Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
236/22.3T8VFC-A.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
REVELIA ABSOLUTA
CITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – No âmbito do recurso extraordinário de revisão, tendo por base o fundamento inscrito na alínea e), do artº. 696º, do Cód. de Processo Civil, a procedência do pedido de revisão depende da verificação de uma situação ou estado de revelia absoluta, e que esta tenha resultado da falta ou da nulidade da citação ;
II - estando em causa uma alegada situação de falta ou nulidade de citação no processo onde foi proferida a sentença revidenda, a admissibilidade da revisão desta deve ter na sua génese aquela inexistência ou nulidade da citação, cujo conhecimento do recorrente/requerente não tenha decorrido há mais de 60 dias, e necessariamente dentro do prazo de 5 anos sobre o trânsito em julgado da mesma decisão revidenda ;
III – a consulta de processo, por parte de Advogado, ainda não constituído ou mandatado pela parte (através da outorga da competente procuração), a esta respeitante, no qual, alegadamente, ocorreu falta ou nulidade de citação, não determina que, pelo menos a partir de tal data, o Recorrente tenha tido conhecimento deste facto que serve de base ao recurso de revisão da decisão transitada em julgado, de forma a iniciar-se o cômputo do prazo de interposição previsto no artº. 697º, nº. 2, alín. c), do Cód. de Processo Civil, ainda que posteriormente o mesmo venha a ser constituído mandatário daquela parte passiva ;
IV – com efeito, tal simples consulta não configura um ato processual relevante, ou seja, não traduz intervenção processual da parte no processo, e nem dele se pode extrair a conclusão de que o réu tomou conhecimento do seu processado por forma a ficar em condições de assegurar o seu pleno e efetivo direito de defesa ;
V – assim, depreender-se de tal consulta, por parte de Advogado não formalmente mandatado, que o ora Requerente/Recorrente (ali Réu) ficou, desde logo, em plenas condições de conhecer todos os factos que servem de base ao pedido de revisão posteriormente apresentado, ou seja, aqueles em que sustenta a falta ou nulidade da sua citação para os termos do processo principal, é conclusão que logramos como abusiva e não legalmente sustentada.
Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte 1:

I – RELATÓRIO
1AA, veio interpor recurso extraordinário de revisão, nos termos do artº. 696º, alínea e), do Cód. de Processo Civil, da sentença de 28/12/2023, no âmbito do processo que correu termos sob o n.º 236/22.3T8TVC, Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo, Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, transitada em julgado no dia 07.02.2024, relativamente ao Recorrido BB, alegando, em súmula, o seguinte:
• Na segunda quinzena de setembro de 2024, o aqui mandatário do Autor pediu a consulta dos autos principais, que correram termos neste douto Tribunal, a que o presente Recurso vai apenso ;
• considera-se que a Parte intervém no processo quando se apresenta efetivamente no mesmo a praticar um qualquer ato judicial, não bastando que o mesmo tenha conhecimento de algum ato ou atos nele praticados ;
• assim, a simples consulta do processo por parte de advogado, mais tarde constituído mandatário do Autor, não configura um ato processual relevante, por dele não se poder concluir que o aqui Autor tomou conhecimento do seu processado por forma a ficar em condições de assegurar o seu efetivo direito de defesa ;
• pelo que o Autor apenas teve conhecimento que corria termos este processo contra si, na qualidade de Réu, quando foi informado pela sua irmã CC, na segunda quinzena de 2024 (em 26/10/2024), que teria de retirar os seus pertences depositados na moradia sita na Rua 1 ;
• no dia 28/12/2023, sob a referência 56323685, foi proferida sentença no âmbito do processo n.º 236/22.3T8VFC, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo ;
• compulsado o sistema de citius a sobredita sentença transitou em julgado em 07-02-2024 ;
• compulsado o iter processual, confirma-se que o Requerente nunca teve qualquer intervenção correndo o processo termos à sua total revelia ;
• efectivamente, no dia 07.07.2023, Sra. DD assinou o ato de citação pessoal do Requerente ;
• Compulsado tal documento de citação, constatamos os seguintes dizeres pelo punho da Agente de Execução: “o Réu AA encontra-se a residir nas Bermudas, porém deixou procuradora. Foi a senhora informada pelo que deverá entregar a citação à procuradora com a maior brevidade possível” ;
• Todavia, a senhora Agente de Execução limitou-se a entregar a um terceiro sem qualquer contacto direto ou pessoal com o Recorrente, na obrigação de que supostamente iria entregar a citação a uma suposta procuradora, sem se possa confirmar de antemão se a procuradora tinha poderes suficientes para assinar o ato de citação do Requerido ;
• Sabia a Agente de Execução que o Requerente não residia na Rua 1 DD, mas, ainda assim, voltou a remeter a comunicação do artigo 231.º e 233, ambos do CPC, para essa morada ;
• inexiste no caso concreto, qualquer resquício de segurança jurídica e cumprimento dos formalismos previstos da Lei, para que o ato de citação, que visa chamar um cidadão a juízo, pudesse cumprir com os pressupostos de um Estado de Direito Democrático, com vista a um processo justo e equitativo ;
• pois o Recorrente nunca teve conhecimento deste processo, não tem procuradora para assinar e receber qualquer correspondência em seu nome, nem muito menos atos de citação e notificações judiciais ;
• há mais de 8 anos que o Requerente não habita no prédio urbano sito na Rua 1 ;
• em junho de 2017, o Requerente emigrou para a Bermuda, facto que era do conhecimento do Autor da ação e proprietário do imóvel o Sr. BB, e do terceiro que assinou a citação e da Sra. Agente de Execução ;
• logo em 2017 ficou acordado, entre o Recorrente e BB proprietário do Imóvel, que o primeiro pagaria € 125,00 euros, para deixar em seus bens em depósito no imóvel podendo o mesmo arrendar a outra pessoa ;
• resulta, assim, ter ocorrido nulidade do processado por falta de citação ou, alternativamente, declaração de nulidade do processado por nulidade de citação ;
• o que configura fundamento do pedido de revisão, nos termos do art.º 696.º, al. e), do CPC, ou seja, a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando, tendo corrido a ação e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a sua citação ou é nula a citação feita, o que se verifica no caso concreto.
Conclui, no sentido do “presente recurso ser julgado procedente, por provado o pedido de (i) declaração de nulidade do processado por falta de citação ou alternativamente, (ii) declaração de nulidade do processado por nulidade de citação, nos termos do art.º 771.º, al. e), do CPC, revogando-se a decisão recorrida, com as consequências prevista no artigo 701.º, n.º 1, al. a) do CPC”.
2 – Em 22/01/2025, foi proferido o seguinte despacho:
Antes de mais, em face do alegado no artigo 71.º do requerimento de recurso e considerando o pedido de consulta dos autos do ilustre causídico que veio a ser constituído mandatário do ora recorrente, notifique o último para, no prazo de 10 (dez) dias, esclarecer a concreta data em que teve conhecimento do facto que serve de fundamento para o presente recurso”.
3 – Em 29/01/2025, o Ilustre Mandatário constituído pelo Autor veio, em resposta, referenciar o seguinte:
1. O aqui Advogado na qualidade de mandatário do Autor apenas teve conhecimento do facto que serve de fundamento para o presente recurso em Outubro de 2024.
