Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5956/24.5T8SNT.L1-6
Relator: VERA ANTUNES
Descritores: CONSTITUIÇÃO OBRIGATÓRIA DE ADVOGADO
PARTE
NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Nos casos em que, sendo obrigatória a constituição de mandatário, se apresenta a própria parte a subscrever um articulado, deve ocorrer a notificação da própria parte para conferir procuração e fazer-se representar por advogado na acção.
II - Já nas situações como a dos autos em que a contestação é subscrita por advogado que protesta juntar procuração, entende-se que a notificação a fazer há-de ser em primeiro lugar ao próprio advogado a fim do mesmo regularizar a situação fazendo a junção das procurações em falta.
III - No entanto, sempre se terá de proceder à notificação das partes nas situações em que, como sucedeu, o advogado não junta as procurações, assim como se teria de proceder à notificação das partes para ratificar o processado caso a data das procurações fosse posterior à do acto praticado, sob pena de nulidade nos termos do art.º 195º do Código de Processo Civil.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
AA, instaurou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra BB, CC, DD, EE e CEP – Consultoria e Projectos, Lda., pedindo que seja proferida sentença que produza os mesmos efeitos que a declaração negocial que os Réus omitiram, sendo por essa via transmitida a propriedade do imóvel para a esfera jurídica da Autora, ordenando à Autora para o efeito, o depósito do remanescente do preço à ordem do Tribunal da quantia de €60.350,00 (sessenta mil trezentos e cinquenta euros).
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Citados os RR. os mesmos vieram apresentar contestação, com reconvenção, em 22/5/2024. Naquela peça processual o advogado subscritor fez constar que protestava juntar três procurações.
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Em 3/7/2024 foi proferido o seguinte despacho:
“O subscritor da contestação apresentada em nome dos Réus não juntou aos autos instrumento comprovativo da outorga de mandato judicial.
Assim, nos termos do disposto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, do Código Processo Civil notifique-se o mesmo para no prazo de 10 dias juntar aos autos a procuração em falta, sob pena de se dar sem efeito a contestação por si apresentada e ser o mesmo condenado em custas.”
Este Despacho foi notificado ao advogado subscritor por notificação de 4/7/2024.
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Em 30/10/2024 foi determinado que:
“Foi proferido despacho em 03/07/2024 nos termos seguintes: (…)
O ilustre subscritor da contestação foi notificado do despacho antecedente por ofício de 04/07/2024.
Decorrido o prazo de 10 dias, o ilustre subscritor da contestação apresentada em nome dos Réus não juntou as procurações forenses em falta.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no art.º 48.º, nºs 1 e 2, do CPC, dá-se sem efeito a contestação junta em 22/05/2024 e determina-se o seu desentranhamento dos autos.
Notifique.”
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Este despacho foi notificado à mandatária da A. e ao advogado subscritor por notificação de 31/10/2024.
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Em 10/12/2024 consideraram-se confessados os factos articulados pela Autora (art.º 567.º, nº 1, do CPC) e ainda:
“II – Notifique a ilustre mandatária da Autora para, querendo e em 10 dias, alegar por escrito (art.º 567.º, nº 2, do CPC), não devendo ser enviada notificação aos Réus, uma vez que o advogado subscritor da contestação não juntou procuração e foi tal articulado dado sem efeito e determinado o seu desentranhamento.”
Foi apenas notificada a mandatária da A. por notificação de 12/12/2024.
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Em 27/1/2025 foi prolatado o seguinte despacho:
“I – Proceda a Secção ao registo da presente ação por respeito à fração autónoma identificada na certidão permanente junta como Doc. 2 com a petição inicial a fls. 21.
Imprima e junte oportunamente o comprovativo do registo (certidão permanente atualizada do mesmo imóvel onde conste o registo da ação).
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II – Ao abrigo do disposto no art.º 830.º, nº 5, do Código Civil, notifique a Autora para, no prazo de 30 dias, proceder ao depósito autónomo da quantia de € 60.350,00.”
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A Autora procedeu ao depósito autónomo da quantia de € 60.350,00, conforme comprovativo junto com o requerimento de 29/01/2025.
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O Registo foi recusado, conforme informação: “O ato de registo, agora requerido, já foi efetuado pela ap. 1814 de 2024/04/09. Assim, nos termos dos artigos 68º., 69.º n.º 1 alinea c), tem que ser recusado.”
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Foi proferida Sentença em 8/5/2025 onde se decidiu julgar a acção totalmente procedente, por totalmente provada, e, em consequência:
Substitui-se a declaração negocial que os Réus, BB, CC, DD, EE e CEP – Consultoria e Projectos, Lda., promitentes vendedores, omitiram e, em consequência, transmite-se a propriedade da fração autónoma designada pela letra “Q” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, denominado lote 52, situado em Avenida 1, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º .... da freguesia de Rio de Mouro e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...., atual artigo ....., para a esfera jurídica da Autora AA, promitente compradora.
