Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ADEODATO BROTAS | ||
| Descritores: | OPERAÇÃO DE LOTEAMENTO DESANEXAÇÃO PRINCÍPIO DA TIPICIDADE TAXATIVA DOS TÍTULOS EXECUTIVOS | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário (artº 663º nº 7 do CPC) 1-Na esteira de Alberto dos Reis, a nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e/ou dos fundamentos de direito (artº 615º nº 1, al. b) do CPC), apenas ocorreria nas situações de falta absoluta de fundamentação. Ultimamente, porém, vem sendo entendido que aquela nulidade da sentença também se verifica quando a fundamentação de facto ou de direito se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito dessa decisão. 2- São operações de loteamento os actos que se destinam ou têm por consequência a divisão jurídica da propriedade, dando origem a novos lotes, ou seja, novos prédios urbanos individualizados. 3- Das operações de loteamento, deve distinguir-se o fracionamento da propriedade para outros fins urbanos que não a edificação urbana, designadamente a que resulta de desanexações prediais porque, apesar destas darem origem a novas unidades prediais, não criam lotes urbanos. 4- O nº 4 do artº 43º do RJUE (DL555/99) - que manda aplicar aos espaços verdes de utilização colectiva, infraestruturas viárias e equipamentos de natureza privada, o disposto nos artigos 1420º a 1438º-A do CC - não tem aplicação nas situações em que a divisão fundiária resultou de desanexação de um prédio e não de uma operação de loteamento. 5-De acordo com o artº 1438º-A do CC, a aplicação do regime da Propriedade Horizontal a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem, exige que o conjunto de edifícios esteja constituído em Propriedade Horizontal. 6- O apelante não se mostra constituído em Propriedade Horizontal, não podendo, assim, ter-se com um condomínio e, por isso, as actas de reunião de assembleias de proprietários das “Vilas” que integram o “Aldeamento A”, não podem considerar-se actas de reunião de assembleia de condóminos. 7- O princípio da tipicidade taxativa dos títulos executivos não permite que assembleias de proprietários de “Vilas” de um “Aldeamento”, por vontade própria, criem um título executivo sem o devido assento e fundamento legal. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO 1-AMPLA – Associação de Moradores e Proprietários do Lote A na Quita da Marinha, Cascais, enquanto administradora e em representação do “Condomínio do Empreendimento do Lote A da Quinta da Marinha”, instaurou execução para pagamento de quantia certa, contra AA e, BB, visando obter a cobrança coerciva da quantia de 4 743,68€. Como título executivo apresentou uma acta da assembleia-geral do “condomínio” da qual consta deliberação sobre o valor das contribuições dos “condóminos” para as despesas do condomínio no ano de 2023, e data dos respectivos vencimentos, sendo que relativamente aos executados, proprietários da Vila CC, é de 996,62€, correspondentes a dois trimestres, à razão de 498,31€ por trimestre e, deliberação sobre as penalidades a aplicar pelo atraso no pagamento das contribuições de cada condómino, sendo no valor de 150€ por cada mês de atraso, somando 1 200€ e, penalidade de 2 500€ no caso de não ser paga a totalidade da dívida no prazo de 30 dias a contar da data da realização da assembleia geral de condóminos. 2- Em 10/10/2024 o exequente veio cumular execução, contra os mesmos executados, visando o pagamento coercivo de 4 132,66€, sendo 996,62€ relativos ao segundo e terceiro semestres do ano de 2023, 600€ correspondentes a penalidades de 150€ por cada mês de atraso e, 2 500€ de penalidade por não pagamento da totalidade da dívida no prazo de 30 dias após a data da assembleia geral de condóminos e, 26,04€ de juros de mora. Como título executiva apresenta a acta de assembleia de “condóminos”. 3- Por despacho de 02/04/2025 foi decidido: “Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, sendo manifesta a falta de título executivo rejeito oficiosamente o requerimento executivo, determinando o consequente levantamento da penhora.” Mais foi decidido nesse despacho, relativamente à execução cumulada: “Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, nunca seria de admitir a cumulação de execuções.” Foi ainda decidido: “…determino o imediato levantamento da penhora na pensão do executado”. *** 4- Inconformado, o exequente interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: A. A decisão recorrida não expôs quaisquer circunstâncias de facto, nomeadamente os factos que julga provados e os factos que julga não provados, pelo que há uma falta absoluta da fundamentação de facto. B. O Tribunal a quo violou as normas do artigo 205.º da CRP e do artigo 607.º/4 do CPC e em consequência a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação de facto nos termos da norma do artigo 615.