2. Note-se que o simples pedido de consulta do processo por parte do aqui advogado, que mais tarde foi constituído mandatário do aqui Autor/Recorrente, não configura um ato processual relevante, por dele não se poder concluir que o Autor tomou conhecimento do seu processado por forma a ficar em condições de assegurar o seu efetivo direito de defesa previsto na Lei fundamental e assegurar o efectivo acesso a um due process of law.
3. Veja-se neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 04.03.2021, Relatora Juíza Desembargadora Maria da Conceição Sampaio, processo n.º 14492/19.0YIPRT disponível para consulta in www.dgsi.pt
4. O único acto judicial relevante praticado nos presente apenso foi a interposição do presente recurso e apenas “a junção da procuração a advogado constitui uma intervenção (acto judicial) relevante que faz pressupor o conhecimento do processo que a mesma permite, de modo a presumir-se que o réu tomou conhecimento da nulidade, prescindindo conscientemente da sua arguição” – Veja-se neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.11.2020, processo n.º 2087/17.8T8OAZ-A.P1.S1, Relator Juiz Conselheiro Raimundo Queirós, disponível para consulta in www.dgsi.pt
5. Termos em que prestados os devidos esclarecimentos ao douto Tribunal deverá o processo seguir os seus termos conforme peticionado”.
4 – Em 06/02/2025, foi proferido novo despacho com o seguinte teor:
“Insista, considerando que o pedido de esclarecimento do Tribunal respeitou à data em que o Recorrente teve conhecimento do facto que serve de base ao presente recurso e não ao conhecimento de tal facto pelo seu ilustre mandatário.
Prazo: 10 (dez) dias”.
5 – Em 18/02/2025, em resposta, veio o Autor/Requerente, informar o seguinte:
“AA, Autor nos autos à margem referenciados e neles melhor identificado, tendo sido notificada do despacho de fls., com a referência 587741005, vem informar que apenas teve conhecimento do facto que serve de fundamento para o presente recurso em 22 de Outubro de 2024”.
6 – Em 26/02/2025, foi proferido o seguinte despacho:
“Antes de mais, notifique o Recorrente para juntar aos autos, no prazo de 10 (dez) dias, procuração forense, se necessário com declaração de ratificação do processado, nos termos e para os efeitos do artigo 48.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Processo Civil”.
O que o mesmo veio concretizar, em 28/02/2025, juntando aos autos procuração com devida ratificação do processado.
7 – Em 21/03/2025, a Meritíssima Juíza a quo proferiu DECISÃO, constando da parte conclusiva/decisória o seguinte:
Ora, tendo o recurso de revisão sido interposto em 16/12/2024, torna-se evidente o esgotamento do referido prazo de 60 (sessenta) dias previsto no artigo 697.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo acrescido de eventual dilação nos termos do citado artigo 139.º, n.º 5, do mesmo diploma legal.
Assim, por intempestivo, não admito o recurso de revisão interposto por AA.
Custas pelo Recorrente.
Notifique”.
8 - Inconformado com o decidido, o Recorrente interpôs recurso de apelação, em 11/04/2025, por referência à decisão prolatada.
Apresentou, em conformidade, o Recorrente as seguintes CONCLUSÕES (corrigem-se os lapsos de redacção):
1. “O presente recurso é interposto da Sentença proferida, nestes autos, com a referência 59028249 que, “por intempestivo não admito o recurso de revisão interposto por AA” – itálico nosso.
2. A decisão em apreço, com todo o devido respeito, fez má aplicação do Direito como se demonstrará.
3. Entendeu o douto Tribunal recorrido que a consulta do processo do processo principal n.º 236/22.3T8VFC, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo, por parte de Advogado, a quem só mais tarde foi conferido mandato forense para representar o Recorrente no recurso de revisão de sentença, que segue termos por apenso aquele, traduz acto processual relevante, com efeito preclusivo da possibilidade de invocação da nulidade que resulte da falta de citação do Recorrente, para computo do dies a quo do conhecimento do facto que serve de base à revisão, no prazo de 60 (sessenta) dias.
4. Tal entendimento viola artigos 189º e 198º, nº 2, 696 al. e) e 697.º, n.º2, al. c), todos do CPC conjugado com n.º 4 do artigo 27.º da Portaria 280/2013, de 26-08.
5. Isto porque, o recurso de revisão pode ser interposto no prazo de 60 (sessenta) dias desde que o Recorrente tomou conhecimento do facto que serve de base à Revisão.
6. No dia 16/12/2024 o Recorrente sob a referência 6051080, apresentou o seu articulado de recurso de revisão da sentença proferida no processo n.º 236/22.3T8VFC, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo com fundamento que o processo ocorreu à sua total revelia, por falta absoluta de sua intervenção demonstrando, que faltou a sua citação ou que é nula a citação feita e, por fim, que não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável, , ancorado no artigo 696.º, al. e) do CPC, assando logo os vícios da falta e nulidade de citação.
7. Resulta provado nos autos que o Recorrente apenas teve conhecimento do facto que serve de base à revisão e da sentença, no dia 22 de Outubro de 2024, quando foi de tal facto informado pela sua irmã, que teria de retirar todos os seus pertences na moradia objecto do contrato de arrendamento, por o mesmo residir e trabalhar na Bermuda e todo o processo principal ter sido julgado à sua total revelia.
8. O Advogado quando solicitou a consulta ao processo principal, no formulário de submissão da peça processual, não se identificou como “mandatário do réu”, porque não tinha mandato ou sequer aceite o patrocínio.
9. Ora, se o Advogado ainda não tinha a relação jurídica de mandato, através do instrumento de procuração é errado considerar que seria este o momento do conhecimento do facto que serve de base à revisão para computar o prazo de 60 (sessenta dias) previsto no artigo 697.º, n.º2, al. c) do CPC por banda do Recorrente.
10. Nos termos do art. 189º e 198º, nº 2, do Código de Processo Civil, a nulidade (falta) da citação (nulidade principal) deve ser arguida com a primeira intervenção no processo, em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada.
11. Numa interpretação atualista da lei, atenta a tramitação eletrónica, não pode considerar-se que a mera consulta de processo por Advogado, a quem só mais tarde foi conferida procuração forense a mandatário judicial é suficiente para sanar aquela nulidade e pôr termo à revelia absoluta, constituindo intervenção processual que faz pressupor o conhecimento do processo, nos termos e para os efeitos do art. 189 do C.P.C., de forma a despoletar o prazo do artigo 697.º, n.º2, al.c) do CPC.
12. A simples consulta do processo por parte de advogado, mais tarde constituído mandatário do aqui Recorrente, não configura um ato processual relevante (sendo, ademais, discutível na jurisprudência que a simples junção de instrumento de mandato forense implique direta e necessariamente a preclusão de possibilidade de invocação da nulidade por falta de citação).
13. Com efeito, este ato de consulta não configura intervenção processual da parte no processo, e nem dele se pode extrair a conclusão de que o Recorrente tomou conhecimento do seu processado por forma a ficar em condições de assegurar o seu efetivo direito de defesa.
14. Aliás, o Ac. TRC de 24-04-2018, P. 608/10.6TBSRT-B.C1 (Isaías Pádua) afasta a possibilidade de considerar a junção de procuração como ato processual relevante para efeitos de sanação da nulidade derivada de falta de citação. Também o Ac. do TRE de 29-09-2022, P.4232/17.4T8ENT-A.E1 (Isabel de Matos Peixoto Imaginário).