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Esta sentença foi notificada aos RR. por notificação de 12/5/2025.
Em 15/5/2025 foi requerida uma certidão por DD, destinando-se a apurar responsabilidade do advogado que não deu resposta ao pedido de junção de procuração.
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Em 12/6/2025 os RR., através do advogado subscritor da contestação, desta vez juntando as três procurações em falta, com datas de 10 de Março, 3 de Junho e 9 de Junho de 2025, vieram interpor recurso da Sentença formulando as seguintes Conclusões:
“A – A douta sentença sob recurso, invocando o disposto no art. 830º do Cód. Civil, conclui por que a A. tem direito à execução específica do contrato promessa celebrado com os RR.-Recorrentes em 31 de Março de 2019, contrato que, com o datado de 31.03.2017, “são verdadeiros aditamentos ao contrato promessa de compra e venda celebrado no dia 13.04.2012”.
B – Este contrato promessa de 2012, conforme resulta do ponto 5 dos Factos Provados, prevê um sinal logo na data da assinatura e um conjunto de pagamentos, a título de reforços de sinal e princípio de pagamento, pagamentos que inicialmente foram fixados em € 600,00 mensais e elevados para € 750,00 a partir de 31 de Março de 2019 (cfr., ponto 15 dos Factos Provados).
C – A existência de sinal, que o Tribunal a quo, computa no valor global de € 99.850,00, por consistir em convenção em contrário (cfr., art. 830º, nº 2, do Cód. Civil), obsta a que a A.- Recorrida obtenha sentença que produza os efeitos da declaração negocial da contraparte.
D – Concluindo por que a A.-Recorrida tem direito à execução específica do contrato promessa de 31 de Março de 2019, rectius, do de 31 de Março de 2012 de que aquele constituirá mero aditamento, e substituindo-se à declaração negocial dos RR.-Recorrentes, a douta sentença recorrida faz errónea interpretação e aplicação do direito aplicável.
E – Tendo considerado que as quantias pagas mensalmente pela A.-Recorrida, a partir de 31 de Março de 2012, devem ser havidas como sinal, o Tribunal a quo deixou de pronunciar-se sobre questão que deveria apreciar, isto é, não se pronunciou quanto à alteração das circunstâncias em que, em 2012, as partes fundaram a decisão de contratar.
F – Confessando a A.-Recorrida que, desde 2012, habita a fracção controvertida, uso que tem valor de mercado, a mesma A.-Recorrida beneficiou desse mesmo valor, ao contrário dos RR.-Recorrentes que, durante mais de 13 anos se viram privados do uso do seu bem.
G – As quantias pagas mensalmente pela A.-Recorrida a partir de Março de 2012 não podem, simultaneamente, ser havidas como reforço de sinal e princípio de pagamento e como compensação pelo uso de bem alheio.
H – Atenta a evolução anormal – relativamente ao que, à época, seria espectável – do preço do imobiliário posteriormente a 2012, os RR.-Recorrentes sempre teriam direito à resolução do contrato ou à sua modificação segundo juízos de equidade, uma vez que a observância pontual do contrato de 2012, sem qualquer compensação pela privação de uso durante cerca de 13 anos, e sem qualquer correcção, afecta gravemente os princípios da boa-fé e não está coberta pelos riscos próprios do negócio.
I – Deixando de pronunciar-se quanto a questão que a Mma. Juiz deveria apreciar, a douta sentença padece da nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art. 615º do Cód. Proc. Civil.
J – A douta sentença recorrida vem proferida ao abrigo do disposto no art. 567º, nº 2, 2ª parte, do Cód. Proc. Civil, após desentranhamento da contestação por despacho de 30 de Outubro de 2024, em virtude de não ter ocorrido junção das procurações forenses, em conformidade com notificação ao Advogado que a subscreveu, sendo certo que a notificação para juntar as procurações em falta não foi notificada às partes, às quais sempre seria exigível uma tomada de posição pessoal sobre o processado (cfr., nesse sentido, Abílio Neto, Cód. Proc. civil anotado, 4ª ed., p. 118).
K – E, não tendo o douto despacho que notificou para a junção das procurações sido notificado às partes, não pode daí ser retirada a cominação do art. 48º do Cód. Proc. Civil, como resulta, entre outros, do entendimento contido no Acórdão do STJ de 25 de Junho de 1997 (cfr., nesse sentido, Sumários dos Acórdãos do STJ, 12º, pág. 110; in www.dgsi.net).
L – A intervenção de Advogado sem junção de procuração, que protesta juntar, é, até ao momento da junção, semelhante ao exercício do patrocínio a título de gestão de negócios, já que só o Advogado e a parte se encontram em posição de saber se a autorização para intervir no processo existe, e essa existência é desconhecida do Tribunal que, por analogia do disposto no nº 3 do art. 49º do Cód. Proc. Civil, deve promover a notificação da parte, nos termos do art. 250º do mesmo diploma legal (cfr., nesse sentido, Ac. RL, de 20.10.2011, proc. º 620/10.5T2STC.dgsi.net) antes de ser declarada a ineficácia do processado em causa.