º/1/b) do CPC. C. A administração das áreas e infraestruturas comuns do Lote A na Quinta da Marinha passou a caber a todos os proprietários (entre os quais os ora Executados) a partir da extinção do empreendimento turístico da Quinta da Marinha no Lote A. D. O artigo 1438.º-A do Código Civil é aplicável à presente situação, por remissão do artigo 43.º/4 do RJUE. E. As normas do DL 268/94 são normas regulamentares dos artigos 1420.º a 1438.º-A do Código Civil, que são aplicáveis diretamente ao Condomínio por força da remissão operada pelo artigo 43.º/4 do RJUE. F. A jurisprudência dominante e pacificada é no sentido de que as regras do DL 268/94 (designadamente, o seu artigo 6.º) são aplicáveis às assembleias de proprietários e que as atas das assembleias de proprietários dos lotes ou dos edifícios neles construídos, que hajam sido constituídas nos termos do artigo 43.º/4 do RJUE, são título executivo caso apresentem as caraterísticas previstas no artigo 6.º do DL 268/94 – vide, a título de exemplo, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 05-11-2020 (Relatora ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO, Proc. n.º 3152/18.0T8LLE-A.E1), de 10-03-2022 (Relator MANUEL BARGADO, Proc. n.º 1368/20.8T8LLE-A.E1), de 09-06-2022 (Relatora MARIA ADELAIDE DOMINGOS, Proc. n.º 1370/20.0T8LLE-A.E1), de 24-02-2022 (Relatora ANABELA LUNA DE CARVALHO, Proc. n.º 1372/20.6T8LLE-A.E1) e de 12-01-2023 (Relator JOSÉ MANUEL BARATA, Proc. n.º 1277/20.0T8LLE-A.E1). G. O DL 268/94 contém normas regulamentares dos Artigos 1420.º a 1438.º-A do Código Civil, que são aplicáveis ao Exequente por força da remissão do artigo 43.º/4, do RJUE, pelo que não se trata de uma aplicação analógica do artigo 6.º do DL 268/94 mas sim de uma aplicação direta. H. A norma do artigo 43.º/4 do RJUE pretende regular os condomínios constituídos nos termos desta norma – como é o caso do Condomínio, ora Exequente – em termos semelhantes aos condomínios resultantes de propriedade horizontal e por isso efetuou remissão para as normas dos artigos 1420.º a 1438.º-A do Código Civil, que integram o capítulo da propriedade horizontal no Código Civil. I. A decisão do Tribunal a quo que considerou que a norma do artigo 6.º do DL 268/94 não é aplicável ao Exequente, efetuou uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas do artigo 43.º/4 do RJUE e do artigo 6.º/1 do DL 268/94. J. A correta interpretação e aplicação das normas jurídicas do artigo 43.º/4 do RJUE e do artigo 6.º do DL 268/94 impunha que fosse considerado que a norma do artigo 6.º do DL 268/94 é aplicável na presente situação ao Exequente, por remissão operada pelo artigo 43.º/4 do RJUE. K. As Atas n.º 7 e n.º 9 da Assembleia dos condóminos do Condomínio de 15-09-2023 e de 31-05-2024, respetivamente, apresentadas na presente execução como título executivo, têm força executiva em virtude da aplicação da norma do artigo 6.º do DL 268/94, aplicável à presente situação por remissão do artigo 43.º/4 do RJUE. L. O artigo 6.º do DL 268/94 corresponde a uma “disposição especial” (artigo 703.º/1/d) do CPC) que atribui força executiva às atas das assembleias dos condóminos do Condomínio, ora Exequente. M. As Atas n.º 7 e n.º 9 da Assembleia dos condóminos do Condomínio de 15-09-2023 e de 31-05-2024, respetivamente, reúnem os requisitos previstos no artigo 6.º/1 do DL 268/94, pelo que em consequência constituem título executivo contra o ora Executado, nos termos da norma do artigo 6.º/2 do DL 268/94. N. A decisão do Tribunal a quo que considerou que não existe qualquer “disposição especial” que atribua força executiva às atas da assembleia dos condóminos do Condomínio apresentadas como título executivo e que em consequência rejeitou oficiosamente o requerimento executivo violou as normas do artigo 43.º/4 do RJUE, do artigo 6.º/1 e 2 do DL 268/94 e dos artigos 703.º/1/d), 726.º/2/a) e 734.º do CPC. O. A Ata n.º 7 e a Ata n.º 9 da assembleia dos condóminos do Condomínio de 15-09- 2023 e de 31-05-2024, respetivamente, juntas na presente execução como título executivo, têm força executiva (i.e. são títulos executivos), pelo que em consequência a decisão recorrida que rejeitou oficiosamente o requerimento executivo deve ser revogada e substituída por decisão que determine o prosseguimento da presente execução. P. A execução deduzida pelo Requerimento Executivo apresentado no dia 10-10-2024 (cuja cumulação foi peticionada à presente execução) não se baseia apenas no mesmo título executivo junto com o Requerimento Executivo de 19-07-2024 que deu origem aos presentes autos. Q. A cumulação de execuções requerida pelo Exequente nestes autos é admissível em virtude de se verificarem todos os requisitos previstos no artigo 711.º do CPC. R. A decisão do Tribunal a quo que não admitiu a cumulação de execuções violou a norma do artigo 711.