15. O que significa que um advogado ainda não mandatado judicialmente, mas capaz para tanto, não poderia consultar o processo e a respectiva informação processual, sob pena de ficar de imediato vinculado a aceitar o patrocínio de eventual Cliente, para poder arguir a nulidade da citação, sob pena de intempestividade, no prazo de 60 (sessenta) dias do artigo 697, n.º 2, al. c) do CPC
16. O douto Tribunal a quo dá no «vazio do direito», sem argamassa factual ao confundir, o Advogado com simples consulta do processo, que nem sequer se apresentou, no formulário como “advogado do Réu”.
É o próprio Tribunal a quo que faz e reconhece esta destrinça, entre o Recorrente e o Advogado No dia 07.02.2025, sob a referência 58771005 o douto Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
Insista, considerando que o pedido de esclarecimento do Tribunal respeitou à data em que o Recorrente teve conhecimento do facto que serve de base ao presente recurso e não ao conhecimento de tal facto pelo seu ilustre mandatário” – itálico nosso.
17. Ora, se o Tribunal pretende saber a data de conhecimento por parte do Recorrente do facto que serve de base ao presente recurso e, não outrossim, do seu ilustre mandatário, como pode depois chegar à conclusão que: O ilustre causídico (e consequentemente, o Recorrente) no dia 11/10/2024 estava já na posse de todos os elementos factuais que servem de base a este recurso” – cfr. parágrafo segundo, página 4, da sentença-doc.1.
18. Estamos, pois, perante uma contradição ou oposição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão judicial, pois de acordo com um raciocínio lógico, o resultado é oposto ao que foi decidido, ou seja a decisão tomada justifica uma decisão precisamente oposta à tomada, sendo a sentença nula nos termos e para os efeitos do artigo 615.º, n.º1, al. c), primeira parte do CPC.
19. Por outro lado, mesmo que assim não se entenda, o que não se concede mas se admite, à cautela de patrocínio, temos também uma contradição entre a fundamentação de facto e as provas produzidas, pois da prova produzida resulta apenas a consulta como Advogado, aos autos, sem se identificar como “Advogado do Réu” que constituiu um erro de julgamento, um erro na decisão da matéria de facto por errónea apreciação da prova, que deveria chegar a conclusão diversa, i.e., que, “o Recorrente no dia 11/10/2024 não estava em condições de conhecer todos os factos que servem de base a este recurso de revisão, isto é, aqueles em que sustenta a nulidade da sua citação para os termos da acção principal” – e não que: “Recorrente no dia 11/10/2024 estava em condições de conhecer todos os factos que servem de base a este recurso de revisão, isto é, aqueles qem que sustenta a nulidade da sua citação para os termos da acção principal” – cfr. parágrafo sete da página 3, da sentença.
20. O iter seguido pelo douto Tribunal é mera «futurologia de regras de experiência comum» ao afirmar “não seria mera coincidência”, cfr. parágrafo terceiro, página 4, da sentença-doc.1.“saber que autos consultar”, cfr. parágrafo terceiro, página 4, da sentença-doc.1.
21. O Tribunal assim conheceu e deu por assente factos que não poderia ter tomado conhecimento, com a largueza e o subjectivismo expostos, que “não seria mera coincidência”, cfr. parágrafo terceiro, página 4, da sentença-doc.1, o Advogado “saber que autos consultar”, - não é admissível e atenta contra as balizas de racionalidade impostas pela ordem jurídica processual, fazer operar uma presunção a partir de uma “regra” excessiva, não verificada, não resultante da experiência comum, não é permitido pela lógica, pela razão, ao arrepio dos artigos 349º e 351º do Código Civil.
22. Estamos perante um erro notório na apreciação da prova respingando tal ilogicidade, na decisão de facto e/ou da respetiva motivação, por não existirem os factos instrumentais a partir dos quais o tribunal tenha extraído ilações em sede dos factos essenciais, nos termos dos artigos 349º do C. Civil e 607º, nº4 do Código de Processo Civil e decisão final proferida encerra em si mesma uma contradição, e está em oposição com a sua fundamentação de facto e de direito; situação subsumível à alínea c) do artigo 615.º, nº. 1 do Cpc, o que determina a nulidade que deve ser julgada provada e procedente anulando-se, a douta sentença recorrida que deverá substituída por outra que determine a admissibilidade do recurso de revisão.
23. Mesmo que assim não se entenda, o que não se concede, mas que se admite à cautela de patrocínio,
24. A sentença recorrida, erra nos pressupostos de facto e de direito, por violação dos artigos 132.º e 248º, nº 1 do CPC, conjugado com o artigo 29º, da Portaria nº10/2008, de 3/1, (actualizada pela Portaria n.º 654/2010 de 11 de Agosto) que procedeu à regulamentação da Lei nº34/2004, de 29/7 (Acesso ao Direito e aos Tribunais) e do artigo 13.º, al. a) da portaria 280/2013 de 26/8.
25. Ao invés do defendido pelo Tribunal a quo não se mostra provado que a consulta do processo pelo Advogado ocorreu em 02.10.2024, nem se provou qualquer outra data, presumindo-se a notificação efetuada ao Advogado em 07.10.2024 (cfr. artº 248º, nº 1 do CPC).
26. O prazo para consulta do processo n.º 236/22.3T8VFC, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo foi entre 07.10.2024 e até ao dia 17.10.2024 e foi nestas datas que o Advogado consultou o processo.
27. Neste sequência, o prazo processual de 60 (sessenta) dias para a interposição de recurso de revisão iniciou-se no dia 18.10.2024 e terminou a 17.12.2024 (cfr. artigo 138.º do CPC) e tendo o recurso de revisão sido interposto em 16.12.2024, torna-se evidente que não se esgotou o prazo de 60 (sessenta) dias, previsto no artigo 697.º, n.º2, al.c) do CPC, sem necessidade de acréscimo de eventual dilação nos termos do citado n.º 139.º, n.º 5 do CPC, devendo o recurso ser julgado procedente e, por via disso, ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que admita o recurso apresentado pelo Recorrente”.
Conclui, no sentido da procedência do recurso, devendo a decisão ser revogada e substituída por outra que “admita o recurso de revisão apresentado (….), por tempestivo (….)”.
9 – O Recorrido não apresentou contra-alegações.
10 – O recurso foi admitido por despacho datado de 11/06/2025, como apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo.
11 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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IIÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pelo Recorrente/Requerente, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede consubstancia-se, fundamentalmente, em apreciar se, perante a factualidade aduzida nos autos, poderá concluir-se pela ocorrência de efectiva e concreta caducidade relativamente ao prazo de 60 dias para a interposição do presente recurso de revisão (conforme entendimento da decisão apelada), ou se, ao invés, tal prazo de caducidade do exercício do direito não se encontrava ainda esgotado à data da apresentação do mesmo recurso de revisão (conforme defendido pelo Apelante/Requerente) – cf., artigos 696º, alín. e) e 697º, nº. 2, alín. c), ambos do Cód. de Processo Civil.