M – “Deve ser a própria parte, e não quem a patrocine, notificada para os fins do disposto no nº 2 do art. 40º do CPCiv” (remissão que deve ter-se por efectuada para o art. 48º do Cód. Proc. Civil) uma vez que, “se só a parte pode remediar tal falta, é condição necessária que isso lhe seja comunicado” (cfr., Ac. Trib. Rel. Porto, de 15.07.2009; in http://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRP:2009:0825437.A1).
N – A não notificação pessoal da parte para ratificar o processado mesmo que tal notificação tenha sido feita ao mandatário que praticou o acto não munido de procuração, “constitui nulidade que influi boa decisão da causa” (cfr., Ac. RP, de 19.4.2004; JTRP00036858.dgsi.net).
O – “2. É à parte, enquanto mandante, que cumprirá suprir a falta de procuração ou ratificar o processado. 3. Não sendo junta aos autos a competente procuração forense, mas protestando-se juntá-la, deve optar-se por uma de duas soluções: ou o tribunal notifica o advogado para a juntar, com ratificação do processado sendo caso disso, e, não sendo, ainda assim, junta, notifica, então, a parte para o fazer; ou notifica logo o advogado e a parte nos referidos termos. 4. Em todo o caso, a parte tem, sempre, de ser notificada, sob pena de nulidade” (cfr., Ac. Rel. Lisboa, de 02.07.2019; proc. nº 39297/18.2YIPRT.L1-7; in www.dgsi.pt).
P – A omissão da notificação pessoal dos RR.-Recorrentes, em simultâneo com a notificação ao Advogado subscritor da contestação para junção das procurações ou, se a junção não tiver ocorrido, a seguir ao termo do prazo fixado, constitui, pois, omissão de formalidade prescrita na lei, que, por influir no exame e na decisão, produz nulidade, nos termos do nº 1 do art. 195º do Cód. Proc. Civil.
Q – Já que, Ilustres Senhores Desembargadores, o desentranhamento da peça processual controvertida contende com os princípios da igualdade e do contraditório e, para além de pôr em causa tais princípios estruturantes e fundamentais do processo, coloca em causa direitos fundamentais dos RR.-Recorrentes, que se vêm privados do exame do pedido reconvencional destinado a processo equitativo, designadamente quanto ao seu empobrecimento e correspondente enriquecimento da A.-Recorrida, que beneficiou durante 13 anos, sem qualquer custo, do uso de um bem pertencente aos RR.-Recorrentes.
R – A nulidade gerada pela omissão da notificação pessoal dos RR.-Recorrentes, por afectar a cadeia teleológica que liga todos os actos processuais, determina a anulação dos actos subsequentes que dela dependem absolutamente, por aplicação do regime do nº 2 do art. 195º do Cód. Proc. Civil, já que se trata de projecção de irregularidade antecedente (vd., nesse sentido, Ac. STJ, de 23.05.2006; proc. 06A1090.dgsi.net).
S – Deverá a nulidade de tal omissão proceder, anulando-se, em consequência todo o processado subsequente à omissão, designadamente a douta sentença ora em crise, determinando-se seja proferido o despacho omitido, seguindo-se a normal instrução, discussão e julgamento da lide.
T - Tendo sido proferida sentença que sancionou uma omissão geradora de nulidade, o meio próprio de a arguir é o recurso (cfr., nesse sentido, Ac. Rel. Porto, de 04.06.2000; Bol. Min. Justiça, 496º, p. 314).
Nestes termos,
Nos mais de Direito e com o douto suprimento de Vossas Excelências, Senhores Desembargadores, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, seja por errónea interpretação e aplicação do direito aplicável, seja por incorrer nas nulidades previstas na al. d) do nº 1 do art. 615º do Cód. Proc. Civil e no art. 195º, nº 1, do mesmo diploma legal, determinando-se a anulação de todo o processado subsequente à omissão da notificação pessoal dos RR.-Recorrentes e, bem assim, que seja proferido o despacho omitido, prosseguindo as normais instrução, discussão e julgamento da lide, com o que se fará JUSTIÇA!”
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A A. contra-alegou, Concluindo:
“A. A motivação dos Recorrentes no presente Recurso respeita à (i) Ausência de pronuncia quanto à alteração de circunstância em que em 2012 as partes fundaram a decisão de contratar imputando o vicio de nulidade à sentença nos termos da alínea d) do nº1 do artigo 615º do CPC e (ii) impugnam o desentranhamento da contestação proferida por despacho de 30.10.2024, em virtude de não ter ocorrido junção de procuração forense, por apenas ter sido notificado o mandatário para a sua junção e não à parte no processo.
B. Entende a Recorrida que, antes de mais, o Recurso ora interposto é extemporâneo, os Recorrentes no ponto III da sua motivação impugnar o despacho datado de 30.10.2024 que teve como objeto o desentranhamento da contestação, em consequência do facto do “mandatário” do processo ter protestado juntar procuração com a contestação que fez entrar no processo, mas, depois de ter sido notificado em 04.07.2024 com a Ref:152015705, para suprir tal irregularidade, não o fez.