º do CPC, pelo que deve ser revogada e substituída por decisão que admita a cumulação de execuções requerida pelo Exequente. Nestes termos e de mais Direito: I. Deve ser anulada a decisão recorrida pelo vício de nulidade por absoluta falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão. II. Deve ser revogada a decisão recorrida que indeferiu liminarmente o requerimento executivo e em consequência deve ser proferida decisão que determine o prosseguimento da presente execução. III. Deve ser revogada a decisão recorrida que não admitiu a cumulação de execuções e em consequência deve ser proferida decisão que admita a cumulação de execuções. *** 5- Não consta dos autos que hajam sido apresentadas contra-alegações. *** II-FUNDAMENTAÇÃO. 1-Objecto do Recurso. 1-É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas (caso as haja), ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida. Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir: a)- Invocada nulidade da decisão; b)- Se há fundamento para revogar da decisão que rejeitou o requerimento executivo e, revogar a decisão que não admitiu a cumulação de execuções. *** 2- Fundamentação de Facto. A 1ª instância alinhou a seguinte factualidade, por remissão para a alegação da exequente: «1º O Exequente é o Condomínio do Empreendimento no Lote A na Quinta da Marinha (“Condomínio”), que se encontra representado pela sua Administradora “AMPLA- Associação de Moradores e Proprietários do Lote A na Quinta da Marinha”, que foi reconduzida na função de Administração do Condomínio para o ano de 2024 na Assembleia dos condóminos do Condomínio de 31-05-2024 (cfr. ATA NÚMERO NOVE da Assembleia dos condóminos do Condomínio que se junta como Doc. 1). 2º Os Executados são proprietários da Vila CC (vide Certidão Permanente Predial atualizada da Vila CC que se junta como Doc. 2). 3º Os Executados, proprietários da Vila CC, são responsáveis pelo pagamento ao Condomínio de uma Comparticipação Anual para Encargos Correntes no valor de 1.993,25 € (mil, novecentos e noventa e três euros e vinte e cinco cêntimos), relativamente ao ano de 2023, nos termos aprovados na Assembleia dos condóminos do Condomínio de 15-09-2023 (cfr. ponto número 5 da ATA NÚMERO SETE da Assembleia dos condóminos do Condomínio que se junta como Doc. 3). 4º Os Executados, proprietários da Vila CC, são responsáveis pelo pagamento ao Condomínio de uma Comparticipação Trimestral para Encargos Correntes no valor de 498,31 € (quatrocentos e noventa e oito euros e trinta e um cêntimos), relativamente ao ano de 2023, nos termos aprovados na Assembleia dos condóminos do Condomínio de 15-09-2023 (cfr. Ponto número 5 da ATA NÚMERO SETE da Assembleia dos condóminos do Condomínio que se junta como Doc. 3). 5º No quadro referente às datas de vencimento das contribuições dos condóminos relativas ao ano de 2023 (ponto número 5 da ATA NÚMERO SETE da Assembleia dos condóminos do Condomínio de 15-09-2023 que se junta como Doc. 3), em folhas 32 a 43, é feita a menção ao ano de “2024” nas datas de vencimento, em vez de “2023”, o que se deve a um lapso de escrita, que foi devidamente anotado e retificado no “em tempo” constante da Folha 53 da ATA NÚMERO SETE da Assembleia dos condóminos do Condomínio de 15-09-2023 que se junta como Doc. 3, nos seguintes termos: Em tempo: Da leitura desta ata verificou-se que a mesma contém dois lapsos de escrita que são: 1. Na página 32 – Ponto 5 onde se lê “dos anos 2023 e 2024” deve ler-se “do ano 2023”. 2- No quadro que consta das páginas 32 a 43 na coluna de datas de vencimento onde se escreveu “2024” deve ler-se em todas elas “2023”. 6º Os Executados não procederam ao pagamento da contribuição ao Condomínio referente ao 1.º Trimestre do ano de 2023, com a data de vencimento de 31/03/2023, no valor de 498,31 € (quatrocentos e noventa e oito euros e trinta e um cêntimos). 7º Os Executados não procederam ao pagamento da contribuição ao Condomínio referente ao 2.º Trimestre do ano de 2023, com a data de vencimento de 30/06/2023, no valor de 498,31 € (quatrocentos e noventa e oito euros e trinta e um cêntimos). 8º Os Executados não procederam ao pagamento ao Condomínio das contribuições referentes ao 1.º e 2.º Trimestres do ano de 2023, no valor total de 996,62 € (novecentos e noventa e seis euros e sessenta e dois cêntimos). 9º Na Assembleia dos condóminos do Condomínio de 15-09-2023 foi deliberada a aplicação das seguintes penalidades aos ora Executados pelo atraso no pagamento das contribuições para o Condomínio, nos termos previstos nos artigos 3º-2 e 4º do Regulamento do Condomínio (parte “Fruição e Conservação das Partes Comuns | Título I – Pagamento das contribuições para o condomínio”) (cfr. ponto 8. da ATA NÚMERO SETE da Assembleia dos condóminos do Condomínio de 15-09-2023 que se junta como Doc. 3): i. 150,00 € por cada mês de atraso, desde 15/09/2023 até à Assembleia de Condóminos do ano seguinte, nos termos do artigo 3º-1 do Regulamento do Condomínio (cfr. ATA NÚMERO SETE da Assembleia dos condóminos do Condomínio de 15-09-2023 que se junta como Doc. 3); e ii. Penalidade complementar no montante de 2.500,00 €, caso não seja efetuado o pagamento do valor total em dívida (montante da dívida assim como juros e penalidades) no prazo de 30 dias a contar da data da Assembleia, nos termos do artigo 4º-1 do Regulamento do Condomínio (cfr. ATA NÚMERO SETE da Assembleia dos condóminos do Condomínio de 15-09-2023 que se junta como Doc. 3). 