O que, neste desiderato, na consideração do balizamento efectuado pelo objecto recursório, impõe a aferição e consideração dos seguintes pontos:
A. Da NULIDADE da decisão, por contradição ou oposição entre os fundamentos de facto e de direito, e a decisão prolatada – o artº. 615º, nº. 1, alín. c), do Cód. de Processo Civil – Conclusões 17 a 22 ;
B. Da circunstância da simples consulta do processo, por advogado, a quem posteriormente o Recorrente conferiu mandato, não poder ser considerado ACTO PROCESSUALMENTE RELEVANTE para dar início à contagem do prazo de 60 dias para interposição do recurso de revisão, a computar desde que o Recorrente “teve conhecimento do facto que serve de base à revisão” – o artº. 697º, nº. 2, alín. c), do Cód. de Processo Civil - Conclusões 3 a 16 ;
caso assim não se entenda
C. Do cômputo do prazo processual para consulta do processo por parte do Advogado e da tempestividade na interposição do recurso de revisão - Conclusões 23 a 27.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto a ponderar é a que decorre do iter procedimental supra exposto, sendo certo que a decisão apelada não fez concreta especificação da factualidade ponderável.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
- Da NULIDADE da decisão, por contradição ou oposição entre os fundamentos de facto e de direito, e a decisão prolatada – o artº. 615º, nº. 1, alín. c), do Cód. de Processo Civil
Referencia o Recorrente que se o Tribunal a quo pretendeu saber a data de conhecimento por parte do Recorrente do facto que serve de base ao presente recurso e, não outrossim, do seu Ilustre Mandatário, não pode posteriormente justificar e fundar a decisão no conhecimento por este alegadamente obtido.
Entende, assim, existir “uma contradição ou oposição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão judicial, pois de acordo com um raciocínio lógico, o resultado é oposto ao que foi decidido, ou seja a decisão tomada justifica uma decisão precisamente oposta à tomada, sendo a sentença nula nos termos e para os efeitos do artigo 615.º, n.º1, al. c), primeira parte do CPC”.
Acrescenta que, ainda que assim não se entenda, existe também “uma contradição entre a fundamentação de facto e as provas produzidas, pois da prova produzida resulta apenas a consulta como Advogado, aos autos, sem se identificar como “Advogado do Réu” que constituiu um erro de julgamento, um erro na decisão da matéria de facto por errónea apreciação da prova, que deveria chegar a conclusão diversa, i.e., que, “o Recorrente no dia 11/10/2024 não estava em condições de conhecer todos os factos que servem de base a este recurso de revisão, isto é, aqueles em que sustenta a nulidade da sua citação para os termos da acção principal” – e não que: “Recorrente no dia 11/10/2024 estava em condições de conhecer todos os factos que servem de base a este recurso de revisão, isto é, aqueles qem que sustenta a nulidade da sua citação para os termos da acção principal” – cfr. parágrafo sete da página 3, da sentença”.
Considera, deste modo, estarmos perante a adopção pelo Tribunal a quo de “mera «futurologia de regras de experiência comum» ao afirmar “não seria mera coincidência”, cfr. parágrafo terceiro, página 4, da sentença-doc.1.“saber que autos consultar”, cfr. parágrafo terceiro, página 4, da sentença-doc.1”.
Ou seja, existe subjectivismo naquela factualidade dada como assente, não sendo, assim, admissível, e atentar contra as regras de racionalidade impostas pela ordem jurídico-processual, “fazer operar uma presunção a partir de uma “regra” excessiva, não verificada, não resultante da experiência comum, não é permitido pela lógica, pela razão, ao arrepio dos artigos 349º e 351º do Código Civil”.
Pelo que, conclui, a decisão proferida encerra, em si mesma, uma contradição, e está em oposição com a sua fundamentação de facto e de direito, o que, sendo subsumível à alínea c), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil, determina a nulidade da decisão proferida.
Apreciando:
No âmbito das causas de nulidade da sentença, prescreve a alínea c), do nº. 1, do artº. 615º, ser “nula a sentença quando:
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
No regime jurídico das nulidades dos actos decisórios releva “a divergência entre o que é objectivamente praticado ou declarado pelo juiz, e o que a lei determina ou o que resultou demonstrado da produção de prova”. Estamos no campo do error in procedendo, que se traduz “na violação de uma disposição reguladora da forma (em sentido amplo) do ato processual: o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto. Aqui não se discute se a questão foi bem julgada, refletindo a decisão este julgamento acertado – por exemplo, é irrelevante que a sentença (à qual falte a fundamentação) reconheça a cada parte o que lhe pertence (suum cuique tribuere)2 3.
Assim, nas situações ou manifestações mais graves, o error in procedendo fere o acto de nulidade, estando-se perante vícios do acto processual formais, pois os “vícios substanciais, como por ex., os cometidos na apreciação da matéria de fundo, ou na tramitação do processo, são objecto de recurso, não se inserindo na previsão normativa das nulidades4.
A diferenciação ocorre, assim, por referência ao error in judicando, que “é um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada.
A decisão (ato decisório) que exteriorize um error in judicando não é, com este fundamento, inválida. O meio adequado à sua impugnação é o recurso, sendo o objecto deste o julgamento em que assenta a pronúncia. Confirmando-se o julgamento, a decisão é mantida; no caso oposto, é, por consequência, cassada, ou revogada e substituída – dependendo do sistema de recursos vigente5.
As nulidades de sentença – cf., artigos 615º e 666º -, integrando, juntamente com as nulidades de processo – artigos 186º a 202º -, “o género das nulidades judiciais ou adjectivas”, distinguem-se, entre si, “porquanto, às primeiras, subjazem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um ato proibido, quer por se omitir uma ato prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido, enquanto que as segundas se traduzem na violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”.
Relativamente à presente causa de nulidade – equacionada na transcrita alínea c) -, referencia Ferreira de Almeida 6 tratar-se na mesma de “uma «construção viciosa», ou seja, de um vício lógico da sentença: o juiz elegeu deliberadamente determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio para extrair uma dada conclusão ; só que esses fundamentos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto a esse, isto é, existe contradição entre os fundamentos e a decisão (por ex., toda a lógica fundamentadora da sentença apontaria para a condenação do réu no pagamento da dívida reclamada pelo autor, mas o juiz, na sentença, decreta, de modo contraditório, a absolvição do réu do pedido). Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendida – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real. O que não se confunde, também, com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção da hipótese concreta na correspondente fattispecie ou previsão normativa abstracta, vício este só sindicável em sede de recurso jurisdicional”.
Por outro lado, acrescenta, a sentença padece de ambiguidadequando alguma das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão”, sendo que este fundamento de nulidade da 2ª parte da alínea c) apenas ocorre “se tais vícios tornarem a «decisão ininteligível» ou incompreensível”.
Na presente causa de nulidade da sentença não está em equação “um problema de viciação da pronúncia de facto”, mas antes “uma contradição entre o segmento decisório final e a fundamentação – podendo esta ser, incluindo a decisão de facto, intrinsecamente coerente.
A fonte do vício (obscuridade ou ambiguidade) situa-se na fundamentação, na sua ambiguidade ou na sua obscuridade, vindo depois a contaminar a decisão, tornando-a ininteligível. A fundamentação assume aqui o papel de elemento de interpretação extrínseco (hoc sensu), auxiliando o destinatário na interpretação da decisão, dela se extraindo que não é seguro que a decisão tenha o sentido unívoco que aparentava ter, sendo, sim, ininteligível”.
Pelo que “o elemento viciador em causa tanto pode situar-se nos fundamentos, como no segmento decisório da sentença”, sendo que o “vício oriundo da fundamentação só é relevante quando comprometa inquestionavelmente a decisão: a ambiguidade ou obscuridade pontual da fundamentação são irrelevantes, neste contexto, quando não provoquem a ininteligibilidade da decisão7.
Vejamos.
A primeira situação enunciada como traduzindo a nulidade sob apreciação não é, claramente, susceptível de consubstanciá-la.