C. O despacho de rejeição da contestação dos Réus em consequência da falta de junção da procuração que o mandatário dos Réus havia protestado juntar, datado de 30.10.2024 é objeto de recurso ao abrigo do disposto na alínea d) do nº2 do artigo 644º do CPC.
D. Nos termos do disposto na 2ª parte do nº1 do artigo 638º, os prazos de recurso são reduzidos para 15 dias nos casos previstos no nº2 do artigo 644º do CPC, que é o caso.
E. Todos os Recorrentes foram notificados da sentença que deu procedência à ação por falta de contestação, nos dias 19.04.2024 e no dia 23.04.2024 [Registos: RE271422020PT; RE408421795PT; RE799421907PT e RE548424807PT], pelo que, o prazo para a interposição de recurso deveria ter tido lugar até ao dia 08.05.2025, nos termos da 2ª parte do nº1 do artigo 638º e da alínea d) do nº2 do artigo 644º, contudo ao abrigo do disposto no nº5 do artigo 139º do CPC o ato poderia ainda ter sido praticado nos três primeiros dias úteis subsequentes, ou seja, até ao dia 13.05.2025.
F. Os Recorrentes deram entrada do Recurso no dia 12.06.2025, muito para além do prazo previsto na Lei, razão pela qual o Recurso é manifestamente extemporâneo.
G. Ainda quanto à matéria da ausência de suprimento da procuração que havia sido protestada juntar na contestação, a verdade é que a sede própria para os Recorrentes o terem feito poderia ter sido por simples requerimento com vista à sanação do alegado vicio ao Tribunal a quo, é isso que se retira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº3801/21.2T8SNT.L1.S1.
H. Pelo que também pelas razões supra, quanto a este ponto, não deverá ser admitido o presente Recurso.
I. Mas também não assiste razão aos Recorrentes no que se refere à sua alegação de que o despacho que foi notificado para a junção da procuração deveria ter sido notificado às partes e que, em consequência, não pode daí ser retirada a cominação do artigo 48º do CPC.
J. A Recorrida entende que até poderia assistir razão aos Recorrentes no que se refere à alegada necessidade de notificação das partes para além do mandatário, não fosse o facto de esta entender que, uma coisa será a atuação do advogado sem ter junto procuração, e outra diferente, será a situação em que o advogado na sua intervenção processual, no caso, na contestação, protestar juntar a procuração.
K. No caso em que o mandatário protesta juntar a procuração o mandato já havia sido conferido verbalmente, razão pela qual o mandatário elaborou a contestação, juntou documentos que só as partes eram detentoras e até fez prova do pagamento da taxa de justiça.
L. Mais ainda, tanto o mandatário tinha o mandato, que é este que permanece no processo e continua a representar os Recorrentes no âmbito do presente Recurso.
M. Pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo nº169/09.9TBPRG-A.P1:“Escreve a este propósito Lebre de Freitas em comentário que o mencionado artigo 40º refere-se aos casos em que tenha intervindo advogado ou solicitador sem procuração ou com procuração insuficiente (concederam-se poderes, mas não para o acto praticado) ou irregular (não foram observados os requisitos de forma do art. 35).(…) “Diversa é a situação em que o advogado protesta juntar procuração, que tenha invocado mas não haja acompanhado a peça em que a invoque, caso este em que apenas ele (deve ser notificado para a juntar, sem sujeição imediata à cominação da 2ª parte do n° 2; só se não o fizer no prazo que para o efeito lhe for fixado é que se segue a aplicação do regime do artigo, "por tudo se passar como se ocorresse falta de mandato" (ac. do TRL de 9.11.73, BMJ, 231, p.200)
N. O mesmo entendimento decorre do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo nº190/14.5PLLRS-A.L1-5, pode ler-se: “I - Quando o advogado, ao praticar em juízo determinado acto em nome da parte, protesta juntar procuração justifica-se que o juiz não desencadeie logo o mecanismo de rejeição previsto no art. 48 do Código de Processo Civil" aplicado ex vi art. 4.° CPP. II - Há-de, naturalmente, o juiz mandar notificar apenas o advogado para juntar a procuração em falta, sem sujeição imediata à cominação prevista no art. 48 do Código de Processo Civil" aplicado ex vi art. 4.° CPP.”
O. A ser assim e tendo o mandatário protestado juntar a procuração como o fez na contestação deve apenas este ser notificado e ninguém mais para além deste.
P. Assim não procede o argumento que os Recorrentes não foram notificados nas suas pessoas e empresa e por essa razão a sentença está ferida de vicio de nulidade.
Q. Quanto ao ponto das motivações de Recurso dos Recorrentes no qual é alegado que a existência de sinal computado em €99.850,00, por consistir em convenção em contrário, obsta a que a Recorrida obtenha sentença que produza os efeitos da declaração negocial da contraparte.
