiz de Instrução Criminal que valide as intercepções telefónicas realizadas entre os dias 24 de Janeiro de 2025 e 2 de Fevereiro de 2025 e que determine, concomitantemente, que sejam guardados os suportes técnicos referentes às intercepções telefónicas realizadas no período de 20 de Janeiro a 2 de Fevereiro de 2025 em envelope lacrado. Notifique e comunique à primeira instância, de imediato. Lisboa, 24 de Abril de 2025 Ana Marisa Arnêdo Eduardo de Sousa Paiva Maria de Fátima R. Marques Bessa _______________________________________________________ 1. Em sentido oposto à firmada no AFJ 5/94. 2. Publicado no D.R. em 27/1/2011, 19/2011, Série I. 3. Pedro Soares de Albergaria, Comentário Judiciário do Código do Processo Penal, Tomo V, p. 95. 4. Acórdão de AFJ n.º 2/2011 5. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27 de Junho de 2017, processo n.º 61/09.7T3STC.E1 e a Decisão Sumária do Tribunal da Relação de Évora, de 2 de Abril de 2023, processo n.º 54/22.9PEBRR-G.E1, ambos in www.dgsi.pt. 6. Sem prejuízo de futura arguição nos termos do art. 120º, n.º 3, al. c) do C.P.P. 7. Já que a rejeição parcial do recurso, acima decidida, respeita somente à declaração de nulidade das intercepções telefónicas referentes aos dias 20 a 23 de Janeiro de 2025, tal qual promovido pelo Ministério Público. 8. Nem sequer foram invocados - nos relatórios efectuados pelo OPC, pelo Ministério Público ou pelo Sr. Juiz de Instrução. 9. Tiago Caiado Milheiro, Comentário Judiciário do Processo Penal, Tomo II, p. 783. |