Com efeito, a situação putativamente tradutora da reivindicada nulidade reporta-se não ao teor da própria decisão, considerada por si só, mas antes ao iter percorrido pelo Tribunal a quo, que culminou na sua prolação. Ou seja, a alegada contradição refere-se a despacho prévio proferido, no qual se pretendia aferir, de forma expressa, quando é que o próprio Autor/Recorrente havia tido conhecimento do facto que serve de base à intentada revisão, em contraposição com a decisão final proferida (ora sob apelo), na qual se valorou um aludido conhecimento desse facto por parte do mesmo Autor/Recorrente, mas decorrente do conhecimento desse mesmo facto por parte de Advogado a quem o mesmo, posteriormente, veio a conferir mandato judicial.
Ora, a mácula em equação não se reporta ao iter processual decorrido ou tramitado, e a eventuais antinomias ou contradições daí decorrentes, mas antes ao teor intrínseco da própria decisão, nomeadamente ao caminho fundamentante percorrido.
E, este, não se evidencia contraditório, nomeadamente entre o lastro factual ponderado e o teor do resultado jurídico obtido.
Relativamente á segunda situação referenciada, de alegada contradição entre a fundamentação de facto e putativas provas produzidas, na qual se teria feito operar uma presunção a partir de uma regra excessiva, a verificar-se, mais não traduz do que concreto erro de julgamento ou de direito, por incorrecto enquadramento jurídico do quadro factual dado como assente, ou fixação deste de modo inquinado e não conforme às regras jurídicas.
E, com evidência, não qualquer mácula da decisão prolatada por contradição entre os fundamentos e a decisão, ou evidência de obscuridade ou ambiguidade, capazes de traduzirem ininteligibilidade do decidido.
Assim, não se comprova a aludida oposição ou contradição entre os fundamentos e o teor do decidido, ou seja, que exista uma construção viciosa ou um vício lógico de raciocínio, capaz de inquinar a decisão sob apelo, antes se constatando (independentemente da assertividade e acerto decisórios) reflexos e adequação de raciocínio no teor do posteriormente decidido, sem que se vislumbre qualquer distonia ou contradição, ou que de alguma forma o dispositivo decisório se revele ininteligível, decorrente da natureza ambígua, obscura, inconsequente ou enovoada do decidido, de forma a maculá-la com o apontado vício.
Donde, conclui-se pelo não reconhecimento do vício em equação, o que determina, nesta vertente, improcedência das enunciadas conclusões recursórias.
- Do aludido decurso do prazo para a interposição do recurso extraordinário de revisão – o artº. 697º, nº. 2, alín. c), do Cód. de Processo Civil
Referencia o Apelante que o Advogado, quando solicitou a consulta do processo principal, não se identificou como seu mandatário, pois não tinha ainda mandato e não tinha ainda sequer aceite o patrocínio.
Assim, se o mesmo Advogado não tinha ainda a relação jurídica de mandato, através da outorga da competente procuração, é errado considerar ser este o momento do conhecimento do facto que serve de base à revisão, para computar o prazo de 60 dias, previsto no artº. 697º, nº. 2, alín. c), do Cód. de Processo Civil.
Com efeito, aduz, procedendo-se a uma interpretação actualista da lei, atenta a tramitação electrónica presentemente ocorrida, “não pode considerar-se que a mera consulta de processo por Advogado, a quem só mais tarde foi conferida procuração forense a mandatário judicial é suficiente para sanar aquela nulidade e pôr termo à revelia absoluta, constituindo intervenção processual que faz pressupor o conhecimento do processo, nos termos e para os efeitos do art. 189 do C.P.C., de forma a despoletar o prazo do artigo 697.º, n.º2, al.c) do CPC”.
Ou seja, a simples consulta de um processo por parte de advogado, “mais tarde constituído mandatário do aqui Recorrente, não configura um ato processual relevante (sendo, ademais, discutível na jurisprudência que a simples junção de instrumento de mandato forense implique direta e necessariamente a preclusão de possibilidade de invocação da nulidade por falta de citação)”, pois este acto de consulta “não configura intervenção processual da parte no processo, e nem dele se pode extrair a conclusão de que o Recorrente tomou conhecimento do seu processado por forma a ficar em condições de assegurar o seu efetivo direito de defesa”.
Desta forma, caso assim não se entendesse, então “um advogado ainda não mandatado judicialmente, mas capaz para tanto, não poderia consultar o processo e a respectiva informação processual, sob pena de ficar de imediato vinculado a aceitar o patrocínio de eventual Cliente, para poder arguir a nulidade da citação, sob pena de intempestividade, no prazo de 60 (sessenta) dias do artigo 697, n.º 2, al. c) do CPC”.
A decisão liminar de não admissão do interposto recurso extraordinário de revisão, sustentou-se, em súmula, no seguinte:
- o fundamento do recurso extraordinário de revisão, enunciado no artº. 696º, alínea e) i), do Cód. de Processo Civil, respeita à ocorrência de irregularidades processuais que culminaram com a postergação da possibilidade de o Réu exercer o contraditório e demais meios de defesa ;
- urge, todavia, articular os imperativos de justiça que presidem ao recurso de revisão, com as exigências de segurança e certeza jurídicas subjacentes ao instituto do caso julgado ;
- assim, para tornar operatória tal articulação, com ressalva dos direitos de personalidade, a lei prevê prazos para a interposição de recurso de revisão, enunciados no nº. 2, do artº. 697º, do Cód. de Processo Civil ;
- in casu, o Recorrente invoca a nulidade da sua citação para os termos da acção dos autos principais ;
- ora, a interposição do presente recurso de revisão está sujeito a dois prazos:
a. Prazo máximo de 5 anos sobre a data do trânsito em julgado da decisão revidenda ;
e, sem prejuízo deste prazo
b. O prazo de 60 (sessenta) dias a contar da data do conhecimento, por parte do Recorrente, do facto que serve de base à revisão ;
- ou seja, e in casu, da ocorrência da invocada nulidade de citação do Réu para a acção ;
- tais prazos configuram-se como de interposição de recurso, possuindo natureza processual ;
- donde, o seu esgotamento constitui fundamento de rejeição do recurso, nos termos do artº. 641º, nº. 2, alín. a), do CPC (disposição geral do regime dos recursos) ;
- o recurso de revisão foi interposto em 16/12/2024 ;
- pelo Advogado que solicitou (e a quem foi concedida) a consulta dos autos principais (a execução) e a quem somente em 28/02/2025 o Recorrente outorgou procuração forense ;
- o mesmo Advogado teve acesso electrónico ao processo por 10 dias (contados de 02/10/2024 até 11/10/2024) ;
- ou seja, durante este período (até ao dia 11/10/2024), o Recorrente estava em condições de conhecer todos os factos que servem de base a este recurso de revisão (ou seja, aqueles em que sustenta a nulidade da sua citação para os termos do processo principal) ;
- tal circunstância não assenta em considerar-se que uma mera consulta pode configurar-se como uma intervenção processual ;
- antes se tratando aferir em que data o Recorrente conheceu (ou estava em condições de conhecer) os factos que servem de fundamento ao presente recurso ;
- assim, o Advogado (e, consequentemente, o Recorrente), no dia 11/10/2024, estava já na posse de todos os elementos factuais que servem de base a este recurso ;
- pelo que, não corresponde á verdade o alegado pelo Recorrente, na petição inicial, de que somente em 26/10/2024 tomou conhecimento do processo, pois, como poderia o Advogado saber, logo em 01/10/2024, que autos consultar ?