R. Também não assiste razão aos Recorrentes quando dizem que no contrato promessa de compra e venda foi consignado sinal e que tal, obsta à execução especifica.
S. É que, tal presunção não é de aplicar aos casos previstos no nº3 do artigo 830º do CC, ou seja, nos casos em que o contrato-promessa tiver por objeto a celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fração autónoma dele, já construído, em construção ou a construir.
T. Nesses casos o direito à execução especifica não pode ser afastado, que é o caso do imóvel objeto do contrato promessa de compra e venda dos autos, pelo que, também não pode proceder tal alegação.
U. Quanto ao ponto das motivações de Recurso dos Recorrentes no qual é alegado que, tendo considerado que as quantias pagas mensalmente pela Recorrida, a partir de 31 de março de 2012, devem ser havidas como sinal, o Tribunal a quo deixou de prenunciar-se sobre questão que deveria apreciar, isto é, não se prenunciou quanto à alteração das circunstâncias em que em 2012, as partes fundaram a decisão de contratar. As quantias pagas mensalmente pela Recorrida a partir de março de 2012 não podem, simultaneamente, ser havidas como reforço de sinal e princípio de pagamento e como compensação pelo uso de bem alheio.
V. Pode ler-se no Ponto 6 dos factos provados que “Com a celebração do contrato promessa de compra e venda foi dada a tradição do imóvel à Autora.”
W. Na Clausula 3ª do Documento 1 junto com a PI pode ler-se: “A Promitente- Compradora, a partir da outorga do presente contrato assume a total responsabilidade pela utilização da fração, obrigando-se ao pagamento de todas as despesas de água, eletricidade, gás, telefone, despesas do condomínio e todos e quaisquer outros custos resultantes do uso doméstico da referida fração.”
X. O que é o mesmo que dizer que, as obrigações da Recorrida são essas e nenhumas outras.
Y. Em momento nenhum foi celebrado qualquer contrato de mútuo ou de arrendamento, razão pela qual as quantias entregues pela Recorrida aos Recorrentes, foram-no a título de sinal.
Z. E no ponto 23 dos factos provados lê-se: “A Autora desde a celebração do contrato promessa de compra e venda em 13.04.2012, a título de sinal e reforços de sinal, a Autora liquidou até à presente data, o valor de 99.650,00 (noventa e nove mil seiscentos e cinquenta euros)”
AA. Assim, está provado que os valores que a Recorrida entregou aos Recorrentes foram-no a título de sinal, o thema decidendum, que é constituído pelo pedido e a causa de pedir da Autora, no caso dos presentes autos, o Tribunal a quo conheceu da matéria que tinha de conhecer, e, portanto, nenhuma omissão de pronuncia se verifica, sendo improcedente tal arguição.
Nestes termos e nos melhores de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de vossas excelências, Venerandos Desembargadores, não deverá ser admitido o presente Recurso porquanto o mesmo não se encontra em tempo.”
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Colhidos os vistos cumpre decidir.
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II. Questão prévia: Da extemporaneidade do recurso.
Entende a Recorrida que o recurso é extemporâneo porque no seu entender os RR. pretendem recorrer do despacho datado de 30/10/2024 que teve como objeto o desentranhamento da contestação; este despacho é objeto de recurso ao abrigo do disposto na alínea d) do nº2 do artigo 644º do Código de Processo Civil, sendo o prazo para recorrer de quinze dias, nos termos do disposto na 2ª parte do nº1 do artigo 638º; mais alega que os RR. foram notificados da Sentença nos dias 19/4/2024 e 23/4/2024 e apresentado recurso em 12/6/2025, o Recurso é manifestamente extemporâneo.
Desde logo, verifica-se um manifesto lapso nas datas referidas pela Recorrente; a Sentença foi proferida em 8/5/2025, as notificações foram enviadas a 12/5/2025.
Nos termos do art.º 644.º, n.º 2, d) do Código de Processo Civil:
“2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância: (…)
d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova; (…)”;
O prazo para interposição de tal recurso é de 15 dias, nos termos do disposto na 2ª parte do n.º 1 do artigo 638º do mesmo diploma.
Sucede que no presente recurso não está em causa o despacho a admitir ou rejeitar a contestação; o que está em causa é anterior a esse despacho - é a nulidade que consiste na omissão da notificação às partes para juntar procuração e, sendo o caso, ratificar o processado.
Tal nulidade, a verificar-se, reflecte-se na sentença proferida, causando por sua vez a nulidade desta. Desta forma tal nulidade deve ser arguida no recurso interposto da própria Sentença (conforme melhor se explicitará infra), tal como ocorreu.