10º A Assembleia de condóminos do Condomínio do ano seguinte veio a realizar-se em 31-05-2024, pelo que a penalidade aplicada na Assembleia de condóminos do Condomínio de 15-09-2023, no valor de 150,00 € por cada mês de atraso, desde 15/09/2023 até à Assembleia de Condóminos do ano seguinte, computa-se no valor de 1.200,00 € (mil e duzentos euros), correspondente à multiplicação de 150,00 € por cada mês de atraso pelo período de 8 meses decorrido de 15-09-2023 a 31-05- 2024. 11º Os ora Executados não procederam ao pagamento do valor total em dívida (montante da dívida assim como juros e penalidades) ao Condomínio no prazo de 30 dias a contar da data da Assembleia dos condóminos do Condomínio de 15-09- 2023, pelo que se tornou efetiva a penalidade complementar de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros) que foi aplicada na Assembleia dos condóminos do Condomínio de 15-09-2023. 12º As penalidades aplicadas na Assembleia dos condóminos do Condomínio de 15- 09-2023 aos ora Executados, pelo atraso no pagamento das contribuições para o Condomínio, nos termos previstos nos artigos 3º-2 e 4º do Regulamento do Condomínio, ascendem ao valor de 3.700,00 € (três mil e setecentos euros)». *** 3- As questões Enunciadas. 3.1- A Nulidade da Sentença. A apelante argui a nulidade da sentença, invocando o disposto no artº 615º nº 1, al. b) do CPC, alegando que a sentença sob impugnação não indica os factos que considera provados e não provados e, por isso, ocorre falta absoluta de fundamentação. Será assim? O artº 615º do CPC, elenca as “causas de nulidade da sentença”, determinando, na al. b) do nº 1, que: “1. É nula a sentença quando: a. (…); b. Não especifique os fundamentos de facto e de direito quer justificam a decisão;” Tradicionalmente, na esteira de Alberto dos Reis, a nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e dos fundamentos de direito, apenas ocorreria nas situações de falta absoluta de fundamentação. Ou seja, a falta de fundamentação susceptível de consubstanciar a nulidade da sentença ocorreria, apenas, quando se verifica uma falta absoluta de fundamentos, quer de facto quer de direito. E, por isso, a motivação incompleta, deficiente ou errada não produzia nulidade da sentença, apenas afectaria a sua valia doutrinal, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso. (Cf. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 53). Ultimamente, porém, tem vindo a ser entendido que a nulidade da sentença por “falta de fundamentação”, ocorre não apenas quando se verifica uma falta absoluta da especificação da fundamentação de facto ou de direito, mas também quando a fundamentação de facto ou de direito se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial (Cf. Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, Vol. I, pág. 81 e seg.; acórdão do STJ, de 02/03/2011 (Sérgio Poças, 161/05). Ora, no caso dos autos, conforme resulta do ponto 2 supra (Fundamentação da Matéria de Facto), a 1ª instância elencou a factualidade alegada pela exequente no requerimento executivo e, com base nela, rejeitou a execução (e a cumulação sucessiva de execuções), nos termos do artº 734º nº 1 do CPC, por entender que as actas apresentadas como título executivo não possuem essa qualidade de título executivo. Dessa circunstância decorre, desde logo, que a sentença em apreciação não enferma de falta absoluta de fundamentação. E entendemos, também, não poder considerar-se que a sentença se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam à exequente perceber as razões de facto da decisão judicial: a exequente/apelante entendeu perfeitamente as razões de facto e de direito que levaram a 1ª instância a considerar que as actas dadas à execução não constituem título executivo. Tanto as entendeu que delas discordou expondo as suas razões dessa discordância. A discordância com a decisão e vseus fundamentos não constitui causa de nulidade da sentença. A esta vista, e sem necessidade de outras considerações, indefere-se a invocada nulidade da sentença por falta de especificação das razões de facto. *** 3.2- Se há fundamento para revogar da decisão que rejeitou o requerimento executivo e, revogar a decisão que não admitiu a cumulação de execuções. Segundo entende o apelante, é um condomínio constituído nos termos do artº 43º nº 4 do DL555/99 (RGUE) e, por isso, são-lhe aplicáveis as normas dos artºs 1420º a 1438º-A do CC, por força da remissão daquele artº 43º nº 4 do RGUE. Invoca jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora - concretamente, os acórdãos de 05/11/2020 (proc. 3152/18, Isabel Imaginário , de 