- não releva, ainda, a circunstância de só na pendência do recurso o Ilustre Advogado do Recorrente ter sido constituído mandatário ;
- com efeito, a consulta dos autos principais por causídico posteriormente investido de procuração forense pelo Recorrente não será mera coincidência ;
- deste modo, o prazo processual de 60 dias, para interposição do recurso de revisão, iniciou-se no dia 12/10/2024, e terminou em 10/12/2024 ;
- nos termos do nº. 5, do artº. 139º, do Cód. de Processo Civil, o acto ainda poderia ser praticado até ao dia 13/12/2024 (pagando-se a multa correspondente) ;
- donde, tendo sido interposto o recurso de revisão em 16/12/2024, já se encontrava totalmente esgotado o enunciado prazo de 60 dias ;
- pelo que, por intempestivo, não se admite o recurso de revisão.
A questão nuclear a que urge dar resposta, traduz-se, assim, no seguinte:
Tendo um Advogado, ainda não constituído formalmente pela parte (através da outorga da competente procuração), consultado processo a esta respeitante, no qual, alegadamente, ocorreu falta ou nulidade de citação, poderá considerar-se que, pelo menos a partir de tal data, teve o Recorrente conhecimento deste facto que serve de base ao recurso de revisão da decisão transitada em julgado, de forma a iniciar-se o cômputo do prazo de interposição previsto no artº. 697º, nº. 2, alín. c), do Cód. de Processo Civil ?
Analisemos.
A factualidade equacionada, traduz-se, basicamente, no seguinte:
- o Sr. Advogado EE, por requerimento apresentado em 01/10/2024, solicitou, nos quadros do artº. 27º, nº. 4, da Portaria nº. 280/2013, de 26/08, a disponibilização dos autos principais 236/22.3T8VFC (e eventuais apensos), para consulta, pelo período de 10 dias, para consulta na sua área reservada no sistema informático de suporte à actividade dos tribunais ;
- no dia 02/10/2024, foi expedida notificação ao Sr Advogado, comunicando-lhe o deferimento do acesso requerido, pelo período de 10 dias a contar da notificação, para consulta na referida área reservada ;
- o recurso de revisão foi interposto em 16/12/2024, em nome do Recorrente, pelo mesmo Advogado que havia procedido à consulta dos autos ;
- em 26/02/2025, foi prolatado despacho a determinar a notificação do Recorrente, para, no prazo de 10 dias, juntar procuração forense, se necessário com a devida declaração de ratificação do processado, nos termos e para os efeitos do disposto no artº. 48º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil ;
- o que o Recorrente veio concretizar, em 28/02/2025, juntando aos autos procuração, outorgada na mesma data, com devida ratificação do processado ;
- no requerimento inicial de recurso apresentado, o ali Recorrente (e ora Apelante) referenciou ter tido conhecimento do processo no dia 26/10/2024 ;
- notificado o mesmo Recorrente (e ora Apelante) para esclarecer em que data teve conhecimento do facto que serve de base ao presente recurso, veio informar, em 18/02/2025, “que apenas teve conhecimento do facto que serve de fundamento para o presente recurso em 22 de Outubro de 2024”.
Estatuindo acerca da publicidade do processo, prescreve o nº. 2, do artº. 163º, do Cód. de Processo Civil, que “a publicidade do processo implica o direito de exame e consulta do processo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, e na secretaria, bem como o de obtenção de cópias ou certidões de quaisquer peças nele incorporadas, pelas partes, por qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial ou por quem nisso revele interesse atendível”.
Prevendo acerca da consulta de processos por advogados e solicitadores, aduz o nº. 4, do artº. 27º, da Portaria nº. 280/2013, de 26/08, que “a consulta por advogados, advogados estagiários e solicitadores de processos nos quais não exerçam o mandato judicial, quando admitida por lei, é solicitada à respetiva secretaria através do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, que disponibiliza o processo por um período de 10 dias para consulta na área reservada do mandatário naquele sistema”.
Como um dos fundamentos do recurso extraordinário de revisão, estatui a alínea e), do artº. 696º, do Cód. de Processo Civil que “a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:
i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita;
ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;
iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior” 8.
Deste modo, através do presente fundamento, a procedência do pedido de revisão depende da verificação de uma situação ou estado de revelia absoluta, e que esta tenha resultado da falta ou da nulidade da citação.
Prevendo acerca do prazo para a interposição, aduz o nº. 2, do artº. 697º, do mesmo diploma, que:
o recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade, e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados:
a) No caso da alínea a) do artigo 696.º, do trânsito em julgado da sentença em que se funda a revisão;
b) No caso das alíneas f) e h) do artigo 696.º, desde que a decisão em que se funda a revisão se tornou definitiva ou transitou em julgado;
c) Nos outros casos, desde que o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão”.
Referencia Abrantes Geraldes 9 que relativamente aos prazos de interposição, “há que ponderar, em primeiro lugar, que não podem exceder 5 anos depois do trânsito em julgado da decisão revidenda, a não ser que o pedido de revisão respeite a direitos de personalidade.
Por sua vez, “dentro desse prazo, funciona um outro, bem mais curto, de 60 dias, cujo início depende do fundamento da revisão”, sendo que na situação de “falta ou nulidade da citação (al. e)), o prazo conta-se a partir do conhecimento de algum desses factos”.
Decorre, assim, do exposto que “a caducidade do direito potestativo de revisão apenas é impedida com a propositura da acção”, sendo certo estarmos perante “caducidade de conhecimento oficioso, o que decorre, por um lado, da natureza indisponível do direito que se pretende exercitar e, por outro, do facto de o art. 699º, nº. 1, determinar a aplicação do art. 641º, nº. 1, que incumbe ao juiz apreciar a oportunidade do requerimento de interposição do recurso10.
Temos, assim, que estando em causa uma alegada situação de falta ou nulidade de citação no processo onde foi proferida a sentença revidenda, a admissibilidade da revisão desta deve ter na sua génese aquela inexistência ou nulidade da citação, cujo conhecimento do recorrente/requerente não tenha decorrido há mais de 60 dias 11 12, e necessariamente dentro do prazo de 5 anos sobre o trânsito em julgado da mesma decisão revidenda.
Conforme enunciámos, entendeu a decisão apelada que a consulta dos autos efectuada por Advogado que, posteriormente, veio a ser constituído por parte processual nos autos consultados, implicou que esta conheceu, ou estava em condições de conhecer, a partir da data de tal consulta, os factos susceptíveis de servirem de base ou fundamento ao recurso extraordinário de revisão, isto é, in casu, a falta ou nulidade da sua citação para os termos do processo principal.
Com excepção de menção infra indicada, a presente questão ainda não mereceu tratamento jurisprudencial por parte dos Tribunais Superiores, sendo controversa questão paralela ou atinente, consubstanciada em saber quando ocorre intervenção processualmente relevante do réu no processo, para efeitos de arguição da sua falta de citação, sob pena de sanação da nulidade daí adveniente – cf., o artº. 189º, do Cód. de Processo Civil.
Assim, e exemplificativamente, referenciou-se no douto Acórdão da RG de 29/09/2022 – Relatora: Isabel de Matos Peixoto Imaginário, Processo nº. 4232/17.4T8ENT-A.E1, in www.dgsi.pt -, dando notícia das duas posições em confronto, que “relativamente à intervenção no processo que seja relevante para efeitos de arguição da falta da citação (cfr. artigo 189.º do CPC), avança Rodrigues Bastos[4] que a aludida intervenção há de reportar-se à prática de ato suscetível de por termo à revelia do réu, esclarecendo que a intervenção do réu (ou do Ministério Público) preenche as finalidades da citação, desde que ele não se mostre, desde logo, interessado em arguir essa omissão. Nas palavras de Lebre de Freitas[5], «ao intervir no processo o réu ou o Ministério Público tem, ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que, optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir iuris et de jure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se.»