A Sentença foi notificada às partes por notificação expedida a 12/5/2025, conforme resulta dos autos, pelo que o recurso, interposto a 12/6/2025, está em tempo, conf. art.º 638º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
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III. Questões a Decidir:
Como resulta do disposto pelos artigos 5º; 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 e n.º 3, todos do Código de Processo Civil, e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores, para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que no caso concreto as questões a apreciar, no que ao recurso interposto pela R. respeita, consistem em:
- Da nulidade por falta de notificação dos RR. para os efeitos do artigo 48º do Código de Processo Civil;
- Da nulidade da sentença;
- Do erro de Direito na aplicação do art.º 830º do Código Civil.
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IV. Da Nulidade por falta de notificação dos RR. para os efeitos do artigo 48º do Código de Processo Civil.
Para a decisão desta questão há que atender-se à factualidade constante do relatório supra, de onde resulta que, junta a contestação subscrita pro advogado que protestou juntar procuração, o mesmo não o fez e foi imediatamente proferido despacho a dar sem efeito a contestação apresentada e a ordenar o seu desentranhamento, sem que fossem notificados os RR. para proceder à junção em falta (e, sendo o caso, proceder à ratificação do processado).
Determina o art.º 40º, n.º 1 a) do Código de Processo Civil que é obrigatória a constituição de advogado nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário, como é o caso; de acordo com o art.º 41º do Código de Processo Civil “Se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, determina a sua notificação para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, de não ter seguimento o recurso ou de ficar sem efeito a defesa.”
Dispõe ainda o art.º 48º do Código de Processo Civil que:
“Falta, insuficiência e irregularidade do mandato
1 - A falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem, em qualquer altura, ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo tribunal.
2 - O juiz fixa o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o processado, findo o qual, sem que esteja regularizada a situação, fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas respetivas e, se tiver agido culposamente, na indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa.
3 - Sempre que o vício resulte de excesso de mandato, o tribunal participa a ocorrência ao respetivo conselho distrital da Ordem dos Advogados.”
Nos casos em que, sendo obrigatória a constituição de mandatário, se apresenta a própria parte a subscrever um articulado, não se duvida que deve ocorrer a notificação da própria parte para conferir procuração e fazer-se representar por advogado na acção.
Já nas situações como a dos autos em que a contestação é subscrita por advogado que protesta juntar procuração, entende-se que a notificação a fazer há-de ser em primeiro lugar ao próprio advogado a fim do mesmo regularizar a situação fazendo a junção das procurações em falta.
No entanto, sempre se terá de proceder à notificação das partes nas situações em que, como sucedeu, o advogado não junta as procurações, assim como se teria de proceder à notificação das partes para ratificar o processado caso a data das procurações fosse posterior à do acto praticado, sob pena de nulidade nos termos do art.º 195º do Código de Processo Civil.
Segue-se aqui a fundamentação do Acórdão da Relação de Lisboa de 2/7/2019, Proc. n.º 39297/18.2YIPRT.L1-7, onde ainda se refere outra doutrina e jurisprudência pertinentes:
“Se não for junta a procuração forense e se se protestar juntá-la, deve o tribunal, notificar o advogado subscritor da peça processual para a juntar, nos termos do nº 2 do art. 48º.
Mas se o advogado não juntar aos autos a procuração, tudo se passa como se não houvesse mandato, devendo o tribunal notificar a parte para juntar a procuração e ratificar o processado.
A falta, insuficiência ou irregularidade de mandato têm consequências tanto para a parte como para o advogado que subscreveu a peça processual. (…) é à parte, enquanto mandante, que cumprirá suprir a falta de procuração ou ratificar o processado.
Trata-se de acto que a mesma deve praticar pessoalmente e para isso deve ser assegurado que chega ao seu conhecimento não só a existência de falta, insuficiência ou irregularidade do mandato, mas também o prazo que tem para a suprir e as consequências que podem advir não sendo a falta corrigida.
Como se escreveu no Ac. do STJ de 19.3.2009, P. 09A0330 (Alves Velho, em www.dgsi.pt, (…) “…, pensa-se que sendo a parte a detentora do poder de praticar os actos de suprimento do vício do mandato e de ratificação do processado, o efeito útil da notificação só é alcançável se lhe for comunicada a decisão de declaração da irregularidade e o prazo para a sanar, tal como se entende que a notificação deve ser cumulativamente efectuada ao mandatário, interessado em evitar as sanções cominadas na norma (pagamento das custas e, em tendo agido com culpa, indemnização). Com efeito, perante o vício, o mandante, ou o corrige, juntando ao processo procuração regular e ratificando o processado, ou, revelando não pretender aproveitar os actos praticados pelo mandatário, responsabilizando-o, assim o declara ou se remete à inércia. Para tanto, como escreve A. RIBEIRO MENDES no douto Parecer junto, conquanto a propósito da espécie de notificação (pessoal ou postal), a efectuar “o que importa é assegurar, em qualquer caso, que a própria parte tem conhecimento da insuficiência ou irregularidade da procuração que passou ou até da falta da procuração invocada e que tem o ónus de ratificar o processado, se suprir a irregularidade”. Seria até contraditório, parece-nos, defender-se ser de tomar por válida e eficaz uma notificação para a prática de actos em representação e por conta da parte a mandatário judicial sem mandato da mesma ou com mandato já declarado insuficiente ou irregular.”.