10/03/2022 (Proc. 1368/20, Manuel Bargado), e de 09/06/2022 (Maria Adelaide Domingos, Proc. 1370/20) (e ainda os acórdãos da mesma Relação de Évora, de 24/02/2022, Anabela Luna de Carvalho, Proc. 1372; e de 12/01/2023, José Barata, Proc. 1277/20) - que tem considerado tratar-se de condomínio as realidades decorrentes de operações de loteamento e, que as reuniões das assembleias de proprietários dos lotes são tidas como assembleias de condóminos e as respectivas actas constituem título executivo nos termos do artº 6º nº 1 do DL 268/94. Será assim? A 1ª instância enunciou, como questão a decidir nos autos, saber se “…existe disposição especial que confira às actas das assembleias de proprietários de imóveis integrados em empreendimento não turístico a qualidade de título executivo, já que não estamos perante edifício em propriedade horizontal.”. E, decidiu a questão, concluindo que o Empreendimento Urbanístico em questão, não qualificado como Empreendimento Turístico, não está constituído em propriedade horizontal e, não admite que se lhe aplique, por analogia, o regime da propriedade horizontal, nem o regime do artº 6º do DL 268/94, que constituiu como títulos executivos as actas das assembleias gerais de condóminos. Vejamos então. Antes de mais uma primeira nota. Os acórdãos da Relação de Évora invocados pela apelante – de 15/11/2020, Proc. 3152, Isabel Imaginário; de 10/03/2022, Proc. 1368, Manuel Bargado; de 09/06/2022, Proc. 1370, Maria Adelaide Domingos; de 24/02/2022, Proc. 1372, Anabela Luna de Carvalho; e de 12/01/2022, Proc. 1277, José Barata – foram prolatados relativamente a uma realidade urbanística que não é a da situação em causa nestes autos. Com efeito, aqueles acórdãos apreciaram e decidiram que as actas de assembleia de proprietários de lotes de Empreendimento Turístico, podem servir de título executivo nos termos do artº 6º nº 1 do DL 268/94 por efeito do artº 43º nº 4 do DL 555/99 (RJUE). Ora, no caso dos autos, não estamos perante um Empreendimento Turístico. Por isso, aquela jurisprudência não se nos afigura aplicável à situação dos autos. Uma segunda nota. A apelante não é um condomínio em termos de ente jurídico submetido a propriedade horizontal nos termos previstos nos artºs 1414º a 1419º do CC. Com efeito, decorre da certidão de registo predial, junta como documento nº 2 com o requerimento executivo que, a Vila CC, cuja aquisição se mostra registada a favor dos executados pela Ap. 7 de 2000/12/07, se insere no denominado “Aldeamento A” e, é composto por piso e logradouro e foi desanexado do nº 00762 da freguesia de Cascais. Assim sendo, é irrelevante que nas actas em causa nos autos (acta 7 e acta 9) conste que “…se realizou a “Assembleia de Condóminos do Condomínio do Empreendimento no Lote A na Quinta da Marinha…”. Se à apelante se pode aplicar o regime da propriedade horizontal, em termos de as actas de assembleias de proprietários se poderem considerar títulos executivos, nos termos do artº 6º do DL268/94, é questão que há-de decorrer doutro regime jurídico que não, directamente, o da propriedade horizontal. Portanto, a resposta à questão sob recurso passa por decidir, como enunciou a 1ª instâncias, se as actas das assembleias de proprietários do Lote A na Quinta da Marinha se podem considerar títulos executivos. A apelante afirma que sim, argumentando que é um condomínio constituído nos termos do artº 43º nº 4 do DL555/99 (RGUE) e, por isso, são-lhe aplicáveis as normas dos artºs 1420º a 1438º-A do CC e o artº 6º nº 1 do DL 268/94. Vejamos se assim é. Já vimos que o apelante não é um condomínio, rectius, não está constituída em Propriedade Horizontal. E ser-lhe-á aplicável o artº 43º nº 4 do RJUE? Pois bem, o artº 43º do DL 555/99, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, na redacção dada pelo DL 136/2014, de 09/09, (portanto na versão anterior à actual, que resultou do DL 10/2024, de 08/01, e que veio acrescentar o seguinte trecho ao nº 1 “…e habitação pública, de custos controlados ou para arrendamento acessível.”), com epígrafe “Áreas para espaços verdes e de utilização colectiva, infraestruturas e equipamentos”, determina: “1- Os projetos de loteamento devem prever áreas destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos. 2 - Os parâmetros para o dimensionamento das áreas referidas no número anterior são os que estiverem definidos em plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território. 3 - Para aferir se o projeto de loteamento respeita os parâmetros a que alude o número anterior consideram-se quer as parcelas de natureza privada a afetar àqueles fins quer as parcelas a ceder à câmara municipal nos termos do artigo seguinte. 4 - Os espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos de natureza privada constituem partes comuns dos lotes resultantes da operação de loteamento e dos edifícios que neles venham a ser construídos e regem-se pelo disposto nos artigos 1420.º a 1438.