Em sede de jurisprudência, era dominante o entendimento segundo o qual, estando o mandatário judicial munido de procuração e sabendo da pendência do processo, estava em condições de a ele aceder junto do tribunal onde o mesmo pendia, podendo e devendo arguir a falta da sua citação aquando da junção aos autos da procuração forense, sob pena de se considerar sanada tal nulidade.[6] Entendendo-se por intervenção no processo a prática de ato suscetível de pôr termo a revelia do réu, o que se verifica até com a constituição de advogado, (…) a junção da procuração a advogado constitui uma intervenção (ato judicial) relevante que faz pressupor o conhecimento do processo, de modo a presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.[7]
No polo oposto, sufraga-se que, dada a gravidade da cominação imposta no normativo, a intervenção pressupõe uma atuação ativa no processo do MP ou réu (neste caso do executado), através da prática ou intervenção em ato judicial, que lhe permita tomar pleno conhecimento de todo o processado ou, pelo menos, que faça presumir esse efetivo conhecimento. Logo, a simples junção autos de uma procuração forense não configura qualquer intervenção processual da sua parte no processo, e nem dela se pode extrair (à falta de mais elementos) a conclusão de que a mesma tomou conhecimento do seu processado por forma a ficar em condições de assegurar o seu efetivo direito de defesa”.
A estas duas posições, acrescenta-se, urge, ainda, considerar um tertium genus, aplicável às acções apenas tramitadas electronicamente, designadamente as acções executivas sujeitas á disciplina da Portaria nº. 280/2013, de 26/08, relativamente às quais “afigura-se imperioso fazer uma interpretação atualista do regime inserto no artigo 189.º do CPC relativamente aos efeitos decorrentes da apresentação de uma procuração forense, de modo a compatibilizá-los com o direito constitucional do acesso ao direito. Tal entendimento foi sufragado no Acórdão deste Tribunal de 03/11/2016[9], vindo a merecer acolhimento nos Acórdãos do TRL de 06/07/2017[10] e do TRP de 09/01/2020[11], entre outros.
Seguindo, então, de perto a jurisprudência do citado acórdão, cabe salientar que o acesso ao sistema informático de suporte à atividade dos tribunais para efeitos de consulta de processos requer o prévio registo dos advogados e solicitadores, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º da referida portaria – cfr. artigo 27.º. Dado que não corre processo físico, em papel, o acesso à tramitação eletrónica implica a junção de uma procuração; ato que, nessa medida, constitui pressuposto de qualquer intervenção no processo. Donde, só uma interpretação atualista (a processar no âmbito do regime inserto no artigo 9.º do CC[12]) quanto aos efeitos relacionados com a apresentação de uma procuração forense será apta a evitar que a simples junção do documento alusivo ao mandato forense implique direta e necessariamente a preclusão de possibilidade de invocar a nulidade por falta de citação. Donde, no âmbito da Tramitação Eletrónica dos Processos Judiciais decorrente da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, não é legítima a conclusão que a apresentação de uma procuração, que é condição de acesso ao sistema eletrónico e constitui pressuposto de qualquer atuação processual subsequente, implica a sanação de eventual falta de citação de uma das partes, precludindo a possibilidade de suscitar a falta de citação. Por via do que não se acolhe a posição de que, nos processos tramitados eletronicamente, a arguição da falta de citação tem de se processar aquando da junção da procuração ao processo.
No entanto, a partir do momento em que o mandatário apresenta procuração da parte no processo, passa ele a ter acesso aos respetivos termos, o que lhe permite tomar conhecimento dos atos que o processo comporta. Usando da normal e devida diligência, resulta adstrito a inteirar-se do processado para gizar o modo adequado a prosseguir a defesa dos interesses do seu constituinte.
Decorre do exposto que arguir logo a falta de citação (cfr. artigo 189.º do CPC) não significa em simultâneo à junção da procuração. Mas terá de ser arguida dentro de pouco tempo, sem demora.[13] Esse tempo há de ser apto e adequado a permitir a consulta do processo e a definição do modo de atuação processual que serve os interesses da parte representada. O que nos conduz ao prazo de 10 dias decorrente da regra geral consagrada no artigo 149.º, n.º 1, do Código de Processo Civil”.
Resulta do exposto que, relativamente a tal controvérsia, com alguma conexão com a concretamente equacionada nos presentes autos, vêm-se definindo jurisprudencialmente duas posições divergentes:
- numa delas, defende-se que o conceito de intervenção no processo, enunciado no artº. 189º, do Cód. de Processo Civil, para efeitos de sanação da nulidade decorrente da falta de citação, deve ser interpretado no sentido de exigir ou pressupor uma actuação activa no processo, da parte demandada, através da intervenção em acto de natureza judicial, que lhe confira ou permita tomar pleno conhecimento de todo o processado ou, pelo menos, donde decorra poder presumir-se esse efectivo conhecimento. Donde, a simples junção aos autos de uma procuração forense por parte de tal parte passiva ou demandada, não é susceptível de traduzir, por si só, esse conceito de intervenção no processo – neste sentido, e exemplificativamente, o douto aresto da RP de 07/04/2022, Relatora: Isabel Silva, Processo nº. 789/12.4TBAMT-A.P1, in www.dgsi.pt, no qual se sumariou que “a junção de procuração outorgada a Advogado não implica, de forma automática, que possa ser considerada intervenção relevante para efeitos do art.º 189º do CPC, havendo que ponderar qual o sentido e/ou objetivo com que foi junta a procuração e as circunstâncias em concreto” , e o douto Acórdão da RC de 24/04/2018, Relator: Isaías Pádua, Processo nº. 608/10.6TBSRT-B.C1, in www.dgsi.pt, no qual se sumariou que “o conceito de intervenção do processo, de que de fala o artº. 189º do CPC para efeitos de sanação de nulidade decorrente da falta de citação, deve ser interpretado no sentido de pressupor uma atuação ativa no processo da parte demandada através da prática ou intervenção em acto judicial, que lhe permitam tomar pleno conhecimento de todo o processado ou, pelo menos, que façam presumir esse efetivo conhecimento”, pelo que “a simples junção autos de uma procuração forense pela parte demandada não se integra, só por si, nesse conceito de intervenção no processo;
- na demais posição, entende-se que a mera junção aos autos de uma procuração outorgada pela parte demandada ou accionada, constitui um acto com relevância processual a implicar o conhecimento de todos os elementos relevantes da lide e permitir o adequado e integral exercício do direito de defesa.
Podendo-se, ainda, enunciar uma terceira posição ou via, aplicável às acções apenas tramitadas electronicamente, no sentido de ser exigível uma interpretação actualista do enunciado artº. 189º, do Cód. de Processo Civil, face à tramitação electrónica do processo.
Assim, e resultando da Portaria nº. 280/2013, de 26/08, ser a junção de procuração condição de acesso ao processo electrónico, a expressão “logo” feita constar naquele normativo não pode ser entendida em simultaneidade com tal junção, antes se devendo reconhecer a concessão de um prazo para a arguição da nulidade da falta de citação. Relativamente ao quantum deste prazo, de acordo com o aresto já citado, entende-se ser aplicável o prazo supletivo de 10 dias, havendo ainda quem defenda dever ser aplicável o prazo que tiver sido indicado para a contestação, por apelo ao prescrito no artº. 191º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil – cf., o douto Acórdão do STJ de 24/11/2020, Relator: Raimundo Queirós, Processo nº. 2087/17.8T8OAZ-A.P1.S1, in www.dgsi.pt.