E no Ac. da RP de 15.7.2009, P. 0825437 (João Proença), em www.dgsi.pt, (…), escreveu-se, de forma impressiva, que “A intervenção de advogado sem procuração, que protesta juntar, é, até ao momento da sua junção, em tudo semelhante ao exercício do patrocínio a título de gestão de negócios. “Dá-se a gestão de negócios, quando uma pessoa assume a direcção de negócio alheio no interesse e por conta do respectivo dono, sem para tal estar autorizada” - artigo 464º do Código Civil. Na hipótese da existência de mandato sem procuração, a autorização para o mandatário intervir no processo existe, muito embora não seja nos autos conhecida. Deve, porém, notar-se que só o advogado e a parte se encontram em posição de saber se a autorização para intervir no processo existe ou não. Na perspectiva do tribunal, que desconhece as relações entre eles estabelecidas, o caso perfila-se de modo em tudo idêntico. Porque assim é, porque numa e noutra hipótese nada existe nos autos que ateste os necessários poderes do mandatário, e porque não se encontra ao alcance deste suprir essa omissão, subscrevendo procuração e declarando ratificar o processado, parece lógico que deva ser a própria parte, e não quem a patrocine, notificada para os fins do disposto no nº 2 do art. 40º do CPCiv. Se só a parte pode remediar tal falta, é condição necessária que isso lhe seja comunicado, e não ao seu patrono, que mais não poderá fazer que efectuar diligências extrajudiciais junto da sua parte, instando-a praticar os actos necessários”.
Afigura-se-nos, portanto, que não sendo junta aos autos a competente procuração forense, mas protestando-se juntá-la, deve optar-se por uma de duas soluções: ou o tribunal notifica o advogado para a juntar, com a ratificação do processado sendo caso disso, e, não sendo, ainda assim, junta, notifica, então, a parte para o fazer; ou notifica logo o advogado e a parte nos referidos termos.
Em todo o caso, a parte tem, sempre, de ser notificada, sob pena de nulidade, com relevância no exame e decisão da causa – art. 195º.
Neste sentido se tem pronunciando, maioritariamente, a jurisprudência – ver, entre outros e para além dos citados pelo apelante, os Acs. da RL de 21.3.2012, P. 259/09.8TTLSB.L1-4 (Filomena Carvalho), de 8.11.2012, P. 1346/05.7TCSNT.L1-6 (Fernanda Isabel Pereira), de 15.5.2014, P. 19145/12.8YYLSB-B.L1-6 (Fátima Galante), de 21.12.2017, P. 1921/16.4T8BRR.L1-4 (Albertina Pedroso), da RP de 16.1.2009, P. 0846188 (Paula Leal de Carvalho), de 28.6.2012, P. 758/09.1TBLMG.P1 (Filipe Caroço), da RC de 26.10.2016, P. 3635/15.3T8ACB.C1 (Maria José Nogueira), e da RE de 20.10.2011, P. 620/10.5 T2STC (Rosa Barroso), todos em www.dgsi.pt.
Na doutrina, pode ver-se António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., 2ª ed., rev. e ampl., págs. 63/64, e nota 106, e Lebre de Freitas, no Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 81.”
Do que se escreveu resulta que não é admissível, sob pena de nulidade, que não se dê conhecimento e oportunidade à parte de sanar a irregularidade cometida, declarando-se sem mais e desde logo o desentranhamento da contestação apresentada.
Tal viola não só o comando do n.º 2 do art.º 48º como o dever consagrado no art.º 6º, n.º 2 do Código de Processo Civil, segundo o qual: “O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.”
A omissão em causa integra-se na previsão do art.º 195º do Código de Processo Civil, nos termos do qual as nulidades processuais podem consistir na prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito na lei ou realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido, sendo que no âmbito desta norma, as irregularidades aí previstas (não cabendo na previsão das nulidades principais, previstas nos artigos anteriores do Código de Processo Civil) só determinam a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no art.º 199º do Código de Processo Civil.
Tal coloca a questão da necessidade da arguição desta nulidade ter de ser feita em primeiro lugar junto do tribunal Recorrido, não sendo o recurso de apelação o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos art.º 196º a 199º do Código de Processo Civil.
Outra nova linha doutrinária e jurisprudencial tem defendido no entanto que a omissão de uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com aquela que aqui nos ocupa, configura a nulidade da sentença/despacho, por omissão ou excesso de pronúncia.
Aplica-se aqui a doutrina defendida por António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Ed., pág. 26 e 27, a propósito das sentenças proferidas sem prévio exercício do contraditório, onde pode ler-se: “(…) a questão nem sempre encontra resposta tão evidente noutros casos, designadamente quando é cometida nulidade de conhecimento oficioso ou em que o próprio juiz, ao proferir a sentença, omite uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa.