º-A do Código Civil.” Este artº 43º insere-se na Subsecção I, da Secção III do RJUE, relativa a Operações de Loteamento, o que é realçado pela parte inicial do nº 1 que menciona “Os projectos de loteamento…” e, do nº 4 do preceito quando refere “…lotes resultantes da operação de loteamento…” E o que são operações de loteamento? O artº 2º, al. i), do RJUE, relativo a definições, diz: “Para efeitos do presente diploma, entende-se por: i) «Operações de loteamento», as ações que tenham por objeto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento; Desta definição decorre que são operações de loteamento os actos ou acções que se destinam ou têm por consequência a divisão jurídica da propriedade, dando lugar a unidades autónomas, isto é, que dão origem a novos prédios urbanos individualizados, ou seja, novos lotes. E a operação de loteamento não é apenas aquela que dá origem a lotes imediatamente destinados à construção, mas, também, a que dá origem a construção posterior. Sendo que o conceito de lote reporta-se ao novo prédio resultante de uma operação de loteamento. Em síntese, pode dizer-se que as operações de loteamento consistem em operações urbanísticas que se destinam a dar origem a novos lotes. Se assim é, “…não é uma operação de loteamento a operação que se traduza numa mera divisão fundiária que, não obstante dar origem a novas unidades prediais, não criam lotes urbanos, isto é, novas unidades prediais com capacidade edificativa precisa.” (Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação anotado, 4ª edição, 2023, pág. 67). * (sublinhado nosso) Do que vem a ser dito, decorre que dos loteamentos urbanos, rectius, operações de loteamento, deve distinguir-se o fracionamento da propriedade para outros fins urbanos que não a edificação urbana. A ser assim, pergunta-se: poderá aplicar-se, à situação dos autos, directamente, como pretende a apelante, o disposto no artº 4º do artº 43º do RJUE? Salvo o devido respeito, entendemos que não. Vejamos porquê. Recordemos o nº 4 do preceito: “4 - Os espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos de natureza privada constituem partes comuns dos lotes resultantes da operação de loteamento e dos edifícios que neles venham a ser construídos e regem-se pelo disposto nos artigos 1420.º a 1438.º-A do Código Civil.” Como é fácil constatar, o nº 4 do artº 43º do RJUE exige, para a respectiva aplicação, a existência de lotes resultantes da operação de loteamento. Ou seja, o preceito em causa determina que constituem partes comuns dos lotes resultantes de operações de loteamento, os espaços verdes e de utilização colectiva, infraestruturas viárias e de equipamento, resultantes das operações de loteamento e dos edifícios que neles venham a ser construídos. Carece, pois, a aplicação do preceito, da existência de operação de loteamento e de lotes dela resultantes. Ora, no caso dos autos, o “Aldeamento A”, em que se insere a “Vila CC”, de propriedade dos executados, não resultou de uma operação de loteamento, mas, antes, de uma desanexação do prédio nº 00762 da freguesia de Cascais. Deste modo, compreende-se a resposta dada à pergunta formulada: o nº 4 do artº 43º do RJUE - que manda aplicar, aos espaços verdes de utilização colectiva, infraestruturas viárias e equipamentos de natureza privada, o disposto nos artigos 1420º a 1438º-A do CC - não tem aplicação às situações que implicam o fracionamento da propriedade, para outros fins urbanos, que não a edificação urbana, resultante de divisão fundiária decorrente de desanexação de um prédio. E poderá o regime previsto nos artºs 1420º a 1438º-A do CC, ser aplicado à situação dos autos, por outra via jurídica, que não a resultante do artº 43º nº 4 do RJUE? Recordemos a redacção do artº 1438º-A do CC, com epígrafe “Propriedade Horizontal de conjunto de edifícios”: “O regime previsto neste capítulo pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem.” Pois bem, o artº 1438º-A do CC resultou das alterações efectuadas pelo DL 267/94, de 25/19, que, além do mais, introduziram aquele preceito e que veio permitir a constituição de uma única propriedade horizontal para “…conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns…”, tendo, em consequência, passado a admitir-se a construção de vários edifícios, no mesmo terreno, o que até aí pressupunha o prévio licenciamento municipal de uma operação de loteamento. Ora, esse artº 1438º-A do CC pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, ao conjunto de edifícios contíguos, funcionalmente ligados entre si, pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou de algumas unidades ou fracções que os compõem. As “necessárias adaptações” “…significa estarmos perante situações que são meros subtipos do tipo geral, que nada retira ao carácter taxativo do tipo, já que não se atribui uma qualquer liberdade de constituição ou modelação, mas apenas o poder de aplicar o regime da propriedade horizontal, com