Todavia, in casu, a situação assume contornos diferenciados, pois, a junção de procuração, por parte do demandado nos autos principais (e ora Recorrente e Apelante), só é efectuada mesmo após a interposição do presente recurso extraordinário de revisão (apenas em 28/02/2025, quando expressamente notificado para o efeito, tendo sido o recurso intentado em 16/12/2024), pois anteriormente o que ocorreu foi mera consulta electrónica dos autos por parte de Advogado que, apenas posteriormente, veio a ser formalmente constituído por parte do mesmo demandado.
A propósito desta concreta situação, defendeu-se no douto aresto da RG de 04/03/2021 – Relatora: Maria da Conceição Sampaio, Processo nº. 14492/19.0YIPRT, in www.dgsi.pt – que “a simples consulta do processo por parte de advogado, mais tarde constituído mandatário do réu, não configura um ato processual relevante (sendo, ademais, discutível na jurisprudência que a simples junção de instrumento de mandato forense implique direta e necessariamente a preclusão de possibilidade de invocação da nulidade por falta de citação). Com efeito, este ato de consulta não configura intervenção processual da parte no processo, e nem dele se pode extrair a conclusão de que o réu tomou conhecimento do seu processado por forma a ficar em condições de assegurar o seu efetivo direito de defesa (sublinhado nosso).
Ora, ponderando o caso concreto, consideramos que o presente entendimento é de sufragar plenamente.
Com efeito, quando o Sr. Advogado, na primeira quinzena de Outubro de 2024, procede á consulta electrónica dos autos principais, o que lhe foi deferido, nos termos legais, apesar de não exercer o mandato judicial naqueles autos, inexiste qualquer notícia ou prova que já o fizesse por conta de mandato judicial que já lhe houvesse sido conferido pelo ali Réu (e ora Recorrente Apelante), de forma a poder (e dever) concluir-se pelo efectivo conhecimento deste do facto que serve de base ao recurso de revisão, ou seja, que teria existido nulidade processual principal por falta ou nulidade da sua citação.
Pode, certamente, conjecturar-se que tal consulta teria tido uma intencionalidade ou objectivo determinados, e que teria sido eventualmente impulsionada pelo ali Réu, em termos ainda desconhecidos nos autos, pois, não é credível que a mesma tenha ocorrido por mero acaso.
Todavia, depreender-se de tal consulta que o ora Requerente/Recorrente (ali Réu e ora também Apelante) ficou, desde logo, em plenas condições de conhecer todos os factos que servem de base ao pedido de revisão posteriormente apresentado, ou seja, aqueles em que sustenta a falta ou nulidade da sua citação para os termos do processo principal, é conclusão que logramos como abusiva e não sustentada, fundada num salto de raciocínio assaz temerário.
Aliás, a entender-se assim, qualquer Advogado que agisse de forma semelhante, logo vincularia um putativo (e eventual) mandante superveniente ao início do prazo de caducidade para interposição do recurso extraordinário de revisão, a impor que este tivesse que ser eventualmente interposto, de forma cautelar, por um outro Advogado que viesse a ser formalmente constituído como mandatário judicial ……..
Pelo exposto, resta a versão aduzida pelo Requerente/Recorrente no requerimento inicial de propositura do recurso extraordinário de revisão, ou seja, que o conhecimento da sua falta ou nulidade de citação – enquanto facto que serve de base à revisão – ocorreu em 26/10/2024 (versão do articulado inicial) ou em 22/10/2024 (versão aduzida no requerimento avulso de resposta de 18/02/2025), que, por ora, se configura como a única ponderável e equacionável, para a ponderação do aludido prazo de caducidade de 60 dias.
O que impõe, neste contexto, juízo de procedência da presente apelação a determinar:
a. A revogação da decisão de não admissão, por intempestividade, do recurso de revisão interposto ;
b. A qual se substitui por decisão a determinar o prosseguimento dos ulteriores termos processuais de tramitação do interposto recurso extraordinário de revisão ;
c. Prejudicialidade no conhecimento do demais fundamento recursório invocado.
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Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas da presente apelação serão suportadas pela(s) parte(s) vencida(s), a final.
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IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a. Julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo Apelante/Requerente/Recorrente AA, em que surge como Apelado/Requerido/Recorrido BB ;
b. Em consequência, determina-se:
• A revogação da decisão de não admissão, por intempestividade, do recurso de revisão interposto ;
• A qual se substitui por decisão a determinar o prosseguimento dos ulteriores termos processuais de tramitação do interposto recurso extraordinário de revisão ;
Prejudicialidade no conhecimento do demais fundamento recursório invocado ;
c. Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas da presente apelação serão suportadas pela(s) parte(s) vencida(s), a final.
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Lisboa, 09 de Outubro de 2025
Arlindo Crua - Relator
Laurinda Gemas – 1ª Adjunta
Ana Cristina Clemente – 2ª Adjunta
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1. A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
2. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 599.
3. Traduzem estas nulidades da sentença a “violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”, pertencendo ao género das nulidades judiciais ou adjectivas – cf., Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pág. 368.
4. Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 102.
5. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 600 e 601.
6. Ob. cit., pág. 370 e 371.
7. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit., pág. 604 e 605.
8. Redacção introduzida pela Lei nº. 117/2019, de 13/09.
Constava da redacção antecedente, sem reflexos na apreciação do caso sub júdice, que ““a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
e) Tendo corrido a ação e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação ou que é nula a citação feita”.
9. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 499 e 500.
10. Acerca do funcionamento dos prazos de interposição do recurso extraordinário de revisão, cf., o douto aresto desta Relação de 06/12/2012 – Relator: Luís Correia de Mendonça, Processo nº. 1588/05.5TBTVD-B.L1-8, in www.dgsi.pt -, onde se sumariou (as referências legais reportam-se à antecedente redacção do Cód. de Processo Civil) existirem “dois prazos para a interposição do recurso de revisão: um prazo maior de 5 anos, e um prazo menor de 60 dias (artigo 772.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
Estes prazos correm em paralelo tendo, no entanto, início diverso. A exaustão de qualquer destes prazos, por inacção dos interessados, provoca a extinção, por caducidade, do direito de interpor recurso de revisão.
Decorrido o quinquénio, contado sobre o trânsito em julgado da decisão a rever, deixa de ser possível interpor o recurso, ainda que a não interposição se deva a desconhecimento não culposo do fundamento da revisão.
Se o prazo de 5 anos não for ultrapassado, a revisão pode ser requerida no prazo de 60 dias”.
11. Cf., o douto Acórdão do STJ de 20/05/2010 – Relator: Mário Cruz, Processo nº. 8567/05.0TBSTB-B.E1.S1, in www.dgsi.pt .
12. Considerando que tal prazo de 60 dias, apesar de possuir natureza substantiva, deve ser contado de acordo com a lei processual e, como tal, suspende-se no período de férias judiciais, nos termos do artº. 138º, nºs. 1 e 4, do Cód. de Processo Civil, cf., o douto Acórdão desta Relação e Secção de 26/02/2015, Relator: Olindo dos Santos Geraldes, Processo nº. 2759/07.5TVLSB-A.L1-2, in www.dgsi.pt .