A sujeição ao regime das nulidades processuais, nos termos dos arts. 195º e 199º levaria a que a decisão que deferisse a nulidade se repercutisse na invalidação da sentença, com a vantagem adicional de tal ser determinado pelo próprio juiz, fora das exigências e dos encargos (inclusive financeiros) inerentes à interposição do recurso.
Porém, tal solução defronta-se com o enorme impedimento constituído pela regra praticamente inultrapassável, ínsita no art. 613º, norma a que presidem razões de certeza e de segurança jurídica que levam a que, proferida a sentença (ou qualquer outra decisão), esgota-se o poder jurisdicional, de modo que, sendo admissível recurso, é exclusivamente por esta via que pode ser alcançada a revogação ou modificação do teor da decisão. (…)
Por conseguinte, num campo de direito adjectivo em que devem imperar factores de objectividade e de certeza no que respeita o manuseamento dos mecanismos processuais, parece mais seguro assentar em que sempre que o juiz, ao proferir alguma decisão, se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita uma formalidade imposta por lei, a parte interessada deve reagir através da interposição de recurso sustentado na nulidade da própria decisão, nos termos do art. 615º, nº1, al. d). Afinal, designadamente quando a sentença traduza para a parte uma verdadeira decisão-surpresa (não precedida do contraditório imposto pelo art. 3º, nº3), a mesma nem sequer dispôs da possibilidade de arguir a nulidade processual correspondente à omissão do acto, sendo o recurso a via mais ajustada a recompor a situação integrando no seu objecto a arguição daquela nulidade.”
Esta interpretação revela-se coerente com a atual concepção do principio do contraditório, entendido como “garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão” – conf. José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil - Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código, pag. 125.
Veja-se o que se refere no Acórdão da Relação do Porto, de 27-01-2015, Processo nº 1378/14.4TBMAI.P1:
“(…) o Prof. Alberto dos Reis [in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, reimpr., pg. 424] ensinava que “A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem actos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão do tribunal, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infracção de disposição de lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (…) e não por meio de arguição de nulidade de processo”.
Também o Prof. Manuel de Andrade [in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pg. 183] entendia que “se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. Trata-se em suma da consagração do brocardo: «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se».”
Igual entendimento perfilham os Profs. Antunes Varela [in Manual de Processo Civil, 1985, pg. 393] e Anselmo de Castro [in Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 1982, pg. 134]. O primeiro, refere que “se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”. O segundo, diz que “tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso (…)”.
Este Acórdão foi objecto de comentário pelo Prof. Miguel Teixeira de Sousa, acessível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=nulidade+da+senten%C3%A7a:
“Uma sentença só pode constituir uma nulidade processual nos termos do art. 195.º CPC se o que estiver em causa não for a sentença como acto, mas antes a sentença como trâmite. Se, a seguir à fase dos articulados, o juiz proferir, em processamento normal, a sentença final, este proferimento constitui uma nulidade processual, porque a sentença é proferida num momento que não é o estabelecido pela lei.
Sempre que o que esteja em causa seja o conteúdo da sentença (e em que, portanto, a sentença tenha de ser vista como acto), o que pode haver é uma nulidade da sentença, nunca uma nulidade processual.”
No caso, a Sentença proferida é nula no seu conteúdo; a mesma foi proferida em termos que decorrem da omissão praticada, omissão que afectou o seu próprio conteúdo; é nula nos termos do art.º 615º, n.º 1, d) do Código de Processo Civil uma vez que deixou de considerar a contestação apresentada, não providenciando no devido tempo pela regularização do vício em causa.
Desta forma, procede o Recurso interposto, pela verificação da nulidade da Sentença por força da omissão em causa; o processado deve igualmente ser todo anulado nos termos do art.º 195º, n.º 2 do Código de Processo Civil desde o despacho proferido em 30/10/2024, inclusive, aproveitando-se porém as procurações que foram juntas aos autos em sede de recurso e devendo determinar-se a notificação dos RR. BB, CC, DD e EE para, em dez dias, procederem à ratificação do processado (face às datas constantes das procurações) e prosseguindo o processo os seus ulteriores termos.
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Face ao que ficou decidido supra, prejudicado ficou o conhecimento das restantes questões suscitadas no presente Recurso.
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V. Das custas do recurso.
Nos termos do art.º 527º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil, as custas do recurso interposto são a cargo da Recorrida.
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DECISÃO:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar procedente o Recurso interposto declarando-se nula a Sentença proferida e anulando-se o processado desde o despacho proferido em 30/10/2024, inclusive, aproveitando-se porém as procurações que foram juntas aos autos em sede de recurso e devendo determinar-se a notificação dos RR. BB, CC, DD e EE para, em dez dias, procederem à ratificação do processado e prosseguindo o processo os seus ulteriores termos.
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As custas do Recurso são a cargo da Recorrida.
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Registe e notifique.

Lisboa,
Vera Antunes
Isabel Maria C. Teixeira
Carlos Miguel Santos Marques