a respectiva nota de realidade, a situações materiais diferentes. O regime da propriedade horizontal é então aplicado, o que já leva implícita uma pretensão da sua aplicação em bloco, apenas se admitindo as adaptações que se considerem necessárias e impostas pela existência de uma pluralidade de edifícios, não quaisquer umas da resultantes da discricionariedade das partes” (Fernanda Oliveira/Maria Castanheira Neves/Dulce Lopes, Regime Jurídico da Urbanização…, cit., pág. 84), citando Fernanda Paula Oliveira e Sandra Passinhas, “Loteamento e Propriedade horizontal: Guerra e Paz”, revista CEDOUA, nº 9, 2002, pág. 46 e segs.) * (sublinhados e realce nossos) Por sua vez, a expressão “edifícios contíguos”, referida a prédios, tem o sentido de prédios vizinhos, não se exigindo qualquer ligação estrutural ou material entre eles. “O vocábulo contíguos tem o sentido de proximidade, pelo que o regime de propriedade horizontal também pode ser aplicado aos conjuntos de edifícios que embora não estejam em contacto físico entre si, se encontram implantados num espaço unitário.” (Fernanda Oliveira et alii, Regime Jurídico da Urbanização…, cit. pág. 85) * (sublinhado nosso). A ligação funcional entre edifícios é determinada pela existência de partes comuns. Partes comuns que devem ser afectadas ao uso de todas ou de algumas unidades que compõem o edifício”. (Fernanda Oliveira et alii, Regime Jurídico da Urbanização…, cit. pág. 85). E, continuam estas autoras, que cabem “…na fattispecie do artº 1438º-A do Código Civil, várias situações: a)- …constituída por vários edifícios em altura já divididos em fracções autónomas e já constituídos em propriedade horizontal ligados entre si por coisas ou serviços comuns; b)- …várias unidades imobiliárias nas quais não há um fracionamento da propriedade por fracções, mas que fruem igualmente de bens e serviços comuns (o caso dos chamados “condomínios fechados”, com moradias/casas/vivendas autónomas)”. (AA e ob. cit., pág. 86). Destas considerações pareceria resultar, à primeira vista, que à apelante, seria aplicável o regime jurídico da Propriedade Horizontal, visto que o “Aldeamento A”, no qual se insere a “Vila CC”, propriedade dos executados, é composto por várias unidades imobiliárias que, embora não exista um fracionamento da propriedade das fracções, frui, cada uma dessas unidades imobiliárias, de bens e serviços comuns. Mas, aqui chegados, coloca-se a questão de saber se pode ser aplicado ao “Aldeamento A”, o Regime Jurídico da Propriedade Horizontal. Vejamos então. Recorde-se o que dispõe o artº 1438º-A do CC: “O regime previsto neste capítulo pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem.” Ora, este preceito, diferentemente do que sucede com o artº 43º nº 4 do RJUE - que determina a aplicação, aos espaços verdes de utilização colectiva, infraestruturas viárias e equipamentos de natureza privada, das normas dos artºs 1420º a 1438º-A do CC, excluindo, portanto, a aplicação do regime previsto nos artº 1414º a 1419º do CC – manda aplicar o regime previsto neste capítulo. Significando isso que são aplicáveis às realidades físico-urbanísticas mencionadas no preceito, as normas relativas ao objecto da propriedade horizontal, aos respectivos requisitos legais, à constituição e conteúdo do título constitutivo e às modificações do título, previstas nos artºs 1414º a 1419º do CC. Quer dizer, às realidades físico-urbanísticas referidas no artº 1438º-A - diferentes dos tradicionais edifícios construídos em altura - exige-se que estejam constituídas em Propriedade Horizontal. Recorde-se o que acima foi mencionado relativamente à aplicação do artº 1438º-A do CC:“…estarmos perante situações que são meros subtipos do tipo geral, que nada retira ao carácter taxativo do tipo, já que não se atribui uma qualquer liberdade de constituição ou modelação, mas apenas o poder de aplicar o regime da propriedade horizontal, com a respectiva nota de realidade, a situações materiais diferentes. O regime da propriedade horizontal é então aplicado, o que já leva implícita uma pretensão da sua aplicação em bloco, apenas se admitindo as adaptações que se considerem necessárias e impostas pela existência de uma pluralidade de edifícios, não quaisquer umas da resultantes da discricionariedade das partes…”. E percebe-se que assim tenha de ser: o Princípio da Tipicidade ou do Numerus Clausus dos Direitos Reais impõe-no. Na verdade, em Portugal, os particulares não são admitidos a criar figuras com natureza real que lhes aprouver, vendo a sua autonomia privada restringida à possibilidade de escolha dos direitos reais previstos na lei. “O sistema postula, assim, um número finito de direitos reais, justamente um numerus clausus. Fala-se, então, em tipicidade; os direitos reais são típicos, só existem os que o legislador consagrar.” (José Alberto Vieira, Direitos Reais, 3ª edição, 2024, pág. 200). O mesmo é dizer que a autonomia privada encontra-se limitada à escolha dentro das figuras reais admitidas pelo ordenamento jurídico, não podendo as partes “compor” o conteúdo de um direito real a seu belo prazer. É o que resulta, de resto, do artº 1306º nº 1do CC: “1. Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional.” A esta luz, temos de concluir que, no caso dos autos, porque, como vimos, a apelante não está constituída em Propriedade Horizontal, não se lhe aplica o artº 1438º-A do CC, nem, por conseguinte, a característica de direito absoluto, com oposição erga omnes, própria dos direitos reais. O mesmo é dizer que os acordos feitos entre os proprietários das “Vilas” que compõem o “Aldeamento A”, no sentido de estes suportarem os encargos relativos serviços de uso comum, de acordo com o nº 1 do artº 1306º do CC, apenas assumem natureza meramente obrigacional, que não vinculam quem não subscreveu esses acordos, nem terceiros que, porventura, venham a adquirir, no futuro, alguma das “Vilas”. Isto porque, não se mostra registada a constituição de Propriedade Horizontal do “Aldeamento A” e, “…A Publicidade (registal) constitui um princípio dos direitos reais: tratando-se de um direito oponível a todos, deve ser, tanto quando possível, reconhecível por qualquer um.” (José Alberto Vieira, Direitos Reais, cit., pág. 241). A esta vista, podemos concluir que: i)- O apelante não se mostra constituído em Propriedade Horizontal; ii)- O apelante não é um condomínio; iii)- Por conseguinte, as actas de reunião de assembleias de proprietários das “Vilas” que integram o “Aldeamento A”, não são actas de reunião de assembleia de condóminos. Vejamos, finalmente, se as actas apresentadas como fundamento da pretensão executiva, podem considerar-se títulos executivos. O apelante defende que as actas que junta para fundar a execução são títulos executivos nos termos do artº 6º nº 1 do DL 268/94, de 25/10. Será assim? A 1ªinstância entendeu que “O artigo 6.º, n.º 1, do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro, é uma norma excepcional que não comporta aplicação analógica, ainda que permita uma interpretação extensiva (artigo 11.º CC).” Vejamos então. É a seguinte a letra do artº 6º nº 1 do DL 268/94, de 25/10, na redacção dada pela Lei 8/2022, de 10/01, que tem como epígrafe “Dívidas por encargos de Condomínio”: “1 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio menciona o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações.” A norma usa a expressão “A ata de reunião da assembleia de condóminos…”. Vimos, acima, que o apelante não se mostra constituído em Propriedade Horizontal, não é um condomínio e, que as actas de reunião de assembleias de proprietários das Vilas que integram o “Aldeamento A” não são actas de reunião de assembleias de condóminos. Haverá forma de considerar título executivo uma acta de reunião de assembleia de proprietários? O artº 703º nº 1 do CPC, relativo às “Espécies de títulos executivos”, enuncia que: “1 - À execução apenas podem servir de base: a) As sentenças condenatórias; b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo; d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.” * (sublinhado nosso). É sabido que este preceito consagra a regra da tipicidade taxativa dos títulos executivos, da qual resulta que “…as partes não podem atribuir força executiva a um documento ao qual a lei não concede eficácia de título executivo (nullus titulus sine lege) (…). Isso significa que os títulos executivos são, sem possibilidade de quaisquer excepções criadas ex voluntate, aqueles que são indicados como tal pela lei (artº 703º nº 1) e que, por isso, a sua numeração legal está submetida a uma regra de tipicidade taxativa.” (Castro Mendes/Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, vol. II, 2022, pág. 553). O artº 6º nº 1 do DL 268/94 é uma disposição especial que constitui como título executivo as actas de reunião da assembleia de condóminos. A norma não menciona actas de reunião de assembleias de proprietários de “Vilas” que não estão constituídas em propriedade horizontal. O referido princípio da tipicidade taxativa dos títulos executivos não permite que assembleias de proprietários de “Vilas” de um “Aldeamento”, por vontade própria, criem um título executivo sem o devido assento e fundamento legal. Tanto basta para se concluir que as actas de reunião de assembleias de proprietários de “Vilas” do “Aldeamento A”, dadas à execução, não são títulos executivos. A esta luz, concorda-se com a decisão da 1ª instância que rejeitou a execução e não admitiu a cumulação de execuções, nos termos conjugados dos artºs 734º nºs 1 e 2 e, 726º nº 2, al. a) do CPC. O recurso improcede. *** III-DECISÃO. Em face do exposto, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente e, em consequência mantém, integralmente, a decisão sob impugnação. Custas, na fase de recurso, pelo apelante. Lisboa, 09/10/2025 Adeodato Brotas Jorge Almeida Esteves Nuno Lopes Ribeiro |